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1 TÍTULO: CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA E A CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA UM INSTRUMENTO DE DEFESA Autores: Windyz Brazão Ferreira, Josiana Francisca da Silva, Olisangele Cristine Duarte de Assis, Martinho Guedes dos Santos Neto. Área Temática: Direitos Humanos Em 1997 o Comitê de Direitos da Criança (CDC) das Nações Unidas organizou um dia de trabalho sobre o tema ‘deficiência’, o qual contou com a representação de diversas organizações que atuam junto às crianças e jovens portadores de deficiência. Nesta ocasião, a Aliança Fundos para Salvar Crianças (Save the Children) apresentou um artigo sobre os direitos da criança portadora de deficiência ao desenvolvimento, à educação e à participação na sociedade. Ao final de 1998, constituiu-se o Grupo Tarefa em Deficiência e Discriminação com representantes de três ONGs internacionais comprometidas com os direitos das pessoas portadoras de deficiência, que tem como um dos objetivos centrais de sua ação encorajar outras organizações a se engajarem na luta contra a discriminação e a favor da inclusão das pessoas portadoras de deficiência na sociedade. Com base nessas diretrizes, o Grupo Tarefa iniciou a pesquisa Convenção dos Direitos da Criança: um instrumento de defesa em 1998 com o objetivo de documentar abusos e boas práticas com relação aos direitos das crianças portadoras de deficiência. Em 2001 a Ed-Todos, que é uma ONG brasileira cuja missão é apoiar a inclusão social e educacional de crianças e jovens de grupos sociais em desvantagem nos vários segmentos da sociedade (Ed-Todos 1998), iniciou a mesma pesquisa em João Pessoa (PB) com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento sobre as experiências exclusionárias vividas pelas crianças e jovens portadores de deficiência assim como para a identificação de experiências positivas que refletem os direitos estabelecidos pela CDC. Para tanto, a Ed-Todos adotou como base o documento 1 original elaborado pela Aliança. A Ed-Todos representa o The Enabling Education Network (EENET) no Brasil e procura estabelecer intercâmbio com paises da América Latina. O EENET é uma rede mundial de compartilhamento de informações que apóia e promove a inclusão de grupos sociais em desvantagem que experieciam exclusão nos sistemas educacionais.(Ed-Todos 2001). A pesquisa Crianças com Deficiência e a Convenção dos Direitos da Criança: um instrumento de defesa, é fruto do compromisso da Ed-Todos com a produção de conhecimentos baseados em evidências científicas e com a disseminação do mesmo no âmbito nacional e internacional, a fim de tornar visível a realidade da criança e jovem portador de deficiência na realidade brasileira e ‘provocar’ o estado, a comunidade, a família e todos aqueles que atuam junto a esse grupo social quanto a garantir os direitos estabelecidos pela CDC. Metodologia Esta pesquisa qualitativa estabeleceu objetivos interligados, mas que foram planejados para serem desenvolvidos em dois momentos distintos, conforme abaixo: 1 Nota. Este documento traduzido para o português pode ser encontrado no site do The Enabling Education Network – EENET: < http://www.eenet.org.uk > EENET, Educational Support and Inclusion, School of Education, University of Manchester, Oxford Road, Manchester M13 0PL, UK Fone: 00 44 161 275 3711/Fax: 00 44 161 275 35 48

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TÍTULO: CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA E A CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA UM INSTRUMENTO DE DEFESA

Autores: Windyz Brazão Ferreira, Josiana Francisca da Silva, Olisangele Cristine Duarte de Assis, Martinho Guedes dos Santos Neto. Área Temática: Direitos Humanos

Em 1997 o Comitê de Direitos da Criança (CDC) das Nações Unidas organizou um dia de trabalho sobre o tema ‘deficiência’, o qual contou com a representação de diversas organizações que atuam junto às crianças e jovens portadores de deficiência. Nesta ocasião, a Aliança Fundos para Salvar Crianças (Save the Children) apresentou um artigo sobre os direitos da criança portadora de deficiência ao desenvolvimento, à educação e à participação na sociedade. Ao final de 1998, constituiu-se o Grupo Tarefa em Deficiência e Discriminação com representantes de três ONGs internacionais comprometidas com os direitos das pessoas portadoras de deficiência, que tem como um dos objetivos centrais de sua ação encorajar outras organizações a se engajarem na luta contra a discriminação e a favor da inclusão das pessoas portadoras de deficiência na sociedade.

Com base nessas diretrizes, o Grupo Tarefa iniciou a pesquisa Convenção dos Direitos da Criança: um instrumento de defesa em 1998 com o objetivo de documentar abusos e boas práticas com relação aos direitos das crianças portadoras de deficiência.

Em 2001 a Ed-Todos, que é uma ONG brasileira cuja missão é apoiar a inclusão social e educacional de crianças e jovens de grupos sociais em desvantagem nos vários segmentos da sociedade (Ed-Todos 1998), iniciou a mesma pesquisa em João Pessoa (PB) com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento sobre as experiências exclusionárias vividas pelas crianças e jovens portadores de deficiência assim como para a identificação de experiências positivas que refletem os direitos estabelecidos pela CDC. Para tanto, a Ed-Todos adotou como base o documento1 original elaborado pela Aliança.

A Ed-Todos representa o The Enabling Education Network (EENET) no Brasil e procura estabelecer intercâmbio com paises da América Latina. O EENET é uma rede mundial de compartilhamento de informações que apóia e promove a inclusão de grupos sociais em desvantagem que experieciam exclusão nos sistemas educacionais.(Ed-Todos 2001).

A pesquisa Crianças com Deficiência e a Convenção dos Direitos da Criança: um instrumento de defesa, é fruto do compromisso da Ed-Todos com a produção de conhecimentos baseados em evidências científicas e com a disseminação do mesmo no âmbito nacional e internacional, a fim de tornar visível a realidade da criança e jovem portador de deficiência na realidade brasileira e ‘provocar’ o estado, a comunidade, a família e todos aqueles que atuam junto a esse grupo social quanto a garantir os direitos estabelecidos pela CDC. Metodologia

Esta pesquisa qualitativa estabeleceu objetivos interligados, mas que foram planejados para serem desenvolvidos em dois momentos distintos, conforme abaixo:

1 Nota. Este documento traduzido para o português pode ser encontrado no site do The Enabling Education Network – EENET: < http://www.eenet.org.uk > EENET, Educational Support and Inclusion, School of Education, University of Manchester, Oxford Road, Manchester M13 0PL, UK Fone: 00 44 161 275 3711/Fax: 00 44 161 275 35 48

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(1)condução de uma pesquisa de campo em João Pessoa que teve por objetivo identificar experiências vividas por crianças e jovens portadores de deficiência as quais refletem a violação e o respeito à Convenção dos Direitos da Criança; (2)baseado nos resultados da pesquisa, desencadear uma ação comunitária voltada para o processo de conscientização da população local (autoridades, escolas, etc) acerca desses direitos, assim como ações jurídicas e sociais, sempre que necessário, para garantir que a Convenção seja respeitada para toda e qualquer criança, INCLUINDO aquelas que são portadoras de necessidades especiais.

A primeira fase (2002) desse estudo adotou a entrevista semi-estruturada como

o principal instrumento de coleta de dados. As informações coletadas nas entrevistas foram analisadas de acordo com o seu conteúdo e desmembradas em pequenas estórias ilustrativas de experiências vividas por crianças e jovens portadores de deficiência no seu dia a dia. A análise do conteúdo de cada estória levou à identificação de 63 temas recorrentes. As estórias que ilustram o mesmo tema foram agrupadas e deram base à identificação das categorias a partir das quais as estórias são apresentadas.

A população entrevistada foi de 163 pessoas, incluindo crianças e jovens portadores de deficiência com idade entre 0 e 18 anos, (Art. 1 da CDC), pais (mãe e pai), professores e profissionais que atuam na área de educação especial. Das entrevistas realizadas foram colhidas 265 estórias (eventos isolados de violação ou respeito a CDC)

Relembramos que todos os nomes usados são fictícios para proteger a identidade das crianças e de suas famílias sobre as quais esse estudo se fundamentou.

A Convenção dos Direitos da Criança (ONU 1989)

A Convenção dos Direitos da Criança possui 54 Artigos, cujos textos garantem mecanismos legais que oferecem as bases para ações jurídicas contra órgãos administrativos, entidades civis e de cunho social, escolas e outros. O conteúdo dos artigos 2, 3, 6, 12 e 23, como veremos a seguir fornecem elementos legais para a elaboração de estratégias de inclusão e formas de garantir que todas as crianças, incluindo aquelas que são portadoras de deficiência, tenham acesso à escolarização e sucesso escolar (permanência).

Art. 2 - Os estados assegurarão a toda criança sob sua jurisdição os direitos previstos nesta convenção sem discriminação de qualquer tipo baseadas na condição, nas atividades opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares. Art. 3 - Todas as medidas relativas às crianças tomadas por instituições de bem estar social públicas ou privadas, tribunais e autoridades administrativas deverão considerar, primordialmente, os interesses superiores das crianças e se comprometerão em assegurar a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, particularmente no tocante à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seus profissionais, e à existência de supervisão adequada. Art. 6 - Todos os estados reconhecem que toda criança tem direito a vida e assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. Art. 12 - Aos estados cabe assegurar criança o direito de exprimir suas opiniões livremente, levando-se em conta sua idade e maturidade. Será dada a criança a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial e administrativo de lhe diga respeito em conformidade com as regras processuais do direito nacional.

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Art. 23 - Os estados reconhecem que toda criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente; reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais; estimularão e assegurarão a prestação de assistência adequada ao estado da criança, que será gratuita e visará assegurar a criança deficiente o acesso à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, a preparação para emprego e às oportunidades de lazer de forma que ela atinja uma completa integração social. Os estados promoverão ainda o intercâmbio e a divulgação de informações a respeito de métodos e técnicas de tratamento, educação e reabilitação para que se possa aprimorar os conhecimentos nestas áreas. Estórias de Violação da Convenção dos Direitos da Criança

As estórias que deram base a esse estudo revelam que as violações acontecem com uma freqüência significativamente maior que as ações de respeito à Convenção dos Direitos da Criança. A grande maioria das categorias encontradas representam estórias de violação e uma minoria representam práticas de respeito aos direitos da criança portadora de deficiência.

As estórias apresentadas a seguir ilustram experiências de violação sistemática da CDC sem que medidas legais tenham sido adotadas. Essas experiências ocorreram em todos os contextos da vida cotidiana humana – na família, na escola e na comunidade (transporte, lazer, trabalho), incluindo o contexto da assistência profissional especializada, a qual supostamente deveria ser qualificada para atuar nas áreas médicas e de reabilitação junto aos portadores de deficiência e sua família. Surpreendentemente, isso não acontece e, como conseqüência, o fato de existirem profissionais pobremente qualificados para atuarem junto a esse grupo social contribui para a perpetuação da violação dos direitos dessas crianças e jovens.

Dos grandes temas que emergiram nas entrevistas podemos destacar: (A) Estórias de abandono, negligência e culpa ao nascimento de um bebê com deficiência

‘Luciano tem Síndrome de Down. Quando ele nasceu a mãe o rejeitou e depois vivia batendo nele até que

os vizinhos ameaçaram de levar o caso para a curadoria do menor. A mãe decidiu então deixar o filho com a avó e raramente vai vê-lo.’

(Amiga da família, Luciano tem 10 anos) (B) Estórias de culpabilização da mãe de bebês que nascem com deficiência: a falta de apoio paterno ‘Depois do nascimento de Francisco, o nosso segundo filho, tudo mudou. Nós vivíamos

bem até então. Quando meu marido entendeu que nosso filho era diferente das outras crianças – não falava, não andava e pouco se mexia – ele desenvolveu uma rejeição ao menino. Decepcionado, colocou toda a culpa em mim, dizendo que o filho não era dele

e que não o assumiria. Depois de muitas brigas nos separamos.’ (Mãe, Francisco tem 8 anos)

(C) Estórias contadas pelos próprios portadores de deficiência

‘Eu consigo perceber como minha mãe olha diferente para mim, sempre fala com raiva e nada do que eu falo está bom para ela.

Tudo que eu posso fazer sozinha eu faço, porque minha mãe acha que eu dou muito trabalho pra ela’.

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(Sandra, 17 anos, portadora de deficiência física) (D) Estórias de Discriminação, Violência e Exclusão na Família

‘Eu brigo na escola com meus colegas e professores quando me aborreço. As pessoas me vêem como um menino ruim porque eu não obedeço.

Os meus pais me batem muito e muito forte quando eu faço coisa errada. A minha mãe, às vezes, me amarra com uma corda grande,

mas de um jeito que ela pode ficar me olhando. (Orlando tem 9 anos e dificuldade de aprendizagem- Quando Orlando falou da família

ele chorou)

(E) Estórias de Discriminação na Escola ‘Edson foi inserido com sucesso na escola particular que se mobilizou para recebê-lo.

Entretanto, o pai de um outro aluno recusou-se a aceitar a idéia de que o seu filho estudaria com um colega portador de deficiência.

Este pai mobilizou os outros pais e os convenceu a retirar os seus filhos da escola caso Edson permanecesse na mesma.

A turma de Edson foi fechada e ele foi obrigado a deixar a escola.’ (Profissional, Edson tem 7 anos e déficit auditivo e visual)

(F) Vozes de alunos portadores de deficiência sobre as experiências de discriminação na escola

‘Quando eu comecei a ir a escola, os colegas me olhavam como se eu tivesse uma doença contagiosa e alguns ainda

me chamavam de aleijada e nem queriam conversar comigo. Quase todos os dias eu chegava em casa chorando

(Karla tem 18 anos e deficiência física)

(G) Estórias de discriminação na vida cotidiana 'Um dia eu estava dentro do ônibus com minha mãe. E como eu não tenho braços nem

pernas uma mulher veio até mim para levantar a minha roupa. Eu fiquei com muita raiva e perguntei pra ela: O que é? Nunca viu? (Marta tem 7 anos)

'Uma vez eu fui ao supermercado e fui barrado na porta pelo guarda. Ele foi logo me

dizendo que ali não era lugar para eu pedir esmolas. Eu disse que tinha dinheiro e que fui lá para comprar, mas ele disse: - Eu não vou permitir a entrada de um deficiente mau vestido. Tenho certeza de que isso foi uma discriminação porque sou deficiente e pobre.

(Charles tem 14 anos e usa duas muletas) (H) Atitude e ação do profissional que atua junto ao portador de deficiência

Quando meu filho nasceu, os médicos me disseram que ele era diferente. No hospital, a enfermeira chefe disse para mim:

-Seu filho é doido, mongolóide e retardado. - Eu fiquei descontrolada. -Depois os médicos fizeram um exame e detectaram que ele tinha síndrome de

down.(Mãe, Leonardo tem 8 anos) Apresentaremos agora algumas experiências de respeito aos direitos da

criança e do adolescente que se traduzem em estórias de apoio no contexto familiar, estórias de inserção bem sucedida na escola tanto no âmbito acadêmico quanto social e de sucesso na inserção social (comunitária) apesar de todas as barreiras existentes.

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'Meu sobrinho foi deixado no hospital pela minha irmã porque ele nasceu com deformidade nos bracinhos e perninhas. Quando eu soube disso, conversei com meu

marido e fomos os dois buscar Felipe. Eu tenho duas filhas e moro num barraco de dois cômodos. A gente é pobre mas queria muito ter um filho homem, assim decidimos

adotar o menino. Felipe é um menino feliz e brinca com suas irmãs e colegas da vizinhança.'

(Tia – mãe adotiva, Felipe tem 6 anos e deficiência fisica)

'Em casa todos me apoiam e também brincam comigo. Eles me dão dinheiro e me levam para passear em todo lugar. Só que eu não posso sair de casa sozinha porque eu posso

desmaiar. Eu moro com minha irmã e meus vizinhos também gostam de mim. Todo mundo conversa comigo em casa e eu também estudo.

Estou numa escola especial.' (Sueli tem 17 anos e deficiência mental)

'Minha filha tem deficiencia auditiva. Eu tenho lutado muito para que ela estude.

Depois de ter ouvido muitos ‘NÃOs’, eu já estava cansada e desabafei com a diretora da escola que tinha ido.

Eu contei para a diretora a nossa luta para colocar minha filha numa escola. A diretora então, depois de me ouvir, decidiu matricular

minha filha na sala de alfabetização, já que não tinha experiência em lidar com deficiência, mas assim mesmo decidiu tentar.

No primeiro dia de aula Sueli utilizou gestos para dizer…explicar que não queria ficar na classe dos pequeninos.

A Diretora se viu em uma situação delicada, mas assim mesmo decidiu 'ouvir' a menina e colocar Sueli na sala de segunda série, com crianças de sua idade. Minha filha está muito contente com o grupo, mas a diretora disse que a escola está

perdida quanto a forma de avaliar minha filha.' (Mãe)

Alem dessas categorias os temas abaixo apresentados foram selecionados

como temas relevantes sobre a violação dos direitos da criança portadora de deficiência, embora não tenham sido temas recorrentes neste estudo. Estes incluem: ♦ Taxas extras cobradas pelas escolas privadas para matricularem alunos portadores

de deficiência; ♦ Procedimentos de exclusão de alunos portadores de dificuldades comportamentais

nas escolas especiais que foram criadas exatamente para recebê-los; ♦ Defasagem entre idade cronológica e a classe na qual alunos portadores de

deficiência são colocados quando matriculados em escola do sistema regular de ensino;

♦ Repressão da sexualidade do jovem portador de deficiência; ♦ Uso incorreto do beneficio assistencial ao qual a pessoa portadora de deficiência tem

direito. As estórias colhidas sobres estes temas demonstram o tratamento desigual

oferecido a essas crianças e jovem, os quais são justificados pela existência da deficiência, mas que são, em verdade, ações discriminatórias que ferem os seus direitos.

Conclusão e Resultados

Oportunidades iguais é o tema e a meta mundial do novo milênio. Essa diretriz internacional levou o Ministério da Justiça a lançar na televisão brasileira a Campanha

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em Defesa de Oportunidades Iguais, durante a qual o governo defende os direitos das pessoas portadoras de deficiência a oportunidades iguais em todas as esferas da vida regular. Sem dúvida esta é uma ação que revela compromisso político com os direitos da pessoa portadora de deficiência, mas não garante que os mesmos sejam de fato respeitados no dia a dia da vida na família, na escola e na sociedade, conforme as estórias aqui apresentadas tão bem ilustraram.

Embora a Convenção dos Direitos da Criança esteja refletida na legislação brasileira que diz respeito à criança e ao jovem e, embora a própria Constituição Brasileira estabeleça que ‘é dever do Estado garantir a todas as crianças e jovens o direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem - estar (Artigo 3), a realidade revela que as crianças portadoras de deficiência que são abandonadas por seus pais estão sendo ‘adotadas’ por familiares ou outros sem que isso seja feito pelas vias legais. Nas famílias de renda muito baixa, uma das conseqüências da ‘adoção’ não legalizada reflete nas possibilidades dos pais de obterem o benefício de um salário mínimo estabelecido no Capítulo II da Seguridade Social (Seção IV Da Assistência Social – Art. 203, V) da Constituição.

Os dados levantados através de entrevistas constatam a falta de qualificação do profissional para atuar junto à criança e ao jovem portador de deficiência e conduz ao questionamento sobre a qualidade da formação profissional na área de saúde (ciências médicas e para-médicas), psicologia, educação e serviço social no que diz respeito particularmente à preparação destes para atuarem de maneira ética e efetiva junto ao grupo social constituído pelos portadores de deficiência.

De forma similar, no âmbito da educação das crianças e jovens portadores de deficiência, a pesquisa revelou que: - as escolas e os professores(as) não estão preparados para receberem crianças

portadoras de deficiência em suas classes regulares, - as crianças e jovens que são aceitos nas escolas da rede pública de ensino tendem a

abandonarem as escolas pois as mesmas não respondem às suas necessidades, - as famílias que não desistem da escolarização de seus filhos e filhas tendem a

buscar escolas especiais ou, quando a sua situação financeira o permite, escolas particulares;

- com freqüência, os achados do estudo, indicaram que um número significativo de crianças que estudam em escolas especiais, posteriormente são integradas em escolas regulares e depois tendem a retornarem às escolas especiais por as considerarem menos discriminatória e menos arriscada para os seus filhos,

- nas escolas privadas há uma tendência para a não aceitação das crianças com deficiências sob a alegação de que a escola não está preparada para recebê-los, entretanto, as escolas que as matriculam podem se valer desse contexto para acrescentar uma taxa extra à mensalidade justificada pela ‘assistência extra’ que a criança deve requerer ou podem simplesmente não buscar formas de responder às necessidades especiais desses alunos,

- a educação oferecida para estes alunos e alunas é, em geral, pobre de qualidade educacional e mantém-se no âmbito das atividades oferecidas na fase de educação infantil, isto é, atividades lúdicas e artísticas,

- algumas mães consideram que as escolas especiais não são ambientes seguros para os seus filhos, por duas razões:

(a) facilidade para os filhos e filhas deixarem o prédio da escola sem nenhum tipo de controle por parte dos funcionários (b) possibilidade das filhas ou filhos de serem agredido por crianças maiores

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- embora a escola também viole sistemática e impunemente os direitos à educação de crianças e jovens portadores de deficiência, os dados revelam que muitas crianças portadoras de deficiência são integradas com sucesso nas escolas regulares e têm o apoio da escola, dos professores e são bem sucedidas educacionalmente. Contudo, esse quadro positivo ainda está longe de ser amplamente atingido.

Os dados encontrados neste estudo revelam que as crianças portadoras de

deficiência são continuamente discriminadas, rotuladas e desrespeitadas no seio da família, da comunidade escolar e vizinhança onde moram, e nas mais diversas esferas da vida humana, e que, em geral a grande maioria das experiências de discriminação permanecem impune, independentemente de sua gravidade. Embora as mães de crianças portadoras de deficiência (ou familiares) e os jovens estejam conscientes da violação de seus direitos e muitas vezes ‘sabem’ que existe uma lei (à qual não têm acesso) que garante os mesmos, os dados evidenciam que eles são impotentes quanto a tomarem decisões que façam valer os seus direitos legalmente e que garanta a punição prevista pela lei.

Enfim, este estudo ilumina um contexto de violação dos direitos da criança e do jovem portador de deficiência de relevância para a ampliação de nossa consciência, nosso conhecimento e nossos deveres como cidadãos que defendem a igualdade de oportunidades para todos e uma sociedade mais justa e inclusiva. Contudo, estamos conscientes de que esta pesquisa apenas oferece uma pequena contribuição ao desenvolvimento do campo de conhecimento sobre Direitos Humanos, Saúde e Educação das crianças e jovens portadores de deficiência e que estamos ainda longe de esgotar os eventos que estão escondidos no nosso atarefado cotidiano e que precisam – DEVEM – ser desvelados para que esse grupo social tenha, de fato, o direito de participar igualitariamente da vida na família, na escola e na sociedade.

Reflexoes sobre a Pesquisa, o Ensino e a Extensao Um dado importante ainda ser mencionado é a relevância da pesquisa no

âmbito da comunidade universitária, ou seja, a parceria da universidade com a ONG Ed-Todos foi de grande validade no sentido dos resultados e os dados da pesquisa assumirem o caráter de extensão.

Esses dados servirão para a realização de campanhas de conscientização e lobby junto às autoridades (secretarias de educação, conselhos tutelares e outros) e escolas; entretanto, a campanha de conscientização já teve seu primeiro momento em 2002, sua continuação, bem como a realização das ações já citadas aguardam recursos para 2003.

Essa pesquisa além da contribuição teórica numa área de conhecimento praticamente inexplorada no Brasil e no mundo – a violação dos direitos das pessoas portadoras de deficiência – visa contribuir para a conscientização da comunidade geral e acadêmica sobre a CDC e também promover uma ação comunitária em defesa dos direitos desse grupo social que tem vivido à margem das oportunidades em todos os níveis da esfera humana.

A atividade de extensão, vinculada a uma pesquisa e ao ensino, possibilita simultaneamente a construção de conhecimento científico, a formação profissional (inicial ou em serviço) e a mudança social através de ações que tem como objetivo o desenvolvimento e a formação para a cidadania de todas as pessoas. Nesse sentido, a nossa pesquisa se revelou valiosa. O estudo nos permitiu a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão e, possibilitou a todos os membros da equipe uma formação teórica e prática sobre os Direitos das Crianças e sobre nossa responsabilidade social

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para denunciar violações, disseminar ´boas práticas´ e pressionar as autoridades (lobbying) para garantirem esse direitos.

Essa experiência nos leva a considerar que a pesquisa sem a extensão e o ensino perde força e se constrói em um vácuo social, perdendo sua função primária que é, ao nosso ver, de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos! Referências Bibligraficas

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- MEC/SEESP (2001) Direito à Educação, Necessidades Educacionais Especiais: subsídios para a atuação do Ministério Público Brasileiro. Brasília-DF, MEC/SEESP. (Disponível em: [email protected],br)

- MEC/SEF/SEESP (2001) Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – Estratégias e Orientações para a Educação de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais, MEC/Secretaria de Educação Fundamental/ Secretaria de Educação Especial: Distrito Federal, Brasília.

- ONU (1948) Declaraçao dos Direitos Humanos. NY, ONU. (Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br )

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