crise da indústria automotiva não tem previsão para acabar

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Crise da indústria automotiva não tem previsão para acabar Vendas de agosto sobem, mas, para Anfavea, crise é conjuntural e não abala expectativa de longo prazo do setor As vendas de carros voltaram a cair. Após um breve respiro, com alta de vendas de 11,8% em julho, agosto volta a mostrar resultados fracos, alta de 5,3% nas vendas frente ao mês passado. O número de emplacamentos caiu 9,7% no ano, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A produção também não tem mais o mesmo ritmo de outrora – o número de carros fabricados está em 2,08 milhões de unidades, 18% menos que no mesmo período do ano passado. Luiz Moan, presidente da Anfavea, vê os números positivamente. Ainda que os resultados de agosto tenham vindo inferiores às expectativas. "A segunda quinzena de julho foi o fundo do poço", diz. A estimativa para o segundo semestre é de uma ampliação de 14,3% no número de emplacamentos frente aos primeiros seis meses do ano. Mesmo assim, as vendas devem acabar o ano com queda de 5,4%. "Em relação à média de licenciamentos, já estamos com crescimento de 2,3%", diz. "Vamos ter uma segunda metade do ano muito melhor." Moan, inclusive, acredita que haverá retomada no ritmo de crescimento da indústria automotiva ao de antes. "Só não sabemos quando", diz. "Somos um setor de investimento de longo prazo. Se não houvesse potencial, não havia tantos investimentos por aqui." Até lá, os programas de demissão voluntária e lay-offs devem continuar movimentando o mercado de trabalho do setor — o número de empregados é 5,5% menor que em agosto do ano passado.

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Crise Da Indústria Automotiva

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Page 1: Crise Da Indústria Automotiva Não Tem Previsão Para Acabar

Crise da indústria automotiva não tem previsão para acabar

Vendas de agosto sobem, mas, para Anfavea, crise é conjuntural e não abala expectativa de longo prazo do setor

As vendas de carros voltaram a cair. Após um breve respiro, com alta de vendas

de 11,8% em julho, agosto volta a mostrar resultados fracos, alta de 5,3% nas vendas

frente ao mês passado. O número de emplacamentos caiu 9,7% no ano, segundo a

Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A produção

também não tem mais o mesmo ritmo de outrora – o número de carros fabricados está em

2,08 milhões de unidades, 18% menos que no mesmo período do ano passado.

Luiz Moan, presidente da Anfavea, vê os números positivamente. Ainda que os

resultados de agosto tenham vindo inferiores às expectativas. "A segunda quinzena de

julho foi o fundo do poço", diz. A estimativa para o segundo semestre é de uma ampliação

de 14,3% no número de emplacamentos frente aos primeiros seis meses do ano. Mesmo

assim, as vendas devem acabar o ano com queda de 5,4%. "Em relação à média de

licenciamentos, já estamos com crescimento de 2,3%", diz. "Vamos ter uma segunda

metade do ano muito melhor."

Moan, inclusive, acredita que haverá retomada no ritmo de crescimento da

indústria automotiva ao de antes. "Só não sabemos quando", diz. "Somos um setor de

investimento de longo prazo. Se não houvesse potencial, não havia tantos investimentos

por aqui." Até lá, os programas de demissão voluntária e lay-offs devem continuar

movimentando o mercado de trabalho do setor — o número de empregados é 5,5%

menor que em agosto do ano passado.

Apesar do aparente pânico das montadoras – com feirões, pressões políticas para

manutenção de uma política fiscal mais favorável, férias coletivas, programas de

demissão voluntária, entre outros – não estava difícil imaginar que um cenário de

acomodação estava no horizonte próximo.

Depois do crescimento de 263% nas vendas de veículos nos 12 últimos anos,

começa a ficar difícil manter o ritmo. “A indústria de automóveis cresceu mais que a

economia nos últimos 12 anos. Muitas vezes esse crescimento foi artificial, mas o

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mercado ficou muito volátil”, diz Kalume Neto. “Já no ano passado, foram as vendas

diretas que sustentaram os níveis recorde de produção.”

Exatamente por isso, a indústria automotiva não foi pega de surpresa. No entanto,

para Renè Martinez, da EY, o maior problema é que o novo piso de vendas, depois da

corrida dos últimos anos, ainda é um território desconhecido para os participantes do

setor. “O principal ponto é identificar onde está a nossa curva de crescimento”, diz.

Nos bastidores, diz-se que a indústria automotiva está aproveitando o momento

eleitoral para pressionar por benefícios. Independentemente do resultado das eleições, a

parceria entre a indústria automotiva e o Governo Federal precisa ser mantida, uma vez

que respondem por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e 1,5 milhões de postos

de trabalho.

“Essa acomodação já estava na previsão de todo mundo. Esse movimento tem

mais pressão por mais benefícios que uma situação crítica mesmo”, afirma fonte ligada a

este mercado que prefere não se identificar. “No ano passado, o movimento foi

semelhante. A indústria já estava preparada para ter colocado airbag e freio ABS desde

2007 e, mesmo assim, no final de 2013 ainda estavam pressionando dizendo o quanto

encareceria os veículos.”

Moan afirma que o diálogo será mantido independentemente de quem vencer as

eleições. "Claramente somos uma instituição apolítica, mas representamos um quarto da

produção industrial do País, explica.

Montadoras querem redução tributária definitiva

Entre os desejos maiores das montadoras, está a manutenção de isenção do

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Sob a ótica do negócio, eles têm razão. “O

ponto fiscal é muito relevante para a indústria automotiva. Essa discussão ficará sempre

em pauta até que encontrem uma redução de carga tributária suficiente para que a alta

nas vendas amplie da arrecadação”, diz o especialista da EY. Mas a questão não é só

essa.

“Focar em preço é uma estratégia que funcionou até agora, mas precisam ser

mais criativos”, critica Martinez. É exatamente do valor agregado dos veículos que o

especialista fala. “Existem adaptações necessárias. É preciso entender de qual valor

agregado o consumidor precisa – que tipo de opcional ou condição de venda oferecer

para motivar ou antecipar a troca do carro.”

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De fato, o consumidor mudou. O carro vem perdendo o posto de sonho de

consumo do brasileiro. Mais que isso, ao satisfazer a demanda reprimida, o nível de

exigência do consumidor sobe. “As empresas nunca precisaram tanto revisitar seus

modelos”, aponta Martinez.

“Quem conseguir adequar os modelos ao público complexo e regionalizado

brasileiro, sairá em vantagem.” Adicione-se a essa discussão, também, a tal eficiência,

que tanto perturba a rotina de gestores de todos os setores produtivos nacionais.

A despeito do otimismo de Moan, ainda não há consenso sobre o tamanho da

recuperação deste segundo semestre. Renè Martinez, sócio de consultoria para a

indústria automobilística da EY, explica que a complexidade deste momento é tão grande,

que anda difícil criar estimativas razoavelmente seguras.

“Estávamos com uma retração de crédito muito forte, agora os bancos tem

começado a aliviar essa posição”, comenta o executivo. “Crédito é importante e deve

ajudar no próximo semestre, em conjunto com a maior quantidade de dias úteis.”

De fato, depois da tragédia no primeiro semestre, o caminho natural é de

recuperação. Mas, para Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da

Jato Dynamics, o mercado não volta a patamares anteriores tão cedo. “Nem em 2015

vamos ter uma recuperação do ritmo de crescimento”, diz. “A população, em geral, está

muito endividada com o orçamento comprometido. Antes de 2016, não veremos um

cenário de otimismo.”

Foco deve se voltar ao comércio exterior

Para as exportações, a coisa também não vai bem. Com a crise na Argentina,

principal parceiro da indústria automotiva brasileira, até agosto a Anfavea aponta uma

redução de 38,1% nas exportações de veículos.

Considerando atual momento como uma curva em direção à acomodação do

mercado interno, as expectativas devem recair sobre o mercado externo. “Em alguns

meses teremos mais fábricas e mais capacidade produtiva na indústria”, comenta René. A

fábrica da Chery, em Jacareí, iniciou as operações na última quinta-feira (28). Nissan e

Hyundai Caoa também já iniciaram as operações, no Rio de Janeiro e em Goiás,

respectivamente.

Também desembarcam por aqui a Audi, a BMW, a Jaguar Land Rover e a

Mercedes-Benz, todas com unidades em construção e com inauguração prevista para os

próximos anos. Ainda tem a chinesa JAC Motors, cuja promessa de abrir uma linha de

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montagem em Camaçari, na Bahia, ainda não foi cumprida. “Vamos ter de buscar uma

forma de desovar os carros dos pátios”, comenta Martinez.