crimes eleitorais - · pdf file14 crimes eleitorais – rodrigo lópez zilio...
TRANSCRIPT
RODRIGO LÓPEZ ZILIO
3ª ediçãoRevista, ampliada e atualizada
CRIMES ELEITORAISDIREITO MATERIAL E PROCESSUAL ELEITORAL – UMA ANÁLISE OBJETIVACRIMES ELEITORAIS EM ESPÉCIE
2017
Parte I • Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
13
P A R T E I
Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
1. CRIMES ELEITORAIS: GENERALIDADES
É validamente reconhecida a tarefa de o legislador, selecionando bens jurídicos passíveis de proteção estatal, buscar a tipificação de determinadas condutas, elevando-as a um status de reprovação pe-nal. Conquanto a discussão sobre a efetividade da repressão estatal como meio exclusivo de resolução dos conflitos, não há como negar espaço à ciência jurídica como forma de pacificação social.
Se, em uma ponta, não é certo buscar no Direito Penal a única for-ma de solução das mazelas sociais, em outra ponta, tampouco é correto recusar sua missão de tutelar bens jurídicos, desde que relevantes para o ordenamento jurídico. Neste toar, pois, o Direito Penal ainda possui uma inestimável função de proteção de determinados bens jurídicos que são reputados essenciais pelo legislador, ou seja, que ostentem im-portância social suficiente para receber a respectiva tutela penal.
Em lado oposto, defendendo que “a existência na legislação não penal eleitoral de dispositivos que protegem [bens jurídicos] de forma adequada (...) demonstra não só a suficiente proteção como também a le-gitimidade dela”, JOSÉ EDVALDO PEREIRA SALES, pretendendo a descriminalização no Direito Eleitoral, advoga que “o uso do direito penal, diante desse quadro, é inadequado” (p. 157). No entanto, nem mesmo a existência de um eficiente sistema de apuração dos ilícitos cíveis eleitorais importa em reconhecer a desnecessidade de um Di-reito Penal eleitoral.
De fato, mesmo realçada a eficácia do sistema punitivo espe-cial, consubstanciado nas ações cíveis eleitorais, parece lícito reite-rar a imprescindibilidade de um Direito Penal eleitoral, desde que devidamente adequado às exigências e aos valores traduzidos pelo
14
CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio
legislador constitucional. Neste norte, considerando que o cerne das ações cíveis eleitorais é centrado na desconstituição do registro e do diploma – que são institutos tipicamente vinculados aos atores do processo eleitoral (seja na condição de candidatos ou, mesmo, elei-tos) –, a função do Direito Penal Eleitoral resta justificada na neces-sidade de plena recomposição dos relevantes bens jurídicos violados nesta esfera especializada (v.g., liberdade no exercício do voto, sobe-rania popular), além da óbvia conclusão de que os crimes eleitorais não exigem uma qualificação especial de sujeito passivo e, portanto, são aplicáveis para além dos candidatos aos prélios eleitorais. “Situ-ações há nas quais meios mais brandos de controle se mostram incapazes para dissuadir a prática de condutas anti-sociais”, explica LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, acentuando que “nesses casos, a não-a-doção de sanções penais pode ser vista como (...) desproporcionalmente deficiente” (Mandados Expressos..., p. 58).
Malgrado a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais consagrados no texto constitucional, o dever de proteção estatal pos-sui espectro largo e encontra guarida na observância de uma propor-cionalidade adequada – que se consubstancia tanto na proibição do excesso estatal quanto na vedação de uma proteção insuficiente. Daí que o Estado também deve garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros.
Neste espeque, determinadas condutas praticadas no curso do processo eleitoral (v.g., corrupção eleitoral e coação eleitoral) se re-levam de tamanha gravidade que necessitam uma ampla resposta estatal, ainda que proveniente de esferas diversificadas (ou seja, cí-vel-eleitoral e penal eleitoral). Destarte, a defesa da desnecessidade de um sistema punitivo penal eleitoral, ainda que eventualmente a partir de critérios objetivos (v.g., pena em abstrato dos crimes eleito-rais), é critério evidentemente insuficiente, na medida em que a atual arquitetura dos tipos penais eleitorais é majoritariamente arcaica e, portanto, não serve de – confiável – diretriz para uma análise de ta-manha magnitude. Da mesma sorte, o fato de determinadas condu-tas serem crimes acidentalmente eleitorais não é motivo suficiente para a descriminalização do Direito Eleitoral (com o julgamento dos ilícitos fatos pela Justiça Comum), porquanto a peculiaridade desta
Parte I • Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
15
ciência específica e as circunstâncias extremamente particulares do processo político-eleitoral justificam a análise destes fatos perante uma mesma parcela do Poder Judiciário (i. e, a Justiça Eleitoral), até mesmo para evitar que ramos diversos de um mesmo Poder (Justiça Comum na matéria penal e Justiça Eleitoral na matéria não criminal) exarem manifestações contraditórias sobre um mesmo fato.
De outra parte, as leis penais eleitorais, no atual arcabouço nor-mativo brasileiro, são formadas por um mosaico completamente de-sencontrado e assistemático, que traduzem um total descompasso desta legislação especializada com a realidade social. Em verdade, grande parte dos tipos penais eleitorais são comandos proibitivos estéreis e inúteis, que produzem uma sensação de inefetividade no sistema penal desta seara específica.
A Justiça Eleitoral brasileira tem se notabilizado por um grau de excelência em sua prestação jurisdicional, além de um inegável avan-ço em sua atividade administrativa – notadamente a partir da im-plementação do sistema eletrônico de votação e totalização, cuja efi-ciência é reconhecida em nível internacional. Essa mesma evolução, porém, não foi observada pela legislação penal eleitoral, que ainda se preocupa em dispensar atenção para proteger condutas irrelevantes e sem mínima nocividade ao corpo social.
Qualquer análise da atual arquitetura penal eleitoral, mesmo que perfunctória, leva irremediavelmente à necessidade de uma releitu-ra destas normas proibitivas a partir das premissas traçadas pelo le-gislador constituinte de 1988. Os valores e princípios consagrados pela Constituição Federal dimanam uma força irrecusável para toda a estrutura normativa republicana. Exatamente por tal motivo, MAU-RÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES destaca o relevante fator da Cons-tituição como um redutor do Direito Penal, acentuando as limitações de natureza material da Carta Política que “impedem que da lei penal constem disposições contrárias aos princípios ou às garantias delineadas no texto máximo” (p. 115). Com efeito, a coexistência de diversas leis esparsas regulamentando o Direito Eleitoral, não raro, traz à baila questionamento sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico, evocando a necessidade de harmonizar dispositivos aparentemente
16
CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio
conflitantes, notadamente quando ocorre a superveniência de um novo sistema constitucional.
A matéria relativa ao direito penal eleitoral, da mesma sorte, apresenta idêntica dificuldade, já que os tipos penais eleitorais, em sua grande parte, tutelam comportamentos jurídicos defasados e desvestidos de séria gravidade em relação aos valores efetivamente relevantes na esfera penal especializada. De outra parte, inequívo-co que determinadas condutas extremamente reprováveis, na seara eleitoral, não receberam do legislador a necessária atenção, denotan-do, neste ponto, uma insuficiência da proteção a determinados bens jurídicos na esfera penal eleitoral. Assim, o atual arcabouço normati-vo penal-eleitoral tipifica como crime a conduta de quem não observa a ordem da fila de votação, mas não se preocupa em punir criminal-mente, de modo expresso, o denominado “caixa dois” (uso de recursos não contabilizados em campanha). Neste contexto, pois, a partici-pação do intérprete é cada vez mais importante para que o Direito Penal Eleitoral se mantenha conectado com os princípios nucleares emanados do texto constitucional, afastando, por incompatível com a nova ordem, as regras que não guardem pertinência jurídica com os elementos normativos que fluem da Carta Política.
Ao final, cumpre registrar que é de extrema importância a rea-firmação do Direito Penal eleitoral como um efetivo mecanismo de controle social e de tutela em face a condutas que importam severa violação de bens jurídicos essenciais à formação da vontade político--eleitoral. Assim, exemplificativamente, a liberdade do voto, a nor-malidade e a legitimidade do pleito, a isonomia entre os candidatos e a preservação dos serviços da administração das eleições são valores extremamente caros ao Direito Eleitoral. Por consequência, condutas que menosprezam ou violam aludidos bens jurídicos merecem uma especial atenção do legislador e, em algumas situações pontuais, re-feridos atos ilícitos são merecedores de uma tutela específica pelo Di-reito Penal eleitoral. Neste sentido, “a demanda pela plena adequação das normas penais aos comandos da Constituição que trazem direitos fun-damentais de primeira geração”, observa LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, “não pode obstar ao reconhecimento de que as sanções pe-nais são chamadas também para proteção de direitos coletivos e difusos e
Parte I • Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
17
funcionam como elemento de dissuasão de ataques a direitos fundamen-tais vindo de pessoas privadas. A proteção dos direitos fundamentais, em todos esses aspectos, é que traduz o novo paradigma do Direito Penal.” (Mandados Expressos..., p. 110). Em suma, o Direito Penal eleitoral, atualmente, somente se justifica perante a Constituição Federal a partir de uma completa releitura dos dispositivos penais previstos no Código Eleitoral e da natural adequação de todos os fatos típicos cri-minais eleitorais a uma ofensividade minimamente razoável, deixan-do de se dispensar proteção penal para fatos de somenos importância ou sem qualquer relevância para essa ciência especializada.
1.1. Crimes Eleitorais: conceito e bem jurídico
Crimes eleitorais podem ser conceituados como infrações penais que visam proteger, especificamente, bens jurídicos vinculados à tu-tela das eleições. Trata-se de ampla proteção, voltada à preservação da liberdade do voto, dos valores político-partidários e da própria instituição da Justiça Eleitoral (v.g., tutela dos serviços eleitorais).
Em síntese, esses são os valores essencialmente protegidos pelos crimes eleitorais. Portanto, é a partir da verificação acerca da violação desses bens jurídicos1 (liberdade do voto, valores político-partidários e tutela dos serviços eleitorais) que os tipos penais eleitorais ganham relevância jurídica e, assim, passam a ter a proteção do legislador.
1.2. Crimes eleitorais: natureza jurídica.
Doutrinariamente discute-se a natureza jurídica dos crimes elei-torais. De um lado, SUZANA DE CAMARGO GOMES defende que os crimes eleitorais “assumem feição de crimes políticos” (p. 45), porque “os atentados ao processo eleitoral têm reflexos diretos na ordem política do Estado” (p. 45) e “as condutas delituosas atingem justamente as ins-tituições democráticas, desvirtuando-as” (p. 41); de outro lado, porque “quem comete crime eleitoral não o faz motivado por elevados sentimentos
1. Na concepção de FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas” (p. 16).
18
CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio
político-ideológicos, não visa a radical transformação da sociedade nem do Estado” e “nenhuma das figuras típicas eleitorais visa coibir a deses-truturação ou a desarticulação da organização política do Estado”, JOSÉ JAIRO GOMES aduz que o crime eleitoral tem natureza jurídica de crime comum (p. 9).
A discussão não encontra eco na jurisprudência, na medida em que o STF já definiu que os crimes eleitorais têm natureza jurídica de crime comum (Pleno – Reclamação nº 4.830 – Rel. Min. Cezar Pe-luso – j. 17.05.2007; Pleno – Inquérito nº 1.872 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 04.10.2006; Pleno – Reclamação nº 555 – Rel. Min. Sepulveda Pertence – j. 25.04.2002). Com efeito, “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definir a locução consti-tucional ‘crimes comuns’ como expressão abrangente a todas as modalida-des de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais” (STF – Pleno – Reclama-ção nº 511 – Rel. Min. Celso de Mello – j. 09.02.1995). Assim, quando a Constituição Federal adota a expressão “crimes comuns”, na parte relativa à competência, deve-se estender a abrangência dessa locução para os crimes eleitorais – não importa em qual legislação estejam previstos (seja no Código Eleitoral ou em leis extravagantes).
2. COMPETÊNCIA.
2.1. Aspectos gerais.
Os crimes eleitorais, por certo, são julgados perante a Justiça Elei-toral. Para fins de fixação de competência, porém, tem sido acentuada a necessidade de se aferir o caráter material da conduta delituosa, ou seja, comprovar que a ação violou substancialmente, de modo con-creto, bens jurídicos relevantes para a Justiça Eleitoral. Deste modo, “a simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de condu-ta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime” e, assim, “a destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral” (STJ – 3ª Seção
Parte I • Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
19
– Conflito de Competência nº 127.101 – Rel. Min. Rogério Schietti Cruz – j. 11.02.2015). Ausente a edição da norma regulamentadora prevista pelo constituinte originário (art. 121, caput, da CF), a com-petência dos crimes eleitorais, como regra, é dada pelo disposto no Código Eleitoral, observadas as alterações supervenientes relativas às hipóteses de prerrogativa de foro previstas no próprio texto constitu-cional.
Os acusados por crime eleitoral que não tem prerrogativa de foro respondem perante o Juiz Eleitoral, na forma prevista pelo art. 35, in-ciso II, do CE. A distribuição da competência deve observar as mesmas regras previstas no art. 69 do CPP, cuja aplicação é subsidiária em ma-téria processual eleitoral (art. 364 do CE). Portanto, o critério prefe-rencial de distribuição da competência dos processos penais eleitorais é o local em que se consumar a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução (art. 70 do CPP) e, não sendo conhecido o local, o do domicílio2 ou residência do réu (art. 72 do CPP). Não sendo, igualmente, conhecido o local da infração ou o domicílio ou a residência do réu, a competência firma-se pela pre-venção (art. 90 do CPP). Em havendo mais de uma Zona Eleitoral na circunscrição, a competência também é definida pelo local da infração.
2.2. Conexão.
Na hipótese de conexão, cediço que a competência da Justiça Eleitoral – de caráter especializado – atrai para julgamento também os crimes comuns conexos aos eleitorais. É a regra estabelecida pelo art. 35, inciso II, do CE. O art. 78, inciso IV, do CPP reforça esse en-tendimento, estabelecendo que “no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”.
Conforme o TSE “verificada a conexão entre crime eleitoral e comum, a competência para processar e julgar ambos os delitos é da Justiça Eleitoral” (Habeas Corpus nº 567 – Rel. Min. Marcelo Ribeiro – j. 18.03.2008). A competência da Justiça Eleitoral, aliás, subsiste “mesmo operada a
2. No caso em tela, porque se trata de matéria eleitoral, a competência deve observar o local do domicílio eleitoral do acusado – sendo, a priori, irrelevante a discussão sobre o domicílio civil.
20
CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio
prescrição quanto ao crime eleitoral” (Habeas Corpus nº 280568 – Rel. Min. Arnaldo Versiani – j. 29.10.2010). De outro lado, contudo, se “não há conexão entre os crimes comuns imputados aos recorrentes e os crimes eleitorais imputados aos demais réus da ação penal”, tem-se que “a competência para o seu julgamento é da Justiça comum” (Recurso em Ha-beas Corpus nº 653 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 05.06.2012).
2.2.1. Crime eleitoral vs crime federal e crime militar.
A regra da conexão atrai a competência da Justiça Eleitoral in-clusive em relação a crime federal, porquanto se trata, fundamental-mente, de crime comum3. Contudo, o STJ4 tem precedente determi-nando a cisão processual, sob fundamento que a Justiça Federal tem competência firmada pela Constituição Federal, sendo inaplicável o princípio da especialidade previsto no art. 78, IV, do CPP.
Porém, se a conexão for entre crime eleitoral e crime militar, am-bos com status de competência constitucional, forçoso reconhecer a
3. Conforme a doutrina, a jurisdição divide-se em comum e especial. A Justiça Estadual e Federal pertencem à jurisdição comum, ao passo que a Justiça Eleitoral, a Trabalhista e a Militar pertencem à categoria da jurisdição especial.
4. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETIDO PE-RANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINIS-TRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDE-RAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.
1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes. 2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixa-da na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, pre-visto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado (3ª Seção – Conflito de Competência nº 126.729/RS – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – j. 24.04.2013).
Parte I • Direito Material e Processual Eleitoral: uma análise objetiva
21
hipótese de cisão processual, conforme preconiza JOSÉ JAIRO GO-MES (p. 301).
2.2.2. Crime eleitoral e crime doloso contra a vida.
Havendo conexão de crime eleitoral com crime doloso contra a vida, existem diversas correntes doutrinárias: a) ambos são julgados pela Justiça Eleitoral, em face da conexão prevista no art. 78, IV, do CPP (SUZANA DE CAMARGO GOMES, pp. 59/65); b) ambos são jul-gados pelo Tribunal do Júri, porque, em regra, o crime doloso é mais grave que o eleitoral, na forma estabelecida pelo art. 78, II, a, do CPP (FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, p. 121); c) a hipótese é de realização de Júri Federal, pois a Justiça Eleitoral tem caráter federal (LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, pp. 155/156); d) ocorre a cisão processual, pois ambos são competência em razão da matéria e de cunho constitucional (JOEL CÂNDIDO, pp. 583/584; JOSÉ JAI-RO GOMES, pp. 300/301; EUGÊNIO PACELLI, p. 287).
2.3. Prerrogativa de foro.
Nas hipóteses de prerrogativa de função, entretanto, é que se multiplicam os foros competentes para processo e julgamento dos crimes eleitorais. A prerrogativa de foro, explica GILMAR MENDES, é justificada constitucionalmente pela “peculiar posição dos agentes po-líticos” (p. 465) e, tendo em vista que objetiva preservar o interesse público no correto exercício de funções públicas relevantes, “não se afigura atentatória ao princípio do juiz natural” (p. 466). Como já refe-rido anteriormente, os crimes eleitorais serão incluídos, na matéria relativa à competência, toda vez que o texto constitucional utilizar a nomenclatura “crimes comuns”.
Neste passo, quando praticam crimes eleitorais, são julgados ori-ginariamente perante o STF: o Presidente da República, o Vice-Presi-dente, os membros do Congresso Nacional (Senador da República e Deputado Federal5), os próprios Ministros do STF, o Procurador-Geral
5. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. DEPUTADO FEDERAL. TRAMITAÇÃO PERANTE TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL:
22
CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio
da República (art. 102, inciso I, alínea a, da CF), os Ministros de Es-tado, os Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, os mem-bros dos Tribunais Superiores (STJ, TSE, TST e STM), os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, inciso I, alínea b, da CF).
Quando cometem crimes eleitorais, são julgados originariamen-te pelo STJ: os Governadores dos Estados6 e do Distrito Federal, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados7 e do Distrito
IMPOSSIBILIDADE. REMESSA DOS AUTOS AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CF, ART. 102, I, b. I. - Inquérito policial instaurado pelo Departamento de Polícia Federal para apurar crime eleitoral atribuído a Deputado Federal, em tramitação perante Tribunal Regional Eleitoral. II. - Gozando os Deputados Federais de prerrogativa de função não pode o procedimento investigatório tramitar perante Tribunal Regional Eleitoral. III. - HC deferido, em parte, para determinar que os autos do inquérito policial sejam remetidos ao Supremo Tribunal Federal (Pleno – Habeas Corpus nº 80.938 – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 22.08.2001).
6. Governador de Estado. Crime eleitoral. A jurisprudência se pacificou no sentido de que a competência para processar e julgar, originariamente, os feitos relativos a crimes eleitorais praticados por governador de Estado é do Superior Tribunal de Justiça. (TSE – Recurso Es-pecial Eleitoral nº 15.584 – Rel. Min. Jacy Garcia Vieira – j. 09.05.2000).
7. Embora a existência da reconhecida simetria entre os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, esse tratamento isonômico não tem sido observado na questão de prerrogativa de foro. Daí que o STJ – em face à ausência de previsão constitucional expressa prevendo prerrogativa de foro dos membros do Ministério Público do Estado de segundo grau junto às Cortes Superiores e com base no art. 96, III, da CF e no art. 40, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, que falam em “membros do Ministério Público” sem distin-ção de entrância – tem assentado a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar Procurador de Justiça nas hipóteses criminais. Neste sentido:
AÇÃO PENAL. QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA OFERECIDA COM DEFESAS PRELIMINARES APRESENTADAS. DESEMBARGADORES DENUNCIADOS. APOSENTAÇÃO. PERDA DA PRER-ROGATIVA DE FORO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. JUÍZES DE DIREITO E PROCURADOR DE JUSTIÇA TAMBÉM DENUNCIADOS. SUPERVENIENTE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUS-TIÇA. ARGUIDO PELO MPF O COMPROMETIMENTO DE MAIS DA METADE DOS DESEMBAR-GADORES DO TJES, COM INTERESSE DIRETO OU INDIRETO NO DESLINDE DE CONTROVÉR-SIAS LEVANTADAS NOS AUTOS. PEDIDO DE REMESSA DO FEITO AO STF. ART. 102, INCISO I, ALÍNEA N, DA CF. NECESSIDADE DE, PRIMEIRO, HAVER PRONUNCIAMENTO DOS MEMBROS DO TJES. REMESSA DOS AUTOS À CORTE ESTADUAL CAPIXABA, INCLUINDO AS PETIÇÕES E EXPEDIENTES AVULSOS, MESMO OS JÁ ARQUIVADOS (Corte Especial – Ação Penal nº 623 – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 20.10.2010).
Logo, a jurisprudência tem dado tratamento equânime aos membros do Ministério Público Estadual (sejam Promotores de Justiça ou Procuradores de Justiça) na matéria relativa à competência originária, o que estende a possibilidade de, conforme a ma-téria, haver o julgamento de ambos pelo TRE (art. 96, III, da CF). É o que a doutrina de EUGÊNIO PACELLI define como “critério de regionalização” da competência, ou seja,