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IRAN ABREU MENDES CRIATIVIDADE NA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO MATEMÁTICA potencialidades para o trabalho do professor BELÉM - PARÁ outubro 2019 Organizadores Acylena Coelho Costa Fernando Cardoso de Matos Reginaldo da Silva

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IRAN ABREU MENDES

CRIATIVIDADE NA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO

MATEMÁTICA

potencialidades para o trabalho do professor

BELÉM - PARÁ

outubro 2019

Organizadores Acylena Coelho Costa

Fernando Cardoso de Matos

Reginaldo da Silva

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Iran Abreu Mendes

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Copyright © 2019 by EPAEM- 12º Edição

Revisão de Texto e Bibliográfica: Os autores

Projeto Gráfico e Diagramação: Demetrius Gonçalves de Araújo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Belém - Pará - Brasil CRIATIVIDADE NA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO MATEMÁTICA

POTENCIALIDADES PARA O TRABALHO DO PROFESSOR

Belém : Sociedade Brasileira de Educação

Matemática - SBEM, 2019.

1. Educação - Finalidade e objetivos

2. Aprendizado 3. Matemática (Ensino fundamental)

4. Matemática - Estudo e ensino 5. Prática de ensino 6. Professores -

Formação 7. Sala de aula - Abreu Mendes, Iran.

Belém: XII EPAEM, 2019. (Coleção VI).

89p.

ISBN 978-65-5076-008-3 (V.8 )

ISBN 978-65-5076-000-7 (Coleção )

CDD 510.

Índices para catalogo sistemático:

1. Matemática: Estudo e ensino 510.7

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida

sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da Editora. Aos infratores

aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei Nº 9.610, de 19

de fevereiro de 1998.

Comitê Científico - Coleção VI Demetrius Gonçalves de Araújo

José Carlos de Sousa Pereira

José Messildo Viana Nunes

Maria Alice de Vasconcelos Feio Messias

Natanael Freitas Cabral

Organizadores

Acylena Coelho Costa

Fernando Cardoso de Matos

Reginaldo da Silva

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XII ENCONTRO PARAENSE DE EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA

Diretoria Regional da SBEM-PA

Diretor: Fernando Cardoso de Matos

Vice-diretor: Reginaldo da Silva

Secretário: José Carlos de Sousa Pereira

Secretário: José Messildo Viana Nunes

Secretário: Demetrius Gonçalves de Araújo

Secretário: Natanael Freitas Cabral

Tesoureiro: Acylena Coelho Costa

Tesoureiro: Maria Alice de Vasconcelos Feio Messias

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Apresentação

om o intuito de consolidar mais um espaço de divulgação da

produção de conhecimento na região norte, a coleção Educação

Matemática na Amazônia teve o lançamento de sua sexta edição

durante a realização do XII Encontro Paraense de Educação

Matemática – XII EPAEM.

A partir do tema Educação Matemática: Teorias, Práticas e

Reflexões, apresenta-se ao leitor um conjunto de obras diversificadas,

tendo em vista os avanços dos estudos efetivados no âmbito da

Educação Matemática em diversos centros de pesquisa do país.

Cada um dos 12 volumes apresenta múltiplas discussões e

reflexões sobre teorias e práticas, as quais foram contempladas

durante os minicursos disponibilizados no XII EPAEM. Espera-se,

nesse sentido, que a publicação desse material permita que

estudantes de graduação e pós-graduação, bem como professores

dos níveis básico e superior, ampliem seu olhar crítico no que se

refere à pluralidade de produções relativas à Educação Matemática.

Finalmente, almeja-se que essa coleção inspire reflexões e

provoque transformações na trajetória acadêmica e profissional de

cada um dos leitores.

Boa leitura!

Maria Alice de Vasconcelos Feio Messias

(Membro da Diretoria da SBEM-PA)

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CRIATIVIDADE NA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO

MATEMÁTICA

Potencialidades para o trabalho do professor

Iran Abreu Mendes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................ 11

Parte 1: FUNDAMENTOS EPISTEMOLOGICOS SOBRE

CRIATIVIDADE E CRIAÇÃO MATEMÁTICA..................................

13

1. CRIATIVIDADE, SOCIEDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA........................................................................................

14

2. SOBRE CRIATIVIDADE E CRIAÇÃO MATEMÁTICA................ 20

3. ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DA CRIATIVIDADE

MATEMÁTICA SEGUNDO GONTRAN ERVYNCK........................

29

4. CRIATIVIDADE E CRIAÇÃO MATEMÁTICA NA HISTÓRIA.. 34

5. UMA SÍNTESE DE CURIOSIDADES CRIATIVAS NA

HISTÓRIA DO CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL...............

37

Parte 2: OUTRAS PRODUÇÕES CRIATIVAS NA HISTÓRIA DE

MATEMÁTICA........................................................................................

58

6. OUTRAS HISTÓRIAS SOBRE PROCESSOS CRIATIVOS EM

MATEMÁTICA........................................................................................

59

7. REFLEXÕES E PROJEÇÕES FUTURAS........................................... 79

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.......................................................... 83

DADOS SOBRE O AUTOR..................................................................... 87

Educação Matemática na Amazônia - Coleção – VI..................... 89

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INTRODUÇÃO A imaginação é mais importante que o conhecimento.

O conhecimento tem seus limites (Albert Einstein).

A expressão de Albert Einstein, tomada como epígrafe de abertura desta página introdutória ao tema deste livro deixa explicitamente evidente o quanto a relação entre o exercício da imaginação criativa é capaz de nos possibilitar a habilidade de dar um passo sempre a frente em um processo de invenção que se desdobre em conhecimento novo, pois se levarmos em conta um antigo provérbio cujo enunciado afirma que a necessidade é a mãe da invenção, poderemos nos perguntar: essa proposição afirmativa também se aplica à criatividade? Um pensador pragmático responderia "sim", porque não há diferença entre invenção e criatividade. Assim estaria terminando o debate sobre esse tema.

No entanto, esta simples resposta não parece ser suficiente para se tornar satisfatória a um pensador reflexivo e inquiridor, pelo menos não no que diz respeito à matemática. Se é inegável que a invenção passa por processo que emanam criatividade, é verdade que essa necessidade é sempre a causa subjacente? Não se pode negar que a invenção desempenha um papel importante na criação matemática embora não seja suficiente, pelo menos no se refere à experiência criaiva e sua sistematização que caminhe para a elaboração teórica. Não se trata somente disso, uma vez que a criatividade está no coração da matemática e é o exemplo perfeito para nossa discussão a arte criadora na podução matemática em todos os tempos e espaços em que se estabelece a cultura humana.

A esse respeito, destaco um fragmento do registo de uma palestra proferida por Herbert Spencer em Oxford, no ano de 1933, no qual Albert Einstein comentou o seguinte:

até agora, nossa experiência nos permite acreditar que a natureza é o produto de idéias matemáticas que são

simplesmente imagináveis. Estou convencido de que

podemos descobrir, através de construções puramente matemáticas, os conceitos e leis que organizam essas

idéias (EINSTEIN, 1933)1.

1 Palavras de Albert Einstein sobre uma palestra de Herbert Spencer, em Oxford, em 1933.

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A expressão de Einstein deixa transparecer o quanto as ideias imaginadas estão, muitas vezes, a frente do que admitimos como possível, mas que podem nos levar a tornar outras coisas possíveis, desde que apostemos na ousadia da imaginação de modo a torná-la o mais real possível. Esse é verdadeiramente um exercício de criação. Entretanto, o ingrediente que falta para colocar em prática, os exercícios de criação é a curiosidade. No caso de vários investigadores criadores em matemática, muitas vezes, foi o impulso dado por uma pergunta simples: e se? . Trata-se verdadeiramente de um momento em que pode surgir toda uma dinâmica criativa por meio da curiosidade, tal como o fez Arquimedes em seu tempo.

A esse respeito, por exemplo, a história da matemática aponta que Arquimedes consagrou a expressão Eureca, ao ter encontrado possibilidades de resposta para o problema do volume de um objeto irregular, mais precisamente o volume da coroa do rei de Suracusa. É neste perspectiva que neste livro veremos que, além de muitas outras invenções matemáticas, Arquimedes também criou uma forma particular de geometria, na qual poderemos identificar elementos de sua criatividade, que foram registrados e atribuídos para caracterizar seus princípios e métodos de exercício criativo em matemática e em ciências e tecnologias em geral.

Igualmente, trataremos das dinâmicas criativas de alguns matemáticos e filosófos cujos trabalhos serão tomados como fragmentos históricos relativos à matemática, que serão comentados na forma de episódios determinantes no desenvolvimento das ideias matemáticas e que se perpetuaram e se desdobraram em novos conhecimentos, de uma importância cultural, social, científica e tecnológica sem dimensão.

Este livro é um convite para se pensar um pouco sobre os múltiplos processo operacionalizados pelo pensamento e pelas práticas matemáticas em busca de expicação para o modo de ser e de estar dos objetos matemáticos em suas correlações no contexto sociocultural ao longo da nossa história humana e como esses modos de ser e estar foram e são captados pela mente de quem exercita a criatividade na criação matemática em todas as suas dimensões, para assim produzir conhecimento a ser disseminado no contexto escolar e científico. Estejam todos convidados para este processo de pensar sobre o tema.

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Parte 1 Dos Fundamentos Epistemologicos sobre Criatividade e Criação

Matemática

Atmosfera (Eduardo Nery, 1965).

Desconfio de uma ideia que não cabe em uma frase.

(Jorge Wagensberg)

A epígrafe tomada de Jorge Wagensberg como um mote para iniciar

essa parte do livro me remete à história da criação matemática como um conjunto de estradas e labirintos percorridos e vencidos pelos seus criadores, nas diversas épocas e culturas constituídas pela sociedade humana. Um processo estabelecido por muitas frases, formuladas com base em muitos conceitos que se constituíram nos desafios de dar sentidos e significados às observações, aproximações e descobertas de princípios e configurações dos objetos culturais interpretados pela matemática. São tentativas de explicitar as entrelinhas e coisas implícitas que se estabelecem na mente de quem cultiva pensamentos e práticas

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pertencentes a campos como o da matemática em suas dimensões inituitivas, lógicas e formais. Comecemos, então, nosso passeio para leitura e reflexão sobre alguns apontamentos sobre processos criativos na criação matemática.

1. Criatividade, sociedade, cultura e educação matemática

Uma indagação frequentemente estabelecida nos ambientes educativos e nos contextos das academias de ciências e artes refere-se ao ato da criação, com a finalidade de conceber a criatividade como uma habilidade inerente ao ser humano em seu processo de conhecer, explicar e compreender. Tal inquietação indagativa remete a duas interrogações: por quê e para quê? A esse respeito, diversos estudiosos do assunto asseguram que a criatividade é uma habilidade humana essencial a ser exercitada porque é fundamental para o desenvolvimento do potencial de quem estuda, aprende e produz conhecimento.

Tal habilidade é essencial para a autonomia humana no sentido de desenvolver um pensamento inovador/criativo que se constitui em uma estratégia essencial para conduzirmos nossa vida em um processo educativo emancipatório, em busca da produção de conhecimento novo e para enriquecer um processo educativo que possa favorecer o crescimento de quem produz conhecimento, tendo em vista a condução de um processo de aprendizagem e produção cognitiva sempre prazeroso e inovador que nunca permita a cristalização da rigidez de práticas e conceitos; ao contrário, que viabilize uma dinâmica das estratégias de pensamento que imprima um constante interesse pela renovação e arejamento de ideias.

Para iniciar qualquer reflexão sobre criatividade é importante ter em mente que não se pode pensar que se trata de uma habilidade humana originada a partir de um fenômeno ou ato exclusivamente individual, mas sim como um processo sistêmico no qual a interação social sempre se mostra fundamental, tal como argumenta Csikszentmihalyi (1996) quando trata conhecimento inventado ou descoberto em seus modos e sistemas. Tal assertiva significa, portanto, admitir que para ser criativo é necessário se fazer uso do pensamento divergente ou criativo, ou seja uma exercício para se pensar criativamente, de maneira a estabelecer conexões coerentes com o contexto no qual as ideias estão sendo postas na

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sociedade e na cultura, ou seja, no processo de validação das ideias produzidas no contexto sociocultural.

Exercitar um pensamento divergente para ser criativo refere-se ao fato de poder ser provocativo, paradoxal, metafórico, lúdico com o próprio pensamento, exercitando assim a sua flexibilidade em poder encontrar sempre as melhores opções e os melhores caminhos para toda e qualquer situação de vida, tanto pessoal, quanto profissional. Nessa perspectiva, pensar criativamente equivale a engendrar alternativas, enfrentar desafios, descobrir soluções, ou seja, é saber usar recursos variados que nos possibilitem ir além do que imaginávamos ser possível, tal como sugere Araújo (2009), quando discute sobre criatividade na educação.

Se considerarmos que existem alguns modelos sistêmicos de criatividade, a teoria do investimento em criatividade é vista como a convergência de seis fatores distintos e interrelacionados à inteligência, aos estilos intelectuais, ao conhecimento, à personalidade e à motivação, fazendo assim emergir nesse encadeamento de fatores, um contexto ambiental no qual o processo criativo pode ocorrer em níveis variados. Todavia, a característica de um contexto social propício à criatividade se evidencia na medida em que tal contexto contribui para estimular a criatividade, de modo a envolver não apenas o indivíduo, mas também afetar seu ambiente sociocultural, incluindo as pessoas que nele vivem.

Se aqueles que circundam o indivíduo não valorizam o ato criativo, não oferecem um ambiente de apoio necessário, não aceitam o trabalho de criação quando este é apresentado, então é previsível que os esforços criativos do indivíduo encontrem obstáculos intransponíveis, conforme destaca Stein (1974). Entretanto, se torna um desafio uma jornada de enfrentamento para vencer tais obstáculos. Assim, os fatos históricos sobre criatividade e inovação justificam o exercício vanguardista de seus criadores no enfrentamento dos obstáculos, como por exemplo Lewis Carroll em sua lógica do nonsense, Descartes em sua geometria algébrica e Alan Turing em sua máquina de pensar.

A busca de respostas a algumas das questões que foram mencionadas anteriormente, sugere reflexões acerca do ato de criação e sua relação com a árvore do conhecimento proposta por Humberto Maturana e Francisco Varela (2001), quando asseguram que

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(...) o conhecimento do conhecimento obriga-nos a assumir uma

atitude de permanente vigília contra a tentação da certeza, a

reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um vê fosse o mundo e não um mundo que

construímos juntamente com os outros. Ele nos obriga, porque ao saber que sabemos não podemos negar que sabemos (MATURANA;

VARELA, 2001, p. 267, grifo nosso).

É essa vigília mencionada pelos autores que nos possibilita indagar-nos constantemente a respeito da inclusão de novos olhares, reflexões, conceitos novos sobre o conhecimento que produzimos sobre as coisas, e acerca das buscas de novas reflexões às conclusões já estabelecidas por outrem, para assim configurar o processo de criação, o que torna a produção de conhecimento um movimento de ação-reflexão-ação no qual 99% constitui-se de transpiração e 1% de criatividade2. Essa parcela numericamente pequena, que é evidenciada na produção de conhecimento, significa uma adição imersa na tradição, na inovação e na renovação, tal como sugere Raquel Gonçalves-Maia (2011), bem como por meio do transe, da arte e da criatividade como menciona Teresa Vergani (2009), salientando que a proibição do transe e a elitização e comercialização da arte deixaram apenas a criatividade como possibilidade de dar ao mundo a oportunidade de conhecer conhecendo-se.

Ainda a esse respeito, a árvore do conhecimento que subjaz do discurso do método, proposto por René Descartes em 1637, nos faz refletir acerca de um processo de criatividade na busca de soluções para problemas de explicação dos fenômenos naturais, sociais e culturais, na relação que o estabelecimento de questões gerais e secundárias tem para solucionar um problema. De um modo geral, no decorrer das práticas científicas e socioculturais os problemas passaram a ser tomados apenas a partir do caule dessa árvore, depois dos ramos e por fim somente das folhas, até o foco ser dado somente à flor e ao fruto.

Conforme mencionei anteriormente, um novo olhar para a árvore do conhecimento dado por Maturana e Varela (2001) reflete sobre a necessidade de olhar com todo o cérebro e sob o maior número de enfoques possíveis, desde que interconectados, de modo a dar sentido

2 Esta expressão aparece na literatura sobre o tema de criatividade, como sendo de autoria de diversos filósofos, cientistas ou pensadores, como por exemplo Thomas Edison.

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mais amplo e profundo sobre o objeto em construção. Seguindo, ainda, nesse mesmo juízo sobre o processo criativo, Michel Serres (2008) nos leva a refletir que os novos ramos originados na árvore do conhecimento referem-se diretamente à parcela desse 1% de criatividade ao qual me referi anteriormente. Para Serres (2008, p. 81), “o ramo não mata o caule, mas nele se apóia, ainda que para dele se afastar”. Todavia, é necessário que tal afastamento não signifique desconexão. O autor afirma, também, que as conectividades oriundas das informações das redes virtuais de comunicação e a prática do informacionismo, hoje muito comuns devido as pesquisas virtuais, podem ocasionar a inibição dos ramos na árvore do conhecimento.

É possível, portanto, admitir que a sociedade humana tem uma dinâmica cultural que se caracteriza por um processo de repensamento contínuo acerca de seu modo de produzir conhecimento, ou seja, sobre os modos de criar e operar as estratégias de pensamento na produção de conhecimento no contexto cultural. Trata-se, portanto, de um exercício de criatividade que tem implicação direta no desenvolvimento de autonomia no espirito de busca de quem investiga e cria.

Esse espírito de busca do qual me atenho, é tomado aqui como um espírito do investigador, do qual sempre me remeto para tratar da investigação como princípio de ensino e de aprendizagem, pois compreendo que este espírito investigador foi o acionador do meu desenvolvimento pessoal e profissional ao longo da minha formação docente e como pesquisador (MENDES, 2015). Considero, portanto, que ao exercitar esse espírito de busca, essa tentativa de exercitar a criatividade, conseguimos avançar na construção de nossa autonomia intelectual como uma pessoa que quer aprender.

A criatividade, portanto, se constitui em uma habilidade inerente à atividade científica e educativa. Logo, se faz necessário buscar respostas para alguns questionamentos do tipo: o que é criatividade? Como se constitui uma personalidade criativa? Como descrever e caracterizar criatividade, considerando a necessidade de se mobilizar um conjunto de habilidades cognitivas para se produzir algo novo ou conhecimento novo sobre quaisquer objetos do mundo? Para abordar aspectos argumentadores acerca da criatividade como manifestação da cognição humana em busca da formulação e sustentação de verdades em seu âmbito globalizante do pensamento, das experiências e das reflexões

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humanas, imediatamente remeto-me às ideias presentes em duas obras de Domenico de Masi sobre criatividade, intituladas O ócio criativo (2000) e Criatividade e grupos criativos (2003). Ambos os trabalhos têm como foco principal a capacidade humana de criar e reinvertar-se continuamente no mundo. Na segunda obra, cuja densidade teórica e riquezas conceitual e epistemológica é essencialmente importante aos estudos sobre produção de conhecimento em seus múltiplos aspectos, menciono a seguir apontamentos sucintos do livro, tomando-os como guia para os encaminhamentos seguidos neste livro.

Domenico de Masi (2003) assegura que nas relações entre descoberta e invenção humanas, é possível afirmar que nossa sociedade criou justificativas para alguns processos e fenômenos naturais apoiando-se em argumentos como “os sete dias da criação”. Neste mesmo espírito dados às primeiras tentativas explicativas sobre as descobertas ou invenções humanas, o autor afirma que, de acordo com os desafios surgidos historicamente, quando o homem descobre a imperfeição ele inventa a palavra e ao descobrir os símbolos, inventa o além. No decorrer de seu processo sócio-histórico descobriu a semente e daí inventou o Estado. Ao descobrir o ferro inventou o cansaço e quando descobriu a sabedoria, inventou o ócio. Descobriu o purgatório e inventou a si mesmo; descobriu a precisão e inventou a indústria; ao descobrir a criatividade inventou o futuro.

Ainda sobre essas relações e a criatividade humana, De Masi (2003) assegura que na tentativa de relacionar fantasia e concretude, como dois fatores geradores da criatividade humana para dar sentido às realidades inventadas pela nossa sociedade surgem diversas contribuições por parte das neurociências, da psicanálise, da psicologia, da epistemologia e da sociologia. Nessa perspectiva, portanto, é necessário considerar, principalmente, os percursos racionais e simbólicos que propiciam a realização de sinapses criadoras características desse processo criativo que institui a inclusão de conceitos novos a estudos de velhos problemas, quer seja em matemática ou em qualquer outra área de conhecimento que se deseja investigar e principalmente quando se pensa o conhecimento gerado em uma rede de conexões globalizantes estabelecidas na sociedade e na cultura. Para que um processo criativo seja instalado produtivamente na geração de conhecimentos como a matemática, é importante uma preparação inicial, ou seja, a organização de um contexto desafiador e

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estimulador da criatividade humana, que possa acionar nossa cognição e nos leve a um exercício reorganizativo e inovador na formulação de explicações do problema investigado.

O processo criativo passa, então, a ganhar forma, definição e convergência descritiva e explicativa na medida em que o continuum ação-reflexão-ação, nos leva a perceber novos pontos conclusivos acerca da nova maneira de construir o objeto do nosso conhecimento. Trata-se, portanto, de três momentos importantes nesse processo de criação: a iluminação, a verificação e a comunicação da ideia produzida. O processo criativo não decorre de maneira sistemática e organizada do começo ao fim. As etapas não seguem necessariamente uma sequência linear, pois podem se desenvolver conforme os estimulos e desafios provocados pelo ambiente em cada momento da ação cognitiva de quem exercita a criação. O exito do ato criativo depende de condições favoráveis à criação, como a disponibilidade de tempo e de recursos, uma vez que a motivação intrínseca é um fator importante e que, no decorrer do processo de criação, podem ser observadas modalidades de conjugação de aspectos cognitivos e afetivos, o que leva a ampliação ou não do exercício criativo.

Outro fator decisivo na criação matemática é o conhecimento que cada um tem sobre o tema que vai investigar para produzir, ou seja, sobre os aspectos transversalizantes dos quais a matemática se nutre para se configurar continuamente. Essas informações conectadas ao conhecimento matemático que se pretende descrever, explicar e formalizar se torna essencial ao desenvolvimento e à implementação de novas ideias. Todavia, são necessárias algumas estratégias metacognitivas como monitoramento e avaliação, que possam ser utilizadas em diferentes momentos do processo.

Cabe-nos, portanto alguns questionamentos em relação aos fundamentos epistemológicos concernentes aos processos criativos relativos à criação matemática como por exemplo as caraterísticas da atividade criativa em matemática e suas componentes; o conceito de imaginação e invenção matemática; as conexões entre criação, invenção e inovação, bem como sobre extensão conceitual por meio de processos criativos em matemática. A esse respeito abordaremos aspectos teóricos no decorrer das próximas seções. Inicialmente abordaremos alguns fundamentos epistemológicos estabelecidos por autores que se dedicaram a tratar do tema desde o final do século XIX, bem como sobre os desdobramentos conceituais originados desses estudos e que ocasionaram

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processos de criação e inovação em matemática como os atuais estudos relacionados às conexões entre matemática e arte.

2. Sobre criatividade e criação matemática

Os fundamentos teóricos que sustentam as discussões apresentadas em diversos artigos e livros que publiquei desde 2001, quase sempre convergem para princípios investigativos, ou seja, sobre o que é investigação, como praticar, como se aprender por meio da investigação, como se conhece investigando, dentre outros aspectos epistemológicos acerca desses princípios. Nesses artigos e livros tais ideias transparecem como matrizes teóricas sobre as quais me apoio para dialogar com princípios que sustentam minhas pesquisas sobre História da matemática e Práticas Socioculturais, com vistas a desenhar fundamentos epistemológicos para o ensino de matemática na Educação Básica e Superior.

Tais ideias revelam direta ou indiretamente aspectos formativos que convergem para o pensamento transdisciplinar de modo similar como alguns estudiosos concebem que a produção de cultura matemática. A exemplo de Ubiratan D’Ambrosio, quando enunciou suas ideias primeiras sobre etnomatemática até a sistematização de seu Programa Etnomatemática, no fim do século XX e no início de século XXI, podemos considerar e admitir a impossibilidade de se apresentar uma definição para etnomatemática, uma vez que a definição encerra as ideias sobre determinado objeto de conhecimento estabelecendo limitações epistêmicas acerca dos modos de conceber, compreender e explicar esse objeto de cognitivo em continua construção, ou seja, sempre em processo de criação no pensamento.

Assim, a perspectiva da cultura matemática imbricada em práticas socioculturais não é de se encerrar a conformação do objeto em limitações epistêmicas porque como se trata apenas de uma forma para se focalizar vetorialmente o objeto na dinâmica sociocultural de produção de conhecimento humano, o aspecto matemático destacado por esse olhar nunca conformará uma dimensão plural desse conhecimento. Isto porque a dinâmica sociocultural, que é humana, não se encerra nunca; e como ela não encerra nunca, sempre surgirão elementos agregadores para que

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possamos fazer uma nova caracterização do que pode ser explicitado como cultura matemática material ou imaterialmente estabelecida por meio de um processo no qual a criativdade é essencial.

E o mais importante é que essa dinâmica de criação vem justificar a mesma configuração epistemológica que a matemática evidencia em todo os eu desenvolvimento histórico, assim como o seu comportamento epistemológico como um certo jogo imaginativo, inventivo e inovador que se organiza por meio de combinações e rigores próprios em linguagem e técnica – eu diria um tipo de composição que não se fecha nunca, para oportunizar novos processos de criação e ampliação conceitual, embora a representação sociocultural de matemática faça emergir alguns sentidos como “uma conta” (uma expressão algorítmica que envolve aritmética ou álgebra), como “uma forma geométrica” (expressão geométrica que envolve medidas, proporcionalidade ou construções geométricas), ou outras expressões desse tipo. Todavia, a composição epistemológica do que pode ser concebido como matemática tem uma dinâmica que faz emergir múltiplos jogos combinatórios lógicos, de modo que sempre possa caber alguma explicação a mais, para ampliar sentidos e significados, e assim alargar o campo de criação matemática.

No meu entendimento a cultura matemática tem essa composição epistemológica em formação contínua, porque sempre recorre à dinâmica sociocultural de produção de conhecimento em seus múltiplos patamares (sociedade, escola, ciência, tecnologia, religião, etc), cujas combinações epistêmicas, se organizam de maneira lógica para que esse conhecimento que denominamos matemático, amplie nosso olhar nos modos como os diferentes grupos sociais podem enunciar determinados olhares sociais sobre aquilo que nos chamamos de matemática.

Trata-se, portanto, de proceder em exercícios de olhar sobre como a sociedade produz suas ideias, suas leituras do mundo, e que se torna enriquecedor, possibilitando que imaginemos mais possibilidades de diálogo com o mundo. Isto é o mais importante para adentrarmos em um caminho de compreensão da dinâmica cultural na qual a matemática se insere, ou seja, que se constitua em um movimento no qual os exercícios de olhar sobre os modos como a sociedade produz ideias, e que é enriquecedor. Talvez seja nesse princípio humano, logo sociocultural, que se assenta toda base epistemológica da matemática. Não se trata de se despir de um olhar formalizado, mas admitir que temos um olhar uno e múltiplo, singular e

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plural, portanto imaginativo e inventivo, que nos despe do nosso pensamento técnico para emprestar o pensamento lúdico do outro, que também é um modo de olhar. E quando pedimos o olhar do outro para também olharmos as coisas, começamos a criar possibilidades de ter conosco todos os olhares sobre as coisas.

E neste caso esse movimento sustentado pela sociodinâmica dos olhares culturais é que dá um caráter transdisciplinar à matemática, tal como estão presentes nas histórias das matemáticas produzidas nos tempos e nos espaços, fazendo emergir daí pontos de sustentação epistemológica, como podemos ver nas histórias da cultura humana, de um modo geral, sempre com possibilidades de olharmos e emprestarmos os vários olhares para podermos ter uma amplitude maior sobre o objeto que queremos olhar. Esse é o modo característico do pensamento transdiciplinar, complexo, e que a matemática historicamente produzida também se materializa por este olhar. Se não exercitamos esse olhar, dificilmente conseguimos fazer matemática como cultura humana. Porque se restringirmos nosso olhar perderemos muitos aspectos a serem observados e portanto refletidos. Logo, esse é um ponto principal, ou seja, a base epistemológica para se pensar a matemática humana em sua diversidade e ao mesmo tempo unicidade; singularidade e pluralidade.

É com esse princípio que podemos abordar o processo de criação ou invenção em matemática. Para tanto podemos partir das ideias advogadas por Poincaré (1908) para formular argumentos baseados no fato de que a gênese da criação matemática é um problema que deve inspirar o mais vivo interesse do psicológo, uma vez que se trata de uma ação cognitiva humana de processar modos de compreender e explicar fatos que forjam os modos de existir do mundo exterior e os processos internos de organização dessa compreensão e explicação no interior de cada humano em seus processos de comunicação sociocultural. Todavia, há uma questão provocativa no discurso de Poincaré: o que é, de fato, essa invenção matemática?

Para Poincaré (1908), não se trata apenas de fazer novas combinações com entes matemáticos já conhecidos, pois qualquer um poderia fazê-las e assim poder obter um número finito de resultados. Logo, inventar não significa somente ou apenas combinar para gerar coisas às vezes até inúteis, mas sim produzir para poder fazer escolhas que sejam

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úteis. Neste sentido, o autor assevera que os fatos matemáticos dignos de serem estudados são aqueles que, por analogia com outros fatos, podem nos conduzir ao conhecimento de novas teorias matemáticas assim como as experimentações nos favorecem conhecer melhor as fundamentações do conhecimento do mundo físico. Poincaré assevera, ainda, que a invenção se processa como se o inventor fosse um examinador de segundo nível, que não teria que interrogar senão os candidatos declarados elegíveis após uma primeira prova.

A seguir abordarei alguns aspectos acerca da imaginação e invenção matemática como ato criativo, tomando como base alguns

autores como Henri Poincaré (1908) no livro Science et Methode, Jacques Hadamard (2009) em sua Psicologia da invenção matemática, René Boirel (1966) em seu trabalho intiulado l’Invention , Abraham Moles (1957) no livro La création scientifique, David Bohm (2011) em Sobre Criatividade, George Steiner (2011) em Gramáticas de la Creación e David Perkins em La Bañera de Arquímedes y otras historias del descubrimiento e Mihaly Csikszentmihalyi (1998) sobre criatividade como descoberta e invenção, dentre outrros que têm se dedicado ao tema.

Por fim pretendo, também, mencionar alguns apontamentos sobre algumas perspectivas pedagógicas relativamente à criatividade em propostas de trabalhos docente, principalmente no sentido de desenvolver habilidades criativas nos estudantes em seus processos educativos.

Imaginação e invenção como ato criativo

A criatividade consiste em ver o que todos vêem e pensar o que ninguém ainda pensou (Szent-Gyorgyi).

Uma discussão conceitual acerca do que pode ser considerada como invenção científica ou matemática tem sido estabelecida desde o final do século XIX como uma ação explicativa, cujas proposições de parâmetros de validade foram atribuídas aos lógicos, quando lançaram suas normas do raciocínio rigoroso conectadas ao método experimental para garantir “validade científica” aos conhecimentos produzidos pela sociedade humana, principalmente nas comunidades acadêmicas. Portanto, a esse respeito me refiro aos diferentes processos lógicos e metodológicos estabelecidos nos procesos de invenção científica, especificados nos diferentes campos

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científicos. Conforme já mencionei anteriormente, um exemplo a esse respeito aparece nos trabalhos de Henri Poincaré em 1908 quando publicou o livro Science et Methode (Ciência e Método).

É a partir desse modo de pensar sobre o tema que muitos estudiosos sobre produção de conhecimento admitem que as etapas consideradas na criação científica foram mais claramente destacadas pelos cientistas ao longo dos três últimos séculos (1800-2000) do que as da criação artística. Todavia, foi a partir da segunda metade do século XX, na virada epistemológica marcada pelo adventos das discussões sobre interdisciplinaridade, seguida da transdisciplinaridade e complexidade, que se ampliaram fortemente os diálogos sobre criação científica em um enfoque pré-paradigmático segundo o qual não há como limitar as fronteiras do processo epistemológico na produção de conhecimento pela ciência, por meio do qual se ampliaram as discussões e reflexões acerca desse assunto, bem como os modos de reinventar práticas de pesquisa e produção de conhecimento pelos cientistas em suas ramificações no campo científico para acolher esses novos encaminhamentos investigativos.

No livro L’Invention (A Invenção), seu autor René Boirel (1966) já argumentava que a invenção científica é mais simples, em certo sentido, para o filósofo que a estuda, do que a criação artística, uma vez que na arte convergem todas as possibilidades humanas – afetividade, imaginação, habilidades manuais, enquanto que na invenção científica há uma tendência de se levar em consideração essencialmente o trabalho da inteligência humana, centrado na racionalidade fundada na lógica, ou seja, no exercício de uma lógica racional (sem imaginação). Surge, portanto, dessa premisa, questionamentos como: quais são as modalidades de invenção nas várias ciências e na matemática?

À primeira vista, parece que a invenção da matemática é uma ciência racional por excelência, cujo resultado denota deduções rigorosas. Todavia, este não é o caso, e essa ilusão de verdade absoluta vem do fato de que rapidamente se confunde as matemáticas que são formadas e ensinadas e as matemáticas que são feitas. Para Boirel (1966), o matemático, na presença de seus problemas, não conhece nenhuma chave universal para resolvê-los. Na verdade, ele deve constantemente imaginar novos processos. A exemplo desse comportamente o autor cita Pascal, que inventou um instrumento intelectualmente adequado à exploração de cada

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questão que abordou: para o estudo das cônicas, ele inventou o hexagrama místico, para o cálculo das probabilidades, ele cunhou o triângulo aritmético.

Assim, se torna compreensível que a pesquisa matemática não tenha seguido, não segue e nem seguirá uma trajetória única e previsível em uma dedução certa de si mesma. O que se identifica historicamente é que houve e sempre haverá alguma abordagem surpreendente na produção matemática. Neste sentido, com base em Boirel (1966) posso exemplificar com o fato de que todos os obstáculos encontrados pelos pesquisadores que abriram o caminho para o cálculo infinitesimal, se analisados e refletidos, se constituirão em uma prova de que é somente depois de muito tempo na escuridão que o matemático finalmente vê um fluxo constante de clareza nas suas ideias3.

Se considerarmos que não há um método dedutivo excusivo e único para se inventar em matemática e se, correlativamente, o desenvolvimento da matemática passa pelo imprevisível, é porque as noções básicas não são absolutamente claras, ou seja, não podemos dizer a priori o que será, nem onde será o ponto final do processo de trabalho crítico que substitui as informações obscuras das noções de intuição, esclarecidas na análise e reflexão sobre as informações produzidas pela imaginação e pela experimentação criativa.

A esse respeito é possível, por exemplo, questionar por que muitos matemáticos não tentaram em vão por longos anos resolver equações de graus superiores a quatro? A resposta aparece na história das equações somente no começo do século XIX, quando Abel afirmou que essas equações não eram passíveis de solução por radicais. Assim, novos caminhos foram desenhados e seguidos investigativamente, com sustentação da curiosidade, imaginação criativa e muito trabalho experimental com base na matemática até então produzida, para que se obtivesse respostas aceitáveis para o problema.

Todavia, se os matemáticos se deparam com a opacidade ou nebulosidade de certas noções matemáticas, por sua própria convicção e insistência, podem algumas vezes chegar a formulação de teoremas que

3 Na seção 5 desta parte 1 apresentarei um exemplo dessa dinâmica criativa na história da matemática, intitulada: uma sintese das curiosidades criativas na história do cálculo diferencial e integral.

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são revelados pela inesperada fecundidade. Por exemplo, quando Cauchy inventou uma explicação sistemática sobre o imaginário a partir de trabalhos de outros matemáticos como Cardano, Bombelli e outros antecessores a ele, seus contemporâneos estavam longe de suspeitar que esses conhecimentos seriam usados em uma série de problemas e até mesmo na teoria dos números reais. Assim, admite-e que a pesquisa matemática é cheia de imprevistos porque segue um método muito próximo do método experimental, visto que o matemático, assim como o físico, arrisca uma hipótese, resultado de uma primeira generalização empírica e, então se esforça para verificar melhor as conclusões obtidas. Dessas conclusões experimentais, se torna possível levantar novas hipóteses que possibilitem a ampliação conclusiva e daí atuar criativamente no sentido de gerar elaborações ampliadas sobre os "fatos matemáticos", e suas estruturas.

Para David Bohm (2011), o processo de criatividade parece algo muito difícil de ser definido, pois não se trata somente de um talento especial, mas de uma capacidade de libertação da mente para ficar mais atenta, alerta, consciente e sensível aos fatos de modo a possibilitar a imaginação, a invenção criativa e a descoberta de novos fatos e suas correlações com os já existentes, ou seja, o estabelecimento de um nova ordem de explicação para novas estruturas de conceitos e ideias.

A esse respeito, George Steiner (2011), propõe em sua gramática da criação que atualmente os conceitos de criatividade e de invenção são sempre concebidos em processos contextuais, ou seja, seu campo semântico pertence à história, devido seus componentes socioculturais, psicológicos e materiais, uma vez que aquilo que significa tratar com a eternidade está em si mesmo ligado ao tempo. Igualmente, Steiner salienta que a invenção por sua linearidade contatável e constitutiva, é rígida e motor do tempo histórico, ou seja, as relações entre a experiência da temporalidade, do calendário sequencial das histórias e a ideia de criação, são em comparação, enormemente desconcertantes.

Para Perkins (2003), no entanto, o que importa essencialmente não é a criatividade em geral, mas sim o progresso do pensamento como um encaminhamento na direção da ruptura com o que é da ordem do passado, ou seja, o acréscimo transformativo ao que já está posto. Trata-se, portanto, de avançar de forma surpreendente na criação de ideias e

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produções úteis na ampliação, inovação e renovação dentro de um marco já estabelecido. Igualmente, Perkins (2003) caracteriza esse processo como um salto do pensamento na amplitude da imaginação e na diminuição da cegueira cognitiva, por meio de quatro operações essenciais: exploração ou perambulação, detecção, reconsideração ou reenquadramento e desenfoque ou descentralização. Essas operações referem-se fundamentalmente aos processos de busca e produção de conhecimento por meio de estratégias do pensamento e das ações exercidas na pesquisa e na aprendizagem. Cabe a cada um exercitar tais operações de acordo com as condições oferecidas pelo contexto em que o objeto a ser conhecido exija do investigador, provocando-lhe exercícios de imaginação e criação de caminhos para chegar ao ponto final.

A respeito dessa temática concernente a criatividade, Abraham Moles (1957; 1998; 2007)4 elaborou um estudo denominado A criação cientifica, no qual o autor aprofunda suas proposições e discussões epistemológicas sobre a criação científica, enunciando que se trata de estudar o processo da criação intelectual sob o ângulo filosófico e científico, por considerar que o conceito de criatividade como uma aptidão do espírito para reorganizar os elementos do campo de percepção de um modo original e suscetível de ensejar operações num campo fenomenal qualquer.

Igualmente, Moles (1970) assevera que a criação é o processo por meio do qual um novo objeto é trazido para a existência, por considerar que a criatividade é uma habilidade do espírito (mente) que inclui a capacidade de criar e que a produtividade criativa é um quantum de novidade por unidade de tempo; Isto porque a força criativa permanecerá no momento, como uma metáfora que se justifica quando se faz necessário.

Neste sentido, Moles (2007) menciona que historicamente emergiram três tipos de verdades científicas concernentes a três grupos de ciências em estágios diferentes de desenvolvimento: ciência do certo, ciência do provável e ciência do percebido, ocasionadas por processos criativos estabelecidos pelo espírito científico no tempo e no espaço, admitindo que não há diferença entre ciência pura e ciência aplicada, mas uma dinâmica que se move no pensamento a procura de ecos, ou seja, de

4 A 1ª edição deste livro em francês data de 1957, com sua 1ª reimpressão em 1998. A tradução brasileira data de 2007.

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contextos para estabelecer-se como criação. O autor destaca, ainda, que há uma diferença entre ciência formalizada, que encontramos nos textos e a criação científica, uma vez que a criação científica advoga sobre modos de encadeamento do juízos a priori em suas relações com conceitos já estabelecidos, em busca do estabelecimentos de conceitos novos.

Sob outra perspectiva, Gontran Ervynck (1991) toma como base algumas experimentações docentes sobre ensino de matemática, reinterpreta as ideias de Jacques Hadamard e faz uma tentativa de elaboração teórica e apresenta uma definição sobre o que considera como criatividade matemática enunciando como:

a capacidade de resolver problemas e / ou desenvolver o

pensamento em estruturas, levando em conta a peculiar natureza lógico-dedutiva da disciplina e a adequação dos

conceitos gerados para integrar-se no núcleo do que é

importante em matemática (ERVYNCK, 1991, p. 47).

A tentativa de definição de criatividade matemática apresentada por Ervynck deixa evidente que está centrada na perspectiva da resolução de problemas tomada como o conceito central dessa definição. Portanto, refere-se a capacidade humana de se debuçar sobre uma situação desafiadora em busca de soluções para tal, reiterando a força proverbial mencionada na introdução deste livro e na epigrafe tomada de Albert Einstein.

Assim sendo, renovo minhas ponderações sobre a necessidade de estabelecer conceitos e proposições relacionadas aos objetos a serem criados para que eles possam ser criados com sentido e significado, de acordo com a realidade que queremos construir, ou a solução que queremos apresentar em qualquer situação problematizada. Com base nessa definição de criatividade é assim que os objetos passam a existir, bem como suas propriedades e relações com tudo que está posto passam a ser formuladas, a cada etapa de sua construção.

Contudo, outras concepções e definições sobre criatividade e criação matemática, tomadas por diversos epistemólogos, acabam por fazer emergir outras maneiras de se pensar, fazer e ensinar matemática desde os primeiros tempos da existência das acadêmicas e das escolas. Exemplos desses modos de pensar e fazer estão expostos em publicações

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de autores como Kasner e Newman (1968) sobre os processos de modificações relativos à matemática e imaginação; Morris Kline (1985), no que se refere às críticas sobre a certeza atribuída à matemática ao longo de sua história; Imre Lakatos(1978) a respeito da aplicação heurística à criação de matemática nova tanto no ambiente acadêmico como escolar; e Davis e Hersh (1995) sobre a criativdade nas experiências matemáticas, dentre outros.

A esse respeito Davis e Hersh (1995) consideram que existem alguns elementos centrais da criatividade, como uma capacidade analítica, baseada em uma habilidade de visualização combinatória ou geométrica que desenvolve uma estética matemática, conforme defendida por Poincaré em Science et Methode (1908). É essa estética que muitas vezes adquire um sentido comparativo de modo a estabelecer melhor adequação dos conhecimentos já existentes para operar a geração criativa do novo, como por exemplo no caso de uma demonstração ou prova matemática. Trata-se de uma estética comparativa que seleciona o que for considerado mais adequado às nossas capacidades visualitivas, combinatórias e analíticas para explicitar o que se imagina, aliado tecnicamente ao que se pretende alcançar. É possível pensar sobre a trajetória processual dessa dinâmica de criação matemática, conforme trataremos a seguir.

3. Estágios de desenvolvimento da criatividade matemática segundo Gontran Ervynck

Para Gontran Ervynck (1991), o processo de criatividade matemática não se concretiza a partir do nada, ou seja, presumivelmente a criação matemática não pode ocorrer no vazio. Essa criação precisa ser operacionalizada antes, com base um uma experiência anterior já estabelecida, para que assim ocorra uma inovação, ou seja, um significativo avanço do objeto de conhecimento, em uma nova direção no sentido de uma bifurcação. Trata-se de uma preparação que ocorre com base em atividades anteriores, que formam um ambiente apropriado para o desenvolvimento criativo. A hipótese do autor é que o contexto para o exercício da criatividade exige um estágio preparatório em que os procedimentos matemáticos podem ser usados em estágios iniciais, nos quais os procedimentos podem ser executados para que se consiga obter uma apreciação completa de status teórico ao qual se pretende ou se pode alcançar. Neste sentido, Ervynck (1991) considera a existência de três

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estágios para o desenvolvimento dos processos criativos em matemática conforme mencionarei a seguir.

a) Estágio Zero: Um estágio ou tendência técnica preliminar

A hipótese de Ervynck (1991) é que a criação matemática pode ser originada por meio de um estágio preliminar de invenção, ou seja, a partir de uma aplicação técnica ou prática de regras e procedimentos matemáticos já conhecidos, sem que o usuário tenha consciência de sua fundamentação teórica. Neste caso considero que se trata da arte do matemático artesão, que usa um conjunto de procedimentos matemáticos como um kit de ferramentas. A razão para este procedimento é que o praticante verificou empiricamente que funciona, no sentido de que tem uma aplicação adequada para obtenção de um resultado almejado. Um exemplo de tal procedimento prático é a regra usada pelos esticadores de corda no Egito antigo e na Mesopotâmia para estabelecer um ângulo reto, quando usavam uma linha com marcas dividindo-a em três partes de comprimento 3, 4 e 5, formando os lados de um triângulo retângulo; operação esta ainda é muito praticada por pedreiros.

Ressalto que há muitos exemplos na história da matemática que caracterizam essa fase denominada de estágios preliminar, como por exemplo as práticas matemáticas dos abacistas, as atividades relativas às geometrias práticas e, de um modo geral, as construções geométricas com régua e compasso. Igualmente, as determinações matemáticas estabelecidas a partir das leituras e práticas socioculturais presentes nos almanaques, dentre outros, como por exemplo o Lunário Perpétuo5, assim como o processo criativo das aritméticas astronômico-mitológicas para estabelecimentos dos mais diversos calendários em todos os tempos e culturas. Neste sentido, alguns exemplos de processamentos matemáticos são discutidos por Duncan (1999) no livro Calendário: a epopéia da humanidade para determinar um ano verdadeiro e exato6.

5 Para maiores esclarecimentos ver CORTEZ, Jeronymo. Lunário e Prognóstico Perpétuo, publicado pelo Lelio Editores em uma edição atualizada, de 2004. 6 DUNCAN, David Ewing. Calendário: a epopéia da humanidade para determinar um ano verdadeiro e exato. Rio de janeiro, Ediouro, 1999.

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b) Estágio 1: Atividade algorítmica

De acordo com Ervynck (1991), a partir de um estágio preliminar relativo à criação matemática, normalmente avança-se nessa criação por meio de uma atividade algorítmica, e é nesta fase que os procedimentos são usados para realizar operações matemáticas, calcular, manipular, resolver, ou seja, as atividades estão essencialmente preocupadas em realizar técnicas matemáticas. Exemplos de tais técnicas são a aplicação de um algoritmo, a criação de fórmulas, a fatoração de um polinômio, o cálculo de uma atividade computacional integral envolvendo programas de computador, como métodos numéricos para resolver equações diferenciais, todas desvinculadas de quaisquer contextos socioculturais a não ser o contexto matemático das atividades. Uma característica de tais atividades pertencentes a esse estágio é que elas não são claramente explicadas. Portanto, se faz necessário que todos os passos intermediários, devem ser considerados, pelo menos implicitamente, pois um erro grave pode ocorrer e invalidar totalmente o resultado. No caso de um algoritmo de computador, nenhum passo, nem mesmo o trivial, pode ser esquecido. Não há regeneração de etapas ausentes em um algoritmo.

Tais atividades podem ser consideradas parte de um processo matemático avançado, mas podem ser vistas como parte de uma teoria geral da matemática, porque esses processos devem ser integrados à mente de quem cria e de quem toma qualquer criação matemática para se apropriar dela. Podemos citar como exemplo histórico os procedimentos estabelecidos na matemática védica, as regras algorítmicas para determinação das raizes de uma equação quando propostas passo a passo sem quaisquer significado conceitual justificado. O mesmo refere-se aos procedimentos relativos as atividades de geometria quando orientadas por meio de etapas mecânicas, sem quaisquer justificativa conceitual aos procedimentos indicados.

c) estagio 2: Atividade criativa (conceitual, construtiva)

Para Ervynck (1991), a atividade criativa propriamente admitida corresponde a um estágio mais avançado que envolve um movimento de estabelecimento conceitual e construtivo. É nesse estágio que a criatividade na criação matemática pode seguir em direção ao desenvolvimento de uma teoria matemática, uma vez que se trata de uma decisão não algorítmica

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que é tomada de uma maneira que parece significar uma bifurcação na estrutura conceitual já existente. Neste caso a criatividade matemática é concebida como a capacidade de se realizar essas etapas, cujas decisões procedimentais devem ser tomadas caso a caso e por isso são passíveis de variar amplamente, e podem estar sujeitas a uma escolha de um determinado conceito, ou a uma decisão de declarar e provar um teorema. Exemplos desse processo estão presentes em todo o desenvolvimento histórico da matemática como teoria em contínua expansão, como por exemplo o desenvolvimento das teorias sobre as geometrias, desde as geometrias práticas pré-gregas até as geometrias algébricas, bem como os estudos que desencadearam a criação do cálculo diferencial e integral e suas ramificações posteriores até a análise.

Para muitos leitores que não têm conhecimento sobre o desenvolvimento histórico da matemática, se torna pouco compreensível imaginar as trajetorias de uma criação matemática desde o seu embrião conceitual, originado muitas vezes em práticas aparentemente não matemáticas, que despertam curiosidades, desafios, interrogações problematizadoras e levam matemáticos-artesãos, matemáticos-algoritmistas e matemáticos-reflexivos a estabelecerem suas matrizes criativas até a geração de um produto matemático original7, principalmente na elaboração de demonstrações e provas de teoremas ou até mesmo na elaboração de novas teorias que ampliam ou inovam o campo da matemática, por meio de questões respondidas e questões em aberto (cf. MENDES, 2015).

No caso da prova de um teorema, por exemplo, o procedimento criativo requer dois passos distintos: a escolha de hipóteses adequadas, de modo que a conclusão resultante tenha valor dentro de uma teoria mais ampla, e a dedução real das hipóteses para estabelecer a prova do teorema examinado. É importante compreender que a escolha inicial é também uma etapa na formulação das possibilidades de se operacionalizar criativamente na demonstração, pois a depender do caminho tomado, as trajetórias, encaminhamentos e resultados finais podem variar e, as vezes,

7 Essas categorias classificatórias são criadas a partir dos estudos que desenvolvo em história da matemática e poderão ser melhor aprofundadas no livro Epistemologias sobre criatividade e criação matemática: evidências extraídas da história da matemática. A sair em 2019.

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não atender aos interesses iniciais desejados ou imagnados. É em atividades tão complexas como a prova ou a demonstração de teoremas ou relações entre principios matemáticos que a criatividade matemática vem à tona.

Para que a criatividade seja ativada na criação matemática, não há necessidade de ter uma teoria formal à disposição. O que importa é a atenção a ser dada à parte mais ativa da criatividade ao nível da regeneração e renovação. Neste sentido, o que é essencial no processo de criação matemática é que o envolvido esteja com sua atividade cognitiva bem acionada em termos de preparação mental para que possa relacionar conceitos anteriormente não relacionados, e assim poder estabelecer o maior número de combinações qualificadas possíveis em torno do seu objeto de criação. Os resultados observados por pesquisadores mostram que frequentemente a criação ocorre após um relaxamento após um período de intensa atividade envolvendo um estado elevado de consciência do contexto e todas as partes constituintes do processo, ocasionando, assim as relações entre as ideias surgidas.

Para Gontran Ervynck (1991), podem ser considerados como os principais ingredientes da criatividade matemática os seguintes: estudo produzindo familiaridade com o assunto, intuição da estrutura profunda do sujeito, imaginação e inspiração, resultados, enquadrados numa estrutura dedutiva (formal).

Uma explicação similar ao que propõe Ervynck (1991), para os três estágios de criação, Efraim Fischbein (1987) estabelece que o processo criativo envolve intuição e raciocínio matemático criativo, cujo movimento processual envolve imaginação, de representação e abstração matemática como um complexo que compõe a atividade matemática construtiva. Segundo Fischbein (1987), esse tipo de atividade envolve três componentes: a intuitiva, a algorítmica e a formal. A componente intuitiva diz respeito ao modo como fazemos uso da imaginação, da visualização, de todas as nossas vivências humanas e até mesmo das nossas características biológicas na elaboração do pensamento matemático. É através da intuição que conseguimos interpretar conceitos matemáticos e falar de diversas situações matemáticas. A componente algorítmica refere-se diretamente ao uso de algorítmos na representação simbólica do mesmo pensamento. A componente formal diz respeito ao uso de uma linguagem formal e que torna as idéias matemáticas acessíveis apenas aos indivíduos que dominam

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tal linguagem. Essa componente é tida como uma forma superior de expressão da matemática, bem como uma forma avançada de conhecimento, ocasionando assim a sua utilização para apresentar a matemática escolar.

No decorrer das próximas seções desta primeira parte, bem como da segunda parte, tomarei os conceitos de criatividade, criação, invenção como conceitos interligados para que seja possível destacar momentos históricos em que compreendo ter ocorrido um ato criativo em Matemática no decorrer da história da criação matemática. Nesse movimento destacarei aspectos relativamente conectados aos atos de criação de cada conhecimento e suas implicações no desenvolvimento de novas criações no tempo e no espaço, como por exemplo acerca das relações métricas no triângulo retângulo, o teorema de Pitágoras, a noção de abiscissa e ordenada, a distância entre dois pontos, o módulo de um vetor, o modulo de número complexo, dentre outros conceitos e relações expressas pela extenção conceitual, originada a partir das relações entre as medidas dos lados de um triângulo retângulo qualquer.

4. Criatividade e criação matemática na história

Sobre os processos de criatividade e criação matemática na história, destaco inicialmente que a tradição clássica grega referia-se ao termo Matemática como aprendizagem ou ciência. Ao longo dos tempos tal significado foi ampliado a campos especiais de aprendizagem, gerando várias definições para a Matemática. Sua desvantagem, entretanto, foi ignorar a intuição, as práticas matemáticas e os métodos não-padronizados surgidos ao longo da história. Tais métodos e práticas avançaram estimulando a criação de símbolos e padrões de representação formal para determinados conceitos matemáticos, o que representou um processo de criatividade e, consequentemente, a criação de novas matemáticas. As conclusões alcançadas pelo uso de novos padrões e códigos simbólicos passaram a impor certas leis de combinações apoiadas nessa escrita matemática, levando os estudiosos do assunto a buscarem se adaptar a uma literatura codificada e às múltiplas condições de representação de ideias e práticas matemáticas oferecidas por elas, fazendo emergir diversos modos de representação dos pensamentos e práticas matemáticas.

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Desde a Antiguidade, as práticas relacionadas à Astronomia e às medições, parecem ter sido um dos fatores principais para incentivar os estudos relacionados à Matemática. Os babilônios antigos, por exemplo, geraram seus estudos matemáticos na exploração dos astros celestes enquanto os egípcios antigos foram estimulados pela medição da terra, que influenciou no desenvolvimento inicial da geometria (BARTHÉLEMY, 2003). Ao longo da história das ideias e práticas matemáticas, a tentativa de corrigir possíveis erros percebidos em trabalhos já anunciados nos meios acadêmicos ou mesmo relacionados às práticas matemáticas em contextos técnicos, culturais e tecnológicos, fizeram com que cientistas como Fermat, Descartes, Newton, Leibniz, entre outros desenvolvessem sua criatividade na tentativa de solução dos erros percebidos. Muitas questões surgiram nessas tentativas, fazendo emergir novos aspectos conceituais e formais para as matemáticas, implicando em uma ampla rede de conexões científicas e pedagógicas.

A criatividade atribuída a esses momentos históricos significou investigação, reelaboração, interpretação e o surgimento de novas explicações matemáticas. As contínuas investigações, indagações e revisões feitas ao conhecimento matemático em diferentes épocas da história constituíram um instrumento extremamente enriquecedor. A beleza e a perspicácia fornecidas pelos novos resultados e enunciados foram fundamentais para se compreender o quanto a curiosidade matemática pode influenciar no processo de invenção e descoberta matemática. Para isso, muitas vezes a investigação de erros nos trabalhos de matemáticos foram a base da criatividade matemática na história desse conhecimento.

A discussão dos erros em geometria, por exemplo, estimulou os trabalhos desenvolvidos por Ptolomeu, Apolônio, Pappus e outros, ocasionando uma produção matemática decisiva no século XVII, com o trabalho de René Descartes (1637) sobre o discurso do método e a solução do problema de Pappus, originando assim um novo ramo na Matemática, relacionado à solução de problemas geométricos, apoiada na resolução de equações, o que desencadeou posteriormente os estudos que originaram a geometria analítica. Este parece ser um exemplo singular de criatividade na história da criação matemática.

A geometria de Descartes pode ser considerada um exemplo de criatividade na história da criação matemática. Para Jullien (1996), a Geometria de Descartes considerou o que era ilegível, pois não era uma

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abordagem de fácil compreensão para o leitor do século XVII, como ainda hoje, quase quatro séculos depois constitui-se em um desafio para os estudantes. Para tanto Descartes mencionava que “é impossível representar-se uma figura desprovida de qualquer extensão”, ou seja, ao conhecer o corpo, sua extensão, as figuras e os movimentos, seria possível, então, conhecer pelo entendimento único, mas muito melhor o entendimento ajudado da imaginação (Regra XII). É certo que a extensão pode receber um sentido segundo o qual é separada do corpo; tomada neste sentido, não corresponde a nenhuma ideia na fantasia. Ela surge da competência do entendimento puro.

As linhas da geometria cartesiana não são, por conseguinte, separadas dos objetos materiais. Isto não implica de modo algum que, fazendo reflexão sobre elas, deva-se abraçar o conjunto das determinações dos corpos, pois ele mesmo pode voltar a sua atenção sobre um modo específico da coisa, sobre uma (ou duas) das suas dimensões, fazendo abstração do restante das suas determinações (ver a Regra XIV). Destas observações, resulta que o entendimento, no curso das suas investigações geométricas, reserva um lugar à imaginação, auxiliar que lhe é mesmo, aqui, indispensável. Trata-se, contudo, de precisar alguns caracteres desta imaginação, necessária para a produção dos conhecimentos geométricos. Caso se tratasse apenas de uma imaginação reprodutora, demasiado realista, seria rapidamente portadora de confusão. É esta concepção de imaginação que Descartes acusou aos antigos e tentou imaginar outra opção explicativa para o problema.

Outro exemplo ímpar de criatividade é mostrado por Lewis Carroll em suas obras literárias ou matemáticas, densamente povoadas de ideias, princípios e mentefatos matemáticos, cuja lógica baseia-se na provocação das ideias, na desordem e confusão aparentes. Tal lógica é denominada de lógica do nonsense (do françês non-sens) utilizada para designar algo sem sentido ou irreal, que está fora dos parâmetros comuns, ou seja, desprovido da razão. A lógica do nonsense, característica da lógica matemática de Carroll, define sua personalidade e sua criatividade matemática, cujo apelo à curiosidade e à imaginação se mostra, a todo momento, como fortes aliados da sua invenção matemática para sua abordagem didática.

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Um exemplo dessa criatividade de Carroll está, por exemplo, no livro intitulado Euclid and his Modern Rivals [Euclides e seus rivais modernos]. Nesta obra Carroll dá uma amostra de sua criatividade na produção de conhecimento matemático para a sala de aula. Publicado em 1879, o livro constitui-se de um trabalho que aborda as posições teóricas de uma série de matemáticos contemporâneos, demonstrando como cada um por sua vez, é ou inferior ou funcionalmente idêntico ao de Euclides. Para alcançar seus objetivos o autor usa como apoio didático o livro “Geometria”, de Os Elementos, de Euclides, com vistas a fazer uma critica sobre a relação existente como o livro de geometria que deveria existir nas escolas, contra livros modernos de geometria que foram substituí-lo.

Carroll fez diversas reformulações de conteúdo e forma nos manuais matemáticos, considerando ser necessário incluir alguns aspectos que provocassem a curiosidade e a criatividade dos estudantes na aprendizagem de alguns tópicos matemáticos por ele ensinados durante a segunda metade do século XIX. Tais modificações foram justificadas pela sua preocupação didática, bem como por ele duvidar de alguns aspectos abordados nas obras que chegavam em suas mãos, sob a forma de tradução dos originais gregos e latinos. Para tanto, simplificou as versões que encontrou dos Elementos de Euclides com vistas a corrigir de pontos falhos nessas traduções e com o propósito de esclarecer, acrescentar definições e desenvolver abordagens mais claras para as demonstrações dos teoremas.

Para delinear melhor as discussões feitas até aqui, na próxima seção desta primeira parte apresnetarei uma sintese de algumas curiosidades criativas extraídas da história do cálculo diferencial e integral, tendo em vista a sua importância na compreensão dos processos de criatividade e inovação no desenvolvimento concietual relativo ao cálculo infinitesimal e a instalação denovos modos de ler fenomenos que muito contribuiram para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia atuais.

5. Uma síntese de curiosidades criativas na história do cálculo diferencial e integral

Os mais variados estudos históricos realizados desde a segunda metade do século XIX apontam que o cálculo infinitesimal tem sua origem na concepção intuitiva que os gregos tinham acerca das noções

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matemáticas de contínuo, infinito e limite, bem como em suas dificuldades para formular explicitamente essas noções. Os estudos apontam que o processo criativo em busca dessas formulações conectou todas essas três noções, que foram mais adequadamente estabelecidas a partir do século XIX, quando os matemáticos que desejavam sistematizar o progresso alcançado retornaram às bases fundacionais do cálculo infinitesimal para estabelecer a construção dessa parte da matemática em bases sólidas na forma de ação criativa em matemática. As informações históricas foram extremamente importantes para que tais formulações fossem estabelecidas criativamente. A seguir apontaremos alguns flashes discussivos sobre esse processo criativo.

Do não imaginado ao conceito de limite

Os conceitos que envolvem relações entre números e grandezas geométricas, com destaque histórico para a descoberta dos irracionais e já conhecido por nós, avançaram ampla e profundamente desde os primórdios da sociedade humana até as explicitações mais sofisticadamente matemáticas e linguísiticas expressas atualmente. Todo esse processo criativo caracteriza um objetivo que foi se estabelecendo desde os gregos, quando plantaram as primeiras sementes das relações entre numeros e grandezas, números e medições, números e proporções, até originar os princípios da teoria da medida, que vem culminando nos estudos sobre as matemáticas contemporâneas. Nesse movimento surgiram desde os gregos discussões que ocasionaram o acionamento de processos criativos que levaram ao estabelecimento do corpo numérico dos irracionais, o conceito de variável, de limite e de continuidade de uma função.

Trata-se de um movimento criativo que, conforme a frase de Albert Einstein, destacada na introdução deste livro, assevera que a imaginação é mais importante que o conhecimento, pois o conhecimento tem seus limites, que podem ser superados pelas ações criativas. Esse movimento criativo que envolve relações entre números e grandezas desencadeou um processo de desenvolvimento conceitual criativo, ao longo de nossa história, caracterizando suas estradas e labirintos, vencidos etapa a etapa pelos estudiosos sobre esse objeto de conhecimento.

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Na trajetória das estradas e labirintos referentes ao conceito de limite, há outro destaque fundamental que corresponde à violação do infinito por meio dos paradoxos de Zenão, que posteriormente ocasionou o surgimento de evidências conceituais acerca da indefinição concreta do número, levando à conformação do conceito de limite e sua posterior definição como entidade matemática que configura o campo numérico de maneira mais ampliada, embora bastante abstrata.

No paradoxo de Zenão, Aquiles e a tartaruga se opõem à infinita divisibilidade do espaço e do tempo. Aquiles correndo com a tartaruga é um jogador que dá um avanço para a tartaruga. Enquanto ele percorre a distância que o separa do ponto de partida da tartaruga, a tartaruga avança por sua vez; a distância entre Aquiles e a tartaruga é reduzida, é claro, mas a tartaruga retém a vantagem. Como Aquiles cobre a nova distância que o separa da tartaruga, o mesmo acontece com a tartaruga. Se o espaço é infinitamente divisível, Aquiles nunca será capaz de pegar a tartaruga. O que está em jogo nesse paradoxo é a dificuldade de conceber intuitivamente que essa soma pode ser igual a um graduador finito.

Neste sentido é possível admitir que o argumento presente é ainda mais explícito na dicotomia: antes de ser capaz de atravessar uma linha inteira, um móvel deve primeiro cobrir metade dessa linha, depois metade da metade e assim por diante até o infinito. Trata-se de um processo criativo metafórico estabelecido para explicitar a noção de limite num momento em que os conceitos sustentadores do argumento central sobre o conceito de limite ainda não estavam bem estabelecidos nessa parte do campo da matemática.

Todavia, está evidente o quanto Zenão foi criativo nessa explicitação epistêmica. A esse respeito é possível percebermos que as noções modernas de limite e de convergência de uma série, permita afirmar que de certo modo a diferença entre Aquiles e a tartaruga se torna menor do que um dado número Ɛ, que será escolhido tão pequeno quanto se deseje. Assim, essas relações refletem consequências da interrogação acerca da incomensurabilidade de determinadas grandezas medidas, cujas discussões fizeram emergir métodos de exautão, por meio dos quais se pretendia a negação do infinito.

Conforme abordarei posteriormente, os processos criativos relativos aos métodos de quadratura de curvas e de cubatura de superfícies, elaborados e experimentados por diversos matemáticos mais destacados

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na história como Eudoxo, Euclides, Arquimedes, Cavalieri, Fermat, Pascal, dentre outros, dedicaram muitos de seus estudos a esse assunto, por curiosidade criativa ou criatividade por necessidade de encontrar soluções para problemas desafiadores que surgiram em seus contextos socioculturais de cada época8.

Historicamente, a reprodução do método da exaustão também se materializou nas culturas árabes, pois há informações referentes a tradução de manuscritos sobre estudos relativos à esfera e ao cilindro, por Thabit Ibn Qurra (836-901), e estudos sobre quadratura da parábola. Nesse movimento histórico sobre a criatividade na criação dos pilares conceituais do cálculo diferencial e integral, a Idade Média, é considerada a idade da respeitabilidade, pois se os árabes dominaram o método grego de exaustão desde o século IX e desenvolveram métodos aproximados, o Ocidente medieval ignorou quase completamente os trabalhos arquimedianos9.

Todavia, as especulações sobre o infinito, o infinitamente pequeno e a natureza do contínuo, reviveram o interesse pelo problema do infinito e prepararam a aceitação de considerações infinitesimais no século XVII. Neste sentido, o trabalho mais representativo do processo criativo do período medieval, considerado um progresso teórico sobre o estudo quantitativo da variabilidade, realizado por Nicole Oresme (Nicolau Oresme), acerca de uma demonstração geométrica da trajetória de um móvel em movimento uniformemente acelerado no mesmo espaço que um segundo móvel, com velocidade constante e igual à média entre as velocidades extremas do primeiro (Figura 1).

8 No decorrer desta seção abordarei sobre as atividades criativas desses personagens sobre o desenvolvimento das ideias relativas ao cálculo diferencial e integral. 9 Ver Dahan-Dalmedico; Peiffer (1986), referenciado na Bibliografia.

E

D B

G

A

F

C

Figura 1.

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Para isso, utilizou uma representação gráfica, uma das primeiras, das relações funcionais que ligam tempo e velocidade.

Ainda sob as indagações acerca da criação de processos que pudessem explicar princípios relativos à variabilidade na medição de grandezas de diversas ordens, outros trabalhos baseados na tradição grega foram realizados criativamente como os de Stevin, até que Johann Kepler abandonou esses métodos clássicos e recorreu a métodos mais intuitivos inspirados no trabalho de Nicole de Cues (Nicolau de Cusa). Assim, ele comparou o círculo a um polígono regular com um número infinito de lados e calculou sua área somando as áreas de triângulos infinitesimais, tendo os lados do polígono como bases e o centro do círculo como o vértice desses polígonos.

Pelo que ficou evidenciado em informações históricas, Kepler não explicava as concepções sobre as quais baseava seu modo de proceder. Em geral, ele decompunha superfícies e volumes em uma infinidade de elementos infinitesimais das mesmas dimensões, mas às vezes usava a linguagem dos indivisíveis e não distinguia uma área. Aplicava seu método ao cálculo dos volumes de revolução (esfera, cone, cilindro, etc.).

Conforme informações históricas identificadas em Dahan-Dalmedico e Peiffer (1986), a influência de Kepler foi muito grande e a Stereometria doliorum (1615), em que indicou um procedimento para calcular o conteúdo de barris de vinho, serviu de modelo por cerca de meio século. Para os autores, Kepler também considerou problemas de máximo e mínimo, que resolveu por meio de considerações numéricas, estabelecendo tabelas, o que lhe permitiu comparar os volumes de um sólido quando suas dimensões variam.

Assim, mostrou que o cubo é o maior paralelepípedo retangular com uma base quadrada inscrita em uma esfera e que, de todos os cilindros retilíneos de diagonal igual, o cilindro cuja altura e diâmetro estão na

relação 2

1 tem um volume máximo. Examinando essas tabelas, ele

observou que na vizinhança do maior volume a variação de volume é menor para uma dada variação de dimensões. esta ideia reapareceu posteriormente no século XVII na obra de Pierre Fermat.

Posteriormente, outros estudos e investimentos criativos dinamizados por varios matemáticos e físicos do século XVI e XVII fizeram

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emergir inovações agregadas ao método de exautão, originando, assim, os métodos dos indivisíveis, com destaques para os trabalhos de Bonaventura Cavalieri, Evangelista Torricelli e Giles-Personne Roberval, mais conhecido como Roberval.

Considerado como um exemplo criativo de extensão das ideias de Arquimedes, a geometria dos indivisíveis de Bonaventura Cavalieri (1508-1647) pode ser tomada como uma exploração investigativa e um exercício de criatividade na criação matemática, enunciado em dois de seus trabalhos: Geometria Indivisibilibus continuorum nova quadam ratione promota (Geometria dos contínuos por indivisíveis apresentada por métodos novos), , e também Exercitationes geometricae sex (seis exercícios geométricos).

Publicado em 1635, o Geometria indivisibilibus continuorum nova quadam ratione promota é composto por sete livros. O Livro I trata da geometria elementar de figuras planas e sólidas, e trata especialmente dos sólidos de rotação: cilindros e cones gerais (tendo uma curva fechada qualquer por diretriz), assim como as secções destes sólidos. no Livro II Cavalieri desenvolve o primeiro método de indivisíveis, o «método coletivo» e demonstra alguns teoremas gerais sobre coleções de indivisíveis. Não contém nenhuma definição de indivisível, mas caracteriza os elementos infinitesimais dos quais superfícies e volumes são compostos.

Ele considera uma figura plana como o conjunto de suas linhas e concebe o sólido como composto de um número "indefinido" de planos paralelos. Ele pressupõe que uma linha é formada de pontos como um colar de pérolas, que uma superfície é formado de linhas como um tecido de fios e que um volume é composto de plano como um livro de páginas. É essa imaginação criativa o acionador de todo o método criado por Cavalieri, uma vez que esse foi o estágio preliminar para que sua criatividade matemática fosse estabelecida.

Assim, sua criatividade tentou superar a dificuldade da época em relação à soma de um número infinito de elementos. Ao contrário de Galileu, Cavalieri não especulava sobre a natureza do infinito, mas evitava calcular a área de uma superfície como a soma de todos os constituintes indivisíveis. Em vez disso, determinava a proporção das áreas de figuras cujos indivisíveis estavam em uma relação constante. Portanto, Cavalieri inicialmente investiu criativamente para mostrar que a área do

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paralelogramo é duas vezes a área de cada um dos triângulos obtidos desenhando a diagonal do paralelogramo (figura 2).

Se G e E são dois pontos tais que GD = BE, e se GH e FE são traçadas paralelament à DC, então os segmentos GH e FE são congruentes (iguais). A soma de todas as linhas do triângulo ADB será, portanto, igual à soma de todas as linhas do triângulo DBC e os dois triângulos terão áreas iguais. A soma das linhas do paralelogramo ABCD é o dobro da soma das linhas de um dos dois triângulos.

Nos Livros III, IV e V aplica os teoremas anteriores a quadraturas e cubaturas de figuras relacionadas com as secções cônicas. O livro VI está dedicado à quadratura da espiral, mas também obtém resultados sobre parabolóides e esferóides. Finaliza a Geometria apresentando um novo método de indivisíveis: o método distributivo.

As Exercitationes compõem-se de seis livros. No Livro I Cavalieri oferece uma visão reduzida e simplificada do método coletivo. No Livro II realiza uma nova apresentação de método distributivo. O Livro III recorre às reações de Cavalieri às duras críticas de Güldin. O Livro IV generaliza o método coletivo de indivisíveis, aplicando-se a curvas algébricas de grau superior a dois, obtendo um resultado equivalente à quadratura básica,

atualmente representada por

No desenvolvimento de um trabalho muito aproximado ao de Cavalieri, Evangelista Torricelli (1608-1647) aperfeiçoou o método dos indivisíveis e o utilizou por exemplo para estabelecer que o volume do sólido infinitamente longo gerado pela rotação de uma parte da hipérbole

A

G

D

H

F

C

E

B

Figura 2

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equilátera em torno de sua assíntota é finito (figura 3). Torricelli considerou cilindros indivisíveis, enquanto os de Cavalieri eram invariavelmente planos.

Independentemente do método de Cavalieri, Giles Personne Roberval desenvolveu um método dos indivisíveis, que, em vez de confiar na abordagem geométrica de Cavalieri, ele retornou ao ponto de vista quase-aritmético de Stevin, que incluía séries aritméticas infinitas. Ao contrário de Cavalieri, que argumentava que a superfície era composta de linhas, Roberval afirmava que consiste de superfícies, pois assegurava que havia uma infinita quantidade de buracos que ocupava uma infinidade de infinitas áreas pequenas que compunham a área total. A infinidade de áreas representava a infinidade de pequenos sólidos que juntos compunham o total sólido.

Assim Roberval usou a noção de indivisível para determinar a área sob um arco ciclóide. A ciclóide é concebida como uma curva descrita pelo ponto de um círculo que rola sem escorregar em uma linha direta. Para Pascal essa curva nada mais era que o caminho que faz a unha de uma roda no ar quando rola de seu movimento Comum. Afirmava, ainda, que era a curva mais elegante do século XVII e que permitia aos topógrafos atualizarem as novas técnicas que eran a fonte do cálculo infinitesimal.

A ampliação dos estudos que ocasionaram a eclosão dos métodos infinitesimais no século XVII mereceu destaque com a criatividade presente nos trabalhos sobre quadrutaras de curvas, realizados por Fermat e Pascal

A

B D

C E O

Figura 3

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O

P P

’ Q

Q

Y

Y’

X X’ X’

’ x ex e2x

Figura 4

e pelas abordagens dadas aos problemas das tangentes, de modo a apontar ligação entre quadraturas e tangentes.

Pierre de Fermat (1601-1665) dominou perfeitamente os métodos arquimedianos, e a partir de 1636 estudou as parábolas do tipo y = axm, m inteiro poisitivo. Mais tarde estabeleceu um novo processo mais geral que tornou conhecido em um manuscrito intitulado Sobre a formação e simplificação de equações de lugares, ... Seu método, uniforme e constante lhe permitiu investigar a quadratura (determinar a área) de todas as parábolas e hipérboles (exceto uma). Descreverei um flash do princípio do exemplo da parábola y = x2, sem usar a notação e a linguagem de Fermat.

A criatividade matemática de Fermat o levou a estabelecer o seguinte: para calcular a área sob a parábola entre O e x, Fermat escolheu no eixo x x, ex, e2x, e3x, ... onde e é um número menor que 1, conforme se apresenta na figura 4, a seguir.

Nesses pontos, ele levantou as ordenadas e construiu retângulos, cujas áreas determinou o valor, usando o que ele denominou de "propriedades específicas" da parábola (isto é, para nós, sua equação y2 = x).

A área do primeiro retângulo X'XPP 'é igual à diferença entre as

áreas do retângulo OXPY da base x e altura do x e do retângulo OX'P'Y

base ex e altura x e, portanto xx. – xex. = )1(. exx − .

De modo análogo, a área do segundo retâgulo X’’X’QQ’ é:

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ex. )1(.2 eexexexxeex −=− .

As áreas dos retângulos formarão, então, uma progressão

geométrica infinita da razão ee. .

O processo de Fermat constituiu um progresso real em comparação com os outros, uma vez que aplicou sistematicamente o novo ponto de vista da geometria analítica, originada no trabalho criado e publicado por René Descartes em 1637. Os resultados obtidos por Fermat geraram criticas e comentários, mas seu trabalho seguiu em frente pela continuidade dada por outros estudiosos posterioremte dedicados ao tema.

Blaise Pascal (1623-1662), ao aperfeiçoar os métodos de quadratura propostos por seus antecessores, subestimou a importância dos novos processos analíticos. De acordo com Dahan-Dalmedico e Peiffer (1986), suas obras estão localizadas na tradição geométrica estabelecida por Arquimedes, Cavalieri e Torricelli, e constitue, de alguma forma, o ponto culminante do seu trabalho. Considero que a criatividade matemática de Pascal foi muito distintamente oposta à concepção de Cavalieri, que também era geométrica como a de Arquimedes. Assim, criativamente Pascal substituiu os argumentos intuitivos de Cavalieri por argumentos aritméticos sobre uma série. Logo, na criação matemática de sua quadratura da parábola, Pascal construiu retângulos em abscissas escolhidas em progressão aitmética, de distância d, calculou suas áreas d.(nd)2 e determinou a soma S da seguinte maneira:

2222 ).(...)3.()2.(. nddddddddS ++++=

32333 ...94 dndddS ++++=

)...321( 2223 ndS ++++=

)623

()]12)(1(6

.[23

33 nnndnn

ndS ++=++= .

Se o número de retângulos aumentasse indefinidamente, Pascal se permitia negligenciar os termos n2/2 e n/6 relativos ao primeiro e a soma

das áreas dos retângulos será igual a 33

)(

3

3333 xndn

dS === . Essa

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omissão de termos tem sua origem no paralelismo de Pascal entre os pontos de vista geométrico e aritmético, o que o fez comparar o indivisível geométrico a zero aritmético. Este paralelo se tornou sistemático nos métodos infinitesimais da segunda metade do século XVII.

Outro aspecto da curiosidade criativa referente à história do calculo diferencial e integral está no problema das tangentes cuja concepção vem desde a Antiguidade, e que tem destaque nos trabalhos de Arquimedes, Apolônio, Torricelli e Roberval, como extensão conceitual das investigações sobre as relações entre secantes e tangentes da parábola e da circunferência em busca da cnstrução do maior polígono inscrito e o maior circunscrito na circunferência, tendo em vista solucionar o problema da quadratura. Tal problema se extendeu para outras curvas diferentes da circunferência, contribuindo, assim, para trabalhos futuros como o de René Descartes, Newton e Leibniz.

Assim sendo, foi ainda no século XVII, que a criatividade implicada na criação do cálculo infinitesimal, teve seu maior destaque nos trabalhos de Isaac Newton com sua concepção infinitesimal, seu método das fluxões e o método das primeiras e últimas razões, que nada mais era do que o embrião das ideias sobre a definição de derivada por meio do uso de taxa de variação infinitesimal, que posteriormente foi estabelecida com base no conceito de limite, tal como definimos atualmente nos cursos de cálculo.

Em relação a Isaac Newton, considero iportante destacar que ele estudou no Trinity College em Cambridge, onde conheceu os trabalhos de Descartes, Galileu, John Wallis e Isaac Barrow, dentre outros, mas teve que interromper seus estudos entre 1665 e 1666 por causa da praga que então assolou a área de Londres naquele período. Esses dois anos de lazer forçado foram muito criativos (ócio criativo conforme menciona Domenico de Masi), pois foi nessa época que Newton lançou as bases de sua mecânica e sua ótica e concebeu os princípios da teoria dos fluxões. Retornando a Cambridge em 1669, Newton logo substituiu Barrow na cadeira de matemática, que havia se mantido até 1665.

Os escritos de Newton sobre o cálculo infinitesimal são apenas três em número. Eles não foram publicados até o início do século XVIII e só poderiam ter uma leve influência. Newton, que tinha um medo doentio dos críticos, hesitou durante toda a sua vida para publicar os resultados de sua pesquisa. Uma primeira e breve menção de sua teoria das fluxões surgiu em 1687 em sua famosa obra de mecânica Philosophiae naturalis principia

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mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), que teve considerável repercussão. As proposições sobre velocidades, aceleração, tangentes e curvaturas, estabelecidas em termos geométricos, neste trabalho, motivaram fortemente Newton em sua pesquisa sobre o cálculo infinitesimal.

Para os comentadores de Newton, os principais autores que influenciaram Newton foram Aristóteles, Kepler, Galileu, Descartes, Huygens, visto terem sido estes os autores que mais contribuíram para o desenvolvimento dessa obra elaborada e consagrada por Newton. Por pelo menos um século, as ideias propagadas nesse trabalho estimularam a criação de novos processos analíticos necessários para resolver os problemas gerais abordados que envolviam o assunto.

Para Dahan-Dalmedico e Peiffer (1986), no trabalho de Newton aparecem três concepções diferentes sobre o cálculo infinitesimal. A primeira delas é a que foi influenciada por Barrow e Wallis, na qual Newton opera com quantidades infinitamente pequenas que ele denomina tempo (instante) e que são equivalentes aos acréscimos ou incrementos infinitesimais de Fermat. Ele também usa momentos de área e sua quadratura depende disso. Assume a área de uma superfície limitada pela curva representativa de uma função f, os eixos de coordenadas e a ordenada y ponto dado de abscissa x e considera o momento de área infinitesimal quantidade anotada o (figura 5 ).

Calcula a taxa instantânea de mudança da área no ponto da abscissa x, isto é, a derivada, e descobre que é igual à ordenada y do ponto x da abcissa da curva. Assim, se a área dada é expressa como

Figura 5

oy y

x x + o

z

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n

nm

anm

nz

+

+= ).( , sua taxa de mudança será n

m

axy = .

Inversamente, Newton determinou a área sob a curva dada pela equação y = f (x), invertendo as operações de derivação, isto é, calculando a indefinida de f(x). Não acrescentou mais grandezas infinitesimais como nos processos anteriores, mas colocou a derivada no foco central de seus estudos e favoreceu a integral indefinida em detrimento da integral definida. A partir de 1669, a relação entre as quadraturas e as derivações foi claramente estabelecida por Newton, embora sua busca por definições clara sobre o que seria derivada e integral ainda não tivesse se concretizado completamente, princialmente no que se refere aos incrementos infinitesimais.

Assim, foi por volta de 1671 que Newton introduziu em seu trabalho o Método de Fluxões, no qual considerava as quantidades matemáticas geradas por uma augumentação contínua. Para fundamentar seu método em bases sólidas, Newton se inspirou no modelo da mecânica teórica e introduziu o tempo como a variável universal de toda a correspondência funcional. Ele não estava interessado no tempo como tal, mas em seu fluxo uniforme.

A partir desse método o processo de criação matemática desencadeou novos enlaces inovadores materializados com a elaboração e enunciação do método das primeiras e últimas razões concernentes às quadraturas de curvas. A partir daquele momento surgiram diversas ideias criativas sobre o conceito de limite como um parâmetro adequado para se enunciar o conceito de derivada e que desencadearia em outros conceitos como o de descontinuidade.

Igualmente, a entrada de Leibniz nessa jornada, com seu trabalho sobre diferenças e somas, expressas por meio do seu formalismo representado pela característica universal pela qual Leibniz defendia uma abordagem linguística única a partir da matemática. Independentemente ou não, um do outro, eles inventaram procedimentos algorítmicos criativos convenientes e reconheceram as ligações entre problemas aparentemente isolados. Foi, portanto, na medida em que a generalidade de seus métodos e técnicas tornaram a análise infinitesimal um ramo autônomo, independente da geometria, que Newton e Leibniz puderam ser considerados como os fundadores do cálculo diferencial e integral.

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O avanço criativo desse ramo da matemática seguiu em frente, em direção aos processo que, segundo Dahan-Dalmedico e Peiffer (1986), configuram os Ensaios dos fundamentos, nos quais se incluem as criações matemáticas de Leonhard Euler, Jean le Rond d’Alembert, Joseph Louis Lagrange, cujas conclusões levaram à elucidação dos conceitos básicos e a uma primeira teoria sobre integração (integral), bem como a inserção do rigor das criações matemáticas de Weirstrass, a construção dos números reais e a sistematização dos irracionais por Dedekind, que levaram os processos de criatividade matemática a inovações e renovações que possibilitaram a ampliação das teorias matemáticas em suas relações com o conceito de função e sua abordagem como eixo central do ensino de matemática no século XX.

Tais inovações criativas e renovadoras das teorias matemáticas, as quais me referi no parágrafo anterior, contribuíram para que os encaminhamentos pedagógicos formulados e propostos para o ensino de cálculo nas escolas politécnicas e universidades, e posteriormente para o curso secundário, se desdobrassem em parâmetros para a ampliação das criações didáticas em manuais escolares na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX.

Uma evidência foi marcada no inico do século XX quando os matemáticos e educadores matemáticos perceberam que havia uma descontinuidade entre os cursos secundário e superior, a partrir das críticas enunciadas por Felix Klein quando identificou a falta de conhecimento dos estudantes sobre funções e calculo infinitesimal, quando de seus ingressos nos cursos superiores. Assim, propos a inserção desses assuntos no curso secundário.

No Brasil essa inovação foi chancelada pela reforma proposta por Benjamin Constant entre 1890 e 1891, quando criou a cadeira de Noções de Cálculo Infinitesimal para ser ministrada nos últimos anos do curso secundário, tendo em vista a formação básica de cultura geral a qual visava o ensino de segundo grau. Muitos experts no ensino de Matemática consideravam que havia uma grande vantagem no inserção dessas noções de cálculo no secundário por tornar possível o entrelaçamento de noções e símbolos relativos a conhecimentos como por exemplo Matemática e Física, a partir de um processo intuitivo de ensino, que equilibrasse formalismo e

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rigor nas exposições do professor. O mesmo era considerado para o ensino de função.

A criatividade no desenvolvimento do conceito de função

A ideia da relação entre quantidades é tão antiga quanto a Matemática. Mas qual tem sido o caminho que conduziu desse sentido tão vago à concepção teórico-contemporânea de uma função ou aplicação, que estabelece correspondência entre elementos de um conjunto com um elemento de outro conjunto? E quais foram as diferentes representações do conceito de função ao longo da nossa história, como um conceito que se constitui central no desenvolvimento da análise? Essas são algumas das questões que moveram o exercício criativo em matemática para o desenvolvimento desse tema denominado conceitual de função.

Já na Antiguidade a ideia de função aparece exposta como relação entre grandezas na matemática babilônica, nas tábuas sexagesimais, nas relações entre quadrados e raízes quadradas, cubos e raízes cúbicas, dentre outros aspectos como medidas referentes à astronomia antiga, particularmente nas observações estelares, solares, lunares e de outros planetas. É também desse período antigo as atribuições clássicas dos pitagóricos nas relações entre medidas relacionadas à geometria, astronomia, como por exemplo as tábuas astronômicas presentes no Almagesto de Ptolomeu.

As noções de função a partir das correspondências entre medidas de grandezas e valores transparece como uma concepção moderna. Entretanto, a ideia intuitiva sobre quantidade variável é muito antiga. Neste sentido, as matemáticas práticas emergentes do trabalho de Arquimedes remetem ao conceito de variável, limite e consequentemente ao conceito de função. O mais importante dessa dinâmica conceitual é o processo criativo estabelecido desde esses tempos remotos até a contemporaneidade, para se reinventar o conceito e se ampliar os horizontes epistemológicos sobre o assunto.

As dinâmicas concernentes ao desenvolvimento da criatividade na criação do conceito de função e sua epistemologia avança da Antiguidade clássica como no estágio zero ou de tendência técnica preliminar mencionado por Ervynck (1991) seguido pelo estágio 1 das atividades algorítmicas embrionárias estabelecidas por Nicolau de Oresme até às

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escolas de Oxford e de Paris, com as primeiras representações, como momentos teóricos extremamente importantes caracterizados pelos estudos dos movimentos ao das trajetórias dos corpos físicos.

Tal processo criativo históricamente construídos por filósofos e matemáticos apontam para uma dinâmcia que convergiu para a ampliação dos exercícios inventivos que levaram a história do desenvolvimento do conceito de função ao estágio 2, concernente às atividades criativas (conceitual, construtiva), caracterizadas pelos modelos de função, como por exemplo a função logarítmica originada do trabalhos de John Napier (1550-1817) e o trabalho de René Descartes (1637) sobre as curvas geométricas e as funções algébricas que representaram tais curvas.

Das ideias de Descartes pode-se considerar que as atividades criativas sobre o conceito de função avançaram em direção aos algorítmos infinitos originados pelo método de John Walis em seu Arithmetica Infinitorum, que originaram novos estudos em direção a um novo objeto matemático estabelecido pelos princípios e leis das variações, concretizados pelos trabalhos de Newton e Leibniz, ampliando esse conceito em extensão e significado, que retomou os embriões plantados por Arquimedes, Cavalieri, Oresme e Descartes. Tratava-se portanto da continuidade do estágio das atividades criativas que avançaram em direção ao estabelecimento da análise algébrica produzida, principalmente, no século XVIII, por meios dos trabalhos de Leonhard Euler (1707-1783) e de Daniel Bernoulli (1700-1782), que posteriormente abriram espaços para o fenômeno das funções multiformes.

É nesse movimento criativo que surge a obra Introductio in analysin infinitorum (Introdução da análise infinita ), de Leonhard Euler (1748), que passou a dar outro contorno ao conceito e novas configurações algorítimicas ao assunto, de modo a evidenciar um espírito de invenção, dotado de uma técnica muito segura e confiável para obter resultados novos e variados.

Assim, o conceito de função na matemática de Euler, passou a contribuir sobremaneira para o desenvolvimento da análise algébrica, e que revelou um fenômeno ainda desconhecido sobre as funções e sua classificação formal como funções algébricas (racionais: inteiras e fracionárias e irracionais: explícitas e implícitas) e transcendentes como as funções trigonométricas, logarítmicas, exponenciais, etc.

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A criatividade na abordagem funcional para o ensino de Matemática

No final do século XIX as noções de função passaram a exercer uma importância decisiva na organização das matemáticas escolares,

Figura 6. Filósofos e Matemáticos que mais participaram no nascimento do Cálculo Infinitesimal.

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influenciando fortemente os currículos do ensino de Matemática. A abordagem proposta por Felix Klein, para a inserção do conceito de função no curso secundário e superior, naquele período, exerceram forte influência nos principais centros de estudos sobre Matemática e universidades, de modo a implicar na criação de disciplinas escolares relativas à Matemática com ênfase nos aspectos ligados à funcionalidade. Assim, o conceito de função, centrado nas ideias de variabilidade e interdependência, ocasionadas pelos estudos sobre o desenvolvimento do cálculo, já mencionados anteriormente, passou a ser tomado como princípio unificador do ensino de Matemática10.

A esse respeito, em 1893, durante um Congresso Internacional de Matemática, ocorrido em Chicago, Felix Klein apresentou para os professores presentes no evento, uma proposta que defendia a conveniência de adoção do conceito de função como eixo central unificador do ensino de Matemática. Posteriormente em 1904 persistiu no tema em uma conferência proferida em Götingen, quando argumentou favoravelmente acerca do principal objetivo do ensino da Matemátiuca no curso secundário, quando sugeriu que o ensino de Matemática deveria priorizar uma correlação com diversas partes de temas integrantes da formação intelectual dos estudantes, como por exemplo a noção de função e sua representação geométrica e analítica (gráfica), apoiada na ideia de dependência entre duas grandezas variáveis, tais como já vinha sendo anunciada desde os trabalhos de Nicolau de Oresme até Euler, ou seja, um processo de criação funcional que tinha uma trajetória de desenvolvimento há mais de quatro séculos, por meio de um processamento criativo (cf. ROXO, 1937).

Assim, o conceito de função passou a ser visto como um dos objetos principais do ensino de Matemática. Logo, haveria necessidade de uma reorganização dos conteúdos de Matemática no curso secundário e superior, em vistas das novas propostas de abordagens didáticas e conceituais para tal assunto, considerado de importância decisiva para o desenvolvimento científico e tecnológico do século XX que estava se iniciando, até então.

10 Para maior aprofundamento no assunto ver Roxo (1937) mencionado nas referências no fial deste livro.

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Tratava-se, portanto, de uma inovação criativa no ensino de Matemática que havia tomado como base a criação matemática desenvolvida durante mais de quatro séculos e que passava a exercer importância essencial na organização de um processo de disciplinarização e disciplinação da Matemática, que ocasionou a produção de saberes profissionais relativos ao ensino de Matemática, ou seja, o saber a ensinar e para ensinar matemática no curso secundário, conforme enfatiza Valente (2017), quando menciona as discussões conceituais e pedagógicas propostas por Euclides Roxo nas primeiras décadas do século XX.

Foi com esse pensamento que nas primeiras décadas do século XX surgiram propostas e encaminhamentos disciplinares de reorientação curricular, inovações em programas de ensino e reelaboração de conteúdos dos livros didáticos ou manuais escolares de Matemática para o curso secundário, com base nas inovações criativas advindas da nova Matemática caracterizada pelo pensamento funcional. Tratava-se de uma abordagem para o ensino de Matemática baseada no conceito de função, como uma perspectiva de estabelecimento de conexões entre saberes matemáticos por meio do referido conceito, tendo em vista a preparação dos estudantes para o ensino superior. Essa abordagem funcional estava fundamentada nas divulgações epistemológicas enunciadas por Felix Klein para essa transformação de saberes, advindas dos estudos sobre função na Europa, ao longo do século XIX, como desdobramento conceitual do desenvolvimento do cálculo diferencial e integral, mencionado anteriormente.

Os desafios à criatividade dos professores dos cursos secundário e superior, bem como aos autores de livros didáticos e manuais escolares de matemática residia em estabelecer conexões conceituais e didáticas entre os conteúdos de matemática por meio de uma abordagem funcional que transversalizasse o conhecimento disciplinar do curso, de modo a preparar os estudantes para o ensino superior. Assim foram estabelecidos alguns objetivos para um ensino de matemática centrado no pensamento funcional, cuja diretriz epistemológica reconhecia que a dependência de uma quantidade variável em relação a outra era um dos aspectos que os professores de matemática deveriam considerar como parte mais importante do pensamento funcional a ser estimulado como uma importante construção na aprendizagem da matemática escolar pelos estudantes.

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Consequentemente, propunha-se a determinação da natureza das relações entre essas variáveis e os modos como as mesmas poderiam ser expressas algebricamente por meio de tabelas e gráficos, a fim de possibilitar o alcance dos objetivos desse novo ensino de matemática, centrado no desenvolvimento das várias caracterísitcas do pensamento funcional, conforme já mencionado anteriormente. Assim, considerou-se prioritário o uso de expressões algébricas para representar o conceito de função, com destaque para o estabelecimento da definição de variável ou de variação e do significado desse conceito como aplicação e transformação.

A evidência de criatividade sobre esse tema se estabeleceu principalmente nas conexões entre pensamento, linguagens e problematizações com características de ações transversais ou interdisciplinares para esse tema, uma vez que eram muito utilizados problemas relacionados às mais diversas áreas de conhecimento, além da matemática, para expressar tanto o pensamento quanto as linguagens funcionais. Nessa dinâmica foram se estabelecendo processos criativos para inserção nas atividades curriculares, conceituais e didáticas no ensino de matemática do curso secundário.

Neste sentido, Euclides Roxo (1937) considerou que o desenvolvimento das noções de função era completamente acessível aos estudantes do curso secundário, desde que tais noções fossem desenvolvidas processualmente, de maneira lenta e progressiva, em todos os anos do curso secundário e configurado para todas as partes da matemática como elemento unificador. Daí terem surgido vários comentários sobre o princípio da funcionalidade que transversalizava todo o ensino da matemática na época, como um aspecto criativo que transfromava os modos de pensar e fazer matemática no curso secundário da época, embora tenha sofrido fortes críticas de muitos experts daquele período.

Outro destaque apontado por Roxo (1937) foi a respeito da necessidade de se discutir acerca do desenvolvimento histórico-epistemológico do conceito de função no ambito do domínio matemático e filosófico dos estudantes para sua ampliação conceitual ao ingressar na universidade, bem como a relação desse conceito nas ciências físicas e naturais e nas ciências sociais. Percebe-se que é a partir desses novos

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encaminhamentos conceituais e didáticos que os saberes concernentes ao ensino e a aprendizagem de função no curso secundário passaram a seguir uma nova trajetória como disciplina escolar que implicou modificações curriculares e reorientações nos modos de tratar o assunto nos manuais escolres conforme já mencionei anteriormente.

Igualmente, os estudos que desenvolvo desde 2007 sobre esses processos criativos na história da criação matemática apontam que outros ramos disciplinares da matemática em seu aspecto acadêmico e escolar passaram por transformações similares que processo apresentado nesta primeira parte do livro, nos levando a apresentar na segunda parte alguns exemplos desses processos criativos, conforme veremos nas próximas seções que tratam de outras produções criativas na história de matemática.

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Parte 2

Outras produções criativas na história de Matemática

Criatividade é a capacidade de procurar respostas aos

desafios que nos são colocados.

Ao considerar a frase anterior, mencionada como epígrafe de abertura desta segunda parte do livro, pensei na possibilidade de remeter o leitor aos mais diversos caminhos que a história humana aponta para nos situar a respeito dos modos e porquês muitos filósofos e matemáticos como alguns citados na primeira parte deste livro, imaginaram múltiplas possibilidades de dar sentido e significado às imaginações criativas para delinear respostas as suas indagações em busca de melhor aprimoramento das explicações para seus questionamentos sobre determinados temas relativos à matemática em todos os tempos. Esse é o movimento que nos levará a seguir nesta parte do livro em busca de exemplificar alguns flashs narrativos desses processos criativos instalados em lugares e tempos diversos, para identificar saberes dignos de memória como o teorema de Pitágoras, as quadraturas de curvas (círculo, parábola e funções polinomiais) matematizadas por Arquimedes, pela geometria de René Descartes e pelos estudos que originaram o cálculo integral, estabelecidos

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criativamente no processo histórico de criação matemática. Vejamos a seguir algumas dessas situações como indicativos desses procedimentos.

6. Outras histórias sobre processos criativos em Matemática

6.1. Algumas abordagens criativas na prova do teorema de Pitágoras

Muita coisa a respeito do teorema de Pitágoras foi discutida, criada e recriada ao longo de mais de dois milênios, ao ponto de muitos historiadores intitularem a história desse teorema como um fato digno de memória, uma vez que sempre esteve presente nas discussões matemáticas em todos os tempos e lugares, desde o período pitagórico.

Para cada abordagem sobre esse assunto identificamos traços criativos, inovadores e renovadores do teorema, com destaque para as inovações conceituais nos mais diversos ramos da geometria, como por exemplo em seus desdobramentos criativos em direção a uma extensão conceitual em geometria analítica, como por exemplo na determinação da medida da distância entre dois pontos por meio da relação

2

0

2

0

2 )()( yyxxd −+−= . Igualmente podemos destacar os estudos

relacionados a geometria vetorial, tomando como unidade geratriz do assunto, o módulo de um vetor, bem como em outro desdobramento para represnetar graficamente o módulo de um número complexo e as relações trigonométricas desde os estudos sobre cordas de uma circunferência explicitar a origem do conceito de seno, cosseno e tangente, bem como a

Relação fundamental da trigonometria 122 =+ xCosxSen .

As mais variadas abordagens sobre o teorema de Pitágoras nos deixam ainda mais a pensar sobre os exercícios criativos praticados por filósofos, matemáticos, professores de matemática, estudantes e outros interessados nesta temática, em muitos séculos, para que nos deixassem um acervo histórico-cultural ampliado a respeito deste teorema. Assim, é possível percebermos o quanto este foi e é um assunto que se ramificou criativamente em todas as direções da matemática, sob um espírito ampliador nas dimensões criativas desse conhecimento.

Para exemplificar um pouco do que anunciei anteriormente, apresentarei a seguir algumas manifestações criativas expressas na história das demonstrações do teorema de Pitágoras, iniciando pela obra intitulada Nove capítulos da arte matemática na China, na qual estão presentes

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diversos problemas que envolvem relações métricas e geométricas entre os lados dos triângulos retângulos, dentre as quais o teorema de Pitágoras aparece em destaque.

Situação-problema: O triângulo retângulo como a figura Fundamental.

Dado um triângulo retângulo de base a, altura b e hipotenusa c. Com dois triângulos congruentes como esse, fazemos um retângulo de dimensões a e b. Com quatro desse triângulos retângulos, cada um girando um quarto de volta, nós construímos um quadrado (grande) de lado b + a tendo no interior desse quadrado (centro), um (pequeno) quadrado de lado b - a.

No livro mostra-se o quadrado da base e o quadrado da altura de modo a provar que estes dois quadrados têm uma parte externa (R + S) e uma parte congruente dentro do quadrado de hipotenusa.

Figuras 7. Teorema de Pitágoras no Nove Capítulos sobre arte Matemática na China. Fonte: Carrera (2009)

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Mas duas rotações simples dos triângulos R e S trazem-nos de fora

para dentro (R '+ S') do quadrado da hipotenusa, de modo que o que sai é o que se compara com o outro.

O teorema de Pitágoras demonstrado por Paulus Gerdes

Para Paulus Gerdes (2011), outro exmplo de demonstração do teorema refere-se a interpretação geométrica do botão quadrado de um trançado em cestaria, entrelaçado com duas tiras. A figura 10 mostra como se começa a entrelaçar o botão quadrado e a retificação das linhas

a

c b

b

a

b + a

b - a

Figura 8. Representação geométrica do problema chinês.

Figura 9. Solução geométrica do problema.

R S

S’

R’

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levemente curvas para tornar as linhas escondidas visíveis obtendo-se o padrão representado geometricamente.

Juntando as representações geométricas de alguns botões quadrados entrelaçados obtemos a figura 11.

Apagando alguns deles, aparece-nos a figura 12.

Figura 10. Representação geométrica botão quadrado (GERDES, 2011).

Figura 11. Padrões geométricos gerados a partir do botão quadrado (GERDES, 2011)

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Por observação, destes duas últimas figuras , conclui-se que:

222 bac += c2 = a2 + b2, que é não mais que o Teorema de Pitágoras. A

área do quadrado central é 2)( ab − e as áreas dos quatro retângulos

circunvizinhos são )2

..(4

ba , isto é, ba..2 .

Logo, 2222 ..2)( cbbaabc +=+−= .

Outro processo estabelecido por Paulus Gerdes (1988) para uma prova criativa do Teorema de Pitágoras pode ser interpretada a partir da leitura das imagens, considerando os significados geométricos de cada uma dessas imagens e as expressões aditivas nelas presentes, pois foi com essa intenção que Gerdes (1988) constituiu sua prova do teorema (Figura 13).

Figura 13. Representação geométrica da soma de ternos pitagóricos por Gerdes (1988).

Figura 12. A prova chinesa do teorema de Pitagoras por Gerdes, a partir da exploraçãoc riativa da representação geométrica do botão quadrado (GERDES, 2011).

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Figura 15. Etapas da demonstração do Teorema de Pitágoras a partir das

representações geométricas de padrões de cestarias africanas (GERDES, 1988).

Figura 14. Demonstração do Teorema de Pitágoras a partir das representações geométricas de padrões de cestarias africanas (triângulos e quadrados dentados), (GERDES, 1988).

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A criatividade em uma demostração mais simples do teorema de Pitágoras,

por Francois Viéte.

Das diversas demonstrações do teorema de Pitágoras, destacamos a seguir uma das mais simples e criativas. A demonstração de François Viète, possivelmente publicada em 1591 (cf. VAUZELARD, 1630; 1986), é considerada uma das mais simples, original, portanto criativa. Vejamos.

A partir da exploração algébrico-geométrica da figura 16 resulta:

DC = DA+AC = AB + AC CE = AE – AC = AB – AC DC: (AB+AC)·= (AB–AC): CE. Logo, aplicando potência respeito da circunferencia (Euclides III.35) resulta: DC:BC = BC:CE. Assim: DC.CE = BC2 DC.CE= (AB + AC).(AB – AC) = AB2=AC2+ BC2.

Alguns historiadores concordam que provavelmente Viète criou esse modo de demonstração ao investigar os trabalhos de Pappus, em 1589, a partir da tradução feita do latin por Federico Commandino, do livro titulado Mathematicae Collectiones (Coleções Matemáticas).

Figura 16. Representação geométrica das relações netre linhas da circunferência que justificam a demonstração de Viète para o teorema de Pitágoras.

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Outra curiosidade criativa: o Teorema de Pitágoras provado por quadrados mágicos

No livro The Pythagorean Propositions, de Elisha Scott Loomis, reimpressão da segunda edição de 1940, há cinco exemplos de Quadrados Mágicos Pitagóricos, dentre os quais destacamos o exemplo apresentado a seguir, que se caracteriza pela originalidade e criatividade experimentada para explorar relações numéricas e provar aritmeticamente a validade do teorema de Pitágoras, tomando a ludicidade dos Quadrados Mágicos, com vistas a formular um modelo aritmético do teorema.

Fica evidente, portanto, que as relações dos cálculos de cada quadrado forma um conjunto harmônico com a resolução do Teorema de Pitágoras.

Quadrados mágicos pitagóricos

ABIH quadrado mágico de 4alor 147

Soma ABIH = 143 . 3 = 441

AGFC quadrado mágico de valor 46.

Soma AGFC = 46 . 4 = 184

BCED quadrado mágico de valor 125.

Soma 125 . 3 = 625.

441 + 184 = 625.

S (ABIH) + S(AGFC) = S(BCED)

Figura 17. Representação do Teorema de Pitágoras com uso de quadrado mágicos.

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Um desafio: A prova criativa do Teorema de Pitágoras por meio de uma soma de integrais11

Dado o problema geral do Teorema de Pitágoras, conforme mostrado na Figura 18, a seguir, prove que A + B = C, de modo a deduzir

as transformações: )()( xb

cf

c

bxg = e )()( x

a

cf

c

axh = . Sugerimos que

você experimente desenvolver essa prova. Em caso de dificuldade, consulte a referência indicada na bibliografia no final do livro.

Conforme já foi mencionado no inicio desta seção, a história da Matemática mostra como o exercício da criatividade ampliou e enriqueceu o processo de criação matemática em múltiplos desdobramentos originais acerca do teorema para uma extensão conceitual em geometria plana e espacial (diagonal de um quadrado, retângulo e paralelepípedo), geometria

11 Para conhecer e discutir essa prova consulte García (2010), referenciado no final do livro.

Desafio: Considerando que que as figuras A, B e C mostradas pela figura

18, originaram-se de três funções homotéticas h(x), g(x) e f(x), prove a validade da proposição dada a seguir:

dxxfdxxgdxxh

ca

b

c

)()()(0

0 =+

A

B

C

Figura 18: Geometricamente uma extensão do Teorema de Pitágoras, que satisfaz a relação: C = A+ B.

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analítica, medidas, álgebra linear, bem como no auxílio `materialização dos estudos em trigonometria (a relação fundamental da trigonometria: sen2x + cos2x = 1, dentre outras) e no cálculo diferencial e integral, dentre outros temas de matemática.

Neste sentido é possível destacar na geometria análitica o estudos sobre distância entre dois pontos e distância de um ponto a uma reta, no sistema cartesiano ortogonal e os estudos sob re função do 1º grau; os estudos sobre algebra vetorial, principalmente no que concerne ao módulo de um vetor. Igualmente, destacam-se as contribuições dessas ideias para as representações geométrica e trigonomética dos números complexos, como por exemplo sobre o módulo de um número complexo, dentre outros aspectos desse tema da matemática.

6.2. A criatividade matemática de Arquimedes

Arquimedes é considerado por muitos historiadores como o maior matemático de toda a Idade Antiga, uma vez que abriu novos caminhos na geometria sólida, lançou as bases do cálculo integral e criou um novo sistema para representar números grandes. Atribui-se a ele qualificativos profissionais como inventor, engenheiro, mecânico, matemático, astrônomo e filósofo grego. Tambem lhe é atribuída a adjetivação de pai da Física Matemática, principalmente pelos resultados de seus trabalhos sobre a estática (estudo do equilíbrio dos corpos) e a hidrostática (estudo do equilíbrio dos líquidos), pois muitas das suas criações e descobertas foram fundamentais para a mecânica, como por exemplo, o princípio da alavanca, com base no qual foram construídas catapultas que também ajudaram a resistir aos romanos.

Seus trabalhos matemáticos foram os que ele mesmo considerou mais importantes. Esses estudos baseavam-se na geometria euclidiana e nestes destacam-se os estudos sobre as relações entre o comprimento da

circunferência e seu diâmetro, nos quais estabeleceu o valor de π (pi) como

22/7; a obra Sobre Espiral e a Quadratura da Parábola, no qual registrou um famoso axioma sobre áreas, em que demonstrou ser a área de um segmento de parábola igual a 4/3 da área de um triângulo com base e altura iguais aos do segmento. Igualmente, em Sobre a Esfera e o Cilindro,

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provou que a área de uma esfera é quatro vezes a área do seu círculo máximo, entre outras deduções importantes como o cálculo do seu volume. Além disso, enunciou a relação entre área e volume dos sólidos geométricos, e determinou a área da elipse e os volumes dos elipsóides e parabolóides de revolução.

Para comentar sobre a criatividade na criação matemática de Arquimedes focalizarei alguns aspectos acerca da obra Da medida do círculo, na qual propõe seu método (o primeiro conhecido na história) para calcular a medida do π (pi), que envolve o traçado de polígonos

(construção geométrica com régua e compasso).

Arquimedes e a medida do círculo

A esse respeito Arquimedes demonstrou matematicamente como ligar o interior e o exterior de círculos e esferas. Os resultados obtidos por Arquimedes ocasionaram a organização de seu trabalho initulado Da Medida do Círculo, no qual enunciou três proposições, que são apresentadas de forma resumida a seguir.

• Proposição 1. A área de um círculo é igual à área do triângulo retângulo cujo cateto perpendicular é igual ao seu raio e o outro cateto é igual ao comprimento da circunferência que o delimita.

• Proposição 2. A área de um círculo está para a área do quadrado em seu diâmetro como 11 está para 14.

• Proposição 3. A razão entre o comprimento de uma circunferência

e o seu diâmetro (isto é, π) é menor que 1

37

mas maior que 10

371

.

A demonstração de Arquimedes é criativamente explicitada em imagens como as que mostramos a seguir nas figuras 19, 20 e 21 a seguir.

Uma das ações criativas utilizadas por Arquimedes para provar a relação de equivalência entre as áreas do círculo e do quadrado (quadraturas), primeiramente cortou um círculo de raio r em várias fatias iguais e as organizou em um bloco aproximadamente retangular; observou que esse feito poderia ser alcançado com um número cada vez maior de fatias e, à medida que o número de fatias aumentava, o bloco tornava-se indistinguível de um retângulo cujo lado no comprimento do lado longo é

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igual a metade da circunferência do círculo. A área do retângulo, portanto, se aproximava de modo a coincidir com a do círculo (Figura 19).

Outro modo criativo de provar que a equivalência de áreas tinha sentido, foi mostrado ao considerar que a área do círculo poderia ser representada geometricamente como um triângulo retângulo de catetos cujas medidas seriam correspondentes às medidas do raio e do comprimento da circunferência (perímetro do círculo) respectivamente. Com base nesse argumento Arquimedes representou a área do circulo pela relação descrita

como rCA .2

1= (representação atual), onde C é a cincunferencia da

circunferência (perímetro do círculo) e r o raio da circunferência, conforme mostrado na figura 20, a seguir. Como o comprimento ou perímetro da

circunferência é dado por C = 2πr, então a área doi círculo será

representada por rrA .22

1= . Logo:

2.rA = .

Figura 19. Varias etapas da prova de Arquimedes para a quadratura do círculo.

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AB: altura do triângulo retângulo ABD, ou seja, o raio da circunferência; AD: comprimento da circunferência. A área do triângulo retângulo ABD é congruente a área do quadrado ABEC e a área do círculo, conforme está represnetado na figura 21, a seguir.

De acordo com Heath (2002), o texto da proposição 2 não é satisfatório, e provavelmente Arquimedes não pode tê-lo colocado antes da proposição 3, pois parece que a aproximação depende do resultado dessa proposição (proposição 3). A extensão da última proposição do escrito é

um dos teoremas mais notáveis de Arquimedes, pois com os números 103

71.

Figura 20. Uma das tentativas de provas de Arquimedes para a quadratura do círculo.

2πr

E

C D A

B

Figura 21. Uma forma criativa de explicitar a proposição 1 de Arquimedes.

2πr r

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e 1

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proporciona dois valores aproximados para π (pi), por falta e por

excesso, que foi obtido utilizando o método de inscrição e circunscrição de polígonos duplicando o número de lados, partindo do hexágono para chegar até o de 96 lados, e calculando aproximadamente seus perímetros, mas mantendo o sentido do erro. Talvez aí resida toda a criatividade de Arquimedes nesse processo de busca de solução para o problema da quadratura do círculo.

Vale lembrar que com excessão do hexágono, todos os outros polígonos tomados por Arquimedes têm seus lados incomensuráveis com o diâmetro e que tais perímetros estão expressos mediante raízes quadradas, que Arquimedes calculou aproximadamente, por falta ou por excesso segundo cada caso, mediante regras para obter raízes aproximadas, seguramente conhecidas em sua época, mas das quais Arquimedes nada mencionou, levando os historiadores da matemática ao avanço no levantamento de diversas conjecturas a esse respeito (Esse é outro ato de criatividade na criação matemática).

Do trabalho de Arquimedes, originaram-se vários trabalhos que contribuíram para explicar a relação entre a área ( A ) e o perímetro ( P ) de um círculo de raio r , tomando por base o problema da quadratura do circulo, que originou a determinação do valor de π (pi) como o valor da razão entre o comprimento e o diâmetro da circunferência. Para se determinar essa relação, dividia-se a circunferência em partes iguais e construía-se um polígono regular inscrito na referida circunferência. Se o número de divisões aumentasse progressivamente obter-se-ia um polígono com um grande número de lados. Ao traçar-se os raios do centro da circunferência para os vértices do polígono, ter-se-ia um número igual de

Desafio: Tente elaborar uma atividade para uso na sala de aula

reinventando a experiência de inscrição e circunscrição de polígonos na circunferência, feita por Arquimedes, de modo a levar os alunos a

encontrarem os valores aproximados para π (pi).

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pequenos triângulos, cujas bases são os lados do polígono (conforme já mostrado na figura 19).

Se o número de lados aumentasse infinitamente, cada lado diminuiria infinitamente. Progressivamente, os lados do polígono tenderiam a coincidir com a circunferência e a altura de cada triângulo confundir-se-á com o raio r da circunferência (por aproximação infinita).

Outro aspecto da criatividade de Arquimedes está na extensão

conceitual para a área e o volume da esfera. Para chegar a uma relação matemática semelhante para uma esfera de raio r, Arquimedes imaginou uma extensão do processo estabelecido para a quadratura do círculo com base na divisão em partes aproximadamente triangulares e procedeu da mesma maneira para a superfície da esfera considerando que a base da figura retagular a ser construída seria a medida do comprimento da circunferência tomada duas vezes (parte superior e inferior da superfície cortada). Daí seguiu com o mesmo processo da seguinte maneira:

Assim, a área da superfície esferica foi determinada por um método criativo que estabeleceu a seguinte relação: A = 2 π r . 2r = 4πr2

Desafio: Discutir o processo criativo operado pelo pensamento de

Arquimedes e refletido nas proposição 1, 2 e 3 apresentadas anteriormente.

Faça sua discussão com base nas fundamentações teóricas estabelecidas na primeira parte do livro. Identifique e comente cada uma das relações entre a

proposição escrita e a sua representação geométrica. Coinsidere os estágios

de Ervynck (1991) mencionados na seção 3.

2πr

2r

Figura 22. Uma prova geométrica atualizada da extenção do método criado

para explicar a determinação da medida da área da superfície esférica.

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Em outro momento de extensão criaitva do processo, foi

estabelecida a relação correspondente ao volume da esfera Arquimedes cortou em cones triangulares cujo vértice comum é o centro da esfera e cujas bases estão contidas na superfície da esfera (oposto, em baixo).

Do mesmo modo que no processo realizado com o círculo e com a

esfera, esses cones assumiram o papel dos triângulos na figura dente de serra, levando-o a estabelecer que o volume da esfera é dado pela relação

3.3

4rV = .

Fica, portanto, evidenciado o quanto a criatividade matemática gerada a partir de métodos já estabelecidos anteriormente por matemáticos mais antigos (método da exaustão), o processo de explicação para a determinação de áreas e volumes dessas figuras redondas (de revolução), deixam claro os estágios da criatividade na criação matemática, tal como nos sugere Ervynck (1991).

Figura 23. Fragmentos aproximados a cones triângulares a partir de uma

esfera para explicitar a relação que determina o volume da esfera.

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6.3. O método para solução de problemas da geometria por René Descartes

Um trabalho extremamente criativo que contribuiu sobremaneira na criação matemática a partir do século XVIII foi elaborado por René Descartes e publicado pela primeira vez no seu famoso ensaio initulado Discurso do método, em uma parte denominada Geometria12. Suas notações algébricas foram expostas a todos a partir do final do século XVII, e são globalmente aquelas que atualmente usamos. Seu método de resolver problemas de geometria abriu as portas da computação literal aplicada aos problemas matemáticos que prevaleciam, e se espalhou rapidamente para todos os ramos da ciência. Foi, também, neste tratado que pela primeira foi proposta uma abordagem sobre curvas geométricas representadas por equações algébricas sistematicamente associadas.

No primeiro capítulo o autor argumenta sobre problemas geométricos que podem ser resolvidos sem usar apenas círculos e linhas retas, esclarecendo que todos os problemas de geometria podem ser reduzidos a cálculos aritméticos relacionados às operações geométricas, desde as operações básicas até a extração da raiz quadrada, de modo a chegar nas equações que servem para resolver problemas mais complexos de geometria que até àquele momento não haviam sido resolvidos com régua e compasso.

Para exemplificar apresenta uma representação explicativa para adição, subtração e multiplicação e divisão de segmentos de reta, de modo a mostrar o processo de conexão entre aritmética e geomeria até alcançar o nível das correlações entre álgebra e gemetria, envolvendo segmentos e áreas. A esse respeito Descartes afirmava que todos os problemas de geometria poderiam ser facilmente reduzidos a tais termos, que depois seria necessário apenas conhecer o comprimento de algumas linhas retas, para construí-las. Afirmava que se estivermos dispostos a resolver qualquer problema, devemos considerar o que já foi feito e dar nomes a todas as linhas, que parecem necessárias para construir, tanto as que são desconhecidos para os outros, até encontrarmos meios de expressar a mesma quantidade na forma de equação.

No segundo capítulo Descartes aprofunda suas proposições e argumentações no tema Da natureza das linhas curvas, momento em que

12 Para um aprofundamento sobre o livro Geometria ou sobre o discurso do método leia Descartes: obras escolhidas. Traduzido e organizado por J. Guinsburg; Roberto Romano e Newton Cunha, publicado pela editora Perspectiva, 2010.

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questiona sobre quais são as linhas curvas que podem ser concebidas na geometria e a relação que todos os seus pontos têm com as linhas retas. Trata-se da continuação da explicação do problema de Pappus colocada no primeiro capítulo. A solução desta questão quando é proposta apenas em três ou quatro linhas, nas quais exemplifica como tal operação pode ser materializada em uma elipse e em uma parábola do segundo tipo, bem como em um oval do segundo tipo. Outro exemplo da construção deste problema é mostrado na conchóide13. Por fim apresenta uma explicação de quatro novos tipos de ovais usados na óptica, e como as propriedades dessas ovais afetam reflexões e refrações.

Para demonstrar essas propriedades Descartes questiona como se pode fazer um vidro tão convexo ou côncavo em uma de suas superfícies que se queira, que reúna em um dado ponto todos os raios que provêm de outro ponto determinado? Como alguém pode fazer um que faça o mesmo e que a convexidade de uma de suas superfícies tenha a proporção dada com a convexidade ou concavidade do outro. Como se pode relacionar tudo o que foi dito das linhas curvas descritas em uma superfície plana, àquelas que são descritas em um espaço que tem três dimensões, ou em uma superfície curva.

O terceiro capítulo é denominado Da construção de problemas sólidos ou mais do que sólidos. Nele Descartes trata de questões como: quais linhas curvas podem ser usadas na construção de cada problema. Exemplo da invenção de várias médias proporcionais. Da natureza das equações. Quantas raízes podem existir em cada equação? Quais são as raízes falsas? Como se pode diminuir o número de dimensões de uma equação, quando se conhecem algumas das suas raízes. Como se pode examinar se qualquer quantidade dada é o valor de uma raiz. Quantas raízes podem existir em cada equação? Como raízes falsas se tornam verdadeiras e verdadeiras falsas? Como podemos aumentar ou diminuir as raízes de uma equação? Que aumentando assim as raízes verdadeiras diminui as falsas, ou pelo contrário. Como podemos remover o segundo termo de uma equação? Como as falsas raízes se tornam verdadeiras sem

13 Uma concóide ou conchóide é um nome atribuído a uma curva que tem a forma de concha. tem sua etimologia no grego konkhoiedes. É uma cissoide cuja segunda curva é uma circunferência centrada na origem. Se r é o raio desta circunferência, a concóide de uma curva ρ=ρ₁ possui, em coordenadas polares, as seguintes expressões: Uma limaçon é

uma concóide com um círculo como curva dada.

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que as verdadeiras se tornem falsas? Como podemos preencher todos os lugares de uma equação? Como alguém pode multiplicar ou dividir as raízes de uma equação? Como removemos números quebrados de uma equação? Como se faz a quantidade conhecida de um dos termos de uma equação igual a outra que se quer. Que as raízes, verdadeiras e falsas, podem ser reais ou imaginárias.

Além disso aborda aspectos relacionados à redução de equações cúbicas quando o problema é plano e a maneira de dividir uma equação por um binômio que contém sua raiz. Questiona sobre quais problemas são fortes quando a equação é cúbica. Trata da redução de equações que possuem quatro dimensões quando o problema é plano; e quais são sólidos. Apresenta um exemplo do uso dessas reduções me uma regra geral para reduzir todas as equações que passam o quadrado do quadrado. Doscute uma maneira geral de construir todos os problemas sólidos reduzidos a uma equação de três ou quatro dimensões e a invenção de duas médias proporcionais tendo em vista a divisão do ângulo em três (trisecção).

É difícil não reconhecer no livro os objetos da geometria, cujo estudo certamentemobilizou a imaginação criativa de Descartes. Na verdade o autor (Descartes) destaca que é impossível representar um valor desprovido de qualquer extensão, significando que a reflexão sobre os números, portanto, estava relacionada a este atributo essencial, que é a extensão. Assim, com é por merio de sua imaginação que ele deixa evidente que o objeto pretendido não é imaterial, ou seja, refçete sua abstração tal como já afirmava Platão. Entretanto, contata-se que a extensão pode receber um significado de acordo com o que é separado do corpo (do objeto geométrico), mas não corresponde a nenhuma ideia fantasiosa uma vez que é puro entendimento. O mesmo acontece com termos como figura, número, superfície, linha, ponto ou unidade, cujos sentidos têm outra função e precisão na geometria cartesiana, pois mesmo separados por abstração são constituídos por uma dinâmica do movimento ponto a ponto em cada curva, explicitando o sentido adquirido em cada posição desses pontos na curva. Logo, não excluem nada do corpo, da coisa numerada, da quantidade da qual eles não são separados por uma distinção real (cf. JULLIEN, 1996).

Essas são algumas das razões pelas quais considero que a geometria de Descartes é um exemplo singular de criatividade na criação matemática em toda a nossa história, uma vez que se constituiu no

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primeiro apontamento conceitual em direção à produção de conhecimento sobre geometria analítica, mesmo que não evidencie, inicialmente, de forma explícita, a formalização sobre coordenadas e marcos cartesianos tal como conhecemos atualmente.

A imaginação criativa foi uma habilidade utilizada por Descartes para projetar expressões que pudessem definir relações entre o objeto concreto e o objeto estabelecido na mente, ou seja, uma maneira de relacionar geometria e álgebra. Este movimento cognitivo foi de grande importância para a criado da geometria cartesiana, onde as figuras são colocadas em linhas e as linhas são representadas por caracteres algébricos. Assim, não só o apelo à imaginação criativa seria suficiente para representar a dinâmica dos objetos geométricos visualizados, como também foi necessário a criação de expressões imaginadas desses objetos, tanto útil como estimulante do pensamento e bastante inovadora (original) do ponto de vista da semelhança figurativa com a gemetria até então admitida com base nos princípios euclidianos.

Para atender a essa demanda a álgebra teria um status intimamente associado com o das linhas que caracterizavam as figuras e suas dimensões. Os termos da álgebra foram tomados, portanto, como expressões imaginadas para dar novos significados representativos aos objetos visados, para substituir as represnetações já existentes (linhas e formas). Assim Descartes pode ter relacionado a memória das formas com a imaginação representada pelas expressões algébricas para dar sentido ao pensamento criativo que precisava expressar sua faculdade imaginativa, relativa ao entendimento dos processos geométricos a serem explicados.

Desafio: experimente estabelecer correlações explicativas e práticas dos

capítulos do livro Geomeria de Descartes utilizando a dinâmica do

Geogebra

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7. Reflexões e Projeções Futuras

Com base nas ideias sobre uma pedagogia da criatividade, proposta por Martins (2000), identificamos como um ambiente propício à criatividade nos estudos que envolvem história nas aulas de matemática, aquele em que o professor oportunize aos alunos múltiplos exercícios de levantamento de questões, elaboração e testagem de hipóteses, discordâncias e avaliação critica de situações históricas propostas ou fatos históricos investigados, desde que lhes seja dado tempo para pensar e desenvolver ideias e reflexões criativas acerca das temáticas históricas envolvidas.

Para que tais exercícios possam se realizar exitosamente, é necessário, entretanto, que se tome como indicadores de habilidades criativas para exploração criadora das informações históricas nas atividades matemática em sala de aula, um pensamento criativo que explore produtivamente as atividades intuitivas (imaginação, invenção, intuição), operativas (lógica, encadeamento de ideias), simbólicas (percepção, atribuição de significados), dentre outras ações que provoquem desafios cognitivos a quem investiga para aprender.

Esses são aspectos centreais de encaminhamentos didáticos que venho propondo e experimentando com os professores que de matemática em sua formação inicial e continuada desde a década de 1990, nos cursos de licenciatura em matemática e pedagogia em que atuei, principalmente em se tratando do uso da história no ensino de matemática, ou seja, prioridade central para a investigação histórica no sentido de tomar o desenvolvimento epistemológico da matemática como um acionador cognitivo para aprender criativamente, a partir do uso de informações históricas como um agente de cognição (MENDES, 2006, 2015).

Trata-se de se dar ênfase à exploração de fatos matemáticos históricos com vistas uma aprendizagem fundada em processos de reinvenção da matemática do passado de modo a propiciar uma aprendizagem matemática no presente, para avançar em direção à matemática do futuro, ou seja, significa compreender as questões lançadas e os desafios vencidos no passado, suas apreciações criticas e reinvenções até o presente na intenção de perceber que descontinuidade ainda podem ser investigadas para a constituição de conhecimento novo.

Neste sentido, minhas reflexões se conjugam às propostas sugeridas por Sternberg e Williams (2003), segundo as quais as ideias

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criativas são tão novas como valiosas, mas o trabalho criativo requer a aplicação e o equilíbrio de três capacidades que podem ser todas desenvolvidas:

1. Capacidade sintética: é o que tipicamente pensamos como criatividade, ou seja, a capacidade de gerar ideias novas e interessantes, ao pensar por sintese, relacionar as coisas que outras pessoas não conhecem.

2. Capacidade analítica: tipicamente considerada uma capacidade do pensamento crítico, analítico e avaliativo das ideias para apontar implicações de uma ideia criativa e testá-la.

3. Capacidade prática: capacidade de transformar a teoria em prática e as ideias abstratas em realizações práticas, de modo a convencer os outros sobre sua importância potencial.

Todavia, é preciso imaginar outras possibilidades criativas e praticar outras experiências que possam estabelecer um equilíbrio entre essas capacidades no sentido de desenvolver ações que promovam aprendizagem investigativa e criativa em matemática.

Uma sugestão prática para empreender ações concretas por parte do professor é diversificar os modos de investigar em história da matemática para obtenção de materiais de ensino, e identificar a variedade de tipos de abordagens didáticas disponíveis para uso em sala de aula, a partir de informações pesquisadas por outros. É importante, também, exercitar a reinvenção de atividades de ensino propostas em manuais escolares, livros didáticos ou paradidáticos antigos e recentes, assim como os conteúdos presentes em artigos e trabalhos de eventos didático-científicos que tratam do tema, ou ainda, abordagens de práticas socioculturais históricas evidenciadas em estudos indiretamente relacionados à história da matemática em conexões com arte, ciência, tecnologias e outros setores da cultura humana como por exemplo no que concerne as religiões e práticas profissionais.

Trata-se, enfim, de exercitar e explorar múltiplas práticas socioculturais históricas com objetivos conceituais e didáticos para inclusão nas auals de matemática. Nesta perspectiva, minhas reflexões apontam que possivelmente foram essas capacidades e experimentações que acompanharam a maior parte das ações que conduziram o espírito criativo

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daqueles que desenvolveram ideias definitivas na matemática ao longo do seu processo histórico.

Assim, as explorações conceituais e didáticas da história da matemática na sala de aula devem ser operacionalizadas com base nessas evidências de capacidades que poderão aguçar a criatividade nos estudantes, em todas as etapas das atividades de ensino, orientando-os na manutenção de um equilíbrio entre essas três capacidades mencionadas anteriormente.

Portanto, para praticar tais exercícios de desenvolvimento da criatividade nas explorações históricas em aulas de matemática o professor precisa, também, desenvolver-se criativamente, ou seja, lançar-se ao desafio de apropriar-se dessas capacidades ao tomar o desenvovimento histórico das ideias matemáticas para abordar temas matemáticos como alguns que mencionamos neste livro e os mais diversos que operam a organização conceitual da matemática que ensinamos.

É, portanto, nesse movimento que precisamos levar em conta as sugestões de estratégias propostas por Sternberg e Williams (2003) a respeito do desenvolvimento da criatividade no que se refere a estabelecer modelos criativos de ensino por meio de técnicas que levem os estudantes a uma aprendizagem criativa, ou seja, exercitar o levantamento e questionamento de hipóteses para definir e redefinir conceitos e problematizações por meio do cruzamento de ideias extraídas da história do desenvolvimento conceitual da matemática a ser aprendida.

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DADOS SOBRE O AUTOR

ran Abreu Mendes Possui graduação em Licenciatura em Matemática

e em Licenciatura em Ciências, ambas pela Universidade Federal

do Pará (1983), Especialização em Ensino de Ciências e Matemática

pela Universidade Federal do Pará (1995), Mestrado em Educação

pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1997),

Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande

do Norte (2001) e Pós-doutorado em Educação Matemática pela

UNESP/Rio Claro (2008). Atualmente é professor Titular do Instituto

de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do

Pará (IEMCI), onde atua como pesquisador do Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciências e Matemáticas. Tem

experiência no ensino de Cálculo, Geometria Analítica e Euclidiana,

História da Matemática, História da Educação Matemática, Didática

da Matemática e Fundamentos Epistemológicos da Matemática.

Desenvolve pesquisas sobre: Epistemologia da Matemática, História

da Matemática, História da Educação Matemática, História para o

Ensino de Matemática, Práticas Socioculturais e Educação

Matemática, Diversidade Cultural e Educação Matemática. Bolsista

Produtividade em Pesquisa nível 1C do CNPq. Lider do Grupo de

Pesquisa sobre Práticas Socioculturais e Educação Matemática

(GPSEM/UFPA).

E-mail: [email protected]

I

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Educação Matemática na Amazônia - Coleção - VI

Volume 1 – Ensino da matemática por meio da geometria dinâmica com o desmos.

Autores: Demetrius Gonçalves de Araújo, Fábio José da Costa Alves e Gilvan Lira Souza.

Volume 2 – A noção do raciocínio combinatório nos anos iniciais do ensino fundamental a partir

da teoria antropológica do didático.

Autores: Guilherme Motta de Moraes, José Carlos de Souza Pereira e José Messildo Viana Nunes.

Volume 3 – Educação Matemática e Educação Hospitalar: um paralelo entre o solo oncológico e

solo geométrico.

Autores: Marcos Evandro Lisboa de Moraes, Felipe Moraes dos Santos, Elielson Ribeiro Sales.

Volume 4 – Altas habilidades em matemática no contexto escolar: reflexões iniciais.

Autores: Maria Eliana Soares, Elielson Ribeiro de Sales e Edson Pinheiro Wanzeler.

Volume 5 – Pelas trilhas históricas do pesar e do medir.

Autora: Elenice de Souza Lodron Zuin.

Volume 6 – O uso de materiais manipuláveis e suas perspectivas na atividade matemática.

Autores: Fernando Cardoso de Matos, Reginaldo da Silva e Wellington Evangelista Duarte.

Volume 7 – O ensino de Frações por atividades.

Autores: Pedro Franco de Sá e Kamilly Suzanny Felix Alves.

Volume 8 – Criatividade na história da criação matemática: potencialidades para o trabalho do

professor.

Autor: Iran Abreu Mendes.

Volume 9 – Sequências didáticas: olhares teóricos e construção.

Autores: Acylena Coelho Costa e Natanael Freitas Cabral.

Page 90: CRIATIVIDADE NA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO …contrário, que viabilize uma dinâmica das estratégias de pensamento que imprima um constante interesse pela renovação e arejamento de

Iran Abreu Mendes

90

Volume 10 – Limite de uma função: História e atividades para o ensino

Autores: Maria Alice de Vasconcelos Feio Messias e João Cláudio Brandemberg.

Volume 11 – O ensino de fatoração algébrica por atividaes.

Autores: Glaucianny Amorim Noronha e Pedro Roberto Sousa da Silva.

Volume 12 – Medidas Lineares e de Superfície: um enfoque histórico e matemático.

Autores: Maria Lúcia Pessoa Chaves Rocha, Francisco Fialho Guedes Ferreira e Francisca Janice

dos Santos Fortaleza.