couto, mia - despedida [livro]

7/24/2019 Couto, Mia - Despedida [Livro]

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Mia Couto

Despedida


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Poema da despedida

No saberei nuncadizer adeus

Afnal,s os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,

s ns no podemos ser

Talvez o amor,neste tempo,seja ainda cedo

No este sossegoque eu queria,

este e!lio de tudo,esta solido de todos

Agorano resta de mimo que seja meue quando tentoo magro invento de um son"otodo o in#erno me vem $ boca

Nen"uma palavraalcan%a o mundo, eu seiAinda assim,escrevo


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Pergunta&me

Pergunta&mese ainda s o meu #ogose acendes aindao minuto de cinzase despertasa ave magoadaque se queda

na 'rvore do meu sangue

Pergunta&mese o vento no traz nadase o vento tudo arrastase na quietude do lagorepousaram a #(riae o tropel de mil cavalos

Pergunta&mese te voltei a encontrarde todas as vezes que me detive

junto das pontes enevoadase se eras tuquem eu viana infnita disperso do meu serse eras tuque reunias peda%os do meu poemareconstruindoa #ol"a rasgadana min"a mo descrente

)ualquer coisapergunta&me qualquer coisauma tolice

um mistrio indeci#r'vel


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simplesmentepara que eu saibaque queres ainda saber

para que mesmo sem te respondersaibas o que te quero dizer


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Raiz de *rval"o

+ou agora menos eue os son"osque son"ara terem outros leitos despertaram

)uem me dera aconteceressa morte

de que no se morree para um outro #rutome tentar seiva ascendendoporque perdi a aud'ciado meu prprio destinosoltei nsiado meu prprio del!rioe agora sinto

tudo o que os outros sentemso#ro do que eles no so#remanoite%o na sua lonjurae vivendo na vidaque deles desertouo#ere%o o marque em mim se abre$ viagem mil vezes adiada

-e quando em quandome percona procura a raiz do orval"oe se de mim me desencontro#oi porque de todos os "omensse tornaram todas as coisascomo se todas elas #ossemo eco as mos

a casa dos gestos


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como se todas as coisasme ol"assemcom os ol"os de todos os "omens

Assim me debru%ona janela do poemaescol"o a min"a prpria neblinae permito&me ouviro leve respirar dos objectossepultados em sil.ncioe eu invento o que escrevo

escrevendo para me inventare tudo me adormeceporque tudo despertaa secreta voz da in#ncia

Amam&me demasiadoas cosias de que me lembroe eu entrego&mecomo se me #urtasse$ sonolenta car!ciadesse corpo que #a%o nascerdos versosa que livremente me condeno


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Nocturnamente

Nocturnamente te construopara que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respiraol"ar em que me despojona rouquido da tua carneme inicio

me anuncioe me denuncio

+abes agora para o que ven"oe por isso me descon"eces


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Trajecto

Na vertigem do oceanovagueiosou ave que com o seu voose embriagaAtravesso o reverso do cue num instanteeleva&se o meu cora%o sem peso

/omo a desamparada plumasubo ao reino da inconstnciapara alojar a palavra inquietaNa distncia que percorroeu mudo de serpermuto de eist.nciasurpreendo os "omensna sua secreta obscuridade

transito por quartosde cortinados desbotadose nas calcinadas mosque esculpiram o mundoestreme%o como quem desabotoaa primeira nudez de uma mul"er


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0an"

1stoue num breve instantesinto tudosinto&me tudo

-eito&me no meu corpoe despe%o&me de mim

para me encontrarno primo ol"ar

Ausento&me da morteno quero nadaeu sou tudorespiro&me at $ eausto

Nada me alimentaporque sou #eito de todas as coisase adorme%o onde tombam a luz e a poeira

A vida 2ensinaram&me assim3deve ser bebidaquando os l'bios estiverem j' mortos

1ducadamente mortos


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Palavra que desnudo

1ntre a asa e o voonos troc'moscomo a do%ura e o #rutonos unimosnum mesmo corpo de cinzanos consumimose por isso

quando te recordopercorro a impercept!vel#ronteira do meu corpoe sangronos teus 4ancos doloridos

Tu s o encoberto ladoda palavra que desnudo


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-espedida

Aves marin"as soltaram&se dos teus dedosquando anunciaste a despedidae eu que "abitara lugares secretose me embriagara com os teus gestosrecol"i as palavras vagabundascomo a tempestade que engole os barcosporque ama os pescadores

5mposs!vel separarmo&nosagora que gravaste o teu saborsobre o s(bitoe infnito parto do tempo

Por isso te tocono gro e na erva

e na poeira da luz claraa min"a morecon"ece a tua #ace de sal

1 quando o mundo suspiraeaustoe desfla entre mercados e ruaseu escuto sempre a voz que tuae que dos l'biosse desprende e se recol"e

Ali onde se embriagamos corpos dos amanteso te ventre aceitou a gota iniciale um novo "abitanteenroscou&se no segredo da tua carne

Nesse lugar


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encost'mos os nossos l'bios$ #unda circula%o do sangueporque me amavas

eu acreditava ser todos os "omenscomandar o sentido das coisasa#ogar poentesdespertar sculos $ #rentee desenterrar o cupara com ele cobriros teus seios de neve


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+audades

0agoa&me a saudadedo sobressalto dos corpos#erindo&se de ternurasi&me a distante lembran%ado teu vestidocaindo aos nossos ps

0agoa&me a saudadedo tempo em que te "abitavacomo o sal ocupa o marcomo a luz recol"endo&senas pupilas desatentas

+eja eu de novo a tua sombra, teu desejo,tua noite sem remdio

tua virtude, tua car.nciaeuque longe de ti sou #racoeuque j' #ui 'gua, seiva vegetalsou agora gota trmula, raiz eposta

Trazde novo, meu amor,a transpar.ncia da 'guad' ocupa%o $ min"a ternura vadiamergul"a os teus dedosno #eiti%o do meu peitoe espanta na gruta #unda de mimos animais que atormentam o meu sono


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+er, parecer

1ntre o desejo de sere o receio de parecero tormento da "ora cindida

Na desordem do sanguea aventura de sermos nsrestitui&nos ao ser

que #azemos de conta que somos


15/21

Para ti

6oi para tique des#ol"ei a c"uvapara ti soltei o per#ume da terratoquei no nadae para ti #oi tudo

Para ti criei todas as palavras

e todas me #altaramno minuto em que #al"eio sabor do sempre

Para ti dei voz$s min"as mosabri os gomos do tempoassaltei o mundo

e pensei que tudo estava em nsnesse doce enganode tudo sermos donossem nada termossimplesmente porque era de noitee no dorm!amoseu descia em teu peitopara me procurare antes que a escuridonos cingisse a cinturafc'vamos nos ol"osvivendo de um s ol"aramando de uma s vida


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6undo do mar

)uero vero #undo do maresse lugarde onde se desprendem as ondase se arrancamos ol"os aos coraise onde a morte beija

o l!vido rosto dos a#ogados

)uero veresse lugaronde se no v.para quesem dis#arcea min"a luz se revele

e nesse mundodescubra a que mundo perten%o


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0orte silenciosa

A noite cedeu&nos o instintopara o #undo de nsimigrou a ave a inquieta%o

+erve&nos a vidamas no nos c"ega7somos resina

de um tronco golpeadopara a luz nos abrimosnos l'biosdessa incur'vel #erida

Na suprema #elicidadeeiste uma morte silenciada


18/21

8rvore

cegode ser raiz

imvelde me ascender caule

m(ltiplo

de ser #ol"a

aprendoa ser 'rvoreenquantoiludo a mortena #ol"a tombada do tempo


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+otaque da terra

1stas pedrasson"am ser casa

seiporque #aloa l!ngua do c"o

nascidana vspera de mimmin"a vozfcou cativa do mundo,pegada nas areias do 9ndico

agora,ou%o em mim

o sotaque da terrae c"orocom as pedrasa demora de subirem ao sol


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)uissico

1.-eiei o solna praia de )uissico

-e bru%ossobre o :eroeu deiei o +olna etenso do tempo

0ol"ando, quase l!quido,o dia a#undavanas #undas 'guas do 9ndico

A terrase via estar nualembrando, distante,

seu parto de carne e lua2.

No o p'ssaro7 era o cuque voava

* ombro da terraamparava o dia

A luztombava #eridapingandocomo um pulso suicidaum min"as ocultas asas


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Pequeninura do morto e do vivo

* mortoabre a terra7 encontra um ventre

* vivoabre a terra7 descobre um seio

couto, mia - despedida [livro]

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