crimes contra a admnistração pública_supervisão

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  1 Curso: Crimes Contra a Administração Pública Palestrante: Fabio André Guaragni Promotor de Justiça com atuação no Centro de Apoio de Crimes contra o Patrimônio Público entre 2002 a 2004, na Promotoria de Investigações Criminais entre 2000 e 2002. Mestre (1998), Doutor (2002) em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Professor dos Programas de Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba e UNIPAR. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Criminal das Faculdades Integradas Curitiba, Professor de Escola da Magistratura do Paraná e Fundação Escola do Ministério Público do Paraná. Autor de 04 livros, sendo o último: Teorias da Conduta em Direito penal pela Editora Revista dos Tribunais. Tutor: Bruno Marzullo Zaroni Mestrando em Direito (UFPR) - Bacharel em Direito (UFPR).  Nesse curso estudaremos os principais fundamentos sobre os crimes contra a Administração Púb lica. O desenvolvimento de tal temática se rá realizado a partir de uma perspectiva interdisciplin ar. Abordaremos a função do Direito Penal em relação à proteção da Administração Pública e, por conseqüência, das políticas que o Estado institui para alcançar seus fins. Objetivos de Aprendizagem  Conhecer os principais fundamentos sobre os crimes contra a Administração Pública;  Compreender o tema a partir de uma perspectiva interdisciplinar;  Conhecer as principais funções da Administração Pública no contexto da sociedade de risco;  Identificar os principais tipos penais que tem como objetivo tutelar a Administração Pública;  Compreender como os agentes públicos e privados podem dimensionar a relevância da Administração Pública e de sua tutela penal. Mapa do Curso 1. Introdução: Uma Análise Interdisciplinar 2. Bem Jurídico e Administração Pública 3. Localização dos Crimes Contra a Administração Pública 4. Crimes Contra a Administração Pública no Código Penal

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Curso: Crimes Contra a Administração Pública Palestrante: Fabio André GuaragniPromotor de Justiça com atuação no Centro de Apoio de Crimes contra o

Patrimônio Público entre 2002 a 2004, na Promotoria de Investigações Criminaisentre 2000 e 2002. Mestre (1998), Doutor (2002) em Direito das Relações Sociaispela UFPR.Professor dos Programas de Mestrado em Direito das Faculdades IntegradasCuritiba e UNIPAR. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Criminal dasFaculdades Integradas Curitiba, Professor de Escola da Magistratura do Paraná eFundação Escola do Ministério Público do Paraná.Autor de 04 livros, sendo o último: Teorias da Conduta em Direito penal pelaEditora Revista dos Tribunais. Tutor: Bruno Marzullo ZaroniMestrando em Direito (UFPR) - Bacharel em Direito (UFPR). 

Nesse curso estudaremos os principais fundamentos sobre os crimes contra aAdministração Pública. O desenvolvimento de tal temática será realizado apartir de uma perspectiva interdisciplinar.Abordaremos a função do Direito Penal em relação à proteção daAdministração Pública e, por conseqüência, das políticas que o Estado instituipara alcançar seus fins.

Objetivos de Aprendizagem

  Conhecer os principais fundamentos sobre os crimes contra aAdministração Pública;

  Compreender o tema a partir de uma perspectivainterdisciplinar;

  Conhecer as principais funções da Administração Pública nocontexto da sociedade de risco;

  Identificar os principais tipos penais que tem como objetivotutelar a Administração Pública;

  Compreender como os agentes públicos e privados podemdimensionar a relevância da Administração Pública e de suatutela penal.

Mapa do Curso1. Introdução: Uma Análise Interdisciplinar

2. Bem Jurídico e Administração Pública3. Localização dos Crimes Contra a Administração Pública4. Crimes Contra a Administração Pública no Código Penal

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1. Introdução: Uma Análise InterdisciplinarOlá!

A temática Crimes Contra a Administração Pública ébastante polêmica não é mesmo?Nosso estudo dos crimes contra a Administração Públicaserá desenvolvido, inicialmente, a partir de umaperspectiva interdisciplinar.Mas o que significa falar em uma perspectivainterdisciplinar? Vamos detalhar esta questão!

A perspectiva interdisciplinar significa que, além do Direito Penal, procuraremosestabelecer relações com outras áreas do conhecimento, mais precisamente, coma Filosofia e com a Sociologia.Veremos a seguir que essa opção metodológica permitir-nos-á ter um

entendimento mais profundo e amplo do objeto de nosso estudo.Iniciando nosso tema, devemos estabelecer nossa primeira ponte interdisciplinar –a contribuição da Filosofia.

A contribuição da FilosofiaO estabelecimento dessa primeira ponte disciplinar é realmente relevante pois afilosofia contribui na medida em que oferece às pessoas uma visão ampla de tudoo que acontece, e não apenas de um recorte da realidade.A Filosofia corresponde ao estudo geral sobre a natureza de todas as coisas e suasrelações entre si; os valores, o sentido, os fatos e princípios gerais da existência,bem como a conduta e destino do homem.A Filosofia, ao tratar da relação do homem com o conhecimento, estabelecemodelos de compreensão os quais são, usualmente, chamados de paradigmas. 

O primeiro paradigma que nos importa examinar é oteocêntrico,  ou seja, aquele modelo de compreensãofilosófica em que Deus (teo = Deus) está no centro dopensamento humano. Em poucas palavras, o fenômenoreligioso, a teoria em volta da divindade, serve comomatriz para explicação do mundo. 

Assim, ao nos voltarmos para o Estado, percebemos que este era explicado apartir do referencial divino. O rei exercia os poderes do Estado de forma absolutaporque assim Deus pretendeu. Da mesma maneira, outros são súditos e devemobedecer por que a vontade de Deus assim quis.Esse quadro histórico que caracterizou o paradigma teocêntrico sofreu fortesinfluxos do Iluminismo e do Renascimento. O Iluminismo foi um movimento quetrouxe as “luzes” na Idade Média, onde muito do pensamento e da filosofia gregase perdeu ou foi “obscurecido” (as luzes se fizeram sombras) pela igrejanascente. No entanto, no Renascimento, filósofos e pensadores propuseram o re-nascer, ou seja, o sair da escuridão medievalista e pensar em Deus como um Ser

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 que quer os homens como responsáveis por seus próprios atos.

Com a decadência do paradigma teocêntrico e aemergência do novo paradigma, agora de caráter

antropocêntrico, concomitante com o nascimento daciência tal qual a concebemos hoje. O homem agorasurge como realizador e produtor das suas própriascoisas. Ele deve empreender por si só.

Em superação ao paradigma teocêntrico, surge o paradigma antropocêntrico.Nesse modelo, o homem (antropo = homem) passa a ocupar o lugar de Deus.Acreditava-se profundamente que o homem - com sua razão emancipadora -poderia criar soluções para todos os problemas da humanidade.O homem quer participar do poder do Estado e, dentro dessa concepçãofilosófica, o poder do Estado é dado pelo próprio homem. Nesse quadro,devemos fazer referência ao jusnaturalismo (doutrina jurídica) cujo discursodeterminava que nós, homens e mulheres, temos alguns direitos inatos:direito à vida, direito ao patrimônio e direito à liberdade.

Nessa ordem de idéias, poderíamos perguntar: Porque precisamos do Estado?Você já pensou nisso? 

Nesse momento histórico, o surgimento do Estado está relacionado com aproteção desses direitos inatos. Assim, a resposta da questão anterior podeser respondida a partir da necessidade de se proteger o direito à vida, odireito ao patrimônio e o direito à liberdade.Se nesse momento estamos tratando do papel do Estado, é fundamental quedemos atenção às teorias que buscaram explicar o surgimento do Estado.A principal doutrina que explica a formação do Estado é denominada doutrinacontratualista ou teoria do contrato social.Você se recorda da teleaula? No que consiste a doutrina contratualista?

Essa doutrina recebe tal nome tendo em vista que ospensadores que a formularam supunham a existênciade um contrato social vale dizer, um contrato entre

os membros da sociedade que cederiam parte de suasoberania para um ente (Estado) que, por sua vez,seria responsável pelo controle da sociedade.Dois dos principais expoentes da doutrinacontratualista são Thomas Hobbes e John Locke. 

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Em breve síntese, a doutrina de Hobbes explica que antes do Estado o homemvivia numa situação de extrema liberdade, entretanto não havia paz ousegurança (estado de natureza). Com a formação do Estado, os cidadãos

passam a dispor da paz e segurança fornecidas pelo Estado, contudo abrirammão de parte de sua liberdade (autonomia) a favor do Estado (estado civil).O contrato social representa essa ficção segundo a qual o povo disporia deparcela de sua liberdade e soberania em favor do Estado, cuja funçãocorresponderia à salvaguarda da paz e da segurança. 

É interessante aqui fazer um questionamento. Vocêpôde perceber a diferença da relação entre indivíduoe Estado no paradigma teocêntrico e noantropocêntrico?

Como vimos em nossa teleaula, houve, na passagem de paradigmas, umainversão na equação do poder. No modelo teocêntrico, o indivíduo existiapara o Estado Absolutista; no modelo antropocêntrico, ao seu turno, o Estadosurge em função do indivíduo.Fixado esses pontos, devemos entender que todo esse quadro vai se alterar apartir de dois acontecimentos históricos: a Revolução Francesa e aIndependência dos Estados Unidos da América.Você sabe dizer por que tais fatos históricos são tão importantes?Então vamos prestar atenção. 

Esses são acontecimentos em que se rompe o poderdo monarca. Na Revolução Francesa, a burguesiaascendente rompe com o poder do rei, ao passo quena Independência dos Estados Unidos, os colonosobtiveram a independência da Coroa inglesa.Ainda versando sobre o tema, é importante destacarque as revoluções burguesas do século XVIII servirampara afirmar os valores desta classe em ascendência eque reclamava por poderes: a burguesia.

Para entendermos os ideais burgueses, basta noslembrarmos que o grande lema da Revolução Francesa

foi “liberdade, fraternidade e igualdade”.Contudo, como vimos em nossa teleaula, essesobjetivos nunca foram verdadeiramenteimplementados, exceto a liberdade. Devemosresgatar que os séculos XVIII e XIX foram marcadospelo liberalismo econômico.Sendo assim, você poderia agora explicar arepercussão dos ideais burgueses em relação àeconomia e ao Estado?

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 Essa não é uma pergunta fácil. Vamos tentarrespondê-la. 

Ora, no âmbito econômico, a classe burguesa pretendia a afirmação do

liberalismo econômico. Segundo tal concepção, a economia regular-se-iaautomaticamente pelas leis de oferta e procura, como se houvesse uma “mãoinvisível” regulando o mercado. Ao passo que, no tocante ao Estado, forjou-seo modelo do Estado Liberal, ou seja, um Estado que tinha como objetivoproteger um núcleo de liberdades e intervir minimamente na regulação sociale econômica.Evidentemente, é possível vislumbrar que a falta de preocupação com aigualdade e fraternidade repercutiram perniciosamente para grande parte dapopulação. Ora, isso significa que para a maioria das pessoas a únicaliberdade que existia era a liberdade de vender sua força de trabalho comintuito de manter a sua sobrevivência. 

Você deve estar se questionando acerca dos ideais da igualdade efraternidade (solidariedade). Isso nos remete às transformações históricas doséculo XX.Vejamos a seguir quais são essas transformações.Vários fatores ocasionaram a alteração desse quadro de liberalismo, podemoscitar: a) a formação dos Estados totalitários que buscaram eliminar asdesigualdades; b) a influência do pensamento marxista; c) as reivindicaçõesdas classes desfavorecidas e d) as grandes guerras mundiais.Após as duas grandes guerras mundiais, com a destruição de muitos países daEuropa, os Estados passaram a praticar uma maior intervenção na economia eno âmbito social a fim de restaurar suas economias. Surgem, nesse momento,os direitos sociais, também denominados direitos de segunda geração.Há a superação do Estado Liberal pelo Estado Social de Direito, tendo esteúltimo representativa atuação na implementação dos direitos sociais, valedizer: direito à saúde, à educação, à segurança, entre outros direitos meta-individuais (direitos que beneficiam a coletividade em geral e não o indivíduoisoladamente). 

O pano de fundo dessa alteração, que visa oatendimento de direitos meta-individuais, pode sercompreendido a partir da chamada filosofia dalinguagem.Vamos conhecer um, pouco mais sobre esta filosofia!

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A filosofia da linguagem  parte do pressuposto que não é possível a ação dohomem sem a ação comunicativa. O pensamento se desenvolve por meio dalinguagem.

Isso nos revela a alteridade, ou seja, o reconhecimento do outro e apercepção de sua importância na medida em que a minha existência dependedo outro.Você já parou para refletir sobre o funcionamento da ação comunicativa?Como podemos entendê-la?Ora, ação comunicativa pressupõe, no mínimo, e existência de dois agentes: oemissor e o receptor. Sendo assim, ação comunicativa pressupõe oreconhecimento do outro. 

Vamos recordar alguns pontos importantes. Tenteexplicar agora como os paradigmas da filosofiaresponderiam a seguinte pergunta: Por que o homem

existe?Quais foram suas idéias a respeito? 

No âmbito do paradigma teocêntrico, poderíamos dizer que o homem existeporque essa foi a vontade de Deus.Já no paradigma antropocêntrico, seria correto dizer que o homem existe porque é dotado da razão e, por conta disso, é capaz de emancipar-se e superaros obstáculos inerentes à vida.A filosofia da linguagem explica que o homem existe por que os outros opercebem a partir da ação comunicativa.

O reconhecimento do outro traz à tona a perspectivafraterna e de solidariedade. Ao se privilegiar umaconotação solidária dá-se importância aos direitosmeta-individuais, ou seja, aqueles que pertencem atoda coletividade. Tomem-se como exemplos o direitode proteção ao meio ambiente, direito à proteção dasrelações de consumo e o direito ao regularfuncionamento do mercado financeiro.Esses direitos protegem bens que são de importânciapara todos os componentes de uma sociedade. 

Você deve estar se questionando sobre o que issorepercute no nosso tema de estudo. Vamos ver agoracomo os crimes contra a Administração Pública secorrelacionam às digressões ora desenvolvidas.A Administração Pública, dentro da estruturaorganizacional do Estado, é responsável pela gerênciado patrimônio público e pela consecução dos fins doEstado.A existência de crimes contra a Administração Pública

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 não visa proteger o Estado enquanto ente, o que seprotege, com efeito, é a sociedade enquanto realdestinatária dessas atividades do Estado.A idéia essencial é proteger esse setor do Estado

responsável por atividades que são realizadas emfunção das necessidades sociais. Ao se proteger aAdministração Publica está-se protegendo toda asociedade.Os crimes contra a Administração Pública são crimescontra as atividades fins do Estado e, portanto,comprometem as políticas públicas. 

Você já parou para pensar nos vários casos decorrupção que são diariamente noticiados nos meiosde comunicação? Em que medidas esses atos decorrupção comprometem as políticas públicas? Até

que ponto esses atos repercutem na nossa vidaenquanto membros de uma sociedade?Quantas escolas, hospitais e bibliotecas poderiam tersido construídos com as importâncias desviadas ousubtraídas dos cofres públicos?Essas perguntas nos conduzem a importantesreflexões. Você pôde compreender que todos nóssomos os destinatários das atividades daAdministração Pública? 

A ponte com a SociologiaOs crimes contra a Administração Pública tomam grande importância nachamada “sociedade de risco” que caracteriza a segunda modernidade.Ora, para entendermos esse momento que caracteriza nossa época (a segundamodernidade), devemos voltar-nos para o período anterior, a primeiramodernidade, para compreender o seu processo evolutivo.A primeira modernidade - que se situa no final do século XIX e início de séculoXX – caracteriza-se pela extrema confiança do homem em sua capacidadeintelectual e inventiva. Trata-se de um período de franca expansão dasciências do ser (biologia, física, química, etc.). 

Nesse período, o homem acreditava que suacapacidade inventiva geraria benefícios de várias

ordens e para todos. Acentuava-se exclusivamente ocaráter positivo do desenvolvimento tecnológico.Com o passar do tempo, o homem passou areconhecer que o desenvolvimento tecnológicotambém tinha sua faceta negativa e que o grandeprojeto de felicidade e benefícios para todos jamaisocorreu. O avanço tecnológico permaneceu aquém desuas pretensões. Esse reconhecimento marca amodernidade reflexiva.

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Como poderíamos então apresentar esse quadro quecaracteriza a segunda modernidade ou a sociedade derisco?

Ora, antes de mais nada, devemos compreender que oavanço tecnológico, ao mesmo que propiciou certosbenefícios para o homem, revelou também umafaceta negativa. O homem passou a viver submetido auma série de riscos os quais, não raras vezes, sãoinevitáveis, não é mesmo?Pois bem, devemos entender que existem duas ordensde riscos: riscos advindos da natureza e riscosadvindos do próprio homem.Em relação aos riscos advindos da natureza, percebe-se que eles foram devidamente reduzidos. 

Vamos aos exemplos. Hoje podemos tratar de umasérie de doenças que antigamente não seria possível.A evolução farmacêutica, o avanço das técnicascirúrgicas e a implementeção de métodos deprevenção permitem um satisfatório tratamento deuma grande variedade de patologias.Poderíamos ainda citar a evolução da meteorologiaque permite a previsão de fenômenos meteorológicos,como chuvas, terremotos e furacões. 

Ao lado desses riscos, existem aqueles advindos da própria atividade humanae que podem ser divididos em duas ordens: objetiva e subjetiva.Quanto aos riscos de ordem objetiva, podemos mencionar aqueles surgidos daevolução tecnológica e aqueles advindos do processo de exclusão socialgerado pela globalização.Os riscos tecnológicos surgem, em grande parte, pela inserção de certastecnologias sem testes aptos a garantir a ausência de prejuízos para aspessoas. Os organismos geneticamente modificados são um atual exemplodisso. Não sabemos os riscos que podem advir dessa nova tecnologia, noentanto são vários os produtos a nós ofertados que são confeccionados a partirda manipulação genética.Os riscos surgidos da globalização correspondem à exclusão social gerada poresse processo. Aqueles que não se enquadram nas categorias de produtor ou

consumidor de bens são excluídos da participação social. Forma-se um imensocontingente de pessoas que não são necessárias ao ciclo de produção ecirculação de bens. 

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No que diz respeito aos riscos de ordem subjetiva, convém apresentar doismecanismos. O primeiro deles diz respeito à ausência de valores comuns. Aprofunda contradição de informações veiculadas pelos veículos de

comunicação em massa não permite a formação de pontos de vistas comuns eharmônicos. Isso faz derivar que os membros da sociedade não partilham osmesmos valores e, portanto, portam-se diferentemente diante de uma mesmasituação.O segundo mecanismo diz respeito ao anonimato dos indivíduos que gerenciamos riscos da sociedade. Por exemplo, cada um de nós necessita de energiaelétrica e abastecimento de água para viver, contudo, na hipótese de faltadesses bens, não temos conhecimento dos responsáveis por gerir essessetores. Essas pessoas estão gerindo riscos a que todos nós somos submetidos,sem que, no entanto, tenhamos conhecimento de quem são e possamoscontrolá-los. 

Pois bem, apresentada essa ordem de idéias queretrata a sociedade de risco, o questionamento quedevemos fazer é este: qual o papel da AdministraçãoPública nesse quadro?

Considerando-se que muitos dos riscos advindos da evoluçãotecnológica são inevitáveis, resta a Administração Públicaprocurar minimizá-los.A Administração Pública vai funcionar como uma agência

reguladora desses riscos. 

A Administração Pública, por exemplo, regula o riscoambiental, econômico e financeiro. A AdministraçãoPública gere os patamares de risco e, porconseguinte, protege a sociedade.Vejamos alguns exemplos. Quando a AdministraçãoPública estabelece requisitos para se abrir umestabelecimento comercial está gerindo os riscosadvindos do consumo, quando impõe limites para se

manipular organismos geneticamente modificadosestá gerindo os riscos genéticos, quando fixa limitespara a emissão de poluentes está gerindo o riscoambiental.

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  Em todas as hipóteses a Administração Pública está tutelando os direitos dacoletividade.O Direito Penal passa a proteger essas políticas que o Estado desenvolve no

sentido de minimizar os riscos. Hoje os crimes contra a Administração Públicaestão setorizados nessas políticas do Estado que se voltam para contenção depatamares de risco.O papel regularizador da Administração Pública, com vistas a diminuir riscos,faz denotar o papel passivo do Estado. O Estado procurar reduzir os riscossimplesmente implementando políticas, contudo a realização e obediênciaacontecem no âmbito privado.A tutela penal objetiva garantir que essa intervenção reguladora do Estadonão seja infrutífera.

2. Bem Jurídico e Administração PúblicaTodos os crimes servem para que o Estado proteja

algum bem jurídico.Bem é tudo aquilo que gera qualquer utilidade para ohomem, independentemente de ter mensuraçãoeconômica.Bem jurídico, por sua vez, é quando esta utilidadeganha tal relevância que é protegida pelo Direito.

A Administração Pública, nessa perspectiva, pode ser considerada um bemjurídico? Você acha que a Administração Pública pode ser entendida comouma utilidade?Sem dúvida, a Administração Pública é uma utilidade na medida em que pormeio dela o Estado dá vazão às políticas públicas. É, portanto, um bemjurídico merecedor de tutela penal.Cumpre agora, para que possamos entender adequadamente o alcance datutela penal em relação a esse bem jurídico, tratar das perspectivas daAdministração Pública restritiva e ampliativa, vamos conceituar a seguir estasperspectivas.

A perspectiva restritiva diz respeito às atividades do PoderExecutivo, vale dizer, às atividades próprias do Estado.Na perspectiva ampliativa, abrange-se o Poder Executivo,Legislativo e Judiciário, inclusive entidades paraestatais eo terceiro setor (compreendido como entidades privadas

sem fins lucrativos).Além disso, podemos tratar a Administração Pública numaperspectiva objetiva e subjetiva. Em relação à primeira, aAdministração Pública é vista a partir de sua função, dasatividades estatais. Na segundo perspectiva, acentua-seposição do sujeito que realiza a atividade.Vamos a mais uma de nossas perguntas. Com base em qualdessas perspectivas você acha que o Direito Penal atua?O Direito Penal atua numa perspectiva ampliativa e

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 objetiva. 

Preste atenção em um aspecto muito importante.Muitos entendem que o bem jurídico protegido pelo

Direito Penal tem sempre uma conotação patrimonial.Nos crimes contra a Administração Pública nem sempreo bem jurídico envolvido terá uma expressãopatrimonial. 

Para entendermos melhor, vamos aos nossos exemplos.O artigo 89 da Lei de Licitações e ContratosAdministrativos (Lei n. 8.666/93) incrimina o agente quedeixa de utilizar o processo licitatório quando assim éexigido por lei. Independentemente de haver ou nãoprejuízo econômico, há a ocorrência de crime. Vejamos oteor dessa disposição:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipótesesprevistas em lei, ou deixar de observar as formalidadespertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que,tendo comprovadamente concorrido para a consumação dailegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidadeilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Isso nos permite concluir que tal crime não visa protegera prejuízo econômico que poderá advir da ausência deprocesso licitatório, mas sim a probidade dos agentes, odecoro e a transparência da Administração Pública. 

Uma questão para você pensar. Ao ver os diversosescândalos envolvendo corrupção (lembre-se que muitosdeles caracterizam crimes contra a AdministraçãoPública), qual sua impressão sobre o Estado, sobre osagentes públicos e sobre a própria Administração Pública?Feito isso, vamos raciocinar. Quais seriam as possíveisconseqüências de um crime contra a AdministraçãoPública? 

Como você pode deduzir, os malefícios serão de diversas ordens, de modo quepodemos, de forma exemplificativa, enumerar alguns:

•  Depauperação do patrimônio público;•  Comprometimento da eficiência de atuação dos Poderes do Estado;•  Geração de falsos conceitos de Administração, de agente público e

de impunidade;•  Descrédito em relação aos ocupantes de funções públicas;•  Enriquecimento ilícito de autoridades e particulares em detrimento

da qualidade, economia e eficiência dos serviços públicos;•  Inversão de prioridades públicas pelo tráfico de influências;•  Ampliação das desigualdades sociais;

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 •  Aumento da dívida pública, com o desequilíbrio entre receitas e

despesas.

3. Localização dos Crimes Contra a Administração PúblicaE então como está o seu entendimento até aqui? Casotenha dúvidas retome o conteúdo, não deixe para depois!Iremos agora proceder a uma indicação sumária dasprincipais normas que tratam de crimes contra aAdministração Pública. 

Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/40)O Código Penal possui um setor especial que trata dos crimes contra aAdministração Pública (Título XI) que, por sua vez, se subdivide em: a) crimespraticados por funcionário público contra a Administração Pública (artigos 312a 327); b) crimes praticados por particulares contra a Administração Pública(artigos 328 a 337-A); c) crimes praticados por particulares contra aAdministração Pública Estrangeira (artigos 337-B a 337-D); d) crimes contra aAdministração da Justiça (artigos 338 a 358); e) crimes contra as FinançasPúblicas (artigos 359-A a 359-H). 

Crimes de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65)Trata-se de lei criada para punir abusos de pequenopotencial, de menor comoção social. Constitui abusode autoridade qualquer atentado (artigo 3º): a) àliberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do

domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) àliberdade de consciência e de crença; e) ao livreexercício do culto religioso; f) à liberdade deassociação; g) aos direitos e garantias legaisassegurados ao exercício do voto; h) ao direito dereunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aosdireitos e garantias legais assegurados ao exercícioprofissional. 

Segundo o artigo 4º dessa Lei, constitui também abuso de autoridade: a)ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem asformalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua

guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c)deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão oudetenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento deprisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e neladeter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobraro carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas,emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenhaapoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar ocarcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a

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 título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h)o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quandopraticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i)prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de

segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumpririmediatamente ordem de liberdade. 

Crimes praticados por prefeitos (Decreto n. 201/67)O prefeito - chefe do Poder Executivo na esfera municipal - pode cometer trêsordens de delitos: a) Crimes funcionais ou de responsabilidade impróprios(artigo 1º do Decreto n. 201/67); b) Infrações político-administrativas oucrimes de responsabilidade próprios (artigo 1º do Decreto n. 201/67) e c)Crimes comuns contra a Administração Pública (artigos 312 a 327 do CódigoPenal).Crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n.

8.666/93)Tratam-se de crimes atinentes ao processo licitatório.Convenção da ONU contra a corrupção (Decreto n. 5.687/ 06)Trata-se de uma convenção das Nações Unidas que objetiva o combate e aprevenção da corrupção internalizada pelo Decreto n. 5687 e que contémdisposições relacionadas com a criminalização da corrupção dos funcionáriospúblicos. 

Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92)A Lei de Improbidade Administrativa veio aperfeiçoar o controleadministrativo, na medida em que possibilita ao Ministério Público e à pessoajurídica lesada a impetração de ação civil referente à improbidadeadministrativa e à defesa do patrimônio público. Também permite oaperfeiçoamento do controle interno, na medida em que possibilita aqualquer cidadão o requerimento para instauração de procedimentoadministrativo que apure improbidade (artigo 14). Permite também que o MPrequisite à autoridade administrativa a instauração do procedimentoadministrativo. 

O artigo 37, § 4.º, da Constituição Federal estabelece queos atos de improbidade administrativa importarão asuspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,

na forma e gradação previstas na lei. A Lei de ImprobidadeAdministrativa regulamente o mencionado dispositivoconstitucional.Até 1988, o objeto tutelado era tão só o enriquecimentoilícito do agente público. Depois da Constituição de 1988,passou-se tutelar a probidade administrativa.O ato de improbidade pode importar no enriquecimentoilícito (artigo 9º), na causa de prejuízo ao erário (art. 10) eatentar contra os princípios da Administração Pública (art.

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 11). 

4. Crimes Contra a Administração Pública no Código PenalComo pudemos perceber, há uma variedade de instrumentos

normativos tutelando penalmente a Administração Pública.Contudo, vamos privilegiar aqui algumas das disposiçõesmais relevantes do Código Penal, vamos lá!

Crimes praticados por funcionário público contra a Administração PúblicaOs crimes dos artigos 312 a 326 só podem ser cometidos por funcionários públicos.Tratam-se de crimes próprios, ou seja, aqueles que exigem uma qualidade especialdo sujeito ativo (aquele que comete o crime).Contudo, vale a pena mencionar que os particulares podem responder por essescrimes praticados por funcionário público na qualidade de partícipe. Prescreve o

artigo 29 do Código Penal que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crimeincide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.Isso ocorre por que as circunstâncias pessoais se comunicam se forem elementaresdo tipo. A descrição do tipo criminoso exige, em algumas situações, qualidades dosujeito ativo.

Vamos ao nosso exemplo. No crime de peculato aqualidade de funcionário público é elementar do tipo. Essacircunstância comunica-se ao particular que atue como co-autor ou partícipe do delito, em face do que dispõe oartigo 30 do Código Penal.

Funcionário públicoVocê saberia dizer quem deve ser considerado funcionáriopúblico para fins penais?Existem duas possibilidades: uma que parte da condiçãoobjetiva e outra da subjetiva.Segundo a primeira, é funcionário público aquele que temvínculo com o Estado. Por seu turno, a segunda vertente,entende que funcionário público é aquele que exerceatividade pública, sem ter vínculo necessariamente.Pois bem, para o Código Penal, considera-se funcionário

público aquele que realiza atividade pública. 

De acordo com o art. 327 do Código Penal: “Considera-sefuncionário público, para os efeitos penais, quem, emboratransitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo,emprego ou função pública”.O parágrafo primeiro dispõe quem são os funcionáriospúblicos, por equiparação. São eles: quem exerce cargo,emprego ou função em entidade paraestatal e quem

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 trabalha para empresa, prestadora de serviço, contratadaou conveniada para a execução de atividade típica daAdministração Pública.Entidade paraestatal é entendida, majoritariamente, como

a administração indireta – autarquia, empresa pública,sociedade de economia mista e fundação pública.Segundo Luiz Regis Prado (2004, p. 641), funcionáriopúblico pode ser definido como:“Agente que exerce, ainda que transitoriamente ou semremuneração, cargo ou função pública”. 

Em relação à equiparação, vejamos a explicação (REGIS PRADO,2004, p. 641):“Agente que ocupa cargo, emprego ou função em entidadesparestatais (autarquias, empresas públicas ou de economia mista)ou trabalha para empresa prestadora de serviço contrata ou

conveniada para a execução de atividade típica da AdministraçãoPública (art. 327, § 1º.)”.Por isso vimos em nossa teleaula que médicos credenciados doSUS e mesários convocados para as eleições podem serequiparados a funcionários públicos para fins da lei penal.A seguir, trataremos de alguns tipos penais específicos. 

Peculato (artigo 312)Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ouparticular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse dodinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio oualheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:Pena - detenção, de três meses a um ano.3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível,extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Existem três tipos de peculato: peculato apropriação, peculatofurto e peculato culposo.No peculato apropriação o tipo objetivo corresponde ao ato deapropriar-se ou desviar bem móvel ou qualquer outro valor,público ou particular, de que o agente detenha posse em razãodo cargo (artigo 312, caput).No segundo caso temos o furto de qualquer bem móvel ou valorpúblico ou particular, que se encontra sob a guarda do Estado,

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 ou participação na subtração executada por outrem,aproveitando-se da facilidade propiciada pela condição defuncionário (artigo 312, 1º). 

Podemos exemplificar com a hipótese do funcionário daprefeitura que, ao observar que o tesoureiro deixou o cofreaberto, subtrai certa importância em dinheiro.

Em relação ao peculato culposo, o sujeito ativo é ofuncionário público, havendo concurso não intencional naação dolosa de outrem. Trata-se de conduta que dá causa,por culpa, a que outrem (funcionário público ou particular)

pratique as demais modalidades de estelionato ou crimepatrimonial contra bem ou qualquer valor público ouparticular, que se encontre sob sua posse (artigo 312, § 2º).Outro aspecto a ser destacado: não é necessária a detençãofísica do bem, basta, para a consumação do crime, que setenha sua gestão ou disponibilidade jurídica. 

Inserção de dados falsos em sistema de informações (artigo 313-A)Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluirindevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados daAdministração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou paracausar dano: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Tal crime consiste em inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção dedados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemasinformatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obtervantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.Quanto ao bem jurídico, objetiva-se preservar o patrimônio público e garantir orespeito à probidade administrativa. 

Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informação (artigo 313-B)Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa deinformática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único.As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta

dano para a Administração Pública ou para o administrado. 

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Aqui o interesse volta-se para preservar o normalfuncionamento da Administração Pública, especialmente oseu patrimônio e o do administrado, bem como assegurar oprestígio que deve gravitar em torno dos atos daquela.

A lei penal pretende proibir o funcionário público demodificar ou alterar sistema de informação ou programa deinformática sem autorização ou solicitação de autoridadecompetente. 

Emprego irregular de verbas públicas (artigo 315)Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei:Pena – detenção, de uma a três meses e multa.

O bem jurídico tutelado é a regularidade administrativa, no que diz respeito àaplicação de verbas ou rendas públicas, que não pode permanecer ao alvedrio dofuncionário público.O tipo penal busca incriminar condutas que objetivem dar às verbas ou rendas

públicas destinação diversa daquele estabelecida pela lei orçamentária ou leiespecial.Entendimento jurisprudencial a respeito:

Visa o preceito penal contido no art. 315 do CP a impedir o arbítrio administrativo notocante à discriminação de verbas, rendas e respectivas aplicações, sem a qual haveria aanarquia nas finanças públicas, não cogitando do prejuízo resultante de seu empregoirregular. (RT n. 259/299).

Concussão (artigo 316)Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antesde assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

No crime de concussão o legislador procurou tutelar o normal funcionamento e o

prestígio da Administração Pública, objetivando resguardar a obediência ao dever deprobidade.O tipo objetivo consiste no ato de o funcionário exigir, para si ou para outrem, emrazão da função, vantagem indevida. 

O crime de concussão é diferente do crime de corrupçãopassiva. A diferença está no núcleo do tipo. A concussão tempor conduta exigir; é um “querer imperativo”, que trazconsigo uma ameaça, ainda que implícita. A corrupçãopassiva tem por conduta solicitar, receber, aceitarpromessa.A concussão é uma extorsão praticada por funcionário

público em razão da função.Entendimento jurisprudencial a respeito:

Lesa o serviço público federal quem, contratado pelaPrevidência Social para prestar atendimento hospitalar oulaboratorial, exige dos segurados pagamento adicional. Oresponsável pelo estabelecimento hospitalar ou laboratorialconveniado com a Previdência Social incide no crime deconcussão se exigir dos segurados pagamento adicional pelosserviços a que se obrigou. (TRF da 4ª Região — 1º/ 02/94).O crime definido no art. 316 do CP tem como núcleo do tipo o

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 verbo "exigir". É de ver-se, no entanto, que a exigência davantagem tanto pode ser direta como indireta, não se fazendomister a promessa de mal determinado. Basta o temor genéricoque autoridade inspira, desde que influa na manifestaçãovolitiva do sujeito passivo. (RT n. 452/338 e n. 585/311).

Corrupção passiva (artigo 317)Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora dafunção ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessade tal vantagem:Pena – reclusão de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

O bem jurídico tutelado é o normal funcionamento, transparência e prestígio daAdministração Pública, objetivando resguardar a obediência ao dever de probidade. 

Na corrupção passiva não há ameaça, nem constrangimento.A conduta típica consiste em solicitar (pedir) ou recebervantagem indevida ou aceitar tal promessa de vantagem,para si ou para outrem, em razão da função pública. 

Por exemplo: Se uma seguradora oferece dinheiro para ospoliciais que encontrarem determinados carros. Há crime decorrupção passiva, pois eles já ganham para fazer isso. 

Entendimento jurisprudencial a respeito:Comete o delito de corrupção passiva aquele que, exercendo função de destaque emempresa concessionária de serviço público, solicita e recebe de fornecedores da mesmafavores para o pagamento de seus créditos. (TJSP — El — Relator Mendes França — RT n.403/104). (Idem: TJSP — AC n. 93.631 — Relator Acácio Rebouças).A corrupção passiva exige para a sua configuração a prática de atos de ofício, dando ensejoao recebimento de vantagem indevida. E, por ato de ofício, consoante uniformejurisprudência, se entende somente aquele pertinente à função específica do funcionário.(TJSP — AC — Relator Cantidiano de Almeida — RT n. 390/100).A corrupção passiva somente se perfaz quando fica demonstrado, mesmo por meio deindícios, que o funcionário procurou alienar ato de ofício.(TFR — AC — Relator Jesus CostaLima — DJU de 16/12/82, p. 13.063).

Prevaricação (artigo 319)Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposiçãoexpressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

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O bem jurídico tutelado é o normal funcionamento daAdministração Pública, no que tange à consecução dos seusfins.A conduta típica consiste em retardar ou deixar de praticar

ato de ofício indevidamente ou praticá-lo contra a expressadisposição legal.A satisfação do interesse ou sentimento pessoal é o quediferencia a prevaricação da concussão e da corrupção.Trata-se de um elemento subjetivo do tipo.Se for caso de vantagem indevida, o crime é o de concussãoou corrupção passiva. Se for caso de sentimento pessoal, ocrime é o de prevaricação.A prevaricação é crime subsidiário – a vantagem indevidapode caber na prevaricação.Aqui deve se entender sentimento pessoal como sentimentosde amor, ódio, raiva, vingança, amizade, inimizade.

Crimes praticados por particulares contra a AdministraçãoPúblicaComo vimos, o Código Penal depois de tratar daqueles crimesque exigem para sua prática a conduta de funcionáriospúblicos, descreve os crimes contra a Administração Públicacometidos por particulares, vejamos como se delineiam estescrimes. 

Desobediência (artigo 330) Desobedecer a ordem legal de funcionário público.Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.  

Pretende-se tutelar a Administração Pública, seu prestígio, sua autoridade, com o

objetivo especial de assegurar a garantia de potestade estatal.Comete-se o crime ao desobedecer (não cumprir, não atender) uma ordem legal (ummandamento, uma determinação, e não um pedido ou uma solicitação) defuncionário público. Este deve ser competente para proferir a ordem.Para que o crime se configure, é necessário que o destinatário tenha o dever jurídicode cumprir a ordem.Entendimento jurisprudencial a respeito:

Pratica o delito de desobediência o agressor que, solicitado pela autoridade a lhe entregar aarma usada, nega-se a fazê-lo. (TACRIM-SP — AC — Relator Ricardo Couto — JUTACRIM14/267).Para que se configure o delito de desobediência, é indispensável a existência de ordemlegal, expedida por autoridade competente, em forma regular e contra pessoa determinada.Dele não se há de cogitar, portanto, sequer em tese, se a ordem que se diz desobedecidanão foi dirigida ao acusado, e sim à autoridade policial. (TACRIM-SP — HC — Relator ErcílioSampaio — RT n. 591/342).

Desacato (artigo 331)Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

Novamente, visa-se resguardar a Administração Pública, tutelando-se, porconseguinte, sua autoridade e o prestígio dos funcionários públicos perante a

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 comunidade, já que atuam como longa manus do pode estatal.

Desacatar significa ofender, humilhar, desprestigiar. Odesacato pode ser praticado de qualquer forma (palavras,

gestos), exceto por carta, pois é exigida a presença dofuncionário. O crime deve atingir a função que ele exerce enão sua pessoa.A conduta típica consiste em desacatar funcionário públicono exercício da função ou em razão dela.Exemplos jurisprudenciais:

O crime de desacato se configura por qualquer palavra queredunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverênciaao funcionário público. (TACRIM-SP — AC — Relator ManoelPedro — RT n. 369/277).A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou atoque redunde em vexame, humilhação, desprestígio ouirreverência ao funcionário. É a grosseira falta de

acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas,difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física,ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc. (TAMG — AC —Relator Sylvio Lemos — RT n. 409/427).

Tráfico de influência (artigo 332)Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa devantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público noexercício da função:Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.Parágrafo único - A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua quea vantagem é também destinada ao funcionário.

O bem jurídico em questão é a honorabilidade e prestígio da AdministraçãoPública junto à comunidade, já que a conduta do agente a expõe aodescrédito ante aos cidadãos.A conduta típica consiste em solicitar, exigir, cobrar ou obter para si ou paraoutrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em atopraticado por funcionário público no exercício de função. 

Exemplos retirados da jurisprudência:Acusado que solicita determinada importância paradar a funcionário público e "aliviar" a situação davítima no inquérito policial contra ela instaurado —Condenação decretada — Inteligência do art. 332do CP — Na exploração de prestígio, o agente

atribui-se persuasivamente a exercê-la em favor dointeressado perante a Administração Pública, emtroca de obtenção de vantagem ou promessa devantagem para si próprio ou para outrem, comopreço da mediação. (TJSP — AC — Relator RochaLima — RT n. 519/319).Exploração de prestígio — Desconhecimento daidentidade do funcionário influenciado — Delito nãoreconhecido — Não se pode cogitar de crime deexploração de prestígio quando não se sabe junto aque funcionário o agente pretextava influir na

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 obtenção de vantagem para terceiro. (TACRIM-SP —AC — Relator Edmond Acar — JUTACRIM 27/108).

Corrupção ativa (artigo 333)

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, paradeterminá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem oupromessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindodever funcional.

Objetiva-se proteger o prestígio da Administração Pública eseu normal funcionamento.A conduta típica consiste em oferecer (apresentar, proporalguma coisa para ser aceita.) ou prometer (obrigar-se a fazer

ou não fazer alguma coisa) vantagem indevida (pode serqualquer uma, econômica, sexual etc.) ao funcionário público,visando à prática de ato de ofício, seu retardamento ouomissão.Esse crime configura um caso de exceção à teoria monista,segundo a qual todos os que contribuírem para um crimeresponderão por esse mesmo crime.

Se o funcionário público solicita vantagem indevida e o particular não aentrega, configura-se o crime de corrupção passiva. Ainda que o particularentregue o que foi solicitado pelo funcionário público, não haverá o crime emestudo, pois o tipo do artigo 333 refere-se apenas a oferecer ou prometer

vantagem indevida.Nos casos de “o particular oferecer e o funcionário receber” ou “o particularprometer e o funcionário aceitar promessa”, há corrupção ativa e corrupçãopassiva.Se o particular oferecer vantagem indevida e o funcionário não aceitar, só hácrime de corrupção ativa.No crime de corrupção ativa o particular tem a iniciativa de corromper ofuncionário público.

Algumas posições jurisprudências:Delito caracterizado — Réu que, encaminhado àpresença do delegado de polícia, quando no Distrito

Policial, ofereceu importância em dinheiro ainvestigador, a fim de impedir a apuração de sua ilícitaatividade. (TJSP — AC — Relator Goulart Sobrinho —RJTJSP 19/440-441).Doutrinariamente indicam-se como núcleos do crime decorrupção ativa o oferecer e o prometer vantagemindevida a funcionário público, nos termos do art. 333do CP. Mas que isso ocorra sem nenhuma sugestão oucaptação de vontade por parte do funcionário. (TJBA —AC — Relator Ivan Brandão — RT 589/395).A corrupção ativa consiste em oferecer ou prometer

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 vantagem indevida a funcionário público paradeterminá-lo a omitir ato de ofício. A lei não distinguese a oferta ou promessa se faz por sugestão ousolicitação do funcionário. (TJSP — HC — Relator DanteBusana — RT n. 684/316).

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 Material ComplementarFAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos.2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 3 ed. São Paulo: RT,2004, v. 4. PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada -Aspectos Constitucionais, Administrativos, Civis, Criminais, Processuais ede Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Atlas, 2002.

www.cjf.gov.br/revista/numero7/artigo6.htm

www.mj.gov.br/sal/conv_Vperiodo.htm

www.onu-brasil.org.br/doc_contra_corrup.php

www.presidencia.gov.br/cgu/conv_onu_corrupcao/conv_onu1.htm