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CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL: UMA COMPREENSÃO NECESSÁRIA NA BUSCA DE UMA MELHOR ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Vol. I - Ano 2016 ISSN 2446-5518

Alessandra Baldin1 Mareli Aparecida Schlindwein2

Veroni Lunkes3 Izaque Pereira de Souza4

Eixo: Serviço Social, Ética e Formação Profissional RESUMO: Este artigo objetiva discorrer sobre a construção histórica da pobreza e sua criminalização, bem como sua imbricação com os direitos humanos. Para o desenvolvimento deste artigo foi realizada uma pesquisa bibliográfica visando destacar marcos importante da gênese dos direitos humanos e da criminalização da pobreza. Posterior às reflexões, serão apresentadas algumas contribuições do Serviço Social para o enfrentamento dessa criminalização e sua atuação na garantia dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos. Criminalização da pobreza. Serviço Social.

INTRODUÇÃO Os direitos humanos atualmente tem sido tema de discussão em vários

espaços apesar de milhares de pessoas no mundo viverem ainda em situações de

pobreza, exclusão social, vulnerabilidades e em condições de violação extrema de

seus direitos de toda a ordem.

Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos Emergentes –

DUDHE (2007, p. 01), os direitos humanos são:

Direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.

1 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected]. 2 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected]. 3Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/Pr. Email: [email protected] 4Doutorando em Educação pelo PPE/UEM. Docente no Curso de Serviço Social das Faculdades Itecne de Cascavel/PR. Orientador e titular da disciplina de Direitos Humanos. Email: [email protected]

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A Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988, também conhecida como

Constituição Cidadã5, traz em seu texto que todos possuem direitos e deveres,

desde os mais ricos aos mais pobres, brancos, negros, pardos, homens e mulheres,

idosos e crianças, sendo a lei é igual para todos. Contudo infelizmente nem todos

são iguais para ela, no tange suas aplicações. Vivemos em uma sociedade onde ser

pobre e negro é crime e não raro um homem branco de classe média não é

submetido a um tratamento igual ao dispensado a um negro pobre.

No Brasil a criminalização da pobreza é um processo histórico que se

enraizou em nossa cultura desde a época do Brasil colônia. O pobre brasileiro além

de enfrentar inúmeras dificuldades para sobreviver com um mínimo de dignidade,

tem que carregar o estigma de criminoso, de vagabundo. E quando negro e pobre

este preconceito maximiza o seu nível de periculosidade para níveis ainda maiores.

Nesse contexto, o presente artigo, objetiva construir um recorte histórico

sobre os direitos humanos, a pobreza e a sua criminalização. Por fim, serão

apresentadas algumas contribuições do serviço social para o enfrentamento dessa

criminalização e sua atuação na garantia dos direitos humanos.

Fizemos uma relação com a criminalização da pobreza pelos sistemas de

segurança e justiça e como esse processo tem se conformado como uma grave

ameaça à afirmação dos Direitos Humanos, sobretudo nas populações

pauperizadas. Isso posto, partirmos de algumas questões que nortearam o nosso

caminhar como, por exemplo, saber se a violência urbana é um fenômeno da

contemporaneidade ou tem sido perene na nossa história o que fez com que nosso

trabalho constitui-se essencialmente de pesquisa bibliográfica com ampla revisão de

literatura sobre o tema. Iniciamos nosso caminhar discutindo a concepção de direitos

humanos que iluminará nossa reflexão. Como todo tema amplo, também com os

Direitos Humanos é possível se falar sob diversos matizes. Por esta razão, e como

nosso objetivo final é analisar a realização destes direitos, não poderíamos começar

o estudo sem demarcarmos esta posição.

É sabida a absoluta impropriedade de se co-relacionar a pobreza como causa

da violência urbana, assim como é conhecida a complexidade que envolve este

fenômeno. Tendo o presente trabalho que adentrar nessa árdua discussão, a

5 Explicar porque é conhecida por constituição cidadã (indicar a fonte aqui e coloca-la nas referencias)

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segunda parte da pesquisa será dedicada à problematização teórica da violência

urbana, dando ênfase à sua conformação na sociedade brasileira.

Tendo sido estabelecida nossa concepção de direitos humanos e

problematizadas as determinações da violência urbana, tornava-se imperioso

discutirmos a questão da pobreza, não só de maneira geral, mas particularmente

como ela se dá também no Brasil. Assim, a quarta e a quinta partes do trabalho são

voltadas à análise da questão social, do pauperismo na pós-revolução industrial e

como esse processo se realiza dentre nós. Todavia, não nos bastava discutir a

pobreza; essencial era entender a sua criminalização, razão pela qual encerraremos

nosso trabalho problematizando tal questão e a relacionando com a violência urbana

e com os Direitos Humanos.

1- DIREITOS HUMANOS

As discussões sobre o tema Direitos Humanos tem ocupado papel de elevado

destaque nos embates políticos, nas discussões teóricas e mesmo em programas

governamentais. À exceção de setores conservadores que os têm como entrave ao

eficaz enfrentamento à criminalidade, é quase retórica comum falar da defesa ou

promoção dos direitos humanos.

A Carta Política mexicana de 1917 em seus artigos 5º e 123, foi a primeira a

atribuir aos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, ao lado das liberdades

individuais e dos direitos políticos. Tal precedente histórico mostra-se relevante se

considerarmos que na Europa a consciência de que os direitos fundamentais

também possuem uma dimensão social só se afirmou após a Primeira Guerra

Mundial, de 1914 a 1918. Nos Estados Unidos, ainda, hoje a ideia de extensão dos

direitos fundamentais ao campo socioeconômico é largamente contestada

(COMPARATO, 2007).

A Constituição Mexicana de 1917, reagindo ao sistema capitalista, foi a

primeira a prever a desmercantilização da força de trabalho, reconhecendo a

igualdade substancial entre as posições jurídicas dos trabalhadores e dos

empresários no âmbito da relação contratual que os permeia (COMPARATO, 2007)

O texto constitucional mexicano de 1917 destacou-se não só pela

primazia em estabelecer uma declaração ideológica dos direitos fundamentais de

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segunda dimensão6, como também por buscar da instituição de uma sociedade

baseada no direito ao trabalho, sendo forjada dentro de um acirrado embate entre a

visão socializante do Estado e a liberal clássica. Disputa esta que já prenunciava o

cisma que se estabeleceria, em termos internacionais, apartando os direitos civis e

políticos dos econômicos e sociais (LIMA JÚNIOR, 2001).

No entanto, a relevância ora atribuída à Constituição Mexicana de 1917 não

se caracteriza como posicionamento pacífico na doutrina. Neste sentido, lemos que:

“Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império alemão, foi

promulgada, em 11 de agosto de 1919, a Constituição da Primeira República alemã,

conhecida como Constituição de Weimar” (LIMA JÚNIOR, 2001).

Resultando do processo de industrialização, formou-se na Alemanha

uma numerosa classe operária que passou a se organizar em sindicatos e partidos

políticos. Em decorrência dos graves problemas de ordem econômica e geopolítica

que se originaram da imposição do Tratado de Versalhes, a Alemanha passou a

viver, logo após o término da Primeira Guerra Mundial, um período de profunda

instabilidade política e social. Dentro deste contexto, a burguesia procurou

neutralizar os movimentos revolucionários, negativamente, por meio da repressão, e,

positivamente, mediante um projeto de república democrática e social que foi

denominada República de Weimar (DIMOULIS et al, 2006).

A Constituição de Weimar apresenta uma estrutura dualista, sendo

que, em sua primeira parte, regulamenta a organização do Estado, ao passo que, na

segunda parte, apresenta uma declaração de direitos e deveres fundamentais,

acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo

social (COMPARATO, 2007).

Estes direitos fundamentais eram divididos em cinco títulos que tratavam do

indivíduo, da ordem social, da religião e sociedades religiosas, da educação e

formação escolar e da ordem econômica. Os dois primeiros títulos estabeleciam as

garantias liberais clássicas, ao passo que os dois últimos introduziam a dimensão

social e econômica dos direitos fundamentais, objetivando-se, desta forma, garantir

a liberdade individual por meio de ações estatais (DIMOULIS et al, 2006).

6 Explicar quais são os direitos fundamentais de segunda dimensão (ou geração) e citar a fonte (e coloca-la nas referencias tb). Listar também os outros (Veja o artigo desse link http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais,37839.html)

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As disposições da Constituição de Weimar relativas à educação pública e

aos direitos trabalhistas serviram de base à democracia social que se implantaria em

muitos dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.

A democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela

Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais

elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-

fascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou

efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao

complementar os direitos civis e políticos, com os direitos econômicos e sociais,

ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos

internacionais de direitos humanos, votados pela Assembleia Geral das Nações

Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da

democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições do início do século.

(COMPARATO, 2007)

Nesse contexto, temos que a Constituição Mexicana de 1917 e a

Constituição de Weimar (1919) caracterizam-se como os marcos iniciais da

positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que somente muitos

anos depois seriam alvo de documentos adotados pela Assembleia Geral das

Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). (COMPARATO,

2007, p. 192-193)

Desde a Revolução Francesa até as declarações mais recentes, os

direitos humanos têm sido defendidos e percebidos como direitos somente para

alguns segmentos, sendo que a pobreza está associada à periculosidade,

criminalidade, por isso esses direitos são chamadas humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um

documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes

de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a

Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em

10 de Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral

como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela

estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.

Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 360

idiomas – o documento mais traduzido do mundo – e inspirou as constituições de

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muitos Estados e democracias recentes. A DUDH, em conjunto com o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre

procedimento de queixa e sobre pena de morte) e com o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a

chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. Uma série de tratados

internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945

expandiram o corpo do direito internacional dos direitos humanos. FONTE???

2- CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL E O SERVIÇO SOCIAL.

A relação pobreza e vadiagem teve sua gênese na Inglaterra prestes a

vivenciar a revolução industrial. Exemplo disso são as chamadas “Leis dos Pobres”,

que não obstante deixarem transparecer que seus destinatários seriam os pobres

tinham no trabalho sua referência maior. Isso quer dizer que as Leis não se dirigiam

aos pobres como um todo, mas sim aos que não trabalhavam, ou seja, os

“vagabundos” ou os “inválidos” (CASTEL, 1998)

As Leis dos Pobres (ou Poor Law) formavam um conjunto de regulações pré-

capitalistas que se aplicavam às pessoas situadas à margem do trabalho, como

idosos, inválidos, órfãos, crianças carentes, desocupados voluntários e involuntários,

etc. Contudo, a despeito de, na aparência, esse conjunto de regulações se identificar

com a pobreza, era no trabalho que se referenciava. Esse conjunto de leis era mais

punitivo do que protetor. Sob sua regência, a mendicância e a vagabundagem eram

exemplarmente castigadas. Todos eram obrigados a trabalhar sem ter a chance de

escolher as suas ocupações e a de seus filhos. (PEREIRA, 2006, p.103-104)

A representação que se legitima a partir dessa concepção Inglesa do sec.

XVII, não é outra senão aquela de que os pobres eram essencialmente aqueles que

não estavam sujeitos ao trabalho, seja por vontade própria (vagabundos), seja por

contingências outras (inválidos). Como a partir desse momento o trabalho torna-se

central na integração social, exercer alguma atividade torna-se obrigação.

Desde 1900, no Brasil as gêneses históricas vêm produzindo e fortalecendo ,

afirma-se que dependendo da natureza (pobre, negro, semialfabetizado, morador de

periferia, etc), pode vir a cometer atos perigosos, podendo entrar na criminalidade.

Vivemos com uma herança de mais de 300 anos de escravidão desde em meados

do Séc. XX com a ciência racionalista Descartiana e Conteana, que se fortalece na

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Europa em meados do século XIX e justifica os fundamentos da escravidão - em

especial do negro, por intermédio das teorias racistas. Em 1888 com a lei da

abolição, tinha se um número muito grande de escravos que, sem ter o que fazer

para saciar suas necessidades acabam na mendicância (COIMBRA, 1998).

As cidades, no momento pós-abolição, passa a contar com uma gama de

homens livres e, nesse momento, o poder público começa a limpar as cidades, a

partir de uma operação “bota fora”, sendo um projeto de Paris para acabar com as

pestes muito presente nos cortiços, resultado do caos no qual as cidades estavam

se tornando. FONTE???

Sarti (2005) faz um estudo sobre a moral dos pobres, buscando levar em

conta a relação de parentesco ou conjugais7. Num contexto geral a autora fez um

estudo em uma periferia de São Paulo e idêntica que para os moradores desta

localidade, “ser pobre” é carregar uma conotação negativa.

Tem aquela frase lá, que quando a pessoa é pobre. Pé-rapado, não presta. Então, a gente tem que mostrar para as pessoas ricas, que nem no caso da gente ser empregado, que a gente é pobre, mas gente é honesto, a gente quer vencer, então a gente tem que mostrar que a gente também somos igual a eles. Definem pobre como uma categoria carregado de conotações morais, não sendo somente como situação social, mas também ao seu prisma moral. [...] aquela pessoa pobre de espirito. Aquela pessoa que cai em um buraco, em vez de tentar sair, ela cava um buraquinho para descer, descer, descer.... (SARTI, 2005, p.88)

Os moradores desta localidade tem a pessoa trabalhadora como uma pessoa

honesta, com valor positivo, tendo uma moral atribuída ao trabalho, podendo até ser

pobre de situação social, porém não é pobre de espirito, o valor que estes atribuem

ao trabalho compensa das desigualdades sociais dadas, na medida em que é

construído dentro de outro referencial simbólico, diferente daquele que o desqualifica

socialmente (SARTI, 2005).

De acordo com Ferreira (1995) conceito de criminalização é explicado como o

ato de imputar crime ou ato de tomar como crime a ação ou ações de determinados

grupos sociais. Contemporaneamente, a criminalização e o estigma assumem

contornos raciais e étnicos, na medida em que jovens pobres e negros e a

7 O livro tem por titulo A família como espelho e se dirige à uma periferia de São Paulo. A obra tem por base compreender a categoria moral dos pobres, como estes se organizam, interpretam e dão sentido ao seu lugar no mundo.

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população de rua são tidos como perigosos para a sociedade, considerados ameaça

para a propriedade privada e para a reprodução do capital.

Nesse sentido, o estigma é que negros e pobres aparecem na mídia como

autores de atos criminosos que, apanhados de maneira imediatista e

preconceituosa, são associados, em seu conjunto, às práticas de crimes. Isto é

produzido e/ou apropriado pelos segmentos dominantes, na prática e

ideologicamente, no sentido de obter a licença de “caçá-los e prendê-los”. Assim,

eles aparecem como perigosos para a população em geral. De toda forma, cria-se a

“licença geral” para criminalizar todos os jovens pobres e negros.

Isso ocorre porque, como se por sua condição social e étnica estivessem

predispostos a se tornarem ameaçadores. Para o público, aparecem como ameaças

e para a reprodução do capital poderão ser utilizados para desfocar o debate e

discussões sobre o direito, sobre a cidadania, sobre a proteção social.

Nesse contexto, a sociedade produz, com o apoio da mídia, verdadeiras

campanhas contra os jovens que praticam algum delito, superestimando as

estatísticas, para que estes sejam culpabilizados, apelando, inclusive, para

argumentos como a redução da maioridade penal,14 se, por exemplo, a situação

envolver adolescentes.

Na perspectiva do estigma e da criminalização, “os jovens pobres têm sido

alvo de ações muito repressivas e de extrema visibilidade midiática, quando

cometem algum tipo de violência, em detrimento das situações das quais são

vítimas” (BARROS, 2008).

O Estado penal, além de criminalizar os jovens pobres e negros, dissemina o

“medo ao outro”, ou seja, os efeitos deletérios da crise avançam sobre as relações

sociais, produzindo desconfiança, ratificando desigualdades e diluindo as

solidariedades. Já a população moradora de rua é invisível aos olhos da sociedade e

das políticas sociais, e o tratamento dispensado a esse segmento é invariavelmente

no sentido de expulsá-lo das cidades, por meio do fornecimento de passagens para

outras localidades, em uma tentativa clara de “limpeza” do espaço urbano e

desresponsabilização estatal. FONTE???

Outra dimensão dessa questão se refere ao enfrentamento do tráfico de

drogas e armas nas favelas, o qual também se expressa em uma forma de

criminalização dos pobres e da pobreza no Brasil, principalmente pelo descaso

como essa questão é tratada pelos governos há pelo menos duas décadas. Há um

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nítido agravamento do envolvimento de crianças, mulheres e adolescentes com a

prática do tráfico, muitos dos quais tidos como “bandidos” pela sociedade, a qual

não reconhece as suas condições de sobrevivência, bem como a brutal

desigualdade social existente no país. Exemplo dessa realidade é o Complexo do

Alemão, no Rio de Janeiro, comunidade que esteve praticamente dominada pelo

tráfico de drogas, cujos moradores foram vítimas duplamente: do tráfico e do

estigma de residirem naquele local (SARTI, 1995).

O contexto regressivo de direitos exige do assistente social posições firmes

no que se refere aos valores defendidos pela profissão em seu projeto ético-político-

profissional construído coletivamente nas décadas de 1980/1990, valores que

expressam o ethos da profissão e a legitimam socialmente, na defesa da liberdade

com vistas à emancipação humana, entendida como a plena realização dos

indivíduos sociais, sem discriminação de classe, raça, gênero etnia e orientação

sexual, na defesa intransigente dos direitos humanos e na universalização dos

direitos sociais e da socialização da riqueza socialmente produzida.

Como categoria orientada por um projeto profissional, o assistente

social terá sua atuação pautada em um horizonte que vislumbra a construção de

uma nova sociedade:

Sem a dominação, exploração de classe, etnia, gênero, uma sociedade que propicie aos trabalhadores o pleno desenvolvimento para a invenção e a vivencia concreta de novos valores o que evidentemente supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e alienação (CFESS, 1993).

A assistência social enquanto politica pública brasileira de proteção social tem

o imenso desafio de garantir através de serviços e benefícios condições de

dignidade humana e cidadania a todos. E enquanto politica de defesa de direitos têm

na inclusão social um direito humano inalienável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sociedade neoliberal a discussão sobre dos direitos humanos se

tornou um produto valioso, que se vende por um bom preço. Em um mundo

capitalista onde o lucro, a dominação e a expropriação do capital estão sempre em

primeiro lugar, não há interesse que a discussão sobre os direitos humanos

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transcenda o “mundo das ideias”, saia do papel e se transforme em ações que

busquem garantir a aplicabilidade desses direitos humanos.

A luta para garantir a efetivação dos direitos humanos é um processo

constante em nossa história. Ações efetivas para garantir a eficácia desses direitos e

luta pela equidade entre os seres humanos, respeitando suas particularidades é uma

das bandeiras de atuação do assistente social.

As políticas públicas desenvolvidas na atualidade apresentam caráter

assistencialista, e mantenedoras, não são politicas que buscam a emancipação do

usuário, a emancipação enquanto sujeito de direito apenas será possível por meio

de ações que visam o “empoderamento”, o despertar do senso critico e das opções

de escolhas que todas as pessoas tem direito.

A assistência social enquanto politica publica de direitos tem a

responsabilidade de cumprir e fazer cumprir a efetivação dos direitos humanos no

Brasil. Ao assistente social cabe desenvolver politicas publicas que possibilitem a

todos o acesso aos serviços sócioassistenciais e com isso aos direitos humanos e

que o direito à inclusão social seja considerado como um direito inalienável,

instituindo a pobreza e sua criminalização com uma forma de violação aos direitos

humanos.

O estigma e a criminalização dos pobres, da pobreza e dos movimentos

sociais, com a violação dos direitos humanos, exigem do assistente social leituras

críticas da realidade, embasamento teórico-metodológico e ético-político, para

compreender os processos econômicos, políticos e culturais em curso, a influência

da mídia na ideologização da sociedade a serviço do capital e os processos de

mudança no interior do Estado e sua captura pelo capital.

REFERÊNCIAS BARROCO, Maria Lucia. O significado sócio histórico dos Direitos Humanos e o Serviço Social. CFESS. 2008. Disponível em: http://www.cfess.org.br/pdf/maria_lucia_barroco.pdf. Acesso em 11/12/2015. BARROS, N. V. et. al. Juventude e Criminalização da Pobreza. Educere et Educare. Revista em Educação, v. 3, n. 5, p. 141-148, jan.-jun./2008. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988. Disponível em http://www2.planalto.gov.br/acervo/constituicao-federal.

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COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Código de Ética do Assistente

Social. Brasilia, CFESS, 1993.

COIMBRA, C.M.B. (1998). Cidadania Ainda Recusada: o Plano Nacional de Direitos

Humanos e a Lei sobre Mortos e Desaparecidos Políticos in Psicologia, Ética e

Direitos Humanos. Brasília:CFP, 24-38.

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução 214 A (lll) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em http://www.dudh.org.br/wp-ontent/uploads/2014/12/dudh.pdf. Acesso em 12/12/ 2015. Declaração Universal dos Direitos Humanos Emergentes. Disponível em http://vereadoraliviaguimaraes.com.br – Acesso em 13/12/2015. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1995, p. 187. LIMA JÚNIOR, Jaime Benvenuto. Os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2003.