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crise: perturbação temporária ou condição criativa? euler sandeville - abr-jun 2011 - para na borda n. 1 Crise: perturbação temporária ou condição criativa Euler Sandeville Jr. http://espiral.net.br http://arte.arq.br esta versão tem diferenças em relação à versão publicada crise: perturbação temporária dos mecanismos de regulação de um sistema, de um indivíduo ou de um grupo ou que o conduz ao colapso mais ou menso duradouro, mais ou menos grave, de alguns elementos e relações (inspirado no oráculo de Google). Os cachorros não fazem as coisas que fazemos... Medos e lutas consomem amores fugidios inalcançáveis. O mundo se esvai pelos dedos como água corrente. Indagações em profusa navegação. Uníssono na queda imensa da cachoeira do rio do mar nos noturnos nas contravoltas das ondas pensamentos esquartejados como grãos de quartzo que revelam a plenitude das esperanças como brilhos que se devolvem ao sol. Abraço o ar. Tormentas. Dissolvo na luz. Transeunte das crenças e valores na imperfeição em que resido a cada dia a cada fragmento perco no mundo uma parte que não volta em parte fica na parte que abrigo nos sonhos. Por vezes como afeto outras tantas como grito escancarado ou como lágrimas que em silêncio escorrem convulsionando a face que se oculta na garganta. Makedonska - Stameno, mome mori crna čerešo (Bapčorki) Dirijo. Pela cidade as lágrimas escorrem pela face – a minha - como se fossem paredes na unidade do inverno e gás o contato dos corpos. Dores de ontem sem lembrança. Dores de hoje covardia de ver o amor. Descrença. Medo fuga em tropel de pensamentos e ritmos em lugares errados aos quais o romance se nega por desconfiança. Pânico. E desejo, quem diria? Gostar, o que seria, senão ilusão sobre o que somos e sobre o possível que nos faz brilhar os olhos? Ouviria a mesma música a noite inteira em transe, embriagues e dança livre. Ouviria as pessoas a noite inteira se não nos 1

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Crise: perturbação temporária ou condição criativaEuler Sandeville Jr.http://espiral.net.brhttp://arte.arq.br

esta versão tem diferenças em relação à versão publicada

crise: perturbação temporária dos mecanismos de regulação de um sistema, de um indivíduo ou de um grupo ou que o conduz ao colapso mais ou menso duradouro, mais ou menos grave, de alguns elementos e relações (inspirado no oráculo de Google).

Os cachorros não fazem as coisas que fazemos...

Medos e lutas consomem amores fugidios inalcançáveis. O mundo se esvai pelos dedos como água corrente.

Indagações em profusa navegação. Uníssono na queda imensa da cachoeira do rio do mar nos noturnos nas contravoltas das ondas pensamentos esquartejados como grãos de quartzo que revelam a plenitude das esperanças como brilhos que se devolvem ao sol.

Abraço o ar. Tormentas. Dissolvo na luz. Transeunte das crenças e valores na imperfeição em que resido a cada dia a cada fragmento perco no mundo uma parte que não volta em parte fica na parte que abrigo nos sonhos. Por vezes como afeto outras tantas como grito escancarado ou como lágrimas que em silêncio escorrem convulsionando a face que se oculta na garganta.

Makedonska - Stameno, mome mori crna čerešo (Bapčorki)

Dirijo. Pela cidade as lágrimas escorrem pela face – a minha - como se fossem paredes na unidade do inverno e gás o contato dos corpos. Dores de ontem sem lembrança. Dores de hoje covardia de ver o amor. Descrença. Medo fuga em tropel de pensamentos e ritmos em lugares errados aos quais o romance se nega por desconfiança. Pânico. E desejo, quem diria?

Gostar, o que seria, senão ilusão sobre o que somos e sobre o possível que nos faz brilhar os olhos? Ouviria a mesma música a noite inteira em transe, embriagues e dança livre. Ouviria as pessoas a noite inteira se não nos

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disséssemos de vários modos ausentes e não sentisse a incapacidade de conversar para além das palavras só pensasentimentos desejantes e rubros no canto de quarto ou sala. Se não sentisse consumir a veia a remota ideia de encantamento. Pessoas já tão doídas que com razão afastam-se aos lugares escuros do salão. Nos locais iluminados como fantasmas viventes na névoa que evapora das nuvens em brasa. Compram e ingerem.

Dirija, dores de adolescência, dores de escola, dores de infância chore choro copioso agora livre pela rua em solidão já quase como o tal fantasma, precoce. Revela-se a um tempo imenso e agora já tardio; reelabora-se no instantâneo. Escorre. Um pouco mais lento edifica castelos de cristais com as mãos acariciando um mundo que não existe mais. Frágeis os cristais dissolvem-se no álcool como prismas de luz embriagando medos sem medida na ciência que se dissipa no erro. Dissolvem-se como cristais de sal na chuva e somem ao sol esperado como canção que revela da alma o âmago portal por onde atravessa capilar a dor oceânica a crença celestial o destino escreve-se na pedra como uma mensagem inexpugnável ao futuro. Com dificuldade e habilidade, com rendição que não se entrega e devora, os cristais escorrem pelo chão desperdiçando-se na drenagem nos bueiros imensos que abrimos no real.

Yann Tiersen - 08 Amelie

Feche as portas para ocultar aos vizinhos todos os sons. Agonia a falência da esperança a família em reboliço os pratos flutuando no ar sujos de macarrão e quebrados na imaginação do carinho em devassa. Todos os gritos que consomem ardem florescem, berram verdades na boca escancarada como pedido de socorro e recusa entranhada na pasta de dente e menta mente interrompida com a violência do escarro, no espelho sem forma das lembranças comuns.

Sua imagem persegue agora autônoma e sem corpo em busca de seus sonhos percebo sem que os diga e tua rejeição é o selo do teu amor. Todas as dores juvenis desenham uma maturidade esquecida de si que não tem o álibi do esquecimento. Todas as verdades ardem envergonhadas da intensidade da chama e de seu descontrole ao serem tão essenciais à própria combustão o arrefecimento do olhar no horizonte a matéria-prima do drama. A performance de entregar-se inerte.

Entregar-se ao que nos olhos contempla sem nada saber sobre o que pensa o que fala sabe o que sente e a punição de ainda amar depois de tantas dores causar de tantas dores sofrer de tanta ilusão consumir o ventre como labareda na noite fria. Ao som da salsa o que se ouve é outra melodia que esgarça-se do piano dos apaixonados dos errantes e dos perdidos; clama o teclado da mente como um ente temeroso na umidade das florestas escondido entre brotos e cascas que ao chão em breve pertencerão. Decomposição vital à vida decompondo poéticas métricas e canções em servidão e um breve saborear da liberdade. Rasgue as não-verdades sem pudor sem medo senão o medo maior

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de vivê-las de entregar-se de apresentar-se e aprender. Como adolescente oculto em seus sentimentos dizendo-os pelo avesso, feneça dizendo-os pelo avesso pelas entranhas o verso essencial flui como movimento oculto no olhar pelo medo das palavras jogadas à toa à revelia de sentido na altitude carnal do espírito dos bares e deixa deixa deixa mais uma vez passar a esperança porque duas pessoas jamais se encontram senão no desejo revelado da carne da alma no medo cruel e sedutor de entregarem-se e descobrirem-se nuas, completamente nuas uma ante a outra.

Como parto rasga às portas o terror do desconhecido costura estórias na parede que não se confessam. Dirige, às lágrimas entrega as verdades os revividos momentos das maiores dores e perde-se não na estrada mas nas paredes de casa como um ermitão que não precisa ser mas não sabe que a montanha em que se perde em busca da liberdade jamais se move senão na eternidade que lhe escapa: entre as rochas o mundo se esvai por pequenas frestas como torrente que inunda os vales e derrota as catedrais suntuosas revelando-se pleno de lenta infiltração na areia grossa da várzea. Mas os homens homenageiam suas ruínas abrigando-se em eletrodomésticos e artefatos com design e vídeo.

Zanovet - Or neveste

Chore enquanto dirige o cansaço e quase desiste. Desiste? A terra imensa roda ao contrário dos sentimentos humanos deslocada por ambições sem medida inconfessáveis. A injustiça desenha a cidade e é seu arquiteto insensível do qual somos clientes e patronos. Chore as realidades as maldades sem fim que nossa geração constrói culpando o capital o outro o próprio olho em si que não enxerga senão um mundo de umbigos que são como vazantes de todo afeto e toda a verdade desculpando as ações que de fato tecem o mundo. Tecemos mundos uns com os outros e nada sabemos dessa arte inevitável. Ricos e pobres partilham a mesquinharia opressiva do outro pelas oportunidades e dizem: não fui eu.

Não fui eu;

não fui eu

Não fui eu quem fez sou inocente deste mundo e acumulam justiças ímpias o quanto podem como se as palavras pudessem ocultar os sentidos praticados. As palavras sem sentido escorrem com facilidade injustificável pelo meio-fio das verdades perdendo-se nos escrotos em bocas-de-lobo que sorvem a alma em troca de quimeras que se desfazem como algodão-doce que jamais pede o real senão o fascínio do próprio sabor. Do real toma-se travestido de conveniência como em um prostíbulo de ofertas e vanidade; solidão desesperançada que mal lembra o que um dia foi. Quase já não se vê solução, entranhada a indiferença em uma cidade de alvenaria de desculpas cimentadas por avareza. Chore, caminhe e chore. Choro, caminho e choro. Ria, caminhe e chore, choro caminho e sorrio.

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Sou inocente.

Inocente...

Queria mandá-los à merda mas isso só nos faria cativos do que são perdendo a perdição da resistência em palavras fáceis e aceitáveis esperadas. Resista como uma árvore diante da onda gigantesca e da qual não restará nada senão as marcas das raízes desaparecendo no solo do qual desaparecerá em breve na lama que seca no passar dos dias. Mas esta é sua história. Esse bando covarde de falas elegantes e aceitáveis... enjoam-nos e nem isso podemos dizer-lhes pois são todos reis e deuses, em sua insignificância poderosa e inútil.

Fútil.

Етномузиколошки одсек Музичке школе 'Мокрањац', Београд - Сунце јарко трепери да зађе (Западна Србија)

Caio de joelhos em busca do céu. Sem palavras indago e indague e indago com o coração devassando a si mesmo na extensão imensa da paisagem noturna. Entoe cânticos como esculturas recuperadas à argila em bruto na beira-rio sem palavras ou sentidos que não o clamor sem resposta que não seja a evidência do que nos cerca.

Caminhe por cordas arriscando-se sobre promontórios do destino e do desafeto propondo não render-se. Senão à morte do corpo que como quem ama o silêncio em ruídos sem fim considere como um destino limítrofe entre o cansaço e a esperança, que não deve ser antecipado. Mas há alguma razão para que deva ser prorrogado? Nossos atos ora nos condenam ora nos libertam mas a alma espera fluir como um sopro quente e livre por uma brecha ainda invisível nessa teia de vapor gorduroso enjoativo. O vento que desconhece a lei da atmosfera sabe seu caminho e sabe que o seu é instável. É o guia no oceano e ilhas que se afastam e se aproximam na forma de arquipélagos em abandono, baias, horizontes assombrados pela curiosidade. O corpo dança no frio da noite em solidão inconsolável em verdade solitária e solidária a verdade de ser no mundo uma rota de fuga que ao invés de sair encara e luta como resistência muda. Rejeite com indiferença e não ouça os cantos desafinados mal disfarçados dos governos e os líderes e as ambições camufladas em discursos. São o convencimento que resta fácil, normativo e consumista como se fossem necessários e de fato são o cemitério do mundo que um dia todo homem deve ter visto ou sonhado possível tornar-se outro melhor. Não lhes dê maior atenção, atravesse-os com o que de fato é necessário e humanitário, pacífico e verdadeiro, o quanto possível sem melar-se nesse vomitório cujo gosto repulsa sentir mesmo que por um momento, ânsia, e a nojeira escorrendo sobre as flores como fertilizantes que inserem o veneno na beleza.

Баклава - Облаче

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O sol insinua-se lá fora ignorando minhas súplicas por repouso entre os escuros cintilantes e as nuvens rasgando claros em meus olhos que se fecham em busca sem fim de horizontes e lugares poéticos próximos do infinito ou do tato. Breve é tudo o que sei e sei cada vez menos. A luta da vida e da morte se renova por toda a parte e sinto seu cheiro. Encontro meu destino no caminhar sem outra razão que o vento na face a solidariedade no coração a lágrima secando nos olhos da alma como pulsão apaixonada que umedece e incandesce o percurso embrulhando o impossível com esperança e desespero.

Na borda do centro as mãos em cicatriz do vento em um cartaz do Atelier Populaire avança da sacada do prédio em busca da cidade adormecida, entre discurso ideologia e paixão, entre possibilidade e negação, entre mundos emudecidos. Dançamos um tipo de música étnica pela internet fumamos e bebemos em rodopios e alegrias. Na borda do centro a blindagem se expande ao se refazer da própria matéria-desejo que gera a transgressão como forma de inserção. E não nos protege a armadura de coisas recuperadas ao chão das ruas com as quais tecemos ideias que a cidade mesma sugere e despreza: cheias de sopro de vida. Vida e arte se re-tecem. E são desfeitas em editais e casas de vidro transformadas em panfleto fôlder enchendo a boca de ego e pregos de prata 950 com bisqui francês e papel jornal expostos na vitrine e fotografia. A noticia de jornal que faz o mundo parecer com ela antes dela faríamos do jornal apenas uma colagem do mundo-brecha por onde se espiar os mundos em suas representações revelando-lhes ritmos, ilusões, contradições, potências. A borda é um movimento dinâmico e instável, na qual não se acomoda o ser que será lançado no desequilíbrio à margem ou ao centro. Então esteja ateeeeento. Mas a borda se não fornece compreensão dela fornece além dela a compreensão do centro, o diálogo marginal, formando muitos centros que gravitam em editais da realeza acrescentando vida e desejo, mas tornando-se um texto há muito já escrito e inscrito. Crise que não gera crise, nem inquietação, ah-ah. Desejo de ser você mesmo e se expressar e desejo de ser outro, forças fundamentais que nos tecem e movem, brincar, expressar como ser em relação com o outro, como ser um outro dentro de você mesmo, o mesmo, e o vital. Apreensão. Oposição. Identificação. Experiência. Como um dia falta a linguagem o corpo e o prazer e uma sopa de letrinhas com recortes de jornal surreal matéria do concreto e do invisível que por um momento satisfaz. Mas não satisfaz.

Inquieta.

Ou deveria.

Vi em seus olhos desejos negros imensos embrulhados em celofane e conservados em hipnose dormente. Ou eram os meus em transe? A lucidez é como uma música que se dissipa no ar enlevando a alma em um noturno qualquer. 1, 2, 3, 4; uma mão para cá, uma mão para lá, agora o cotovelo, e o bumbum, 1, 2, 3, 4, respira fundo solta o diafragma, virar o olho para a direita quatro vezes, quatro para a esquerda, sente o globo ocular, agora para cima, para baixo, 1, 2, 3, 4,

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Perturbação temporária da inteligência...

rsrs

Euler Sandeville Junior, São Paulo, 30/04/2011, 06:31, 10:30, 01/05/2011, 02:18, 24/06; 19:13

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