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Felipe Corrêa Criar um Povo Forte Contribuições para a discussão sobre Poder Popular Felipe Corrêa

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Criar um Povo Forte

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“Um projeto de poder popular é aquele que busca aumentar permanentemente a força social do conjunto de oprimidos e, pedagogicamente, o faz aplicar no confl ito esta força lutando por conquistas de curto prazo e tendo um horizonte revolucionário e socialista.”

Felipe Corrêa

BIBLIOTECA DE BOLSO FAÍSCA

Contribuições para a discussão sobre Poder Popular

Felipe Corrêa

criar um povo forte.indd 1 17/8/2010 15:03:21

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CRIAR UM POVO FORTE

Contribuições para a discussãosobre Poder Popular

Felipe Corrêa

2010(C) Copyleft

Faísca Publicações Libertárias

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Projeto de capa e diagramação:Felipe Corrêa

(C) Copyleft - É livre, e inclusive incentivada, areprodução deste livro, para fins estritamente não

comerciais, desde que a fonte seja citadae esta nota incluída.

Faísca Publicações Libertáriaswww.editorafaisca.net

Rua Espártaco 456 * V. Romana * 05045-000 * SP/[email protected]

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SUMÁRIO

CRIAR UM POVO FORTE05

A Estratégia de Transformação Social...05

A Questão da Política...09

Poder Popular na América Latina...11

O Conceito de Poder...17

O Poder Popular...25

Poder Popular e Estratégia...33

Finalizando e Levantando o Debate...41

Notas...45

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Felipe Corrêa

CRIAR UM POVO FORTE

Contribuições para a discussão sobre

Poder Popular

“Um povo forte não precisa de líderes.”Emiliano Zapata

A Estratégia de Transformação Social

Para iniciar uma discussão sobre o poder popular,é relevante retomar a concepção que temos de estra-tégia de transformação social, já que é nossa práticapolítica, como anarquistas, que poderá apontar para

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esta transformação. Diz o programa da FARJ, em rela-ção a esta estratégia de transformação social:

“Conceber nossa estratégia de transfor-mação social é o que estamos tentando realizarneste texto. Primeiramente, refletindo sobre aprimeira questão, e mapeando o capitalismo eo Estado, que dão corpo à sociedade de domi-nação e exploração, depois, refletindo sobre asegunda questão, tratando de conceber nossosobjetivos finalistas de revolução social e socia-lismo libertário. Finalmente, refletindo sobrea terceira questão e propondo uma transforma-ção social que se dê a partir dos movimentossociais, constituídos em organização popular,em interação permanente com a organizaçãoespecífica anarquista. Tudo isso, considerandoprioritariamente os interesses das classes explo-radas. Assim, por trás da concepção de todoeste material teórico, está um raciocínio es-tratégico.”1

Portanto a estratégia que concebemos baseia-se nosmovimentos populares (movimentos de massas), emsua organização, acúmulo de força, aplicação de vio-lência visando chegar à revolução e ao socialismo liber-

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tário. Processo que se dá conjuntamente com a orga-nização específica anarquista que, funcionando comofermento/motor, atua conjuntamente com o nível demassas e proporciona as condições de transformação.Estes dois níveis (dos movimentos populares e da or-ganização anarquista) poderiam ainda ser comple-mentados por um terceiro, o da tendência, que agregaum setor afim dos movimentos populares. Poderíamosentão dizer que o caminho para a construção destatransformação social possui relação com a nossa conce-pção de círculos concêntricos.

“O conceito fundamental da organizaçãopolítica libertária são os círculos concêntricos.Este conceito é simples e implica separar as for-mas de atuação e os níveis de compromisso. Opolítico-específico corresponde ao ideológicoe é para os militantes politicamente organizados[a organização específica anarquista]. Como es-ta organização não é de massas, portanto nãotem filiação aberta. Compreende-se que o nívelpolítico-social e social devem ser massivas eabertas a todos os militantes populares. O polí-tico-social é para um setor afim, que compar-tilhe um estilo de trabalho, mas não necessaria-mente adepto no sentido ideológico-doutriná-

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rio [a tendência]. Já o social propriamente ditoé para o conjunto das classes oprimidas, para anoção generalizável de povo como um todo.Corresponde às instâncias gerais da luta de clas-ses e popular, proporcionando a organizaçãodo tecido social-produtivo, que é o pilar e oterreno do projeto de Poder Popular [os movi-mentos populares].”2

Assim, uma discussão sobre o poder popular develevar em conta algumas premissas. Primeiramente,que o capitalismo é uma sociedade de classes e que,portanto, a luta de classes é um aspecto central. Emsegundo lugar, que as mobilizações das classes explo-radas, as lutas populares de massas, são imprescindí-veis e que, baseando-se no conjunto de necessidade,vontade e organização, expõem as contradições destesistema de classes. Finalmente, a discussão de poderpopular deve implicar uma crença de que a transfor-mação deve basear-se no protagonismo destes movi-mentos, ou seja, no protagonismo do povo organi-zado, o que diferencia esta estratégia de outras queconcebem a transformação feita pelo partido de van-guarda, ou pela ação de minorias descoladas da base(como no caso do insurreicionalismo anarquista – pro-paganda pelo fato – ou do foquismo, por exemplo).

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A Questão da Política

A política tem de ser compreendida para além doEstado. Ainda que diversos setores tenham relacio-nado estritamente a política com o Estado, entende-mos que, diferentemente, ela se trata de algo além,dando conta das relações de força na sociedade – oque a liga completamente à questão do poder – e tam-bém da gestão dos assuntos sociais – o que envolve aquestão das decisões, e, portanto, da política. Nestecaso, as relações políticas da sociedade envolveriamas diversas forças em jogo e, para uma análise da socie-dade contemporânea, não há como não entender oprincipal jogo de forças a luta de classes, em que umconjunto de classes exploradas (trabalhadores urbanos,rurais, camponeses, setores precarizados etc.) está empermanente conflito com uma classe dominante (pro-prietários urbanos e rurais, gestores etc.), que tem noEstado um de seus aliados.

Retomando nossa estratégia em relação a este con-flito, temos por objetivo aumentar a força social dasclasses exploradas e organizá-las para que sua forçaseja aplicada no conflito, ou seja, criar poder popular.

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Ao contrário do que reforçam setores autoritários,para nós, os movimentos de massa não possuem so-mente a capacidade da luta econômica de curto prazo;entendemos que é possível, na organização econômicaem torno das necessidades, desenvolver uma luta quecontenha elementos políticos e capacitar estes movi-mentos para serem os protagonistas da construção deuma nova sociedade.

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Poder Popular na América Latina

Pelas informações que conseguimos levantar,parece-nos que o conceito de poder popular é relativa-mente novo, ainda que se possa identificar seu conteú-do nos clássicos como Proudhon ou Bakunin, a partirdesta análise das forças sociais em conflito.

Na América Latina, conseguimos identificar duasfontes principais na utilização deste termo que o utili-zam desde os anos 1960. Primeiramente pela Fede-ração Anarquista Uruguaia (FAU) que reivindicava sernecessário criar um povo forte desde os anos 1960 eque, em 1970 afirmava em “A Organização Política éo Decisivo”:

“O problema do poder, decisivo em umatransformação social profunda, só pode serresolvido a nível político, através da luta polí-tica. E esta requer uma forma específica de or-ganização: a organização política revolucio-nária. Só através de sua ação, enraizada nasmassas, é possível se conseguir a destruição do

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aparato estatal burguês e sua substituição pormecanismos de poder popular. Certamente, asformas de poder, o Estado, localizam-se em umnível preciso da atual estrutura social. Emboratenham, obviamente, relações de interdepen-dência com os níveis restantes da realidade so-cial (econômico, ideológico, jurídico, militar,etc.) não podem ser reduzidos, simplesmentea eles. Em termos concretos, isto significa quea atividade política não pode ser reduzida à lutaeconômica, à prática sindical [...].”3

O Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR)chileno enfatizava, nos anos 1970:

“Concebemos o poder popular como umpoder independente do governo atual [...], co-mo um poder autônomo que unifica o conjun-to dos setores sociais (operários, estudantes,camponeses, empregados, pequenos comerci-antes) de uma determinada comuna, tomandoesta como a organização celular de toda cidadeou região. [...] A tarefa da classe operária é des-truir o Estado capitalista e para isto deve desen-volver o poder popular, que progressivamentedeverá enfrentar o poder dos patrões. [...] O

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poder popular não se cria por vontade de nin-guém. Nasce e se fortalece ao calor da luta. [...][Deve-se levar em conta o] problema de acu-mular forças. Um período pré-revolucionárioimplica uma forma particular de somar forças,através da unidade de todas as camadas do po-vo [...] em organismos de poder popular. Estesirão forjando uma aliança de classe maciça aolargo dos enfrentamentos sociais, e daí mo-dificando a situação para uma situação revolu-cionária que permita para a classe operária to-mar o poder.”4

No entanto, nesta época, da mesma forma que ho-je, os setores que reivindicavam o poder popular que-riam dizer, por este termo, coisas distintas. Vejamos:

“Acreditamos que a idéia do Poder Popular,tão em voga nos anos 60 e em começo dos 70,é fiel reflexo da persistência de uma tradiçãolibertária subterrânea no seio da esquerda. Noentanto, deve-se recordar que o termo ‘PoderPopular’ recebia distintas interpretações: en-quanto para os partidários mais conservadoresda Unidade Popular, Poder Popular queria di-zer unicamente bases de apoio do governo, pois

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não concebiam um processo por fora do go-verno, nem contra o Estado (talvez por não co-nhecessem um movimento que tivesse ido pa-ra além das meras reformas), para setores ope-rários e populares de base, e para a cultura mi-rista, Poder Popular queria dizer a organizaçãodireta do povo, em oposição ao Estado e o Po-der Burguês. Qual era o sentido que se dava,se era tático ou estratégico, também é outradiscussão. Muitos setores que assim compreen-diam o Poder Popular, atribuíam a ele um pa-pel único na luta contra o Estado, mas acre-ditavam que este deveria assumir posição su-bordinada quando o partido de vanguarda con-quistasse o poder. Mas para setores de base domirismo, e ligados a experiências de construçãopopular nos Comandos Comunais e nos Cor-dões Industriais, estes deviam ser as própriasbases da futura sociedade.”5

Nota-se, desta maneira que, desde o início, poderpopular era um conceito em disputa, assim como so-cialismo ou mesmo anarquismo. Para a FAU, o poderpopular deveria ser construído no seio dos movi-mentos populares, estimulado pela organização polí-tica anarquista. Outro elemento importante que apa-

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rece, e que será muito enfatizado pela FAU anos de-pois, é a contestação do esquema de infra e super-es-trutura, negando que a transformação econômica re-solva todo o problema do poder presente em outrasinstâncias. Para o MIR, o poder popular constrói-sena luta das classes exploradas, independente do go-verno, com objetivo de acumular força para derrubarEstado e capital, dando o todo poder ao povo. Identi-ficamos em ambas as posições a idéia, também pre-sente no sindicalismo revolucionário, de que é no seioda sociedade presente, em meio às lutas, que se forjao embrião da sociedade futura.

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O Conceito de Poder

Muitos anarquistas no passado motivaram-se emafirmar que os anarquistas seriam contra o poder, rela-cionando muitas vezes poder ao Estado ou à domi-nação. No entanto, para diversos anarquistas da nossacorrente, que realizaram elaborações teóricas à luz deautores que trataram deste tema posteriormente, opoder dominaçnarquistas motivaram-se em afirmarque os anarquistas seriam contra o poder, relacionandomuitas vezes poder ao Estado está ligado à questãodas forças sociais em jogo e pode ser bom ou ruim,dependendo de como se julga. Vejamos novamenteduas boas definições que aproximam o que se poderiaentender por poder. Em um documento conjunto so-bre o tema, a Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e aFAU afirmam:

“Está claro que isto nos leva ao tratamentode outro conceito: o de poder. Ferramenta im-prescindível. Os estudos que parecem mais ri-gorosos nos indicam algumas questões funda-

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mentais, a saber: que o poder circula por todoo corpo social, pelas diferentes esferas estrutu-radas. Vale dizer por todas as relações sociais.Teríamos assim poder no econômico, jurídico-político-militar, ideológico-cultural. Teríamospoder em todos os níveis da sociedade. Nas es-calas menores o poder adquire importânciatambém a luz da formação de embriões de no-va civilização, no tramado de diferentes formasde auto-organização ou autogestão.”6

Fábio López, no livro Poder e Domínio: uma visãoanarquista, que discutiu, a meu ver, de maneira muitoacertada a questão, conceitua poder da seguinte forma:

“Uma força social tem determinada capaci-

dade de realização. Capacidade de realização po-de ser entendida, como a possibilidade de pro-duzir de determinada força social, quando colo-cada em ação pelo agente que a detém. [...]Quando um agente tem a capacidade de reali-zar ou produzir determinado efeito, se diz queele tem poder. Não é nada disto, o agente podeter a capacidade de realizar até uma relação depoder, contudo, nem tudo que o agente realiza

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é poder. [...] Nosso trabalho se restringe ao po-der como relação social. Então só entendemospor poder aquilo que atinge os agentes sociais.O poder, também, não pode ser entendido ape-nas como sinônimo de repressão: o poder cons-trói, o poder cria, o poder articula e estruturatoda a sociedade. Sempre em favor de quem odetém. Contudo, isto não é necessariamenteantipopular. [...] Poder não pode ser mero sinô-nimo de força social, pois para ter poder énecessário fazer uso de sua força e ela ter efeito– ou ao menos poder fazer uso desta força(quando lhe convier) e isto ser o suficiente paraconseguir o efeito. [...] Poder é a imposição davontade de um agente através da força socialque consegue mobilizar para sobrepujar a forçamobilizada por aqueles que se opõem.”7

Vejamos então os elementos que nos trazem FAU,FAG e Fábio López. Primeiramente, uma informaçãorelevante, de que poder circula por todas as relaçõessociais sejam elas entre classes, entre grupos ou mesmoentre duas pessoas que possuem alguma relação. Des-ta maneira, o caso não é de acabar com o poder, vistoque o poder está ligado ao conflito e os conflitos são

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infinitos, portanto, o poder pode modificar-se, masnunca deixar de existir. Assim, podemos entender quenão há vácuo político e se uma das partes envolvidasem um conflito não tem poder, podemos afirmar quea outra tem.

Portanto, ao tratarmos da luta de classes, o casonão é discutir como acabar com as relações de poder,mas como conceber um modelo libertário e em acordocom aquilo que pregamos tanto para a característicadas lutas, ou para o estilo militante, como para a socie-dade que desejamos construir.

Outra questão de relevância: uma coisa é capa-cidade de realização, quando alguém pode vir a pro-duzir uma força social, outra coisa é quando há umaforça social implicada no conflito e outra, ainda, quan-do esta força social supera as outras forças em jogo, oque constitui o poder. Tomemos estes conceitos apli-cando-os rapidamente em nossa sociedade: as classessociais, ou mesmo todos os indivíduos, possuem capa-cidade de realização. Tomemos o exemplo das classesexploradas: elas possuem esta capacidade, ou seja, umaforça elementar e potencial, mas precisam ser colo-cadas em prática para constituir uma força social real,como enfatizou Bakunin:

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“É verdade que há [no povo] uma grandeforça elementar, uma força sem dúvida nenhu-ma superior à do governo, e à das classes diri-gentes tomadas em conjunto; mas sem organi-zação uma força elementar não é uma forçareal. É nesta incontestável vantagem da forçaorganizada sobre a força elementar do povoque se baseia a força do Estado. Por isso, o pro-blema não é saber se eles [o povo] se podemsublevar, mas se são capazes de construir umaorganização que lhes dê os meios de chegar aum fim vitorioso – não por uma vitória fortuita,mas por um triunfo prolongado e derradeiro.”8

Quando, como coloca Bakunin, o povo organiza-se, colocando sua força no conflito de classes, e constróiuma organização capaz de gerar os meios para garantiros desejados fins – ou seja, a revolução social e o soci-alismo libertário – ele sobrepõe as forças da classe do-minante. Utilizando os conceitos de FAU, FAG e FábioLópez, poderíamos dizer que, no momento que o povoconsegue aplicar sua força social no conflito e vencera revolução, ele consolida, de fato, um poder que, porser realizado pelas classes exploradas, poderia ser cha-mado de poder popular.

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Mas se os anarquistas não são contra o poder, con-tra o quê então eles lutam? Aqui cabe outro conceitoimportante, que se diferencia do de poder, que é o dedomínio.

“Domínio (ou dominação) é dispor da forçasocial de outrem (do dominado), e, conse-qüentemente, de seu tempo, para realizar seusobjetivos (do dominador) – que não são os ob-jetivos do agente subjugado. [...] O domínionão pode ser o mesmo que poder. [...] No do-mínio encontramos exatamente os mesmos ele-mentos, mas a diferença entre ambos é que,na relação de poder, o objeto controlado pelopoderoso é distinto do subjugado. Já na relaçãode domínio, o objeto controlado é a própriaforça social do subjugado. Na relação de domí-nio, a força social do subjugado não é mais co-mandada pelo próprio, mas por seu domi-nador. [...] Para considerarmos que o agenteestá dominado, este agente terá de usar sua for-ça social para a realização dos objetivos do do-minador.”9

No caso do domínio, a diferença é que a força so-cial daqueles que foram subjugados no conflito, é usa-

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da em favor daquele que domina, sendo os objetivosdos dominados diferentes dos objetivos do dominador,ainda que esta dominação possa ser ou não consentida.Aplicando o conceito no conflito de classes do capi-talismo, podemos afirmar que a sociedade capitalistaé uma sociedade em que existe domínio pois o pro-prietário, por exemplo, por meio da propriedade pri-vada dos meios de produção, domina os traba-lhadores, obrigando-os a vender sua força de trabalho,que é utilizada para os objetivos do proprietário – aobtenção de lucro, dentre outras maneiras, pela obten-ção da mais-valia. O domínio nunca é popular e nãopode ser defendido por aqueles que querem construiruma sociedade de liberdade e igualdade, portanto, po-demos afirmar que não é contra o poder que lutamos anarquistas, mas contra o domínio.

Muitos anarquistas defendem que construir poder– o que é caracterizado pela mobilização dos setoresde base de baixo para cima – e portanto um poderpopular – é, na realidade, o caminho da trans-formação. Vejamos mais detalhadamente do conceitode poder popular.

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O Poder Popular

Aqui estão algumas definições de poder popularpara continuar as discussões. Gilmar Mauro, militantedo MST, tem uma forma interessante de definir o po-der popular, como sendo este um novo poder:

“O Poder Popular, portanto, brota e se rea-liza com e pelo povo (enquanto classe social)num projeto de construção do socialismo. É acapacidade de pensar, propor e fazer o seu pró-prio destino e os destinos da comunidade, daregião e de um País, respeitando-se as diferen-ças culturais e as individualidades. Individua-lidade aqui, não no sentido do individualismoburguês, mas das capacidades físico-psíquicase da subjetividade dos indivíduos, já que todoprocesso de construção do Poder Popular, ne-cessariamente terá que ser coletivo.

Criar o novo poder, ou seja, criar o poderpopular, significa criar novas formas de relaçõeshumanas, novas relações societárias, novas re-

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lações políticas. Estas não podem começar ape-nas a partir da ‘tomada’ do aparelho de Estado,mas devem realizar-se no processo, na cami-nhada. [...] Se queremos liberdade, o nosso fa-zer tem que ser libertário.

Criar o Poder Popular significa construirnovas relações cotidianamente nos processosde lutas, nas escolas, nas famílias, nas relaçõesentre militantes, nas estruturas organizativas.Em todos os espaços devemos ir forjando eexercitando os valores e a cultura do poder po-pular. Os sujeitos não se realizam por uma con-cessão que lhes é dada. Mas por sua luta, poisatravés dela é que se conquista o direito e seadquire consciência do mesmo. A consciênciado Poder Popular não será imposta de fora enem de cima para baixo, mas de um processoque se dará a partir da ‘práxis’ inovadora, lutas/reflexão, prática/consciência, erros/acertos.

Na atualidade e, para não cair no idealismo,o Poder Popular, enquanto forma, deverá sero de uma ‘democracia popular’, uma vez queainda, experimentamos e aprendemos emmeio às desigualdades. Se existem desi-gualdades deve haver democracia, respeitan-do-se as opiniões e os direitos das minorias (po-

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liticamente), e que, ao mesmo tempo, se façaum permanente exercício de construção de he-gemonia da classe trabalhadora, o mais hori-zontal possível. Todavia, não pode ser a demo-cracia burguesa, balizada na falsa noção deigualdade, em que as possibilidades se dife-renciam pelas posses de cada um. Deverá serum exercício da democracia solidária, de parti-cipação direta e de construção da consciênciade classe.”10

Fábio López também traz uma contribuição:

“No ‘modelo de poder popular’ não existedomínio. O chamamos assim, pois esta é a ú-nica forma de haver uma organização com po-der, onde seus componentes não sejam merosinstrumentos alienados da vontade de ter-ceiros. Ou seja, o membro de uma organizaçãoautogestionária compõe o poder daquela orga-nização voluntariamente: suas sugestões, von-tades e força são elementos relevantes. [...]

A justificativa de chamarmos esta forma depoder como popular, consiste no fato de estaser a única forma de organização onde seuscomponentes não são meros instrumentos alie-

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nados submetidos à vontade de terceiros. Istosignifica que, para existir de fato um poder po-pular, as vontades e sugestões dos que com-põem voluntariamente aquela força social têmde ser elementos relevantes no planejamentoe na tomada de decisão da organização. Quan-do o denominamos ‘poder popular’, estávamosquerendo realçar que esta é a única forma de opovo se organizar e ter poder sem cair nas mãosde um comandante, dominador, chefe, dono,déspota, príncipe, tirano, seja lá o nome quereceba, aquele que impõe sua vontade a todosna organização.”11

Juan C. Mechoso, da FAU, contribui também:

“O poder popular exercido pelos trabalha-dores e pelo povo com organismos por elescontrolados, amplamente democráticos e parti-cipativos, serão os que assumirão tal controle,apropriando-se das funções tutelares, exercidasa partir da esfera estatal. Por isso uma estratégiade poder popular deve ter como premissa es-sencial a construção destes organismos e esta áuma tarefa política chave que desde já deveriater um papel primordial na determinação do

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futuro revolucionário: se ele será socialista e li-bertário ou não. Por isso que a derrota do sis-tema capitalista e autoritário, da criação de umautêntico poder popular, está ocorrendo todosos dias, em relação a como se orienta e concre-tiza o trabalho político e social permanente.”12

Destas definições, podemos tentar amarrar algu-mas coisas. Primeiro, insistimos que resolver o proble-ma do poder, em termos de relações sociais, não sig-nifica ser amigo do patrão. Estamos falando de umasociedade de classes e de um processo que se dá naluta de classes e por isso, deve ter sempre perspectivaclassista. Desta forma, como enfatizamos, um projetode poder popular é aquele que busca aumentar perma-nentemente a força social do conjunto de oprimidose, pedagogicamente, fazendo-o aplicar no conflito estaforça lutando por conquistas de curto prazo e tendoum horizonte revolucionário e socialista. No momen-to em que os oprimidos conseguem sobrepor sua for-ça à da classe dominante eles consolidam sua hege-monia e o poder popular de fato, já que entendemosque este poder só se realiza completamente em umanova sociedade de igualdade e liberdade, ou seja, umasociedade em que o domínio não exista e as associ-ações e organizações sejam voluntárias, não-alienadas

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e que não haja mais exploração e dominação; uma so-ciedade em que haja liberdade individual, mas queesta se dê dentro da liberdade coletiva.

Isso implica necessariamente uma discussão demeios e fins, que também está presente na discussãode poder popular. Ou seja, se queremos construir umasociedade em que a liberdade e a igualdade sejam seuspilares, teremos que escolher um caminho que con-duza a este fim. E os anarquistas foram sempre muitofelizes em reivindicar esta coerência entre meios e fins,defendendo que a estrada que pegarmos, determinaráo lugar aonde chegaremos. Não adianta pegar umaestrada para o sul se queremos chegar ao norte. Assim,criar o poder popular, ou seja, criar um povo forte,que seja protagonista tanto de suas lutas como da so-ciedade futura, exige que o próprio povo tome seudestino em suas próprias mãos. Portanto, pensar empoder popular significa pensar em um modelo de orga-nização popular, um estilo militante para as lutas quedeterminarão os objetivos finalistas. A forma destaslutas devem constituir o novo mundo dentro deste,e, no seio destas lutas, deve-se buscar retomar umacultura própria das classes exploradas e um reforçode novas relações sociais, que vão contribuir para aconstrução do poder popular. Mas falar de como de-

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vem constituir-se as lutas, implica que discutamos umpouco mais a estratégia.

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Poder Popular e Estratégia

Deve-se pensar o poder popular em dois momen-tos distintos. Um, enquanto ele está sendo construído,nas lutas presentes e outro, quando está consolidando-se, no momento pós-revolucionário.

Pensar o poder popular no presente, implica pen-sar nas lutas dos movimentos populares. Portanto,construir poder popular hoje só pode significar duascoisas: criar movimentos populares ou integrar movi-mentos populares já existentes. Neste processo, é umadiscussão tática e não estratégica se se deve fazer umacoisa ou outra. Em situações em que for possível atuarem movimentos já existentes, esta é a melhor alter-nativa, mas em casos de impossibilidade (pelo modelode funcionamento do movimento, etc.) ou em casosde não haver movimentos, pode-se optar pela sua cria-ção. Lembrando que em nossa concepção os movi-mentos devem ser sempre construídos em cima dasnecessidades (emprego, terra, trabalho, teto, luta con-tra a violência, etc.) e lutar pelas conquistas de curtoprazo (reformas) que é o que mobiliza. A maneira de

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como se conquistarão estas reformas e de como serádesenvolvida a luta determinará se o poder popularestará ou não sendo criado e apontando para uma novasociedade assim como a concebemos. Vejamos quaissão as características dos movimentos sociais que osfarão apontar para um projeto de poder popular, deacordo com a FARJ:

“Eles são os mais fortes possível, com omaior número de pessoas e boa organização,estando voltados para a luta que elegeram co-mo prioritária. [...] Os movimentos sociais nãodevem caber e encerrar-se dentro de uma ideo-logia, seja ela qual for. [...] Da mesma formapensamos ser a questão da religião. [...] Outracaracterística importante aos movimentos so-ciais é a autonomia, que se dá fundamen-talmente na relação com o Estado, os partidospolíticos, os sindicatos burocratizados, a Igreja,entre outros. [...] Sua combatividade. Ao reivin-dicarmos que devem ser combativos, que-remos dizer que os movimentos sociais devemestabelecer suas conquistas impondo sua forçasocial e não depender de favores ou boas açõesde quaisquer setores da sociedade, incluindoo Estado. [...] A ação direta, como forma de ação

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política que se opõe à democracia represen-tativa. Os movimentos sociais não devem terpor objetivo a confiança em políticos que atu-am dentro do Estado, para que representemseus interesses. [...] Eles estão sempre organi-zados fora do Estado, defendendo a devoluçãodo poder político ao povo. [...] Democracia di-reta como método de tomada de decisões. Ademocracia direta acontece nos movimentossociais quando todos os que neles estão envol-vidos participam efetivamente do processo detomada de decisões. [...] As decisões são to-madas de maneira igualitária (todos possuema mesma voz e o mesmo poder de voto) emassembléias horizontais, onde os assuntos sãodiscutidos e deliberados. [...] Neste modelo demovimento social, há uma importância para aconduta militante com ética e responsa-bilidade. [...] Os movimentos sociais consti-tuem um espaço privilegiado para o desenvol-vimento de cultura e educação popular. [...] To-dos que estão mobilizados desenvolvem seuaprendizado e as novas formas, manifestações,linguagens, experiências e vivências traduzemo espírito da luta. [...] As conquistas de curtoprazo, chamadas reformas, quando conquis-

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tadas pelos movimentos sociais, servirão comomaneiras de diminuir o sofrimento daquelesque lutam e ao mesmo tempo os ensinarão aslições da organização e da luta. [...] A pers-pectiva revolucionária de longo prazo. Nestecaso, a idéia é que os movimentos sociais, alémde terem suas bandeiras específicas (terra, mo-radia, trabalho etc.) possam ter como objetivosa revolução e a construção de uma nova socie-dade. Entendemos que as lutas de curto e mé-dio prazo são complementares com esta pers-pectiva de longo prazo e não excludentes.”13

Portanto, estas características dos movimentos,estimuladas por um determinado estilo de trabalhoque envolve um processo e um comportamento mi-litante, apontam para a criação de poder popular. Ouseja, têm como objetivo, no seio da luta de classes,criar um povo forte capaz de protagonizar a trans-formação social.

Havendo uma revolução social o poder popularque viria sendo construído durante a luta terá de fun-cionar como um “período de transição”, da forma quedefendeu o Dielo Truda na “Plataforma”, garantindoa destruição do Estado e sua substituição pela parti-

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cipação popular generalizada, ou seja, pela autogestãoe o federalismo em sentido pleno. É nesta perspectivaque o coletivo Luta Libertária trata do tema:

“O Poder Popular é também socialista, jáque todos terão a possibilidade de participarde todos os processos de decisão e de pla-nejamento da sociedade através do mecanismofederativo, que permite a participação de todose possui uma instância globalizante das de-cisões em que isso seja necessário. Ou seja, opoder será efetivamente socializado. [...] Noque tange ao funcionamento do Poder PopularSocialista, os mecanismos são exatamente osmesmos que projetamos para o federalismo po-lítico na etapa comunista-anarquista: parti-cipação de todos, decisões coletivas, revoga-bilidade de funções; igualdade no acesso ainformações e poder de decisão, etc. Quanto àestrutura de organização o mesmo se dá: con-selhos com tarefas deliberativas e federaçõesde ramo com tarefas executivas.”14

Portanto, é neste sentido que o poder popular queveio sendo construído ao longo das lutas seja o mesmo

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que proporcione o desenvolvimento e o caminhar dasociedade futura, rumo à consolidação do socialismolibertário.

Nesta discussão de estratégia, surge uma série deoutras questões que neste artigo não teremos con-dições de desenvolver, mas que merecem reflexão fu-tura. São temas que caminham junto com a discussãode poder popular, que realmente é muito extensa. Po-deríamos citar: a questão do sujeito revolucionário,sendo que na concepção de poder popular dos anar-quistas, não se dá preferência a uma ou outra classeou setor da classe, como os socialistas que priorizamo operariado urbano e industrial; o esquema de infrae superestrutura, já que para os anarquistas, apesarde o âmbito econômico ser absolutamente central, elenão é responsável por determinar todos os outros âm-bitos da sociedade e, portanto, um projeto de poderpopular deve levar em conta, além do âmbito econô-mico os âmbitos jurídico-político-militar e ideológico-cultural; a relação entre organização política e movi-mentos populares, já que, se sustentamos uma organi-zação anarquista para funcionar como fermento/mo-tor, devemos saber acertadamente como deverá se darseu trabalho para proporcionar protagonismo aos mo-vimentos e não a si mesma; a função da organizaçãoanarquista entre a criação e organização das lutas ou

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simplesmente fazer propaganda; as diferenças deteoria e de ideologia, apontando para uma reflexão deque, para nós, a ideologia está no campo das aspiraçõese dos desejos, muito mais do que no campo da ciênciae que, por isso, há uma necessidade de se elaborar lei-turas com uma lente conceitual que, baseada na teoriae na ciência, e não na ideologia, nos permita ver ascoisas com clareza; o papel das lutas antiimperialistas,anticolonialistas, contra a opressão de gênero e raçana construção do poder popular; finalmente, as alian-ças táticas e estratégicas e a necessidade de coerênciadas táticas com a estratégia. Muito mais poderia serdito sobre estas ou outras questões.

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Finalizando e Levantando o Debate

Uma questão a ser tratada, neste caso, é como estáa disputa deste conceito de poder popular por aquelesque o utilizam. Não há dúvidas de que a nossa correntedesenvolveu discussões e raciocínios bastante produ-tivos sobre o tema. No entanto, infelizmente, se ampli-armos um pouco a busca desta discussão veremos quehoje, poder popular, como conceito – assim como so-cialismo, democracia, liberdade, etc. – já não dizmuito por si só. Outras muitas correntes, fora do cam-po do anarquismo, mas ainda no campo da esquerda,vêm reivindicando o poder popular como projetos aserem construídos dentro do âmbito governamental,nas relações com o Estado e com a burocracia; outraso reivindicam como um projeto popular que, no mo-mento oportuno, deve dar lugar à vanguarda e fazemisso por meio de estruturas hierárquicas.

Por este motivo, quando estamos no trabalho so-cial, em meio aos movimentos populares, falar quedefendemos o poder popular já não significa muito.Precisamos sempre dar uma explicação e cons-

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tantemente disputar um conceito que, ainda que ou-tros o defendam, muitas vezes nesta explicação eviden-ciam-se diferenças inconciliáveis. Ao mesmo tempoisso pode ser um ponto positivo; tendo afinidades como termo, haveria possibilidade de ir dando a ele o sen-tido que pretendemos.

Hoje, no Brasil, a FARJ, apesar de utilizar a mesmalógica conceitual explicitada neste debate, até omomento, prefere não utilizar o termo poder popular,para diferenciar-se destes outros setores. Entendeu, apriori, que não é um conceito que vale a pena ser dis-putado, mas somente isso. No entanto, outras organi-zações especifistas, além de utilizarem o conceito e otermo poder popular, colocam-no no centro de suaestratégia de transformação e de propaganda. Parece-me importante, neste momento, escutar argumentosde ambos os lados sobre a disputa ou não deste con-ceito, com os respectivos motivos. Isso será fundamen-tal para o futuro. Devemos estar abertos para as argu-mentações pesando e avaliando com critério, os próse contras desta reivindicação.

É necessário, finalmente, debater e discutir maissobre as questões de fundo, que tentei, por cima, exporneste artigo. Certamente, um anarquismo especifistaem nível nacional precisará aprimorar-se neste tema,que eu também julgo de extrema relevância. Por isso

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convido aos companheiros desta ou de outras cor-rentes, anarquistas ou de outros setores da esquerda,a iniciarmos um debate sobre os temas aqui apre-sentados.

Concluindo, retomemos a frase do revolucionárioEmiliano Zapata, utilizada como epígrafe deste texto,quando enfatizava que “um povo forte não precisade líderes”. Nisso estamos de pleno acordo. Para umprojeto de poder popular, nos termos que tentamosdesenvolver neste artigo, chame-se ele como chamar,parece imprescindível criar um povo forte. Só assimele poderá protagonizar a desejada transformaçãosocial.

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Notas:

1. FARJ. Anarquismo Social e Organização. São Paulo/Rio de Ja-neiro: Faísca/FARJ, p. 198. Ler documento na íntegra emhttp://www.anarkismo.net/article/10861.

2. Bruno Lima Rocha. “A Interdependência Estrutural dasTrês Esferas”, 2009 (tese de doutorado). O que está nos col-chetes foi adicionado por mim.

3. FAU. “La Organización Política es lo Decisivo”. In: JuanCarlos Mechoso. Acción Directa Anarquista: una historia de FAU.Montevideo: Recortes, s/d, p. 194. Há trechos deste docu-mento que foram compilados por mim no artigo “A Orga-nização Política Anarquista” (http://www.anarkismo.net/article/10387).

4. Victor Toro, dirigente do MIR, em uma entrevista publi-cada na revista Punto Final em 1973. Ver a entrevista na ín-tegra no final do artigo de José Antonio Gutierrez Danton“Os Libertários e as Lições do Golpe Militar no Chile” (http://www.anarkismo.net/article/10632).

5. José Antonio Gutierrez Danton. “Os Libertários e as Liçõesdo Golpe Militar no Chile”.

6. FAU/FAG. “Wellington Gallarza e Malvina Tavares: ma-terial de trabalho para formação teórica conjunta”.

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7. Fabio López López. Poder e Domínio: uma visão anarquista.Rio de Janeiro: Achiamé, 2001, pp. 61-62.

8. Mikhail Bakunin. “Necessidades da Organização”. In: Con-ceito de Liberdade. Porto: Rés Editorial, s/d, p. 136.

9. Fabio López López. Poder e Domínio, pp. 83-87.

10. Gilmar Mauro. “Construir o Poder Popular: o grandedesafio do novo século”.

11. Fabio López López. Poder e Domínio, pp. 105; 121.

12. Juan Carlos Mechoso. “A Estratégia do Especifismo: entre-vista a Felipe Corrêa”, 2009. Ainda inédita, mas será publi-cada em português e castelhano em breve.

13. FARJ. Anarquismo Social e Organização, pp. 111-122.

14. Luta Libertária. “Socialismo Libertário: um projeto emconstrução” (http://www.treinoonline.com.br/osl/documentos.asp).

* Este artigo coloca algumas das contribuições e discussõesde um seminário interno da FARJ em relação à questão dopoder popular, realizado em dezembro de 2009. Agradeçoaos companheiros Rafael Viana e Gabriel Amorin pelas re-flexões feitas em São Paulo e no Rio de Janeiro, e que contri-buíram com este trabalho.

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“Um projeto de poder popular é aquele que busca aumentar permanentemente a força social do conjunto de oprimidos e, pedagogicamente, o faz aplicar no confl ito esta força lutando por conquistas de curto prazo e tendo um horizonte revolucionário e socialista.”

Felipe Corrêa

BIBLIOTECA DE BOLSO FAÍSCA

Contribuições para a discussão sobre Poder Popular

Felipe Corrêa

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