cp104543 estrutura constitucional da segurança publica no brasil

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  • ODILARDO GONALVES LIMA

    ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DA SEGURANA PBLICA NO BRASIL

    Belm 2005

  • ODILARDO GONALVES LIMA

    ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DA SEGURANA PBLICA NO BRASIL

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Direito da Universidade da Amaznia (UNAMA), como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Direito, orientada pelo Prof. Dr. Luiz Alberto Rocha.

    rea de Concentrao: Direito do Estado. Linha de Pesquisa: Constituio, Direitos Humanos e Relaes Internacionais.

    Belm 2005

  • ODILARDO GONALVES LIMA

    ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DA SEGURANA PBLICA NO BRASIL

    BANCA EXAMINADORA:

    ___________________________________________

    ___________________________________________

    ___________________________________________

    Data: ____/____/2005

    Belm 2005

  • DEDICATRIA

    Em memria.

    Ao colega

    Carlos Ailton Castro de Matos.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos professores do nosso Curso.

    Ao meu Professor Orientador,

    pelo apoio.

    Aos colegas da turma.

    Aos funcionrios do Mestrado em Direito

  • EPGRAFE

    O meu povo est sendo destrudo

    porque lhe falta conhecimento.

    (Osias, 4,6).

  • RESUMO

    O estudo teve como objetivo analisar a estrutura constitucional da segurana pblica no Brasil. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliogrfica em que se revelaram os fundamentos conceituais do Estado e da ordem social. Observou-se a fundamentao jurdica e criminolgica da segurana pblica e a organizao policial. As grandes transformaes materiais e sociais que caracterizam a era moderna impem imensos desafios ao direito segurana. A criminologia crtica discute o efetivo controle da criminalidade para garantia de direitos das pessoas no mundo contemporneo. As instncias de controle social assumem papel relevante no processo de evoluo e complexidade da vida em sociedade. O direito segurana se encontra no bojo de documentos internacionais. No Brasil, a segurana pblica obrigao do Estado, que deve assegurar a todos a convivncia pacfica. Os rgos policiais so instrumentos do Estado para a garantia deste direito. Conforme ditames da Constituio, a segurana pblica mecanismo que contribui para afirmar e promover os direitos humanos no Brasil.

  • ABSTRACT

    These studies propose to analyze the constitutional structure of public security in Brazil. For this, it was made a bibliography research were ist revels basis conceptual of the State and the Social order. It was observed juridical and criminology basis of security and political organization. The biggest material and social transformations that characterize the modern age impose a great challenge to the securitys right. Critical criminology argues the effective criminalitys control to guarantee people right in the contemporary world. The instances of social control adopt a relevant role in the evolution process and complexity of society life. Security right is in the international documents. In Brazil, the public secutity is States obligation, that must assures everybody pacific acquaintance. Political organs are the State instruments to guarantee this right. Conform the Constitutional Rules, the public security is a mechanism that contributes to affirm and prove the human rights in Brazil.

  • SUMRIO

    INTRODUO 12

    Captulo 1 - ESTADO E ORDEM SOCIAL 14

    1.1. Poder Poltico e Estado Moderno 14

    1.1.1. Poder Poltico 14

    1.1.2. Estado Moderno 21

    1.1.3. Estado Brasileiro 27

    1.2. Globalizao e Ordem Social 31

    1.2.1. Globalizao 31

    1.2.2. Direitos Sociais 36

    1.2.3. Criminalidade 42

    Captulo 2 - FUNDAMENTOS DA SEGURANA PBLICA 46

    2.1. Criminologia 46

    2.1.1. Introduo 46

    2.1.2. Criminologia Crtica 47

    2.2. Direito Penal 51

  • 2.2.1.Introduo 51

    2.2.2.Direito Penal 52

    2.3. Direito Internacional 54

    2.3.1.Organizaes Internacionais 54

    2.3.2.MERCOSUL 60

    2.3.3.Estados Unidos da Amrica do Norte 63

    Captulo 3 - ESTRUTURA CONSTITUCIONAL E LEGISLATIVA 65

    3.1. Introduo 65

    3.1.1. Noes Histricas 65

    3.1.2. Poder de Polcia 69

    3.1.3. Sistema de Justia Criminal 78

    3.2. Controle Social 83

    3.2.1. Introduo 83

    3.2.1. Instncias Informais de Controle Social 85

    3.2.2. Instncias Formais de Controle Social 87

    3. 3. Fundamentos Constitucionais 90

  • 3.3.1. Princpios Jurdico-Constitucionais 90

    3.3.2. Doutrina de Segurana Nacional 96

    3.3.3. Estrutura Organizacional da Polcia 100

    CONCLUSO 107

    BIBLIOGRAFIA 111

  • 1

  • 2

  • 3

  • 4

  • 5

  • 6

  • 7

  • 8

  • 9

  • 10

  • 11

    INTRODUO

    O presente estudo tem por objetivo analisar a estrutura constitucional da segurana

    pblica no Brasil, observando a perspectiva dos direitos humanos.

    Os temas relacionados segurana pblica e aos direitos humanos vm sendo

    discutidos com elevada preocupao pela sociedade, pelo poder pblico e por setores

    acadmicos. Desenvolvem-se importantes iniciativas nacionais e nos fruns internacionais, diante do avano constrangedor da violncia e da criminalidade, no sem antes enfrentar o

    paradoxo entre restrio das liberdades e garantia de direitos.

    Muitas concepes e experincias sobre estas questes so apresentadas, quase sempre

    insuficientes para atender ao clamor social e, raras vezes, compatibilizando o gnero direito

    segurana com os princpios da espcie direitos humanos.

    A segurana um direito imanente prpria existncia da humanidade. pressuposto

    da vida, harmonizando a sobrevivncia dos seres e do meio ambiente. No Brasil, a natureza

    do direito segurana pblica envolve-se neste sentido de proteo e garantia, na forma

    prevista no artigo 144, da Constituio Federal de 1988:

    A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida

    para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio,

    atravs dos seguintes rgos: (...).

    Neste sentido, o presente trabalho por meio de estudo exploratrio procurou responder

    seguinte hiptese: A segurana pblica um requisito essencial para o desenvolvimento dos

    direitos humanos no Brasil?

    Para conformar-se a esta indagao do trabalho foram estabelecidas as seguintes

    questes norteadoras:

    1. De que modo ocorre a evoluo do Estado moderno e da ordem social?

    2. Quais os fundamentos tericos da segurana pblica?

    3. Quais os fundamentos constitucionais da segurana pblica?

    4. A segurana pblica essencial para o exerccio dos direitos humanos?

    Para responder a estas questes foram determinados os seguintes objetivos:

  • 12

    1. Descrever o processo de evoluo histrica do Estado moderno e da ordem social.

    2. Identificar os fundamentos tericos da segurana pblica.

    3. Analisar os fundamentos constitucionais da segurana pblica.

    4. Explicar a importncia da segurana pblica para o exerccio dos direitos

    humanos, imanentes pessoa e ao convvio em sociedade.

    Ao final, este estudo foi organizado em trs captulos, na seguinte ordem: o primeiro,

    em que se relata a evoluo poltica e da ordem social do Estado moderno, no contexto da

    globalizao e da criminalidade. O segundo, aborda a fundamentao terica da segurana

    pblica no mbito da criminologia e do direito e, o terceiro, em que se analisa, especifica e

    primordialmente, o fundamento constitucional da segurana pblica, considerando a sua

    importncia para assegurar os direitos da pessoa humana.

  • 13

    CAPTULO 1 ESTADO E ORDEM SOCIAL

    O objetivo deste captulo descrever os fundamentos tericos e histricos que

    contextualizam a segurana pblica em relao ao Estado e ordem social, que se ampliar

    pelo contedo de todo o trabalho adiante.

    A idia central a segurana pblica como uma das expresses do poder do Estado

    para garantir o exerccio dos direitos humanos, por conseguinte, da ordem social. Em

    decorrncia, surgem preliminarmente trs questes inter-relacionadas: o poder poltico e o

    Estado moderno, a ordem social contempornea e o direito segurana pblica.

    1.1. Poder Poltico e Estado Moderno

    1.1.1. Poder Poltico.

    O poder poltico aparece de forma natural como principal rgo de onde emana a

    estrutura jurdico-positiva da sociedade, sobretudo a Constituio em sentido poltico-

    jurdico.

    De incio, h de se compreender o poder como fenmeno social, cujo reconhecimento

    generalizado pelos grandes nomes da doutrina sociolgica e da Cincia Poltica na

    atualidade, a partir da viso de que toda sociedade possui uma ordem social desejvel,

    estabelecida na razo direta dos seus valores, uma vez que o homem est sempre submisso a

    padres e comportamentos que lhes so impostos de fora pelo grupo. Possvel entend-lo

    enquanto veculo para se alcanar determinada ordem social, representando a idia de Direito

    e objetivando o bem comum.

    uma necessidade que chega a gerar normas de conduta inclusive, jurdica que

    refletem esta mesma idia de Direito, e que Moreira Reis (1972:82) diz ser a primeira crena a

    fundamentar o poder e a exigir o consentimento para a sua realizao. Ou como afirma

    Hermes Lima, que sem iniciativa, sem direo, a ordem pblica no se estabelece, nem

    perdura.

    Por outro lado, o poder poltico possui bases psico-sociais, j que seu objetivo final

    realizar idias, o que pressupe o entendimento do poder como relao social bipolar,

    constitudo, primeiro, pela vocao psico-social de alguns em se fazerem obedecer, e

  • 14

    segundo, pela vocao psico-social de muitos em serem obedientes. Tambm em razo da

    anterior idia de Direito existe uma influncia entre os dois componentes desta relao: os

    primeiros com atuao predominantemente ativa, enquanto os segundos identificam-se com

    atuao predominantemente passiva, conforme observado por Timasheff (1939:159).

    Quanto formao histrico-sociolgica, o poder atravessou trs fases ou as fases de

    maturao poltica (Prlot:1973): do poder difuso, do poder personalizado e do poder

    institucionalizado, que conviveram sem uma diviso cronolgica exata, pelo contrrio,

    coexistiram duas ou mais formas, em diferentes pocas. Da mesma forma possvel localizar

    no mundo contemporneo, em paralelo ao poder institucionalizado, prprio da forma estatal,

    manifestaes do poder personalizado, atravs das chamadas ditaduras de direita ou de

    esquerda.

    No primeiro estgio difuso, existia o cl onde o poder pertencia ao grupo por no

    existir uma sociedade hierarquizada, mas sim, uma coletividade comunitria e igualitria. O

    poder se dividia uniformemente pela massa social, sem concentrar-se em um ponto ou em um

    indivduo particular. So formas de poder que correspondem s formas de evoluo da

    organizao poltica nos diversos perodos da Histria, tambm visveis na expresso do

    Estado Moderno.

    o que Prlot (1973:157) afirma sobre o poder em seu estgio difuso no perodo do

    cl:

    Como conseqncia, o meio primitivo no uma sociedade hierarquizada,

    seno uma coletividade comunitria e igualitria. O poder pertence ao grupo;

    nada pode apoderar-se dele to pouco retir-lo. Reparte-se uniformemente na

    massa social. No existe concentrao em um ponto ou em um indivduo

    particular, em resumo, no h rastro de poder individual.

    Ao analisar este perodo, Azambuja (1969:50) comenta que, na realidade, o poder

    difuso enquanto fundado nos costumes e na tradio, no to annimo como o descrevem

    alguns socilogos e cientistas polticos. At porque em toda sociedade, ainda que sem

    organizao poltica estvel, uma diferenciao era fatal: ante as crianas, as mulheres e os

    velhos invlidos, os homens adultos formavam um grupo dominante, pois se encarregavam

  • 15

    dos alimentos e da defesa contra os inimigos, referindo-se a uma estratificao social baseada

    no sexo, colocando-a como fundamento da relao de poder.

    No segundo estgio, o poder a princpio difuso no cl passa a se concentrar e fixar na

    pessoa do chefe, que dele se torna depositrio e eminente, sem, contudo, abandonar a noo

    de totem, que se modifica para explicar e justificar o poder. Desta maneira, este smbolo da

    coletividade do cl primitivo se torna para todos o emblema pessoal do chefe, que absorve ao

    totem como seu braso e estandarte e a impessoalidade passa a substituir a individualizao da

    autoridade poltica.

    Finalmente, no terceiro estgio ocorre a institucionalizao do poder, que Burdeau

    (1962:13) define como a transferncia do fundamento do poder da pessoa dos governantes

    para uma entidade o Estado. O governante deixa de ser proprietrio do poder,

    transformando-se em algum que nele se encontra desempenhando uma funo, mandato

    poltico-temporrio vinculado a normas de direito, ou normas jurdicas de conduta, que lhe

    so anteriores e lhe subsistiro.

    Constata-se, pois, que o poder poltico um fenmeno social, inerente a toda a vida

    comunitria, por mais primitiva que esta seja. Burdeau (1964:189) assevera no existir

    sociedade sem poder e no existir poder sem possibilidade de estabelecer normas. Logo, toda

    sociedade possui uma ordem social desejvel, impossibilitando pensar o homem em vida

    grupal sem submisso a padres e comportamentos, que de fora so impostos pelo grupo.

    O prprio Burdeau (1964:185) conceitua o poder poltico como sendo uma fora ao

    servio de uma idia. Pode ser tambm uma fora da vontade social preponderante, destinada

    a conduzir o grupo em direo a uma ordem social que considera benfica e, conforme o caso,

    capaz de impor aos seus membros os comportamentos que esta busca exige. A vontade

    coletiva dominante termina por estabelecer os valores prevalecentes no ordenamento da

    sociedade.

    Na doutrina brasileira, o jurista Jos Afonso da Silva (1989:94), a partir do

    entendimento do poder como fenmeno scio-cultural, ou seja, que o fato imanente vida

    social, admite que fazer parte de um determinado grupo social o reconhecimento de que ele

    pode exigir certos atos ou um comportamento conforme os objetivos a serem alcanados,

    mesmo submetendo-se a certas limitaes, uma vez que o poder prprio do grupo.

  • 16

    Para Silva, correto definir o poder como uma energia capaz de coordenar e impor

    decises visando realizao de determinados fins. O Estado como grupo social em instncia

    soberana, empolga tambm o seu poder, assim considerado o poder poltico ou poder estatal.

    A este poder cabe circunscrever e ordenar a sociedade estatal ou sociedade civil, constituda

    pela diversidade de grupos sociais e indivduos, considerando a realizao dos fins ltimos do

    Estado.

    Como poder superior aos demais poderes sociais, o poder poltico os reconhece, rege e

    domina, ordenando-lhes as relaes e dos indivduos mutuamente, buscando a manuteno da

    ordem e estimulando o progresso para o bem comum. O mesmo Silva, conclui afirmando ser

    essa superioridade do poder poltico, que caracteriza a soberania do Estado, cujo resultado ,

    ao mesmo tempo, independncia em confronto com os demais poderes fora da sociedade

    estatal (soberania externa) e supremacia sobre todos os poderes sociais existentes no interior

    dessa sociedade estatal (soberania interna).

    Outros conceitos de poder poltico e seus elementos podem-se observar em diferentes

    autores, como Weber (1969:45), para quem se trata de um conceito sociologicamente

    indefinido e quer dizer que poder significa a possibilidade de impor a prpria vontade, dentro

    de uma relao social, ainda assim contra toda resistncia e qualquer que seja o fundamento

    dessa probabilidade.

    O espanhol Heras (1957:301) tambm tem o entendimento de que todos os fenmenos

    polticos so fenmenos de poder, prelecionando que o que caracteriza fundamentalmente o

    poltico a coao que o respalda, a possibilidade de apelar para fazer valer sua eficcia e, ao

    mencionar outro estudo, conclui que o poder poltico , antes de tudo, a faculdade eficaz de

    regulamentar a conduta humana.

    Pode-se constatar que em todos os conceitos apresentados por tantos dos maiores

    estudiosos da Sociologia e da Poltica, um termo perpassa todos eles: imposio. Ento, surge

    necessariamente o questionamento sobre at que ponto a fora e a sano so elementos

    indispensveis ao fenmeno poder. Concretamente, pode ser em razo da prpria natureza

    daquilo sobre o que o poder poltico se exercer o homem -, com sua possibilidade de ser

    livre e, portanto, fazer a escolha final de seu comportamento, apenas dentro dos limites e

    parmetros estabelecidos pelo grupo.

  • 17

    Mais ainda, para Hermes Lima (s/d: 11), destacado da natureza, o mundo humano

    apresenta problemas prprios de uma ordem que social pelo fato de decorrer da atividade

    intelectual e produtiva inerente espcie humana. exatamente essa ordem social que no se

    arruma sem um instrumento organizador. O poder esse instrumento. Desta forma, o

    elemento pelo qual se opera a imposio inerente ao poder pode ser chamado de fora ou

    coao, que Maurice Duverger (s.d: 16) j identifica em sentido amplo do seu significado.

    Segundo Duverger, como poder se designa todo elemento exterior aos indivduos que

    exera sobre eles uma presso destinada a obter a obedincia aos governantes. Ou seja, pode

    tratar-se de uma coao puramente material e fsica (a polcia ou o exrcito) ou de uma

    coao psicolgica ou psico-sociolgica (tal como resulta do peso dos costumes, por exemplo,

    ou da fora da propaganda).

    Por fim, no demais retomar algumas situaes para melhor esclarec-las, de acordo

    com Gerth e Mills (1973:210), a saber: primeiro, a fora ou coao como justificativas para

    uma ilimitao do poder, j que este tem e deve estar fiel aos valores e idias vigorantes no

    grupo. O segundo, diz que a fora ou coao como origem do poder, uma vez que a

    explicao do poder e da obedincia, em termos do mais forte, limita-se situao de tornar-

    se chefe poltico ou militar. O mesmo tambm se aplica gang, onde o terror do mais forte

    corporal. Alm destas situaes, no entanto, o problema do Poder no pode ser reduzido a

    uma simples questo de fora fsica.

    No que se refere relao social bipolar desta anlise do poder, necessrio lembrar

    que no lado oposto fora h outro elemento, a obedincia. Esta fora s se consegue quando

    e na medida em que a atuao do poder traz em sua base os valores sociais, alm da idia de

    direito aceita pela sociedade. Decorre precisamente de que nenhum poder consegue se manter

    a partir do instante em que esta atuao se indispe com os interesses ltimos do grupo.

    Desta forma, segundo Heras (1975:03), mando e obedincia no s se complementam,

    como se engendram mutuamente, enquanto duas categorias que regem o fenmeno do poder.

    Todo poder real, efetivo, positivo, supe uma obedincia, pois no manda quem quer, mas

    quem pode e encontra obedincia.

    A partir desta concepo pode-se concluir que os vnculos entre poder e obedincia

    convergem para uma questo de consenso ou anuncia atividade que aquele est tendo,

  • 18

    visando o bem comum tal como entendido em determinado momento geogrfico e histrico,

    como bem mostrado na evoluo do constitucionalismo ocidental contemporneo.

    Encerrando o estudo sobre o poder poltico como elemento formal do Estado cabe a

    fundamental questo da legitimidade, das mais controvertidas e de maiores repercusses no

    Direito positivo, tanto interno quanto internacional, por assegurar a justificao para o fato de

    que uns mandam e muitos obedecem. Interessante, pela atualidade, o entendimento de

    Caetano (1972:253) ao mencionar a legitimidade quanto ao ttulo e legitimidade quanto ao

    exerccio.

    No primeiro caso, o governante teria o poder de acordo com as normas vigentes de

    escolha e investidura, j na outra tipificao haveria uma relao entre o desempenho de sua

    funo frente do poder e as idias que pregou, disse representar e ser capaz de realizar.

    Ainda no raciocnio dos dias de hoje, importante tambm lembrar Burdeau (1968:5)

    para quem, enquanto as instituies constitucionais indicam uma imagem fixa da vida

    poltica, a cincia poltica prope uma viso dinmica. Em outras palavras, o poder poltico

    como fora a servio de idias, em contnuo processo de mudana, no permite analisar a

    realidade poltica apenas em seu aspecto formal ou com base nos princpios das normas

    poltico-constitucionais.

    Torna-se necessrio que o estudo do poder poltico no prescinda do seu enfoque

    dinmico, mesmo se realizado em uma perspectiva do Direito Constitucional ou da Teoria do

    Estado. o fenmeno que Burdeau chama de poderes de fato e que Loewenstein (1964:427)

    chama de grupos pluralistas - porque nenhuma sociedade estatal moderna pode ser analisada

    exclusivamente debaixo da luz de suas instituies constitucionais e legais, prescindindo do

    papel que os grupos pluralistas jogam no processo poltico.

    Segundo Dantas (1989), esta situao importante, pois se consolida cada vez mais a

    presena de tais foras na vida poltica, bem como a influncia que elas imprimem, at mesmo

    na elaborao do ordenamento poltico-constitucional positivo, alm de servir para

    demonstrar a complexidade que os estudos da Cincia Poltica e do Direito Constitucional

    alcanaram, sendo-lhes necessrio recorrer, freqentemente, s concluses da Sociologia e de

    outras cincias sociais.

  • 19

    Todas estas consideraes encontram ressonncia no pensamento do terico portugus

    Boaventura de Sousa Santos (2003:32), quando prope a reinveno da emancipao social

    pelo delineamento de formas de complementaridade entre o modelo hegemnico de

    democracia, que chama de liberal, representativa, e o modelo de democracia participativa ou

    popular. Aquela global e prevalecente, com densidade atenuada, onde as elites privatizam os

    bens pblicos, apressam a distncia entre representantes e representados e acentuam a

    excluso social por meio da incluso social abstrata.

    Enquanto, por seu lado, a democracia participativa avana na mobilizao por meio

    das comunidades e grupos subalternos, contra a excluso social e a banalizao da cidadania,

    em busca de contratos sociais mais inclusivos e de democracia de mais alta intensidade. So

    alternativas locais que desenvolvem crescentes vnculos de interconhecimento e de interao

    com iniciativas paralelas, formando, ainda embrionrias, verdadeiras redes transnacionais de

    democracia participativa.

  • 20

    1.1.2. Estado Moderno

    Neste segundo momento, apresenta-se o estudo sobre o Estado moderno em sua

    pertinncia com o poder poltico antes delineado. O vocbulo Estado originou-se de status,

    que significava um estado de coisas, a situao em que se encontrava um reino ou uma

    comunidade. Na Europa medieval, conceitos clssicos como status reipublicae ou status

    civitatum foram usados na formao de magistrados e prncipes, orientando-os sobre o dever

    de manuteno das cidades em timo ou prspero estado (o optimus status reipublicae de

    Ccero e Sneca).

    O Estado era a comunidade como um todo, a vida poltica bem ordenada. Ainda na

    tradio republicana, embora se distinga o Estado daqueles que o controlam, no se faz

    qualquer distino entre poder do Estado e poder dos cidados, ou seja, cada um deles s

    existe na medida do outro. Todavia, foi na obra de Nicolau Maquiavel, O Prncipe, que

    surgiu, pelo menos de forma deliberada o termo Estado com o sentido atual.

    Porra Perez (1966:27) ao discutir com outros tericos sobre o estudo das disciplinas

    Cincia Poltica e Teoria do Estado, afirma que o objeto desta ser o Estado, considerado

    como as sociedades polticas que as investigaes lhes permitam aplicar esse qualificativo de

    ser estatal, ou seja, aquelas que Heller (1971) considera como Estado Moderno: a

    organizao poltica que se d na Europa a partir do Renascimento. Dantas (1989:71, 123)

    tambm concorda com a Teoria do Estado como a Teoria do Estado Moderno, de Heller, uma

    vez que renega a denominao de Estado s formas de organizao poltica que lhe

    antecederam.

    Desta feita, segundo Bonavides (1997:20), deste entendimento que surge o conceito

    de soberania, fundamental para a compreenso dos princpios do Estado moderno, uma vez

    que os pases atuais estabelecem a soberania como um dos seus alicerces, fornecendo-lhe o

    registro constitucional, assim como as cartas e documentos das organizaes internacionais. O

    Estado moderno em sua consolidao conceitual remonta ao final da Idade Mdia e comeo

    da Renascena no sculo XVIII, justamente quando a soberania se manifesta e cristaliza,

    perdurando at hoje, apesar da globalizao e do neoliberalismo que convergem na

    resistncia, buscando afast-la das atuais teorias de poder.

  • 21

    Por seu turno, Santos (2000:263) ao tratar das relaes entre as sociedades nacionais, o

    sistema interestatal e a economia mundial, refere-se eroso do poder estatal, cuja presena

    no significa que cabe ao Estado menos fundamento para as funes polticas exigidas pelo

    sistema mundial, at porque a eroso do poder estatal , quase sempre, provocada pela ao

    do prprio Estado.

    Enquanto isso, a imensido do campo jurdico, superando o campo jurdico estatal at

    os campos jurdicos locais e transnacionais, no implica diminuir a centralidade do direito

    estatal nas sociedades nacionais, nem a centralidade do direito internacional no sistema

    interestatal.

    Bonavides (1997:27) leciona que o Estado moderno se assenta no pressuposto da

    converso do Estado absoluto em Estado constitucional, ou seja, o poder centrado no mais

    em pessoas, mas em leis, sendo estas, e no mais as personalidades, que governam o

    ordenamento social e poltico. Torna-se a legalidade seu valor anterior e superior,

    concretizada textualmente nos Cdigos e nas Constituies. Assim, da realizao do

    constitucionalismo, decorrem trs modalidades essenciais de Estado: Estado constitucional da

    separao de poderes, o Estado liberal; Estado constitucional dos direitos fundamentais, o

    Estado social; e o Estado constitucional da democracia participativa, ou Estado democrtico-

    participativo.

    O Estado constitucional da separao de poderes surgiu em seguida aos dois grandes

    perodos revolucionrios da segunda metade do sculo XVIII: a Revoluo da Independncia

    Americana e a Revoluo Francesa. Desta, emergiu a Europa das nacionalidades, da

    conscincia constitucional, da legitimidade constituinte, das monarquias constitucionais, fruto

    das idias dos filsofos contratualistas (Locke, Montesquieu, Rousseau, Siyes, Constant e

    Kant), pensando transformar o mundo e refazer as instituies.

    So estes tericos da liberdade que inspiram a Declarao dos Direitos do Homem e

    do Cidado (1789), na qual os constituintes franceses de 1791 elaboram a frmula da diviso

    de poderes, afirmando que toda sociedade, em que no se assegura a garantia dos direitos nem

    se determina a separao de poderes, no tem Constituio. Deste documento emerge o

    Direito Constitucional que mais veio influenciar a Idade Moderna.

  • 22

    Isto ocorre, basicamente, porque no esprito conceitual deste princpio insere-se a

    constitucionalidade programtica de elevada salvaguarda e garantia dos direitos humanos

    como direitos fundamentais de primeira gerao, correspondente, conforme Moraes

    (1997:70), aos direitos individuais, polticos e nacionalidade, ou direitos de liberdade,

    balizador do Estado Liberal.

    Em seguida, afirma Bonavides (1997:31), a Declarao funda o Estado de Direito, seja

    considerado Liberal, Democrtico ou Social, uma vez que h de garantir a concretizao da

    liberdade, demarcar o poder dos governantes, fazer da moralidade administrativa princpio e

    f pblica, ou princpio de governo, e elevar os direitos fundamentais ao estado de conquista

    inviolvel da cidadania.

    O Estado constitucional dos direitos fundamentais o sucessor do chamado Estado

    Liberal antes delineado com a separao de poderes, das formas de governo e dos direitos

    da liberdade (individuais, civis e polticos) -, configurando o clssico Estado de Direito do

    incio do Constitucionalismo. Assim, o novo Estado constitucional faz prevalecer a justia

    sobre a liberdade como paradigma social superior, mesmo distante de alcanar um igual nvel

    de insero, positividade e concreo da liberdade, j tida por adquirida e positivada nos

    ordenamentos constitucionais.

    Enquanto isso, os direitos sociais e o direito ao desenvolvimento compreendem,

    genericamente, os direitos da justia que introduzem, progressiva e evolutivamente, os

    direitos da segunda e terceira geraes, respectivamente, os direitos sociais ou direitos de

    igualdade, caractersticos do Estado Social e os direitos difusos ou direito de fraternidade ou

    solidariedade, caractersticos da proteo internacional dos direitos fundamentais (Moraes:

    1997, 71).

    Finalmente, Bonavides refere-se ao Estado constitucional da democracia participativa.

    Configura-se como o Estado no qual se busca construir concretamente os direitos da justia,

    em favor do que chama de cidadania-povo e cidadania-Nao, mediante um

    Constitucionalismo de normas indistintamente principiolgicas.

    Quer dizer, para Bonavides, os princpios sendo essncia da constitucionalidade,

    ocupam a supremacia na hierarquia dos ordenamentos jurdicos na sociedade contempornea,

    de maneira mltipla, complexa e pluralista, confirmando a jurisdio constitucional que

  • 23

    regula o equilbrio e harmonia das heterogeneidades sociais, da justia sobre a vontade e a

    poltica dos governantes. Com a democracia participativa a soberania passa do Estado para a

    Constituio porque a Constituio o poder vivo do povo, representao do povo

    juridicizado, ou o povo na sua verso mais prpria e extrema de sua identidade com a

    soberania, da qual sujeito e titular inviolvel.

    Em estudo sobre reinveno da emancipao social, Santos (2003:71-78) no s

    discorda da pretenso hegemnica de universalidade e exclusividade da democracia liberal,

    como prope algumas questes e respostas como crdito a concepes e prticas democrticas

    contra-hegemnicas, ante a impossibilidade de recolher delas solues universais aplicveis

    em qualquer contexto.

    Santos demonstra que, principalmente a partir dos anos 60, o modelo hegemnico de

    democracia liberal, em prtica na Europa ocidental e na Amrica do Norte, convivia com

    outras prticas polticas que se apresentavam com o status democrtico, feitas sob os valores

    de critrios autnomos e distintos daqueles prprios da democracia liberal. Estas prticas,

    todavia, perderam fora e credibilidade ante o modelo democrtico liberal, imposto pelo

    Banco Mundial e pelo Fundo Monetrio Internacional ao exigir tal status como condio

    poltica para a concesso de emprstimos e ajuda financeira.

    Quanto aos questionamentos, Santos refere-se primeiro perda da demodiversidade,

    ocorrida nos ltimos trinta anos em nvel global, entendida esta como a coexistncia pacfica

    ou conflituosa de diferentes modelos e prticas democrticas. Atribui ainda dois fatores de

    negatividade dessa perda: o primeiro fator pertinente justificao da democracia. Quer

    dizer, se a democracia possui um valor intrnseco e no s instrumental, inscreve-se em um

    conjunto cultural especfico, o da modernidade ocidental, da no podendo assumir-se como

    universal, ao contrrio, deve reconhecer a coexistncia com outros conjuntos, em um mundo

    cada vez mais multicultural. Seno, prevalecer a reivindicao imperial.

    O segundo fator de negatividade relaciona-se distino entre democracia como ideal

    e democracia como prtica. Trata-se da distino para justificar a baixa intensidade

    democrtica dos regimes polticos vigentes, comparados aos ideais democrticos

    revolucionrios do termo do sculo XVIII e meados do sculo XIX. Santos defende a

    aspirao democrtica sria e se recusa a aceitar sua prtica caricata ou como fatalidade

  • 24

    baixa intensidade democrtica, que o modelo hegemnico imps a participao dos cidados

    na vida poltica.

    O segundo questionamento refere-se ao local e ao global, ou possibilidades de

    articulaes transnacionais entre diferentes experincias locais de democracia participativa,

    ou entre essas experincias locais e movimentos ou organizaes transnacionais interessados

    na promoo da democracia participativa. O terceiro questionamento designa os perigos da

    perverso e da cooptao no bojo da reduo a partir do sculo XX, das aspiraes

    revolucionrias do sculo XIX em prejuzo dos objetivos de incluso social e de

    reconhecimento das diferenas, ao final, pervertidos e convertidos no seu contraponto.

    Os riscos desta descaracterizao podem atingir as prticas de democracia

    participativa ao serem cooptadas por interesses e atores hegemnicos e atravs de diferentes

    caminhos, tais como: burocratizao da participao, novos formatos de clientelismo,

    instrumentalizao partidria, excluso de interesses subordinados atravs do silenciamento

    ou da manipulao das instituies participativas.

    Por ltimo, o quarto questionamento pertinente relao entre democracia

    participativa e democracia representativa, embora no sendo uma resposta adequada no

    supera um certo simplismo terico - pressupe a capacidade de lidar com a complexidade

    cultural e administrativa sem o aumento da escala diferenciadora e, sobretudo, mostra existir

    um processo de pluralizao cultural e de reconhecimento de novas identidades.

    Santos admite duas formas de combinao entre democracia participativa e

    representativa: coexistncia e complementaridade. Coexistncia requer uma convivncia, em

    nveis diversos, das vrias formas de procedimentalismo, organizao administrativa e de

    desenho institucional. J a complementaridade exige uma articulao mais consistente entre

    ambas as formas, pressupondo a aceitao governamental do procedimentalismo participativo,

    de formas pblicas de monitoramento dos governos e de que os processos de deliberao

    pblica podem substituir, parcialmente, o processo de representao e deliberao, diferentes

    da concepo do modelo hegemnico de democracia.

    Ao contrrio deste modelo, o objetivo associar ao processo de fortalecimento da

    democracia local formas de renovao cultural ligadas a uma nova institucionalidade poltica,

    que restaure na democracia as questes da pluralidade cultural e da incluso social.

  • 25

    Depois de analisar todas estas questes, sobre a concepo de democracia participativa

    como delineamento para reinveno da emancipao social, Santos (2003:78) conclui

    apresentando trs teses para o fortalecimento da democracia participativa. A primeira tese

    prope o fortalecimento da demodiversidade, ou seja, a noo de democracia sob mltiplas

    formas, a partir da consolidao onde o sistema poltico flexibiliza prerrogativas de deciso

    em favor de instncias participativas e do multiculturalismo, do fortalecimento das

    experincias recentes de participao e de deliberao pblica.

    A segunda tese indica o fortalecimento da articulao contra-hegemnica entre o local

    e o global que, fundamentalmente, a passagem do contra-hegemnico do plano local para o

    global, e que no podem prescindir da colaborao de atores democrticos transnacionais,

    onde a democracia ainda se fortalece, bem como possam servir de modelo de experincias

    alternativas ao modelo hegemnico. Finalmente, a terceira tese de Santos diz respeito

    ampliao do experimentalismo democrtico, ou a necessidade de que se multipliquem

    experimentos nos planos da pluralidade cultural, racial e distributiva da democracia.

    Por termo pode-se afirmar que a compreenso de Estado moderno abrange a

    complexidade das teorias do Estado constitucional da democracia participativa, de Paulo

    Bonavides, contendo os princpios como essncia da constitucionalidade. Todavia, sem

    excluir, segundo Boaventura de Sousa Santos, a democracia representativa, em nveis

    diversos de coexistncia, convivncia e complementaridade, delineando a reinveno da

    emancipao social.

  • 26

    1.1.3. Estado Brasileiro

    A formao do Estado brasileiro compreende, basicamente, trs fases histricas, a

    partir da sua evoluo poltico-constitucional: fase colonial, fase monrquica e fase

    republicana.

    A fase colonial assentou no sistema de capitanias hereditrias que consistia na diviso

    da colnia em doze reas territoriais, todas com frente para o Atlntico, e doadas a pessoas

    particulares ricas, dispostas a morar no Brasil para coloniz-lo e defend-lo. Esta a

    caracterizao que segue, conforme explicitada por Silva (1990:62).

    Apesar dos donatrios possurem poderes quase absolutos sobre seus domnios,

    estabeleceu-se, porm, uma completa disperso do poder poltico e administrativo, sem

    nenhuma instncia de articulao entre as capitanias, que se relacionavam diretamente com a

    metrpole. Para superar esta condio, em 1549, mesmo preservando o regime das capitanias,

    estabeleceu-se o sistema de governadores-gerais, como elemento unitrio na organizao

    colonial.

    Tom de Sousa o primeiro governador nomeado e legitimado por um Regimento do

    Governador-Geral, carta solene de organizao do regime colonial, fixando a ordem jurdica,

    atribuindo ao governador-geral poderes de governo poltico e de governo militar de toda a

    colnia. Documento que antecipa uma verdadeira carta poltica e esboa a estrutura do futuro

    Estado brasileiro independente, baseado no predomnio da disperso do poder poltico e de

    centros efetivos de poder locais como fatores concretos de poder, ainda hoje perpassando a

    organizao poltica do pas: a formao coronelstica oligrquica.

    A fase monrquica inicia-se, efetivamente, com a chegada da Corte de D. Joo VI ao

    Rio de Janeiro em 1808, modificando o status colonial pela elevao do Brasil categoria de

    Reino Unido a Portugal em 1815. Adotam-se medidas necessrias organizao do governo,

    como: reparties administrativas, tribunais, polcias, rgos fazendrio e financeiro,

    imprensa. Anteriormente abriram-se os portos e liberou-se a indstria, facilitando a expanso

    comercial. A atuao desta organizao de poder, todavia, no ultrapassou os limites do Rio

    de Janeiro, isolado por trs sculos de colonialismo.

    O Estado brasileiro constitui-se, concretamente, com a proclamao da Independncia

    em 7 de setembro de 1822 e sob a forma de governo imperial. Surgiu no seio do movimento

  • 27

    constitucional brasileiro que frutificou amparado pela influncia das novas teorias polticas

    que agitavam a Europa: Liberalismo, Parlamentarismo, Constitucionalismo, Federalismo,

    Democracia, Repblica.

    A unidade nacional e a unidade do poder foram preservadas com a elaborao da

    Constituio Poltica do Imprio do Brasil, em 25 de maro de 1834, cujo princpio

    fundamental era o constitucionalismo daquelas teorias, formalizando o liberalismo. Isso se

    garantia por uma declarao constitucional dos direitos do homem e por um instrumento de

    diviso dos poderes, conforme o artigo 16 da Declarao dos Direitos do Homem e do

    Cidado de 1789, que afirma no existir constituio na sociedade onde no assegurada a

    garantia de direitos nem determinada a separao dos poderes.

    A fase republicana tem incio em 15 de novembro de 1889 com a vitria das foras

    descentralizadoras, agora mais organizadas e aliadas aos novos valores que se firmaram na

    vida poltica brasileira: o federalismo, como princpio constitucional estruturador do Estado, e

    a democracia, como regime poltico capaz de assegurar os direitos fundamentais. A primeira

    Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil promulgada em 24 de fevereiro de

    1891 adotou como forma de governo para a Nao a repblica, optando pelo presidencialismo

    e regime representativo tipo americano e pela doutrina da diviso de poderes de Montesquieu.

    Aps a agitao da Revoluo de 1930, voltada para a questo social, e da Revoluo

    Constitucionalista, em So Paulo (1932), a Assemblia Constituinte, em 16 de julho de 1934,

    proporciona a segunda Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil. A Carta

    manteve e ampliou aqueles princpios fundamentais alm de inscrever na clssica declarao

    de direitos e garantias individuais dois ttulos histricos: sobre a ordem econmica e social e

    sobre a famlia, a educao e a cultura. Agora sob inspirao da Constituio alem de

    Weimar, com predominncia de normas programticas, o que Silva (1990:73) considera um

    documento de compromisso entre o liberalismo e o intervencionismo.

    No bojo dos movimentos pela recomposio dos princpios constitucionais, no Ps-

    Segunda Guerra Mundial, a Assemblia Constituinte formulou a Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil, de 1946, que implantou o processo de redemocratizao no Pas,

    principalmente, retomando o sentido republicano e preservando os princpios dos direitos e

    garantias individuais e a definio do campo econmico e social como base para a construo

    dos postulados constitucionais.

  • 28

    O Movimento Militar de 31 de maro de 1964, que destituiu o Presidente eleito,

    manteve a ordem constitucional vigente at 24 de janeiro de 1967, quando o Congresso

    Nacional promulgou a Constituio do Brasil. Era um projeto apresentado pelo Governo

    Militar, cuja caracterstica fundamentalmente era a segurana nacional, transformada em

    doutrina que perpassava toda a vida da Nao. Em 1969, os Ministros Militares no exerccio

    do Poder Executivo outorgaram a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, atravs da

    Emenda Constitucional n 1, mantendo o carter autoritrio do regime e, pela primeira vez,

    faz referncia ao Estado Federativo.

    A busca pela redemocratizao e pela implantao do Estado de Direito Democrtico

    comeou desde o Golpe Militar de 64, em diferentes graus de resistncia, desenvolvendo-se

    principalmente a partir do Ato Institucional n 5, que instalou um aparato dos mais autoritrio

    da vida do Brasil. A luta culminou com a eleio indireta, pelo Colgio Eleitoral, do

    Presidente da Repblica, em janeiro de 1985, propondo uma fase histrica para as instituies

    polticas como estrutura do que se denominava Nova Repblica, que seria democrtica e

    social, a ser formulada pela Assemblia Constituinte e consolidada na Constituio.

    Antes de tomar posse, porm, o novo presidente faleceu, assumindo o Vice-Presidente

    que procurou cumprir o programa idealizado e acabou por convocar um Congresso

    Constituinte, em lugar da Assemblia Nacional Constituinte, muito embora assim o fosse

    tratado. Os parlamentares elaboraram afinal a Constituio da Republica Federativa do Brasil,

    promulgada em 05 de outubro de 1988, considerado um texto avanado, moderno e com

    inovaes relevantes at mesmo para a evoluo do constitucionalismo. Fato proeminente

    neste trabalho foi uma vasta participao popular, contribuindo, assim, para o fortalecimento

    da realizao da cidadania.

    Desta maneira, em sua concepo constitucional o Brasil adotou a forma de Estado

    Federal e a Repblica como forma de governo, os princpios da diviso, independncia e

    harmonia dos poderes e o Estado Democrtico de Direito. A Repblica Federativa do Brasil

    assenta-se nos fundamentos da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores

    sociais do trabalho, livre iniciativa e pluralismo poltico. Destes, avulta a dignidade da pessoa

    humana, no dizer de Canotilho (1984:70) a referncia constitucional que une todos os demais

    direitos fundamentais.

  • 29

    O Estado brasileiro ao constituir-se Estado Democrtico de Direito conforma-se aos

    seus princpios, que Canotilho (1986:296) elabora como: primeiro, o princpio da

    constitucionalidade, ou seja, legitimidade fundada em uma Constituio rgida, emanada da

    vontade popular, dotada de supremacia, capaz de vincular todos os poderes e seus atos com as

    garantias de atuao livre de regras da jurisdio constitucional. Segundo, o princpio

    democrtico, com base na democracia representativa e participativa, pluralista e garantista da

    vigncia e eficcia dos direitos fundamentais, do artigo 1, da Constituio de 1988.

    Refere-se o terceiro princpio ao sistema de direitos fundamentais que abarca os

    direitos individuais, coletivos, sociais e culturais (ttulos II, VII, VIII, CF). O quarto, o

    princpio da justia social (artigos 170, caput, e 193, CF), propondo sem tanta firmeza a

    realizao da democracia social e cultural, tambm sem avanos mais significativos para a

    democracia econmica. O quinto, o princpio da igualdade (art. 5, caput, e inciso I, CF).

    O sexto, o princpio da diviso de poderes (artigo 2, CF) e da independncia do juiz

    (artigo 95). O stimo, o princpio da legalidade (artigo 5, II, CF) e, o oitavo, que trata do

    princpio da segurana jurdica (art. 5, XXXVI a LXXIII, CF). Por conseguinte, superar as

    desigualdades sociais e regionais e efetivar um regime democrtico que construa a justia

    social o desafio e tarefa fundamental do Estado Democrtico de Direito.

  • 30

    1.2. Globalizao e Ordem Social

    Como visto, a era moderna engendrou novas funes e implicaes nas relaes

    jurdico-sociais, com mudanas profundas no sentido do Estado.

    Por conseqncia, tambm na ordem social, hoje aceleradamente associada a um

    considervel avano cientfico-tecnolgico e nas transformaes polticas, econmicas e

    sociais. Neste universo cristaliza-se o processo denominado de globalizao, reformando

    profundamente conceitos como aqueles imanentes ao Estado e, sobretudo, o modo de vida da

    sociedade.

    Em razo disso, a globalizao exerce intensa influncia sobre a segurana pblica,

    exigindo-lhe a proteo e garantia de direitos diante da criminalidade, que se impe com

    objetivos e metodologia operacional cada vez mais exacerbados e complexos.

    1.2.1. Globalizao

    Dentre eminentes tericos deste processo modernizador, o brasileiro Ianni (2003:243)

    acompanhando o entendimento de Giddens (1991:69) define a globalizao como o avano

    das relaes sociais mundialmente, de tal forma que localidades distantes so modeladas por

    eventos que ocorrem a muitas milhas de distncia e vice-versa.

    A abordagem do tema em estudo segue esta conceituao, descrita sucintamente para

    melhor esclarecimento do fenmeno que influencia profundamente a segurana pblica. Ianni

    reconhece existir vrias teorias sobre a globalizao e busca interpretar alguns dos seus

    fundamentos, cujas manifestaes configuram os indivduos e a sociedade.

    Em primeiro lugar, observa a crise do socialismo como a grande transformao

    histrico-terica, com algumas caractersticas prprias e outros fatores que a produziram. O

    primeiro fator refere-se ao agravamento da contradio entre as formas polticas e

    ideolgicas de organizao da sociedade e as manifestaes reais e potenciais das foras

    sociais, durante a Perestroika de Gorbachev (s/d.:15, 19), desestruturando o mundo

    socialista.

    O segundo fator est no que Ianni (2003:16) chama de revolues prematuras, devidas

    ao atraso das polticas econmicas dos pases europeus do Leste. O terceiro fator o cerco

    hostil do capitalismo mundial ao socialismo nestes mesmos Pases. O quarto fator decorre do

    avano do capitalismo pelo resto do mundo, enquanto o quinto fator v neste socialismo um

  • 31

    processo civilizatrio porque componente da histria das sociedades e capaz de reorganizar a

    vida, o trabalho e a existncia de indivduos e coletividades.

    Em segundo lugar, quando o capitalismo cria nova histria e o Estado-Nao expande-

    se como sociedade global ou sociedade civil mundial. Desfazem-se fronteiras e sistemas

    internos de organizao da sociedade. Mandel (1982:230) considera que: a centralizao

    internacional do capital se acompanhado pelo desmantelamento do poder em vrios Estados

    nacionais burgueses pode dar origem a um novo poder estatal federal, e conclui, um Estado

    burgus supranacional.

    Em terceiro lugar, o capitalismo como processo civilizatrio universal ou a histria da

    mundializao, porque avana enquanto modo de produo material e espiritual. Esse

    reconhecimento como processo civilizatrio exige distinguir trs das suas caractersticas

    essenciais. Primeira, a ampliao histrico-geogrfica do capitalismo pelas naes,

    reestruturando espaos, vida social e formas de trabalho.

    Ocorre a segunda caracterstica quando o capitalismo redimensiona as foras e as

    relaes de produo, a nova organizao social deste redimensionamento transforma cincia

    em tecnologia informatizada e dinamiza as formaes econmicas, sociais, polticas e

    culturais. A terceira caracterstica informa que a concentrao e centralizao mundial do

    capital e o reinvestimento da mais-valia so prprios da estrutura capitalista.

    Deste modo, a globalizao desenvolve-se no mundo e a histria tambm apresenta

    sete caractersticas relevantes. Primeira, a transformao da energia nuclear em poderosa

    tecnologia de guerra. Segunda, a revoluo da informtica proporcionando aos setores sociais

    dominantes o poder da comunicao. Terceira, o sistema financeiro internacional controlado

    pelos pases dominantes. Quarta, as relaes econmicas mundiais subordinadas aos

    interesses das empresas globais.

    Quinta, a reproduo ampliada do capital universaliza-se na nova realidade de escala,

    confrontando as naes socialistas e sabotando seus sistemas econmicos. A sexta

    caracterstica relevante destaca a adoo do ingls como lngua universal, utilizada por todos

    em suas relaes sociais, poltica, econmicas e culturais. A stima e ltima caracterizao

    relevante apontam o neoliberalismo como ideologia mundial, impondo a ordenao da

    sociedade e uma viso de mundo.

    Tais caractersticas da globalizao, como forma de sociedade universal, configuram a

    sociedade civil mundial, facilitando a livre circulao de coisas, pessoas e idias.

  • 32

    Em quarto lugar dentre os fundamentos da globalizao, o reconhecimento do

    processo de ocidentalizao do mundo que se d nos campos social, econmico, poltico e

    cultural, e sempre de modo desigual, articulado e desencontrado. Procedente da Europa a

    globalizao revigora-se nos Estados Unidos e se expande pelos pases do mundo. Constitui-

    se em padres e valores scio-culturais, modos de vida e trabalho, formas de pensamento,

    possibilidades de imaginao. Articula no contrato os princpios de liberdade, igualdade e

    propriedade, que resulta no mercado, produo de mercadoria, lucro e mais-valia, bem assim

    instituindo o liberalismo econmico e o contratualismo poltico dentre os fundamentos dessa

    civilizao.

    No contraponto, todavia, as lutas sociais conjuntas dos trabalhadores vo conquistando

    direitos sociais e polticos, favorecendo a institucionalizao dos princpios da democracia e

    dos direitos de cidadania. Tambm se racionalizam as organizaes pblicas e privadas,

    econmicas e polticas, sociais, culturais, educacionais, religiosas e outras.

    Contudo, a ocidentalizao no decorre tranqilamente, seja porque as naes e

    corporaes dominantes atuam de modo diverso umas em relao s outras, seja porque as

    sociedades no ocidentais possuem cultura prpria, que sofrem e devolvem influncias com

    seus elementos. Neste contexto, porm, a globalizao do mundo arrasta consigo outras novas

    possibilidades de autoconscincia, ou seja, o contraponto entre o eu e o outro.

    Em quinto lugar, a desterritorializao que ocorre pela disperso dos pontos de

    referncia centrais que parecem desnorteados. O declnio do Estado-nao promove a

    disperso dos centros decisrios por diferentes locais, instncias e momentos, tais como,

    corporaes e conglomerados, organizaes e agncias transnacionais. Desta maneira,

    globalizam-se as questes sociais, polticas, econmicas e culturais, alm de demonstrar a

    gradual subordinao do Estado-nao aos movimentos e s articulaes do capital global.

    O processo de desterritorializao como caracterstica essencial da sociedade global

    em formao, manifesta-se em todos os nveis da vida social, em quaisquer nveis sempre

    atingidos pelo deslocamento ou dissoluo de fronteiras, dos centros decisrios ou de

    referncia.

    A desterritorializao pode significar dissolver ou deslocar tempo e espao,

    implicando a perda de caractersticas essenciais. Quando o ponto e o momento de referncia

    confundem sua linha demarcatria, os acontecimentos ampliam-se por diferentes lugares e

    pocas. Ento, o processo de desterritorializao apresenta as condies de solido como uma

  • 33

    das suas faces mais rdua, levando indivduos, famlias e outros segmentos sociais, a se

    desencontrarem no mundo globalizado. Ao mesmo tempo, carentes de informaes e suas

    articulaes, mas submetidos aos interesses dos sistemas mundiais de dominao econmica e

    poltica.

    Em sexto lugar, ainda sobre a fundamentao da globalizao, a sociedade global

    repe novos problemas fundamentais como o contrato social com tantas outras abrangncias

    polticas, sociais, econmicas e culturais, cujas partes, ao mesmo tempo, se apresentam como

    Estados nacionais ou corporaes multinacionais, coletividades internas nacionais ou o

    indivduo como ser social, ou a populao como o conjunto de pessoas subalternas. Uma vez

    que nesta sociedade os princpios da liberdade, igualdade e propriedade, organizam-se quase

    sempre em termos econmicos, acabam por reproduzir-se em todos os nveis como relaes

    de trocas mercantis.

    Outro problema fundamental a cidadania do homem do mundo, ou cidado do

    mundo, desta feita pela dificuldade das instituies centrais em concretizar aqueles princpios,

    consagrados pela Declarao Universal dos Direitos do Homem, promulgados pela

    Organizao das Naes Unidas (ONU). O Documento declara que os seres humanos nascem

    livres e iguais em dignidade e direitos, plenos de razo e conscincia, devendo agir em mtua

    fraternidade, garantido o reconhecimento de sua personalidade jurdica sem quaisquer

    distines.

    Segundo Held (1991:178), mesmo perante as experincias de slidas instituies

    jurdico-polticas e das recentes organizaes multilaterais, a questo do contrato social revela

    nova configurao histrica baseada na mudana da ordem internacional e do papel do

    Estado-nao. Surgem da conseqncias profundas da globalizao, cumprindo observar

    como os processos desta interconexo modificam a natureza do Estado-nao, como este

    corrodo pelos nacionalismos locais, como a interconexo global encandeia decises entre os

    Estados e seus cidados modificando a essncia dos prprios sistemas polticos nacionais.

    Os dilemas da cidadania no envolvem apenas as questes do contrato social, uma vez

    que o processo democrtico em construo tambm envolve todos os nveis da vida social e

    pblica. Tambm recria o problema da reduo das desigualdades e da redistribuio da

    produo, enquanto resultado do trabalho coletivo. No processo de socializao estruturas e

    relaes mundiais movimentam novas perspectivas da realizao do indivduo que se amplia

    do mbito local, tendo suas referncias habituais complementadas por padres e valores de

    circulao mundial.

  • 34

    A emergncia da sociedade global delinea-se contraditria porque alm de modificar o

    contraponto partes e todo, altera tambm as mediaes, padres, valores e as condies de sua

    manifestao.

    Isso que Edgar Morin (1969:168), diante da perspectiva criadora dessa emergncia,

    classifica como o cosmopolitismo da cultura de massa, ou seja, quando o homem moderno se

    universaliza, busca a melhoria da vida, sua felicidade pessoal e assegura os valores da nova

    civilizao. A cultura de massa une solidamente o universal da afetividade elementar e o

    universal da modernidade, com ambos apoiando-se mutuamente e no duplo movimento

    fortalecem a difuso mundial de cultura de massa.

    Outro aspecto a considerar da cidadania sua admisso como soberania, que implica

    em autoconscincia, cujas possibilidades ainda so precrias diante das limitaes para se

    informarem e posicionarem perante os acontecimentos mundiais e suas implicaes

    localizadas. A cidadania se realiza como soberania quando se desenvolvem condies para a

    elaborao da autoconscincia, da conscincia para si. Conforme alguns autores a forma de

    superar o utilitarismo, a tecnificao das formas sociais de existncia, o desencanto e a

    burocratizao que se diluem por todo o mundo e indivduos. Vale dizer, o homem s

    encontrar a realizao e a emancipao no bojo da sociedade.

    Verifica-se em stimo lugar, continuando os fundamentos da globalizao, que na

    concepo de vrios autores, o poder global que assume diferentes formas, sendo a primeira

    referente ONU, como um rgo destinado mais a preservar a influncia geopoltica das

    naes centrais, baseada na chamada nova ordem mundial sob o regime da lei e do princpio

    da segurana coletiva. A segunda forma, com o imprio das instituies ligadas ao sistema

    monetrio mundial capaz de reorientar polticas econmicas nacionais, desterritorializando o

    capital. Na terceira forma as empresas planetrias como centros de comando e deciso acima

    dos interesses empresariais e de consumo. Na quarta forma, a supremacia das classes

    dominantes no plano nacional e global estruturada sobre o poderio da indstria cultural.

    Em oitavo lugar, nos fundamentos da globalizao, situam-se o avano da histria e as

    perspectivas do pensamento cientfico social contemporneos. A sociedade global abriga

    relaes importantes e ainda no sistematizadas entre interdependncia e integrao, entre

    fragmentao e antagonismo, que se sucedem, com repercusses locais e exteriores, devido s

    peculiaridades das prprias foras sociais, econmicas, polticas e culturais.

  • 35

    1.2.2. Direitos Sociais

    De acordo com o ensinamento de Silva (1990: 252), a dimenso jurdica da ordem

    social, tanto quanto a ordem econmica, como hoje se apresenta, teve incio com a

    Constituio mexicana de 1917, quando as constituies comearam a sistematiz-la.

    No Brasil, influenciada pela Constituio alem de Weimar, foi a Constituio de

    1934 a primeira a adotar uma parte prpria sobre a ordem econmica e social. A partir da,

    nas Constituies que se seguiram, os direitos sociais abandonaram o ttulo da ordem social e

    econmica, tendo a Constituio Federal de 1988, inscrito um ttulo prprio para os direitos

    sociais (captulo II do ttulo II) e muito adiante, tambm um ttulo especfico tratando da

    ordem social (ttulo VIII), sem, contudo, separ-los.

    O artigo 6, da Constituio Federal, demonstra que os direitos sociais so o contedo

    da ordem social no momento em que declara que os direitos sociais so: a educao, sade,

    trabalho, lazer, segurana, previdncia social, proteo maternidade e infncia, assistncia

    aos desamparados, forma declarada no ttulo da ordem social da Constituio.

    Mesmo assim, no ntida a linha entre direitos sociais e direitos econmicos, quando

    se colocam os direitos dos trabalhadores entre os direitos econmicos, at com certa razo

    porque o trabalho um componente das relaes de produo. Em particular, a Constituio

    Federal, corretamente, considera o direito dos trabalhadores como espcie dos direitos sociais,

    e o trabalho como primado bsico da ordem social (artigos 7 e 93, CF).

    Portanto, Silva afirma que os direitos sociais, como dimenso dos direitos

    fundamentais do homem, so prestaes positivas do Estado, descritas em normas

    constitucionais, visando melhorar as condies de vida dos mais vulnerveis, direitos que

    tendem a promover a igualdade de situaes desiguais. Pressupem o gozo dos direitos

    individuais conforme desenvolvem condies materiais mais favorveis ao desfrute da

    igualdade real, proporcionando condio mais compatvel com o exerccio da liberdade.

    O mesmo autor (Silva: 254) classifica os direitos sociais, no mbito do Direito positivo

    e com base nos artigos 6 a 11, CF, nas seguintes classes: a) direitos sociais relativos ao

    trabalhador; b) direitos sociais relativos seguridade, compreendendo os direitos sade,

    previdncia e assistncia social; c) direitos sociais relativos educao e cultura; d) direitos

  • 36

    sociais relativos famlia, criana, adolescente e idoso; e) direitos sociais relativos ao meio

    ambiente.

    Silva tambm apresenta uma outra classificao, desta feita, como direitos sociais do

    homem como produtor e como consumidor. Aos primeiros, como homem produtor,

    correspondem: a liberdade de instituio sindical (instrumento de ao coletiva), o direito de

    greve, o direito de o trabalhador determinar as condies de seu trabalho (contrato coletivo de

    trabalho), o direito de cooperar na gesto da empresa (co-gesto ou autogesto) e o direito de

    obter um emprego. So aqueles previstos nos artigos 7 a 11, CF.

    Quanto aos direitos sociais do homem consumidor, compreendem: os direitos sade,

    segurana social (segurana material), ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das

    crianas e adultos instruo, formao profissional e cultura e garantia ao

    desenvolvimento da famlia, que so os indicados no artigo 6, CF, e desenvolvidos no ttulo

    da ordem social.

    Concernente aos direitos sociais, Moraes (2003: 202) diz que direitos sociais so

    direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de

    observncia obrigatria em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de

    condies de vida aos hipossuficientes, visando concretizao da igualdade social, e so

    consagrados como fundamentos do Estado democrtico, pelo artigo 1, IV, da Constituio

    Federal.

    Como ressaltam Canotilho e Vital Moreira (1994: 285), a individualizao de

    determinados direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado daqueles de natureza pessoal e

    poltica, envolve particular significado constitucional, por traduzir o abandono de uma

    concepo tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do

    cidado genricos e abstratos, fazendo intervir tambm o trabalhador. Exatamente o

    trabalhador subordinado como titular de direitos de igual dignidade.

    Na compreenso de Carvalho (1982: 26), os direitos sociais previstos

    constitucionalmente so normas de ordem pblica com as caractersticas de imperativas,

    inviolveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relao trabalhista. A definio

    dos direitos sociais no ttulo constitucional destinado aos direitos e garantias fundamentais

    acarreta duas conseqncias imediatas: subordinao regra da auto-aplicabilidade prevista,

  • 37

    no 1, do artigo 5, CF, e possibilidade de ajuizamento do mandado de injuno, sempre que

    houver a omisso do poder pblico na regulamentao de alguma norma que preveja um

    direito social e conseqentemente inviabilize seu exerccio.

    Em trabalho de Mota; Medeiros; Bartolo Jr. (2001) fica mais acessvel acompanhar

    uma breve apresentao dos direitos sociais no quadro geral da poltica social brasileira. A

    Constituio de 1988 consagrou diversas regras garantidoras da sociabilidade e co-

    responsabilidade, entre as pessoas, os diversos grupos e as camadas socioeconmicas.

    Justifica-se um resgate histrico da poltica social, especialmente, porque o Brasil

    experimentou profundas mudanas nas dcadas de 80 e 90.

    A Constituio de 1988 alterou de modo radical o quadro institucional das polticas

    sociais no Brasil. Instituiu a descentralizao para a esfera de atuao estadual e municipal, a

    participao da sociedade civil nos processos de deciso da poltica, por meio de conselhos

    aglutinados nas esferas federal, estadual e municipal, e a inscrio da sade, educao e

    assistncia como um direito do cidado, o que colocou o Brasil (pelo menos

    constitucionalmente) no rol dos povos que conquistaram os direitos sociais. Essas so

    algumas das alteraes de rumo trazidas pela Constituio.

    Sistematizando as polticas sociais em diferentes pocas da histria brasileira, denota-

    se em um primeiro momento, as origens poltico-ideolgicas de um estigma que se construiu

    durante todo perodo colonial, alicerado sobre as relaes conflituosas de poder entre o

    Senhor de Engenho e o Escravo. Em um segundo momento, ocorreu no perodo que vai da

    Proclamao da Repblica at a Revoluo de 30, quando o estado republicano passou a ter

    uma viso de poltica social associada ao campo das obrigaes morais.

    Era essencialmente corretiva e o pobre passou a ser uma questo de polcia, cabendo

    sociedade civil, a partir de suas instituies de ajuda, solucionar o problema da misria e da

    pobreza. Nesse perodo surgiram, nos centros urbanos, diversas Sociedades Beneficentes de

    Auxlio Mtuo, que, somando-se ao universo das tradicionais irmandades, em especial s

    Santas Casas de Misericrdia, e Ordens Terceiras, que prestavam servios apenas a seus

    membros, configuraram um quadro de associaes voluntrias.

    A partir da Revoluo de 30, o estado criou uma estrutura institucional e poltica, no

    meio sindical-operrio e no empresarial, bastante atrelada e dependente do Estado uma

  • 38

    cidadania regulada. O Estado assumiu um papel de mediador entre os segmentos sociais

    (operrios e capitalistas) que mais cresceram durante o processo de industrializao. Porm,

    reproduzia uma dualidade tpica de pas de industrializao retardatria, isto porque, manteve

    a dualidade estrutural entre os que se inseriram no processo de industrializao e os que

    estavam fora desse processo. Para os segmentos mais modernos agiu como um grande

    negociador. Para os segmentos mais tradicionais continuou existindo o sistema de tutela de

    origem colonial.

    No perodo que vai de 1964 at 1988, os militares centralizaram e ampliaram o

    sistema de previdncia social, aumentando a clientela atendida e os servios de sade

    prestados. Os mecanismos de financiamento da poltica social foram alterados, voltando-se,

    principalmente, para as Contribuies Sociais. Na rea de apoio populao mais pobre,

    como o menor abandonado, idoso, etc., a modernizao no teve efeito esperado, mantendo-se

    atrelada aos esquemas e prticas tradicionais (troca de favores, clientelismo, nepotismo,

    corporativismo).

    Com base na Carta Constitucional de 1988, em cada uma das reas sociais sade,

    educao, assistncia social, trabalho, segurana pblica, saneamento e habitao operou-se

    um amplo processo de descentralizao, com a ampliao da capacitao de deciso dos

    estados e municpios. Cada uma dessas reas tornou-se um direito do cidado, o que

    evidenciou avanos na universalizao dos direitos sociais.

    Operou-se tambm uma importante abertura institucional, que permitiu a participao

    da comunidade na gesto de programas no mbito estadual e municipal atravs dos conselhos

    estaduais e municipais de sade, educao, assistncia social, trabalho e outros. A questo que

    se apresenta, todavia, diz respeito s possibilidades de que o padro real de poltica social

    estabelecido nos anos 90 e em curso no limiar deste milnio, to diverso do padro legal

    definido nos anos 80, seno at mesmo contrrio, seja capaz de satisfazer as demandas da

    cidadania que, ainda perpassando as duas ltimas dcadas, continuam em pauta.

    Na mesma direo, para Santin (2004:54), a interpretao mais adequada a

    considerao de todos os servios relativos aos direitos sociais (artigo 6, CF) como de

    relevncia pblica (artigo 129, II, CF). Os servios de relevncia pblica devem ser

    considerados como um servio essencial especial, respeitante aos direitos assegurados na

    Constituio Federal, principalmente rotulados como direitos sociais.

  • 39

    O constituinte considerou como direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a

    moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a

    assistncia aos desamparados (artigo 6, CF), que tm relao direta com a dignidade da

    pessoa humana, fundamental no Estado Democrtico de Direito (artigo 1, III, CF).

    A reforma administrativa consagrada pela Emenda Constitucional n 19/1998

    implantou uma nova sistemtica organizacional, na busca de uma nova roupagem da

    Administrao Pblica brasileira, do sistema burocrtico para um sistema hbrido burocrtico-

    gerencial, principalmente para a melhor prestao de servios pblicos e atendimento das

    necessidades do cidado e contribuinte, em que a meta principal a concretizao do padro

    de eficincia.

    Entretanto, h outros servios essenciais como a justia e a segurana pblica, que so

    fornecidos por rgos pblicos, cujos nveis de qualidade e eficincia no atendem ao padro

    necessrio e desejado pela populao. Os sistemas privados de arbitragem e de segurana

    particular so acessrios, no substituem nem preenchem o espao dos servios pblicos de

    justia e segurana pblica, estes de cunho eminentemente pblico, portanto, no

    privatizveis.

    O servio de justia inclui-se no rol do ncleo estratgico, constituindo-se num servio

    pblico estratgico. O servio de segurana pblica pertence ao setor das atividades

    exclusivas, podendo ser considerado um servio pblico exclusivo, diante da doutrina

    implantada pela reforma administrativa (Emenda Constitucional n 19/1998).

    A propsito, Dallari (1994:62) enfatiza que o Poder Pblico somente cuida daquilo

    que essencial e fundamental para a coletividade, e que, portanto, deve ser bom, produtivo,

    eficaz e eficiente, o que implica para o cidado o direito de exigir eficincia, presteza,

    qualidade, podendo e devendo reclamar quando isso no estiver ocorrendo. Ademais, a busca

    da eficincia da atividade administrativa constitui uma preocupao marcante do constituinte

    reformador, tanto que previu expressamente o direito de participao do cidado na gesto

    dos servios pblicos, prevendo o direito de reclamao, direito de acesso e direito de

    representao (artigo 37, 3, CF, nova redao dada pela Emenda Constitucional n 19/98).

    A participao popular deve ocorrer na gesto dos servios pblicos (artigo 37, 3,

    CF), com intuito de melhorar a sua prestao pelo Estado. O direito de reclamao contra a

  • 40

    ineficiente prestao de servios pblicos tem relao com a garantia da manuteno dos

    servios de atendimento do usurio e da avaliao peridica da qualidade dos servios (artigo

    37, 3, I, CF). O direito de acesso dos usurios a registros administrativos e informaes

    sobre ato de governo (artigo 37, 3, II, CF) uma forma de transparncia para permitir o

    conhecimento das informaes e aa maior fiscalizao pblica.

    O direito de representao destina-se movimentao das autoridades superiores

    contra o exerccio negligente ou abusivo do cargo, emprego ou funo na administrao

    pblica (artigo 37, 3, III, CF). Isso tudo leva a crer que a reforma administrativa sinalizou

    para a nova forma de agir da Administrao Pblica, na busca de atuao eficiente e prestao

    de servio de melhor qualidade, incorporando atividade pblica as noes de eficincia,

    qualidade, produtividade, desempenho e resultado, que so de origem privada.

  • 41

    1.2.3. Criminalidade

    O conceito de segurana pblica aqui considerado como direito segurana pblica,

    conforme Santin (2004:76). Trata-se de Direito sempre presente na evoluo da humanidade

    desde os primrdios tribais at as sociedades do Estado moderno, para a proteo da

    populao pela garantia da pacfica convivncia social, especialmente quanto ao direito de

    propriedade e da incolumidade pessoal, atravs da polcia ou guarda similar. Para isso, o

    poder poltico, em todo tempo, manteve instituio armada destinada a impor o dever de

    obedincia s normas pelo indivduo, preveno e represso ao crime e manuteno da ordem

    pblica.

    Nos dias atuais, a segurana pblica adquire considervel destaque no mbito das

    chamadas geraes de direitos, ou dimenses, como classifica Guerra Filho (1999:40),

    considerando os direitos humanos, a partir de critrio cronolgico de afirmao. Existem,

    contrariamente, outras correntes tericas que entendem dimenses como mera fantasia, entre

    os quais, Canado Trindade e Piovesan.

    Segundo Franco Filho (2001:120), os direitos de primeira gerao compreendem os

    direitos civis e polticos, j na presena do Estado liberal, consagrando os direitos vida,

    liberdade e propriedade. O Direito Internacional os consagrou no Pacto Internacional de

    Direitos Civis e Polticos de 1967. So os direitos de resistncia perante o Estado, que deve

    manter a posio do no-fazer (non facere). Na Constituio brasileira vigente encontram-se,

    principalmente, na longa enumerao do artigo 5, sendo que Bonavides (2001) afirma que

    esses direitos de primeira gerao so as principais vtimas do capitalismo industrial.

    Na segunda gerao dos direitos humanos constam os direitos de igualdade, aqueles

    que surgiram na Declarao dos Jacobinos de 1793, afirmados na Constituio francesa de

    1848 e, mais tarde, na encclica Rerum Novarum, do Papa Leo XIII, base da doutrina social

    da Igreja. Nessa segunda gerao, o Estado social assume uma postura positiva (facere),

    devendo buscar a garantia de direitos sociais, culturais e econmicos, coletivamente

    considerados, tais como sade, educao e emprego.

    So direitos consagrados na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 nos

    artigos 22 e 28 e foi objeto do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e

    Culturais de 1967. Na atual Constituio brasileira encontra-se nos artigos 5, LXXIV, 6, 7 e

  • 42

    134. So o que Pea de Moraes (1997:189) diz o que, concretamente, constituem uma srie de

    normas atravs das quais o Estado visa diminuir ou eliminar as desigualdades sociais,

    econmicas e culturais.

    A terceira gerao dos direitos trata dos direitos de solidariedade ou de fraternidade,

    entendidas estas no como palavras sinnimas, mas a solidariedade como princpio que possui

    conscincia subjetiva de cada juzo de valor, sendo mais profundo que fraternidade, porque

    um sentimento mais forte. Refere-se aos direitos difusos, como os direitos paz e ao

    desenvolvimento, incluindo-se nesse particular, o direito ao meio ambiente sadio e

    qualidade de vida. Na Lei Fundamental em vigor, apresenta-se nos artigos 4, 220 e 223.

    Mais recentemente surgiu no campo dos direitos fundamentais a chamada quarta

    gerao de direitos, em duas verses: de um lado, direitos democracia, informao e ao

    pluralismo. Democracia para Bonavides (2001:10) o direito Constituio. A informao

    o direito de acesso a todos e quaisquer registros sobre a pessoa e a liberdade dos meios de

    comunicao, alm da possibilidade de conhecer dados sobre si prprio atravs do mecanismo

    do hbeas data. (artigo 5, LXIX, CF). O pluralismo representa a possibilidade de se

    constiturem associaes de natureza poltica e de interesse geral, inclusive organizaes no-

    governamentais (ONGS).

    Um outro lado cuida dos direitos de quarta gerao, que diz respeito engenharia

    gentica em todas as suas nuances, inclusive a manipulao gentica com a possibilidade da

    clonagem humana, ainda no devidamente dimensionada. Tambm se destaca a questo da

    mudana de sexo por envolver diretamente os direitos vida e a liberdade (primeira gerao),

    sade (segunda gerao) e qualidade de vida (terceira gerao), a necessitar, portanto, de

    um tratamento adequado, srio e sensvel, por parte do Estado e da sociedade. Contudo

    impossvel afastar direitos fundamentais de qualquer gerao dos problemas ticos que

    circunscrevem, em especial, as suas garantias e a sua efetivao como tal.

    No mesmo sentido de Varga e Naline (1999:120) e Bidart Campos (1999:53), Franco

    Filho (2001) considera que o avano tecnolgico formulou a tica tambm como biotica,

    importando a moralidade de conduta humana na rea das cincias da vida e em princpios a

    serem observados: autonomia pessoal, beneficncia, que representa o bem-estar, e no ser

    causa do dano a outrem. Ao citar o caso da fecundao in vitro, forma artificial de criar o

    homem, ressalta a necessidade de criar mecanismos de defesa do embrio e a reviso dos

  • 43

    conceitos e das normas sobre paternidade e maternidade. As questes ticas, segundo Bobbio

    (1992:24), so mais relevantes por envolver o respeito aos direitos humanos, cujo problema

    principal no mundo ps-industrial em evoluo no o de justific-lo, mas o de proteg-lo, de

    garanti-los.

    O direito segurana pblica, portanto, est incluso em qualquer forma de gerao de

    direitos, pela sua importncia para a vida em sociedade, mais ainda no momento atual em que

    a violncia e a criminalidade se aguam no mundo e no Brasil, especialmente nas grandes e

    mdias cidades.

    O direito segurana acolhe uma srie de direitos, pela sua caracterstica de liberdade

    pblica e at pelo componente do direito da personalidade, por abrigar relaes pblicas e

    privadas, seja nas prestaes estatais positivas e negativas como no respeito mtuo dos

    cidados dos cidados incolumidade e patrimnio alheios e na preservao da ordem pblica

    (Santin: 2004, 78). Santin v na segurana pblica, o direito como exerccio de poder e

    controle social, porquanto a sociedade sempre adotou um conjunto de normas visando a sua

    organizao, disciplina e exerccio do poder, destinados paz social.

    Igualmente, desenvolve a idia de segurana pblica como um conceito seletivo que

    fascina e polariza os debates pblicos, paradoxalmente deturpados e incompreendidos, a

    exigir maior racionalidade dos debates, em busca de formas diferenciadas de interpretao e

    encaminhamento das questes relacionadas criminalidade e reao social despertada por

    tal fenmeno.

    Assim, a limitao central no enfrentamento do tema segurana pblica de ordem

    conceitual, ou seja, segurana pblica e o que chama de conceitos-satlites, como crime

    organizado ou criminalidade juvenil incorpora-se hoje linguagem cotidiana e acabam

    contaminados por esteretipos e sentidos comuns altamente seletivos e deturpadores da

    realidade.

    Para Dias Neto (2005:72) a forma mais adequada de tratar o tema segurana pblica

    a adoo de marcos interpretativos ampliados, capazes de superar as razes da leitura penal e

    determinar nexos de causalidade entre o sentimento de insegurana diante da criminalidade e

    outras condies sociais de anomia e de excluso no exerccio de direitos. Dentre as propostas

    alternativas que surgem, h aquelas que enfatizam o carter interdisciplinar e pluriagencial da

  • 44

    questo criminal, que deixa de ser monoplio do sistema de justia penal para ser apropriado

    por abrangente leque de instituies, estatais ou no. A superao dos limites da cultura penal

    estimula a criatividade poltica para o surgimento de uma nova cultura de defesa contra a

    criminalidade, capaz de inserir as polticas criminais em contextos mais amplos de

    intervenes preventivas e reativas voltadas preveno global dos direitos fundamentais

    (Pavarini: 1994:73).

    Por outro lado, interessante acrescentar a noo de segurana pblica no mbito

    ampliado da Criminologia Crtica, teoria criminolgica de Alessandro Baratta, escorada pelo

    novo discurso da Sociologia do Direito Penal, que, por sua vez, estuda as definies e o

    processo de criminalizao do sistema penal como elementos constitutivos do crime e do

    status social do criminoso. Rejeita a funo reeducativa da pena criminal, que consolida a

    identidade criminosa e introduz o condenado em uma carreira desviante. Ultrapassa, portanto,

    o limite da segurana pblica vista como uma questo setorial da administrao destinada

    preservao da ordem social e ao controle da criminalidade, da violncia, do medo.

    Na formulao da Criminologia Crtica, Baratta (2002:11) apresenta o conceito de

    reao social (labeling approach), contrria s diversas teorias tradicionais, indicando que a

    criminalidade no seria um dado ontolgico preconstitudo, mas realidade social construda

    pelo sistema de justia criminal atravs de definies e da reao social. O criminoso no

    seria um indivduo diferente, mas um status social atribudo a certos sujeitos selecionados

    pelo sistema penal.

    A concluso de Baratta uma proposta: uma sociedade livre e igualitria, onde o

    controle social no-autoritrio do desvio abriria espao diversidade, precisamente aquilo que

    garantido pela igualdade e expresso da individualidade do homem, como portador de

    capacidades e de necessidades positivas. A superao do direito desigual seria conduzida pela

    idia central da utopia libertadora: de cada um segundo suas capacidades; a cada um segundo

    suas necessidades.

  • 45

    CAPTULO 2 FUNDAMENTOS DA SEGURANA PBLICA

    O objetivo deste captulo descrever as principais bases jurdico-criminolgicas

    modernas que sustentam os princpios da segurana pblica. Neste aspecto, a abordagem se

    faz no campo da criminologia, do direito penal e do direito internacional.

    2.1. Criminologia

    2.1.1. Noo Introdutria

    No quadro das teorias da Criminologia moderna, avulta a Criminologia Crtica a ser

    considerada fundamental, na matriz de qualquer concepo de segurana pblica.

    Em significativo estudo que intitula de As vertentes da criminologia crtica, o jurista

    brasileiro Edmundo Oliveira (2005) contribui para melhor sistematizao da Criminologia

    contempornea, ao analisar sua corrente hegemnica, a Criminologia Crtica ou a chamada

    Nova Criminologia. Refere-se ao movimento criminolgico do sculo XX que supera a

    Criminologia Tradicional prevalecente no sculo anterior.

    A Criminologia Crtica transparece por toda a dcada dos anos sessenta, especialmente

    nos Estados Unidos e nos pases da Europa Ocidental, no bojo das grandes transformaes

    polticas e sociais. poca dos movimentos em busca de uma nova cidadania e de agitaes

    universalizadas. Das lutas contra o racismo e a guerra do Vietn, de nov