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CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL: UMA COMPREENSÃO NECESSÁRIA NA BUSCA DE UMA MELHOR ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Vol. I - Ano 2016 ISSN 2446-5518
Alessandra Baldin1 Mareli Aparecida Schlindwein2
Veroni Lunkes3 Izaque Pereira de Souza4
Eixo: Serviço Social, Ética e Formação Profissional RESUMO: Este artigo objetiva discorrer sobre a construção histórica da pobreza e sua criminalização, bem como sua imbricação com os direitos humanos. Para o desenvolvimento deste artigo foi realizada uma pesquisa bibliográfica visando destacar marcos importante da gênese dos direitos humanos e da criminalização da pobreza. Posterior às reflexões, serão apresentadas algumas contribuições do Serviço Social para o enfrentamento dessa criminalização e sua atuação na garantia dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos. Criminalização da pobreza. Serviço Social.
INTRODUÇÃO Os direitos humanos atualmente tem sido tema de discussão em vários
espaços apesar de milhares de pessoas no mundo viverem ainda em situações de
pobreza, exclusão social, vulnerabilidades e em condições de violação extrema de
seus direitos de toda a ordem.
Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos Emergentes –
DUDHE (2007, p. 01), os direitos humanos são:
Direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
1 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected]. 2 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected]. 3Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected] 4Doutorando em Educação pelo PPE/UEM. Docente no Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/PR. Orientador e titular da disciplina de Direitos Humanos. Email: [email protected]
A Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988, também conhecida como
Constituição Cidadã5, traz em seu texto que todos possuem direitos e deveres,
desde os mais ricos aos mais pobres, brancos, negros, pardos, homens e mulheres,
idosos e crianças, sendo a lei é igual para todos. Contudo infelizmente nem todos
são iguais para ela, no tange suas aplicações. Vivemos em uma sociedade onde ser
pobre e negro é crime e não raro um homem branco de classe média não é
submetido a um tratamento igual ao dispensado a um negro pobre.
No Brasil a criminalização da pobreza é um processo histórico que se
enraizou em nossa cultura desde a época do Brasil colônia. O pobre brasileiro além
de enfrentar inúmeras dificuldades para sobreviver com um mínimo de dignidade,
tem que carregar o estigma de criminoso, de vagabundo. E quando negro e pobre
este preconceito maximiza o seu nível de periculosidade para níveis ainda maiores.
Nesse contexto, o presente artigo, objetiva construir um recorte histórico
sobre os direitos humanos, a pobreza e a sua criminalização. Por fim, serão
apresentadas algumas contribuições do serviço social para o enfrentamento dessa
criminalização e sua atuação na garantia dos direitos humanos.
Fizemos uma relação com a criminalização da pobreza pelos sistemas de
segurança e justiça e como esse processo tem se conformado como uma grave
ameaça à afirmação dos Direitos Humanos, sobretudo nas populações
pauperizadas. Isso posto, partirmos de algumas questões que nortearam o nosso
caminhar como, por exemplo, saber se a violência urbana é um fenômeno da
contemporaneidade ou tem sido perene na nossa história o que fez com que nosso
trabalho constitui-se essencialmente de pesquisa bibliográfica com ampla revisão de
literatura sobre o tema. Iniciamos nosso caminhar discutindo a concepção de direitos
humanos que iluminará nossa reflexão. Como todo tema amplo, também com os
Direitos Humanos é possível se falar sob diversos matizes. Por esta razão, e como
nosso objetivo final é analisar a realização destes direitos, não poderíamos começar
o estudo sem demarcarmos esta posição.
É sabida a absoluta impropriedade de se co-relacionar a pobreza como causa
da violência urbana, assim como é conhecida a complexidade que envolve este
fenômeno. Tendo o presente trabalho que adentrar nessa árdua discussão, a
5 Explicar porque é conhecida por constituição cidadã (indicar a fonte aqui e coloca-la nas referencias)
segunda parte da pesquisa será dedicada à problematização teórica da violência
urbana, dando ênfase à sua conformação na sociedade brasileira.
Tendo sido estabelecida nossa concepção de direitos humanos e
problematizadas as determinações da violência urbana, tornava-se imperioso
discutirmos a questão da pobreza, não só de maneira geral, mas particularmente
como ela se dá também no Brasil. Assim, a quarta e a quinta partes do trabalho são
voltadas à análise da questão social, do pauperismo na pós-revolução industrial e
como esse processo se realiza dentre nós. Todavia, não nos bastava discutir a
pobreza; essencial era entender a sua criminalização, razão pela qual encerraremos
nosso trabalho problematizando tal questão e a relacionando com a violência urbana
e com os Direitos Humanos.
1- DIREITOS HUMANOS
As discussões sobre o tema Direitos Humanos tem ocupado papel de elevado
destaque nos embates políticos, nas discussões teóricas e mesmo em programas
governamentais. À exceção de setores conservadores que os têm como entrave ao
eficaz enfrentamento à criminalidade, é quase retórica comum falar da defesa ou
promoção dos direitos humanos.
A Carta Política mexicana de 1917 em seus artigos 5º e 123, foi a primeira a
atribuir aos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, ao lado das liberdades
individuais e dos direitos políticos. Tal precedente histórico mostra-se relevante se
considerarmos que na Europa a consciência de que os direitos fundamentais
também possuem uma dimensão social só se afirmou após a Primeira Guerra
Mundial, de 1914 a 1918. Nos Estados Unidos, ainda, hoje a ideia de extensão dos
direitos fundamentais ao campo socioeconômico é largamente contestada
(COMPARATO, 2007).
A Constituição Mexicana de 1917, reagindo ao sistema capitalista, foi a
primeira a prever a desmercantilização da força de trabalho, reconhecendo a
igualdade substancial entre as posições jurídicas dos trabalhadores e dos
empresários no âmbito da relação contratual que os permeia (COMPARATO, 2007)
O texto constitucional mexicano de 1917 destacou-se não só pela
primazia em estabelecer uma declaração ideológica dos direitos fundamentais de
segunda dimensão6, como também por buscar da instituição de uma sociedade
baseada no direito ao trabalho, sendo forjada dentro de um acirrado embate entre a
visão socializante do Estado e a liberal clássica. Disputa esta que já prenunciava o
cisma que se estabeleceria, em termos internacionais, apartando os direitos civis e
políticos dos econômicos e sociais (LIMA JÚNIOR, 2001).
No entanto, a relevância ora atribuída à Constituição Mexicana de 1917 não
se caracteriza como posicionamento pacífico na doutrina. Neste sentido, lemos que:
“Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império alemão, foi
promulgada, em 11 de agosto de 1919, a Constituição da Primeira República alemã,
conhecida como Constituição de Weimar” (LIMA JÚNIOR, 2001).
Resultando do processo de industrialização, formou-se na Alemanha
uma numerosa classe operária que passou a se organizar em sindicatos e partidos
políticos. Em decorrência dos graves problemas de ordem econômica e geopolítica
que se originaram da imposição do Tratado de Versalhes, a Alemanha passou a
viver, logo após o término da Primeira Guerra Mundial, um período de profunda
instabilidade política e social. Dentro deste contexto, a burguesia procurou
neutralizar os movimentos revolucionários, negativamente, por meio da repressão, e,
positivamente, mediante um projeto de república democrática e social que foi
denominada República de Weimar (DIMOULIS et al, 2006).
A Constituição de Weimar apresenta uma estrutura dualista, sendo
que, em sua primeira parte, regulamenta a organização do Estado, ao passo que, na
segunda parte, apresenta uma declaração de direitos e deveres fundamentais,
acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo
social (COMPARATO, 2007).
Estes direitos fundamentais eram divididos em cinco títulos que tratavam do
indivíduo, da ordem social, da religião e sociedades religiosas, da educação e
formação escolar e da ordem econômica. Os dois primeiros títulos estabeleciam as
garantias liberais clássicas, ao passo que os dois últimos introduziam a dimensão
social e econômica dos direitos fundamentais, objetivando-se, desta forma, garantir
a liberdade individual por meio de ações estatais (DIMOULIS et al, 2006).
6 Explicar quais são os direitos fundamentais de segunda dimensão (ou geração) e citar a fonte (e coloca-la nas referencias tb). Listar também os outros (Veja o artigo desse link http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais,37839.html)
As disposições da Constituição de Weimar relativas à educação pública e
aos direitos trabalhistas serviram de base à democracia social que se implantaria em
muitos dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
A democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela
Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais
elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-
fascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou
efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao
complementar os direitos civis e políticos, com os direitos econômicos e sociais,
ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos
internacionais de direitos humanos, votados pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da
democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições do início do século.
(COMPARATO, 2007)
Nesse contexto, temos que a Constituição Mexicana de 1917 e a
Constituição de Weimar (1919) caracterizam-se como os marcos iniciais da
positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que somente muitos
anos depois seriam alvo de documentos adotados pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). (COMPARATO,
2007, p. 192-193)
Desde a Revolução Francesa até as declarações mais recentes, os
direitos humanos têm sido defendidos e percebidos como direitos somente para
alguns segmentos, sendo que a pobreza está associada à periculosidade,
criminalidade, por isso esses direitos são chamadas humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um
documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes
de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a
Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em
10 de Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral
como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela
estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.
Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 360
idiomas – o documento mais traduzido do mundo – e inspirou as constituições de
muitos Estados e democracias recentes. A DUDH, em conjunto com o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre
procedimento de queixa e sobre pena de morte) e com o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a
chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. Uma série de tratados
internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945
expandiram o corpo do direito internacional dos direitos humanos. FONTE???
2- CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL E O SERVIÇO SOCIAL.
A relação pobreza e vadiagem teve sua gênese na Inglaterra prestes a
vivenciar a revolução industrial. Exemplo disso são as chamadas “Leis dos Pobres”,
que não obstante deixarem transparecer que seus destinatários seriam os pobres
tinham no trabalho sua referência maior. Isso quer dizer que as Leis não se dirigiam
aos pobres como um todo, mas sim aos que não trabalhavam, ou seja, os
“vagabundos” ou os “inválidos” (CASTEL, 1998)
As Leis dos Pobres (ou Poor Law) formavam um conjunto de regulações pré-
capitalistas que se aplicavam às pessoas situadas à margem do trabalho, como
idosos, inválidos, órfãos, crianças carentes, desocupados voluntários e involuntários,
etc. Contudo, a despeito de, na aparência, esse conjunto de regulações se identificar
com a pobreza, era no trabalho que se referenciava. Esse conjunto de leis era mais
punitivo do que protetor. Sob sua regência, a mendicância e a vagabundagem eram
exemplarmente castigadas. Todos eram obrigados a trabalhar sem ter a chance de
escolher as suas ocupações e a de seus filhos. (PEREIRA, 2006, p.103-104)
A representação que se legitima a partir dessa concepção Inglesa do sec.
XVII, não é outra senão aquela de que os pobres eram essencialmente aqueles que
não estavam sujeitos ao trabalho, seja por vontade própria (vagabundos), seja por
contingências outras (inválidos). Como a partir desse momento o trabalho torna-se
central na integração social, exercer alguma atividade torna-se obrigação.
Desde 1900, no Brasil as gêneses históricas vêm produzindo e fortalecendo ,
afirma-se que dependendo da natureza (pobre, negro, semialfabetizado, morador de
periferia, etc), pode vir a cometer atos perigosos, podendo entrar na criminalidade.
Vivemos com uma herança de mais de 300 anos de escravidão desde em meados
do Séc. XX com a ciência racionalista Descartiana e Conteana, que se fortalece na
Europa em meados do século XIX e justifica os fundamentos da escravidão - em
especial do negro, por intermédio das teorias racistas. Em 1888 com a lei da
abolição, tinha se um número muito grande de escravos que, sem ter o que fazer
para saciar suas necessidades acabam na mendicância (COIMBRA, 1998).
As cidades, no momento pós-abolição, passa a contar com uma gama de
homens livres e, nesse momento, o poder público começa a limpar as cidades, a
partir de uma operação “bota fora”, sendo um projeto de Paris para acabar com as
pestes muito presente nos cortiços, resultado do caos no qual as cidades estavam
se tornando. FONTE???
Sarti (2005) faz um estudo sobre a moral dos pobres, buscando levar em
conta a relação de parentesco ou conjugais7. Num contexto geral a autora fez um
estudo em uma periferia de São Paulo e idêntica que para os moradores desta
localidade, “ser pobre” é carregar uma conotação negativa.
Tem aquela frase lá, que quando a pessoa é pobre. Pé-rapado, não presta. Então, a gente tem que mostrar para as pessoas ricas, que nem no caso da gente ser empregado, que a gente é pobre, mas gente é honesto, a gente quer vencer, então a gente tem que mostrar que a gente também somos igual a eles. Definem pobre como uma categoria carregado de conotações morais, não sendo somente como situação social, mas também ao seu prisma moral. [...] aquela pessoa pobre de espirito. Aquela pessoa que cai em um buraco, em vez de tentar sair, ela cava um buraquinho para descer, descer, descer.... (SARTI, 2005, p.88)
Os moradores desta localidade tem a pessoa trabalhadora como uma pessoa
honesta, com valor positivo, tendo uma moral atribuída ao trabalho, podendo até ser
pobre de situação social, porém não é pobre de espirito, o valor que estes atribuem
ao trabalho compensa das desigualdades sociais dadas, na medida em que é
construído dentro de outro referencial simbólico, diferente daquele que o desqualifica
socialmente (SARTI, 2005).
De acordo com Ferreira (1995) conceito de criminalização é explicado como o
ato de imputar crime ou ato de tomar como crime a ação ou ações de determinados
grupos sociais. Contemporaneamente, a criminalização e o estigma assumem
contornos raciais e étnicos, na medida em que jovens pobres e negros e a
7 O livro tem por titulo A família como espelho e se dirige à uma periferia de São Paulo. A obra tem por base compreender a categoria moral dos pobres, como estes se organizam, interpretam e dão sentido ao seu lugar no mundo.
população de rua são tidos como perigosos para a sociedade, considerados ameaça
para a propriedade privada e para a reprodução do capital.
Nesse sentido, o estigma é que negros e pobres aparecem na mídia como
autores de atos criminosos que, apanhados de maneira imediatista e
preconceituosa, são associados, em seu conjunto, às práticas de crimes. Isto é
produzido e/ou apropriado pelos segmentos dominantes, na prática e
ideologicamente, no sentido de obter a licença de “caçá-los e prendê-los”. Assim,
eles aparecem como perigosos para a população em geral. De toda forma, cria-se a
“licença geral” para criminalizar todos os jovens pobres e negros.
Isso ocorre porque, como se por sua condição social e étnica estivessem
predispostos a se tornarem ameaçadores. Para o público, aparecem como ameaças
e para a reprodução do capital poderão ser utilizados para desfocar o debate e
discussões sobre o direito, sobre a cidadania, sobre a proteção social.
Nesse contexto, a sociedade produz, com o apoio da mídia, verdadeiras
campanhas contra os jovens que praticam algum delito, superestimando as
estatísticas, para que estes sejam culpabilizados, apelando, inclusive, para
argumentos como a redução da maioridade penal,14 se, por exemplo, a situação
envolver adolescentes.
Na perspectiva do estigma e da criminalização, “os jovens pobres têm sido
alvo de ações muito repressivas e de extrema visibilidade midiática, quando
cometem algum tipo de violência, em detrimento das situações das quais são
vítimas” (BARROS, 2008).
O Estado penal, além de criminalizar os jovens pobres e negros, dissemina o
“medo ao outro”, ou seja, os efeitos deletérios da crise avançam sobre as relações
sociais, produzindo desconfiança, ratificando desigualdades e diluindo as
solidariedades. Já a população moradora de rua é invisível aos olhos da sociedade e
das políticas sociais, e o tratamento dispensado a esse segmento é invariavelmente
no sentido de expulsá-lo das cidades, por meio do fornecimento de passagens para
outras localidades, em uma tentativa clara de “limpeza” do espaço urbano e
desresponsabilização estatal. FONTE???
Outra dimensão dessa questão se refere ao enfrentamento do tráfico de
drogas e armas nas favelas, o qual também se expressa em uma forma de
criminalização dos pobres e da pobreza no Brasil, principalmente pelo descaso
como essa questão é tratada pelos governos há pelo menos duas décadas. Há um
nítido agravamento do envolvimento de crianças, mulheres e adolescentes com a
prática do tráfico, muitos dos quais tidos como “bandidos” pela sociedade, a qual
não reconhece as suas condições de sobrevivência, bem como a brutal
desigualdade social existente no país. Exemplo dessa realidade é o Complexo do
Alemão, no Rio de Janeiro, comunidade que esteve praticamente dominada pelo
tráfico de drogas, cujos moradores foram vítimas duplamente: do tráfico e do
estigma de residirem naquele local (SARTI, 1995).
O contexto regressivo de direitos exige do assistente social posições firmes
no que se refere aos valores defendidos pela profissão em seu projeto ético-político-
profissional construído coletivamente nas décadas de 1980/1990, valores que
expressam o ethos da profissão e a legitimam socialmente, na defesa da liberdade
com vistas à emancipação humana, entendida como a plena realização dos
indivíduos sociais, sem discriminação de classe, raça, gênero etnia e orientação
sexual, na defesa intransigente dos direitos humanos e na universalização dos
direitos sociais e da socialização da riqueza socialmente produzida.
Como categoria orientada por um projeto profissional, o assistente
social terá sua atuação pautada em um horizonte que vislumbra a construção de
uma nova sociedade:
Sem a dominação, exploração de classe, etnia, gênero, uma sociedade que propicie aos trabalhadores o pleno desenvolvimento para a invenção e a vivencia concreta de novos valores o que evidentemente supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e alienação (CFESS, 1993).
A assistência social enquanto politica pública brasileira de proteção social tem
o imenso desafio de garantir através de serviços e benefícios condições de
dignidade humana e cidadania a todos. E enquanto politica de defesa de direitos têm
na inclusão social um direito humano inalienável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na sociedade neoliberal a discussão sobre dos direitos humanos se
tornou um produto valioso, que se vende por um bom preço. Em um mundo
capitalista onde o lucro, a dominação e a expropriação do capital estão sempre em
primeiro lugar, não há interesse que a discussão sobre os direitos humanos
transcenda o “mundo das ideias”, saia do papel e se transforme em ações que
busquem garantir a aplicabilidade desses direitos humanos.
A luta para garantir a efetivação dos direitos humanos é um processo
constante em nossa história. Ações efetivas para garantir a eficácia desses direitos e
luta pela equidade entre os seres humanos, respeitando suas particularidades é uma
das bandeiras de atuação do assistente social.
As políticas públicas desenvolvidas na atualidade apresentam caráter
assistencialista, e mantenedoras, não são politicas que buscam a emancipação do
usuário, a emancipação enquanto sujeito de direito apenas será possível por meio
de ações que visam o “empoderamento”, o despertar do senso critico e das opções
de escolhas que todas as pessoas tem direito.
A assistência social enquanto politica publica de direitos tem a
responsabilidade de cumprir e fazer cumprir a efetivação dos direitos humanos no
Brasil. Ao assistente social cabe desenvolver politicas publicas que possibilitem a
todos o acesso aos serviços sócioassistenciais e com isso aos direitos humanos e
que o direito à inclusão social seja considerado como um direito inalienável,
instituindo a pobreza e sua criminalização com uma forma de violação aos direitos
humanos.
O estigma e a criminalização dos pobres, da pobreza e dos movimentos
sociais, com a violação dos direitos humanos, exigem do assistente social leituras
críticas da realidade, embasamento teórico-metodológico e ético-político, para
compreender os processos econômicos, políticos e culturais em curso, a influência
da mídia na ideologização da sociedade a serviço do capital e os processos de
mudança no interior do Estado e sua captura pelo capital.
REFERÊNCIAS BARROCO, Maria Lucia. O significado sócio histórico dos Direitos Humanos e o Serviço Social. CFESS. 2008. Disponível em: http://www.cfess.org.br/pdf/maria_lucia_barroco.pdf. Acesso em 11/12/2015. BARROS, N. V. et. al. Juventude e Criminalização da Pobreza. Educere et Educare. Revista em Educação, v. 3, n. 5, p. 141-148, jan.-jun./2008. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988. Disponível em http://www2.planalto.gov.br/acervo/constituicao-federal.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Código de Ética do Assistente
Social. Brasilia, CFESS, 1993.
COIMBRA, C.M.B. (1998). Cidadania Ainda Recusada: o Plano Nacional de Direitos
Humanos e a Lei sobre Mortos e Desaparecidos Políticos in Psicologia, Ética e
Direitos Humanos. Brasília:CFP, 24-38.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução 214 A (lll) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em http://www.dudh.org.br/wp-ontent/uploads/2014/12/dudh.pdf. Acesso em 12/12/ 2015. Declaração Universal dos Direitos Humanos Emergentes. Disponível em http://vereadoraliviaguimaraes.com.br – Acesso em 13/12/2015. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1995, p. 187. LIMA JÚNIOR, Jaime Benvenuto. Os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2003.