criança não é risco é oportunidade

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Criança não é risco, é oportunidade Criança não é risco, é oportunidade IRENE RIZZINI,GARY B ARKER E NEIDE CASSANIGA IRENE RIZZINI,GARY B ARKER E NEIDE CASSANIGA S E R V I A M Instituto PROMUNDO CESPI/USU EDUSU Fortalecendo as bases de apoio familiares e comunitárias para crianças e adolescentes Fortalecendo as bases de apoio familiares e comunitárias para crianças e adolescentes

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Page 1: Criança não é risco é oportunidade

Criança não é risco,é oportunidade

Criança não é risco,é oportunidade

IRENE RIZZINI, GARY BARKER E NEIDE CASSANIGAIRENE RIZZINI, GARY BARKER E NEIDE CASSANIGA

S E R V I A M

InstitutoPROMUNDO

CESPI/USUEDUSU

Fortalecendo as bases de apoio familiarese comunitárias para crianças e adolescentesFortalecendo as bases de apoio familiares

e comunitárias para crianças e adolescentes

Page 2: Criança não é risco é oportunidade

Criança não é risco,é oportunidade

UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULACOORDENAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS

SOBRE A INFÂNCIA - CESPI/USU

INSTITUTO PROMUNDO

Fortalecendo as bases de apoio familiares e comunitáriaspara crianças e adolescentes

IRENE RIZZINI

GARY BARKER

NEIDE CASSANIGA

Page 3: Criança não é risco é oportunidade

EDUSU -Editora Universitária Santa Úrsula@ Copyright 2000, desta edição by Editora Universitária SantaÚrsula

UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULA

Madre Maria de Fátima Maron RamosChanceler

Célio BorjaReitor

Luiz Bressan FilhoVice-Reitor

Ruth GoldembergINSTITUTO DE PSICOLOGIA E PSICANÁLISEDiretora

Irene RizziniCOORDENAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE A INFÂNCIACoordenadora

Sérgio Jacques GuéronEDITORA UNIVERSITÁRIA SANTA ÚRSULA

INSTITUTO PROMUNDO

Miguel FontesPresidente do Conselho

Gary BarkerDiretor

ApoioJacobs Foundation

CapaDesenho de crianças e educadoras da Creche Mundo Infantil(Morro Dona Marta, RJ)

RevisãoConsuelo Pamplona

Editoração Eletrônica e Produção GráficaA 4 Mãos Comunicação e Design

ImpressãoGráfica Lidador

R627cr RIZZINI, IreneCriança não é risco, é oportunidade: fortalecendo asbases de apoio familiares e comunitárias para crianças e adolescentes / Irene Rizzini, Gary Barker, Neide Cassaniga. Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária : Instituto Promundo, 2000.48 p.Inclui bibliografias.ISBN 85-7294-026-X1. Assistência a infância-Brasil. 2. Crianças. 3. Adolescentes.

4. Ação social. 5. Família. 6. Projetos comunitários.7. Direitos das crianças. I. Barker, Gary. II. Cassaniga, Neide. III. Título.

Ficha catalográfica: Maria Teresa da Fonseca e Rosana Maria dos Passos - (CESPI/CDI/USU).

CESPI/USUCoordenação de Estudos e Pesquisas sobre a Infância

Rua Fernando Ferrari 75 - Prédio VI salas 207/8CEP: 22231-040 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ – BrasilTel.: (21) 551-5542 Ramal 181 / 264 Fax: (21) 551-6446

[email protected] • http://www.usu.br/cespi/default.htm

Instituto PROMUNDOAfiliado ao John Snow Research and Training Institute

Rua Francisco Serrador, 2 sala 702CEP: 20031-060 – Centro - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Tel.: (21) 544-3114 / 544-3115 - Fax: (21) [email protected]

http://www.promundo.org.br

ENDEREÇOS PARA CORRESPONDÊNCIA

Page 4: Criança não é risco é oportunidade

A origemA presente publicação tem origem nas idéias desenvolvidaspelos autores com base em sua experiência nacional einternacional nos últimos anos. Destacamos dois projetosque tiveram importância direta na produção das idéias aquiexpostas. Inicialmente, a iniciativa Primary Supports, debase comunitária, coordenado por uma equipe do ChapinHall Center for Children, da Universidade de Chicago. Osautores tiveram a oportunidade de participar de grupos detrabalho em diferentes etapas do projeto - um intercâmbioque possibilitou o estreitamento de laços e o aprofunda-mento da reflexão. O projeto ELOS, coordenado pela equi-pe de pesquisadores da CESPI/USU, constituiu tambémuma importante base para a fundamentação das idéiasapresentadas neste livro. Com o projeto ELOS, começou-sea estudar as formas de apoio familiares e comunitárias cru-ciais para o desenvolvimento da criança. A equipe realizouuma enquete junto a população do Rio de Janeiro, inda-gando a familiares, jovens e profissionais de diversas áreasdo conhecimento sobre questões ligadas à criação, for-mação e educação dos filhos (CESPI/USU, 1999).

O textoA primeira versão deste texto foi elaborada em 1998 e apre-sentada em um seminário organizado pela Jacobs Foun-dation, na Alemanha, com o título From Street Children toAll Children: Improving the Opportunities of Low IncomeUrban Children and Youth in Brazil. O texto reflete a pre-ocupação dos autores em analisar criticamente a óticacom que se aborda a situação da criança e do adoles-cente, de uma forma geral, cuja ênfase é colocada nosproblemas e nas deficiências de grupos específicos da po-pulação, percebidos como vulneráveis. O que se propõe éa mudança deste foco, direcionando-o para uma óticaque leve em consideração os elementos essenciais capa-

zes de promover o desenvolvi-mento integral de todas as criançase jovens. Desenvolvimento este queconstitui um direito previsto em lei, po-rém longe de estar assegurado (Convenção das NaçõesUnidas sobre os Direitos da Criança, 1989, e Estatuto daCriança e do Adolescente, 1990).

Este texto deve ser entendido como a base conceitualdesta proposição de mudança de foco. Suas idéias cen-trais vêm sendo exploradas, esmiuçadas e elaboradas apartir de um projeto de pesquisa e ação coordenado pelaCESPI/USU e pelo Instituto PROMUNDO, cujo objetivo éo fortalecimento das bases de apoio familiares e comuni-tárias a crianças e jovens (vide anexo).

AgradecimentosGostaríamos de registrar o apoio oferecido pela Universida-de de Chicago, por meio da equipe do Chapin Hall Centerfor Children, que se prontificou a debater nosso projeto. Emespecial, agradecemos a Harold Richman, Joan Costello,Robert Chaskin, Robert Halpern e Rebecca Stone por todo oestímulo e por seus comentários e sugestões a este texto.

Agradecemos a equipe de pesquisa CESPI/USU-PROMUNDOpela intensa participação em todas as etapas desta publicação:Maria Helena Zamora, Marcos Nascimento, Nívia Carla Ricardoda Silva, Alexandre Bárbara Soares, Mariana Menezes e CarlaDaniel Sartor, bem como a equipe do Centro de Documentaçãoda Infância (CDI-CESPI/USU) e a Miguel Fontes e CecíliaStudart (John Snow do Brasil e PROMUNDO).

Por fim, agradecemos a participação e o apoio finan-ceiro recebido, sem o qual não seria possível realizar esteprojeto: a Jacobs Foundation, que vem apoiando o pre-sente projeto e aqueles que investiram nas etapas iniciaisde pesquisa, no Projeto ELOS: o Grupo Lorentzen, GrupoLachmann e o Banco da Bahia.

Criança não é risco,é oportunidade

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INTRODUÇÃO: Criança Não é Risco, é Oportunidade ..................................................7

Brasil, um País Jovem e Desigual ......................................................................................................11

Criança, Adolescente e Direitos: Revendo Paradigmas ..................................................................13

Aprendendo com os Programas Voltados para “Meninos de Rua” ..............................................16

Deslocando o Foco sobre os “Meninos de Rua” para Todas as Crianças e Adolescentes ..........18

Visando um Sistema Universal de Bases de Apoio para o

Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes no Brasil ......25

Estudos de Caso ................................................................................................................................26

Programa 1: ABCs - Aprender, Brincar e Crescer (Ceará)............................................................26

Programa 2: Centros Curumim (Minas Gerais) ............................................................................28

Programa 3: Cidade Mãe (Bahia) ....................................................................................................29

Considerações sobre os Estudos de Caso: Propostas e Dilemas ..................................................30

Reflexões Finais ................................................................................................................................33

Notas ..........................................................................................................................................................37

Referências Bibliográficas ......................................................................................................41

Sobre os autores ............................................................................................................................45

Anexo: Síntese do Projeto CESPI/USU-PROMUNDO ............................................47

Sumário

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“A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é o princí-pio do fim. Quando uma sociedade deixa matar as criançasé porque começou seu suicídio como sociedade. Quandonão as ama é porque deixou de se reconhecer comohumanidade”.

HERBERT DE SOUZA, 19921.

No decorrer das décadas de oitenta enoventa, a mídia e as organizações locais e inter-nacionais atuantes nas áreas dos direitos humanose da infância deram amplo destaque à situação doschamados “meninos de rua” no Brasil2. Em parti-cular, destacou-se a questão da violência impostapelos esquadrões da morte e pela polícia contracrianças e adolescentes. De certa forma, o “meninode rua” passou a representar a imagem ou símbolodas crianças e jovens que vivem em condições depobreza e marginalidade.

É interessante perguntarmos sobre o sig-nificado destas imagens de criança. Que repercus-sões elas teriam provocado? E o mais importante,será que essa imagem específica do menino e damenina “de rua” ou “na rua” influenciou as polí-ticas e programas voltados para a população infan-til e juvenil de forma positiva? Crianças de ruatalvez sejam o exemplo mais visível e, em algunscasos, o mais óbvio de pobreza e de desatençãopara com as necessidades das crianças. No entanto,há milhares de crianças e jovens sem tanta visibi-lidade, que, apesar de estarem relativamente maisprotegidos que as crianças que vivem e/ou traba-

lham nas ruas, tambémnão têm acesso a bonsserviços de educaçãoe saúde, programassociais ou outras formasde apoio que contribuampara o seu pleno desenvolvimento.

Nesse texto, argumentamos que, apesardas boas intenções, o foco sobre certos grupospercebidos como “meninos de rua” tem desviado aatenção que deveria ser dirigida também àquelesque constituem a maior parte da população decrianças e jovens vivendo em situação de pobrezano Brasil. Logicamente as crianças que se en-contram nas ruas continuam tendo necessidadesurgentes e agudas a serem supridas. Organizaçõesgovernamentais e não-governamentais que desen-volvem programas e pesquisas junto a esse grupodesempenham um papel vital e, efetivamente, têmajudado um grande número de crianças e jovensque precisam de assistência imediata e intensiva,bem como de proteção e carinho. No entanto, essefoco de intervenção significou que a maior partedas instituições limitou sua ação a um número re-lativamente pequeno de crianças que se encontramem situações de vulnerabilidade extrema. Em ou-tras palavras, pouca atenção tem sido dada a pro-moção do desenvolvimento saudável da criança.Pouco se tem atentado para as crianças e os jovensde baixa renda que continuam vivendo com seusfamiliares, e que, ainda assim requerem um apoio

7

Introdução

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especial: apoio esse que pode talvez evitar que setornem “meninos e meninas de rua” e contribuapara a quebra da cadeia de reprodução da exclusãosocial, à medida que programas multifacetados ebem articulados possam ter um impacto duradouroe positivo, resultando em melhores condições dedesenvolvimento para as crianças e jovens.

No tocante às políticas e aos programassociais, o Brasil não é o único país a privilegiar estetipo de enfoque, voltado para ações mais imediatase urgentes e limitado a grupos que seencontram em situações de riscomais extremadas. Essa tem sidoa tendência em vários paísessituados na região das Amé-ricas, inclusive nos EstadosUnidos. No entanto, comoveremos adiante, o Brasiloferece condições parauma importante mudançaneste campo, deslocando ofoco das “crianças de rua” para“todas as crianças”. O que estamosargumentando aqui é a necessidade deuma mudança de ótica para mudar a prática, cujaênfase deve ser a prevenção de circunstâncias queprejudiquem o desenvolvimento integral da cri-ança e não simplesmente a tentativa de combaterproblemas depois que estes se agravam, a tal pontoque sua reversão torna-se difícil, quando nãoimpossível.

É importante destacar que as idéias, aquidiscutidas e ilustradas com o caso dos “meninos derua”, poderiam ser aplicadas a quaisquer outras

categorias de criança percebidas pela sociedadecomo “problema”. Por exemplo, as “crianças traba-lhadoras”, “crianças vítimas de abuso e exploraçãosexual”, “adolescentes infratores”, e assim pordiante. Esta maneira de ver a criança e o adoles-cente associados a riscos ou problemas específicosfoi reproduzida ao longo do século XX, provocandorespostas apenas focadas nas circunstâncias domomento (Rizzini, 1997a, 2000). Defendemos serfundamental o deslocamento do foco da atenção e

da ação voltados apenas para problemasespecíficos e o investimento na cri-

ação de condições que previnamproblemas já tão conhecidos,

promovendo assim o desen-volvimento integral de todasas crianças3.

Essas idéias encon-tram-se em consonância

com a orientação mundialreferente à proteção das cri-

anças e à garantia de seus direi-tos, como se pode observar na

Constituição Federal (1988, artigo 227) e noEstatuto da Criança e do Adolescente (1990, lei8.069), bem como na Convenção das NaçõesUnidas sobre os Direitos da Criança (1989). A legis-lação nacional reformulada nos anos 80 teve forteinspiração nos movimentos internacionais dedefesa dos direitos da criança. Estes e outros docu-mentos normativos resultaram de ampla mobiliza-ção social e foram elaborados a partir de debates decunho humanitário envolvendo diversos segmen-tos da comunidade internacional. Em síntese, todos

O

que estamos

argumentando aqui é a

necessidade de uma

mudança de ótica para mudar a

prática, cuja ênfase deve ser a

prevenção de circunstâncias

que prejudiquem o

desenvolvimento integral

da criança.

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buscam ampliar o escopo de proteção da criança egarantir o que constituiriam seus direitos básicos,como por exemplo, o direito à vida, à saúde, à edu-cação e à convivência familiar e comunitária.

De particular interesse para nossa dis-cussão é a questão contemplada nas leis a respeitoda responsabilidade de assegurar o cuidado e aproteção às crianças. Em primeiro lugar cabe àfamília, e especificamente aos pais, o dever deprover o cuidado adequado aos filhos e, ao Estadoe à sociedade como um todo, o papel de apoiá-losem sua tarefa. A direção e o fim seriam os mes-mos: promover o desenvolvimento integral esaudável de todas as crianças e jovens, assegu-rando seus direitos sem qualquer tipo de discri-minação.

Desde sua promulgação em 1990, a mobi-lização em torno do Estatuto e de sua implemen-tação tem enfatizado a proteção da criança, bus-cando defendê-la de abusos e da violência de ummodo geral. Isso tem sido importante para o bem-estar das crianças e adolescentes no Brasil e, tam-bém, para o aperfeiçoamento de mecanismoscomunitários de proteção à criança. Assim, adespeito das críticas quanto à implementação doEstatuto e sua adequação à realidade brasileira,pode-se dizer que há sinais de uma mudança dementalidade na direção de aspectos preconizadosna legislação vigente.

O Estatuto codifica em lei nacional asabedoria coletiva e a experiência de especialistasbrasileiros e estrangeiros em apoiar a noção de quetodas as crianças e jovens, em virtude do estágioem que se encontram no ciclo de vida humana,

necessitam de proteção, carinho e oportunidadespara seu crescimento, formação e educação formale informal. O Estatuto e a Convenção sobre osDireitos da Criança são unânimes em suasasserções de que estes elementos são fundamen-tais para todas as crianças e jovens, e não só paraaqueles que enfrentam situações específicas derisco. É o que denominamos de “bases de apoio”para o desenvolvimento de crianças e adolescentes,assim definidas:

“Bases de apoio são os elementos fundamentais quecompõem os alicerces do desenvolvimento integral dacriança. São recursos familiares e comunitários queoferecem segurança física, emocional e afetiva a cri-anças e jovens. Referem-se tanto a atividades ou orga-nizações formais (creches, escolas, programas reli-giosos, clubes, centros juvenis...), quanto a formas deapoio espontâneas ou informais (redes de amizade e sol-idariedade, relações afetivas significativas, na vida dascrianças e jovens, oportunidades disponíveis na própriacomunidade que contribuam para o seu desenvolvi-mento integral...)”

(RIZZINI, BARKER ET AL, 2000)4

As bases de apoio estão intimamente rela-cionadas aos recursos familiares e comunitáriosque oferecem às crianças e aos adolescentes umsentido de segurança e de confiança, provenientesdos cuidados que recebem, das relações que esta-belecem, e das oportunidades de desenvolvimentode suas habilidades e potencialidades. Portanto,referem-se, aos laços afetivos em geral, às relaçõesinterpessoais, e às possibilidades de participarem

Page 11: Criança não é risco é oportunidade

de atividadesque contribuam

para o desen-volvimento em

múltiplas esferas,como a cognitiva,

emocional, social,cultural, vocacional e

criativa de crianças ejovens, permitindo-lhes o

que Erik Erikson denominoude um sentimento de “confiança básica”, em si e nomundo5. Embora algumas dessas formas de apoiosejam providas pelos setores públicos de educaçãoe saúde, as bases de apoio referem-se também aosrecursos disponíveis no âmbito da família e dacomunidade.

Pode-se pensar que a noção de “bases deapoio” visando o desenvolvimento de todas as cri-anças e adolescentes constitua algo utópico. Elaparece ainda mais remota e distante da realidadedaqueles países que apresentam, como o Brasil egrande parte da América Latina, graves problemasde gestão política e econômica. São países quecarecem de políticas sociais abrangentes, nosquais faltam programas eficientes que atendam atémesmo as necessidades mais prementes da maio-ria de sua população, incluindo-se aí adultos e cri-anças. Entretanto, a despeito deste quadro, vislum-bram-se algumas mudanças positivas, no que serefere ao entendimento das causas dos problemasassociados a crianças e jovens e à busca de pos-síveis soluções.

Defenderemos a idéia de que essas

mudanças em curso já vêm exercendo influênciasobre as iniciativas e intervenções voltadas paraeste grupo. As ações que, tradicionalmente, têm secaracterizado como centralizadoras e assistencia-listas, priorizando crianças e jovens em “situaçãode risco”, começam a se tornar mais visíveisenquanto questões de gestão local e participativa.Neste sentido, família e comunidade assumempapéis mais ativos nas decisões que envolvem aproteção e o cuidado com suas crianças e adoles-centes. E estes também deixam de ser vistos comomeros objetos passíveis de proteção para que sejamdestacadas suas reais possibilidades e competên-cias. Para fazermos estas afirmativas, partimos doseguinte pressuposto:

"As políticas sociais e os programas destinados à popu-lação jovem em situação de pobreza normalmente prio-rizam seus problemas, fracassos e deficiências e, comfreqüência, atingem crianças e adolescentes quando jáse encontram em situação de difícil reversão. Énecessária uma mudança de mentalidade que tenhacomo alvo competências e potenciais – da crian-ça/jovem, da família e da comunidade"

(RIZZINI, BARKER ET AL, 2000).

Mesmo considerando que a mudança deparadigmas na direção apontada esteja maispresente como retórica do que como prática, jul-gamos importante ressaltar os avanços emcurso. Reconhecemos as dificuldades em imple-mentar políticas e programas universais, ouseja, de acesso garantido a todos, que fortaleçamas bases de apoio familiares e comunitárias para

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crianças e jovens, entretanto, argumentaremosque tal mudança de paradigmas e de práticas nãosomente é possível como também necessária, noBrasil e em outras partes do mundo (UNDP,2000).6

Brasil, um País Joveme Desigual

A situação de pobreza, desigualdades sociais e afalta de oportunidades para o pleno desenvolvi-mento são realidades para milhões de criançasbrasileiras7. Destacamos aqui alguns dos dadosmais relevantes apenas para traçarmos um breveperfil da população a que nos referimos:

Estima-se que quase metade (47%) da popu-lação brasileira de 160 milhões vive em situ-

ação de pobreza (UNDP, 1994; IBGE/UNICEF,1997). De acordo com dados do Banco Mundial, oBrasil tem a pior distribuição de renda entre maisde 60 países para os quais existem estatísticasdisponíveis. Dados referentes aos anos de 1997 e1998 apontam que os 20% mais ricos controlam63,8% da renda nacional, enquanto que os 20%mais pobres detém somente 2,5% do total darenda do país (World Bank, 1997; UNDP, 2000).

Em 1990, mais da metade das crianças eadolescentes brasileiros (53,5%) vivia em

famílias cuja a renda per capita mensal eramenor do que metade do salário mínimo. Emnúmeros absolutos, essa quantia atingia, aproxi-

madamente, a 32 milhões de crianças e jovens nopaís (IBGE/PNAD, 1990; In UNICEF, 1993).

Os dados mais recentes apontam a sub-sistência de grandes contingentes de

famílias com crianças de 0 a 6 anos com um nívelde renda baixo. De acordo com o IBGE, a médianacional de famílias com crianças na primeirainfância, que vive com até meio salário mínimoper capita de renda média mensal é em torno de30% (IBGE, 1999: 155).

Outra tendência é a concentração dessapobreza nas famílias chefiadas por mulhe-

res. O número de famílias cujos filhos dependeminteiramente da mãe vem aumentando nas últi-mas décadas e hoje atinge a faixa dos 20%. Aocruzarem-se os dados existentes sobre famíliaschefiadas por mulheres, com filhos, por raça,pode-se ver claramente o traço da desigualdade:20,7% são negras, 18,6% são pardas e 15,1% sãobrancas (IBGE, 1999: 195).

A elevada proporção de crianças e adoles-centes no Brasil, e, em particular, o seg-

mento pobre desta população, apresenta tremen-dos desafios para o setor de serviços sociais, prin-cipalmente para o sistema público de educação.Cerca de metade da população brasileira têmidade inferior a 24 anos; 40,5% da população têmhoje abaixo de 19 anos: são 64 milhões de cri-anças e adolescentes (IBGE, 1999). O sistemapúblico de educação no Brasil pode ser represen-tado como uma pirâmide, atingindo na base

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quase a totalidade das matrículasno nível primário de ensino,mas reduzindo dramatica-mente o número de matrí-culas no segundo grau. Ataxa de matrículas nasescolas tem uma quedaacentuada de 84,2 por-cento para as idades de10-14 (nível primário deensino, no qual a educação éobrigatória) para 56,8 porcentopara as idades de 15-17 (nívelsecundário) (Oliveira, 1993). Emrelação aos adolescentes na faixa etária de 15-17que freqüentam a escola, apenas 22,5 porcentoestavam matriculados no nível secundário deensino, o que demonstra um expressivo atrasoescolar. De acordo com o IBGE (1999), já a partirdos 8 anos de idade ocorrem elevados percentu-ais de atraso escolar, o que é mais expressivo noNordeste (57%) e no Norte (48,6%). Aos 11 anosde idade, quase 60% dos estudantes brasileirosapresentam defasagem na série cursada.

Um dos principais motivos que explicam asaltas taxas de repetência, evasão e abandono

das escolas por parte dos alunos no Brasil - além dafalta de uma infra-estrutura adequada de ensino - éo fato de que muitas crianças e jovens começam atrabalhar precocemente. Dados de 1990 indicaramque 50 % dos jovens em idade de 15 a 17 anos e 17,2% em idade de 10 a 14 anos estavam trabalhando(In Rizzini, Rizzini, Holanda, 1996). Segundo dados

de 1995 (IBGE), 24% da população comidade de 10 a 14 anos trabalhavam

40 horas ou mais por semana.Nos Estados que pertencem aRegião Sudeste (33,9%) asproporções são: São Pauloapresentava o maior índice(41,6%), em segundo lugarencontramos o Espírito Santo

(37,1%), seguido do Rio deJaneiro (35%) e Minas Gerais

(26,7%).

Como foi mencionado previa-mente, uma das questões que muito tem chamado aatenção nos últimos anos é a presença acentuada decrianças e jovens pelas ruas, os chamados “meninose meninas de rua”. No final da década de 1980, esti-mativas, hoje consideradas exageradas, apareciamnas manchetes, provocando preocupação e medo8.No momento atual, o consenso é de que o númerode crianças e jovens que se encontra nas ruas não étão grande quanto se imaginava, embora o proble-ma continue presente e possa ter se agravado paraaqueles que, de fato, dependem das ruas para a suasobrevivência, pois registra-se um aumento da vio-lência e do uso/tráfico de drogas. O que nos parecemais importante é que, superestimado ou não, essenúmero representa apenas uma pequena parcela detodas crianças e jovens de baixa renda. É a parcelamais visível, na medida em que é percebida comoameaçadora e tem realmente necessidades maisprementes. A verdade é que a maior parte das cri-anças continua morando com suas famílias, apesar

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O

Estatuto pode

ser visto como um

instrumento, entre outros, que

potencializa a mudança de enfoque

anteriormente apontada no sentido

de deslocar o foco da

criança-problema, como os meninos

de rua, por exemplo, para todas

as crianças, na plenitude

de suas possibilidades

e potenciais.

Page 14: Criança não é risco é oportunidade

das condições, com freqüência, sub-humanas em quevivem e das constantes dificuldades pelas quais pas-sam, comprometendo o seu pleno desenvolvimento.

Criança, Adolescente e Direitos:Revendo Paradigmas

As décadas de 1980-90 foram marcadas por múlti-plas iniciativas e por debates relacionados àquestão dos direitos da criança em praticamentetodas as partes do mundo. No Brasil, os debatesforam acompanhados por ampla mobilização socialem defesa da criança, conduzindo a significativasmudanças neste campo. Uma das áreas que sofreuprofundas reformulações é, reconhecidamente, ajurídica que, associada a vários setores das ciênciase práticas sociais, culminou na promulgação doEstatuto da Criança e do Adolescente no ano de1990. Uma lei que, de certa forma, simboliza arevisão de paradigmas que em relação ao entendi-mento da criança e do adolescente enquantocidadãos, portadores de direitos e deveres.

Ao nosso ver, o Estatuto da Criança e doAdolescente constitui um dos instrumentos querefletem as mudanças em curso sobre a forma dese conceber a criança no mundo de hoje. A criançae o adolescente a que se referem as leis atualmentesão muito diferentes daqueles retratados como“menores” em passado recente (Rizzini, 2000).Trata-se de uma criança que ocupa um lugarvisivelmente diferente em suas relações e em seucontexto: mais participativa, com habilidades, com-petências e possibilidades de aprendizagem e

acesso a informaçõessem precedentes. O Es-tatuto pode ser visto co-mo um instrumento, entreoutros, que potencializa a mu-dança de enfoque anteriormenteapontada no sentido de deslocar ofoco da criança-problema, como osmeninos de rua, por exemplo, para todasas crianças, na plenitude de suas possibi-lidades e potenciais.

É importante compreender oimpacto, ainda que sutil, da mudança de ótica emcurso - o que se pode fazer utilizando alguns ele-mentos da história da assistência à infância noBrasil. Uma prática bastante comum desde o final doséculo XIX era a de recolher as crianças encontradasvagando e/ou trabalhando nas ruas e interná-las eminstituições para menores. Estes estabelecimentos,em geral, seguiam um modelo asilar ou carcerário,cuja justificativa era a de que a iniciativa constituíauma medida de proteção, no caso das criançaspequenas e de reeducação, no caso dos adoles-centes. Essa cultura institucional prevaleceu emgrande parte do século XX, respaldada em políticasassistenciais centralizadoras e repressivas. Predo-minou, ainda, uma postura ambígua e discrimi-natória em relação às crianças pobres: de um ladodefendendo as crianças por considerar que necessi-tam de proteção, e, de outro, defendendo a so-ciedade da ameaça que representam, quando vistascomo perigosas (Pilotti, Rizzini, 1995, 1997a)9.

Embora estas formas de perceber e agir emrelação à criança oriunda de famílias pobres não

13

Page 15: Criança não é risco é oportunidade

tenham desaparecido, a mobilizaçãosocial que emergiu nos anos 80levou a um considerável ques-tionamento das práticasvigentes e possibilitou aparticipação de novos ato-res em iniciativas geradasfora do âmbito governa-mental e das esferas jurí-dicas e policiais. É o casodos movimentos de militân-cia em defesa da criança emdiversas situações nas quais elasestão mais vulneráveis, como porexemplo, o Movimento Nacional deMeninos e Meninas de Rua, as organizações não-governamentais e os centros de pesquisa/açãovoltados para a proteção de crianças vítimas demaus-tratos, de abuso, exploração sexual, criançasportadoras do vírus HIV/AIDS e exploradas no tra-balho, entre outros casos.

Diversos estudos passaram a retratar gru-pos de crianças percebidas como estando em cir-cunstâncias especialmente difíceis10. Foram estu-dos que começaram a focalizar os contextos sociaisnos quais essas crianças estavam inseridas, desven-dando uma série de mitos, como por exemplo o fatode que a grande maioria não era abandonada oudelinqüente e sim, crianças e jovens responsáveispelo próprio sustento e, de cuja renda toda a famíliadependia (Rizzini, 1986, 1995; Fausto & Cervini,1991).

Embora a mobilização em torno da criançanos anos 90 tenha se mostrado mais fragmentada,

ela significou muito em termos deenfrentamento dos desafios para

implementação da nova lei.Este processo implica em

mudança e reconstrução depráticas há muito estabele-cidas, e, naturalmente, vemacompanhado de resistên-cias por parte de diversos

setores. Talvez um dos maisimportantes efeitos dos movi-

mentos que se sucederamtenha sido o de chamar a atenção

para as profundas desigualdadessociais que afetam diretamente a popu-

lação jovem no Brasil; um exemplo flagrante é ofato de que, até o advento do Estatuto, a infância eradividida entre “crianças” e “menores”. Até então, otermo “menor” era utilizado para designar a cri-ança pobre e marginalizada, alvo das políticasassistenciais do Estado, cujos pais detinham umpoder inferior ao do juiz de menores. Até há muitopouco tempo, era inconcebível pensar nas noçõesde cidadania e direitos associados à criança carac-terizada como “menor”, não admitindo que a leifosse aplicada a todos de forma igualitária e justa.

Um outro aspecto abordado na lei, de par-ticular relevância neste texto, diz respeito à própriaconcepção de criança com um ser em fase especialde desenvolvimento e que, por isso, deve ter prio-ridade e seus direitos básicos respeitados, visando oseu desenvolvimento integral (Art. 6). Para tanto,aponta para a importância dos elos essenciais parao pleno desenvolvimento da criança, por meio da

14

O

que se está

considerando é a formação

da criança - a maneira pela qual

todas as crianças devem ser

tratadas para que se desenvolvam

plenamente. Esta mudança de

enfoque pressupõe uma revisão

das relações de poder culturalmente

enraizadas, em particular

das relações de autoridade

sobre os filhos.

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convivência familiar e comunitária, bem como aresponsabilidade primordial dos pais no cuidadodos filhos, cabendo ao Estado prover apoio quandonecessário. Isso implica em mudar de forma signi-ficativa a ótica dicotomizada da criança e do menor.O que se está considerando é a formação da criança- a maneira pela qual todas as crianças devem sertratadas para que se desenvolvam plenamente.Esta mudança de enfoque pressupõe uma revisãodas relações de poder culturalmente enraizadas,em particular das relações de autoridade sobre osfilhos. Mas implica, igualmente, em mexer com asformas de gestão pública, na direção de uma go-vernabilidade menos centralizadora, mais local oucomunitária e com maior participação popular(Santos, 1987, Valladares, Coelho, 1995).

Esta é a idéia por trás da criação dosConselhos de Direitos da Criança e do Adolescentee dos Conselhos Tutelares, prevendo-se a ação pa-ritária entre governo e sociedade civil, em contra-posição às formas tradicionais de ação governa-mental no Brasil. Porém, o desempenho dosConselhos depende da existência de serviços locaisadequados para crianças e adolescentes - algo queainda é escasso e pouco articulado no país. Alémdisso, embora o Estatuto aponte para políticas sociaisbásicas e programas de apoio ao desenvolvimentointegral das crianças e adolescentes de uma formageral, na realidade, o país continua a oferecer, pre-dominantemente, serviços de baixa qualidade, decaráter assistencial e emergencial para criançasde baixa renda, mesmo nas áreas mais cruciaispara o seu desenvolvimento, como saúde e edu-cação.

Por esses e outrosmotivos, a implementa-ção do Estatuto tem sidolenta, difícil e desigual nopaís, refletindo asprofundas dife-renças regionaisem termos de admi-nistração e níveisde recursos públi-cos. Um princípio centraldo Estatuto é o de que osmunicípios assumam responsabilidade para comtodas as crianças e adolescentes. Isso implica emque os municípios e as comunidades locais tenhammaior autonomia para formular programas e inves-tir recursos que afetarão diretamente a populaçãojovem. Alguns municípios têm obtido sucesso emrelação a esse desafio, enquanto outros não têmalcançado o nível de organização e de compromissopolítico necessário para fazer com que novas práti-cas se instalem.

É preciso dizer que, a despeito das resistên-cias e dificuldades, a tendência é a mudança emalgumas das direções apontadas no Estatuto. Comoveremos adiante, em alguns municípios brasileirose de outros países latino-americanos, observa-se acriação de programas que começam a refletir umamudança de percepção e atitude em relação às cri-anças e aos adolescentes que vivem em situação depobreza. São programas que procuram envolver aprópria comunidade, fortalecendo seus membrospara que percebam que são capazes de suprir asdemandas de suas crianças e jovens e que, na ver-

15

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dade, ninguém melhordo que eles próprios

para defenderem seusfilhos e in-teresses. Éneste senti-do que acre-

ditamos ser possível e necessário identificar e for-talecer as bases de apoio fundamentais para odesenvolvimento da criança seja qual for o meioem que viva, de forma a ampliar as possibilidadesde que ela cresça de maneira segura e integrada.Pensando de forma prospectiva, estaríamos redu-zindo o sofrimento e os problemas que afligem a tan-tos - pais, filhos, famílias e coletividades - e vêm sendoreproduzidos de geração em geração.

Aprendendo com os ProgramasVoltados para “Meninos de Rua”

Conforme assinalamos, durante as décadas de 80 e90, a presença de crianças e jovens nas ruas foi alvode atenção no Brasil e no mundo. Não seria exageroafirmar que eles se tornaram um símbolo dos casosmais extremos de violência e exclusão social. Umgrande número de organizações não-governamen-tais brasileiras dirigiu o foco de sua ação para essegrupo e diversos programas considerados inovadoresforam criados no Brasil. Nos últimos anos, outrasquestões vêm ocupando o espaço da ação para atingircrianças vítimas de abusos, exploração e violência. Noentanto, a vida nas ruas continua sendo parte da reali-dade de muitas crianças.

Embora não seja nossa intenção fazer umaanálise exaustiva dos programas voltados parameninos e meninas em situação de rua, convémresgatar um pouco da experiência adquirida.Mesmo reconhecendo as limitações desses progra-mas, sobretudo no que se refere ao seu reduzidoalcance como solução aos problemas apresentadospelas crianças e suas famílias, consideramos quealgumas das lições aprendidas, constituem ver-dadeiro legado que não deve ser esquecido. Trata-sede um rico conteúdo que possibilitou a criação demetodologias inovadoras de intervenção e pesquisa,de uma filosofia que norteou o trabalho dos edu-cadores de rua, bem como a mobilização e o com-promisso de inúmeros indivíduos e instituições quese dedicaram à luta em defesa das crianças e jovens.

Tendo em vista nosso interesse em aprofun-dar o conhecimento sobre as bases de apoio cruciaispara o desenvolvimento integral da criança, bemcomo identificar as formas de suporte que melhorfuncionam no âmbito da família e da comunidadena criação dos filhos, pensamos que uma das liçõesmais importantes aprendida com os programasmencionados refere-se à ênfase dada à idéia da cri-ança e do adolescente como agentes de seu própriodesenvolvimento11. Em nenhum outro períodohistórico, essa criança, hoje conhecida como “derua” e tida como abandonada e/ou delinqüente, foitão valorizada em suas habilidades e notável capaci-dade de sobrevivência. Por outro lado, passadosalguns anos, reconhece-se que houve uma certa“glamourização” da vida dessas crianças nas ruas,transformando-as em “pequenos heróis”. Isso con-tribuiu para que alguns grupos defendessem a per-

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manência de crianças nas ruas, adespeito dos abusos e da violên-cia a que estavam expostas.Muitos programas voltadospara este grupo ofere-ciam o alimento e aatenção que as criançasnão encontravam emseus locais de moradia,acabando por atraí-laspara as ruas12.

Outro legado im-portante foi o desenvolvi-mento de uma filosofia e umaprofissão para aqueles que op-taram por atuar diretamente com gru-pos nas ruas - o educador de rua. Educador esse,que, muitas vezes, é ao mesmo tempo um pes-quisador de campo, alguém que luta em prol dacausa; e um amigo que consegue estabelecer umelo com essas crianças. O educador de rua, geral-mente, serve como o primeiro ponto de contatoentre as organizações e as crianças, com o objetivode lhes oferecer algum tipo de suporte que atendaas suas necessidades imediatas (como um localpara dormir, tomar banho, alimentação e atendi-mento médico) e, quando possível, avançar paraoutras formas de suporte (como por exemplo,moradia, educação e orientação profissional).

Registram-se esforços por parte denumerosas organizações, em colaboração com asuniversidades para a capacitação de educadores derua e outros profissionais que vêm atuando junto acrianças e jovens - também chamados de edu-

cadores sociais. A experiência des-tes educadores é importante

porque se configura comouma iniciativa recente e

constitui uma profissãocriada de forma nãoconvencional especifi-camente para se tra-balhar com crianças ejovens que vivem em

situação de pobreza emarginalidade (Castro,

1997; Chalhub, 1997).Os programas com cri-

anças de rua no Brasil tambémtêm sido notados pela sua flexibilidade

e criatividade, buscando-se uma adaptação aoritmo das crianças ao invés de fazer com que estascrianças se encaixem aos programas. Desse modo,esses programas são contrastantes com o sistemapúblico educacional, cujos métodos, regras ehorários são rígidos e inadequados para este tipo depopulação13. Os programas voltados para criançasde rua têm tentado fazer com que sua estruturaprogramática se adeqüe às possibilidades deaceitação de normas por parte das crianças. Porisso, alguns dos programas brasileiros que sedestacaram, nacional e internacionalmente, apre-sentam como uma de suas qualidades o fato deescutarem as crianças e de levarem em conside-ração sua realidade de vida, evitando julgar o seucomportamento.

O Brasil tem igualmente se destacado pelaelaboração de uma vasta literatura a respeito do

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Deve-

se ainda considerar

que, a despeito da importância

do estabelecimento de um enfoque

que prime pela prevenção, isso não

basta. Ao falar-se em prevenção, o que se

tem em mente são problemas e riscos a

serem evitados. Um outro enfoque seria,

efetivamente, a ênfase sobre as

possibilidades e os potenciais existentes

para a promoção de um

desenvolvimento saudável para

todas as crianças.

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perfil, das condições de vida e das necessidades dosmeninos de rua. Estudos tais como diagnósticos eanálises de situação possibilitaram o entendimentodas várias facetas das vidas das crianças que viveme/ou trabalham nas ruas do país. Embora de formamenos expressiva, algumas dessas pesquisas pro-duziram análises sobre as causas do problema e suaprevenção. No início dos anos 90, um grupo depesquisadores comparou a situação familiar das cri-anças que viviam nas ruas versus as que traba-lhavam nas ruas de Goiânia, por meio de entrevistasrealizadas com crianças, adolescentes e seus pais. Oestudo revelou que a coesão familiar constituía umimportante fator. Comparadas com famílias de cri-anças que trabalhavam, mas que mantinham o elocom os filhos, as famílias com crianças vivendo nasruas geralmente não funcionavam como unidadescooperativas. Foi a primeira pesquisa no gênero naépoca, tendo grande repercussão, pois desmistifi-cava uma série de crenças sobre essa população.Viu-se, por exemplo, que as famílias mais pobresnão eram necessariamente as menos coesas e que,em algumas destas famílias, mesmo com todas asdificuldades as crianças eram cuidadas e se sentiamresponsáveis por colaborar no orçamento familiar,pois eram realmente parte daquelas famílias(Fausto & Cervini, 1991; Rizzini et al, 1992).

Um outro estudo, desta vez realizado commeninas que moravam nas ruas de Recife e meninasexploradas sexualmente através da prostituição, indi-cou que aquelas que terminavam nas ruas, com fre-qüência haviam sido abusadas sexualmente em casa(Vasconcelos, 1992). Pesquisas como estas podemoferecer importante subsídio para as políticas sociais

a respeito do que poderia ser feito para evitar a saídade crianças para as ruas, buscando-se formas deapoio à família e às crianças na própria comunidade.

Deslocando o Foco sobre os“Meninos de Rua” para Todas asCrianças e Adolescentes

Observa-se, nos últimos anos, uma gradualmudança no sentido de existir uma preocupaçãomaior com um enfoque preventivo. São programasque procuram assistir crianças e jovens caracteri-zados como vulneráveis, mas que ainda estãoconectados ao seio familiar e, talvez, ainda fre-qüentem a escola14.

Podemos afirmar que, apesar de identificar-mos essa tendência no Brasil e na América Latinaem geral, as ações preventivas ainda são limitadas.Pouco se tem feito para desenvolver esforços foca-dos na família e na comunidade que sirvam deapoio para evitar que as crianças se afastem de seumeio. Este ponto é fundamental, pois sabemos quea partir do momento em que uma criança passa ater que aprender a sobreviver nas ruas é muito difí-cil o seu retorno à família e à comunidade.

Políticas e programas preventivos são umindício de mudança no foco atual de assistência a umnúmero relativamente pequeno de crianças e jovensque vivem e trabalham nas ruas, ou que se encon-tram em outras circunstâncias adversas ao seudesenvolvimento integral, como os jovens que seencontram em conflito com a lei e são privados deliberdade. Além do que proporcionam um número

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Figura 1

DESLOCANDO O FOCO DO RISCO PARA A PROMOÇÃODE DESENVOLVIMENTO

Paradigma de risco Paradigma de desenvolvimento e bases de apoio

Serviços para uma parcela pequena da população Serviços para todas as crianças e jovensinfanto-juvenil

Pouca participação de famílias e comunidades Promove a participação de famílias e comunidades

Serviços oferecidos depois que problemas se manifestem e, Serviços voltados para a promoção do às vezes, com difícil reversão desenvolvimento saudável

Enfoque nos problemas e riscos da criança e do adolescente Enfoque nas habilidades e competências da criança e do adolescente

de vantagens que ainda não foram plenamenteexploradas no Brasil e em grande parte dos países daAmérica Latina. Programas de base preventiva nãoexcluem a necessidade de serviços de urgência paraaqueles que tenham problemas agudos. No entanto,é importante destacar que, em geral, os programaspreventivos caracterizam-se pelo baixo custo, o quesignifica que um número maior de crianças e jovenspode ser contemplado pela mesma quantidade derecursos (Barker, Fontes, 1996).

Deve-se ainda considerar que, a despeito daimportância do estabelecimento de um enfoqueque prime pela prevenção, isso não basta. Ao falar-se em prevenção, o que se tem em mente são pro-blemas e riscos a serem evitados. Um outroenfoque seria, efetivamente, a ênfase sobre as pos-

sibilidades e os potenciais existentes para a pro-moção de um desenvolvimento saudável para todasas crianças. A título de exemplo, citamos debatesdos quais participamos em alguns países como osEstados Unidos, Colômbia e Venezuela sobre políti-cas e programas baseados num modelo de pre-venção de risco versus outros que possuem umaabordagem mais ampla fundada em modelos depromoção de desenvolvimento, isto é, serviços deapoio e atividades de que quaisquer crianças ejovens podem participar (Barker, 1994, 1996).

O modelo de prevenção de risco tem sidocriticado por basear suas ações apenas nos aspec-tos negativos, ou seja - problemas, fracassos e defi-ciências - de crianças, jovens, famílias e comu-nidades, ao invés de visar a melhoria de suas possi-

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bilidades de desenvolvimento e aconsolidação de suas competên-cias (ver figura 1). É precisoque se diga que a prevençãofocada no risco tambémpode servir para, direta eindiretamente, estigmatizare segregar crianças ejovens. Por exemplo, progra-mas que procuram “prevenir”a delinqüência, podem trans-mitir à criança e àqueles ao seuredor a mensagem de que são efe-tivamente delinqüentes em potencial, ouque pelo menos assim são percebidos pelasociedade.

O modelo de prevenção é também ques-tionado por pressupor que crianças e jovens comboas condições materiais estão livres de problemase riscos, e não necessitam de ajuda ou de atençãoespecial. De acordo com Pittman e Cahill, emestudo realizado nos Estados Unidos sobre ativi-dades que promovem o desenvolvimento dejovens:

“(...) O Desenvolvimento juvenil (...) deveria ser vistocomo um processo permanente e inevitável no qualtodos os jovens estão engajados e participando. A ênfaseaqui é na constância e inclusão de todos os jovens.Afirmam, ainda, que é comum que se assuma que odesenvolvimento juvenil ocorre naturalmente quandonão há problemas, entretanto a prevenção de comporta-mentos de alto risco não significa o mesmo que prepararo jovem para o futuro.”

(Pittman, Cahill, 1991: 3).

Podemos complementar afir-mando que, diversos países da

Europa Ocidental vêm acei-tando a noção de que todas ascrianças e adolescentes, in-dependentemente de suaclasse social e de possíveissituações de risco, reque-rem e merecem apoio e cui-

dados especiais pela virtudedo estágio de desenvolvimento

em que se encontram (Sherraden,1992). Reconhecendo as grandes

diferenças políticas, econômicas e sociaisexistentes entre a Europa e o Brasil, pode-se ques-tionar como se poderia aplicar esse tipo de mo-delo no Brasil. O argumento de que leis e serviçosbásicos de alta qualidade só servem para as cri-anças de países desenvolvidos tem servido parajustificar a falta de determinação da sociedadebrasileira em empregar qualidade e eficiência emtodas as esferas de atenção e cuidado para com ainfância. A tendência global é pressionar paraminorar práticas perversas e abusivas que cons-tituem crime por violarem os direitos da criança edo adolescente e por impedirem que se desen-volvam plenamente15.

As normativas nacional e internacional sãoclaras em preconizar o desenvolvimento integralde todas as crianças e jovens. A nosso ver, háquestões fundamentais a se abordar sobre a criaçãodos filhos na conjuntura atual, entre elas: quais sãoas bases de apoio necessárias para a promoção doseu pleno desenvolvimento? E de que maneira o

Estamos falando

aqui de planejamento

estratégico de políticas

e programas construídos sob

um foco de promoção de

desenvolvimento e de cidadania,

que em termos mais amplos

significa igualmente um melhor

desenvolvimento

do país.

Page 22: Criança não é risco é oportunidade

Estado e a sociedade civil podem colaborar paraprover esse apoio?

Entendemos que um ponto de partidaimportante para determinar o que essas bases deapoio deveriam incluir é perguntar às famílias eaos próprios jovens o que funciona ou não comoapoio, em sua perspectiva. Quando ouvidos, muitosdos pais, indiferentemente de seus níveis de renda,asseguram que gostariam de ter mais apoio para acriação dos filhos (CESPI/USU, 1999). Uma ma-neira prática para melhor entender essa questão noBrasil é olhar para as famílias de classe média, asquais financiam uma série de atividades e serviçosque funcionam como apoio em seu papel parentale visam ampliar as possibilidades de desenvolvi-mento de seus filhos.

Uma típica família de classe média oumédia-alta no Brasil, geralmente assegura que suascrianças recebam uma educação considerada demelhor qualidade matriculando-as em escolas pri-vadas e garantem um atendimento médico decentepor meio de caros planos de seguro-saúde16. Noentanto, a maioria dos pais de classe média reco-nhece que a escola particular não é suficiente parao bom desenvolvimento de seus filhos. Assim, as cri-anças e jovens são matriculados em cursos extras,que envolvem atividades esportivas (aulas denatação, clubes de futebol, etc.), e de lazer e cultura(tais como balé, artes, música, etc.). Quando apre-sentam problemas na escola ou em qualquer outrolocal, seus pais talvez as levem para um psicólogo,um fonoaudiólogo ou algum outro tipo de especia-lista. Os pais também procuram estimular o desen-volvimento de seus filhos com outras atividades li-

gadas à área profissional, taiscomo classes de línguas ou deinformática. Desta forma, amaioria das famílias de classemédia não investe mera-mente em atividades como intuito de evitar queseus filhos “semetam em confu-são”; a idéia éprocurar comple-mentar a educaçãodos filhos e mantê-los ocupados em lugares seguros17.

Existe no Brasil um aparato de indústrias deescolas privadas, tutores, psicólogos, treinadoresesportivos e professores de arte e educação paraprover esses serviços pagos por milhares defamílias que dispõem de recursos. Nosso argu-mento é que essas e outras formas de apoio aopleno desenvolvimento da criança não deveriamser acessíveis apenas como privilégio daqueles quepodem pagar, mas estimuladas e promovidas paratodos. Estamos falando aqui de planejamentoestratégico de políticas e programas construídossob um foco de promoção de desenvolvimento e decidadania, que em termos mais amplos significaigualmente um melhor desenvolvimento do país.Pouco se tem atentado para a crescente segregaçãoimposta a crianças de classes sociais distintas - hojefadadas à quase total impossibilidade de convivên-cia. Não é difícil imaginar as graves conseqüênciasa médio prazo na formação destas crianças - sejamricas ou pobres.

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Page 23: Criança não é risco é oportunidade

E, em setratando de pla-nejamento depolíticas e pro-gramas voltados

para a populaçãojovem, sabe-se mun-dialmente que a pre-

venção é menos onerosa doque todas as formas paliativas

de assistência prestada aos grupos que apresentamproblemas. Entretanto esta é uma questão cujoimpacto não pode ser avaliado de forma imediata.Nós sustentamos que o fortalecimento das bases deapoio que favorecem o desenvolvimento da criançade fato previne grande parte dos problemas queatingem esta população. Observamos porém que osresultados de um investimento deste tipo para obem-estar da criança e do adolescente são denatureza profunda e duradoura. A título de exem-plo, poderíamos comparar o caso da nutrição e daimunização. A imunização produz um impactodireto e imediato nas taxas de certas doenças infec-ciosas, ao passo que a boa nutrição tem um impactogradual e bem mais difuso18. No entanto, uma é tãoimportante quanto a outra para o desenvolvimentonormal do ciclo de vida de um indivíduo.Similarmente, diríamos que o impacto do fortaleci-mento das bases de apoio talvez seja menos diretoe mais difícil de ser mensurado, entretanto, insisti-mos que se trata de uma medida tão urgentequanto atender as crianças mais vulneráveis se ameta é promover o bem-estar da criança e dasociedade.

Outra questão que deve ser discutida emtermos de fortalecimento das bases de apoio é a alo-cação de recursos. O tradicional argumento sobreos recursos aplicados para a área da infância é o deque, contando com um orçamento curto e limitado,os fundos deveriam ser alocados para aquelas cri-anças com necessidades mais prementes. Esse éum conceito válido que também se aplica no casodas bases de apoio. Recursos governamentais deve-riam ser destinados para programas que visam aofortalecimento das bases de apoio familiares ecomunitárias identificadas como necessárias aopleno desenvolvimento das crianças.

Cabe, no entanto, atentarmos aqui para umponto problemático: o de mantermos o foco, tãoenraizado em nossa cultura, somente sobre os gru-pos “de risco”. O que se propõe é justamente acabarcom os sistemas paralelos no cuidado à populaçãojovem, os quais oferecem serviços de qualidadeexclusivamente para quem pode pagar e serviçospúblicos pobres e ineficientes para os demais19. Asbases de apoio são componentes básicos para opleno desenvolvimento de indivíduos de qualquerparte do mundo - o que variarão são as formas deapoio que se mostram mais adequadas em cadagrupamento social. Esta observação é fundamentalno que tange à questão da alocação de recursos.Pois, se no Brasil, a noção de fortalecimento dasbases de apoio ao desenvolvimento infantil e juve-nil ficar atrelada à população de baixa renda, con-tinuaremos pensando políticas e crianças de formadiscriminatória e segregadora. E dificilmentehaverá mobilização necessária para a mudança. Épreciso que os estratos médios e altos da população

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se conscientizem de que a mudança de ótica e depráticas beneficiará não apenas as crianças pobres,mas a seus filhos também.

Neste sentido, o que temos a aprender coma experiência dos Estados Unidos e países daEuropa Ocidental é que o comprometimento polí-tico capaz de assegurar o estabelecimento de políti-cas de promoção do bem-estar de todas as criançasjovens é maior quando as famílias das classesmédias são parte do sistema e seus filhos são bene-ficiados. Além disso, observou-se que os serviçospúblicos ganham em qualidade quando as famíliasde classe média participam, devido ao seu maiorpoder de reivindicação. E, de fato, essas famílias sóusarão os serviços financiados pelo governo se aqualidade dos mesmos for igual a que podem obter

no setor privado. Os serviços básicos de educação esaúde constituem um bom exemplo para refletirsobre esse ponto. As escolas e os hospitais públicosjamais teriam deteriorado ao ponto que chegaramse atendessem aos segmentos mais favorecidos dopaís. É isso que se lê em nossa legislação, masparece ser determinação nacional simplesmentedescartá-la como uma lei que não serve para oBrasil e não se aplica à sua população jovem:

“Os municípios, com o apoio dos estados e da União,estimularão e facilitarão a destinação de recursos eespaços para programações culturais, esportivas e delazer voltadas para a infância e a juventude”

(Título II, Cap. 4, Art. 59, Estatuto da Criançae do Adolescente, 1990).

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Conforme assinalamos, a mobi-lização em torno dos direitos da criança

provocou mudanças e resistênciasquanto a maneira de ver e lidar com a

infância e juventude. A reformulaçãoda lei é parte deste movimento, que

preconiza mudanças na direçãode maior igualdade no trato das cri-

anças. Assim é que diversos grupos de educadores,militantes, coordenadores de programas sociais,representantes dos Conselhos Tutelares e deDireitos da Criança e do Adolescente, entre outros,vêm lutando pela implementação do Estatuto.

Neste sentido, a direção é o estabelecimentode uma linha mais preventiva do que curativa evoltada para bem-estar de todas as crianças e ado-lescentes. No entanto, por diversas razões, não setem priorizado a criação de programas e serviçoscom estas características, seja ao nível federal,estadual ou municipal. Um das causas apontadas éa falta de recursos; contudo, essa explicação nãobasta. Ao considerarmos as práticas que prevalece-ram na história da assistência à infância no Brasil,observamos que o investimento na criança e no

adolescente foi concentrado nos segmentos paupe-rizados da população percebidos como ameaça àordem social, em particular os abandonados e osdelinqüentes. Em geral, a resposta a esse tipo deameaça ao longo do século XX foi a de tentarreprimir o problema contendo crianças e famílias,por meio de leis e de práticas institucionais deassistência e proteção aos menores20. O problemajamais foi exclusivamente de recursos. Investiu-se emuito, pois a manutenção de instituições é reco-nhecidamente mais onerosa para os cofres públicosdo que programas de apoio à família para o cuidadodos filhos (Rizzini, 1997a).

A relutância na mudança de foco em parte sedeve à falta de conhecimento a respeito dos progra-mas e serviços de apoio a crianças e adolescentesformulados e geridos pela própria comu-nidade. No Brasil e na América Latina, aspolíticas públicas têm sido tradicional-mente ditadas por governos centrali-zadores e autoritários, impedindo aconcepção de políticas públicas com aparticipação de lideranças locais. Não épor acaso que, nestes países as popu-

Visando um Sistema Universalde Bases de Apoio paraCrianças e Adolescentes

no Brasil

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lações de baixa renda, via de regra, não dispõem demeios de participação política ou acesso às esferas depoder, mesmo no que se refere a questões de gestãolocal, de seu próprio interesse21.

Ao contrário de vários países, parece nãohaver no Brasil um sentido forte de comunidadecom participação ativa no desenvolvimento de pro-gramas e serviços voltados para crianças e jovens.No entanto, não se pode negar que as comunidadessão extremamente importantes em suas vidas. É láque se encontra boa parte dos laços de afeto eamizade de uma criança. É na comunidade queestão as formas de apoio mais direto com que ospais contam para a criação dos filhos. É também acomunidade que, com freqüência, provê possibili-dades de educação, cultura e lazer, cobrindo aausência de serviços implementados pelo Estadoou complementando-os. Entretanto, grande partedas comunidades não tem qualquer envolvimentonas decisões que são tomadas acerca das necessi-dades de suas crianças e adolescentes.

No nível político, é evidente a falta de umsenso de comprometimento e de responsabilidadepara com as necessidades das crianças e adoles-centes. Mesmo considerando que todos os políticos eeleitores concordem que o abuso de crianças é algoinadmissível, pouco se tem feito para melhorar ascondições sob as quais ele se dá. Não estaríamoserrando ao afirmar que muitos deles não estãopreparados para aceitar a idéia, contida no Estatuto,de que todas as crianças e adolescentes têm direito àsmesmas oportunidades e serviços de igual qualidade.

Como toda regra tem exceção, queremosdestacar que, a despeito das tendências aqui apon-

tadas, existem diversos exemplos de programasque funcionam como apoio ao desenvolvimento decrianças e jovens, com participação comunitária eautonomia local (Barker, Fontes, 1996). A título deilustração, apresentaremos três programas deparceria comunitária, que, ao nosso ver, con-tribuem para o fortalecimento das bases de apoio eilustram as idéias aqui apontadas. Os estudos decasos que selecionamos merecem especial atençãodevido aos seguintes fatores, que consideramosimportantes: 1) são programas geridos com recur-sos públicos; 2) procuram envolver as instituiçõesda comunidade, as ONGs, os próprios jovens e seusfamiliares; 3) atingem um número significativo decrianças e jovens nas áreas em que prestamserviços e não somente os grupos percebidos comoestando em situação de risco; e 4) em geral, pos-suem uma abordagem holística de desenvolvi-mento das crianças e adolescentes, aqui entendidacomo uma abordagem que engloba múltiplosaspectos do desenvolvimento infantil, de formaabrangente e integral.

Estudos de Caso22

PROGRAMA 1:ABCs - Aprender, Brincar eCrescer (Ceará)A Secretaria de Ação Social doCeará vem trabalhando comoutros órgãos governamentais do estado, desde1991, na execução de um programa de base comu-nitária de implementação de centros de atividades

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complementares àescola. Estes cen-

tros oferecemum leque deatividades pa-ra crianças ejovens na fai-xa etária de 7

a 17 anos, nãose constituindo

um pré-requisitopara o acesso, que o

interessado esteja regularmente matriculado naescola. Entretanto, é perspectiva do programa, des-pertar naqueles que dela se evadiram, o interesseem retornar e consolidar seus laços com a escola.

Criado em 1991, inicialmente com unidadefuncionando somente na capital, o Programa ABC,teve sua expansão viabilizada por empréstimo doBanco Mundial que vem financiando parcialmente acriação de novas 20 unidades em municípiosestratégicos da Região Metropolitana e interior doestado. O Programa ABC conta hoje com 37unidades em pleno funcionamento, instaladas emáreas estratégicas de 14 bairros de Fortaleza e em 23cidades do interior do Estado, oferecendo por mêsatividades para cerca de 25.930 crianças e jovens.

O Objetivo geral dos ABCs é essencial-mente preventivo: oferecer uma alternativa capazde fortalecer os laços familiares e comunitárioscom a proposta de prevenir a migração de criançase jovens para os centros urbanos (Neto, 1994).Neste sentido, os ABCs oferecem uma combinaçãode cursos de tutoria e alfabetização; atividades cul-

turais e recreacionais; e capacitação profissional. Ogoverno estadual oferece também uma série deatividades e serviços para crianças e adolescentesque trabalham e vivem nas ruas, e para aquelesenvolvidos na prostituição.

Os ABCs são reconhecidos pelos passos queseguem para envolver a comunidade na formu-lação e implementação de cada centro. Os 20 cen-tros ABCs originais começaram formando umacomissão em cada comunidade, composta porcinco membros das associações de bairro exis-tentes no local. Essas comissões se organizarampara planejar a construção e a implementação doscentros ABCs em suas comunidades. Todos os cen-tros têm uma lista similar de atividades, no entanto,a sua combinação é determinada pela comissãorepresentativa da comunidade local e pelo corpotécnico que trabalha naquele centro específico.

O funcionamento dos centros exige a par-ticipação de vários atores. As comunidades em queestão localizados os projetos colaboram na suagestão através de suas associações de bairros. ASecretaria do trabalho e Ação Social implanta oscentros e financia os seus custos operacionais.Outros programas governamentais e da sociedadecivil encaminham crianças e adolescentes aos cen-tros para atendimento.

Os ABCs têm enfrentado diversos obstácu-los, incluindo a dificuldade em atrair apoio do setorprivado local, que tem sido mínimo; problemas emmanter um relacionamento estreito com as escolaslocais, muito embora essa seja uma constantebusca, para facilitar o acesso ou retorno de alunosevadidos do ensino regular; o desafio de oferecer

A

relutância na

mudança de foco em

parte se deve à falta de

conhecimento a respeito

dos programas e serviços de

apoio a crianças e

adolescentes formulados e

geridos pela própria

comunidade.

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cursos de capacitação profissional que sejam úteispara o mercado de trabalho local, e altas taxas derotatividade de funcionários.

Apesar do Programa ser considerado exi-toso, sua efetividade, eficiência e sustentabilidadenão estão garantidas frente a uma política deredução do aparato estatal, num contexto derecursos limitados. Para enfrentar esse desafio,uma missão do Banco Mundial sugeriu a avali-ação do Programa, em três níveis: estudo deimpacto, estruturação dos custos e desenvolvi-mento de um sistema de monitoramento dasações junto ao público-alvo, para demonstrar suautilidade e também, num nível prático, para ori-entar ajustes com a finalidade de melhorar seufuncionamento.

Finalmente, cabe ressaltar a importância docontexto político no qual os ABCs foram criados. Oestado do Ceará tem recebido reconhecimentonacional e internacional devido aos esforços dedescentralização da administração pública, favore-cendo esse tipo de iniciativa (Neto, 1994, Barker, 1996).

PROGRAMA 2:Centros Curumim (Minas Gerais) Iniciado pela Secretaria deEsporte, Lazer e Turismo doEstado de Minas Gerais, o pro-jeto Curumim foi concebido apartir da linguagem e men-

sagem do Estatuto da Criança e do Adolescente arespeito do direito da criança de brincar e de sercriança. O projeto procura oferecer às crianças de

baixa renda atividades lúdicas e de lazer como umcomplemento ao sistema público de ensino. Apesardo trabalho ter seu foco em crianças pobres, oficiaisdo governo estadual insistem em dizer que o pro-grama é um passo em direção à universalização daeducação no Brasil, referindo-se ao desejo de esta-belecer um sistema público de apoio ao ensino edu-cacional disponível a todas as crianças.

Os centros Curumim são centros recre-ativos complementares à escola, construídos emcomunidades de baixa renda do estado de MinasGerais. Cada centro Curumim inicia suas ativi-dades com um levantamento de informações dacomunidade envolvida, procurando mapear as ini-ciativas já existentes na comunidade e identificar aspossíveis necessidades e deficiências. Após essaetapa inicial, firma-se um convênio entre o municí-pio local e o Estado.

O município responsabiliza-se pelo espaçopara o funcionamento do centro, e o governo esta-dual provê os materiais de construção e as despesasde manutenção. Os centros oferecem uma varie-dade de atividades para crianças de 6 a 12 anos, nasáreas de lazer, cultura, esporte, recreação, artes ediversas formas de assistência e tutoria das crianças,propiciando-lhes a oportunidade de ampliar suaspossibilidades de interação social. O objetivo princi-pal do programa é oferecer às crianças um lugarseguro para brincar e “ser criança”. Além disso,objetiva, também, apoiar as crianças em seus estu-dos, reduzindo as taxas de repetência escolar.

Assim como os ABCs, esse programa éaberto a todas as crianças de uma determinadacomunidade de baixa renda. Porém, cabe ressaltar

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que o programa tem também como meta, darassistência a crianças caracterizadas como estandoem situação de risco, particularmente aquelas quepertencem a famílias que apresentam dificuldadeem mantê-las. Entre 1991-95, 140 centros Curumimforam construídos no estado de Minas Gerais, 20desses na capital do estado, Belo Horizonte. Desde1996, esses centros têm oferecido atividades paracerca de 40.000 crianças. Mais recentemente, oscentros que atuam fora de Belo Horizonte e regiãometropolitana foram municipalizados. Os centros,segundo técnicos da Secretaria, constituem umespaço de referência no trabalho dirigido a criançascom uma participação ativa das comunidades.

PROGRAMA 3: Cidade Mãe (Bahia)Cidade Mãe foi inicialmente

concebido como um projeto fun-dado em 1993 pela Prefeitura da cidade

de Salvador, com financiamento dos go-vernos estadual e municipal. Atualmente, a Fun-dação Cidade Mãe é um órgão da Prefeitura quedesenvolve um programa de atuação complemen-tar à educação de caráter formal, proporcionandoatividades voltadas para contribuir com o desen-volvimento integral da criança e do adolescente.Tem como princípios fundamentais uma visão decriança e adolescente como sujeitos de direitos e aimportância do resgate da auto-estima e da cons-trução de um projeto de vida como norteadores deum autoconceito positivo, necessário para a for-mação da cidadania.

Os principais serviços oferecidos pelaFundação são a formação de Empresas Educativasde capacitação profissional e atividades pedagógi-cas complementares à escola bem como atividadesesportivas e culturais. É desenvolvido em áreas debaixa renda de Salvador, tendo como população-alvo crianças e adolescentes na faixa-etária de 7 a18 anos incompletos, de famílias numerosas cujamédia é de 6 pessoas por domicílio, com renda infe-rior a um salário mínimo. Além disso, a Fundaçãotambém atua com crianças e jovens em situação derua através de Casas de Acolhimento. Entre 1994 e1999 a Fundação acumulou um atendimento decerca de 40.000 crianças e adolescentes.

A principal estratégia da Fundação CidadeMãe é criar um sistema integrado de intervençõesque ofereça assistência multidisciplinar e capaci-tação profissional para os jovens. Os serviços sãooferecidos aos adolescentes por meio de equipesinterdisciplinares que desenvolvem planos indivi-duais de apoio aos mesmos, baseados no levanta-mento das necessidades de cada um, tendo em vistasua capacitação profissional. Dessa forma, os jovenssão encaminhados e integrados a serviços queprocuram atender às suas necessidades. Segundo orelato de participantes do programa, alguns dosprincipais desafios encontrados são: a dificuldadeem envolver as famílias dos jovens, principalmentedevido à falta de tempo para participar de atividadescomunitárias; a burocracia envolvida, os atrasos norecebimento dos recursos provenientes do governoestadual e os baixos salários da equipe de trabalho,contribuindo para a alta taxa de rotatividade dosmesmos (Barker, Fontes 1996).

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Considerações Sobre osEstudos de Caso: Propostase Dilemas

Esclarecemos que, ao destacarmos esses progra-mas, não estamos sugerindo que a mera imple-mentação de programas comunitários voltadospara crianças e adolescentes no Brasil produzirá oefeito de acabar com os sistemas de exclusão epobreza existentes. Como lembrado por Dewees eKlees (1995) em sua análise sobre as políticas des-tinadas aos/as meninos/as “de rua”, é preciso evitara idéia simplista de aplicar-se uma racionalidadetécnica, que é a crença de que ao elaborar ereplicar modelos programáticos para resolver pro-blemas sociais iremos, de fato, resolvê-los, sem nosdetermos nas estruturas de poder e nas questõessociais básicas. Afirmam os autores que a raciona-lidade técnica não falha simplesmente devido aproblemas de implementação, corrupção governa-mental, ou mesmo pela falta de boa vontade e deboas idéias. Por outro lado, as políticas educa-cionais e outras políticas sociais não resolvem osproblemas, pois há muitos interesses em jogo e háos que se beneficiam por fazerem muito pouco paraa mudança de estruturas ligadas a questões capita-listas, patriarcais, racistas, entre outras (Dewees,Kless, 1995).

Os programas citados certamente não cons-tituem exemplos de mudança estrutural, no sentidode abarcarem as esferas de poder e de renda, masrepresentam avanços em direção à melhoria de vidade diversas crianças e adolescentes pobres. Comovimos, os três programas visam a atuação em

comunidades de baixa renda;assim sendo, de certa formaacabam reforçando a idéiade que este grupo dispõe deacesso limitado a serviços deboa qualidade, em contrastecom o amplo acesso dossegmentos mais fa-vorecidos a serviçospagos, porém de me-lhor qualidade.

Esta é, semdúvida, uma forma desegregação e discriminação que atinge a populaçãojovem de baixa renda que é, com freqüência, tambémnegra ou mestiça, contribuindo para perpetuar asdiferenças de classe e raça. Dessa forma, apesar de serverdade que as crianças que participam dos progra-mas acima descritos não estejam nas ruas, é verdade,também, que essas crianças não estão freqüentandoas mesmas escolas, hospitais, cursos de natação ou defrancês que as crianças das classes média e alta.

A segregação que afeta a população jovemem formação no Brasil e na maior parte da Américaexerce grande influência sobre o futuro da região.Nos últimos anos, a tendência à privatização dossetores de saúde e educação, para citar os maisbásicos, tem contribuído para aumentar essadivisão social, o que constitui uma tendência inclu-sive nos países industrializados do norte daAmérica. É particularmente perturbador o fato deque nos últimos anos crianças (e suas famílias) dasclasses média e alta procurem evitar o uso de trans-porte público e outros espaços públicos percebidos

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como perigosos, onde há a presençade “pivetes” e “meninos de rua”.É como se as crianças, porserem tão diferentes, nadativessem em comum e nãopudessem se identificarenquanto crianças quesão.

Desconhecemosas implicações a longoprazo desta crescente di-visão geográfica, econômi-ca e social; porém a questãoé, de certo, preocupante. Comoas crianças cada vez mais con-vivem somente com outras iguais a elas,pode-se supor que não terão a chance de perce-ber e sentir por si mesmas o que as aproxima ou asdistancia das outras. E se pensarmos que as cri-anças que provavelmente ocuparão as funções deliderança no país amanhã estão se formando den-tro desta perspectiva, a expectativa de construçãode caminhos mais democráticos não parece muitopromissora.

E se, ao invés de se construir centros ABC,Curumim e Cidade Mãe em comunidades de baixarenda, alguns desses centros fossem construídosem bairros de classe média? Por uma questão deeqüidade, esses centros poderiam cobrar dasfamílias uma pequena taxa de uso do local e nãoreceberiam necessariamente recursos do governo.O envolvimento de fa mílias de classe média pode-ria trazer importantes resultados de longo prazo,em termos de um maior comprometimento político

para assegurar a criação de progra-mas para toda a população

infantil e juvenil e melhorara qualidade dos serviços

prestados.O pressuposto

aqui é o de que um en-volvimento mais iguali-tário e positivo das cri-anças e das famílias de

diferentes classes sociaiscontribuiria para modi-

ficar, aos poucos, suas visõesde mundo assim como as pers-

pectivas de mundo de seus filhos.Não se trata de uma proposta simples

nem de um desafio novo. Muitos países se vêemconfrontados com múltiplos dilemas relativos aquestões como democracia, direitos e eqüidade,principalmente quando se observa a facilidade e arapidez com que a segregação se dá num mundoglobalizado.

Um outro ponto que nos parece importanteé o estudo de mecanismos que possibilitem o forta-lecimento das bases de apoio para a populaçãoinfantil e juvenil, através do contato direto com ospais e familiares. Na Europa Ocidental e nosEstados Unidos, tais serviços de apoio às famíliastêm incluído várias formas de subsídio, desdefinanceiros a psicológicos, incluindo orientaçãoquanto à nutrição, emprego, escola, aconselha-mento domiciliar em situações de crise, entre ou-tros. Há a necessidade de examinar, no Brasil, quetipos de serviços e formas de apoio seriam cultural-

Ressaltamos

que o modelo básico dos

programas descritos, que

pressupõe envolvimento

comunitário e familiar, representa

um avanço positivo na direção da

prevenção. Ou seja, representa um

movimento de distanciamento

do foco sobre problemas já cristalizados

e um reconhecimento de que

o Estado tem o papel de promover

o desenvolvimento de todas

as crianças.

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mente apropriados e financeiramente viáveis. Écomum que propostas que pareçam mais ousadasou que dependam da participação direta da famíliasejam descartadas sem maiores considerações.Vale lembrar o sucesso de programas desenvolvi-dos em várias localidades do país que oferecemsuporte financeiro às famílias para evitar que ascrianças tenham que trabalhar e possam per-manecer na escola (OIT,1998).

Ressaltamos que o modelo básico dos pro-gramas descritos, que pressupõe envolvimentocomunitário e familiar, representa um avanço posi-tivo na direção da prevenção. Ou seja, representaum movimento de distanciamento do foco sobreproblemas já cristalizados e um reconhecimento deque o Estado tem o papel de promover o desen-volvimento de todas as crianças em escala maisampla. Além disso, são programas de grandealcance, beneficiando um grande número de cri-anças e jovens em locais próximos à sua moradia.

Finalmente, gostaríamos de nos referir àslimitações destes programas e à necessidade desermos realistas quanto ao seu impacto a curtoprazo. As iniciativas descritas nos três estudos de

caso foram “vendidas” com ajustificativa de que pre-veniriam que as criançasrepetissem de ano ouque terminassem indopara as ruas. No entanto,um programa comunitário,complementar à escolatalvez não tenha por si sóeste tipo de alcance.Para a maioria das cri-anças que vivem em comu-nidades de baixa renda,as causas determinantesdo fracasso escolar, dos problemas familiares, daviolência e do abandono são profundas, estruturaise multifacetadas. O risco é de que se depositenestes programas a responsabilidade de resolverproblemas que estejam fora de seu alcance. Mesmoassim, não temos dúvidas de que muitas criançasjamais teriam partido para as ruas ou se envolvidoem tantas situações adversas ao seu desenvolvi-mento se suas famílias tivessem encontradosuporte local.

Page 34: Criança não é risco é oportunidade

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“A criança e o adolescente têm direito a proteção à vidae à saúde, mediante a efetivação de políticas sociaispúblicas que permitam o nascimento e o desenvolvi-mento sadio e harmonioso, em condições dignas deexistência”.(Estatuto da Criança e do Adolescente, Título II, Art. 7).

Um sistema que promova o nascimento e odesenvolvimento sadio e harmonioso da criança edo adolescente, cujos direitos são traduzidos emtermos da criação de condições dignas de existên-cia, talvez pareça algo demasiado utópico emgrande parte do mundo. Muitos criticam o Estatutoda Criança e do Adolescente e a Convenção dasNações Unidas sobre os Direitos da Criança porconsiderá-los fora da realidade. Porém ambostratam de princípios fundamentais de crucialimportância para o desenvolvimento humano epara o futuro de todos os países. Ambos visamgarantir as condições adequadas ao desenvolvi-mento de todas as crianças - o que hoje só é pos-sível para aqueles que dispõem de recursos finan-ceiros.

Em termos práticos e concretos, o Estatutoe a Convenção devem ser vistos como instrumentoscapazes de fomentar mudanças de paradigmas e deintervenção. Podem ser considerados como umponto de partida em direção à reformulação depolíticas e programas voltados para a população

infantil e juvenil,visando o bem-estarde toda a sociedade. Aonosso ver, estas ques-tões estão ligadas à ne-cessidade de busca de al-ternativas que, efetivamente, levem emconsideração o desenvolvimento integral de cadaindivíduo. O que aqui procuramos definir comobases de apoio, compõem justamente os alicercesdesse desenvolvimento pleno das potencialidadeshumanas contidas em cada ser. Por isso referimo-nos à criança não como risco, mas como oportu-nidade.

A proposta essencial deste texto foi a derefletir sobre mudanças de enfoque e atitude emrelação ao entendimento da criança e do adoles-cente enquanto seres em formação no contextoatual. Buscou-se centrar o debate sobre aimportância de se desviar o foco de uma concepçãode ação baseada em situações de risco para englo-bar as necessidades e os direitos de todas as cri-

Reflexões Finais

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anças e adolescentes (ver figura 2). Argumentamosque a experiência acumulada a partir dos progra-mas desenvolvidos com meninos de rua, por exem-plo, nos deixou importantes lições que devem serutilizadas para indicar novas direções no sentido deevitar que tantas outras sejam vítimas do mesmotipo de situação cruel e injusta. Um passo a serdado é compreender, de maneira mais ampla eprofunda, de que forma se pode, efetivamente, pro-mover o desenvolvimento pleno de todas as cri-anças, envolvendo suas famílias e comunidades,com o devido apoio do Estado e da sociedade civil.Essencialmente inquirimos e debatemos ao longodo texto sobre possíveis caminhos. Para tanto,procuramos sugerir algumas direções e mecanis-

mos que funcionem como apoio aos pais e a todosaqueles que têm crianças e jovens sob seus cuida-dos.

Mudanças são processos em curso. Elasdemandam tempo e condições adequadas para seimpor, a despeito das resistências e obstáculos.Transformar as práticas autoritárias, paternalistase discriminatórias que têm caracterizado aassistência à infância em muitos países é umdesafio considerável. O primeiro passo é tratarmosde implementar as leis e acordos já aprovados eratificados. Há muitos grupos internacionaisempenhados neste sentido. O Estatuto e aConvenção constituem pontos de partida para nosaproximarmos de certos objetivos contidos em seus

Figura 2

VISANDO UM SISTEMA UNIVERSAL DE BASES DE APOIO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O enfoque de promoção de desenvolvimento procura encorajar e fortalecer as bases de apoio para toda

criança e adolescente

O enfoque de risco tem enfatizado...• Meninos de rua• Adolescentes Infratores• Mães adolescentes• Crianças vítimas de abuso sexual e maus tratos• Crianças trabalhadoras, etc.

O enfoque de promoção fala de...• Promoção de desenvolvimento harmonioso e integral (ECA)• Possibilidades• Competências• Habilidades• Potenciais

O enfoque de risco fala de...• Vulnerabilidade• Deficiências• Carências• Desvios• Problemas

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artigos, os quais versam, em síntese, sobre aimportância de se assegurar um mundo que protejaa criança do inóspito e estabeleça condiçõesfavoráveis ao seu desenvolvimento. O que se buscaé um sistema de apoio universal, que beneficie atodas as crianças e adolescentes. Isso implica nanoção de criança baseada no direito ao desenvolvi-mento saudável e harmonioso, sem qualquer tipode discriminação - princípio básico a ser respeitadonuma democracia de verdade.

Os argumentos aqui expostos defendemuma mudança pautada em preceitos de direitoshumanos, de responsabilidade ética pelas gera-ções futuras e de equidade. Enquanto as idéias epráticas vigentes predominarem, as condições dís-pares e indignas de vida continuarão impedindo ocrescimento de milhões de indivíduos. Se esta é aescolha, devemos, ao menos admitir que,enquanto sociedade, continuaremos produzindoproblemas evitáveis e despendendo recursos ape-nas para minorá-los. É uma estratégia política,porém equivocada, pois beneficia apenas a umapequena parcela da população, criando profundos

desajustes sociais. Não por acaso o Brasil con-segue o milagre de manter-se entre as dez maio-res economias mundiais e exibir indicadoressócio-econômicos e humanos comparáveis aospaíses mais pobres ou de economia precária domundo.

Não há dúvida de que o Brasil está se tor-nando cada vez mais conectado ao ritmo desen-freado da economia global. Avanços tecnológicos ecompetição internacional implicam na necessidadede maior capacitação em termos de educação e for-mação humana. O Brasil terá que se adequar aoritmo imposto ou ficará para trás. Vemos que asmudanças exigidas pela economia global vêm afe-tando o Brasil mais diretamente do que no passadoe, por isso, teremos que repensar suas prioridadesde investimento. Sob esse ponto de vista, diríamosque a mudança de paradigma e foco aqui discutida,usando-se como exemplo a imagem “das criançasde rua para todas as crianças” não é meramenteuma questão de equidade social para o Brasil, massim, de fato, um investimento necessário para opresente e futuro do país.

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1. Herbert de Souza, conhecido como Betinho, foi um dos

ativistas sociais mais importantes na área de direitos

humanos que o Brasil teve nos últimos tempos. Por suas

idéias e ideais de democracia, Betinho foi forçado per-

manecer no exílio por vários anos durante a ditadura mili-

tar. No decorrer da década de 80 até a sua morte em 1997,

ele foi o responsável por uma importante campanha em

prol da participação cívica e da cidadania que mobilizou

todo o país.

2. O termo “meninos de rua” geralmente refere-se àquelas

crianças e jovens que trabalham ou que gastam a maior

parte do seu tempo nas ruas. É também utilizado para ca-

racterizar o grupo bem menos expressivo da população

jovem que dorme nas ruas e que não tem mais contato com

suas respectivas famílias e comunidades.

3. Problemas envolvendo crianças e jovens, em particular

aqueles oriundos de famílias pobres, vêm sendo diagnosti-

cados há mais de cem anos. Ver em publicações da

CESPI/USU, a análise de categorias de criança associadas a

problemas ao longo da história, como por exemplo, os

expostos, os desvalidos, a criança criminosa, o pequeno

operário, os menores abandonados (física e moralmente),

os menores delinqüentes, etc. (Rizzini, 1995, 1997, 2000).

4. A definição originou-se a partir do desenvolvimento do pro-

jeto de pesquisa-ação coordenado por Irene Rizzini e Gary

Barker, numa parceria entre a CESPI/USU e o Instituto

PROMUNDO. Utilizamos o termo “bases de apoio” calcados

na literatura de sociologia e psicologia, em particular psi-

cologia do desenvolvimento e psicanálise (Erikson, 1971,

Mills, 1975, Nunes, 1978, Bowlby, 1984, 1988).

5. De acordo com Erikson, a criança desenvolverá, em sua

primeira fase, um sentimento de confiança básica ou de

desconfiança básica (em si e no mundo), dependendo de

como transcorrerem suas primeiras experiências (Erikson,

1971).

6. Esse é também o argumento apresentado no Relatório de

Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, inteira-

mente dedicado ao tema do desenvolvimento humano

como sendo um direito (UNDP, 1997, 2000).

7. Ver a respeito as publicações da CESPI/USU, IBGE, UNICEF

e Banco Mundial, que constam da bibliografia.

8. A contagem de crianças e jovens que se encontram nas ruas

é uma tarefa complicada, devido ao seu estilo de vida. As

tentativas de contagem destes grupos têm sido questiona-

das no tocante a confiabilidade dos métodos e resultados.

No entanto, o fato é que estas contagens apresentam um

quadro um pouco mais realista do número de crianças de

rua se comparadas às estimativas que antes eram usadas.

Um estudo realizado em São Paulo encontrou dados indi-

cando que 4.520 crianças e jovens circulavam pelas ruas da

cidade durante o dia, mas somente 895 dormiam nas ruas

de noite (Jornal do Brasil, 1995). Em Salvador, Bahia, um

estudo divulgou a existência de 15.743 crianças e jovens tra-

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Notas

Page 39: Criança não é risco é oportunidade

balhando nas ruas e 468 vivendo nas ruas (Projeto Axé, 1993).

Em Fortaleza, uma pesquisa encontrou 184 crianças e jovens

vivendo nas ruas em um universo de 5.962 crianças e jovens

trabalhando nas ruas (Secretaria de Ação Social, 1994).

9. Essa visão ambivalente da criança - como estando em perigo

e sendo perigosa - tornou-se um dos temas dominantes do

debate ocorrido no Brasil - nas primeiras três décadas do

século 20 - acerca da necessidade de se criar reformas jurídi-

cas para os “menores”. As crianças e os jovens pobres eram,

claramente, definidos pela legislação como um perigo em

potencial, e diversos artigos eram dedicados a regular a situ-

ação dos “menores” física e moralmente abandonados e dos

delinqüentes juvenis (Rizzini, 1997 a/b).

10. Nos anos 80, o termo “crianças em circunstâncias especial-

mente difíceis” tornou-se muito empregado. Em princípio

teria sido utilizado pela primeira vez em publicação do

UNICEF. Outros termos com a mesma conotação também

tornaram-se comuns, como por exemplo: “crianças social-

mente excluídas”, “crianças em situação de risco” e, mais

recentemente, “crianças em situação de vulnerabilidade”.

11. Ou crianças como “agentes de mudança de suas próprias

vidas”, no dizer de William Myers (1988:137).

12. É importante esclarecer que a crítica aqui é sobre o foco da

intervenção e não sobre as pessoas envolvidas nos progra-

mas. Nós, que tivemos a oportunidade de acompanhar

inúmeros grupos de educadores de rua, aprendemos com

seus depoimentos muito sobre a sua dor e seu sentimento

de impotência diante de situações de profunda

desumanidade que vivenciavam com as crianças em seu

cotidiano de trabalho.

3. Um passo além desse será eventualmente considerar as cri-

anças como um todo, inclusive aquelas que hoje não são

percebidas como “de risco”, devido às suas condições mate-

riais - mas, que na verdade, têm algumas necessidades

especiais para seu pleno desenvolvimento (Estatuto da

Criança e do Adolescente).

14. Cabe aqui lembrar que os sistemas de educação, em geral,

vêm sendo alvo de debate e críticas em inúmeros países,

reconhecendo-se a necessidade de reformulação para que

melhor se adeqüem aos interesses e competências das cri-

anças e jovens de hoje.

15. A prevenção com relação às crianças acabarem morando

e/ou trabalhando nas ruas implica, também, em mudanças

no nível macro-social, incluindo melhorias nos setores

públicos de saúde e educação, e na transformação do sis-

tema econômico que exclui e marginaliza milhares de

famílias pobres. De qualquer modo, até mesmo em países

da Europa Ocidental e América do Norte, por exemplo,

onde o setor público de educação oferece serviços mais ade-

quados para a maioria da população, ainda tem sido reco-

nhecida por vários de seus governantes, a necessidade de

serviços de apoio adicionais para crianças e adolescentes.

Serviços esses que os apoiem em seus estágios especiais de

desenvolvimento e que façam a ligação entre o sistema

escolar e outros serviços sociais. Para maiores informações

sobre esse assunto ver, por exemplo, Sherraden, 1992, e

Whalen & Wynn, 1995.

16. Escolas privadas e planos de saúde privados são demasi-

adamente caros para a maioria da população. Uma escola

privada pode custar o equivalente a cerca de 3 a 5 salários

mínimos mensais por criança.

38

Page 40: Criança não é risco é oportunidade

17. A simples existência destes serviços para crianças e jovens da

classe média não significa que eles estejam tendo um desen-

volvimento feliz, ou que se tornem cidadãos mais saudáveis.

Muitas vezes, os jovens da classe média se vêem como meros

consumidores dos serviços oferecidos, mantendo-os devida-

mente ocupados, sobretudo quando não há qualquer pre-

ocupação com o desenvolvimento da criança e do jovem.

18. Joan Costello, Chapin Hall Center for Children, University

of Chicago (comunicação pessoal).

19. Este ponto é objeto de preocupação em muitos países,

inclusive dos países industrializados. A tendência tem sido

a de oferecer serviços pobres para os pobres. Por outro lado,

sabe-se que quando se pensa em mudança social, de pouco

adianta o investimento tendo o olhar voltado somente para

o pobre, o doente, o deficiente e o marginalizado. Ver a

respeito o livro de Kahn e Kamerman, “Not for the Poor

Alone. European Social Services” (1975).

20. Ainda hoje, o que se pleiteia são medidas de repressão mais

duras e precoces, como por exemplo, o rebaixamento da

idade penal. Há na data de hoje um grande número de pro-

jetos de lei tramitando no Congresso Nacional, que visam o

rebaixamento da idade penal, de 18 para 16 anos (Goiás,

1999).

21. O termo utilizado em inglês para especificar esse tipo de

poder, conquistado no processo de exercício da cidadania

numa democracia, é Empowerment. Não há ainda um

termo em português que possa captar seu sentido por

inteiro. Em comunicação oral recente, Aspásia Camargo o

definiu como compartilhar o poder, abrangendo também o

sentido de instrumentalizar os indivíduos para a auto-per-

cepção de sua capacidade de gerir.

22. Os dados sobre os estudos de caso foram atualizados em

setembro de 2000.

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IRENE RIZZINI é professora e pes-quisadora da Universidade Santa Úrsula e Di-retora da Coordenação de Estudos e Pesquisassobre a Infância (CESPI), Rio de Janeiro. Formadaem Psicologia, Serviço Social e Sociologia, a pro-fessora Rizzini é atualmente Vice-Presidente doConselho da CHILDWATCH International Research Network, Noruega, e uma das Editorasde CHILDHOOD, Sage Publications. É autora dediversos livros, entre os quais estão: A Arte deGovernar Crianças: a História das PolíticasSociais, da Legislação e da Assistência à Infânciano Brasil; Deserdados da Sociedade: Os “Meninosde Rua” da América Latina; O Século Perdido: asRaízes Históricas das Políticas Públicas para aInfância no Brasil; Imagens da Criança no Brasil:séculos XIX e XX; A criança e a Lei: Revisitando aHistória (1822-2000).

GARY BARKER é Diretor do InstitutoPROMUNDO, uma ONG brasileira que trabalhacom pesquisa e desenvolvimento de políticaspúblicas relacionadas a crianças e adolescentes.Ele é também doutorando do Instituto Eriksonpara Estudos Avançados em DesenvolvimentoInfantil, Chicago, EUA, e bolsista do Open Society

Institute e consultor para a Organização Mundialde Saúde na área de desenvolvimento adoles-cente. Gary Barker é também um pesquisadorassociado a CESPI/USU. Suas publicaçõesrecentes incluem: Non-violent Males in ViolentSettings, Reconsidering Adolescent Boys: AnAnalysis of the Health and Development Needsof Adolescent Boys, Gender Equitable Boys is aGender Inequitable World: Reflections fromQualitative Research and Programme Development in Rio de Janeiro.

NEIDE CASSANIGA obteve o título deMestrado em Educação e Desenvolvimento peloInstituto de Educação da Universidade deLondres e, em 1997, foi bolsista internacional naChapin Hall Centre for Children, Universidadede Chicago e pesquisadora do Consortium forStreet Children, Reino Unido. Ela é pesquisadoraassociada a Coordenação de Estudos e Pesquisassobre a Infância (CESPI), da Universidade SantaÚrsula. Publicou, recentemente com Rizzini eBarker: Children, Participation, and Democracy:a Case Study of the Statute of the Child andAdolescent in Brazil. Contato:[email protected]

Sobre os autores

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CRIANÇA NÃO É RISCO,É OPORTUNIDADE:

Fortalecendo as “bases de apoio” familiares ecomunitárias para crianças e adolescentes

Uma iniciativa de integraçãoUniversidade - Comunidades - ONGs

Coordenação: CESPI/USU - Universidade Santa Úrsula

Instituto PROMUNDO

A iniciativa

É uma proposta de pesquisa e ação desti-nada a identificar, valorizar e fortalecer recursosfamiliares e comunitários que promovam o desen-volvimento integral de crianças e jovens

Destina-se a:

• Mapear as propostas e ações que funcionamcomo apoio familiar e comunitário no cuidado decrianças e adolescentes;

• Analisar de que formas estas propostas podem

ser integradas e articuladas no âmbito das políti-cas sociais, bem como identificar as lacunas exis-tentes;

• Fornecer subsídios às famílias, às instituiçõescomunitárias e aos organismos responsáveis pelaformulação de políticas e implementação de pro-gramas sociais, tendo em vista o fortalecimentodas bases de apoio e a prevenção de problemasque atingem a população infantil e juvenil;

• Publicar e disseminar material educativo, desti-nado a públicos diversificados;

• Identificar os elementos fundamentais que com-põem os alicerces do desenvolvimento integralda criança, o que denominamos de bases deapoio.

As Bases de Apoio

São recursos familiares e comunitários queoferecem segurança física, emocional e afetiva acrianças e jovens. Referem-se tanto a atividades ouorganizações formais (creches, escolas, programasreligiosos, clubes, centros juvenis...), quanto a for-mas de apoio espontâneas ou informais (redes de

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Anexo

Síntese do PROJETOCESPI/USU-PROMUNDO

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amizade e solidariedade, relações afetivas significa-tivas, na vida das crianças e jovens, oportunidadesdisponíveis na própria comunidade que con-tribuam para o seu desenvolvimento integral...).

Foco

Freqüentemente associamos o termo“comunidade” a populações de baixa renda.Entretanto, nossa proposta é contemplar os diver-sos segmentos da sociedade brasileira, atuando nainterface comunidade-família-criança.

Em sua primeira fase, a iniciativa focalizaduas comunidades de baixa renda no Rio deJaneiro. Em etapas posteriores, o projeto incluirágrupos de outras classes sociais e de diferentespartes do país.

Pressupostos

• As políticas sociais e os programas destinados àpopulação jovem em situação de pobreza nor-malmente priorizam seus problemas, fracassos edeficiências e, com freqüência, atingem criançase adolescentes quando já se encontram em situ-

ação de difícil reversão. É necessária umamudança de mentalidade que tenha como alvocompetências e potenciais – da criança/jovem, dafamília e da comunidade.

• Os elos estabelecidos entre crianças/adoles-centes e sua família e comunidade são vitais edevem ser levados em conta na elaboração depolíticas e programas sociais em favor de cri-anças e jovens.

• O conhecimento das bases de apoio, bem comodas lacunas existentes, fornece subsídios maissólidos para orientar e fortalecer as famílias e asações destinadas a crianças e adolescentes,atuando-se de forma preventiva.

• Existe uma ampla produção intelectual, nacionale internacional, sobre o desenvolvimento infantile juvenil e sobre as condições de vida destapopuFa lação que pode e deve ser melhor apli-cado no Brasil - com exemplos e idéias claraspara as comunidades, famílias e organizaçõesque trabalham com crianças e jovens.

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