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LETÍCIA NUNES DE MORAES COTIDIANO & POLÍTICA Em Carmen da Silva e David Nasser (1963-1973) Tese  apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em História Área: História Social Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida de Aquino São Paulo 2007

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Page 1: COTIDIANO & POLÍTICA - USP · Quanto aos gêneros jornalísticos adotados por David Nasser e Carmen da Silva, ambos podem ser considerados articulistas se levarmos em consideração

LETÍCIA NUNES DE MORAES

COTIDIANO & POLÍTICA

Em Carmen da Silva e David Nasser

(1963­1973)

Tese  apresentada ao Departamento de História da 

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo 

para obtenção do título de Doutora em História 

Área: História Social

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida de Aquino

São Paulo

2007

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Ao

 Leonardo,

 Esperança no futuro,

 Celso & Eulá,

Com gratidão,

Eleonora, Celso e Cândida,

Irmãos e amigos.

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Agradecimentos 

Além do conhecimento adquirido, as pessoas que encontramos pelos caminhos 

da pesquisa são, muitas vezes, surpresas à parte neste percurso. Aqui registro a presença 

de algumas delas,  cujas contribuições foram imprescindíveis para a realização deste 

trabalho, com os meus sinceros agradecimentos.  

Em primeiro   lugar,  à  minha  orientadora,   a  Profa.  Dra.  Maria  Aparecida  de 

Aquino, agradeço a orientação, o incentivo constante e o apoio em todos os momentos 

difíceis (e foram muitos!) neste caminho até a conclusão deste trabalho.

À   banca   argüidora   do   Exame   de   Qualificação,   composta   pelos   professores 

doutores Sara Albieri  e  Marcos Napolitano agradeço a  leitura atenta e  as sugestões 

oferecidas e que tanto contribuíram para a conclusão do trabalho.   

Ao pessoal da biblioteca do MASP, onde tive acesso à coleção de O Cruzeiro, 

que me recebeu com tanta atenção e gentileza, agradeço as tardes agradáveis de estudo. 

Mui   especialmente,   agradeço   e   parabenizo   a   Ivani,   diretora   da   biblioteca,   pela 

dedicação e carinho com que cuida, não apenas do acervo da biblioteca, mas também 

dos funcionários e consulentes!

À Andréia, responsável pela Biblioteca Banespa–Santander, agradeço a atenção 

e a cordialidade com que me recebeu durante as consultas à  coleção de  O Cruzeiro 

referente ao período entre 1971 e 1973.   

À Tamiko, diretora da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, onde consultei o 

acervo   da   revista  Claudia,   agradeço,   como   aos   demais   funcionários,   a   gentileza   e 

presteza no acesso à documentação solicitada. 

Ao   Luiz   Maklouf   Carvalho   sou   imensamente   grata   pela   conversa 

agradabilíssima que tivemos e pela generosidade com que ofereceu uma variedade de 

trabalhos realizados por David Nasser para a TV Tupi e para a revista  Manchete,  os 

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quais, infelizmente, não puderam ser incorporados a este trabalho em função do prazo 

para a apresentação dos resultados finais da pesquisa.

  Às   amigas  de   todos  os   tempos   e   lugares:  Claudia,  Marily,  Diana,  Eduarda, 

agradeço a torcida, desculpando­me pela ausência nos últimos tempos. Aos amigos e 

colegas da Pós­graduação: Admar, Marco Aurélio, Mariana, Pérola, Tadeu, Walter e 

Wilma, companhias indispensáveis e, muitas vezes, cúmplices neste trabalho solitário 

em tantos momentos.   

Aos de casa: meus pais, Celso e Eulá; irmãos,  Tuti, Celso, Candi, Gustavo e ao 

meu pequeno Léo; Joca, Bel, Biba; agradeço as colaborações das mais variadas formas: 

conversando, incentivando, consolando, encorajando, acompanhando, esperando, lendo, 

digitando, traduzindo, advogando, orando, pajeando. 

Finalmente, ao CNPq e à Comissão de Bolsas do Departamento de História da 

FFLCH/ USP agradeço o apoio financeiro concedido através de bolsa de estudos.

A todos meu muitíssimo obrigado.

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Resumo

Esta tese traz uma reflexão acerca das transformações observadas na sociedade 

brasileira nas décadas de 1960­70, muitas das quais tiveram início ou se aceleraram a 

partir  do golpe de abril  de 1964, com a instauração do regime militar.  A discussão 

proposta parte do estudo dos artigos assinados por David Nasser, em  O Cruzeiro,  e 

Carmen da  Silva,  na  revista  Claudia,  entre  1963­1973.  Mostro,  através  do   trabalho 

destes autores, as sementes do que resultou num  endurecimento político baseado num 

aparato repressivo cuidadosamente construído, com o objetivo de cercear e punir idéias 

políticas diferentes daquelas que sustentavam a ditadura instaurada. Paralelamente, no 

campo social/cultural, observou­se a abertura dos costumes e dos comportamentos, o 

que contradiz, neste momento da história brasileira, a noção segundo a qual: “É mais 

fácil derrubar um ditador do que mudar a cabeça das pessoas”. 

Palavras­chave: imprensa, cultura, cotidiano, política, autoritarismo.

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Abstract

This thesis ponders about the transformations that took place in the Brazilian 

society in the 1960­70s. These changes have started or increased in pace following the 

civilian­military   coup­d'état   of   April   1964,  with   the   establishment   of   the   Brazilian 

military regime. The proposed discussion has its roots in the study of the news articles 

authored by David Nasser in O Cruzeiro and Carmen da Silva, in Claudia, spanning the 

years 1963­1973. I show, through the work of these authors, the seeds of what would 

later turn into the political hardening based in a carefully built apparatus to stifle and 

punish political ideas dissonant with the ones defended by the established regime. At 

the same time, other realms of society saw an increasing flexibility of societal norms 

and behaviors. This fact, in this particular moment of the Brazilian history, contradicts 

the common belief that: “It is easier to topple a dictator than to change people minds”.

Keywords: press, culture, politics, authoritarianism.

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Sumário

 Apresentação...................................................................................................................8

Parte I  ­ OS PERSONAGENS......................................................................................23

Capítulo 1: DAVID NASSER...................................................................................24

 Capítulo 2: CARMEN DA SILVA..........................................................................57

Parte II – OS AUTORES...............................................................................................84

Capítulo 1: AUTORITARISMO & LIBERDADE.................................................85

Capítulo 2: PÚBLICO & PRIVADO.....................................................................157

 Considerações Finais..................................................................................................199

Fontes Utilizadas..........................................................................................................203

Referências Bibliográficas...........................................................................................218

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Apresentação

Esta Tese de Doutorado apresenta uma reflexão acerca de um período recente da 

história contemporânea brasileira, em que o país esteve quase todo o tempo governado 

por militares, sob um regime marcadamente autoritário, instaurado a partir de abril de 

1964,   a   partir   de   um   golpe   civil­militar   que   depôs   o   então   presidente,   eleito 

democraticamente, João Goulart. Os vinte e um anos em que os militares estiveram à 

frente   do   poder   executivo   representam   um   momento   em   que   é   possível   observar 

importantes transformações na sociedade brasileira. Transformações marcadas por um 

endurecimento  político  baseado  num aparato   repressivo  cuidadosamente   construído, 

com o objetivo de cercear e punir idéias políticas diferentes daquelas que sustentavam o 

regime autoritário instaurado ao mesmo tempo em que se dá, no campo social/cultural, 

a abertura dos costumes e dos comportamentos.

A noção originada no senso comum segundo a qual “é mais fácil derrubar um 

ditador do que mudar a cabeça das pessoas” foi a fonte inspiradora das reflexões que 

procuro aprofundar nesta pesquisa. Sobretudo porque, no Brasil, aconteceu justamente o 

contrário. Ou seja, se não foi possível derrubar o regime militar, pois ele próprio saiu de 

cena de forma “lenta, gradual e segura”, a cabeça das pessoas mudou e se abriram novas 

possibilidades de estar no mundo.   

Como fontes de pesquisa foram utilizados o trabalho de David Nasser como 

cronista político na revista semanal  O Cruzeiro  e Carmen da Silva, responsável pela 

seção “A Arte de Ser Mulher” da revista  Claudia,  de circulação mensal, publicados 

entre 1963 e 1973, período em que ambos atuaram em concomitância. Escolhi estes 

dois autores por apresentarem visões de mundo e projetos de sociedade muito diferentes 

entre si, sendo, por isso, excelentes representantes deste momento da história política e 

social do Brasil marcado por esta (aparente) ambigüidade. 

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David   Nasser   passa   escrever   crônicas   políticas   em  O   Cruzeiro,   em   1959, 

ocupando semanalmente as duas primeiras páginas da revista. Inicia, nesse momento 

uma nova fase em sua longa carreira, iniciada em 1936, no jornal  O Globo. Em   O 

Cruzeiro desde 1943, conquistou fama e notoriedade por sua atuação como repórter ao 

lado   fotógrafo   francês   Jean   Manzon,   quando   uma   mudança   editorial   instaurou   a 

fotorreportagem. Nessa fase, os dois se tornaram os  nomes mais importantes dentro da 

revista. Em 1973, Nasser escreve pela última vez no semanário e, em 1975,  O Cruzeiro 

deixa  de   circular.  Entre   1962   e   1970,   escreveu   crônicas   também para  o  programa 

“Diário de um repórter” da TV Tupi, também pertencente à rede Diários Associados, 

como O Cruzeiro. Durante esse período, escreveu por um breve período, entre 1966 e 

1967, em  Manchete, fundada em 1952 e a principal concorrente de  O Cruzeiro, mas 

manteve seu nome no expediente de  O Cruzeiro. Retorna à  Manchete  em 1976, onde 

continuou a escrever  suas crônicas até   falecer,  em dezembro de 1980.  Acompanho, 

neste trabalho, portanto, apenas as suas crônicas políticas publicadas em  O Cruzeiro, 

revista para a qual escreveu durante quase toda a sua carreira e cuja história, em alguns 

momentos, se confunde com a sua própria.  

Dono de uma personalidade autoritária, temido e admirado, David Nasser não 

tinha pudores em empregar sua inserção na política em proveito pessoal. Participou da 

conspiração civil­militar que depôs o presidente João Goulart e apoiou o regime militar 

em todas as suas etapas, mesmo nos períodos de maior violência repressiva, sempre 

sustentando um discurso pró­democracia.  Escrevendo na revista de maior circulação 

nacional,  O Cruzeiro,  sua coluna semanal de crônicas políticas,  tornou­se elemento­

chave no cenário político pré e pós­golpe de 1964. Por isso também , para esta pesquisa, 

optei por analisar somente as crônicas políticas de David Nasser em O Cruzeiro. 

Carmen da  Silva,   ao  contrário,  dona de  um espírito   libertário,   realizava  um 

trabalho de formiga, à frente da seção chamada “A Arte de ser mulher”, publicada numa 

revista com circulação e público diferentes de O Cruzeiro.   A revista mensal Claudia, 

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da Editora Abril,  em que Carmen escreveu durante 22 anos ininterruptos, dirigia­se ao 

público feminino. A linha editorial da revista, quando foi lançada em 1961, considerava 

que o papel da mulher na sociedade era o de esposa, mãe, dona de casa, e que nada tinha 

a ver com política ou qualquer outra atividade pública, ou seja,  externa ao afazeres 

domésticos. Assim, passou o ano de 1964 sem fazer uma menção qualquer ao golpe 

civil­militar ocorrido no final de março daquele ano. Era exatamente esta maneira de 

pensar, tanto de homens que de mulheres, da sociedade, enfim, que Carmen da Silva 

gostaria de ver modificada e por isso lutou dia após dia, mês a mês, na revista ou fora 

dela, em palestras, conferências e congressos dos quais participou em todo o Brasil. 

Carmen da Silva assume a autoria da seção “A Arte de ser mulher” em setembro 

de 1963, nela escrevendo até sua morte, em 1985. Escritora com formação psicanalítica, 

Carmen da Silva,   também manteve,  durante as  duas  décadas em que escreveu para 

Claudia, um espaço junto à seção de cartas da revista, em que respondia diretamente 

aos leitores, um consultório sentimental em sua apresentação mais tradicional, embora 

sua forma de responder e  mesmo o conteúdo de seus conselhos fossem inovadores. 

Pois, em seu projeto de sociedade defendia, como ponto de partida para uma sociedade 

mais  justa e  igualitária,  a  liberdade,  principalmente às mulheres para que pudessem 

escolher   os   papéis   que   desejassem   desempenhar   na   sociedade,   além   da   opção, 

praticamente única até então, de esposa e mãe. Ou seja, defendia o direito de exercício 

pela de cidadania também para as mulheres, historicamente oprimidas. O diálogo com 

os leitores, a partir da correspondência por eles produzida, era a fonte principal dos 

artigos de Carmen na seção “A Arte de ser mulher”,  pois definia os  temas de seus 

artigos a partir dos assuntos abordados pelos leitores. De certa forma, os temas sobre os 

quais escreveu em sua seção eram pautados pelas cartas dos leitores também. 

Quanto aos gêneros jornalísticos adotados por David Nasser e Carmen da Silva, 

ambos   podem   ser   considerados   articulistas   se   levarmos   em   consideração   as   duas 

definições de artigo; uma que lhe é atribuída pelo senso comum de “matéria publicada  

em   jornal   ou   revista.   Qualquer   que   seja”.  E   outra,   “peculiar   às   instituições  

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jornalísticas,   que   identificam   artigo   como   um   gênero   específico,   uma   forma   de  

expressão verbal. Trata­se de uma matéria jornalística onde alguém (jornalista ou não)  

desenvolve uma idéia ou apresenta uma opinião.”  1

Os textos de Carmen da Silva, no entanto, podem ser considerados ensaios, uma 

espécie   de   artigo   que   dele   diferencia­se   em   função   do   tratamento   dado   ao   tema, 

apresentado,   no   caso   dos   ensaios,   a   partir   de   “pontos   de   vista   mais   definitivos,  

alicerçados com solidez, porque tem compreensão mais abrangente do fato e pretende  

sistematizar o seu conhecimento”, e também em função de sua argumentação, apoiada 

“em   fontes   que   se   legitimam   por   sua   credibilidade   documental,   permitindo   a  

confirmação das idéias defendidas pelo autor”.2   Na construção de sua argumentação, 

Carmen da Silva costuma utilizar, de um lado as cartas de leitores e, de outro, conceitos 

psicanalíticos como fundamentação teórico­científica para seus pontos de vista. Além 

disso,   quanto  à   finalidade,   seu   texto   assume  uma   feição   claramente  doutrinária   na 

medida em que “se destina a analisar uma questão da atualidade, sugerindo ao público  

uma determinada maneira de vê­la ou de julgá­la”.3   

Como   também   são   doutrinários   os   artigos   de   David   Nasser,   ainda   que 

apresentem “julgamentos mais ou menos provisórios, porque escritos enquanto os fatos  

ainda estão se configurando” e baseados no próprio conhecimento ou sensibilidade do 

articulista. Não tenho dúvidas, todavia, de que, em diversos momentos, os textos de 

Nasser  podem ser considerados crônicas especializadas em questões relacionadas ao 

mundo considerado como parte da política, por sua “feição de relato poético do real,  

situado na fronteira entre informação de atualidade e a narração literária”:

1 MELO, José Marques de. A Opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 115, 116.

2 Idem, p. 118.

3 Idem, p.119.

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“O cronista que sabe atuar como consciência poética da atualidade é aquele que  

mantém vivo o interesse do seu público e converte a crônica em algo desejado  

pelos leitores. Atua como mediador literário entre os fatos que estão acontecendo  

e a psicologia coletiva. (...) realizam uma tradução  livre da realidade principal,  

acrescentando ironia e humor à chatice do cotidiano, à dureza do dia­a­dia”4.   

        

De   fato,  David  Nasser   sabia   atrair   a   atenção  dos   leitores  por  meio  de   suas 

crônicas.  Divirjo,  contudo,  do  professor   José  Marques  de  Melo  no  que  se   refere  à 

“chatice do cotidiano”, pois tomar as experiências do dia­a­dia como algo duro e chato 

é   visão   superada   entre   os   historiadores,   que   recuperaram   o   cotidiano   como   lugar 

privilegiado das transformações sociais. Segundo a professora Maria Izilda Santos de 

Matos,

“Ao contrário do que alguns apontam, a história do cotidiano não  é um terreno  

relegado apenas aos hábitos e rotinas obscuras. As abordagens que incorporam a  

análise do cotidiano têm revelado todo um universo de tensões e movimento com  

uma   potencialidade   de   confrontos,   deixando   entrever   um   mundo   onde   se  

multiplicam  formas  peculiares  de     resistência/   luta,   integração/  diferenciação,  

permanência/   transformação,   onde   a   mudança   não   está   excluída,   mas   sim 

vivenciada   de   diferentes   formas.   Assim,   não   se   pode   dizer   que   a   história   do  

cotidiano  privilegie  o  estático,   já   que   tem mostrado  toda a  potencialidade  do  

cotidiano como espaço de resistência ao processo de dominação.”5    

É no cotidiano que o processo histórico transcorre. O movimento da História é 

dinâmico, ou seja, nele homens e mulheres agem e interagem como sujeitos que não 

4 Idem, p.155.

5 MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura. História, cidade, trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p.26.

 

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apenas assistem passivamente ao processo histórico, mas dele participam como atores 

interferindo   neste   processo   a   partir   das   suas   experiências,   sejam   individuais   ou 

coletivas. O historiador inglês Edward Thompson, em trabalho no qual critica autores 

que   excluíram   da   História   o   sujeito   e   a   experiência   humana,   diz,   ressaltando   sua 

importância:

“Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo – não  

como   sujeitos   autônomos,   ‘indivíduos   livres’,   mas   como   pessoas   que  

experimentam   suas   situações   e   relações   produtivas   determinadas   como 

necessidades   e   interesses   e   como   antagonismos,   e   em   seguida   ‘tratam’   essa  

experiência em sua  consciência  e em sua  cultura  [grifos no original] (...)  das  

complexas maneiras (...) e em seguida (...) agem, por sua vez, sobre sua situação  

determinada.”6    

Nessa medida, a presente tese não deixa de ser uma contribuição para o estudo 

histórico da imprensa e suas possibilidades de atuação no Brasil contemporâneo, pois 

seus agentes, como os aqui considerados, David Nasser e Carmen da Silva, atuam como 

mediadores entre editor e público leitor, uma vez que o material por eles produzido 

deve   agradar   estes   dois   extremos   da   cadeia   de   produção   jornalística.   E,   para 

compreender   a   atuação   social   por   eles   desenvolvida   é   preciso   considerar   que, 

internamente,   nas   redações   de   jornais   e   revistas,   desencadeiam­se   múltiplas   e 

complexas   relações   entre  os  produtores  da   imprensa.  Segundo  Maria  Aparecida  de 

Aquino:

“Por prática social dos agentes situados na imprensa estamos entendendo o que  

se   publica   num   jornal/hebdomadário/revista/órgãos   de   divulgação   de  

6 THOMPSON. Edward. P. A Miséria da Teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 182.

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periodicidade variada. O que se publica é fruto de uma diversidade de relações  

que   incluem  referenciais   diferentes.  Há   uma   linha   editorial   do   periódico   que  

carrega consigo interesses sociais nele representados pelo grupo que o domina.  

Há o trabalho do repórter/jornalista/editor/redator/colaborador que, além de seus  

próprios   pressupostos   sociais,   realiza   um   exercício   de  

aproximação/distanciamento em relação  à  linha editorial que pode ser mais ou  

menos   claramente   definida   pelo   órgão   de   divulgação.   Localiza­se   num  

artigo/coluna assinada/editorial, portanto, toda uma trama de relações sociais, ao  

mesmo tempo, complexas e difusas.”7

Considerando, de um lado, a existência destas tensões constantes no interior das 

redações jornalísticas e, de outro, a experiência empírica de leitura e análise dos artigos 

de David Nasser e Carmen da Silva não posso considerar válida a noção segundo a qual 

os articulistas guardam independência de opinião, seja em relação aos seus editores, seja 

em relação aos leitores. É o próprio José Marques de Melo quem afirma:

“A  verdade  é   que,   sendo   colaboração  espontânea  ou   solicitação  nem  sempre  

remunerada,   o   artigo   confere   liberdade   completa   ao   seu   autor.   Trata­se   de  

liberdade em relação ao tema, ao juízo de valor emitido, e também em relação ao  

modo de expressão verbal.”8    

Apesar  de  ter  sido um dos  jornalistas mais   influentes  de  O Cruzeiro,  David 

Nasser teve sua coluna suspensa em várias oportunidades por ter expressado opiniões 

que  desagradaram   seu   chefe   e   dono  da   revista,  Francisco  de  Assis  Chateaubriand. 

Carmen da Silva, por sua vez, não teve sua coluna suspensa, o que não significa que não 

7 AQUINO, Maria Aparecida de.  Caminhos Cruzados. Imprensa e Estado Autoritário no Brasil (1964­80).  São Paulo, 1994. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, p.01. 

8 MELO, José Marques de. Op. Cit., p. 121.

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tenha tido suas dificuldades com a direção de Claudia.  Apenas utilizou outra tática para 

contornar tais situações. Assim, no caso dos autores analisados, a censura interna às 

suas respectivas redações jornalísticas foi, muitas vezes, mais incômoda aos dois do que 

a rígida censura política imposta pelo regime militar aos meios de comunicação a partir 

de 1964. 

Isto porque, de sua parte, David Nasser apoiava o governo não sendo, portanto, 

uma ameaça à autoridade militar. Já Carmen da Silva escrevia para uma revista cuja 

proposta editorial estava em perfeita concordância com a defesa da “moral e dos bons 

costumes”   tradicionalmente   aceitos   pela   sociedade   e   que   a   legislação   censória   se 

pretendia defender.       

Os articulistas estão, portanto, sempre sujeitos aos interesses de seus editores e 

ao   gosto   de   seus   leitores.   Da   relação   com   os   leitores   depende   a   continuidade   da 

atividade   jornalística   e   da   relação   com  os   editores   depende   a  materialização  desta 

mesma  prática,   cuja  mediação,   sempre  presente,  é   dada  pela   interferência  no   texto 

podendo transformar suas possibilidades de interpretação, através da escolha das fotos/ 

imagens, a seqüência em que os textos estarão dispostos etc. O editor materializa o texto 

produzido pelo autor transformando­o em objeto. Diz Roger Chartier:

“Contra   a   representação,   elaborada   pela   própria   literatura,   do   texto   ideal,  

abstracto,   estável,   porque   desligado   de   qualquer   materialidade,   é   necessário  

recordar vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá  a  

ler,   que  não   há   compreensão  de   um  escrito,   qualquer  que   ele   seja,   que  não  

dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor.”9 

Ainda   considerando   o   aspecto   material   das   escrituras   e   refletindo   sobre   os 

significados   do   ato   de   escrever,   que   constitui   a   principal   atividade   exercida   pelos 

9 CHARTIER, Roger.  A História Cultural, entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988. p. 127.

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agentes  de   imprensa empregados como fonte  para esta  pesquisa,  afirma Michel  De 

Certeau:

“Mas, então,  o que é escrever? Designo por escritura a atividade concreta que  

consiste, sobre um espaço próprio, a página, em construir um texto que tem poder  

sobre a exterioridade da qual foi previamente isolado. (...)

Diante  de  sua  página  em branco cada criança  já  acha posta  na  posição    do  

industrial ou do urbanista, ou do filósofo cartesiano – aquela de ter que gerir o  

espaço, próprio e distinto, onde executar um querer próprio. (...) 

Uma   série   de   operações   articuladas   (gestuais,   mentais)   –   literalmente   é   isto,  

escrever, ­ vai traçando na página as trajetórias que desenham palavras, frases e,  

enfim,   um   sistema.   Noutras   palavras,   na   página   em   branco,   uma   prática  

itinerante, progressiva e regulamentada – uma caminhada – compõe o artefato de  

um outro ‘mundo’, agora não recebido, mas fabricado.”10

   

Os projetos de sociedade de David Nasser e Carmen da Silva, elaborados a partir 

de  visões de mundo tão díspares entre si coexistiram na mesma cultura, numa mesma 

época e são o “querer próprio” de cada autor, executados nas revistas para as quais 

escreveram. Estas, por sua vez, constituem, ao mesmo tempo, um espaço próprio (dos 

autores) e distinto (dos editores e leitores). 

Revistas como Claudia  e seções como “A Arte de ser Mulher”, de Carmen da 

Silva, ampliam o campo de atuação da imprensa para além do debate público sobre 

prática   política   nacional,   que   sempre  norteou  os   rumos  da   imprensa,   sobretudo  da 

chamada “grande imprensa”.11 Procurando realizar seu desejo de transformação social, 

10 DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1999, p.225.

11  Conforme qualificação apontada por  Maria  Aparecida de Aquino,  considera­se “grande  imprensa” aquela “cuja dimensão,  em termos empresariais, atinja uma estrutura que implique na dependência de  um  alto   financiamento   publicitário   para   sua   sobrevivência.”   AQUINO,   Maria   Aparecida.  Censura,  Imprensa, Estado Autoritário(1968­1978). Bauru, SP: Edusc, 1999, p.37.

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Carmen da Silva interfere na vida privada de seus leitores ao dando­lhes conselhos e 

propondo novas formas de vivenciar seus laços afetivos, tentando assim despertar­lhes a 

consciência para a relevância de seu papel na sociedade, ou seja na vida pública, e não 

apenas na família ou na vida privada. 

Evita,   portanto,   uma   rígida   separação   entre   o   público/coletivo   e   o 

privado/pessoal, diminuindo estas fronteiras quando afirma que “o pessoal é político” 

enquanto David Nasser faz um interessante contraponto como representante da política 

nacional,   caracterizada   por   uma   tendência   de   “privatização   do   público”   em   causa 

própria. 

Ao contrário de Carmen da Silva, que sempre privilegiou sua relação com os 

leitores,  Nasser procurou manter  estreitas e  boas relações com os  representantes do 

poder político  instaurado ou com os editores das revistas em que escreveu, embora 

pudesse   abrir   mão   delas   se   representassem   algum   empecilho   aos   seus   interesses 

particulares.   Isso,   apesar   de   apresentar­se   invariavelmente   como   defensor   da 

democracia.  Escrevia   suas   crônicas   e   reportagens   sem  grande   compromisso   com  a 

verdade dos fatos sobre os quais emitia suas opiniões, as quais aliás poderiam mudar 

conforme lhe conviesse, embora se expressasse com autoridade de profundo conhecedor 

da “verdade”. 

Foi   nesta   trajetória,   partindo   do   cotidiano   e   chegando   à   política,   e   da   política 

retornando ao cotidiano, num permanente diálogo, através da observação das atuações 

tão distintas entre si destes dois agentes sociais, que foram se assentando as bases  desta 

pesquisa, apoiada numa corrente historiográfica resumida de forma precisa por Maria 

Izilda Santos de Matos:

“A   Nova   História,   ao   ampliar   áreas   de   investigação   com   a   utilização   de  

metodologias   e   marcos   conceituais   renovados   (modificando   os   paradigmas  

históricos), também influenciou a abertura de perspectivas para   os estudos do  

cotidiano.

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Contudo, a influência mais marcante parece ter sido a descoberta do político no  

âmbito do cotidiano, o que levou a um questionamento sobre as transformações da  

sociedade, o funcionamento da família, o papel da disciplina e das mulheres, o  

significado   dos   fatos   e   gestos   cotidianos.   Assim,   o   renascer   dos   estudos   do  

cotidiano   se   encontra   vinculado   a   uma   redefinição   do   político   frente   ao  

deslocamento do campo de poder das instituições públicas e do Estado para a  

esfera do privado e do cotidiano, com a politização do dia­a­dia”12.   

A definição dos objetivos desta pesquisa considera, portanto, o cotidiano como o 

lugar   central,   palco  privilegiado  de   todas   as   relações   sociais.  Nele   as   relações   são 

constituídas,   fortalecidas   ou   estremecidas.   Enfim,   é   no   espaço   do   cotidiano   que   a 

sociedade vive seus processos de transformação. Segundo Agnes Heller:

       “A vida cotidiana não  está  ‘fora’ da história, mas no ‘centro’ do acontecer  

histórico: é a verdadeira ‘essência’ da substância social. (...) As grandes ações  

não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da vida cotidiana e  

a  ela  retornam.  Toda grande   façanha histórica  concreta   torna­se  particular  e  

histórica precisamente graças ao  seu posterior efeito na cotidianidade.”13   

Como historiadora, que utiliza a imprensa como documento, entendo que este 

objeto de estudo deve ser considerado um agente social,  como afirma Maria Helena 

Capelato:

“... um instrumento de manipulação  de interesses e intervenção  na vida social.  

Partindo   desse   pressuposto,   o   historiador   procura   estudá­lo   como   agente   da  

história e captar o movimento vivo das idéias e personagens que circulam  pelas  12 MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura. História, cidade, trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 22.

13 HELLER, Agnes. O Cotidiano e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 20.

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páginas dos jornais. A categoria abstrata imprensa se desmistifica quando se faz  

emergir   a   figura   de   seus   produtores   como   sujeitos   dotados   de   consciência  

determinada na prática social.”14    

E para efetivamente conseguir intervir na vida social e fazer valer seus interesses 

é   que  os   jornais   precisam  de   leitores.   Mais   que   isso,   precisam  de   leitores   que   se 

identifiquem com os seus  interesses para  lhes dar  legitimidade.  Por  isso,   todos eles 

“procuram atrair o público e conquistar seus corações e mentes.  A meta é  sempre  

conseguir adeptos para uma causa,  seja ela empresarial ou política,  e os artifícios  

utilizados para esse fim são múltiplos.”15   

Um recurso muito comum empregado pela imprensa para “conquistar corações  

e mentes” é o de apresentar seus próprios interesses, enquanto órgão jornalístico, como 

interesses   coletivos   seus   e   dos   leitores.   Põem   em   prática   estes   objetivos   ora   se 

colocando como mediadora ou “porta­voz” dos interesses e inquietações da sociedade 

(ou de parte da sociedade que supõe representar) junto do governo ou poder vigente, ora 

se autodenominando “formadora de opiniões”. 

Ou seja, ora é a imprensa que “assume” a opinião de seus leitores, ora são os 

leitores que “assumem” a opinião do jornal. De qualquer forma, sempre se tenta sugerir 

a existência de uma unanimidade de interesses entre imprensa e público leitor. É esta 

precisamente a postura adotada por David Nasser. E, embora mais altruísta e tolerante 

por considerar e respeitar os desejos e mesmo as limitações de seus leitores, Carmen da 

Silva também assume uma postura de “formadora de opinião” na medida que espera 

que seus leitores também partilhem das mesmas crenças sobre o que seja viver melhor 

em sociedade.    São estratégias de tentar  mudar o mundo através da escrita.  Com a 

palavra, Michel De Certeau:14 CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. p. 21. Grifo da autora. 

15 Idem, p. 15.

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“...o  jogo escriturístico,  produção  de um sistema, espaço de  formalização,  tem  

como ‘sentido’ remeter à realidade de que se distinguiu em vista de mudá­la. Tem 

como alvo uma eficácia social. Atua sobre a sua exterioridade. O laboratório da  

escritura tem como função  ‘estratégica’: ou fazer que uma informação  recebida  

da   tradição   ou   de   fora   se   encontre   ali   coligida,   classificada,   imbricada   num 

sistema  e, assim, transformada; ou fazer que  as regras e os modelos elaborados  

neste lugar excepcional permitam agir sobre o meio e transformá­lo.16”  

Assim,   a   análise   do   material   escolhido   para   a   pesquisa   foi   feita   à   luz   dos 

seguintes   pressupostos,   levando  em consideração  que   tanto  Carmen  da  Silva   como 

David Nasser empregam linguagens próprias, com estilos pessoais e características que 

as diferenciam da linguagem jornalística stricto sensu, porém, como esta, é igualmente 

forjada no cotidiano, ou seja, no acontecer social, sendo expressão da realidade social 

de  cuja   construção  participa.  Além disso,  os   dois   autores   falam de   lugares   sociais 

determinados e defendem diferentes projetos de sociedade que podem se aproximar ou 

distanciar   do   projeto   apresentado   pelas   revistas   em   que   escrevem.   E,   finalmente, 

considerar os leitores, ainda que constantemente tolhidos pela edição da revista, como 

agentes capazes de expor a contradição, o movimento, a possibilidade de mudança, ao 

mostrar as suas formas individuais e particulares de entender e vivenciar a moralidade 

de sua época.   

Se, de um lado, David Nasser atribui aos “dirigentes políticos”, entre os quais se 

inclui,  papel decisivo nos rumos da sociedade brasileira, de outro, Carmen da Silva 

acredita   que   transformações   sociais   mais   amplas   começam   nos   indivíduos   e   são, 

portanto, possíveis a partir de gestos e condutas assumidos cotidianamente por cidadãos 

conscientes de seu lugar social  de atores destas  transformações e não simplesmente 

16 DE CERTEAU, Michel. Op. Cit., p.226.

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sujeitos de decisões oriundas de instâncias dirigentes / superiores. Dessa forma, situo 

esta pesquisa sob a perspectiva de uma história política renovada, que:

“...permite deixar o campo fechado das idéias políticas, reintegrar as aquisições  

epistemológicas e metodológicas de Clio para mostrar a centralidade do político  

na história das sociedades.  Da lingüística à  prática militante, da  flutuação  da  

história das idéias à  da opinião e da mídia, do estudo dos comportamentos ao da  

filmografia,   etc.,   todos   os   assuntos­objetos  falando  do   político   tecem   uma 

problemática   vastíssima   e   susceptível   de   desembocar   numa   explicação  

globalizante da mecânica social e histórica.”17

O primeiro e mais importante livro sobre David Nasser foi escrito pelo jornalista 

Luiz Maklouf Carvalho entre julho de 1999 e junho de 2001. O autor teve acesso ao 

arquivo  pessoal  de  Nasser,  que   lhe   foi  disponibilizado  pela   sua  viúva,  dona  Isabel 

Nasser. Segundo Maklouf, David tinha o hábito de guardar e catalogar os documentos, e 

textos que produzia tanto para as revistas, como para a televisão. O contato com essa 

documentação lhe permitiu conhecer os bastidores da maior revista brasileira. Percebeu 

então  que   a   história   de  Nasser   era   indissociável   da  história   de  O  Cruzeiro,   daí   o 

sugestivo título do livro: Cobras Criadas. David Nasser e O Cruzeiro.   

Ainda sobre David Nasser, há um artigo de minha autoria, “David Nasser e a 

conspiração de 1964”, publicada na revista Tempo Brasileiro, em 2004, em que abordo 

a participação do jornalista na conspiração que depôs o presidente João Goulart, em 31 

de março de 1964.

Sobre Carmen da Silva há sua autobiografia, Histórias Híbridas de uma senhora  

de respeito,  publicada em 1984, um ano antes de sua morte,  e  Carmen da Silva, o  

feminismo   na   imprensa   brasileira,   de   Ana   Rita   Fonteles   Duarte.   Este   trabalho   é 

17 TÉTART, Philippe. Pequena História dos historiadores. Bauru, SP: Edusc, 2000, p.129. grifo original. 

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resultado da Dissertação de Mestrado em História Social desenvolvida por Ana Rita na 

Universidade Federal do Ceará e defendida em 2002.  

Esta tese foi estruturada em duas partes. A primeira, dividida em dois capítulos, 

é  dedicada aos dois autores.  David Nasser, é  contemplado com o primeiro capítulo, 

Carmen da Silva, com o segundo. Em cada um deles, procuro apresentar a vida, obra e 

o pensamento destes jornalistas em sua amplitude, ou seja, inclusive em períodos que 

ficaram excluídos com recorte cronológico definido pela  pesquisa.  Aqui  eles são os 

meus personagens, daí o nome desta primeira parte.     

Na segunda parte, ao contrário, é como autores que eles são considerados. Nesta 

parte procurei expor as observações feitas a partir das leituras dos seus trabalhos em 

Claudia  e O Cruzeiro. Os dois capítulos desta parte versam sobre grandes temas que 

possibilitaram destacar  as  principais  diferenças  de pontos  de  vista  entre  os  autores. 

Estes   temas,  permeiam de  alguma forma  todo o  trabalho dos  dois  e  dão nome aos 

capítulos: “Autoritarismo & liberdade” e “Público & privado”.      

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Parte I  ­ OS PERSONAGENS

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Capítulo 1: DAVID NASSER

“Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem

E quebraste um telhado, perdeste um abrigo

Feriste um amigo

Conseguiste magoar quem das mágoas te livrou

Atiraste uma pedra com as mãos que essa boca

Tantas vezes beijou

Quebraste um telhado

Que nas noites de frio te servia de abrigo

Perdeste um amigo que os teus erros não viu

E o teu pranto enxugou

Mas acima de tudo atiraste uma pedra

Turvando esta água

Esta água que um dia, por estranha ironia

Tua sede matou.”

David Nasser, “Atiraste uma pedra”.

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Pedras.  David  Nasser   atirou  muitas  pedras  do  alto  de   sua   tribuna  montada  nas 

primeiras  páginas  de  O Cruzeiro  desde  1959,  quando começou a  escrever  crônicas 

políticas. Seus alvos eram os adversários políticos e estes também foram muitos. Em 

1963, em meio à conspiração civil­militar que derrubaria no ano seguinte o Presidente 

João   Goutart,   David   Nasser   critica,   com   impressionante   violência   verbal,   o   então 

Ministro da Fazenda do governo presidencialista de Goulart, Francisco Clementino de 

San Tiago Dantas, comparando­o à escrava Chica da Silva:

“Aí temos a nossa Chica da Silva de volta, trazendo hipotéticos dólares para o  

presente   (se  andarmos  direitinho)  –   e  a   futura  Presidência,   como excesso  de  

bagagem – se ele andar direitinho. Não  adianta dizer à  Chica: São  Paulo, com 

seus  quase cinco milhões  de eleitores,  vai   fazer  o  Presidente  que quiser.  Não  

adianta. Na sua imensa vaidade, Chica sonha alto. Quer ver, no lago de Brasília,  

o barco dos seus sonhos. (...)

Chica da Silva é mulher hábil. Escreve a sua História do Brasil com amor e beijo.  

Ninguém mais do que ela sabe fazer cafuné.  Chica vive o seu momento de cio  

glorioso. Diz uma coisa ao Patrão. Diz outra ao seu povo. Diz ao Patrão o que ele  

quer escutar. Diz ao povo o que ele gosta de ouvir. Chica da Silva é a flor mulata  

de Minas, que desabrocha, manhosa e bela. Chica da Silva é a fantasia de luxo de  

uma escrava. Francisca Clementina  da Silva Dantas.”18   

Na semana seguinte, no espaço de David Nasser era publicado o artigo “Recolha 

as pedras, David – a propósito da missão de San Tiago Dantas”, assinado por Nehemias 

Gueiros. Sua ausência foi assim explicada:

“David Nasser cede hoje,voluntariamente, o seu espaço a um amigo dileto  

que vem defender alguém de sua velha estima. Honra estas páginas com a sua  

18 NASSER, David. Chica da Silva, RJ, O Cruzeiro, 13abr1963, p.4.

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assinatura o Professor Nehemias Gueiros, antigo catedrático de Direito Civil da  

gloriosa   Faculdade   do   Recife   e   membro   vitalício   do   Conselho   Consultivo   do  

Condomínio Acionário de que ‘O Cruzeiro’ é parte integrante.”19    

Considerando   texto   de   David   Nasser   sobre   Ministro   San   Tiago   Dantas 

“achincalhe”   e   “descompostura”,   Gueiros   escreve   dirigindo­se   diretamente   ao 

jornalista:

“Meu caro David Nasser: Não é sem razão – alguma estranha razão,  destas que  

só o supersticioso ou o fetichista poderiam explicar, nunca a própria razão – que  

V. veste a sua personalidade com um nome que é ao mesmo tempo, átono e tônico:  

átono no patronímico que  lhe  identifica a  família  e  a  própria raça,   tônico no  

prenome que lhe contradiz a genitura e a estirpe. Astúcias e ronhas de hebreu  

passando na frente da alma desvairada do árabe que V. nunca deixará  de ser:  

leal,   isto é,  conforme a  lei,  mas exaltado,  porque segue,  por  autenticidade,  os  

ímpetos da circunstância.

Fiel   a   si   próprio,   por   essa   mesma   autenticidade,   o   verdadeiro   David   nunca  

deixaria de ser, no Velho ou no Novo Testamento, o menino que chegou a rei à  

custa   de   pedradas,   e   o   homem   de   cuja   semente   e   de   cuja   seara   brotaria   a  

Redenção. David na dispensação da Lei ou David a dispensação da Graça. (...)

David de uma e de outra época, David de cinco pedras na mão – uma só desferida  

contra a cabeça do Gigante, as demais na mão para exortar os outros eventuais  

Golias.”20

Entretanto, a resposta de Nasser ao artigo de Nehemias Gueiros publicada duas 

semanas depois não permite acreditar que ele tenha cedido seu espaço voluntariamente:

19 GUEIROS, Nehemias. Recolhas as pedras, David, RJ, O Cruzeiro, 20abr1963, p.4.  

20 idem, ibidem.

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“Não,  eu jamais insultaria a San Thiago, um homem de honra, intocável em sua  

vida   limpa.   Permita­me,   entretanto,   Nehemias,   divergir   frontalmente   dessa  

verdadeira   encíclica   de   descompostura   amável   que   sua   pena   culta   escreveu,  

hóspede livre de minhas próprias páginas. (...)

Agora quem grita sou eu: pelo amor de Deus, respeitem o simbolismo, por mais  

tosco que ele seja. Não leiam a superfície das palavras. Elas são como o vinho que  

não é apenas a uva espremida.”21   

E sobre sua própria conduta, replica, irônico:

“Olho para as minhas pobres mãos e lhes pergunto o que fizeram, o que disseram,  

que já teriam feito ou não teriam dito antes.

Remexo o meu alforje de cristão esfarrapado e lá  ainda estão as cinco pedras do  

meu destino. Sento na calçada para ver a procissão da minha vergonha – e então  

compreendo a hediondez do meu crime. Eu não sou aquele que matou o gigante a  

pedradas. Eu sou o menino que viu o rei nu.”22 

Este episódio é muito ilustrativo do como foi a atuação de David Nasser como 

cronista político, dono de uma verve genial, sempre pronto para atacar ou defender, o 

que melhor lhe conviesse, conforme as circunstâncias. Sobre si mesmo e sua trajetória 

escreveu, em colaboração especial à revista Manchete, em 1967, numa seção intitulada 

“Autocrítica”: 

“ ... e se pusesse a olhar o que sou – e não gosto de mim, não gosto do que fiz, não  

creio que em qualquer dos territórios que pisei – o do jornalismo resvaladiço das  

injunções diárias, o dos livros de circunstâncias, o das canções mimeografadas,  

21 NASSER, David. O Profeta da amizade, RJ O Cruzeiro, 4mai1963, p.5.

22 idem, p.4.

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tenha feito algo perene. São peças que o acaso irá  buscar nas bibliotecas ou nas  

discotecas públicas. Houve jornalistas de talento infinitamente maior, como João  

do Rio ou José do Patrocínio, que apenas viraram nomes de ruas. Antonio Maria,  

o mais puro boêmio da crônica, nem seus ossos desencarnaram – e suas peças  

ninguém lembra.”23

Se tamanha modéstia era falsa ou verdadeira pouco importa. O fato é que não se 

pode negar que David Nasser foi brilhante escritor e compositor, um dos grandes nomes 

da   história   da   imprensa   e   da   música   brasileiras,   cuja   produção   pode   ajudar   a 

compreender a sociedade brasileira num determinado período de sua história.  “David  

Nasser foi o jornalista brasileiro mais famoso dos anos 50”,  a afirmação é  de Luiz 

Maklouf Carvalho, autor de  Cobras Criadas24, livro em que apresenta uma detalhada 

biografia do jornalista. Maklouf teve acesso ao arquivo pessoal de David Nasser e conta 

que não encontrou as peças do jornalista espalhadas ao acaso, ao contrário:

“ o David tinha essa preocupação  de guardar tudo, catalogar tudo. Ele deixou  

tudo numa lógica, matéria por título. Ele tinha uma preocupação bem séria com  

isso. (...) Ele tinha uma compulsão de ver a obra dele... parece que ele imaginou  

que um dia alguém fosse fazer um livro sobre ele”25.  

      Filho de imigrantes libaneses, David Nasser nasceu em Jaú no interior de São Paulo, 

em 1º de janeiro de 1917,  “franzino, com problemas de visão  e paralisa parcial nas  

pernas”26.  Logo se mudaria com família para o Rio de Janeiro.  Seu pai,  Alexandre 

23 NASSER, David. Autocrítica de David Nasser, RJ, Manchete, 19nov1966. p. 14.

24  CARVALHO,  Luiz  Maklouf.  Cobras  Criadas  –  David  Nasser  e  O Cruzeiro.  São  Paulo:  Editora SENAC, 2001. p.19.

25 Luiz Maklouf  Carvalho, entrevista à autora, em São Paulo, 29jan2007.

26 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p. 23.

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Nasser, sustentava a família com o comércio de pedras preciosas e jóias e nunca fora 

fotógrafo das  expedições  do  marechal  Cândido Rondon e  da Coluna Prestes,  como 

chegou a escrever em seus artigos.    

Entre 1926 e 1932, a família Nasser morou em Caxambu, no sul de Minas Gerais, 

onde o pequeno David, aos 9 anos de idade, teve seu primeiro emprego: o de entregador 

de   pão.   Contudo,   o   primeiro   emprego   com   registro   em   carteira   profissional,   foi 

arranjado pelo pai, numa loja de jóias e curiosidades, onde trabalhou durante quase um 

ano, dos 16 aos 17 anos.

Estudante, já mostrava gosto pela leitura e escrita. Um estágio como contínuo em O 

Jornal em 1934, introduziu o jovem David no jornalismo. Ali começou a aprender a ser 

repórter. O Jornal, adquirido em 1924, foi o primeiro periódico a compor o império dos 

Diários  Associados,  de  Francisco  de  Assis  Chateaubriand  Bandeira  de  Melo27  que, 

naquela época, já contava com Diário da Noite de São Paulo, O Cruzeiro, o Estado de  

Minas,  Diário da  Noite  do Rio de  Janeiro.  Foi  em  O Jornal  que Nasser  conheceu 

Chateaubriand.   Antônio   Accioly   Netto,   diretor   de  O   Cruzeiro,  conta   como   foi   o 

encontro:

“Dizem que Assis Chateaubriand, ao vê­lo, duvidou que fosse capaz de escrever e  

aplicou­lhe   um   teste:   trancou­o   numa   sala   com   algumas   folhas   de   papel   em  

branco   e   uma   máquina   de   escrever,   depois   de   lhe   dar   um   tema   para   que  

desenvolvesse.  Meia  hora  depois,   ele   entregava  àquele  que  depois   passaria  a  

27 Paraibano, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello nasceu em 05/10/1892. Formado em Direito, chegou a ser aprovado no concurso da Faculdade de Direito de Recife para a cátedra de professor de   direito   romano   e   de   filosofia   do   direito.   Entretanto,   não   abandonou   as   atividades   jornalísticas, exercidas desde a juventude. Em 1924, adquiriu o diário O Jornal, o primeiro de sua empresa jornalística, os Diários Associados. A primeira estação de TV no Brasil, a Tupi, foi implantada por ele, em 1950. Na política,   foi  eleito  senador  pela Paraíba em 1952 e  pelo Maranhão em 1955.  Durante o  governo de Juscelino Kubitschek, representou o Brasil como embaixador na Inglaterra entre 1957 e 1960. Faleceu em 04/04/1968.            

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chamar de ‘Velho Capitão’ um texto excelente e limpo, sem qualquer rasura. Foi  

contratado na hora.”28

Depois disso foi suplente de revisor em O Globo, da família Marinho, para o qual 

foi contratado, em 1936, aos 19 anos. Seu segundo emprego registrado em carteira. O 

primeiro, como jornalista. Uma reportagem sobre a morte do compositor Noel Rosa, 

escrita por Nasser, em maio de 1937, teria chamado a atenção de Roberto Marinho29 

para o texto do jovem repórter. 

Data   desta   época   também   sua   entrada   como   compositor   na   Música   Popular 

Brasileira. Na esquina da rua de  O Globo  ficava a Casa Nice,   conhecido ponto de 

encontro  de  compositores   e   intérpretes,   freqüentado  também por  Nasser  durante  os 

plantões noturnos no jornal. Uma reportagem sobre compositores ligados à Sociedade 

Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) teria despertado seu interesse pelo meio artístico. 

E logo passaria a compor canções que são referência na história da MPB. Seu primeiro 

sucesso   foi     “Nega do  cabelo duro”,  de  1940,  em parceira  com o  lutador  de  boxe 

Rubens Soares:

“Nega do cabelo duro,

qual é o pente que te penteia?

qual é o pente que te penteia? 

qual é o pente que te penteia?

Mise­en­plis a ferro e fogo

Não desmancha nem na areia

Tomas banho em Botafogo

28 ACCIOLY NETTO, Antônio. O Império de Papel. Os bastidores de O Cruzeiro. Porto Alegre: Sulina, 1998, p. 109.

29 Roberto Marinho nasceu em 3/12/1904, no Rio de Janeiro, filho do jornalista Irineu Marinho, fundador de O Globo, em 1925. Após a morte do pai, dias depois da fundação do jornal, assume a direção do diário Euclides Matos, companheiro do Irineu. Somente em 1931, com a morte de Matos, Roberto Marinho passa a dirigir o jornal.   

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qual é o pente que te penteia, ó nega?”  

 Fora da imprensa,  construiu uma sólida carreira de compositor  tendo assinado a 

autoria de mais de duzentas, como “Atiraste uma pedra” e “Canta, Brasil”. Esta, fruto 

da parceria com Alcyr   Pires Vermelho, foi  criada em 1941, para concorrer com a 

“Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, a mais cantada no carnaval de 1939. Mesmo 

guardada  a  primazia   de  “Aquarela”,   “Canta,  Brasil”,   alcançou  grande  popularidade 

entre as composições de Nasser, chegando a ser tema de novela da TV Globo, na voz de 

Gal Costa:

“As selvas te deram nas noites seus ritmos bárbaros...

Os negros trouxeram de longe reservas de pranto...

Os brancos falaram de amores em suas canções...

E dessa mistura de vozes nasceu o teu pranto...

Brasil

Minha voz enternecida

já dourou os teus brasões

na expressão mais comovida

das mais ardentes canções...

Também,

a beleza deste céu

onde o azul é mais azul

na aquarela do Brasil,

eu cantei de norte a sul,

mas agora o teu cantar, 

meu Brasil, quero escutar

nas preces da sertaneja

nas ondas do rio­mar...

Oh!!!

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Esse rio – turbilhão,

 Entre selvas e rojão

Continente a caminhar!!! 

No céu!

No mar!

Na terra!

Canta, Brasil!!!” 

Nasser   criou   as   letras   de   231   músicas.   Com   Herivelto   Martins,   assinou   uma 

“Mamãe”,  espécie de  hino à  mulher  em seu papel  de mãe e  “rainha do  lar”,   ficou 

conhecida  na  voz  de  Agnaldo  Timóteo,   e   revela   um  olhar   do   compositor   sobre  o 

cotidiano: 

''Ela é a dona de tudo

Ela é a rainha do lar

Ela vale maia para mim

Que o céu, que a terra, que o mar

Ela é a palavra mais linda

Que um dia o poeta escreveu

Ela é o tesouro que pobre

Das mãos do Senhor recebeu

Mamãe, mamãe, mamãe

Tu és a razão dos meus dias

Tu és feita de amor, de esperança

Ai, ai, mamãe

Eu cresci, o caminho perdi

Volto a ti e me sinto criança

Mamãe, mamãe, mamãe

Eu te lembro o chinelo na mão

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O avental todo sujo de ovo

Se eu pudesse, eu queira outra vez, mamãe

Começar tudo, tudo de novo” 

Também com Herivelto Martins criou vários clássicos no estilo dor­de­cotovelo. 

Entre as mais conhecidas destaca­se “Camisola do dia”,  que  ilustra  uma  tradicional 

representação feminina no imaginário masculino:

“Amor, eu ainda lembro

Que era linda, muito linda

Um céu azul de organdi

A camisola do dia

Tão transparente e macia

Que eu dei de presente a ti

Tinha rendas de Sevilha

A pequena maravilha

Que o teu corpinho abrigava

E eu era dono de tudo

Do divino conteúdo

Que a camisola ocultava

A camisola que um dia 

Guardou a minha alegria

Desbotou, perdeu a cor

Abandonada no leito

Que nunca mais foi desfeito

Pelas vigílias do amor.” 

Com esses e outros parceiros talentosos, construiu a obra que lhe assegura também 

um destacado capítulo na história da música popular brasileira. E, ao menos no campo 

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da música, ninguém duvida que ele tenha criado algumas peças perenes. Quem nunca 

cantou numa virada de ano o hit “Adeus ano velho”, também de sua autoria?

“Adeus Ano Velho

Feliz Ano Novo

Que tudo se realize no ano que vai nascer

Muito dinheiro no bolso,

Saúde para dar e vender!”

Como repórter, David Nasser permaneceu em O Globo até 1943, quando foi para a 

revista O Cruzeiro, dos Diários Associados de Chateaubriand, onde virou celebridade e 

enriqueceu com o que publicou (ou deixou de publicar),   temido e respeitado,  vivia 

cercado de afagos e bajulações. Lançada em novembro de 1928, O Cruzeiro ainda é a 

revista que mais tempo permaneceu em circulação no mercado brasileiro, tendo existido 

durante 50 anos. A revista nasceu para ser o primeiro veículo com circulação nacional e 

mais   um   instrumento   da   atuação   política   do   empresário   Francisco   de   Assis 

Chateaubriand   Bandeira   de   Mello,   criador   e   proprietário   do   conglomerado   Diários 

Associados.

A criação da revista foi um gesto político de Assis Chateaubriand, que contou 

com o  apoio  decisivo  do  então Ministro  da  Fazenda  do  governo Washington  Luís, 

Getúlio Vargas, para levantar fundos e assim ressuscitar o projeto fracassado, por falta 

de   verba,   de   revista   nacional   criada,   em   1927,   pelo   jornalista   português   Carlos 

Malheiros   Dias.   Fernando   Morais   conta   que   a   revista  Cruzeiro  (sem   o   “O”)   foi 

totalmente reformulada:

“(...)   a   Cruzeiro   de   Chateaubriand   era   uma   revista   com   papel   de   melhor  

qualidade,   repleta   de   fotografias,   contaria   com   os   melhores   articulistas   e  

escritores do Brasil e do exterior, e assinaria todos os serviços estrangeiros de  

34

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artigos e fotografias. Impressa em quatro cores pelo sistema de rotogravura, a  

revista   teria  de ser  rodada em Buenos Aires,   já  que a qualidade das  gráficas  

brasileiras estava ‘abaixo do nível das africanas’. E tinha mais: Cruzeiro seria  

semanal,  com tiragem de 50 mil  exemplares (e não  os 27 mil   imaginados por  

Malheiros)”. 30  

capa da edição de lançamento de 

O Cruzeiro

Dentre seus  muitos sucessos,  a   tiragem é  um dos aspectos em que a  revista 

mantém recorde ainda imbatível. No início dos anos 40 a circulação da revista era de 11 

mil exemplares, em outubro de 1954, logo após o suicídio de Vargas, saltou para 720 

mil, quando a população brasileira estava em cerca de 45 milhões de habitantes. Em 

1957, atingiu os 887 mil exemplares, estabilizando­se em 550 mil no restante dos anos 

50 e início dos 60, quando entra em declínio.31 

Na década de 50, período em que alcançou seu pico de tiragem,  O Cruzeiro 

ampliou   significativamente   sua   proximidade   com   o   público,   constituindo   parte 

30 MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil.  São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 178.  

31 Para se ter uma idéia do que estes números significam em termos de público leitor, hoje, a Veja, revista semanal   da   Editora   Abril,   a   mais   vendida   atualmente,   tem   circulação   média   de   1,5   milhão exemplares/semana para 160 milhões de brasileiros, aproximadamente.

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importante do cotidiano de muitos leitores. Sobre o sucesso da revista na década de 50, 

Edgard Luiz de Barros escreveu:

“Conforme Millôr Fernandes, O Cruzeiro foi a ‘revista de maior sucesso de todos  

os   tempos  no  Brasil.  Numa população  de  45  milhões  de  habitantes   chegou  a  

vender 750 mil exemplares semanais e teve uma edição internacional, em língua  

espanhola, que circulava até  no sul   dos Estados Unidos’. Na década de 50, a  

empresa   se   transformou   ‘no   que   equivale   à   TV   GLOBO   de   hoje,   faturando  

milhões’.”32     

A comparação com a TV Globo é pertinente porque transmite uma noção do que 

representava a presença da revista O Cruzeiro no dia­a­dia dos leitores nas décadas de 

40 e 50.  Embora a primeira emissora de televisão brasileira, a Tupi de São Paulo, tenha 

sido   inaugurada  pelo  próprio  Assis  Chateaubriand,   em 1950,  é   importante   lembrar 

também que a televisão ainda não fazia parte do cotidiano das pessoas nos anos 50. O 

rádio, as revistas e jornais eram os principais veículos de comunicação. Só nos anos 70 

o veículo se consolida pela forte presença no cotidiano dos telespectadores33.  

Revista   semanal   ilustrada,   de   fatos   diversos,  O   Cruzeiro  dirigia­se   ao   grande 

público e por isso ainda apresentava diversas seções: crítica de cinema, teatro, literatura, 

coluna social e as dirigidas ao público feminino: “Elegância e Beleza”; “Lar Doce Lar”, 

sobre   culinária   e   “Da   Mulher   para   a   Mulher”,   consultório   sentimental.   Merecem 

destaque   as   memoráveis   seções   de   humor:   “O   Pif­Paf”,   de   Millor   Fernandes   (que 

assinava Vão Gôgo) e “O Amigo da Onça”34,  personagem de Péricles Maranhão, os 32 BARROS, Edgard Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo: contexto, 1999. p. 33.

33  HAMBURGUER,   Esther.   “Diluindo   fronteiras:   a   televisão   e   as   novelas   no   cotidiano”.   In: SCHWARCZ, Lilia Moritz História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Cia das Letras, São Paulo, 2000.

 34  “O Amigo da  Onça”  é,  provavelmente,  o  quadro  de  humor  mais   lembrado da   revista.  O célebre personagem, que age o tempo todo no sentido de promover a derrota do outro sem nunca ser derrotado, foi criado pelo cartunista Péricles Maranhão e se transformou na moldagem de uma visão de mundo, um 

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quadrinhos de Carlos Estevão e “Garotas” de Alceu Penna.   O Cruzeiro  foi, portanto, 

uma   revista   de   variedades,   dedicada   a   informar   e   divertir   o   leitor,   além   de   ser 

instrumento  de  atuação política  por  meio  do  qual   seus  editores  podiam expor   suas 

posições frente à política nacional e internacional.

Em 1943, passou por uma importante reformulação editorial, dirigida por Freddy 

Chateaubriand, quando foi  instaurada a fotorreportagem. As principais estrelas desta 

renovação foram a dupla Jean Manzon e David Nasser, que realizavam juntos grandes 

reportagens sobre assuntos variados, conforme a classificação de Helouise Costa: culto 

à  personalidade;   esporte  e   lazer   (futebol  principalmente);   artes,   literatura  e  ciência; 

natureza e aventuras; a cidade; o grotesco e o exótico.35 Foi como repórter ao lado de 

Manzon, o seu parceiro ideal, que David Nasser conquistou um lugar de destaque na 

equipe de O Cruzeiro. 

Juntos,  os dois  criaram a era do  ilusionismo no  jornalismo. Numa entrevista 

concedida   à   revista  Manchete  em   1965,   publicada   com   o   título   ''O   rei   David''   na 

tentativa de minar a concorrente com a contratação do entrevistado, o jornalista resumiu 

o capítulo inicial de suas aventuras com o fotógrafo.  ''Naquele tempo, ninguém fazia  

reportagens, no sentido literal da palavra. (...) Quando o Manzon chegou aqui, era  

como um tenista de primeira classe ensinando um tenista de província ­ eu. Aprendi  

muito. Em primeiro lugar, aprendi a vencer a timidez, Depois iniciei­me nos truques da  

profissão.  O Manzon, embora não sendo um homem de cultura, possui extraordinária  

sensibilidade   jornalística,   acima   do   comum.”36  Tanto   Manzon   como   Nasser   eram 

modo de ser. Presente em O Cruzeiro a partir de 1943, os quadros d’O Amigo da Onça foram desenhados pelo seu criador até 1962, ano da morte de Péricles Maranhão. Daí em diante, o personagem passou a ser desenhado por Carlos Estevão. O personagem é   tema da pesquisa de doutorado do Prof. Dr. Marcos Antônio da Silva. Ver: SILVA, Marcos Antônio da. Prazer e Poder d’o Amigo da Onça. São Paulo: USP, Tese (Doutorado) – FFLCH/USP, 1986.

       35 COSTA, Helouise. Aprenda a ver as Coisas: fotojornalismo e modernidade da revista O Cruzeiro. São Paulo: USP. Dissertação (Mestrado) – ECA/USP, 1992. 

36 O Rei David, RJ, Manchete, 1965.

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sensíveis, superlativos e sem compromisso com a verdade. Augusto Nunes, por ocasião 

do lançamento de Cobras Criadas, escreveu:

 

“O repórter era um Jean Manzon das palavras. O fotógrafo era um David Nasser  

dos   textos.   O   filho   de   imigrantes   árabes   materializava   miragens   com   a  

competência de um beduíno milagreiro. O destino juntou­o ao parisiense cujas  

câmeras mágicas  eram capazes  de documentar,  com  idêntico brilho,  o  real,  o  

recriado ou o imaginário. 

Entre 1943 e 1952, nove anos de convívio atestaram que aqueles parceiros haviam  

efetivamente nascido um para o outro. Trocaram afagos e estocadas. Prometeram­

se o adeus irrevogável para reaproximar­se semanas mais tarde, entre juras de  

amizade   eterna.   Estrelas   da   mesma   grandeza,   reverenciados   por   patrões,  

jornalistas   e   leitores,   disputaram   espaço   nos   letreiros   como   artistas  

temperamentais. Faz sentido. Nasser e Manzon foram os mais festejados artistas  

da imprensa no Brasil dos anos 40 e 50. 

Os trabalhos da dupla eram identificados com a aparição  dos nomes no alto da  

página,   lado  a   lado,  nunca  superpostos,   em  letras  do  mesmo  tamanho.  Numa  

inversão   da   regra   segundo   a   qual   o   repórter   tem   precedência,   o   fotógrafo  

freqüentemente   irrompia  à   frente  do  desfile.  Fotos  de  Jean Manzon.  Texto  de  

David   Nasser.   Essa   fórmula   vigorava   quando   as   fotos   eram   de   tal   modo  

impressionantes que reduziam todos parágrafos,   títulos  e  legendas a adereços.  

Muito   vistosos,   mas   adereços.   Foi   assim   na   reportagem   em   que   o   deputado 

Barreto Pinto, convencido pelo francês sedutor a exibir­se na intimidade, topou  

posar de cuecas, entre outras situações desconcertantes.”37

A reportagem “Barreto Pinto sem máscara”, foi publicada em 29 de junho de 

1946, e trazia o deputado Edmundo Barreto Pinto, do PTB, em cuecas samba­canção e 

fraque. Luiz Maklouf afirma que:

37 NUNES, Augusto. Já não se faz imprensa assim. Ainda bem. RJ, Jornal do Brasil, 15dez2001.

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“Nasser mantinha uma relação promíscua com o deputado, pois o mesmo escrevia  

também   no  Diário   da   Noite,   o   folhetim   em   que   o   parlamentar   narrava   suas  

memórias. Era Barreto que assinava o folhetim – mas o próprio Nasser confessou  

na  Manchete, que a obra era de sua autoria, sem esclarecer se remunerada ou  

não.

É fato indiscutível que o deputado pagou aos Diários Associados pelas memórias,  

como comprova o recibo que Nasser guardou em seu arquivo pessoal. É de 12 de  

abril  de  1949 e está  assinado por Barreto Pinto.  Não  cita  o  valor,  mas dá  o  

número do cheque.”38   

Com o fim do Estado Novo, em 1945, David Nasser começa a escrever uma 

série de artigos, publicados posteriormente no livro  Falta alguém em Nuremberg.  O 

livro denunciava e descrevia as torturas praticadas durante a ditadura de Getúlio Vargas 

comparando­as às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.   O título, 

uma referência ao tribunal internacional em torno do qual, reunidos, em 1946, na cidade 

alemã de Nuremberg, os “aliados” julgaram os inimigos por crimes cometidos durante a 

guerra,   sugere   que   o   ex­ditador   Getúlio   Vargas   deveria   ser   julgado   pelo   mesmo 

tribunal.   No prefácio da primeira edição, de 1947, David Nasser escrevera: 

“As  atrocidades  praticadas  no  Brasil  pela  polícia  política  do  Capitão  Filinto  

Strubling Müller excederam, em alguns pontos, as torturas infligidas pela Gestapo  

aos judeus, antinazistas e prisioneiros aliados. Difícil é comparar a maldade com  

a  maldade,   a   barbaria   com   a   barbaria,   o   perverso   com   o   perverso.   (...)   Os  

policiais   brasileiros  do   Sr.   Getulio  Vargas   enfiavam  arames  nos   ouvidos  dos  

presos. Os nazistas alemães faziam experiências cientificas com os recolhidos aos  

campos de concentração.  Os policiais brasileiros enfiavam arames na uretra dos  

38 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit. P. 156. 

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presos, e, com um maçarico, aqueciam esses arames ate ficarem em brasa. Os  

nazistas   alemães   executavam   os   presos   em   câmaras   de   gás.   Os   policiais  

brasileiros   apertavam   o   crânio   dos   presos   até   que   eles   morressem   ou  

enlouquecessem.

Torna­se impossível, finalmente, quais eram os piores. Observarão  os senhores,  

apenas, que, enquanto os nazistas alemães pagaram ou estão  em vias de pagar  

seus   crimes   espantosos,   os   policiais   brasileiros,   autores   de   crimes   contra   a  

humanidade,   mantém­se   em   seus   postos,   impunes   e   felizes,   quase   todos   bem  

instalados na vida”39.

David   Nasser,   contudo,   não   responsabiliza   o   Capitão   Filinto   Muller   pelas 

torturas   que   denuncia,   alegando   não   ter   contra   ele   “qualquer   motivo   pessoal   de  

animosidade”. Seu alvo é Getúlio Vargas:     

“O autor do presente livro não conhece pessoalmente o Capitão Filinto Strubling  

Müller, nem tem contra ele qualquer motivo pessoal de animosidade, a não  ser  

aqueles mesmos que nos  fazem odiar os  inimigos da espécie humana.  Julgo­o,  

porém,  o   segundo  grande   responsável   pelos   crimes  praticados   sob   sua  direta  

orientação.  O primeiro grande culpado, a seu ver, e o Sr. Getulio Vargas, que  

poderá fugir a todos os julgamentos atuais, mas não escapara ao implacável, justo  

e   sereno   veredicto   da   História.   Logo   que   os   fatos   se   coloquem   dentro   da  

perspectiva de analise, ele será apontado no Brasil como o maior assassino dentre  

os assassinos que viveram no tempo de sua vida”40.

Se, em 1947, David Nasser nada tinha contra Filinto Muller, quando, em 1972, o 

ex­chefe da polícia política de Getúlio Vargas morre em acidente aéreo, o jornalista não 

39 NASSER, David.  Falta alguém em Nuremberg. RJ: Edições O Cruzeiro, 1966, p.5. 

40 idem, p. 6.

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só elogiou sua conduta após o Estado Novo, como tentou explicar seu próprio ponto de 

vista:

Todos esses anos, após a amarga ditadura de Vargas, Filinto foi o anti­Filinto.  

Fez o possível e o impossível para que delissem a imagem do homem que faltara  

em Nuremberg, a forca vazia. (...)   

Naquele   tempo, acusar a um tirano era um ato de coragem. Hoje, defender um  

velho roído de mágoas, investido de autoridade, devotado inteiro a serviço de uma 

causa   justa,   ou   seja,   o   equilíbrio   político,   sedimento   revolucionário,   é   uma  

crueldade.  Personagens assim não  nos pertencem mais.  Deixaram o cotidiano,  

entraram para a História, que os  julgará  por nossas verdades   ou por nossas  

mentiras, mas ditas no tempo certo.(...)

O exemplo de sua primeira vida, retratada por mim em dois livros  (será  que não  

basta?), valeu como advertência de que todo ser humano, é preciso repetir, exige  

um metro cúbico de respeito em torno de si. O novo­velho Filinto, inteiramente  

remodelado, merecia de qualquer um, o respeito a que um membro do Conselho  

dos  Direitos Humanos  faz  jus.  Madalena arrependida,  dirão  vocês.  Não  penso  

assim. A alma possui tais mistérios que Filinto bem pode ser um Saulo no caminho  

de Damasco. Em sua vida há  duas vidas, das quais a primeira estava a merecer o  

silêncio temporário do jornal, para o julgamento definitivo da História da qual  

somos os miseráveis escribas de todo dia, mas não de toda hora”41.

Mas   nenhuma   reportagem   do   jornalista   conseguiu   o   sucesso   de   público 

alcançado por  Giselle:  a  espiã  nua  que  abalou Paris,   invenção de  David Nasser  e 

ilustrada   por   vedetes   fotografadas   por   Jean   Manzon,   anunciada   como   testemunho 

merecedor de credibilidade. Publicado em 59 capítulos pelo Diário da Noite, o folhetim 

transformou o jornal em campeão de vendas no segundo semestre de 1948. Editado 

41 NASSER, David. Os dois Filintos. RJ, O Cruzeiro, 19abr1972, p.16.

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como livro de bolso nos anos 60, a história da francesa que, presa num cabaré, rolara 

''de prisão em prisão,  de cama em cama, satisfazendo os apetites bestiais dos oficiais  

nazistas''42 superou a marca dos 500 mil exemplares. 

Freddy  Chateaubriand,   diretor   do  Diário  da  Noite  e   depois   de  O  Cruzeiro, 

contou a Luiz Maklouf Carvalho que a nota de abertura apresentava o texto como ''um 

documentário   traduzido  do  original   francês   pelo   jornalista   italiano  Carlo  Tancini,  

agora de  passagem pelo  Rio”.  Mas,  na  verdade,  “nunca houve  Giselle,   ela  nunca  

abalou Paris. O Manzon trazia as fotos não sei de onde e o David escrevia com aquela  

facilidade''.43 Na mesma entrevista Freddy Chateubriand, responsável pela reformulação 

editorial de O Cruzeiro, em 1943, que uniu a dupla Nasser e Manzon, recorda aqueles 

tempos dizendo:

“Os fatos não eram importantes para o David, e sim a criatividade. Ele inventava  

coisas pra poder valorizar as reportagens. Foi o Manzon que ensinou isso pra ele.

Eu era tolerante. Se você é jornalista e quer vender, você tem que ser escroto. É  

uma palavra meio forte, mas você não  pode ter tanto prurido, senão  não  vende  

porra nenhuma. (...)

O Manzon tinha escrúpulo zero. Nenhum escrúpulo. E o David, mais ou menos a  

mesma coisa. (...) Talvez por acaso, em uma ou duas reportagens, porque calhou.  

Não tinha o que alterar, e a verdade era mais interessante do que a mentira. O  

sucesso é que é importante. Veracidade? Quem está ligando pra ver se é verdade?  

Era  um  jornalismo  de   resultados.  Viver  de   jornal   era  a  coisa  mais  difícil  do  

mundo.”44     

42 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit. P. 156.

43 Idem, p.198.

44 idem, p. 127.

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Maklouf   destaca   ainda   a   homenagem   que   Nasser   recebeu,   em   1954,   de  O 

Cruzeiro,  registro   da   importância   do   homem   que   apareceria   no   expediente   como 

''repórter principal''. Com o título ''David, o Repórter'', oito páginas abrigam parágrafos 

atulhados de adjetivos adulatórios e 81 fotos. “Nenhum repórter no mundo mereceu  

homenagem desse porte”. A ordem para a festa de papel fora expedida pelo próprio 

Chateaubriand,   admirador   declarado   do   repórter   que   chamava   carinhosamente   de 

''beduíno de uma figa'' ou ''turco louco''.

Sua última grande cobertura como repórter, em 1959, foi um caso policial: o 

assassinato  de  Aída  Curi,   uma  jovem de  18  anos,  morta   ao   ser   jogada  do  décimo 

segundo andar de um edifício na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, onde estava em 

companhia   de   Ronaldo   Guilherme   de   Souza   Castro,   de   19   anos,   e   Cássio   Murilo 

Ferreira da Silva, de 16 anos, que facilitara a entrada dos dois no edifício em obras. 

Encontrando forte resistência de Aída, Ronaldo, que a forçava uma relação sexual com 

a moça,  teria  lhe dado um tapa e depois sido, deixando­a a sós com Cássio. Meses 

depois, indignado com a sentença do juiz Joaquim de Sousa Neto, que encerrou o caso 

alegando falta de provas e  inocentando os dois menores e o porteiro do prédio que 

permitiu a entrada dos três jovens, David Nasser volta a carga com o artigo “Um juiz no 

banco dos  réus”,  em 14 de março de  1960,  e  consegue reverter  o  caso.  Em 11 de 

outubro de 1963, no terceiro e último julgamento do caso, Ronaldo é condenado e à 

prisão por treze anos e cinco meses. Cássio, por ser menor, é beneficiado e o porteiro, 

absolvido.             

Em 1959, David Nasser tornou­se, além de principal redator, um dos diretores 

da revista e passou a assinar o primeiro artigo do semanário, em página dupla, em geral, 

sobre um tema político. No mesmo ano, em 21 de setembro, Chateaubriand doou a 22 

empregados 49% da propriedade do seu império de comunicação45, dando origem ao 

Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados.  Luiz Maklouf Carvalho 45  Constituído, na ocasião, por quarenta jornais e revistas, mais de vinte estações de rádio, quase uma dezena de estações de televisão, uma agência de notícias e uma empresa de propaganda.

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comenta  a  nova estrutura  de  poderes  após  a  distribuição das  cotas  para  criação do 

Condomínio: “João Calmon, vice­presidente, era o segundo em importância depois do  

fundador. Os terceiros eram Edmundo Monteiro, em São  Paulo, e Leão  Gondim, no  

Rio. Cada qual com seu feudo, e seus interesses, mantinham relativamente contida a  

luta pelo poder, afinal indiscutivelmente centralizado por Chateaubriand.”46            

David   Nasser   não   foi   contemplado   no   primeiro   momento,   passando   a   ser 

condômino   somente   a   partir   de   1962,  “indicado   pelo   patrão   para   ingressar   no  

Condomínio,   na   vaga   aberta   pelo   falecimento   do   jornalista   paraense   Frederico  

Barata”47.    

Em 28 de fevereiro de 1960, Chateaubriand sofreu uma dupla trombose cerebral 

que o deixou quadriplégico, sem movimentos nas pernas e braços. Assim permaneceu 

até sua morte, em abril de 1968. Porém, mesmo debilitado fisicamente, Chateaubriand 

continuou escrevendo seus artigos, de sua residência em São Paulo, a Casa Amarela, 

transformada­a, inclusive, num dos centros de conspiração contra o governo de João 

Goulart nos anos que precederam o golpe que depôs o Presidente.

Da   relação   estabelecida   entre  Chateaubriand   e  David  Nasser,   neste  período, 

transparece   um   certo   respeito   mútuo,   preservado   por   interesses   enquanto   estes 

permanecessem comuns. Pois, em comum mantinham também o mesmo estilo de fazer 

jornalismo,   ou   seja,     usar   a   informação   como   moeda   de   troca   para   obtenção   de 

benefícios pessoais. 

Habilidoso com as palavras, Nasser não poupava de severas críticas e, muitas 

vezes, graves ofensas os personagens políticos de seus artigos. Contudo, referia­se a 

Chateaubriand com muito cuidado, mesmo para criticá­lo, sem poupar elogios, como no 

artigo “Um trio desafinado” em que o chama de “límpido, viril, altivo, autêntico”:

46 CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas. São Paulo: Senac, 2001. p. 388.

47 MORAIS, Fernando. Op.cit., p. 639. 

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  “Assis  Chateaubriand é  hoje,  em sua prisão  física,  o  jornalista mais livre do  

Brasil. Nenhum impedimento, nenhum interesse o detém. Vê os seus amigos por  

um raio­X cruel, desnudando­os, mostrando­os vértebra por vértebra, em todas as  

suas fraquezas humanas a uma platéia sádica.”48

 Este texto mostra um pouco da dinâmica da relação patrão­empregado mantida 

por   Chateaubriand­Nasser.   Nele,   o   assunto   é   o   tratamento   dado   ao   ex­presidente 

Juscelino Kubitschek. Chateaubriand sempre o defendeu das suas críticas, dizia Nasser: 

“Quantas,  quantas  brigas   tivemos,  eu e  meu patrão,  por você,  Juscelino!   (...)  Não  

queria que eu o maltratasse”. Contudo, a situação mudou e:

“O tempo passou. Juscelino, ao fim do governo, consciente ou inconscientemente,  

fez algumas ursadas com o Velho. Faltou com o respeito à  antiga amizade. Foi  

ingrato. Chateaubriand ficou uma fera. Nunca houve uma criatura que detestasse  

tanto a palavra não cumprida. E Juscelino, perdoe­me a franqueza, não é muito de  

cumprir palavra.”49

No fundo, David Nasser, orgulhoso, reivindicava para si a responsabilidade por 

assassinar politicamente o ex­presidente:

“Permita­me,  Chefe,  que  não  aceite  de   suas  mãos    de  anatomista,  o  cadáver  

insepulto do homem que ajudei a assassinar politicamente. Permita­me dizer­lhe,  

companheiro, da Casa Amarela, que o verdadeiro Juscelino é o seu Juscelino de  

ontem, o meu Juscelino de hoje. Somos um trio desafinado.”50

48 NASSER, David. Um trio desafinado, RJ, O Cruzeiro, 02fev1963, p.4. 

49 Idem, ibidem.

50 Idem, ibidem.

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Se   como   cronista   político   usava   a   palavra   como   arma   para   assassinar 

politicamente seus  adversários,   fora da  imprensa   também defendeu o uso de outras 

armas. Apesar de menos divulgado, é digno de nota seu envolvimento com o Esquadrão 

da Morte:

“No começo dos anos 60, Nasser estabeleceu novas amizades com uma turma de  

investigadores da polícia civil – aquela que mais tarde viria a ser conhecida como  

‘onze homens de ouro’ ou Esquadrão da Morte, ou, ainda, Scuderie Le Cocq. (...)  

essa   relação  informal (...), iria se tornar oficial entre o final de 63 e o golpe  

militar, quando Nasser levou os ‘empreiteiros de Jesus’, como os chamava, para  

dentro de casa.”51         

Na noite de 31 de março de 1964, quando foi deflagrada a ação golpista pelo 

general Olímpio Mourão Filho, que saiu de Juiz de Fora rumo ao Rio de Janeiro, David 

Nasser refugiou­se em sua própria casa escoltado pelos seus amigos, “homens de ouro”, 

conforme suas memórias no artigo “O Dia em que Jango caiu”:

“Na madrugada revolucionária, o esquadrão  apareceu aqui em casa com todo  

aquele arsenal. Vinha o Le Cocq, velho e querido amigo, guerreiro com alma de  

lavrador, a arma entre o cinto e barriga. O Euclides, um garoto de dois metros de  

altura, gaguejava ordens. O Paulistinha, o Sivuca, o Guaíba, o Jacaré, o Ivo, o  

Arrepiado   e   tantos   outros   que   estão   no   álbum   de   família   e   cujos   nomes   me  

escapam da memória. A casa no centro de um terreno a alguns metros da rua,  

virou  fortaleza.  Tomaram posição  no  telhado,  na varanda,  no  jardim.  Parecia  

guerra   de   verdade.   (...)Tudo   aquilo  me  parecia   heróico   e   ridículo  ao   mesmo 

tempo.”     52

51 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. cit, p. 412­414. 

52 NASSER, David. “O Dia em que Jango caiu”, in: Manchete, 28/10/1967, p. 140.

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Em   diversas   oportunidades   Nasser   defende   publicamente   a   atuação   dos 

“empreiteiros   de   Jesus”.   No   artigo   publicado   em   30   de   março   de   1963,   sobre   o 

assassinato  de  um  rapaz,   filho   do   jornalista  Odylo   Costa   Filho,   seu   colega   em  O 

Cruzeiro, por outros jovens menores de idade, defende a lei do “olho­por­olho”:  

“Morreu   com   a   dignidade   de   um   veterano,   caiu   sob   armadura   medieval,  

defendendo a sua dama contra bandidos. E eram talvez bandidos de sua idade.

Hoje – seu pai,  que retoma o  trabalho e vê  paginar o drama que  lhe sai das  

entranhas   –   sabe   que   tem   comigo,   com   todos   os   homens   decentes   dessa  

submerdência (e é submerdência mesmo), uma responsabilidade maior: poupar a  

vida de nossos filhos, encurtando a dos assassinos. Vamos almoça­los antes que  

jantem os nossos meninos. A ordem é essa: um revólver na cintura e atirar para  

matar.” 53  

No mesmo artigo  apresenta   a   sua   solução  para  o  problema da  delinqüência 

juvenil e defende a atuação do Esquadrão da Morte:

“Há  muito tempo venho eu, voz isolada, clamando por medidas que ponham fim à  

delinqüência juvenil. Fui acusado de sensacionalista por uns. De exagerado, por  

outros.   (...)   Fabricamos   monstros   infantis,   esses   robots   de   calças     curtas.   E,  

quando eles matam,  pomos a culpa em Lacerda,   sem lembrar que os  maiores  

culpados somos nós mesmos.(...)

Pobres dos agentes da lei que se atrevessem a executá­los, no cumprimento da  

missão,  em defesa da própria vida ou de outrem. Respondiam criminalmente a  

todos os processos, iam ao banco dos réus, perdiam meses nas salas dos tribunais  

– e corriam o risco de uma sentença desfavorável. Era o abominável Esquadrão  

da Morte”.54

53 NASSER, David. Só mesmo à bala, RJ, O Cruzeiro, 30mar1963, p. 4.

54 Idem, ibidem. 

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Repórter, escritor, letrista, cronista político. David Nasser  foi também dono de 

uma personalidade autoritária bastante identificada com o regime militar e autoritário 

que ajudou a implantar:

“Em sentido psicológico, fala­se de personalidade formada por diversos traços de  

personalidade   autoritária   quando   se   quer   denotar   um   tipo   de   personalidade  

formada por diversos traços característicos centrados no acoplamento de duas  

atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição  à  obediência  

preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obsequio e a adulação para  

com todos aqueles que detém a força e o poder; de outra parte, a disposição em  

tratar  com arrogância e  desprezo  os   inferiores  hierárquicos  e  em geral   todos  

aqueles que não têm poder e autoridade.” 55

David Nasser, escrevia com bastante autonomia em O Cruzeiro. Num no artigo, 

"Jornalismo e  liberdade",   recorda a   liberdade concedida e  seus   limites,   reafirmando 

sempre sua independência:

"Muita gente ignora que nada disto me pertence. A não ser o espaço invendável  

destas  páginas   ­  e  o  direito  de  discordar  até  mesmo de  Assis  Chateaubriand,  

direito que ele cavalheirescamente me ofereceu e eu, na minha liberdade filial,  

jamais exerci, como que repele uma heresia. De qualquer forma ele me outorgou  

esse   direito,   na   sua   liberalidade   de   repórter   que   sabe   o   preço   exato   da  

independência.

No meio de arranca­rabos homéricos fui anti­Dutra, quando ele era dutrista, anti­

Vargas   quando   ele   defendia   a   permanência   de   Vargas,   anti­Juscelino   nos  

momentos de seu idílio com o juscelinismo. Nunca me proibiu que tivesse opinião  

55 BOBBIO, Norberto e alii. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 2000, p.95. 

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própria. Sempre trabalhei aqui, sem que ele exercesse sobre mim a censura prévia  

da   autoridade.   Às   vezes,   delicadamente,   arranjava   um   jeito   de   cassar­me   a  

palavra mandando­me para Port Said, quando sua vontade era para outro lugar.  

Outras vezes, discutia o assunto, mostrando as suas divergências ­ mas isso só  

acontecia depois do artigo publicado” 56.

Assim, durante o período analisado nesta pesquisa, David Nasser esteve afastado 

das páginas de  O Cruzeiro  em dois momentos importantes.    Sua presença pode ser 

acompanhada em três fases distintas, intercaladas por longas ausências.  Primeira fase 

inicia­se em 7 de setembro 1963 e se encerra em 9 de janeiro de 1965, quando anuncia 

férias em aviso aos seus leitores: “Vou entrar em férias atrasadas a partir de janeiro”, 

advertindo­os:   “Por   favor,   não   tirem   conclusões   precipitadas.   Não   são   férias  

revolucionárias.”57  Revolucionárias  ou não,  suas  férias  foram longas pois,     somente 

volta a escrever suas crônicas políticas na revista apenas em 2 de outubro daquele ano.

Neste período, Nasser esteve em Portugal onde desembarcou no ano anterior. De 

lá, escreveu vários artigos sobre a terra de Camões entre setembro de outubro de 1964: 

“Este  é  o  Minho” de  12  de   setembro  de  1964;   “A presença  de  Camilo”  de  19  de 

setembro de 1964; “Saudade defumada” de 3 de outubro de 1964; “A Ilha Verde”, 10 de 

outubro.  Estes e outros  artigos foram publicados posteriormente,  em 1965,  no livro 

Portugal, meu avozinho.

Contudo,   mesmo   em   terras   estrangeiras,   Nasser   continuou   atuando   nos 

bastidores da política brasileira. Uma nota na seção de política de  O Cruzeiro,  “Em 

Confiança”, na edição de 7 de agosto de 1965, afirma: “David Nasser entrevistou­se  

durante hora e meia com o Presidente Oliveira Salazar, recentemente. Que dizia não  

entender porque o Marechal Castelo Branco não  quer continuar na presidência do  

56 NASSER, David. Jânio a face cruel. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1966,  p. 10.

57 NASSER, David. O volátil Golbery. RJ, O Cruzeiro, 9jan1965. p.4.

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Brasil”.58  Outra nota, na mesma seção, conta que, de Lisboa, Nasser teria telefonado 

para Juscelino Kubitschek e, dizendo ser adversário político sem nunca ter deixado de 

lado  a  velha  amizade,  oferecia   ao  ex­presidente  um “conselho   fraternal:  não  volte  

agora.   Sua   presença   no   Brasil   vai   agitar   o   ambiente,   vai   trazer   complicações,   e  

ninguém, mais do que você, amigo velho, pode desejar que o clima de tranqüilidade se  

restabeleça   em   sua   pátria.   Juscelino   ouviu   e   concordou.     ‘­Voltarei   depois   das  

eleições”, disse. E David atalhou: ‘­ não, volte depois da posse dos eleitos.” 59    

Outro período de longa ausência ocorreu a partir de 10 junho de 1967, quando 

fica afastado por um período ainda maior. Desta vez, o motivo foi o artigo “Burrice 

americana”, no qual David Nasser criticava duramente a política comercial do governo 

brasileiro, que considera “lesiva aos interesses nacionais” porque, segundo o jornalista, 

permitiria  aos “norte­americanos pagar menos  impostos de renda no Brasil  que os  

próprios brasileiros.”  60  O tema causa grande repercussão, incluindo resposta do ex­

ministro Octávio Bulhões. 

David Nasser é afastado e já no segundo semestre de 1967 está escrevendo para 

a   concorrente  Manchete.  Criada   para   ser   a   principal   concorrente   de  O   Cruzeiro,  

Manchete chegou às bancas em abril de 1952. Idealizada por Adolpho Bloch61, a revista 

também   utilizava   a   linguagem   da   fotorreportagem.   Em   1956,   passou   por   uma 

importante reformulação que abrangeu desde a política editorial até a qualidade gráfica, 

com a aquisição de novas impressoras. O apogeu de Manchete coincide com o declínio 

58 “Em confiança”, RJ, O Cruzeiro, 7ago1965. p.86.

59 idem, ibidem.

60 NASSER, David. A burrice americana. RJ, O Cruzeiro, 13mai1967. p.4.

61 Adolpho Bloch nasceu na antiga União Soviética e veio para o Brasil em 1922 trazendo a experiência adquirida nas tipografias da família em Kiev. 

   

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de  O Cruzeiro. A partir de 1958, descontentes com a postura ética de Chateaubriand, 

muitos jornalistas de O Cruzeiro migram para Manchete.62 

Nasser mantém, contudo, seu nome no expediente de O Cruzeiro como diretor e 

redator   principal,   “ousadia   jamais   vista   na   imprensa   brasileira”63.  Na  concorrente 

escreveu   sobre   seus   amigos   Carlos   Lacerda,   Juscelino   Kubitschek,   Chateaubriand, 

Castelo Branco,  seu pai:  Alexandre Nasser,  entre  outros.  Recordou “O Dia em que 

Jango caiu” e  “Os melhores  anos  da minha vida”.  Neste  último,   tenta  explicar   seu 

afastamento de O Cruzeiro:

“A história que resultou no meu afastamento voluntário das páginas de O Cruzeiro

 e das câmaras  associadas não é mais do que uma troca de um substantivo por um  

adjetivo. Discípulo fiel  de Carlos Drummond de Andrade, sempre que hesitava  

entre dois adjetivos, escolhia um substantivo.

Não sei como aconteceu fugir à  regra àquele dia. João Calmon havia escrito um 

artigo, O Americano Burro. Eu escrevi outro sobre A Burrice Americana. Nem um 

nem outro, evidentemente, queriam classificar de burro o povo americano, mas  

apenas   a   burrice   de   certos   americanos,   pois   a   burrice   não   é   privilégio   de  

ninguém. Muito menos de brasileiros”64.  

Possivelmente, uma forma de expressar seu desejo de retornar a O Cruzeiro, de 

onde não gostaria de ter saído:   “Na minha idade de marinheiro velho, não  se pode  

mudar de capitão.  Ele continuaria a ser o mesmo. Até ele morrer ou até vir mijar na  

minha sepultura” 65. O “Velho Capitão” Chateaubriand, por sua vez, também não estava 62 conf. ANDRADE, Ana Maria Ribeiro, CARDOSO, José Leandro Rocha. Aconteceu, virou manchete. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.21, p.243­264, 2001.

63 CARVALHO,  Luiz Maklouf, Cobras criadas. São Paulo: Senac, 2001, p. 21. 

64 NASSER, David. Os melhores anos da minha vida. RJ, Manchete, 02dez1967, p.101.

65 NASSER, David. Jânio a face cruel. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1966,  p. 13.

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muito satisfeito com a presença de “Turco louco” na concorrência e, quando Nasser é 

premiado   em   Portugal   por   sua  obra   sobre  o  país,   o   dono  dos   Diários   Associados 

escreveu:

“A reação  primeira que tive, e logo comuniquei a amigos portugueses, quando  

recebi a notícia de que David Nasser abiscoitara o ´Prêmio Camões’ deste ano, da  

Academia   de   Ciências   de   Lisboa,   foi   imediata:   ‘Nem   Camões   escapou   desta  

peste!’

O galardão é o maior concedido pela Academia. E se aqueles homens graves, que  

conservam a nobre e alta tradição do espírito português, resolveram­se a premiar  

o turco com tão alta comenda, é que o consideram, no melhor sentido da palavra,  

um brilhante homem de letras.

Nós, aqui de O CRUZEIRO, e dos ‘Diários Associados’, estávamos habituados a  

ver nele o colunista que brotou do repórter, em uma evolução natural do escriba  

que amadureceu e que, de revelador de grandes temas e denunciador de grandes  

escândalos,   passara   a   comentador   de   energia   e   coragem,   dono   de   um   estilo  

agressivo, e de uma coragem pessoal rara em nossa vida pública.

Na verdade, onde havia um crime a apontar, uma injustiça a reparar, ou uma  

ação  nobiliatadora a ressaltar,   lá  aparecia o  turco,  desengonçado e  feio,  mas  

brandindo o aço com a força de um Ferrabrás. De adaga em punho, pois tanto  

correspondia a sua pena,   investia  a   fundo,  embebendo a  lâmina no  fígado do  

adversário, que logo ficava pálido,  exangue, reduzido a um trapo. (...)

O   prêmio   é   de   David,   mas   a   glória   é   também   nossa,   porque   nosso,   dos  

‘Associados’, é o turco da peste que o conquistou.”66

 

No final de 1966, escreveu em Manchete, sobre sua forma de fazer jornalismo:

66  CHATEAUBRIAND.   Francisco   de   Assis.   Nem   Camões   escapou   deste   peste!   RJ,  O   Cruzeiro,  16set1967, p.6.

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“Teria ficado cheio de mim se não soubesse que escrevo razoavelmente, pois não  

pagariam para tanto. Nem teria a longevidade profissional que me apavora, me  

persegue e quer me destruir, até que eu consiga me livrar de uma vez. Mas, não  

me considero, dentro da profissão, um expoente. Tive, acima de tudo, uma sorte de  

cachorro. A de encontrar um homem que acreditou num menino de 15 anos e lhe  

deu uma maquina de escrever e um destino. Esse menino é o velho que sou hoje,  

antes dos 50 que não fiz. O velho é o moço Assis Chateubriand, roble gigante a  

esperar, tranqüilamente o raio que o fulminará.  Dizer que gosto do escrevo seria  

mentir, acho cansativo, pedante, monótono e purgativo. Repito muito as palavras.  

Não dou importância aos exageros e às  imperfeições, se digo o que quero dizer.  

Em Angola, Deus me perdoe, batizaram de nasserismo um estilo jornalístico – e  

isso só me envergonha em vez de envaidecer. Significa uma forma apenas de fazer  

jornalismo. Bato dura na maquina de escrever, por isso não me adapto à  elétrica,  

e   uso   a   antiga,   a   quadrada,   com   uma   bigorna   ou   um   piano   de   onde   nunca  

consegui arrancar uma peça romântica. E sei que não  poderia fazer isso. Mas,  

antes de tudo, com a ajuda de Castelo Branco e a prisão de Assis Chateubriand,  

preciso que esqueçam esse mau jornalista e bom sujeito que é o David Nasser.”67 

Quando   Chateaubriand   faleceu,   em   4   de   abril   de   1968,   Nasser   escreve   em 

Manchete sua despedida, sempre atento às disputas internas na direção de O Cruzeiro:

“Chateaubriand não  apenas respeitava, mas suportava as minhas divergências,  

meus  descaminhos,  minhas   rebeldias.  Nunca  fui   seu  pau­mandado.  Não  quero  

tratar aqui, por uma questão de higiene literária, das tentativas que fizeram para  

transformar um desacordo político numa questão pessoal. Nunca o conseguiram.  

(...)   O   governo   deve   preservar   a   obra   de   Chateaubriand,   o   instituto   de   sua  

vontade,   dentro   da   qual   talvez   eu   não   esteja   após   a   sucessão,   porque   até   a  

67 NASSER, David. Autocrítica”, RJ: Manchete, 19nov1966, p.18.

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perpetuidade se renuncia para se voltar a ser homem livre. E eu o sou. Como ele o  

foi até o fim.”68 

   

Em 8 de setembro de 1970, retorna a O Cruzeiro ocupando novamente as primeiras 

páginas. Com  grande alarde é anunciada “A Volta do Turco”. Neste período, até em 11 

de abril de 1973, quando pára definitivamente de escrever para a revista, seus artigos 

podem ser classificados em três grandes temas, segundo Luiz Maklouf de Carvalho: 

“O primeiro é o apoio declarado à  escalada da repressão e ao governo Médici,  

cujo exemplo mais triste e significativo é  o artigo que festeja o assassinato de  

Carlos   Lamarca   (‘passional’,   ‘fanático’,   ‘primata   ideológico’,   ‘delirante’,  

‘paranóico’,   ‘dopado   de   ódio’).   Adjetivos   assim   eram   atribuídos   a   todas   as  

correntes que lutavam contra a ditadura, especialmente a esquerda que pegou em 

armas, mas não só. Dom Hélder Câmara, por exemplo, foi saco de pancadas.(...)

O segundo tema recorrente na volta a  O Cruzeiro  é  o conjunto de artigos em  

causa própria, sobre os problemas do café e da pecuária – produzia grãos e bois  

com alguma desenvoltura (...) O terceiro tema constante eram os amigos políticos,  

rurais,  policiais  e  musicais:  Delfim Netto,  Mário Andreazza,  Armando Falcão,  

Haroldo   Polland,   Ibrahim   Abbudi   Neto,   Jean   Manzon,   Silvio   Caldas,   José  

Cândido de Carvalho, Juscelino, Le Cocq.”69    

        Apesar de não escrever mais para O Cruzeiro desde 1973,  a sua saída definitiva 

só foi formalizada em 20 de maio de 1975, em documento amplamente divulgado na 

imprensa no qual declarava   discordar “frontalmente do modo pelo qual está  sendo  

administrado(...) traindo as nobres intenções do criador do instituto”70 o Condomínio 68 NASSER, David. Meu último encontro com Chateaubriand. RJ, Manchete, 7abr1968, p.150.

69 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p.520

70  Carta encaminha a João Calmon, presidente do Condomínio Diários Associados por intermédio de oficial de Justiça do Sexto Ofício de Títulos e Documentos. In: CARVALHO, Luiz Macklouf. Op.  Cit., p. 526.  

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Acionário   das   Emissoras   e   Diários   Associados,   presidido   desde   a   morte   de 

Chateubriand,   em   abril   de   1968,   por   João   Calmon.     A   própria   revista  morreu 

melancolicamente   em   1975,   assassinada   pela   ação   conjunta   de   maus   gestores   e 

vendedores de matérias jornalísticas. 

Em 1976 retorna a Manchete, para onde levou toda a sua história em O Cruzeiro e 

seu ressentimento em relação a João Calmon. Os artigos escritos contra ele logo lhe 

trariam problemas. Bloch, apesar de tê­lo recebido de braços abertos, encarregou Carlos 

Heitor Cony, então diretor de Manchete, a informá­lo de que um de seus artigos seria 

vetado e  substituído por uma matéria,  escrita  pelo próprio Cony:  “David Nasser,  o 

repórter”.   Em   entrevista   concedida   a   Luiz   Maklouf   Carvalho,   Carlos   Heitor   Cony 

revelou a primeira impressão que teve ao conhecer Nasser pessoalmente, em junho de 

1975, durante a crise dos Associados:

“A sensação mais importante que eu tive foi a disparidade entre a imagem pública  

– um boca­de­fogo , um repórter agressivo – e aquele caco que eu encontrei. Era  

uma pessoa frágil, indefesa, precisando de apoio para descer uma escada, abotoar  

uma camisa. A fragilidade de chocou muito.”71      

David    Nasser   permaneceu   escrevendo   em  Manchete  até   sua  morte,   em 10  de 

dezembro de 1980,  vítima de  câncer  de   fígado.  Deixou uma  fortuna  em  imóveis  e 

fazendas legada à esposa,   dona Isabel. De sua bibliografia constam 17 livros, quase 

todos coletâneas de seus artigos publicados em jornais e revistas: Mergulho na aventura 

(1945),  Só meu sangue é alemão  (1944),  Para Dutra ler na cama  (1947),  A Cruz de  

Jerusalém  (1948),   Falta Alguém em Nuremberg  (1947),  A Revolução  dos Covardes 

(1947), Eu fui guarda­costas de Getúlio (1947), Por uma menina morta (1959), Jânio, a 

face cruel (1966),  O Velho Capitão e outras histórias reais (1962),   A Revolução que  

71 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p. 537.  

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se perdeu a si mesma  (1965), João sem medo  (1965), Portugal, meu avozinho  (1965), 

Chico Viola (1966), A vida trepidante de Carmen Miranda (1966), Autocensura (1977), 

Parceiro da Glória: meio século na MPB (1983).

Em resumo, David Nasser na descrição de Augusto Nunes:

“Ele   escrevia  admiravelmente.  Criava  metáforas   tão   imaginosas   e   exatas  que  

poderiam   ser   infiltradas   sem   retoques   num   texto   de   Nelson   Rodrigues.  

Desengonçado ao mover­se, compunha com a máquina de escrever um conjunto  

de   tal   forma   elegante   e   harmonioso   que,   se   pudesse   cavalgá­la,   venceriam  

qualquer concurso de equitação. As palavras desciam do cérebro para as mãos em  

procissões  copiosas e belas.  Com a coordenação  motora prejudicada por  uma  

doença que o surpreendera na infância, impunha­se ao instrumento de trabalho  

com o  vigor  de  atleta  olímpico.  Escrevia  bem,   escrevia  muito,   escrevia  como  

poucos literatos escrevem. Já não se fazem repórteres como David Nasser. 

Ainda bem. Porque esse brasileiro que nasceu na cidade paulista de Jaú, viveu  

uma infância pobre no Rio e uma adolescência difícil em Caxambu foi também  

outra evidência de que um mesmo indivíduo pode exibir, simultaneamente, muito  

talento,   bastante   sensibilidade,   nenhum   escrúpulo,   alguma   misericórdia   e  

excessiva brutalidade.”72 

72 NUNES, Augusto. Já não se faz imprensa assim. Ainda bem. RJ, Jornal do Brasil, 15dez2001.

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 Capítulo 2: CARMEN DA SILVA

“Os homens decretaram que só as mulheres ‘foram feitas’ para o amor:

a eles cabem as grandes conquistas, as realizações importantes, o universo inteiro.  

E nós, na nossa modéstia, nos vingamos só amando nos homens

o que eles têm de melhor:

o que se deu em chamar seu ‘lado mulher’.

A conclusão a que quero chegar com tudo isso, óbvia e nada brilhante,

Mas fundamental para a tranqüilidade dos dignos cavalheiros, é a seguinte:

Não precisam ter medo, feminista não morde.

Na pior das hipóteses, ela cospe fogo. E aí, sai de baixo!”

Carmen da Silva, “Histórias híbridas de uma senhora de respeito”.

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Carmen  da  Silva  nasceu  em 31  de  dezembro  de  1919,  gaúcha  de  Rio  Grande, 

pequena   cidade   “onde  o  pampeiro   sopra  de   lado   espalhando   cheiro  de  peixe   e   o  

minuano sopra de outro, difundindo o odor de cebola. Não  é  muito inspirador para  

quem fica no meio – aliás, o centro nunca é inspirador – mas, bem ou mal, dá  para  

sobreviver”.73 A lembrança é da própria Carmen e mostra sua crença de que é sempre 

melhor assumir uma posição. E sustentá­la.     

Aos   24   anos,   deixou   Rio   Grande   e   o  Brasil   e   mudou­se  para   Montevidéu,   no 

Uruguai. O porquê desta escolha, de novo, é a própria Carmen da Silva quem explica: 

“Simplesmente porque não  me alcançava a audácia para tentar o Rio de Janeiro. O  

Rio era o desconhecido total, outro universo, outro clima, outros hábitos”.  Por outro 

lado: “Montevidéu eu já  conhecia, tinha aí uns primos, havia uma casa, herança de  

meu avô, da qual me tocava uma parte: o Uruguai era próximo, quase familiar, o salto  

que não  cobria distâncias temerárias nem grandes riscos”, conta a jovem e prudente 

Carmen.74      

Em  1950,  mudou­se  para   a  Argentina   onde   viveu   uma   fase   importante   de   sua 

formação intelectual. Em Buenos Aires, publicou seu primeiro romance Setiembre, cuja 

inspiração foi  a  experiência de viver sob a ditadura peronista  (1951­1955).  Sobre a 

cidade pairava um “clima denso e sufocante – às vezes literalmente, pois era comum ter  

de andar pelas ruas com o lenço molhado no nariz para proteger­se das emanações de  

gás  lacrimogêneo, vestígios de escaramuças recentes”75, lembra a autora, que diz ter 

ficado profundamente impressionada com a “explosão de liberdade” assistida em 16 de 

setembro de 1955, com a queda de Perón:

73 SILVA, Carmen. Histórias Híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 190.

74 Idem, p. 43.

75 Idem, p. 74.

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“Em   cinco   anos   que   vivera   em   Buenos   Aires,   jamais   testemunhara   nada  

semelhante: rostos abertos em sorriso, comunicação espontânea, desconhecidos se  

abraçando,   carros   particulares   arrebanhando   gente,   dez,   quinze   pessoas  

apertadas em cada um deles (...). Até  então  eu só vira aglomerações que eram  

massa, pela primeira vez eu via povo.

Dezesseis de setembro ficou trabalhando­me a cabeça, como uma data decisiva  

um marco. (...) eu passava por um período meio depressivo, problemas pessoais,  

fase analítica difícil e aquilo foi uma tremenda e fecunda sacudida, tirando meu  

euzinho de seu nicho de absoluta importância e feroz singularidade: meu primeiro  

vislumbre de consciência coletiva, o sentimento de ser plural.”76    

     Publicado em 1957,  o   romance  Setiembre  recebeu o  prêmio “Faixa  de  Ouro”, 

concedido   pela   Sociedade   Argentina   de   Escritores.   Ainda   na   Argentina,   como 

jornalista, escreveu para diversos jornais e revistas. Nesta fase, também investiu em sua 

formação psicanalítica. Alice Barreto, sobrinha de Carmen, conta que a tia “trabalhou  

na  revista  da  Associação  Psicanalítica Argentina.  Nessa  época estudava muito,   lia  

muito e fez um curso de psicodiagnóstico. E, para pagar seu tratamento psicanalítico  

era secretária da Associação.”77   

Assim, quando retornou ao Brasil, em 1962, Carmen da Silva tinha 43 anos e um 

nome construído a partir de uma história de “lutas, amores, encantos e desencantos”78. 

E, desta vez, pode optar pelo Rio de Janeiro: “amei minha própria coragem de me  

transplantar  já  na meia idade,  deixando em Buenos Aires uma existência em certo  

modo privilegiada para vir enfrentar em meu país uma realidade que, nos primeiros  

tempos, afora o esplendor da moldura, se apresentou bem mesquinha”79. Mas a decisão 76 Idem, p. 82­83. 77  Entrevista a  Claudia, maio de 1987. Citado por DUARTE, Ana Rita Fonteles.  Carmen da Silva, o  feminismo na imprensa brasileira. Fortaleza, CE: Edições Nudoc, UFC, 2005, p. 86.     78 SILVA, Carmen. Histórias Híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 19.  79 Idem, p. 115.

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de voltar a morar no Brasil não foi fácil: “Vontade, mesmo, eu tinha era de enterrar a  

cabeça no chão, na terra fofa de meu cotidiano gostoso, bem engendrado, rodeado de  

presenças mais   gratas e cordiais e esquecer o chavão  patrioteiro, surrado e cafona  

que eu entendera de tomar a sério e converter em imperativo: Lugar de brasileiro é no  

Brasil.” Entre os amigos argentinos, contudo:

“A   renúncia   de   Jânio   Quadros   deu­me   uma   imprevista   e   injustificada  

importância: para meus amigos, tratando­se de Brasil,  l’État, c’etait moi. De um 

momento para outro minha casa virou quartel­general de boatos, conjecturas e  

comentários, uma espécie de sede extraterritorial dos acontecimentos. (...) Sem 

perceberem,   sem   se   proporem,   meus   amigos   de   certa   forma   me   estavam  

expulsando de seu convívio ao fazer­me sentir cada vez mais comprometida com  

meu país.”80

E, já  em território nacional, a sensação de ser estrangeira custou um pouco a 

passar. A adaptação ao Brasil e aos costumes cariocas foi difícil. Tornar­se consciente 

da realidade brasileira, só fez reafirmar sua vontade de assumir seu lugar no mundo, o 

mundo que gostaria de ver diferente e para  isso seria preciso adotar uma posição e 

exercer sua cidadania: 

  

“Mais tarde, vim a descobrir que o chavão só vale para brasileiro mixa, feito eu.  

Ou os ainda mais mixas do que eu, flagelados de todos os flagelos: as secas, as  

enchentes,   as   emanações   da   mina,   a   inflação,   o   salário   mínimo,   as   filas   da  

previdência  social  onde e  quando há  alguma previdência  social,  a  alternativa  

entre   a   proliferação  ad   infinitum  e   as   pílulas   da   Benfam   distribuídas   como 

pacotinhos de balas e os pacotinhos de balas distribuídos no natal pelas damas  

caridosas a crianças que terão  de fazer a balas durarem até março porque nos  

80 Idem, p. 111­112.

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próximos   três  meses  não   terão  outra  coisa  para  enganar  a   fome e  depois  do  

trimestre bem,  isso vai  ser ver quando chegar a hora porque o  futuro a Deus  

pertence. Futuro de brasileiro mixa pertence a Deus porque nenhum ser humano  

que tenha escolha quer tocar em semelhante futuro em com pinça.

“Lugar de brasileiro  importante é  no exterior.  Pedindo dinheiro emprestado a  

juros extorsivos e embolsando as comissões. (...) Lugar de brasileiro importante é  

nos cofres suíços: toda a importância dos brasileiros importantes mora lá.

“às vezes tenho meus momentos de crise. Aí bato o pé no chão e grito para minhas  

quatro paredes: como é que é, gente, eu vim para o Brasil para votar: como é que  

é? Como é que é?”81         

Seu primeiro emprego no Brasil  foi  de secretária  num escritório.  Através do 

contato com as colegas, “moças que ganhavam seu próprio sustento, levantando­se às  

seis da manhã,  fazendo longos trajetos apertadas em ônibus ou lotações, trabalhavam 

oito horas diárias, almoçavam um sanduíche rápido (...), moravam sozinhas ou com  

uma   companheira,   voltavam   à   casa   esfalfadas   no   fim   do   dia,   arrumavam   o  

apartamentinho, enfeitavam­se com as escassas galas que o salário permitia e punham­

se a esperar. Esperar o que desse e viesse: um convite para sair, um namorado que não  

fosse   muito   mal   intencionado,   um   marido   que   não   vinha   justamente   porque   elas  

trabalhavam fora e de ‘mulher independente’ homem não  gosta”82.  Do contato com 

essas moças, Carmen “descobriu” a mulher. E foi uma revelação:

“novamente a queda do sétimo véu, o último e mais superficial que ainda encobria  

minha   visão.   Compreendi   que   a   mulher   não   é   obra   da   natureza   e   sim   uma 

paciente, laboriosa – e maliciosa – obra da cultura. ‘On ne naît pas femme: faz­se  

81 Idem, p. 112­113. grifo original.

82 Idem, p. 118.

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a mulher dentro de um molde e a que sai do padrão  leva o rótulo de monstro.  

Somos produzidas em série, dentro de especificações da ‘feminilidade’ tal como os  

homens acharam por bem de  interpreta­la  segundo seus  melhores   interesses  e  

enquadradas no tipo físico determinado por um Instituto de Pesos e Medidas, que  

analisa o material e descarta a escória. Mais uma vez: jóia e flor ou bagulho.”83

Carmen da Silva admite que – “talvez porque freqüentava homens de um grupo  

um tanto especial – escrevia, publicava, fizera um nomezinho para mim na Argentina,  

tinha   uma   cabeça   ‘arejada’”   –   começou   a   sentir   “uma   certa   superioridade,  

asquerosamente machista , sobre suas colegas do escritório”. E aos poucos percebeu 

que  elas  “enfrentavam sozinhas,  com plácida  coragem  inconsciente  de  si,   todos  os  

desafios da existência, exceto o mais compensador: o desafio de ser. O direito de dizer  

eu gosto, eu quero, eu faço, eu desejaria, eu pretendo, sem copiar gestos, quereres,  

desejos e pretensões condicionados por séculos de lavagem cerebral”. A “casquinha de  

noz  à  deriva da correnteza”84  foi  o   tema de seu primeiro artigo,  “A Protagonista”, 

publicado em Claudia, da Editora Abril. 

A aproximação com a Editora Abril, aconteceu após a publicação, em 1963, de 

Sangue sem Dono, romance que marcou seu reencontro com sua língua e sua pátria, e a 

encorajou a procurar a Editora. Carmen lembra: “consegui uma coluna à qual, Deus me  

perdoe, a direção  deu o nome de “A Arte de Ser Mulher”. Bem, está  certo, se você  

acha que acrobacia é arte.”85 Assim, Carmen da Silva estreava na imprensa brasileira 

em setembro de 1963. 

83  Idem, p. 117.

84 Idem, p. 119. grifo original.

85 Idem, p. 120.

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Em circulação até os dias de hoje, Claudia foi lançada em 1961, pela Editora Abril, 

do   empresário   Victor   Civita.86  Com   tiragem   inicial   150   mil   exemplares,   a   revista 

dirigia­se à  mulher dona­de­casa e trazia mensalmente, além da seção de Carmen da 

Silva, “Arte de ser mulher”, matérias sobre moda, beleza, culinária, literatura: contos e 

crônicas, reportagens sobre personalidades, lugares e comportamentos e diversas seções 

de   entretenimento.   Durante   o   período   analisado   nesta   pesquisa,   entre   1963­1973   a 

tiragem de Claudia manteve­se em torno dos 200 mil exemplares. 

Claudia, surge no auge do processo de industrialização brasileira, iniciado em 1945, 

e que promoveu notáveis mudanças nos hábitos cotidianos das cidades e das famílias, 

por   exemplo,   com a   introdução  de  “todas  as  maravilhas  eletrodomésticas:  o   ferro  

elétrico, que substituiu o ferro a carvão;  o fogão  a gás  de botijão,  que veio tomar o  

lugar do fogão elétrico, na casa dos ricos, ou do fogão a carvão, do fogão a lenha, do  

fogareiro e da espiriteira, na casa dos remediados ou pobres: em cima dos fogões  

estavam agora, panelas – inclusive a de pressão – ou frigideiras de alumínio e não de  

barro  ou  de   ferro;   o   chuveiro   elétrico;   o   liquidificador   e   a   batedeira  de  bolo;   a  

geladeira; o secador de cabelos”87

“A revista amiga”  da  “mulher moderna”,  Claudia  dirigia­se à  mulher de classe 

média   que,   além   dos   eletrodomésticos,   podia   adquirir   alimentos   industrializados   e 

freqüentava   supermercados e  shopping centers. O Editorial de apresentação, em seu 

primeiro número, dizia:

“Por que Claudia?

86 Filho de italianos, Victor Civita nasceu em Nova York em 9 de fevereiro de 1907. Dos 2 aos 20 anos viveu em Milão, cidade natal de seus pais. Aos 42 anos deixou novamente Nova York e veio para São Paulo, onde fundou a Editora Abril, em 1950. Maior editora do país, publica atualmente mais de 200 títulos, entre os quais a revista semanal Veja. Faleceu em 24 de agosto de 1990. 

87  NOVAIS,   Fernando   e   MELLO,   João   Manuel   Cardoso   de.   “Capitalismo   tardio   e   sociabilidade moderna”.  In:  SCHWARCZ, Lilia  Mortiz  (org.).  História da Vida Privada no Brasil.  Contrastes da  intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006, p.564.    

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O Brasil está  mudando rapidamente. A explosiva evolução da classe média torna  

necessária uma revista para orientar, informar, e apoiar o crescente número de  

donas de casa que querem e (devem) adaptar­se ao ritmo da vida moderna.

Claudia será  dirigida a essas mulheres e dedicada a encontrar soluções para seus  

novos problemas. Claudia não esquecerá, porém, que a mulher tem mais interesse  

em polidores do que em política, mais em cozinha do que em contrabando, mais  

em seu próprio mundo do que em outros planetas.

Claudia, enfim, entenderá que o eixo do universo da mulher é seu lar.”88

 

Capa da edição de lançamento de Claudia, 

em outubro de 1961.

Estão claramente presentes neste texto duas características que definem o que 

Dulcília   Buitoni   chama   de   “imprensa   feminina”:   a   despolitização   e   a   linguagem 

publicitária. Afirma a autora: “uma das acusações mais freqüentes à imprensa feminina  

concentra­se na sua atividade quase sempre despolitizadora. Transferindo a solução da  

88 Claudia, out1961, p.3.

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maior parte dos problemas da esfera pública para a privada, as revistas contribuem  

para reforçar o pessoal em detrimento do social”89

Carla Bassanezi  confirma  tal  característica  em  Claudia  ao  observar  que,  em 

1964, por exemplo, não houve sequer uma menção a respeito do golpe civil­militar, 

ocorrido em 31 de março daquele ano, sendo, segundo a autora, “o único sinal dos  

‘novos tempos’ o aumento do preço da revista e a justificativa de seu editor em julho de  

1964 apoiando as  diretrizes  do novo governo:   ‘o  Brasil  entrou num período novo,  

sadio’.”90  Carmen   da   Silva,   entretanto,   mostrava­se   bastante   consciente   do   cenário 

político traçado no país desde a chegada dos militares ao poder. Em 1966, na revista 

Realidade91,  escreveu um artigo bem humorado, no qual criticava a desorganização das 

esquerdas   ainda   incapazes   de   fazer   uma   oposição   eficiente   ao   governo   autoritário 

recém­implantado:

“Esquerdistas, hoje em dia, são todos os que, por um motivo ou outro, por razões  

objetivas ou subjetivas, estão pedindo o pescoço do Governo. Mas este sabe, com  

a certeza dos fortes, que isso, precisamente, ninguém vai conseguir”92.

Não seria exagero afirmar também que cerca de metade do material publicado 

em  Claudia  era   de  propaganda  dos  mais   variados  produtos:   de   eletrodomésticos   e 

alimentos a  absorventes higiênicos,  dirigidos à  mulher  que,  como observa Ana Rita 

89 BUITONI, Dulcília. Imprensa feminina. São Paulo: Ática, 1986. p. 69.  

90  BASSANEZI, Carla Beozzo.  Virando as Páginas, revendo as mulheres. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.40.

91 Publicação mensal da Editora Abril na qual Carmen da Silva esteve freqüentemente presente assinando artigos sobre variados assuntos, Realidade circulou entre 1966 e 1976 é lembrada pelo pioneirismo com que abordou temas tabus para aquela época, como o divórcio, por exemplo. Foi fonte de estudo de minha Dissertação de Mestrado, defendido em 2001, e agora publicado em livro: MORAES, Letícia Nunes de. Leituras da revista Realidade. São Paulo: Alameda, 2007. 

92 SILVA, Carmen da. Esquerda, volver! SP: Realidade,  jul1966, p.104.

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Fonteles, era “encarregada de fazer as compras e administrar o orçamento doméstico,  

difundindo  o  gosto,   decidindo  o   sucesso  da  moda,   ‘reinando’   sobre  o   consumo’.93 

Dulcília Buitoni também chama a atenção para o fato de que, nos periódicos dirigidos às 

mulheres, a propaganda “invade” inclusive o material jornalístico: “numa linguagem 

muito   próxima   da   publicitária,   os   textos   dirigidos   à   mulher   são   verdadeira  

comunicação   persuasiva,   aconselhando­a   a   todo   momento   sobre   o   que   fazer.   A  

proximidade e a contaminação são tão grandes, que muitas vezes não distinguimos um  

texto publicitário de uma matéria.”94 Ainda assim, Buitoni acredita que: 

“O consumismo e a estética da utilidade acarretam sérias restrições, mas, apesar  

de tudo, a imprensa feminina trata da vida – o vestir, o comer, o morar, o amar.  

Ela pode influir mais decisivamente no cotidiano das pessoas que um poderoso  

jornal diário. Múltipla e contraditória – como a vida  ­,  ela é um campo imenso,  

movimentado e estimulante.”95 

Estas   afirmações   sugerem   uma   conduta   esperada   de   passividade   por   parte   das 

leitoras da imprensa feminina, uma vez que, despolitizadas, não atuariam no social e 

suas ações e escolhas seriam ditadas pela revista – esta sim – capaz   de influenciar o 

cotidiano.  Pois  Carmen da  Silva  caminhou,  dentro  da   revista,   em direção oposta  à 

delineada   por   Dulcília   Buitoni,   sendo   mesmo   um   “oásis”   dentro   da   produção 

jornalística voltada ao público feminino durante o período estudado. Logo em seu artigo 

de estréia da revista, “A Protagonista”, convidava as leitoras a serem “protagonistas de  

duma aventura apaixonante  e  singular:  que  é  nossa  própria vida”,  abandonando a 

habitual e estimulada passividade:

93 DUARTE, Ana Rita Fonteles. Op. Cit., p. 18.

94 BUITONI, Dulcília. Op. Cit., p. 75.

95 Idem, p. 78.   

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“Muitas mulheres se casam esperando que o amor lhes dê felicidade; trabalham  

pensando que um emprego lhes dará independência, ou estudam com o objetivo de  

que uma carreira lhes dê prestígio. Nos três casos partem de premissas errôneas:  

a   felicidade,   a   independência,   o  prestigio   e  os  demais  bens  da   vida  não   são  

outorgados a ninguém em bandeja de prata. O amor de outrem, o trabalho e a  

carreira em si, não dão nada: constituem apenas instrumentos que nos ajudam a  

construir   o  que   desejamos.  A  palavra   construir   sugere  a   idéia  de   tarefa,   de  

esforço inconsciente e intencional: nada mais oposto à  atitude passiva e estéril de  

esperar que as coisas fundamentais nos chovam do céu.” 96   

Em três  aspectos,  Carmen da  Silva,  diferenciava­se  da  “imprensa  feminina”,   tal 

como descrita  por  Dulcília  Buitoni.  Em primeiro   lugar  porque  não  lhe  agradava  o 

consumismo   exacerbado   divulgando   equivocadamente,   segundo   ela,   o   conceito 

capitalista segundo o qual “ser independente é consumir”. Em segundo lugar, acreditava 

que essa falsa noção de independência reforçava o individualismo, ou seja, recusava 

abertamente a despolitização que enfatizava o pessoal em detrimento do social, mesmo 

acreditando  que  o  exercício  pleno  da  cidadania   e  de  uma vida  pública  dependesse 

muitas vezes, sobretudo no caso das mulheres, de um processo de conscientização a ser 

vivenciado individualmente. E, finalmente, porque não gostava da partição do mundo 

em dois: o masculino e o feminino. O que fica evidente quando fala sobre os primeiros 

tempos de seu trabalho em Claudia: 

“Função: redatora de ‘assuntos femininos’. Como de hábito o mundo dividido em  

dois – e, depois, as feministas é que são acusados de divisionismo. Proposta auto­

assumida: mexer em abelheiro: no meu e nos alheios. Mexi. Meus artigos caíram  

como UFOs incandescentes no marasmo em que dormitava a mulher brasileira  

naquela época. Logo comecei a receber uma avalanche de cartas em todos os  

96 SILVA, Carmen. A protagonista. SP, Claudia, set1963. p. 108. grifo original. 

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tons: desesperados apelos, xingamentos, pedidos de clemência: deixe­nos em paz,  

preferimos não saber! Consciência dói – olé se dói, mais do que ‘patada em los  

huevos” – e lá vinha eu mês a mês com a minha lengalenga, remoendo, insistindo,  

revolvendo as feridas.”97      

E para manter­se escrevendo, como voz dissonante dentro da revista, durante 22 

anos  ininterruptos, sem afastar o público leitor, nem perder o lugar conquistado junto à 

direção da revista, Carmen da Silva precisou ter muita paciência e negociar muito com a 

direção da revista. Internamente, com a editora, Carmen minimizava as dificuldades: 

“tudo corria  em boa harmonia,  exceto alguns aborrecimentos  menores”.98  Em suas 

memórias, narra um dos maiores aborrecimentos que teve com a direção da revista: 

“Durante alguns anos tive um chefe que se apaixonou por um tema e me cobrava  

mês a mês sua abordagem: ‘Como é, quando é que sai?’ Tinha o título pronto na  

cabeça: ‘Meu marido não  me abraça mais’ e discorria com entusiasmo sobre a  

idéia: dirigir­se à  mulher que, mergulhada na monotonia de um longo casamento,  

esquece as artes da sedução, a camisola de rendas pretas (...).Tentei explicar­lhe o  

caráter machista dessa noção  da onipotência feminina: ‘se seu marido não quer  

trepar mais é porque você  não  sabe fazê­lo querer’: ser onipotente é arcar com 

todas as responsabilidades, todas as culpas.(...)

Passei dois anos esquivando o corpo como bem podia ao não­abraço conjugal.  

(...) Depois o senhor bateu asas em outra direção e as rendas pretas ficaram como 

mera lembrança de um pesadelo antigo e ligeiramente hitchcockiano.” 99 

97 SILVA, Carmen. Histórias híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 120.  98 Idem, p.121.

99 SILVA, Carmen. op. Cit., p.123­124.

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Além da seção “A Arte de ser mulher”, Carmen da Silva manteve outro espaço 

na   seção   de   cartas   de  Claudia,   “Caixa   Postal   Intimidade”,   no   qual   respondia 

diretamente às  leitoras sobre suas dúvidas e angústias.  A partir  de abril  de 1970, a 

jornalista e psicóloga ‘personifica’ a seção de cartas que muda de nome para “Aqui 

Carmen responde”. Chegou a receber cerca de 400 cartas por mês. Assim, entre avanços 

e   recuos,   seu   termômetro   sempre   foi   as   cartas   que   recebia   dos   leitores   e   leitoras, 

principalmente.    

Permitir  que os  leitores se  tornem colaboradores da revista,  convidando­os a 

fazer parte da edição da revista é uma forma de satisfazer “a impaciência” do leitor em 

manifestar   seus   interesses,   segundo a   expressão  do  escritor   russo  Sergei  Tetriakov, 

citado por Walter Benjamim:  “o fato de que nada prende tanto o leitor a seu jornal  

como essa impaciência, que exige uma alimentação diária, foi há  muito utilizado pelos  

redatores,   que   abrem   continuamente   novas   seções,   para   satisfazer   suas   perguntas  

opiniões e protestos.”100  

A psicanálise foi a  linguagem encontrada para comunicar­se com as  leitoras, 

tentando assim aproximar­se delas o mais profundamente possível, para fazer emergir 

de dentro delas a consciência de si.  O trabalho de Carmen da Silva como responsável 

pela seção “A Arte de ser Mulher” pautou­se todo o tempo pelo diálogo com os leitores. 

Através das  cartas  que recebia do público  leitor,  a   jornalista  podia saber  como seu 

trabalho estava sendo recebido e, a partir desse conhecimento, definia o assunto a ser 

tratado no mês seguinte e a abordagem que lhe seria dada e se poderia avançar mais um 

pouco em seu projeto de conscientização:

“Naturalmente  eu   tinha  muita  preocupação,  no  princípio,  de   ir   longe  demais.  

Minha tática era a seguinte: se eu vou um quilômetro adiante das leitoras elas não  

me seguem, porque não me vêem, me perdem na primeira esquina. Se eu vou junto  

100  BENJAMIN,  Walter,   “O autor   como produtor”,   in:  Magia  e   técnica,  arte  e  política.  São Paulo, Brasiliense, 1996, p. 124.  

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com elas não estou adiantando nada. Se eu vou 50 metros adiante, elas vêm atrás.  

Então eu ia 50 metros adiante. De repente eu tentava ir 51”.101  

Tendo como objetivo: “oferecer orientação psicológica em nível sociológico”102

,  Carmen  da  Silva   localiza   o   caráter   inovador  de   sua  proposta  numa   interpretação 

diferenciada   dos   problemas   apresentados   pelas   leitoras,   mais   atenta   ao   que   há   de 

particular em cada carta. Em artigo publicado, em 1967, na revista Realidade, a autora 

explica sua inovadora proposta:

“Através   das   páginas   da   revista  Claudia  venho   realizando   há   três   anos   a  

experiência de substituir o consultório sentimental pelo consultório de orientação  

psicológica. (...)

A diferença entre os dois tipos de consultório, entretanto, não é determinada pelo  

conteúdo das consultas, mas sim pelo modo de focalizá­las e respondê­las. Sei, por  

exemplo, que não adianta recomendar à  insone que tome um chazinho antes de se  

deitar e só pense em coisas agradáveis; procuro nas entrelinhas da sua carta, na  

escolha   das   palavras,   nas   vacilações,   nas   contradições,   nas   ocultações   (mais  

evidentes do que se supõe), nos fatos apenas sugeridos, o conflito ou  sentimento  

que sua consciência está  evitando tão tenazmente a ponto de ela poder abandonar  

suas   defesas   e   dormir.   (...)   Descobrindo   ‘segredos’   que   o   próprio   consulente  

ignora, através de pistas que ele nem sabe que deu, meu propósito é despertar­lhe  

o maior grau possível de consciência de si mesmo no mundo.”103       

101 NEHRING, Maria Lígia Quartim de Moraes. Família e feminismo – reflexões sobre papéis femininos  na imprensa para mulheres.  São Paulo, Tese (Doutorado em Ciências Políticas), Universidade de São Paulo, 1981. p.134­135. Entrevista de Carmen da Silva a autora.    102 SILVA, Carmen da. A favor...não contra os homens. SP, Cláudia, mar1964, p. 106. 103 SILVA, Carmen da. Consultório Sentimental. SP: Realidade, jan1967, p. 86. Grifo original.

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Assim,  dosando pacientemente  acrobacia  e   arte,   transformou,   através  de  sua 

coluna mensal, o tradicional modelo de consultório sentimental de revistas femininas ao 

introduzir a psicanálise no diálogo com as leitoras, mesmo ciente das limitações desta 

forma de comunicação:

“A comunicação com o público no nível da psicologia nas páginas de uma revista  

apresenta desoladoras limitações. Só posso fazer o consulente olhar para dentro  

de si, analisar­se tento quanto ele puder. Aponto caminhos, abro perspectivas mas  

a possibilidade de segui­los e aproveita­los depende da extensão  e profundidade  

de seus problemas íntimos.

Às vezes percebo, com alegria, que basta orientar o desorientado, desmanchar  

equivocas mais intelectuais que afetivos, desatar um nozinho aqui outro ali, dar  

um empurrãozinho, enfim. Mas outras vezes tenho a consciência de que minha  

ajuda não modificará  nada. Por correspondência não  se cura uma neurose, não  

se altera um padrão de reações já estruturado em bases mórbidas.”104       

É com essa linha de raciocínio que Carmen da Silva procura mostrar aos leitores 

suas contradições entre condutas mentais e ações práticas como causadoras de inúmeros 

conflitos familiares e sociais. Um exemplo muito enfatizado pela articulista é o fato de 

haver códigos morais diferentes para os nossos filhos e para os filhos de outrem. Em 

artigo que aborda educação e juventude no Brasil, por exemplo, argumenta:

“Há  uma diferença marcante entre boa conduta e moral sólida. A boa conduta  

pode ser o resultado de circunstâncias externas, de pressões ambientais, inibições,  

receios; a moral sólida, por sua vez, assegura a boa conduta independentemente  

dos  fatores  circunstanciais.  Em outras palavras:  havendo uma sólida moral,  a  

ocasião não faz o ladrão.

104 SILVA, Carmen da. Consultório Sentimental. SP: Realidade, jan1967, p. 86.

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Não   podemos   pretender   dar   a   nossos   filhos   uma   base   moral   sólida   se   lhes  

ensinamos duas morais diversas. Na maioria dos lares vigoram dois códigos: um  

para as meninas, outro para os rapazes.”105

Desta forma, ciente de que a conscientização das pessoas, em geral, é um trabalho 

delicado e moroso, Carmen optou por fazer este trabalho junto a um público mais amplo 

em detrimento  de  manter,  por   exemplo,   um consultório  psicológico  particular,  que 

“serviria  para quebrar  um galho de  um pequeno número de  pessoas,  ao  longo de  

muitos anos”. (....) Prefiro sacrificar um pouco a profundidade a favor da extensão:  

dar ao maior número possível de pessoas uma primeira noção de que existem, contam,  

são responsáveis. Sacudir as falsas seguranças. Conscientizar. É o que venho tentando  

fazer.”106      

A noção dos limites e dos desafios imposta por sua escolha é também perceptível 

quando   a   autora   demonstra   muita   clareza   a   respeito   do   público   com   quem   pode 

compartilhar suas idéias: a mulher de classe média. “O problema da emancipação  só  

existe para a mulher da classe média: é  ela que está  problematizada. A mulher de  

classe proletária não tem esse problema porque sofre a opressão econômica, e isso é o  

dado mais importante da sua vida – logo, ela não pensa em termos de sexo. A mulher  

de classe alta está  acima dos tabus e das contenções de ordem social, já  que goza de  

privilégios.”107 E explica, como chegar à emancipação, através da consciência e da ação 

política:

105 SILVA, Carmen da. A Chamada idade difícil. SP: Claudia, dez1963, p. 136. Grifo original.

106 Carmen da Silva em entrevista ao Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 5 de maio de 1968. Citado em DUARTE, Ana Rita Fonteles. Op. Cit., p. 86.  107 Carmen da Silva, “Manchete debate”. RJ, Manchete, fev1968, p. 116. 

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“Há   atualmente   um   movimento   muito   grande   no   seio   do   grupo   jovem   e  

universitário que, na minha opinião está sendo mal orientado, em função exclusiva  

da liberdade sexual. E o sexual é muito pouco, em relação ao humano. As jovens  

que assumem posições políticas, conscientizadoras, procurando modificar o atual  

sistema, estão muito mais perto da emancipação do que as que se preocupam só  

com o sexo.”108

É possível observar três fases ao longo da seção “A Arte de ser mulher” dentro 

do recorte cronológico definido por esta pesquisa (1963­1973). Estas “fases” não estão 

contidas em marcos rígidos,  ao  longo do período estudado,  mas se  interpenetram o 

tempo todo, sendo antes de qualquer coisa diferentes olhares sobre a mesma questão:  a 

maior participação da mulher na sociedade. Numa primeira fase de existência de sua 

coluna, que bem poderia tomar de empréstimo, como título, o mesmo escolhido pela 

própria   Carmen   da   Silva   para   inaugurar   a   seção:   “A   Protagonista”,   pois   este   é   o 

momento   em   que   se   dedica   a   conscientizar   suas   leitoras   sobre   a   possibilidade   de 

assumirem lugares sociais, tornando­se assim protagonistas da própria vida, afastando­

se de uma  organização tradicional, segundo a qual:

“...basta que a menina cumpra com suas atividades escolares, que a mocinha não  

envergonhe seus pais com atitudes excessivamente descocadas, que a jovem se  

case com ‘rapaz sério e de boa família’, que a senhora casada mantenha sua casa  

razoavelmente  em ordem,  receba bem e  tome certo  interesse  na educação  dos  

filhos, se os tem. Obtido esse mínimo, dá­se a sociedade por satisfeita e considera  

que a mulher possui o quanto necessita para sentir­se feliz e realizada.”109   

108 Idem, ibidem.

109 SILVA, Carmen. Você vive ou vegeta? SP, Claudia, out1964, p.78. 

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A abordagem em termos psicanalíticos está presente intensamente em todos os 

artigos. Neste período os principais temas tratados são a importância de desenvolver 

uma atividade além das de dona­de­casa e mãe, ou seja, uma atividade mais voltada 

para a sociedade, visando aprimorar a relação com os homens e consigo mesma, com o 

mundo, e  que  garanta,  por  conseqüência,  a  sua   independência,  deixando de  viver  à 

sombra dos maridos:

“a verdade é que nossos homens em geral não  respeitam suas mulheres como o  

fariam se além de amá­las, também as estimassem na qualidade de seres humanos  

livres. Eles as cuidam, mimam, protegem, dirigem e orientam na vida; cumprem 

religiosamente deveres que, em última estância, muito se assemelham aos que tem  

um pai com relação a seus filhos. Quanto às  obrigações de marido propriamente  

ditas   –   fidelidade,   companheirismo,   comunicação,   diálogo   –   amiúde   são  

transgredidas, o que prova que o sistema não  dá   tão  bons resultados como se  

pretende crer. A independência feminina assusta porque viria exigir a recolocação  

do   problema   em   bases   novas,   deitando   por   terra   hábitos   e   rotinas   mentais  

enraizados de longa data.”110

 

Carmen da Silva adverte, contudo:

“não  pretendo absolutamente incitar o sexo feminino a cair no extremo oposto,  

isto   é,   situar­se   ante   o   homem   em   posição   de   reivindicatória   e   autoritária,  

tratando de auto­afirmar­se sem necessidade a custa da lógica, da sensatez e do  

bom entendimento que deve reinar entre ambos. Homem e mulher não são senhor  

e escravo; não são antagonistas que devam medir suas forças.”111 

110 SILVA, Carmen. As razões da independência. SP, Claudia, dez1964. p.180.

111 SILVA, Carmen. Você vive no tempo presente? SP, Claudia, fev1964, p.31.

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Mas, ao contrário, convida as mulheres a abandonar esse lugar de infantilização 

que lhe foi reservado pela sociedade, passando a agir como adultas e protagonistas da 

própria existência: 

“a idade cronológica de uma pessoa é  um dado inequívoco; figura não  só nos  

livros do registro Civil como na memória, não raro indiscreta, de seus familiares e  

contemporâneos. Também a idade mental é mensurável, embora com um pouco  

menos   de   precisão,   mediante   conhecidos   testes   para   aferir   o   coeficiente   de  

inteligência.  Já  a   idade psicológica é  assunto variável,  caprichoso e  delicado.  

Apresenta   com   relação   às   outras   duas,   as   flutuações   mais   acentuadas   e  

imprevistas:   sabemos   que   é   comum   observar   sinais   de   criancice   psíquica   no  

adulto, bem como indícios de velhice prematura no jovem, divergências entre a  

idade  real   e  a   idade  espiritual,   revelando um desnível,  às  vezes  chocante,  na  

evolução das diversas facetas que compõem uma personalidade. Nossa sociedade  

tende  a estimular  um alto  grau  de puerilidade nas  mulheres.   (...)  não  resta  a  

menor duvida de que essa atitude da sociedade com relação à mulher é agressiva,  

na  medida   em   que   é   empobrecedora,   restritiva   ao   seu  desenvolvimento   como  

humano; semelha a conduta da mãe  que educa seu filho visando fazer dele uma  

eterna criança, para sempre incapaz de responsabilidade e autonomia.”112

A segunda fase é bem representada por um artigo publicado em julho de 1968, 

intitulado “A Presença do Outro” porque pode ser considerado uma espécie de síntese 

dos temas tratados por Carmen da Silva nesse período. A protagonista agora é chamada 

a refletir sobre sua relação com o outro, o estranho na rua, ou os familiares em casa. Os 

conceitos psicanalíticos ainda são muito presentes, mas agora ganham contornos mais 

relacionados à sociedade:

112 SILVA, Carmen. Que idade tem sua alma? SP, Claudia, jun1965, p.113.

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“Vivemos,   na   atualidade,   uma   cultura   predominantemente   visual   (cinema,  

televisão,   fotos,   cartazes)  que   trata  de  empurrar­nos   seus  mitos  e   tabus  olhos  

adentro,   para   que   os   assimilemos   ao   primeiro   impacto,   sem   submete­los   a  

elaboração  intelectual, à  análise crítica.(...) Soterrados sobre uma montanha de  

exterioridades, desaparece o verdadeiro Si Mesmo, desaparece o Outro.

As   deformações   que   a   sociedade   cria,   porém,   não   nos   podem   servir   de  

justificativa; na medida em que tomamos consciência delas, cabe­nos combatê­las,  

superá­las em nós mesmas e modificar a sociedade que as origina. Uma sociedade  

onde o outro não tem lugar não é justa, humana, eqüitativa, racional. Mas ela não  

vai mudar por si  só,  sem o esforço conjugado de  todos nós.  Portanto, mãos  á  

obra.”113 

Pois, tomada a consciência de si, é hora de olhar em volta:

   “No bojo dessa tomada de consciência surge, peremptória e inescapável,  

uma exigência: a ação. Se nos limitássemos ao diálogo do eu com o próprio eu e  

com os elementos e pessoas que, de modo mais imediato, rodeiam e satisfazem as  

necessidades do eu, em vez de conquistar a liberdade cairíamos no egocentrismo  

narcisista. O ponto de referência que situa o eu no tempo e no espaço  são  os  

outros.”114

Assim,  o   indivíduo,   consciente  de   si,   poderá   experimentar  o   coletivo,  o   ser 

plural, na medida em que o esforço de cada um, beneficia a todos:

“É   obvio   que   se   todas   a   pessoas   economicamente   improdutivas   passassem   a  

trabalhar,   a   comunidade   se   veria   enriquecida   em   conseqüência   dessa  

contribuição.  E a maior riqueza coletiva traria como resultado a atenuação  das  

113 SILVA, Carmen. A presença do outro. SP, Claudia, jul1968. p.142.

114 SILVA, Carmen. De amor e de liberdade. SP, Claudia, nov1966, p.181. grifo original.

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inconvenientes materiais do trabalho: teríamos horários mais reduzidos, melhores  

meios de transporte, mais comodidade para todos.”115

Mas, contrariamente: 

“Cada  vez  que  permitimos  dentro  de  nossas  quatro  paredes  o  predomínio  do  

egoísmo, da injustiça, da mentira, estamos contribuindo para aumentar o já  vasto  

caudal de egoísmo, injustiça e mentira imperante no mundo. Inversamente, nossa  

tolerância,   nossa   generosidade,   nosso   equilíbrio,   virão   aumentar   o   acervo  

mundial de tolerância, generosidade e equilíbrio. A orientação moral que damos a  

cada uma de nossas atitudes tem inegável projeção futura.”116

Carmen da Silva, procurava o caminho do diálogo com seus leitores, evitando os 

imperativos. De forma gradual e organizada, expondo diversos conceitos da psicanálise, 

explicativos do comportamento humano, a autora adotava um discurso particularizante, 

ou seja, procurava incentivar os leitores a descobrirem suas virtudes e limitações, numa 

palavra: seus potenciais, e possam escolher e assumir lugares sociais com autonomia: 

“a plena realização dentro da sociedade depende, entre outros, de certos fatores  

pessoais   básicos:   disciplina,   senso   de   responsabilidade,   capacidade   de  

organização  mental.  (...)  Sem elas não  se vai muito longe, nem no lar nem no  

mundo.”117 

Afirma, entretanto que “ia devagar mas sem recuo, sem fazer concessões nas  

idéias mas evitando termos que podiam chocar e criar anticorpos. Foi assim que levei  

115 SILVA, Carmen. Mais trabalho e menos conversa. SP, Claudia, mar1966,p.47.

116 SILVA, Carmen. Otimismo para viver. SP, Claudia, nov1965.p. 131.

117 SILVA, Carmen. A favor... Não contra os homens! SP, Claudia, mar1964, p.106.

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oito   anos   de   aparente   indefinição   antes   de   empregar   a   palavra­bicho­papão:  

feminismo118.   E   só   a   escrevi,   preto   no   branco,   quando   já   não   escandalizava  

ninguém”.119 

A  partir   de  1971,  Carmen   começa   a   incluir   artigos   sobre  o   feminismo  que 

começa a se organizar nos Estados Unidos. Em artigo de julho de 1971, festeja:

“A 26 de agosto de 1970, os meios de comunicação divulgaram uma notícia que  

causou formidável impacto: as mulheres americanas estavam nas ruas. Em Nova  

York, Washington, Boston, Detroit  e várias outras cidades dos estados Unidos,  

elas desfilavam em massa com cartazes e clamores. Que mulheres? Estudantes,  

operárias, esposas de grevistas ou de empregados, mães de soldados, viúvas de  

guerra?

Nada  disso:   apenas  mulheres.  Esse   era  o  dado   comum e   não   a   idade,   raça,  

religião,   classe   social,   situação   cultural,   profissional   ou   familiar.   Era   na  

qualidade de mulheres que elas contestavam  reivindicavam.”120

Carmen da Silva escreve em defesa da passeata promovida pela Organização 

Nacional de Mulheres (NOW), pois o evento fora desprestigiado pela imprensa:

“Uma verdadeira onde de sarcasmo e agressão levantou­se em torno da passeata.  

A imprensa tudo fez para desqualifica­la pela ironia e pelo ridículo, mostrando­a  

118 “Com este termo, indica­se um movimento e um conjunto de teorias que tem em vista a libertação da  mulher.   Esse   movimento   nasceu   nos   Estados   Unidos,   na   segunda   metade   da   década   de   60,   e   se  desenvolveu rapidamente por todos os países industrialmente avançados, entre os anos 1968 e 1977.” ODORISIO, Ginevra Conti.  In: BOBBIO, Norberto et alii.  Dicionário de Política. Brasília: UnB, São Paulo: Imprensa Oficial, 2000, vol I, p.486.     119 SILVA, Carmen. Op. Cit., p.123. 

120 SILVA, Carmen. O que é uma mulher livre? SP, Claudia, jul1971. p.106.

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como uma colossal manifestação  de histeria coletiva. A líderes (Betty Friedan,  

Kate Millet, Ti­Grace Atkinson, Katherine Camp e outras) foram descritas como 

frustradas,   neuróticas,   homossexuais,   megeras   ressentidas   espumando   de   ódio  

contra o sexo masculino”121.

    

   Nesse mesmo artigo, Carmen explica aos seus leitores o conceito da “mística 

feminina”, desenvolvido pela feminista norte­americana Betty Friedan: “ideologia que  

destina a mulher ao desempenho exclusivo de seu papel sexual e doméstico. Qualquer  

veleidade intelectual ou desejo de realização  é  rotulado de pouco feminino e paira  

sobre as rebeldes a dramática ameaça de viver no desamor e na solidão”122. A trajetória 

de Carmen da Silva guardaria então pontos de identificação com a da feminista norte­

americana:

“Formada em psicologia, redatora de uma revista feminina, entrevistando grande  

número de  mulheres  sobre  temas vinculados ao  casamento,  o   lar,  os   filhos,  a  

comunidade, Betty Friedan começou a perceber entre elas claros indícios de um  

problema ainda indefinido”123.

 

Carmen da Silva destaca o ano de 1971, como um ano de importantes conquistas 

femininas:

“O ano de 1971 marcou uma etapa ativa,  movimentada e rica para a mulher  

brasileira.   Houve   uma   importante   campanha   de   imprensa   no   sentido   do  

estabelecimento   de   creches   em   fábricas   e   comunidades   –   um   dos   elementos  

indispensáveis   quando   se   encara   o   problema   da   emancipação   feminina   (...).  

121 idem, ibidem.

122 idem, p.107.

123 idem, ibidem.

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Vários   sindicatos  e  organizações  profissionais   apoiaram de  modo decisivo   tal  

campanha e dirigiram­se ao Conselho de Mulheres solicitando que colocasse a  

iniciativa sob sua égide, dando­lhe caráter prioritário.

Em abril, recebemos a visita de Betty Friedan, uma das líderes do Movimento de  

Libertação Feminina Americano, que, de certa forma nasceu sob a inspiração de  

seu   livro   ‘Mística  Feminina’.  Houve   conferências,   debates,   discussões,  mesas­

redondas – e houve também uma sistemática maliciosa campanha de imprensa  

contra Betty Friedan, porque é feia, porque diz a verdade, porque fala o que se  

preferiria calar, porque incomoda.”124      

Sobre esta opção explica porque o feminismo se abriu para ela um campo de luta 

ao mesmo tempo em que não se sente fechada nele: 

“Escolhi o feminismo como forma específica de luta porque é o terreno onde piso  

com   mais   segurança,   maior   conhecimento   de   causa:   branca,   alfabetizada,  

originária da burguesia média – no tempo em que isso ainda existia no Brasil ­ , o  

opressão sexista é a que mais intensa e diretamente senti na própria carne. Meus  

calos   mais   vulneráveis   eram   os   de   mulher.   Mas   não   seja   por   isso:   se   me  

solicitarem outras empresas em que me possa desempenhar mais ou menos bem,  

estamos aí. Modestamente.”125   

No Brasil,   o  movimento   feminista   começa   a   se   organizar   em 1975,   o  Ano 

Internacional da Mulher e, como movimento político, passa inclusive a ser alvo dos 

órgãos   de   repressão126.   Em   1974,   contudo,   Carmen   escreveu   indignada   sobre   a 

124 SILVA, Carmen. Igualdade, justiça e participação. SP, Claudia, abr1972, p.55.

125 Idem, p. 189. 

126  Conf. MORAES, Letícia Nunes de G. “Agentes infiltrados no movimento feminista brasileiro”. In: AQUINO, Maria Aparecida de et alli. O Dissecar da estrutura administrativa do DEOPS/SP. São Paulo, Arquivo do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial, 2002. pp. 55­89.  

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resistência   que   observava   nas   brasileiras   em   aderir   a   um   movimento   que   só   tem 

benefícios a lhe oferecer. Em “Afinal, o que é o movimento feminista?”, escreveu:

“Não   temos   propriamente   um   movimento   feminista   no   Brasil.   Consultada   a  

respeito, a brasileira, no melhor dos casos, mostra­se reticente; o mais comum,  

porém, é que reaja mal, desqualificando feminismo como exagerado e ridículo ou  

simplesmente   desnecessário.   Parece   estranha   essa   atitude:   nossas   mulheres  

procuram sabotar um movimento mundial que visa precisamente a liberá­las das  

discriminações  que   sofrem e  das   formas   tradicionais  de   servidão  a  que  estão  

submetidas.   Alegar   que   não   existe   tal   discriminação   e   servidão   é   fechar  

completamente os olhos à realidade; uma breve síntese da situação feminina entre  

nós basta para demonstrar o contrário.

A brasileira média vive mergulhada de cabeça em tabus sexuais.  Inútil  

dizer que hoje em dia já não é assim e falar em ‘sociedade permissiva’, porque no  

Brasil ela ainda não se impôs. Por certo, reina bastante liberdade de costumes no  

seio das chamadas  ‘elites’,  econômicas e  intelectuais;  em alguns grupos auto­

intitulados   representantes   do  underground    e   também   em   pequenos   círculos  

sofisticados que habitam os bairros elegantes das grandes cidades. Mas isso de  

nenhum modo reflete o panorama geral: é a exceção e não a regra. Aliás, mesmo  

dentro dessa exceção tenho encontrado muitíssima gente conflituada pelo  choque  

entre suas justificativas intelectuais e suas reações emocionais; não raro, nossas  

moças avançadas e ‘badalativas’ são um poço de contradições e problemas.  

A regra são  os preconceitos, temores e inibições que dominam a imensa  

maioria de nossas mulheres – situação que, no fundo, mudou muito menos do que  

parece durante os últimos anos. É verdade que, a esta altura, já  nenhuma pessoa  

com bom nível   de   instrução  e   informação  sustentaria  que  é   justo  haver  duas  

morais   sexuais:   uma,   permissiva,   para   os   homens;   outra,   restritiva,   para   as  

mulheres.”127 

127 SILVA, Carmen. Afinal, o que é o movimento feminista? SP: Claudia, nov1974, p.131. 

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Apesar das resistências, pois não é fácil mudar a mentalidade de uma sociedade, 

Carmen   da   Silva   encontrava   junto   aos   seus   leitores,   campo   aberto   às   novas 

possibilidades. Em algum nível, na parcela da sociedade representada pelo seu público, 

sempre   encontrou   ressonância   para   suas   idéias.   Apesar   das   resistências,   sempre 

encontrou terreno fértil. Este é o momento em que, no Brasil, se organiza o movimento 

feminista, permitindo à jornalista e psicóloga refletir junto aos seus leitores sobre sua 

convicção de o privado é político, pois crê que o exercício pleno da cidadania não pode 

manter tão rígidos os limites de atuação dentro das esferas pública e privada. 

Carmen  da  Silva   faleceu  em 29  de  abril  de  1985,  vítima  de  um aneurisma 

abdominal, enquanto realizava uma palestra sobre a condição feminina em Resende, no 

interior do Rio de Janeiro.  “De repente, seu ventre cresceu e, brincalhona, exclamou:  

‘Fiquei grávida, nessa idade!’ Atendida por um médico na platéia, foi levada para o  

Hospital de Volta Redonda (RJ), onde veio a falecer.”128

Permaneceu atuante até o último dia de sua vida, escrevendo a mesma seção “A 

Arte  de   ser  mulher”  em  Claudia.  E  dando palestras  pelo  Brasil.  Um ano  antes  de 

falecer, desfilou, em celebração ao Dia Internacional da Mulher, vestida de Liberdade, 

expressão   de   suas   convicções,   pelo   que   lutou   cotidianamente,   mesmo   (ou 

principalmente) nos tempos mais difíceis:

“iniciado em fase precoce, meu longo e apaixonado romance com a liberdade vem  

durando toda a vida. Claro que paixão e constância, em certo modo,parecem se  

opor.   Assim,   houve   altos   e   baixos,   alternativas,   intermitências,esfriamentos,  

vaivens, épocas de estarmos out, às  vezes ela me deixou na mão  nas horas mais  

cruciais e cometi homéricas tolices, mas enfim, se deu um jeito: não sou orgulhosa  

e, chegando o caso, não  me envergonho de pedir arreglo. E nada é irreversível  

128 BRAZIL, Erico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 131, 132.

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nesse mundo –  a não  ser,  dizem­nos,  esse  regime espúrio que  o demônio nos  

deixou cair no lombo nos idos de um março que se eterniza, mais tenebroso que o  

de César. Agora, a estas alturas de minhas seis décadas, aprendemos a conviver  

em gostosa intimidade, apoiando­nos mutuamente sob o céu borrascoso – e como!  

– que nos cobre.

Claro que não é cem por cento uma idílica harmonia: para variar, sempre há  um  

pequeno enguiço. Mais uma vez, a pedrinha – aliás, o cascote – no sapato são os  

outros: liberdade é oxigênio demais para caber em monopólios, enquanto todos  

não  forem livres...   tarará­tererê,  o resto vocês já  sabem de cor e desculpem o  

lugar­comum.”129     

Em sua bibliografia constam os romances Septiembre (1957), Sangue sem dono 

(1963) e Fuga em setembro  (1973). Publicou ainda os livros de ensaios Guia de boas  

maneiras (1965) A arte de ser mulher (1966), O homem e a mulher no mundo moderno 

(1969) – ambos coletâneas de seus artigos em Claudia –  a novela  Dalva na rua Mar 

(1965) e a autobiografia Histórias Híbridas de uma senhora de respeito (1985). 

Em resumo, Carmen da Silva por ela mesma:

“Atéia e satreana, acredito que a existência em si não tem qualquer significado ou  

finalidade.   Tanto   melhor:   cabe   a   nós,   os   viventes,   edificar   sobre   o   vazio,  

construindo num terreno sem entulho nossa própria razão  de viver. A minha se  

chama precisamente nós, viventes. De hoje e de amanhã.  Aliás, se possível, com 

duração   indeterminada.   E   de   preferência   instalados   num   mundo   decente   e  

razoavelmente aconchegante.  Tarefa para moralista nenhum botar defeito.  E a  

prioridade número um consiste em impedir que algum filho­da­puta aperte aquele  

botão vermelho, no desenvolto exercício de um poder que só os nun plus ultra dos  

filhos­da­puta se arrogam.”130   

129 SILVA, Carmen. Op. Cit. P.188­189.130 SILVA, Carmen da. Histórias Híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985,p. 188.

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Parte II – OS AUTORES

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Capítulo 1: AUTORITARISMO & LIBERDADE

Nós, revolucionários de 1964, seremos julgados pela História (...).

Simples golpistas ou responsáveis pela mudança de estruturas,

característica fundamental de uma verdadeira revolução.

(NASSER, David. O mito Andreazza. RJ, O Cruzeiro, 18ago1971)

“A liberdade não é um bolo que deve ser dividido entre certo número de pessoas,  

de maneira que a fatia dada a cada um possa diminuir a cota que cabe ao outro.

A liberdade é uma condição vital, um modo de ser do individuo que alcançou certo  

grau de evolução, uma forma de relacionar­se com a sociedade e o mundo em 

termos de maturidade.”

(SILVA, Carmen da . Nós e a luta das mulheres. SP, Claudia, mai1972)

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Dentro do recorte cronológico definido para esta pesquisa, ou seja, entre setembro 

de 1963 e abril  de 1973, o Brasil  viveu a queda do Presidente João Goulart,  eleito 

democraticamente,   por   um   golpe   civil­militar   de   cuja   conspiração   participaram 

decisivamente importantes setores da sociedade incluindo diversos órgãos da imprensa, 

e   a   formação   de   um   Estado   Autoritário   pelas   Forças   Armadas.   Durante   21   anos, 

contados a partir  de 31 março de 1964, quando a ação golpista é deflagrada, o país foi 

governado por militares. 

Foram  cinco  os   presidentes   militares   nestas   duas  décadas.   Logo   após   o   golpe, 

assume o governo o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964­1967). O 

segundo presidente  militar   foi  o  marechal  Artur  da  Costa   e  Silva   (1967­1969)  que 

afastado   por   uma   isquemia   cerebral,   é   substituído   temporariamente   por   uma   junta 

militar,   até  que  se define como seu  sucessor  o  marechal  Emílio  Garrastazu Médici 

(1969­1974). Ernesto Geisel (1974­1980) e João Batista Figueiredo (1980­1985)  são os 

últimos presidentes  militares.  Para esta  pesquisa  são considerados  para a  análise  os 

meses que antecederam o golpe de 1964 e os  três primeiros governos militares. 

Em setembro de 1963, Carmen da Silva iniciava, nas páginas de Claudia, sua luta 

diária e incansável pela transformação da sociedade fundamentada essencialmente na 

conquista da liberdade para todos, mulheres e homens. Para a jornalista e psicóloga, 

todos devem ter o direito à educação, ao trabalho, à cidadania, enfim, à uma vida em 

sociedade garantida em termos de liberdade individual para criar, para ser. Projeto de 

sociedade,   sem dúvida,   incompatível  com um governo autoritário,  que   impusesse  à 

sociedade forte repressão sobre comportamento e idéias. 

 David Nasser, por sua vez, conspirou abertamente pela deposição de João Goulart e 

apoiou o Estado Autoritário em todas as suas etapas.  O fio condutor de seus artigos no 

período analisado é seu apoio constante às Forças Armadas e aos argumentos sobre os 

quais se fundamentou, tanto a conspiração golpista, quanto a constituição de um cruel 

aparelho repressivo, ou seja, a luta contra o comunismo e a defesa da democracia. O 

jornalista   se   opôs   apenas   ocasionalmente   a   determinadas   decisões   do   governo   que 

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viessem a interferir em suas atividades particulares de empresário e fazendeiro,  que 

desenvolvia paralelamente ao jornalismo desde a década de 50.

Assim,  o   ano  de  1964  é,   portanto,  um marco  de   ruptura  no  processo  político­

institucional   do   Brasil.   Em   31   de   março   daquele   ano,   o   presidente   João   Goulart, 

constitucional   e   legitimamente  empossado,  é   deposto  por  um golpe  civil­militar.  A 

ameaça de golpe de Estado, entretanto, foi uma constante durante todo o seu governo. 

Eleito  vice­presidente de Jânio Quadros,  Goulart  era,  portanto,   seu sucessor  natural 

quando este renunciou ao cargo em agosto de 1961, ocasião em que sofreu a primeira 

ofensiva militar, na tentativa impedir sua posse. A saída para o impasse foi a solução 

parlamentarista, que lhe permitiria  assumir a Presidência, mas não governar o país. Só 

em janeiro de 1963 um plebiscito revogou a emenda parlamentarista. Este período é 

significativo na história do país, segundo Caio Navarro de Toledo, 

“pois nele intensificam e se condensam alguns dos impasses e dos conflitos da  

democracia burguesa. Se entendemos que as contradições sociais são  processos  

constitutivos da formação  social capitalista e de seus regimes políticos, então  o  

período  de  1961/1964  deve   ser   visto   como um momento  privilegiado  da   vida  

política brasileira posto que nele ocorreu uma polarização  política e ideológica  

com dimensões inéditas e com características singulares. Para os que vêem nos  

conflitos   e   nos   antagonismos   o   sinal   da   desagregação   social,   os   ‘tempos   de  

Goulart’ só podem ser encarados como trágicos ‘tempos de caos e anarquia’.”131

De acordo com o mesmo autor, “para a direita brasileira e para a embaixada  

norte­americana,   não   cabiam   mais   dúvidas   quanto   à   ‘esquerdização’   do   governo  

Goulart”:

131 TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 2004, p.9.

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“Duas graves denúncias passavam a circular com insistência nos meios políticos,  

tendo ampla cobertura da imprensa em geral.Bilac Pinto, presidente da UDN132 e  

porta­voz político do chefe de Estado Maior do Exercito, gal.Castelo Branco, com 

grande alarde divulgou um documento onde se declarava que estava em curso do  

país uma ‘guerra revolucionária’. (...) Ou seja, o país estava prestes a assistir à  

tomada do poder pelos comunistas’. Denunciava a direita que o governo Goulart  

insuflava as invasões de terra, as greves operárias e de trabalhadores do campo,  

além de ‘distribuir armas a sindicatos rurais e marítimos’. Na verdade tratava­se  

do início da ‘guerra psicológica’ contra o governo constitucional, pois nenhuma  

prova concreta foi oferecida quanto à veracidade dos fatos denunciados.”133        

René   Armand   Dreifuss,   outro   estudioso   do   período,   analisa   a   formação   da 

conspiração que derrubou João Goulart e levou os militares ao poder a partir de um 

ponto de vista macroeconômico, ou seja, considerando a inserção do Brasil no sistema 

capitalista internacional. Neste sentido, Dreifuss  fala da formação, desde o governo de 

Juscelino   Kubitschek   (1955­1960),   de   dois   blocos   de   interesses   antagônicos:   o 

“multinacional e associado”  e o  “oligárquico industrial”.  Pensando no governo de 

João Goulart, pode­se dizer que o bloco “oligárquico industrial” representava aqueles 

que apoiavam o presidente enquanto o grupo  “multinacional e associado”,  formado 

pelos  “tecno­empresários”  ligados   ao   capital   internacional,   entenda­se, 

fundamentalmente,   norte­americano,   representava   a   oposição  ou  os   “conspiradores” 

unidos contra Jango.  Por isso, segundo Dreifuss, a conspiração anti­Jango caracterizou­

se  pela   atuação  de  uma  “elite   orgânica”134,   composta   por   políticos,   empresários   e 

132 União Democrática Nacional, partido de oposição ao governo de João Goulart.

133 idem, p. 92.

134  As expressões entre aspas são do autor. DREIFUSS, René Armand.  1964: A Conquista do Estado.  Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis, Vozes, 2006. 

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militares unidos em defesa dos seus interesses multinacionais e associados, que agia 

através de organizações criadas e controladas diretamente pelos EUA. Diz o autor: 

“Eles desejavam compartilhar do governo político e moldar a opinião  pública,  

assim o fazendo através da criação  de grupos de ação  política e ideológica.   O  

primeiro desses grupos a ter notoriedade nacional em fins da década de cinqüenta  

foi o IBAD ­ Instituto Brasileiro de Ação Democrática”. 135

Após  a  criação do  IBAD, em 1959,  surgiu,  em 1961,  o   IPES ­   Instituto  de 

Pesquisa e Estudos Sociais ­ para unir forças:

“Os fundadores do IPES do Rio e de São Paulo, o núcleo do que se tornaria uma  

rede  nacional  de  militantes  grupos de ação,  vieram de diferentes  backgrounds 

ideológicos.   O   que   os   unificava,   no   entanto,   eram   suas   relações   econômicas  

multinacionais e associadas, e seu posicionamento anticomunista e a sua ambição  

de readequar e reformular o Estado. (...)  O IPES desenvolveu uma dupla vida  

política desde seu início. (...) Para realçar ainda mais a sua fachada, o IPES era  

apresentado (por sua liderança) entre o grande público, como uma organização  

educacional, que fazia doações para reduzir o analfabetismo das crianças pobres  

­ e como um centro de discussões acadêmicas”.136

O   autor   destaca   o   envolvimento   direto   de   importantes   grupos   da   grande 

imprensa que atuaram juntamente com o IPES na articulação do golpe: 

“O IPES conseguiu  estabelecer  um sincronizado assalto  à  opinião  pública,  

através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e  

135 DREIFUSS, René Armand., op. cit., p. 111­112.

136 Idem, pp. 163­164.

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televisões   nacionais,   como:  os  Diários   Associados   (poderosa   rede   de   jornais,  

rádio e televisão de Assis Chateaubriand, por intermédio de Edmundo Monteiro,  

seu diretor­geral e líder no IPES), a Folha de S. Paulo (do grupo Octavio Frias,  

associado   do   IPES),    O   Estado   de   S.   Paulo  e   o  Jornal   da   Tarde  (do   Grupo 

Mesquita, ligado ao IPES, que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de  

São  Paulo).  Diversos  jornalistas  influentes e editores de  O Estado de S.  Paulo 

estavam diretamente envolvidos no Grupo de Opinião Pública do IPES. Entre os  

demais participantes da campanha incluíam­se J. Dantas, do Diário de Notícias, a 

TV Record e a TV Paulista, ligadas ao IPES pelo seu líder Paulo Barbosa Lessa, o  

ativista ipesiano Wilson Figueiredo do Jornal do Brasil, o Correio do Povo, do Rio  

Grande do Sul e  O Globo  das Organizações Globo do grupo Roberto Marinho,  

que também detinha o controle da influente Rádio Globo, de alcance nacional.  

Eram também ‘feitas’ em O Globo notícias sem atribuição de fonte ou indicação  

de pagamento e reproduzidas como informação fatual. Dessas notícias, uma que  

provocou   um   grande   impacto   na   opinião   pública   foi   que   a   União   Soviética  

imporia a instalação  de um Gabinete Comunista no Brasil, exercendo todas as  

formas de pressão internas e externas para aquele fim.

Outros jornais do país se  puseram a serviço do IPES.”137         

A participação dos Diários Associados, do qual fazia parte a revista O Cruzeiro, 

na conspiração foi declarada,  conforme Fernando Morais afirma:

“Chateaubriand deu ordens para que João Calmon se preparasse para ajudar na  

organização   e,   no   momento   oportuno,   colocar   todas   as   rádios   Associadas   à  

disposição  da ‘Cadeia Democrática’, que estava sendo planejada pelo Instituto  

Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), organização que investira 5 milhões de  

dólares no financiamento de campanhas de deputados anticomunistas nas eleições  

de 1962. O IBAD (que seria  fechado por decreto do governo antes mesmo do  

137 DREIFUSS, René Armand., op. cit., p. 233.

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golpe militar de 1964) tinha planos de montar uma cadeia de pelo menos cem  

estações  de   rádio  até   o   final   do  ano  para  propagar   idéias   contra  o  governo  

Goulart   e   enfrentar   com  as  mesmas  armas  a  pregação   política   irradiada   em 

vários estados do Brasil pelo deputado Brizola em defesa das chamadas ‘reformas  

de base’.”138       

Nesse contexto, é importante também considerar o papel da imprensa   na relação 

entre   Estado   &   sociedade.   Se   num   primeiro   momento,   a   imprensa   representou 

importante elemento de desestabilização e derrubada do governo de João Goulart, frente 

ao endurecimento da atuação política, contudo, a qual passou a restringir a participação 

da sociedade, vários veículos da imprensa passam a denunciar os atos governamentais, 

tornando­se   também   alvo   de   seu   instrumental   repressivo,   com   a   criação   de   uma 

legislação especifica139 e da posterior implementação da censura.  

A participação da Escola Superior de Guerra (ESG) na conspiração que derrubou 

João Goulart,   foi  decisiva ao  lado do complexo IBAD/IPES. Maria Helena Moreira 

Alves,   ressalta   sua   importância   como   um   elemento­chave   na   desestabilização   do 

governo   de   João   Goulart,   através   do   que   ela   chamou   de   Doutrina   da   Segurança 

Nacional   e   Desenvolvimento,   desenvolvida   e   disseminada   pela   Escola   Superior   de 

Guerra entre militares e civis. Segundo a autora, a “Doutrina de Segurança Nacional e  

Desenvolvimento   efetivamente   prevê   que   o   Estado   conquistará   certo   grau   de  

legitimidade graças a um constante desenvolvimento capitalista e a seu desempenho  

como   defensor   da   nação   contra   a   ameaça   dos   ‘inimigos   internos’   e   da   ‘guerra  

psicológica’.” 140 Em suas palavras: 

138 MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995, p. 638.

139  Lei  de   Imprensa,  Lei  5250,  de  9  de   fevereiro  de  1967:   “regula   a   liberdade  de  manifestação de pensamento e dá outras providências”.

140 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964­1984). Bauru: EDUSC, 2005. p. 27.

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 “A tomada do poder de Estado foi precedida de uma bem orquestrada política de  

desestabilização  que  envolveu  corporações  multinacionais,  o  capital  brasileiro  

associado­dependente, o governo dos Estados Unidos – em especial um grupo de  

oficiais da Escola Superior de Guerra (ESG). Documentos recentemente tornados  

públicos demonstram que o governo norte­americano, através da CIA, agiu em  

coordenação com civis e oficiais militares – membros das classes clientelísticas –  

no   preparo   e   realização   de   planos   para   desestabilizar   o   governo   Goulart.   A  

conspiração   foi   levada   a   efeito   através   de   instituições   civis   de   fachada,   em  

especial   o   Instituto   Brasileiro   de   Ação   Democrática   (IBAD)   e   o   Instituto   de  

Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). A Escola Superior de Guerra coordenava as  

iniciativas de conspiradores civis e militares. A necessária justificação ideológica  

da   tomada  do  Estado   e  da  modificação  de   suas     estruturas  para   impor  uma  

variante   autoritária   foi   encontrada   na   Doutrina   de   Segurança   Nacional   e  

Desenvolvimento ministrada na Escola Superior de Guerra.”141.

Fundada   em   1949,   a   Escola   Superior   de   Guerra     preservava   um   claro 

alinhamento com o pensamento das Forças Armadas dos EUA, orientado por um forte 

sentimento anticomunista. A aproximação se deu durante a Segunda Guerra Mundial 

quando, na Itália, lutando ao lado dos aliados junto ao V Exército dos EUA, a Força 

Expedicionária Brasileira (FEB) contribuiu para a vitória aliada. Segundo Maria Helena 

Moreira Alves,  “pelo seu alto nível   de ensino, a ESG tornou­se conhecida como a  

‘Sobonne’ do establishment militar”:

141 ALVES, Maria Helena Moreira., op. cit., p.. 23­24. 

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“O   desenvolvimento   de   teorias   da   guerra   fria   resultou   em   ênfase   para  

interpenetração   de   fatores,   políticos,   econômicos,   filosóficos   e   militares   na  

formulação   da   política   de   segurança   nacional,   passando­se   a   dar   crescente  

prioridade adestramento em teoria do desenvolvimento.”142   

A Escola Superior de Guerra brasileira guardaria, contudo, duas características 

particulares que a distinguiriam da Escola Nacional  de Guerra norte­americana,   tais 

como   indicadas  por   Alfredo  Stepan:   de  um   lado,   a   maior  “ênfase   sobre   aspectos  

internos do desenvolvimento e da segurança”, pois,  “a questão de uma Força Armada  

forte, num país em desenvolvimento como o Brasil, não podia separar­se do problema  

do desenvolvimento econômico, nem a questão da segurança nacional separar­se   da  

educação, indústria ou agricultura”:

“A outra inovação brasileira foi converter a participação  dos civis num aspecto  

fundamental da Escola de Guerra. (...) justamente porque a escola brasileira devia  

preocupar­se com todas as fases do desenvolvimento e da segurança, julgou­se  

necessário incluir civis de certas áreas como educação, indústria, comunicações e  

sistema bancário. A decisão de incluir civis como parte central da ESG. Mostrou  

ser decisiva para o desenvolvimento da escola. Colocou os oficiais militares em  

contato sistemático com os líderes civis ”143  

Vários civis que participaram de atividades na ESG antes do golpe ocupariam 

cargos de ministro de Estado durante o regime militar. Pela proximidade com David 

Nasser merecem destaque Antônio Delfim Netto e Mário David Andreazza. O jornalista 

não se vinculou à ESG mas  atuou ativamente na conspiração contra o governo de João 

Goulart seja através de seus artigos para  O Cruzeiro  nos quais disseminava as idéias 

difundidas pelo complexo IBAD/IPES/ESG, seja cultivando relações com militares e 

142 Idem, p. 28.

143 STEPAN, Alfred. Os militares na política. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p. 127­128.

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civis   e   participado   de   reuniões   clandestinas   com   golpistas.   De   acordo   com   Luiz 

Maklouf Carvalho,  “não  há  prova de que tenha tido ligações formais com o IPES,  

como outros   jornalistas   tiveram,  mas  é   certo  que  comungava o   ideário  e  assumia  

publicamente sua defesa.”144 

Em   sintonia   com   o   pensamento   da   grande   imprensa   na   época,   o   principal 

argumento empregado pelos conspiradores para justificar a necessidade de derrubar o 

governo legalmente constituído de João Goulart era a inevitável instauração, no Brasil, 

de um regime comunista que poria fim à democracia. Este mesmo argumento é utilizado 

por David Nasser em “Aurora Vermelha”: 

“Nunca a idéia deste País, tão manso em sua maneira de ser, tão  despreocupado 

e  agradável,   transformado  numa  república   sindicalista  ou  proletária,   ou  algo  

parecido, havia passado por minha cabeça. (...)

Não tardará  o momento em que uma chuva de sangue desabe sobre esta Nação,  

até   agora   feliz.   O   Brasil   mudou,   e   hoje   aceito   tristemente   a   hipótese   de   ser  

ocupado pelos comunistas sem que tenham necessidade de disparar um tiro.”145

Neste mesmo artigo,  o   jornalista  anuncia  a   intervenção das  Forças  Armadas 

como meio de  defesa da democracia contra o comunismo:

 

“Atentem bem os dirigentes políticos brasileiros, os democratas – para um detalhe  

importante: não é desmoralizando as Forças Armadas nem procurando substituí­

las que se evita o perigo comunista. Mais de uma vez tenho dito que os militares  

brasileiros são  classes médias de uniformes, são  democratas e tem a defender,  

com o Brasil democrático, inclusive as suas carreiras.” 146       

144 CARVALHO, Luiz  Maklouf. Cobras criadas. São Paulo, SENAC, 2001, p. 418.145 NASSER, David. Aurora Vermelha, RJ, O Cruzeiro, 23nov1963, p. 6.

146 Idem.

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Em outro   artigo,  Nasser   reforça   seu   apoio  à   intervenção  militar   na  política 

nacional   autodenominado­se   um   democrata.   E   conclama   quem   mais   assim   se 

considerar, a formar uma “santa aliança” defendendo a legalidade ameaçada pelo perigo 

de um golpe comunista. Os demais, os antidemocratas, devem se calar. Procura desta 

forma unificar  o discurso da conspiração e silenciar as resistências.  Em “O Grande 

Mudo”, sobre o Exército brasileiro, reitera seu apoio à intervenção militar na política 

nacional:  

“O Exército (e como exército se aceite a principal força militar) é  o defensor,  

executor e o mantenedor da legalidade, e não o seu intérprete, o seu jurista (...).

Ninguém pode falar em nome do Exército Brasileiro, da Marinha Brasileira, ou da  

Força Aérea Brasileira – se a sua fala é antidemocrática. Tenho repetido que os  

militares   são   simples   civis   de   uniforme,   são   cidadãos   da   classe   média   que  

enfrentam os mesmos problemas, sofrem as mesmas angústias, sentem as mesmas  

depressões, os mesmos temores, as dificuldades iguais às  de todos os brasileiros.  

(...)Todos nós, democratas, devemos considerar as Forças Armadas como a base  

de uma santa aliança contra a invasão comunista do Brasil.”147

A   posição   de   Nasser   como   conspirador,   revelada   em   seu   discurso   político, 

mostra que estava em sintonia com o pensamento da grande imprensa na época. Alguns 

conspiradores diziam acreditar que a intervenção militar seria pontual e deveria garantir 

a legalidade na transição do governo sucessor de João Goulart, impedindo a chegada do 

“perigo comunista” e preservando as liberdades democráticas. Este pensamento estava 

manifestado em outros jornais e revistas que também apoiaram o golpe militar, como o 

Estado de S.Paulo.  Maria Aparecida de Aquino, que estudou a atuação deste diário 

147 NASSER, David. O Grande Mudo, RJ, O Cruzeiro, 15fev1964, p. 4

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paulista durante os primeiros anos do regime militar, de 1964­1968, chama a atenção 

para uma “contradição aparente”:

“Fala­se em contradição porque pode causar espanto o fato de que o grupo que  

representa os interesses dos proprietários do jornal, tradicionalmente defensores  

de uma postura liberal democrática, em vários editoriais do período que antecede  

o golpe de 1964, não hesita em propor até a intervenção por intermédio da ação  

das   Forças   Armadas   para   a   derrubada   de   um   governo   democraticamente  

constituído.   (...)   a   posição   do   grupo   (...)   conspirando   abertamente   contra   o  

governo constitucional de João Goulart, é teoricamente justificável nos moldes do  

liberalismo   lockeano.   (...)   Assim,   apesar   de   defender   a   democracia,   OESP 

entendia as atitudes de João Goulart como interferência demasiada do governante  

e   usurpação   dos   direitos   naturais   dos   indivíduos,   portanto,   como   alvo   de  

resistência da sociedade civil.”148   

Pela   presença   ampla   de   manifestações   conspiratórias   em  vários   veículos   de 

imprensa, a presença e o discurso proferido por João Goulart na noite de 30 de março 

de 1964, no Automóvel Clube para a comemoração do aniversário da Associação dos 

Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar da Guanabara, surpreendeu seus assessores, 

pois a trama golpista dava evidentes sinais de sua marcha desde o dia 13 de março 

quando,   em  comício,   na  presença  de   cerca  de  200  mil   pessoas,   o   presidente   João 

Goulart, 

“após 3 horas de inflamados discursos, encerrou o ato anunciando a promulgação  

de dois decretos: o da nacionalização das refinarias particulares de petróleo e o  

da desapropriação  das propriedades de terras (com mais de 100 hectares) que  

ladeavam as rodovias e ferrovias federais. Prometeu também enviar ao Congresso  148  AQUINO, Maria Aparecida de.  Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968­1978).  Bauru: Edusc, 1999, p. 38­39.

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outros  projetos  de   reformas   (agrária,  eleitoral,  universitária  e  constitucional);  

anunciou   ainda   nos   próximos   dias   decretaria   algumas   medidas   urgentes   ‘em  

defesa do povo e das classes populares’ (tabelamento de aluguéis, controle dos  

preços, etc.).”149    

Desde então diversos setores da classe média e da burguesia articularam­se em 

defesa da propriedade, da fé religiosa e da moral sob a bandeira do anticomunismo, e 

foram às ruas em manifestações civis, destacando­se a Marcha da Família com Deus 

pela Liberdade, realizada em São Paulo, em 19 de março, que reuniu cerca de 500 mil 

pessoas. Organizada por entidades femininas, contou com o apoio do governo de estado 

de  São Paulo,   setores  da   Igreja  Católica,  da  FIESP,  da   sociedade Rural  Brasileira. 

Encerrada com inflamados discursos contra o governo Goulart,    a  manifestação fez 

parte de ofensiva golpista para criar um clima favorável à intervenção militar. É neste 

contexto que Caio Navarro de Toledo considera o discurso de Goulart no Automóvel 

Clube   no   dia   30   de   março,   uma   espécie   de   suicídio   político.   “No   discurso   que  

pronunciou, transmitido por rádio e televisão, Jango denunciou as pressões que vinha  

sofrendo da direita. Para ele a tentativa de golpe contra seu governo estava sendo  

financiada pelo imperialismo e pela burguesia associada.”150 O presidente bradava:     

 

“Não admitirei o golpe dos reacionários. O golpe que desejamos é o golpe  

das reformas de base, tão necessárias ao nosso país. Não queremos o Congresso  

fechado. Ao contrário, queremos o Congresso aberto. Queremos apenas que os  

congressistas sejam sensíveis às mínimas reivindicações populares.”151

149 TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 97.

150 TOLEDO, Caio Navarro de. Op. Cit., p. 103.

151 Citado em GASPARI, Elio. A Ditadura envergonhada, São Paulo, Cia. Das Letras, 2004, p. 65.

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Historiadores da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro,  tem contribuído 

significativamente para a ampliação da historiografia sobre o regime militar ao levantar 

as razões dos militares para o golpe através da realização de entrevistas com militares 

que tiveram atuação importante enquanto estiveram no poder ou próximo dele e da 

análise de textos por eles produzidos.

Parte  dos  resultados  deste   trabalho estão publicados  em artigo de autoria  de 

Gláucio Ary Dillon Soares no qual critica as análises tradicionais mais vinculadas a 

correntes teóricas européias e norte­americanas do que à realidade nacional. Segundo o 

historiador,   estes   analistas  “deduziam   o   que   aconteceria   com   bases   em   teorias  

supostamente universais e não  em pesquisa concreta, feita no Brasil e sobre ele. O  

resultado   foi  uma produção  sociológica  e  política   livresca,  derivada da   leitura  de  

textos clássicos, mas sem contato com a realidade política brasileira.”152          

Um   fator   externo   muito   discutido   quando   o   assunto   é   o   golpe   militar   é   a 

influência norte­americana na conspiração. É conhecido hoje o auxílio financeiro dado 

pelos Estados Unidos como clara manifestação de apoio ao golpe e subseqüente regime. 

Entre os militares, entretanto, é consenso que o apoio daquele país foi irrelevante para a 

realização do golpe. Segundo o autor, Dillon Soares, que concorda com o ponto de vista 

dos militares neste aspecto, “uma coisa é o fato de os EUA apoiarem o golpe e outra é  

a essencialidade deste apoio.” 153 

152  SOARES,   Gláucio   Ary   Dillon.   “O   Golpe   de   64”,   in:  21   Anos   de   Regime   Militar.   Balanços   e  perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 12.   153 SOARES, Gláucio Ary Dillon. Op. cit., p. 45.

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Dillon   Soares   aprofunda   sua   crítica   dizendo   que  “assim,   autores   diferentes  

colocaram os  militares  a   serviço seja  da  aristocracia,   seja  da  burguesia,   seja  das  

classes médias. A  autonomia  dos militares  foi sistematicamente subestimada. Como  

resultado, foram grosseiros os erros de avaliação  da situação  militar.”154    E afirma: 

“o golpe, porém, foi essencialmente militar: não foi dado pela burguesia ou pela classe  

média, independentemente do apoio que estas lhe prestaram.”155

Entre as principais razões dos militares levantadas pelos estudiosos do Centro de 

Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio 

Vargas   (CPDOC­FGV)   para   o   golpe   de   1964   destacamos   o   caos   gerado   pela 

instabilidade, pela “paralisia decisória” e “ingovernabilidade da administração Goulart”, 

sendo assim portanto justificado o necessário restabelecimento da ordem. Outra razão 

importante   foi  o  perigo  comunista.  Em outro   trabalho,   em que estão publicadas  as 

entrevistas realizadas com os militares, os historiadores do CPDOC afirmam que eles 

costumam justificar os acontecimentos de 1964 como  “um contragolpe ao golpe de  

esquerda que viria, provavelmente assumindo a feição de uma ‘república sindicalista’  

ou ‘popular’.”156

Desta   forma,   episódios   ocorridos   durante   o   governo   Goulart,   tais   como   a 

Rebelião dos Marinheiros e Fuzileiros Navais no Sindicato dos Metalúrgicos, no dia 20 

de março de 1964, e Reunião dos Sargentos no Automóvel Clube, dez dias depois, com 

a   presença   do   presidente   Goulart   caracterizaram,   para   os   militares,   violação   do 

princípio de hierarquia e quebra da autonomia. O que se transformou no pretexto que 

faltava para a tomada do poder. 

154 Idem, ibidem. Grifo original.

155 Idem , ibidem, p. 27. 156 D’ARAÚJO, Maria Celina et alii.  Visões do Golpe: a memória militar sobre 1964.  Rio de Janeiro, Relume­Dumará, 1994. p. 12.

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O   ex­governador   do   Rio   Grande   do   Sul,   Leonel   Brizola   foi   o   principal 

adversário político de David Nasser durante o período conspiratório. Eleito com 269 mil 

votos, o deputado federal mais votado da história do Congresso até aquela data, Brizola 

já havia mostrado sua força política e sua habilidade no trato com a imprensa em 1961 

quando, para garantir a posse do cunhado e vice­presidente, João Goulart, após a crise 

que sucedeu a renúncia de Jânio Quadros, formou a chamada "Cadeia da Legalidade", 

comandando   104   emissoras   gaúchas,   catarinenses   e   paranaenses   e   mobilizando   a 

população em defesa da posse de Goulart. Denunciava a adoção do parlamentarismo 

como violação da Constituição.   

Cunhado do presidente João Goulart, durante o seu governo, Leonel Brizola se 

tornaria   a   principal   liderança   da   esquerda   radical   e,   por   isso,   passaria   a   enfrentar 

divergências   com   o   presidente   a   quem   acusava   de   aliar­se   a   forças   políticas 

conservadoras e pró­imperialistas. Entretanto, denunciou sistematicamente, através da 

imprensa,  utilizando  principalmente   a   rádio  carioca  Mayrink  Veiga,   a   formação  da 

conspiração civil­militar que acabou por depor o presidente. Brizola tornou­se, por isso, 

alvo   de   ataques,   na   imprensa,   dos   setores   conservadores,   envolvidos   da   “Cadeia 

Democrática”, coordenada pelo complexo IBAD/IPES/ESG. David Nasser foi um dos 

jornalistas que o enfrentou. E o fez da forma mais dura entre todos os políticos sobre os 

quais escreveu. A particularidade da desavença entre os dois é chegaram ao extremo da 

agressão física.

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A   briga   entre   David   Nasser   e   Leonel   Brizola   começou   em   abril   de   1963, 

conforme narra Luiz Maklouf, quando Brizola se desentendeu com João Calmon, eleito 

governador pelo Espírito Santo, em 1962:  “em abril de 1963, quando visitava Chatô  

nos  Estados  Unidos,  O Jornal  deu  uma nota  afirmando que  Brizola  comprara  um  

apartamento em Ipanema. Brizola foi aos estúdios da TV Rio, desmentiu a notícia e  

atacou Calmon e os Diários Associados. Na volta da viagem, em 29 de abril, Calmon  

revidou os ataques na TV Tupi”157 David Nasser assumiu a defesa de Calmon e passou a 

atacar o ex­governador do Rio Grande do Sul.

Durante todo o ano de 1963, Nasser escreveu vários artigos insultando o ex­

governador.   “A Besta  do  Apocalipse”  de  22  de   junho  de  1963,   “O Bandoleiro  da 

Sintaxe” de 06 de abril, “Os Brizolas passam, o Brasil fica” 06 de julho, “Resposta a um 

pulha”, de 20 de julho. Entre as ofensas disparadas contra o ex­governador pode­se 

destacar “covarde”, “bestinha fácil de montar”, “inimigo da imprensa, da gramática e  

do   alfabeto”.   Quando,   depois   disso,   Brizola   entrou   com   processo   por   injúria   e 

difamação contra o jornalista, a resposta veio em “O Réu Feliz”. Habilidoso com as 

palavras, Nasser dizia:

“Talvez   tenha   a   minha   mão   carregado   no   adjetivo   (...).   Não   recorrerei,   por  

desnecessário,   à   adjetivação   que   coloriu   de   marrom   –   reconheço   –   a   minha  

resposta. Mas reconheçam, também, que não  se responde a uma bofetada com 

uma flor (...). Senhor juiz, sou réu confesso, se é possível medir o adjetivo. Porém,  

todas as vezes, neste mesmo lugar, neste mesmo banco onde me traz a profissão,  

todas as vezes que a honra me trouxer aqui, eu serei um réu feliz.”158  

         Contudo, o desdobramento mais emblemático do desentendimento entre Nasser 

e Brizola aconteceu em dezembro de 1963, quando os dois se encontraram casualmente 157 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p.422. 

158 NASSER, David. O Réu Feliz, RJ, O Cruzeiro, 28set1963, p. 6

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no Aeroporto do Galeão e foram ao chão, aos socos. O episódio ainda rendeu o artigo 

“O Coice do pangaré”, no qual Nasser afirma ter sido agredido pelas costas: 

“Depois da agressão pelas costas – e do revide pela frente – bato o teclado desta  

máquina com a mão  que esbofeteou uma canalha pela segunda vez. A primeira,  

quando   o   retratou   moralmente.   A   segunda,   quando   respondeu   ao   ataque  

traiçoeiro. (...) Se Kennedy, que era Kennedy, não pode evitar a bala de um louco  

de Dallas – como poderia eu escapar ao coice de um pangaré de Carazinho? São  

acidentes do trabalho.”159              

O Cruzeiro  deu ampla repercussão à briga entre Brizola e Nasser ocorrida no 

aeroporto do Galeão. Em 18 de janeiro de 1964, a revista publica “Os covardes atacam 

pelas costas”, assinada por  Nasser e que já havia sido publicada em O Jornal, em 27 de 

dezembro de 1963. A matéria é ilustrada com fotos de David Nasser sentado à máquina 

de escrever redigindo “O Coice do Pangaré” e exibindo a nuca, onde foi golpeado com 

o soco de Brizola. Outras ilustrações em quadrinhos narram o episódio.160  Em 23 de 

março,   a   revista,   fiel   à   campanha   de   desmoralização   do   deputado   Leonel   Brizola, 

publica matéria, exibida em formato de fotonovela, sobre uma peça teatral encenada no 

Rio de Janeiro chamada “O cunhado do presidente” na qual o personagem principal, o 

“deputado Frajola” é uma sátira sobre Brizola.161 Apesar de todas as agressões, David 

Nasser não conseguiu assassinar politicamente Leonel Brizola que, mesmo com todos 

os ataques seguiu sua carreira política.     

Quanto   a   João   Goulart,   o   presidente   mais   maltratado   e   desrespeitado   pela 

imprensa na história do Brasil,   nem com ele David Nasser foi tão duro. Ainda que 

159 NASSER, David. O Coice do pangaré, RJ, O Cruzeiro, 18jan1964, p. 6

160 NASSER, David. Os covardes atacam pelas costas, RJ O Cruzeiro, 18jan1964, p. 8­9.

161 “Aventuras de um deputado Frajola ”, RJ,  O Cruzeiro, 23mar1964, p. 124­127.

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mencionando com alguma freqüência o lado “boa praça” de Goulart, ajudou a construir 

a imagem do presidente como homem fraco em indeciso.  As agressões eram motivadas 

pela  expectativa  disseminada pelos  conspiradores  e  aceita  por  alguns  estudiosos  do 

período, como o jornalista Elio Gaspari, de que “havia dois golpes em marcha. O de  

Jango viria amparado pelo ‘dispositivo militar’   e nas bases sindicais, que cairiam  

sobre o Congresso, obrigando­o a aprovar um pacote de reformas e a mudança das  

regras  do   jogo  da   sucessão  presidencial.”162  Moniz  Bandeira,   contudo,   afirma  que 

Goulart:

  “nunca   pretendeu,   em   realidade,   desfechar   o   golpe   de   Estado.   Apenas   se  

inclinara,   em  função  da  crise,  a   tomar uma atitude  de   força,   sem  transpor  o  

espaço constitucional,  embora considerasse  que suas balizas   tolhiam a ação  e  

inibiam agilidade do Governo, não só para a adoção de medidas de defesa como 

para a realização das reformas de base.”163 

Ainda   segundo   Bandeira,   “Brizola   sempre   advogara   uma   atitude   dura   do  

Governo. Aconselhara diversas vezes a Goulart a dar ele próprio o golpe de Estado.  

‘Senão dermos o golpe eles o darão contra nós’ – dizia.” 164:

“Desde   a   luta   pela   posse   de   Goulart,   em   1961,   ele   defendia   uma   solução  

revolucionária e,  posteriormente,  passara a combater o que considerava como  

concessões ao conservadorismo. Preocupava­o o desgaste do Governo, que a seu  

ver, não se definia e com isso beneficiava a conspiração em marcha.”165 

162 GASPARI, Elio. A Ditadura envergonhada. São Paulo, Cia. Das Letras, 2004, p. 51. 163  BANDEIRA,  Moniz.  O Governo  João  Goulart  e  as   lutas  sociais  no  Brasil   (1961­1964).  Rio  de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, p.131. 164 idem, ibidem. Entrevista de Brizola ao autor. 

165 Idem, ibidem. Entrevistas de Brizola e Goutart ao autor.

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A   estes   conflitos   Nasser   se   apegou   em   sua   campanha   desestabilizadora, 

atribuindo ao que considera falta de estrutura ideológica do partido do presidente, o 

PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o fracasso da política de conciliação adotado por 

João Goulart, por meio da qual tentou ampliar a base política do governo, buscando 

apoio do centro sem abrir mão de sua relação com setores de esquerda, na tentativa de 

neutralizar a oposição. 

Em outubro, Nasser escreve “O Brasil de Jango”, artigo no qual sugere que o 

presidente Goulart estaria planejando um golpe de Estado enquanto, como num jogo de 

cartas marcadas, aparecesse como sujeito traído por seus correligionários. Neste texto 

David Nasser garante ter advertido o presidente sobre uma “espantosa contradição”:

“Mostrei­lhe a espantosa contradição, o paradoxo monstruoso: enquanto os seus  

adversários   mais   intransigentes   sustentavam   a   tese   de   que   dentro   da   lei   o  

Presidente era intocável, que o seu mandato era intocável, que ele devia carregar  

a cruz ate o fim – enquanto a oposição dizia isso e lutava por isso – os amigos, os  

correligionários,  os  parentes  do Senhor João  Goulart  conspiravam contra ele,  

tramando   a   sua   deposição,   o   fim   do   regime   legal,   a   abolição   das   normas  

constitucionais.

­ Não há  uma pessoa de bom­senso neste País, Presidente, que não acredite estar  

o Senhor e eles jogando de cartas marcadas.”166

     E conclui o artigo com um desafio e uma provocação:

“Agora, só falta você, Jango, revelar o verdadeiro B de sua biografia. Se é o B de  

Brizola, do Bocayuva, do Brasil ou de uma santa burrice que o levará  a Getúlio  

antes do tempo e o Brasil à baderna antes da hora.”167

166 NASSER, David. O Brasil de Jango, RJ, O Cruzeiro, 05out1963, p. 4.

167 idem, ibidem.

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  Com esta provocação, David Nasser chama a atenção para a responsabilidade 

quanto ao futuro do Brasil que João Goulart assumira como Presidente de República, 

sobretudo no que diz respeito a uma definição política. A resposta para a provocação a 

respeito do “verdadeiro B” da biografia de Jango, David Nasser publicou em dois de 

maio de 1964, portanto, imediatamente, após o golpe civil­militar que o derrubou em 

abril daquele ano, sob o título “Caiu de burro”, uma coletânea de advertências dirigida 

ao presidente foi apresentada ao público com as seguintes palavras:  “Longos, longos  

meses, adverti a Nação da marcha batida do Sr. João Goulart para a deposição ou a  

renúncia. O Brasil não acreditava. O presidente sorria. Aí estão, recortadas, algumas  

palavras que seriam realmente proféticas se o destino de João  Goulart não  fora um 

livro aberto.” 168 

Ao final deste texto, foi publicado fac­símile de telegrama que Chateaubriand 

teria enviado ao jornalista, com o seguinte teor: “Esta vitória teve em você um dos seus  

mais   formidáveis   generais.   Foi   o   maravilhoso   anjo   vingador.   Chateaubriand.”  A 

mensagem mostra que houve uma participação ativa,  um envolvimento concreto,  de 

David Nasser na conspiração para a derrubada de João Goulart.

Assim, antes do final de seu mandato, João Goulart era despojado da Presidência 

da  República,   sem conseguir   implementar   seu  plano  de  governo  fundamentado  nas 

Reformas de Base, que “visavam, basicamente, enfrentar alguns dos grandes impasses  

do capitalismo no Brasil, modernizando relações arcaicas e ampliando a participação  

popular na vida nacional”169,  explica Edgard Luiz de Barros. Porém, devido à intensa 

oposição do Congresso Nacional,  as   reformas nunca  passaram de  slogans  políticos. 

Segundo Barros:

168 NASSER, David. Caiu de burro, RJ, O Cruzeiro, 02mai1964, p. 4.

169 BARROS, Edgard Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo: Contexto, 1999, p. 60.

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“Os ‘tempos de Goulart’ singularizaram­se dentro da história política brasileira:  

neles, a política deixou de ser privilégio do parlamento, do governo e das classes  

dominantes, para alcançar de forma intensa a fábrica, o campo, o quartel.

Pressionado pelo movimento popular organizado e pelas esquerdas em geral, o  

governo   de   João   Goulart   foi   sendo   também   praticamente   encurralado   pela  

violenta oposição e conspiração dos setores civis e militares. Além da permanente  

pregação  anticomunista e de combate a uma ‘República Sindicalista’ irreal que  

Jango nunca pensou em instalar, o que unia as classes dominantes era a ameaça 

mais   concreta  que  pairava   sobre   seus   lucros   e   suas  propriedades,  menos   em  

função de medidas econômicas nacionalistas, mas principalmente pelas sucessivas  

greves e ampliação dos direitos dos trabalhadores rurais.” 170   

Golpe   engendrado,   Presidente   deposto,   o   Brasil   entrava,   assim,   na   fase   de 

construção de um Estado Autoritário conduzido por militares que, sustentando­se pela 

força   coercitiva,   propunha­se   a   defender   a   democracia   no   país   contra   comunismo. 

Sobre o conceito de autoritarismo, cabe esclarecer:

“Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que  

privilegiam a  autoridade  governamental   e  diminuem de   forma mais  ou  menos  

radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou  

de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas.  

Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidos  

à  expressão  mínima e as instituições destinadas à  representar a autoridade de  

baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas.”171 

170 BARROS, Edgard Luiz de. Op. Cit., p.65.

171  STOPPINO, Mario.  “Autoritarismo”,   in:  BOBBIO, Norberto at  alii.    Dicionário de Política.  São Paulo/Brasília: Imprensa Oficial/Editora UnB, 2000, vol.1, p.94.  

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Esta   conceituação   é   compatível   com   o   pensamento   militar,   resumido   por 

Gláucio Ary Dillon Soares:

“A mente  militar  é  mais   simples  do que as   teorias  explicativas  do  golpe.  Ela  

girava em torno de uma noção muito particular (da instituição militar) e exigente  

de ordem, de previsibilidade; ela rejeita e não  consegue conviver com o conflito  

social, desenvolveu­se num ambiente ferozmente anticomunista e é extremamente  

ciosa da autonomia da corporação  e  da hierarquia dentro dela.  A hierarquia,  

conceito   fundamental  nas   forças  armadas,  não  convive  bem com a   igualdade,  

conceito fundamental da democracia.”172  

No entanto, David Nasser manteve­se perfeitamente alinhado ao discurso dos 

presidentes militares, os quais:

“desde o primeiro (marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – 1964­67) até  

o último (general João Baptista de Oliveira Figueiredo – 1979­85) dos presidentes  

militares, nos discursos para o grande público, notadamente aqueles nos quais  

tomam posse formalmente no exercício das funções presidenciais, fazem questão  

de reafirmar suas ações e comportamentos em nome da defesa e da democracia no  

país.”173   

Desta   forma,   as   justificativas   adotadas   para   a   ação   golpista   tornaram­se   os 

princípios norteadores do Estado Autoritário implantado pelos militares com apoio de 

importantes setores da sociedade civil como a imprensa, a Igreja, e o empresariado. 

172  SOARES,   Gláucio   Ary   Dillon.   “O   Golpe   de   64”,   in:  21   Anos   de   Regime   Militar.   Balanços   e  perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 47.

173 AQUINO, Maria Aparecida de. “A Especificidade do regime militar brasileiro: abordagem teórica e exercício empírico”, in: ”, in: REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais,  história e política. Séculos  XIX e XX. Rio de Janeiro: 7letras, 1997. p. 272.Conf. FIORIN, José Luiz. O Regime de 1964. Discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988.   

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Desta   vez,   entretanto,   os   militares   abandonaram   o   caráter   tradicionalmente 

intervencionista  de  suas  ações  ao ocuparem o  Poder Executivo.  Optando assim por 

assumir o poder no país, a “contradição aparente” que, como já foi apontado, justificava 

a   intervenção militar   junto ao governo do Presidente  João Goulart,   como forma de 

garantir   os   “direitos   naturais   do   homem”,   transforma­se   numa   das   principais 

ambigüidades que caracterizaram o Estado Autoritário brasileiro entre 1974­1985 na 

medida   em   que,   apesar   de   mantido   o   discurso   liberal   pró­democracia,   a   já   frágil 

democracia   brasileira   foi   sendo   completamente  descaracterizada.  De   acordo   com o 

cientista político Décio Saes, 

“os ‘liberais’ pensam que a única democracia possível e desejável nas sociedades  

contemporâneas é o Estado democrático, tal qual ele existe nas formações sociais  

capitalistas.  Por   isso,   negam  toda   legitimidade  ao   trabalho  de   construção  do  

conceito de democracia proletária e o estabelecimento de uma distinção  teórica  

entre democracia proletária e democracia burguesa”174.

Ainda sobre a definição de democracia no pensamento liberal, afirma Saes:

“O  regime   político  democrático   lhes   parece   caracterizado   pelos   seguintes  

elementos:   a)   pluripartidarismo   ilimitado,   expresso   no   terreno   do   processo  

eleitoral (isto é, concorrência partidária sem limites no terreno eleitoral); b) plena  

vigência de liberdades políticas para todos, sem qualquer discriminação de classe  

ou ideológica; c) vigência efetiva da mais estrita legalidade e, portanto, de um  

sistema de garantias às liberdades individuais.(...)

Os   ‘liberais’   também   propõem   uma   caracterização   da   forma   de   Estado  

democrática. A seu ver, esta se caracteriza, basicamente, por: a) soberania do  

174 SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. Campinas: IFCH/Unicamp, 1998,p. 175. grifo original.

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Parlamento,   eleito   pelo   sufrágio   universal;   b)   separação,   independência   e  

equilíbrio dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).”175.

  

A instituição do novo governo militar sob um Estado Autoritário ao qual David 

Nasser se refere sempre como “Revolução” (assim: com “R” maiúsculo), se dá entre 

ambigüidades,   sendo   a   principal   delas   preservação   constante   do   discurso   pró­

democracia   mesmo   quando,   em   nome   da   segurança   nacional,   caracteriza­se   a 

perseguição aos “inimigos internos”, conceito criado dentro da “lógica” anticomunista 

que  designou,   num   primeiro   momento,   os   membros   do   governo   deposto   ou   a   ele 

ligados, e posteriormente, qualquer brasileiro que se opusesse ao novo regime. Assim, 

de acordo com Maria Aparecida de Aquino:

“A democracia é,  por sua origem, um regime que não  usa da violência, não  é  

imposto,   respeita   a   escolha   do   cidadão   e,   em   função   de   sua   liberdade   e  

integridade mental e física, é exercido. ‘Prender e arrebentar’176 não são atributos  

seus, e sim a garantia da manutenção de todos os direitos inalienáveis do cidadão,  

inclusive o de discordância pública com os governantes. Estes, na plena vigência  

do regime, devem demonstrar inequivocamente a capacidade de convivência com 

os   mais   variados   antagonismos   que   são   fruto   da   sociedade,   entendida   como  

conflituosa por natureza.”177    

O historiador Daniel Aarão Reis Filho entende que as contradições internas que 

caracterizaram   o   governo   militar,   tal   como   a   necessidade   de   se   fundamentar   num 

discurso democrático, embora em sua prática se mostrasse cada vez mais autoritário e 

175 Idem, p. 176. grifo original.

176  Referência a um pronunciamento do último presidente militar, João Batista Figueiredo, que chegou prometer defender a democracia, mesmo que para isso fosse preciso “prender e arrebentar”.  177 AQUINO, Maria Aparecida de. “A Especificidade do regime militar brasileiro: abordagem teórica e exercício empírico”, in: REIS FILHO, Daniel Aarão, Intelectuais,  história e política. RJ: 7letras, p. 273

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violento contra aqueles que considerasse seus “inimigos”, tem origem na multiplicidade 

de forças que apoiaram a deposição do presidente João Goulart. Diz o historiador, sobre 

o que chamou de “estranha fraqueza, a das ditaduras que não conseguem se assumir”: 

“As contradições da ditadura não residiam em nenhuma confusão mental, mas se  

radicavam nas realidades bem palpáveis do caráter heterogêneo da ampla frente  

de forças que derrubara o regime presidido por João Goulart.

Ali se reuniram a espada, a cruz, a propriedade e o dinheiro. E o medo,  

um medo muito grande, de que gentes indistintas pudessem cobrar forças e virar o  

país e a sociedade de ponta­cabeça. Se a hipótese tinha base na realidade ou não,  

é   uma   outra   questão.   O   fato   é   que   o   medo   a   tomava   como   provável,   como  

iminente. Era preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa, para colocar aquelas  

gentes nos lugares que eram os seus, dos quais nunca deveriam ter saído e para os  

quais haveriam de voltar.”178     

 Semanas após o golpe, Nasser, a despeito de aceitar como “salutares” a medidas 

de expurgo adotadas pelo novo governo, adverte para importância de manter tais ações 

em termos legais:

   

“longe de mim duvidar das santas intenções do Comando Supremo. Porém, zelo  

para que a Revolução  não  se desfaça em si mesma, tornando antecipadamente  

inócuas   as   suas   salutares   medidas   de   expurgo,   pela   arbitrariedade   com   que  

possam ter sido executadas, pela desvestimenta jurídica, pela orfandade legal que  

cercam a maioria de seus atos.(...)

  “E   a   Revolução   não   pode   perder   a   sua   grandeza,   a   sua   longitude,   a   sua  

legitimidade, a sua linha exata, com as punições apressadas, sem formação  de  

178  REIS FILHO, Daniel  Aarão. “1968,  o curto ano de  todos os desejos”.  Tempo Social;  Revista  de Sociologia USP, São Paulo, outubro de 1998, p.26. 

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culpa.   Sem   direito   de   defesa,   num   estímulo   a   denúncia   anônima,   à   delação  

encapuzada ao tribunal dos surdos­mudos, à vingança do ‘falta um’.”

“A injustiça é um boomerang que se volta contra quem o atira...”179     

Este artigo foi publicado após um mês em vigor do Ato Institucional no.1, de 9 

de abril de 1964, dois dias antes da posse do primeiro Presidente militar, o marechal 

Humberto de Alencar Castelo Branco. O AI­1 prometia manter a Constituição de 1946 e 

o Congresso Nacional, mas restringiu bastante os poderes do Legislativo e aumentou de 

forma   considerável   os   poderes   do   Executivo.   Foi   suspensa   temporariamente   a 

imunidade parlamentar, o que permitiu muitas cassações, também foi extinta por seis 

meses   a   vitaliciedade   e   a   estabilidade   dos   funcionários   públicos,   o   que   permitia 

demissões   e   afastamentos   de   pessoas   “indesejáveis”,   os   “inimigos   internos”.  Nesta 

época, eram perseguidos principalmente os participantes do governo deposto.

A suspensão dos direitos individuais foi outra medida de controle do Judiciário 

trazida   pelo   AI­1.   Por   meio   dos   IPM’s   (Inquérito   Policial   Militar)   criou­se  “um 

mecanismo legal para a busca sistemática de segurança absoluta e a eliminação  do  

‘inimigo interno’.”180 Criava­se uma nova situação jurídica no país que abria caminho 

para a “operação limpeza”. Martha Huggins, que estudou a presença da polícia norte­

americana na Brasil, afirma em seu trabalho que o governo do general Castelo Branco 

procurou o que ela chama de “reabilitação moral” utilizando a violência. Diz a autora: 

“Essa ‘reabilitação moral’ – intitulada ‘Operação Limpeza’ – visou, na verdade,  

retirar  dos   cargos   eletivos   e  do   serviço  público  os  partidários  de  Goulart,   o  

presidente deposto. O objetivo final da ‘limpeza’ era previsível desde o início. Em 

2 de abril de 1964, (...) três governadores estaduais favoráveis a Goulart foram  

179 NASSER, David. O Tribunal do silencio, RJ, O Cruzeiro, 9mai64, p.4.

180 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil: 1964­1984. Petrópolis, Vozes, 1984, p. 56.

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depostos e detidos (...), quase dez mil funcionários públicos foram demitidos de  

seus cargos, 122 oficiais das Forças Armadas foram obrigados a reformar­se, e  

378 líderes políticos e intelectuais foram despojados de seus direitos civis pela  

cassação, que os impedia de votar e serem votados durante dez anos.” 181

Apesar disso, David Nasser considera que o Ato Institucional no.1 foi generoso, 

mesmo revelando “preocupações quanto efeitos saudáveis desse remédio violento”:

“O Ato mantém generosamente, as instituições, atingindo­as de resvalo apenas.  

(...)   O   povo   tem   mandatários     no   exercício   da   função   legislativa,   embora   o  

Congresso   tenha   sido   castrado   preventivamente   para   não   ter   assomos   de  

virilidade (...). Toda Constituição tem o hímen complacente.(...) já  temos uma lei  

de   segurança   que   permite   sejam   processados   os   conspiradores   vermelhos.  

Modifiquemo­la para o futuro, mas não  destruamos a democracia em nome da  

democracia.”182

A   preocupação   com   a   legitimidade   do   Estado   Autoritário   a   ser   sustentada 

através de legislação a que se refere Nasser é uma das características do regime militar, 

que foi, segundo Maria Aparecida de Aquino:

“profícuo na produção de leis, mesmo que fosse para regulamentar o exercício da  

repressão à  oposição da sociedade. Foi o caso das chamadas Leis de Segurança  

Nacional (LSN), que previam condenações aos crimes considerados atentatórios à  

Segurança   Nacional   (na   ótica   do   regime   entendida   como   segurança   interna,  

voltada contra os ‘inimigos’ alojados no próprio país); bem como legislações mais  

181 HUGGINS, Martha, Polícia e Política. Relações Estados Unidos/ América Latina. São Paulo, Cortez, 1998. p. 141.         182 NASSER, David. “O idos de março”, in: O Cruzeiro, 16/4/64, p. 4.

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especificas como a que procurou regulamentar a censura prévia aos órgãos  de  

comunicação (Lei número 1077 de 26/01/1970)”183       

Assim, durante  todo o período em que os militares estiveram no poder,  mas 

sobretudo nos governos dos marechais Castelo Branco e Costa e Silva, foram marcados 

pela busca de legalidade. A estruturação do Estado de Segurança Nacional, nos termos 

empregados   por   Maria   Helena   Moreira   Alves,   foi   fundamentada   em   três   fatores 

principais: a criação do SNI, Serviço Nacional de Informações, a implementação do 

PAEG, Programa de Ação Econômica do Governo, e o controle salarial. Procurava­se 

assim garantir a segurança interna e criar as bases para o processo de desenvolvimento 

cujos   “principais   objetivos   eram,   com   toda   evidência,   a   atração   de   capitais  

multinacionais   e   o   estabelecimento   de   uma   política   de   controle   salarial   que  

maximizasse a exploração e com isso aumentasse os lucros”184.    

A partir do AI­1, todos os setores da sociedade que apoiaram o golpe, certos de 

que a intervenção dos militares seria passageira, começaram a desconfiar dos rumos da 

revolução: 

“como a doutrina não  era amplamente conhecida do público na época,  o Ato  

Institucional surpreendeu os que haviam apoiado a intervenção  dos militares na  

crença de que sua intenção era restaurar a democracia. A reação da imprensa foi  

quase unanimemente negativa. E, com efeito, o Ato Institucional No  1 rompeu o  

apoio   tácito   à   coalizão   civil­militar,   dando   origem   à   dialética  

Estado/oposição”.185  

183 AQUNO, Maria Aparecida de. “A Especificidade do regime militar brasileiro: abordagem teórica e exercício empírico”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais,  história e política. Séculos XIX  e XX. Rio de Janeiro: 7letras, 1997, p.273.

184ALVES, Maria Helena Moreira. Op. Cit., p. 78.

185 Idem,  p. 54.

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Ainda em abril de 1964, alguns setores que participaram ativamente do golpe, 

sobretudo   os   veículos   de   imprensa,   já   se   opunham   ao   novo   regime.   Um   exemplo 

emblemático da força investida pelo governo militar contra aqueles se opusessem às 

suas decisões, é o do jornal carioca  Correio da Manhã, que foi obrigado a fechar as 

portas   em   7   de   junho   de   1974,   após   anos   de   crise   administrativa   provocadas   por 

perseguições políticas186. Um dos primeiros jornais entre os que apoiaram o golpe a se 

voltar   contra   ele   denunciando   e   condenando   o   recurso   à   violência   e   à   tortura   já 

registradas  desde  os   primeiros   dias   de  governo  militar,   a   oposição  do  Correio  da  

Manhã  teve a mesma força de sua campanha pela deposição do presidente Goulart. 

Sobre o este jornal, afirma Maria Aparecida de Aquino: 

“Este  periódico,   fundado em 1901,  por  Edmundo Bittencourt,  em 1964 um  

poderoso órgão de divulgação, vem fazer coro à  imagem construída de um golpe  

que estaria sendo arquitetado por João Goulart para assegurar a realização das  

reformas pretendidas  por seu governo.  No mês de março,  produz manchetes e  

editoriais com chamadas à  manutenção da disciplina e da legalidade. E, em 31 de  

março e 1º de abril, seus dois famosos editoriais “Basta!” e “Fora!” apontavam 

para o fato de que a ‘população’  teria perdido a paciência com os desmandos  

governamentais e conclamavam para a saída de João Goulart da Presidência.

O mesmo jornal, porém, apenas dois dias mais tarde, em 3 de abril de  

1964, publicava outro editorial – reproduzido, na íntegra, no jornal Última Hora 

do Rio de Janeiro (UH/RJ) – com o título de impacto “Terrorismo, não!” em que  

se voltava contra as violências cometidas pela polícia da Guanabara e acusava  

claramente o governador Carlos Lacerda.”187   

186 Conf. ANDRADE, Jeferson. Um jornal assassinado. A última batalha do Correio da Manhã . Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. 187 AQUINO, Maria Aparecida de. Caminhos Cruzados, imprensa e Estado Autoritário no Brasil (1964­80). São Paulo, 1994. Tese (Doutorado em História Social)  ­  Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, p. 04.

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Este não foi o caso de David Nasser em  O Cruzeiro. As cassações, prisões e 

práticas de tortura levadas a efeito pelo novo governo logo em seus primeiros dias eram 

ameaças   também   aos  que   ainda   acreditavam  que   a   intervenção  dos  militares   seria 

pontual e o governo, devolvido em breve aos civis. Embora a Constituição de 1946, 

preservada em parte pelo AI­1, ainda previsse a realização de eleições no ano seguinte, 

já   era   evidente   endurecimento   do   regime,   bem   como   a   intenção   dos   militares   em 

permanecer  no poder.  Assim,  em junho de 1964,  era criado o Serviço Nacional  de 

Informações:

 

“Após tomarem o poder em 1964, os militares se preocuparam de imediato com a  

criação de um órgão de informações moderno e eficiente. (...) a precariedade das  

informações   é   apontada   como   um   dos   pontos   cruciais   que   facilitaram   o  

crescimento  e  a  vitória  da  conspiração  contra  João  Goulart.  A   lição   foi  bem  

aprendida,   pois   ainda   em   junho   de   1964   foi   criado   o   Serviço   Nacional   de  

Informações (SNI),  com o objetivo de assessorar o presidente da República na  

orientação e coordenação das atividades de informação. Arquitetado por Golbery  

do Couto e Silva, o SNI cresceu e espalhou seus tentáculos sobre toda a sociedade  

e sobre os aparelhos do Estado. (...) Tendo como cliente principal o presidente da  

República, o SNI expandiu suas atividades, ultrapassando os limites da área de  

informações  e  de  operações.  Tornou­se   também um gerenciador  de  atividades  

políticas   e   empresariais.   O   gigantismo   e   a   ação   diversificada,   e   até   mesmo  

descontrolada,  desse  órgão   levou  sem mentor,  Golberi,  a  declarar,  anos  mais  

tarde, que havia criado ‘um monstro’.”188

188 D’ARAÚJO, Maria Celina et alii (orgs.).  Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 14. Conf. FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001.

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David Nasser declarou seu apoio à criação do Serviço Nacional de Informações, 

apenas  advertiu   seu   chefe,  Golbery,     a   evitar   excessos,   a   fim  de  não  prejudicar   a 

“dignidade do governo”:

“Sou um impenitente admirador do Golbery, embora não o conheça além de sua  

envoltura plástica. Todos no Exército, onde serviu atestam sua probidade. É um  

homem pobre,  mora   em Jacarepaguá,   não   sonhava  com a  perda  de   sua   vida  

mansa e interior. Deve estar ansioso para que esta Revolução  se torne adulta,  

tome juízo e se emancipe, para ele voltar às suas galinhas e ais seus livros. Mas, o  

general Golbery lê Nietzche, e quando um general lê Nietzche, em vez de ler os  

cem dias napoleônicos, é motivo de preocupação. 

Baseado nas excelentes relações que temos desde a época em que conspirávamos  

juntos (sem que víssemos tantos robustos e intransigentes revolucionários de hoje)  

atrevo­me a dar alguns conselhos ao chefe do Serviço Nacional de Informações.  

Ninguém duvida da necessidade de um serviço de inteligência de um governo que  

enfrenta um teste de popularidade tão  difícil. Mas é preciso, general, conter os  

meninos dentro das fraldas, senão  eles molham tudo. Os meninos e as meninas.  

(...)  Trata­se  de  um  serviço  bem montado,  bem bolado,   (...).  Certos  excessos,  

poderiam, entretanto, ferir a dignidade de um governo.”189

Toda a tensão deste momento decisivo da política nacional, é perceptível através 

dos textos de David Nasser, embora, como sempre, em meio a ela, circule de acordo 

com seus  próprios   interesses.  Desta  postura   resultam  inúmeras  contradições,   idas   e 

vindas,   em suas  opiniões  políticas.  Em maio  de  1964,  por   exemplo,   adverte  o   ex­

presidente Juscelino Kubitschek, candidato à sucessão presidencial em 1965, a não fazer 

oposição ao poder vigente,  prometendo anular cassações. Merece destaque o caráter 

mandatário de seu discurso:

189 NASSER, David. O volátil Golbery. RJ, O Cruzeiro, 9jan1965. p.4.

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“sem  Juscelino   não   existirá   Lacerda   na   próxima   eleição.   Nem  Lacerda,   nem  

Magalhães Pinto, nem Adhemar, nem eleições. (...) Entrar numa ditadura é  tão  

fácil   como   entrar   num   presídio.   Sair   é   difícil.   Ninguém   desconhece   o  

fortalecimento   da   economia   num   regime   de   ferro.   (...)   Esse   mesmo   regime  

vigoroso, entretanto, enfraquece a democracia e pode transformar­se num hábito  

deprimente.   (...)  É   falsa a afirmativa de que ele  já  prometeu,  com seu sorriso  

trêfego, dançando uma valsa, que eleito anistiará  os presos e tornará  sem efeito a  

cassação  dos mandatos. Ninguém vai permitir que essas desgraça aconteça ao  

Brasil   e   que   esta  Revolução   seja  uma   revolução  de  masturbadores.   Juscelino  

precisa, antes de tudo, comprometer­se publicamente a não tentar eleição através  

da derrota dos ideais revolucionários. (...) Juscelino precisa se convencer não  é  

Gigi de Mangueira. Ou é do morro ou é da planície.”190       

Todavia, em novembro de 1964, apóia uma emenda constitucional proposta pelo 

deputado Nelson Carneiro que garante o direito de defesa aos acusados pelo governo, 

argumentando: 

“A Revolução  é  um estado de espírito.  A  justiça é  uma consciência. Todas as  

decisões nascidas no ciclo revolucionário são passíveis de reexame, assim que um  

general   deixa  de   fazer  pipi   na  História.(...)   nada  mais   justo,   portanto,   que  o  

Congresso aprove a emenda constitucional daquele parlamentar, assegurando a  

todos os alcançados pelo Ato Institucional o direito de pretender provar perante o  

Supremo Tribunal Federal  a inconsistência das acusações contra eles levantada.  

É que a punição em tais casos vai além dos por ela fulminados. Atinge a família,  

os amigos, a própria sociedade.(...) Ou então caminharemos a passos largos para  

a Ditadura, para o Estado Militar. Não há  indicio mais veemente dessa tísica do  

civismo, dessa agonia democrática, que a falência do judiciário – ou antes – da  

190 NASSER, David. Gigi de Mangueira, RJ, O Cruzeiro, 23mai64, p.6. 

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ausência de fé na Justiça.  (...) o que não contaria (o passado o indica, o presente  

o aconselha) com a presença do Marechal Castello Branco. Um comandante da  

FEB não pode ser um traidor da Revolução.”191

Quando o Juscelino Kubitschek, na condição de potencial candidato às eleições 

(ainda previstas) de 1965 é cassado pelo Presidente Castelo Branco, em junho de 1964, 

David Nasser declara: “Não sei porque, mas não dá vontade de rir:”

“A arte política, entretanto, é diferente da arte militar. Exige uma dose de malícia  

e  de   tolerância   que  a   rigidez   dos   estrategos   não   admite.   O   tempo   dirá   se   o  

afastamento de Juscelino não  implica na fabricação  de um pretexto da contra­

revolução.   (...)   Acredito,   mesmo,   que   o   afastamento   de   Juscelino   importe  

colateralmente no afastamento de todas as outras candidaturas. Não haverá,  com  

quase certeza, eleição presidencial em 1965. (...) Sim, impedir que Juscelino fosse  

a ponte por onde voltariam os espúrios foi um ato de legítima defesa, mas, talvez,  

o ato cirúrgico não fosse o mais indicado e sim um tratamento clínico através da  

lei eleitoral. A bravura ou a inconsciência fez com que o Conselho Nacional de  

Segurança assumisse a responsabilidade de lancetar um tumor ou de fabricar um  

mártir.”192    

Sobre outro presidenciável,  Adhemar de Barros,  o   tom do discurso era bem 

outro: 

“O   Senhor   Adhemar   de   Barros   pode   ser   encarado   como   o   maior   político  

brasileiro  ou   como  o   de  maior   estrela.   (...)   Sempre  a   mesma   base,   um,   dois  

milhões de votos, para prefeito, para governador, para presidente. Que vê nesse  

191 NASSER, David. O Estado Militar, RJ, O Cruzeiro, 7nov64. p.6.

192 NASSER, David. Delendus Juscelino, RJ, O Cruzeiro, 27jun1964, p. 4. 

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homem essa multidão de votos? Jamais alguém foi tão  caluniado, tão  detratado,  

tão destratado, tão triturado. (...) Sobre as acusações de roubo: Nem ele mesmo se  

defende das acusações que se lhe fazem. Tem couro duro, o Velho Diabo. (...) Mas,  

se teimam, explica a sua fortuna. Teve até fabricas de chocolate, fazendas, olarias,  

industria  de  tecido,  estações de radio,   jornais.  O inicio de  tudo isto? Para se  

andar uma milha, basta dar o primeiro passo, para se ter um bilhão, basta ter um 

tostão. (...) Existem aqueles que, sendo ricos, não se envergonham de sua riqueza  

bem   ganha.   Outros   que   são   ricos   e   vivem   como   pobres,   Jânio   quadros,   por  

exemplo.” 193

  Conclui, considerando a possibilidade de retorno de civis à presidência através 

de eleições, serem adiadas para 1966:

 “Adhemar de Barros não será candidato à sucessão em 1965, porque não haverá,  

provavelmente, em 1965, eleição direta. Em 1966, se estiver com saúde, teremos o  

velho com todos os seus imensos defeitos, as suas imensas qualidades e a sua sorte  

(...). Um homem que nasceu como ele, virado para a lua, tem o direito de aspirar a  

todos os títulos – o de honesto  ou o de Presidente.”194           

No ano seguinte, quando já  estava definido o nome do general Costa e Silva 

como sucessor de Castelo Branco, sua opinião era outra:

 

“A Corte  de  Seu  Artur  está   em efervescência.  Todos   sabem que  o  Presidente  

Castello Branco tem horror ao continuísmo, mas nenhum militar desconhece que a  

revolução necessita de continuidade. Costa e Silva não é o único. A mim tanto faz  

ele  como Bizarria  Mamede,   Justino  Alves  Bastos,  Amaury  Kruel,  Cordeiro  de  

193 NASSER, David. O Diabo velho, RJ, O Cruzeiro, 11jul1964, p.5. 

194 NASSER, David. O Diabo velho, RJ, O Cruzeiro, 11jul1964, p.5. 

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Farias, Juracy Magalhães, Décio Escobar, contanto que vista farda   ou a tenha  

vestido. Por mais estranho que pareça, o Brasil para ter um governo bem civil,  

precisa de um bom militar. Alguns já  nascem com a natureza paisana do nosso  

Castello,   a   quem   as   gerações   vindouras   hão   de   fazer   justiça.   Outros   vão   se  

civilizando como o Seu Artur. O grande erro de Carlos Lacerda foi escolher a  

Faculdade de Direito, em vez de escolher a Escola Militar.”195

Sobre   os   rumos   do   governo   pós­golpe,   dirigindo­se   aos   leitores:  “dignas  

senhoras, respeitáveis cavalheiros, jovens assustados”, esclarece o “objetivo tríplice” 

da “Revolução”:   “Varrer o comunismo da superfície e do subsolo político e social do  

Brasil. Moralizar a administração pública. E restaurar as finanças.” No mesmo artigo, 

contudo,   alegando   que   “vale   tudo   para   salvar   o   objetivo   da   revolução”,   trata   a 

corrupção   como   prática   institucionalizada   e,   referindo­se   à   Juscelino   Kubitschek, 

questiona:

 

  “quantos   políticos   brasileiros,   que   agora   o   condenam,   elegeram­se   sem   os  

recursos de uma caixinha? (...) Mas, ao menos, tenhamos a coragem de dizer a  

verdade.   Tenhamos   a   coragem   revolucionária   de   dizer   que   a   derrubada   de  

Juscelino é um ato político necessário.

  As   medidas   revolucionárias,   sob   a   vigilância   da   História,   precisam   ter   a  

motivação  do interesse  público,  da conveniência nacional  ou do resguardo da  

democracia. Não podem servir a interesses pessoais de sobas instalados no poder.  

(...) se esta revolução, que é órfã, (...), tiver a marca de uma conveniência pessoal,  

de  uma  ambição  mesquinha,   não   terá   sido  uma   revolução,  mas  um golpe  de  

mão.”196     

195 NASSER, David. Na corte de seu Artur. RJ, O Cruzeiro, 11ez1965. p.4.

196 NASSER, David. Vale tudo, RJ, O Cruzeiro, 20jun1964, p. 6.

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A   delicada   questão   da   tortura   aplicada   a   presos   políticos   durante   o   regime 

militar, desde os seus primeiros dias, foi tratado por David Nasser, de diferentes formas. 

Ora ele tenta nega­la, ora ele próprio a denuncia. Em julho de 1964 escrevia sobre a 

“necessidade desta revolução ser explicada a outros povos”, incumbência atribuída ao 

ex­governador da Guanabara, Carlos Lacerda – o “Corvo genial” – que, em Paris: 

 “negava a caça às bruxas em que teria se transformado a revolução brasileira. E  

quando se  lhe perguntou sobre a depuração,  o corvo genial  pediu que não  se  

confundisse o sentido da palavra: com efeito, depuração  quer dizer: lavagem de  

cérebro, torturas,  fuzilamentos sumários, como se faz na China, na Rússia, em  

Cuba. Nada disso acontece no Brasil.”197

 

Porém, “repor as coisas em seu lugar não  era tarefa mesmo para um senhor  

Carlos Lacerda”, o que foi feito em oito dias por seu amigo, o fotógrafo francês, Jean 

Manzon, “que há treze anos procura ‘vender’ o Brasil aos estrangeiros”: 

“Durante muito tempo(...) os jornalistas estrangeiros venderam aos seus leitores a  

idéia de um Presidente reformista, preocupado com a parte social do problemas,  

um   líder   apoiado   pela   grande   maioria   do   seu   povo,   dos   militares,   dos  

trabalhadores.   (...)  De repente,  um golpe,  em 48 horas,  sem derramamento de  

sangue, apeia do Poder o presidente bonzinho. E seu povo não  esboça um gesto  

para ajuda­lo (...) como explicar aos leitores o erro dos correspondentes? Teria  

sido necessário um pouco de humildade, mas vós sabeis, em nossa profissão  de  

jornalista a humildade não  é muito comum. O jeito é apresentar os democratas  

brasileiros como homens de palha de Washington.  Ora, não  somos homens de  

palha de ninguém. E foi aí que Dom Carlos enfureceu.”198        

197 NASSER, David. O Cambronne brasileiro. RJ, O Cruzeiro, 4jul1964, p. 4.

198 Idem, ibidem. 

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A questão aqui é a preocupação constante de David Nasser em distinguir o que é 

do   que   parece   ser,   ou   seja,   a   preocupação   em   manter   uma   imagem   idônea   e 

“democrática” do país escondendo o que ocorre nos porões brasileiros, sobretudo da 

imprensa   estrangeira.   O   próprio   Nasser,   contudo,     já   havia   mencionado   o   uso   da 

violência como medida punitiva: 

“Toda revolução, fatalmente traz a cara do seu chefe. Esta revolução começou, na  

rapidez das medidas punitivas, com a cara de Costa e Silva e se abrandou na  

fisionomia   de   Castello   Branco.   Hoje   talvez   seja   uma   revolução   híbrida.   O  

Ministro  usa  um cassetete.  O Presidente  usa  uma pluma.  Mas é  a  pluma que  

legaliza o cassetete.”199

O fato é que a tortura contra presos políticos foi amplamente empregada durante 

o regime militar, não apenas como meio para obtenção de informações, mas também 

como método de controle da sociedade em geral:

“O uso  generalizado   e   institucionalizado   da   tortura  numa  sociedade   cria   um 

‘efeito   demonstrativo’   capaz   de   intimidar   o   que   têm   conhecimento   de   sua  

existência e  inibir a  participação  política.   (...)  Durante o  período referido era  

difícil encontrar um brasileiro que não tivesse entrado em contato pessoal direto  

ou indireto com uma vítima da tortura, ou que não  se tivesse envolvido em uma 

operação   militar   de   busca   e   detenção.   Histórias   de   violência   institucional  

tornaram­se parte da cultura política quotidiana.”200   

199 NASSER, David. Vale tudo, RJ, O Cruzeiro, 20jun1964, p. 6.

200  ALVES, Maria Helena Moreira.  Estado e Oposição  no Brasil (1964­1984).  Bauru: EDUSC, 2005. p.204.

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Em dezembro de 1964, David Nasser divulgou, com grande sensacionalismo, o 

caso do “IPM de Goiás”. Ao mesmo tempo em que se apresenta como um indignado 

denunciador, contribui para disseminar o terror pela sociedade. Com grande destaque, o 

jornalista publicou, na íntegra, documentos com denúncias de torturas em Goiás, cujo 

governador, Mauro Borges, segundo Jacob Gorender:

“incomodava o general Castello Branco, novo ocupante do Palácio do Planalto.  

O general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, não podia esquecer a oposição  

eficiente do Governador goiano em agosto  de 1961, quando ele, Geisel, chefiava  

o Escalão Avançado de Brasília. Aliados à facção latifundiária da família Caiado,  

oficiais do   Exército montaram a farsa a respeito de uma rede de espionagem 

orientada  financiada pela Embaixada da Polônia, em conluio com o Palácio das  

Esmeraldas.  A   tortura   extorquiu   confissões   falsas  de   funcionários  do  governo  

goiano, militantes do PCB e da POLOP201 ou sem filiação de esquerda. Somente  

por ser paranaense de origem polonesa é que se ajustava à  trama forjada. Foi  

preso e seviciado num quartel do Exército o professor da Faculdade de Medicina  

Simão Kossobudski. O cerco se apertou, tropas federais comandadas pelo general  

Meira Mattos ocuparam Goiás e, a 26 de novembro de 1964, um ato ditatorial do  

general­presidente declarou Mauro Borges deposto.”202       

David Nasser publica, em dez páginas o IPM de Goiás, em que é  montada a 

farsa contra o governador Mauro Borges, que ele atribui a uma indefinida ‘linha dura’, 

isentando  o  Presidente  Castelo  Branco  de  qualquer   responsabilidade  no  caso.  Suas 

201  PCB:   Partido   Comunista   Brasileiro;   POLOP:   Organização   Revolucionária   Marxista   –   Política Operária. “Esta nasceu em 1961, agrupando elementos de várias pequenas tendências alternativas   ao  PCB, com  influência  sobretudo  nos meios  universitários.  A  POLOP contestava  idéias   reformistas  e  pacifistas do PCB propondo a luta armada revolucionária pelo socialismo.”  In: RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 1993. p.26.Conf. REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1990.

202 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 2003. p.16. 

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denúncias   de   prática   de     tortura   sob   o   regime   militar   não   significavam,   contudo, 

oposição ao regime.  Neste  momento,  Nasser  é  defensor de Castelo Branco,  e   julga 

importante   mantê­lo   na   presidência,   como   meio   de   preservação   dos   “princípios 

revolucionários”:

“em nome de  uma revolução  democrática usa­se  de métodos  idênticos  aos  de  

regimes discricionários, impostos por uma abstrata Linha Dura. (...) Por estranha  

e  feliz  coincidência,  assim, no Brasil,  o ambiente para outra cruzada civilista.  

Arma­se uma resistência interior contra as Forças Armadas brasileiras que eram  

consideradas as mais democráticas do Mundo (...) a utilização da Justiça Militar  

nesse episódio não  é mais do que o recurso a um foro especial e inadequado –  

onde o réu não é o sr. Mauro Borges, mas a caquética e agonizante democracia  

brasileira. (...) não foi para implantar  uma ditadura fascista no Brasil – depois da  

agonia   do   fascismo   em   todo   o  Mundo   –  que   se   fez   uma   revolução.   (...)   e   o  

Presidente Castello Branco não  pode, por sua vez, fazer o papel de boneco na  

Presidência, sob pena de todos nós, democratas incuráveis, termos de retificar o  

conceito que formamos de sua inteligência, de seu patriotismo, de sua coragem, e  

de sua democracia.(...) não  haverá  Medusa mais feia que a cabeça de Castello  

Branco exibida por um ambicioso general da Linha Dura.”203

Afirma levar ao conhecimento da nação e do presidente Castelo Branco, que 

considera   “homem   decente”   e   pede   ao   Presidente   que   solicite   à   “Cruz   Vermelha  

Internacional que lhe desfaça a dúvida que porventura exista em seu honesto, honrado  

e ingênuo coração.”204     Considerando­o, portanto, alheio ao que acontecia nos porões 

das delegacias,  alega que o Presidente: 

203 NASSER, David. A Cabeça de Mauro, RJ, O Cruzeiro, 5dez64, p. 4.

204 NASSER, David. David Nasser denuncia terror e miséria da linha dura.  RJ, O Cruzeiro, 5dez1964, p. 14. 

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“precisa saber que alguns de seus mais próximos colaboradores lhe estão faltando  

com a verdade,  ao negar as torturas, sevícias, os  irreparáveis danos morais e  

físicos contra criatura humana, ocorridos, lamentavelmente, embora alguns não a  

tivessem feito. (...)  defendo a pureza do mandato de Castello Branco, denunciando  

o   barbarismo   que   uma   quadrilha   de   radicais   leva   a   alguns   interrogatórios.  

Simples jornalista de província guindado a um cenário nacional bem maior que  

sua importância, se a liberdade fosse suprimida e um homem fosse aviltado nos  

seus direitos naturais, eu não saberia trabalhar, viver ou silenciar.” 205

Havia, de fato, duas principais tendências no interior do regime militar:  uma 

representada   pelos   oficiais   ligados   ao   grupo   da   “Sorbonne”,   que   desejava   uma 

intervenção rápida encerrando­se com a devolução dos poderes aos civis, agrupada em 

torno do presidente Castelo Branco, e outra representada pelos oficiais mais radicais, 

agrupada   em  torno  do   ministro   da  Guerra   Costa   e  Silva,   a   chamada   “linha­dura”. 

Pesquisadores do CPDOC afirmam que: 

“Houve ‘duros’ e ‘moderados’ , duas tendências expressivas dentro dos quartéis,  

mas é demasiado simplista a tese de que pura e simplesmente eles se revezaram no  

poder. Os dois grupos estiveram juntos no governo Castelo Branco – não esquecer  

que o ministro da guerra era o próprio Costa e Silva  ­, mas com predominância  

dos moderados. Os termos se inverteram com Costa e Silva, com a ascensão dos  

duros. Manter a coesão dos militares obrigou a composições constantes”206.

A respeito dos “duros” e “moderados”, escreveu Nasser:

205 Idem, ibidem.

206 D’ARAÚJO, Maria Celina et alii (org.). Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão . Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 20.

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“Apenas a democracia de um troupier não  é a democracia de um – digamos –  

sourbonnier. É a diferença que existe entre a garagem do Flamengo e o Quartier  

Latin. Este vê a democracia, sente­a quase como um credo. Aquela, usa­a como  

um sistema. O credo é inalterável, porque é dogmático. O sistema é fluído, porque  

sua eficiência depende da maleabilidade. O que diferencia, a meu ver, os homens  

que detém o Governo e o Poder – o Marechal Castello Branco e o General Costa e  

Silva  –   é   a   diferença   que   sempre   existiu   em   suas   carreiras  militares.  Um,  o  

soldado   intelectual,   o   estrategista   de   Estado­Maior.   Outro,   o   soldado   à   la  

Bernadotte, o marechal­de­campo, o cumpridor de ordens até absurdas. O fio que  

os prende é o da lealdade.”207   

Na   mesma   ocasião   em   que   David   Nasser     “denunciava”   o   IPM   de   Goiás 

também publicava o livro “A revolução que se perdeu a si mesma”. Em nota sobre o 

lançamento do livro, uma coletânea de artigos assinados pelo jornalista entre 1962 e 

1964,  O Cruzeiro, afirma:

“David Nasser, que se confessa no fim de sua carreira de jornalista militante e no  

inicio de sua carreira de escritor profissional, está  lançando o seu 12º livro (...).  

Sente­se o soldado raso (para Chateaubriand, um dos generais civis  foi David  

Nasser)   inteiramente   deslocado   dentro   de   um   movimento   que   falhou   em   sua  

missão redentora”208. 

 O próprio Nasser, na   mesma nota, escrevera sobre o “movimento de Março­

Abril”:  “quem sabe,   revendo as  páginas  que  um modesto  historiador do  cotidiano  

escreveu sobre sua Pátria, os homens que a dirigem reflitam sobre os descaminhos  

207 NASSER, David. Na corte de seu Artur. RJ, O Cruzeiro, 11dez1965. p.4.

208 O Cruzeiro, 5dez1964, p.112.

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fascistas para onde a estão  criminosamente levando”209. Até  então o autor isentara o 

presidente   Castelo   Branco   das   prisões   e     torturas,   David   Nasser   afirmando,   por 

exemplo, que este só poderia governar quando fosse revogado o Ato Institucional n° 1: 

“até o momento em que os relógios marquem o fim de um Ato fisiológico, nascido  

talvez da necessidade da urgência ou do desespero, mas nem por isso perfilhado  

pela democracia, o Presidente é  um prisioneiro. (...) Até agora o Presidente da  

República   era  o  Ato   Institucional   (...)   liberta­se  o  Marechal  Castello  Branco.  

Toma posse. (...) É a esse verdadeiro revolucionário que me dirijo, para exigir que  

reponha a Revolução em seu verdadeiro lugar. (...) Ninguém pede clemência aos  

culpados. O que pedimos é clemência para uma Revolução,  no instante em que,  

libertada do ódio, comparece ante o tribunal da História.” 210 

A partir  do   lançamento  do   livro  “A  revolução  que   se  perdeu  a   si  mesma”, 

argumentando que “a discórdia entre os revolucionários” estava sendo fomentada pelos 

“os  que  desejam para  o  Brasil  a   integração  definitiva  na  área   soviética”  obtendo 

“êxitos espetaculares nesse cruzeiro de intrigas”, David Nasser afirma lutar pela “volta  

do diálogo e pela unificação do catecismo”, ou ainda, por uma nova composição entre 

duros e moderados:

“No instante psicológico em que  lancei o protesto de um livro contra a perda  

consciente   da   Revolução,   tinha   para   mim   que   seria   possível   fazer   algo   para  

ressuscitá­la. Bastaria não caminharmos para o erro de todas as revoluções que  

se voltam através das punições, mais para o passado do que para o futuro. Os  

primeiros excessos foram contínuos. Os brasileiros voltaram a se reconhecer na  

pátria comum.(...) Desejava, entretanto, salientar a minha convicção  pessoal de  

209 idem, ibidem.

210 NASSER, David. Carta a um verdadeiro revolucionário, RJ, O Cruzeiro, 31out64, p. 4.  

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que existe um ponto insanável, uma discordância a não  ser de métodos para se  

atingir o mesmo fim – que é  a impossibilidade da volta ao estado anterior e a  

libertação definitiva do Brasil de um sistema de vida contrario à  vontade de seu  

povo. No dia em que Governo e dissidentes compreenderem a necessidade de um 

casamento revolucionário com comunhão de bens – a Revolução estará salva”211.

 

Assim, a despeito das denúncias sobre os “descaminhos fascistas” pelos quais a 

“Revolução” estaria sendo conduzida, e que poderiam fazer pensar que David Nasser, 

como os diários Correio da Manhã e O Estado de S. Paulo, iniciava uma oposição ao 

regime militar, o jornalista, na verdade, ingressava  na campanha pelo nome de Costa e 

Silva, então Ministro da Guerra, como sucessor de Castelo Branco, ou seja, defendia o 

endurecimento do regime:

“Uma   revolução   não   pode   viver   sempre   a   40   graus.   Esfria,   sente   baixar   a  

temperatura, normaliza­se. Se traz um conteúdo, institucionaliza­se. Se não  tem  

mensagem, esvazia­se. O que diferencia uma revolução de um golpe de estado – e  

sua capacidade de modificar o próprio erro que a criou. Pergunto a mim mesmo 

se o General Costa e Silva é um revolucionário ou um golpista, e chego, à honesta  

conclusão   de   que   é   um   revolucionário.   Pensasse   simplesmente   em   golpe,  

ambicionasse apenas o poder – e por duas vezes talvez o tivesse em suas mãos. O  

poder de um déspota. (...) Sim,  por duas vezes, o pânico levou em uma bandeja a  

ditadura – e por duas vezes  ele  a  recusou.  Na sua aparência de camponês,  o  

Ministro da Guerra é homem da maior sagacidade do que imaginar se possa – e  

raciocina de maneira perfeita. (...) Seu Artur sabe que o ditador é um homem só.  

Cercado de áulicos, rodeado de bajuladores, o tirano, ou o ditador (a diferença é  

pequena), luta minuto a minuto para preservar o poder. Não confia em ninguém.  

Nunca  tem certeza  de  que  lado vem a  traição.(...)  Seu Artur,  por  mais  que o  

211 NASSER, David. A revolução de cada um. RJ, O Cruzeiro, 1jan1966. p.4.

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duvidem,   tem   vocação  democrática.   Vem  isto  do  Exército,   a  que   serve  desde  

menino.”212      

A   respeito   das   eleições   de   outubro   de   1965,   para   governos   de   estado   e 

prefeituras,   realizadas  ainda  de   forma direta,  David  Nasser  escreveu o  artigo  “Que 

eleições são essas?” no qual afirma que “nunca houve um pleito mais contra­indicado,  

mais errado e mais inoportuno”. Continua:

“Só posso interpretá­lo como excesso de zelo, de um democrata até a planta dos  

pés,   como   é   o   Presidente.   (...)   Não   há   nada,   nunca   existiu   nada   mais  

antidemocrático que o Ato Institucional, fruto da imaginação brasileira. E o nosso  

marechal   jamais  hesitou  em usá­lo,  porque   sendo,  o  Ato  antidemocrático,  era  

naquela eventualidade, uma arma em defesa da Democracia.”213

Dizendo­se defensor das eleições democráticas, aponta para a  intervenção do 

governo no resultado das eleições, segundo o jornalista, necessária à continuidade da 

“Revolução”:

“Pelo amor de Deus, compreendam­me, não  que eu seja contra as eleições, que  

são a maneira única de o povo manifestar o seu ponto de vista. Não vejo, porém,  

como juntar na mesma urna coisas que se repelem.

As eleições para terem sentido democrático (...) exigem condições de vitória para  

todos os concorrentes. A Revolução, contudo, e acertadamente, não pode admitir a  

vitória   da   anti­revolução.   (...)   Nenhuma   revolução   pode   submeter­se   a   uma  

eleição  que tenha a possibilidade teórica de negá­la ou destruí­la. (...)Das duas  

uma: ou a Revolução  faz eleições que não  admitam certo resultado – e,  seria,  

212 NASSER, David. Na corte de seu Artur. RJ, O Cruzeiro, 11dez1965. p.4.

213 NASSER, David. Que eleições são estas? RJ, O Cruzeiro, 16out1965. p.4.

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ínsito uma eleição pantomima ­, ou a Revolução admite o resultado que a negue,  

logo não seria revolução”214.

Conclui o artigo referindo­se ao presidente Castelo Branco e ao povo:

“Quem  teve   coragem,  no  outono  de   sua   carreira,   de  avançar  pelo  atalho  da  

ilegalidade para salvar a Democracia, não pode voltar no meio do caminho. (...) o  

mal está  feito. Resta ao povo, sismógrafo ultra­sensível da democracia, salvar a  

Revolução.”215            

Até  o   final  do governo de  Castelo Branco,  em 15 de  março de 1967,  ainda 

seriam promulgados o  Ato   Institucional  no  2 e  uma nova Constituição.  O AI­2,  de 

outubro de 1965, tinha como principais resoluções a instituição de eleições indiretas 

para  todos os cargos eletivos e a supressão dos partidos políticos com a criação do 

bipartidarismo: a ARENA, Aliança Renovadora Nacional, de apoio ao    governo, e o 

MDB,  Movimento  Democrático  Brasileiro,  a   “oposição consentida”.  O objetivo  era 

debilitar   a   oposição,   vitoriosa   em   muitos   estados   na   última   eleição   direta   para 

governador, e aumentar o controle sobre o jogo eleitoral.

“A Constituição  de 1967 incorporou os controles mais importantes dos  

dois atos institucionais anteriores e de uma série de atos complementares. Tais  

controles perderam assim seu caráter excepcional, que se fundamentara no poder  

revolucionário, ganhando força de poder constitucional.”216

214 ibidem.

215 Idem, p.5.

216 ALVES, Maria Helena Moreira. Op. Cit., p. 111. Grifo original.

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Assim foram institucionalizados a Doutrina de Segurança Nacional bem como a 

política econômica implementada pelo governo militar. Na crítica de Leôncio Basbaum, 

os três anos de governo de Castelo Branco foram “devastadores”. Na política, segundo 

Basbaum, o governo de Castelo Branco foi marcado pela perseguição aos subversivos, 

aos opositores do regime, e pelo enfraquecimento do Congresso Nacional. No plano 

cultural,  a  devastação se deu sobretudo pela  perseguição a estudantes  e  professores 

universitários. “Ao fim de 3 anos  de governo o presidente Castelo Branco entregou ao 

seu   sucessor  um país   literalmente  arrasado,  econômica,  política   e   culturalmente”217. 

Fazendo um paralelo com o slogan “50 anos em 5”, da política desenvolvimentista de 

Juscelino   Kubitschek,   o   autor   afirma:   “o   governo   do   presidente   Castelo   Branco  

conseguiu o Brasil retroceder 50 anos em três”218.

Em novembro de 1965, logo após decretação do Ato Institucional nº2, David 

Nasser publicou em sua coluna a Declaração dos Direitos Humanos:

“Não  quero  provocar  a   ira  dos  deuses,  mas,   em defesa  do  próprio  Ato  nº  2,  

convém relembrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada por  

todos os Países­Membros da Organização das Nações Unidas, publicada em todo  

o Mundo, lida e explicada nas escolas. No limiar de um período excepcional, esta  

Bíblia leiga precisa estar bem viva na consciência de todos os brasileiros”219   

   

O jornalista celebra, entretanto, a definição do nome do general Artur da Costa e 

Silva para a sucessão do marechal Castelo Branco: 

217 BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1961 a 1967. São Paulo: Alfa­Ômega, 1983, p. 187.

218 Idem, p. 192.

219 NASSER, David. Os direitos do homem. RJ, O Cruzeiro, 20nov1965. p.4.

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“De seu lado, a oposição,  sempre cada vez mais estúpida, não  compreende que  

Costa e Silva representa a etapa imprescindível entre a revolução necessária e a  

liberdade indispensável.

O homem é este. Que outro iríamos escolher? Um civil para fantoche? Um militar  

sem prestígio?

Ninguém pode assegurar que o General Costa e Silva será  um grande Presidente,  

ele que é  um homem médio nas qualidades e nos defeitos de todos de todos os  

brasileiros. O povo, entretanto, confia em seu temperamento aberto. Com ele, o  

Brasil espera deixar de ser um país carrancudo, uma nação infeliz”220.

Apostava   no   governo   de   Costa   e   Silva   para   a   Revolução   alcançasse   seus 

objetivos, pois, segundo Nasser:

“Presidente,  uma Revolução  foi   feita neste País há  dois anos.  Sua tarefa,  sua  

missão,  seu papel era sacudir as estruturas apodrecidas. O que ela fez até agora  

além de empurrar para longe o fantasma vermelho e de cassar alguns subversivos  

e corruptos? Nada.”221 

 

A oposição,  considerada “estúpida”  por Nasser,  uniu até  mesmo tradicionais 

inimigos   políticos.   Durante   a   “campanha”   de   Costa   e   Silva   à   presidência,   Carlos 

Lacerda,  João Goulart  e Juscelino Kubitschek juntos formaram, no final  de 1966, a 

“Frente Ampla” para aumentar a oposição e a pressão sobre os militares e tentar tirá­los 

do poder. Os três eram potenciais candidatos à  presidência desde antes do golpe. A 

“Frente Ampla”, todavia, foi mais um movimento da oposição rapidamente apagado 

pelo   governo   militar.   Sobre   Carlos   Lacerda,   ex­governador   da   Guanabara,   Nasser 

escrevera, como em outras oportunidades, minimizando atos de corrupção em prol um 

220 NASSER, David. Este é o homem. RJ, O Cruzeiro, 16jun1966. p.5.

221 idem, p. 4.

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certo   reconhecimento   pela   capacidade   administrativa   ou,   como   ficou   conhecido   na 

cultura política brasileira, o jargão popular “rouba, mas faz”:

“À porta da saída, no momento em que deixa um governo que honrou com seu  

nome   e   tumultuou   com   o   seu   gênio,   já   escuta   os   primeiros   cochichos   dos  

adversários   sem  grandeza  que  esperam a   saída  de  Gulliver  para  começar  as  

baixezas liliputianas. Ele sabe que muitos erros foram cometidos em seu nome e  

sob sua responsabilidade. Tenho para mim que nenhum o foi conscientemente.(...)

Ao Governador que aplicou bilhões acusam de haver construído um andar a mais  

em seu apartamento. São os seus adversários os primeiros a construir em triplex o  

monumento de sua grandeza. Esta Cidade por muito tempo o lembrará  quando  

não mais o tenha. E este País há de lamentar­se de o não ter tido.”222   

 A sociedade assistiu, assim à sucessão de Castelo Branco por Costa e Silva por 

meio   de   eleição   indireta,   como   determinava   a   constituição  de  1967,   numa  disputa 

restrita às duas tendências dentro das Forças Armadas: os moderados e a linha dura. 

Dessa forma, assumia a predominância do poder o grupo dos militares mais radicais, 

defensores do aprofundamento das medidas coercitivas e da manutenção do poder nas 

mãos dos militares até que a segurança nacional estivesse garantida, ou seja, por tempo 

indeterminado.

  Com a posse de Costa e Silva em março de 1967, acelera­se o processo de 

endurecimento   do   regime,   que   assume   definitivamente   seu   caráter   autoritário   a 

decretação do  Ato  Institucional  n°  5,  em 13 de  dezembro de  1968.  A bibliografia, 

entretanto, é praticamente unânime em mostrar que o governo, sob o controle dos duros, 

já   estava  com o   texto  do  Ato   Institucional  no  5  pronto  desde  bem antes  de  13  de 

dezembro de 1968, data de sua decretação223. Só não foi instaurado anteriormente por 222 NASSER, David. Até breve, Carlos. RJ, O Cruzeiro, 27nov1965. p.4.

223 Conf. VENTURA, Zuenir. 1968:O ano que não terminou. Rio de  Janeiro: Nova Fronteira, 1988.   ALVES, Márcio Moreira. 68 mudou o mundo. Rio  de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

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uma questão de estratégia. Os militares preferiram esperar a hora e o pretexto certos 

para apresentá­lo. Deixaram a oposição se manifestar, os conflitos acontecerem e se 

repetirem. Esperaram a situação do país se agravar para usá­la como justificativa para o 

endurecimento   definitivo   que   representava   o   AI­5.   Jacob   Gorender   chega   a   narrar 

episódios de ações praticadas a mando do governo com o objetivo de incriminar grupos 

de oposição:

“Apesar das ações da esquerda radical, a extrema direita do regime ditatorial não  

as   julgou   suficientes   para   a   criação   do   clima   propício   para   o   fechamento  

completo.   Daí   a   formação   de   organizações   paramilitares   e   de   bandos   de  

provocadores às ordens de diferentes chefias do alto escalão governamental.”224

  A   oposição   ao   regime   militar,   então   se   intensificaria   e   se   tornaria   mais 

organizada. 

“É importante lembrar que 1967 começou com uma débil tentativa dos estudantes,  

em manifestações,   de   chamar  a  atenção  para   seus  problemas  específicos.  Em  

1968, este movimento já   tinha a adesão  de muita gente de diferentes classes e  

correntes   ideológicas.   O   conflito   deslocara­se   dos   estudantes   para   as   classes  

médias,   em   seguida   para   os   trabalhadores   e   finalmente,   graças   a   repressão,  

envolvera a Igreja Católica.”225

A crise política que culminou com a decretação do AI­5 teve início com um 

discurso proferido pelo deputado federal Márcio Moreira Alves por ocasião da festa 

comemorativa   da   Independência   do   Brasil.   Neste   discurso,   o   deputado   criticava   a 

 224 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 1990. P. 150.

225 ALVES, Maria Helena Moreira. Op. Cit., p. 136.

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agressividade da invasão militar à Universidade de Brasília ocorrida poucos dias antes e 

sugeria,  numa referência  à   tragédia  grega  Lisístrata,  um boicote  popular  ao  desfile 

militar de 07 de setembro que estava próximo.    

“A   parada   militar   do   Dia   da   Independência   era   importante   componente  

psicológico da estratégia de intimidação. Uma vez por ano, a população pode ver  

em exibição todo o equipamento militar pesado. (...) Márcio Moreira Alves tocou,  

assim, um ponto sensível da estratégia geral de controle social do Estado. (...) os  

oficiais da linha­dura que já  planejavam um segundo golpe de Estado, que lhes  

daria   mais   liberdade   na   defesa   da   Segurança   Interna,   acharam­no  

particularmente útil a seus propósitos.”226

Os militares queriam processar Márcio Moreira Alves, mas para isso era preciso 

quebrar a imunidade parlamentar. A votação no Congresso Nacional que decidiria pela 

suspensão ou manutenção da imunidade parlamentar se transformou numa séria crise 

política.   No   dia   12   de   dezembro   de   1968   a   Câmara   dos   Deputados   votou   pela 

preservação dos seus direitos políticos por 216 votos contra e 141 a favor. O resultado 

representou uma amarga derrota para o governo e uma ótima oportunidade de mostrar 

sua força.

Pretexto encontrado, crise criada, no dia seguinte, 13 de dezembro, foi baixado o 

Ato Institucional no 5. Ao contrário dos atos institucionais anteriores, o AI­5 não tinha 

data definida para sua revogação e determinava, entre outras medidas:  o fechamento do 

Congresso Nacional (reaberto em outubro de 1969), a cassação de direitos políticos dos 

cidadãos, suspensão de mandatos eleitorais e extinguia a garantia de  habeas corpus.  

Com  essas   medidas,   segundo   Maria   Helena   Moreira   Alves,   o   AI­5   introduziu   um 

terceiro ciclo repressivo:

226 Idem, p. 129.

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“O primeiro ciclo, em 1964, concentrava­se no expurgo de pessoas politicamente  

ligadas   a   anteriores   governos   populistas,   especialmente   o   de   Goulart.   (...)   O  

segundo   ciclo   (1965­1966),   após   a   promulgação   do   Ato   Institucional   nº   2,  

objetivara concluir expurgos na burocracia de Estado e nos cargos eleitorais; não  

incluiu o emprego direto e generalizado da violência.

O   terceiro   ciclo   caracterizou­se   por   amplos   expurgos   em   órgãos   políticos  

representativos, universidades, redes de informação e no aparato burocrático de  

Estado,   acompanhados   de   manobras   militares   em   larga   escala,   com 

indiscriminado   emprego   da   violência   contra   todas  as   classes.  Os  desafios   do  

Estado   por   parte   das   classes   médias,   especialmente   o   movimento   estudantil,  

convencera  as forças de repressão da existência de áreas de ‘pressão’ em todas  

as classes. Desse modo, as campanhas de busca e detenção  em escala nacional  

estenderam­se a setores da população até então não at ingidos.”227 

Foi após o AI­5 que a cesura à   imprensa foi   regulamentada e   impôs graves 

restrições   ao   conteúdo   que   os   diversos   veículos   de   informação.   Sebastião   Geraldo 

Breguês,  “a partir daí,  de uma forma mais aberta e descarada possível,  a censura  

reaparece em cena, e de forma definitiva (...). Outros decretos vieram depois. Em 26 de  

janeiro  de   1970,   o   Presidente   Médici   baixou   o   decreto­lei   nº   1077228,   que   visa  a  

227 Idem, p.172.

228 Este decreto, baseado no artigo 153, parágrafo 8º, da Emenda Constitucional número 1 de 1969, e que, posteriormente, serviu de base para o estabelecimento da censura prévia, proibia publicações contrárias à moral e bons costumes por relacionar os atentados à  moral a um eventual plano subversivo, gerando riscos à segurança nacional. Diz o decreto­lei 1077, do qual reproduzo a seguir o trecho inicial:“Dispõe   sobre   a   execução   do   art.   153,   parágrafo   8º,   parte   final,   da   Constituição   da   República  Federativa do Brasil.O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere a artigo 55, inciso I da Constituição; eConsiderando que a constituição  da  República,  no  artigo 153,  parágrafo  8º,  dispõe  que não  serão  toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes;Considerando que esta norma visa proteger a instituição da família, preservar­lhe os valores éticos e  assegurar a formação sadia e digna da mocidade;Considerando, todavia, que algumas revistas fazem publicações obscenas e canais de televisão executam programas contrários à moral e aos bons costumes;Considerando que se tem generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente à moral comum;

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reprimir as publicações obscenas. Posteriormente surgiu a Censura­Prévia, através da  

Portaria 11­B do Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, em 6 de fevereiro de 1970.”229 

Mais do que publicações obscenas, a legislação censória proibia a divulgação, de acordo 

com Maria Aparecida de Aquino, de:

“notícias   que   faziam   críticas   ao   regime   militar   ou   apontavam   para   ações  

repressivas   dos   governos,   torturando,   matando,   fazendo   desaparecer   seus  

oponentes e, no caso dos periódicos que não pertenciam à grande imprensa (...) os  

cortes censórios atingiam também críticas à  política econômica do governo e à  

abertura desenfreada ao capital estrangeiro. Atingiam também críticas à  política  

social do regime(...)”230     

Desde   o   golpe,   em   1964,   gradativamente   foram   surgindo   movimentos   de 

resistência ao endurecimento imposto pelos militares organizados por diferentes grupos 

sociais.  O meio  estudantil   agitou­se  particularmente  ganhando  caráter  de  militância 

política ao longo de 1968. Episódios como o confronto entre os estudantes da Faculdade 

de   Filosofia   da   USP   e   da   Universidade   Mackenzie,   ambas   situadas   na   rua   Maria 

Antônia, no início de outubro de 1968 e o XXX Congresso Nacional da UNE realizado 

Considerando que   tais  publicações  e  exteriorizações  estimulam a   licença,   insinuam o  amor  livre   e  ameaçam destruir os valores da sociedade brasileira;Considerando que o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em  risco a segurança  nacional decreta:Art. 1º ­ Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à  moral e aos bons costumes,  quaisquer que sejam os meios de comunicação.Art. 2º ­ Caberá ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal verificar, quando  julgar necessário, antes da divulgação  de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da  proibição anunciada no artigo anterior.(...)”

229  BREGUÊS, Sebastião Geraldo. “A Imprensa Brasileira Após 64”. In:  Encontros com a Civilização  Brasileira. Rio de Janeiro, ago. 1978. p. 150. 230 AQUINO, Maria Aparecida de. “A Especificidade do Regime Militar Brasileiro: abordagem teórica e exercício empírico”, in: REIS F°, Daniel Aarão (org.).  Intelectuais, História e Política (séculos XIX e  XX). Rio de Janeiro, 7Letras, 2000, p.274.    

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em   Ibiúna,   em   12   de   outubro,   mostram   como   o   movimento   estudantil   havia   se 

politizado desde a morte do estudante Edson Luiz, em março daquele ano231. E após a 

decretação do AI­5, em dezembro de 1968, caminharia para a luta armada como forma 

de resistência. 

Afastado de O Cruzeiro em junho de 1967 por divergências com Chateaubriand, 

Nasser silencia sobre quase todo o governo do general Costa e Silva. Luiz Maklouf, 

conta, entretanto, que em seu programa na TV Tupi, Diário de um repórter, escrevera 

sobre   o   AI­5:  “a   medida   de   sobrevivência   revolucionária   a   que   ninguém   podia  

escapar”232. Sobre sua relação com presidente Costa e Silva, por exemplo, o jornalista 

costumava demonstrar intimidade. Segundo Maklouf:

“No caso de Costa e Silva, Nasser deu­se por ‘amigo’, afirmando, em diversos  

artigos, que tiveram certa intimidade e que até freqüentava sua residência para  

conspirar,   jogar   baralho,   conversar   fiado   e   dar   palpites   nos   discursos,   na  

indicação  de ministros e no andamento do governo. Não  chegou a tanto, mas é  

verdade que Costa e Silva lhe tinha apreço como jornalista”233. 

Mesmo que não fosse, de fato, amigo íntimo do presidente Costa e Silva, Nasser 

foi o responsável pela indicação de Antônio Delfim Netto para o Ministério da Fazenda 

durante sua gestão, como relata orgulhosamente em artigo publicado em abril de 1973, 

o último que escreveu para O Cruzeiro:

“De São  Paulo, o telefone bate. É Delfim, o moço amigo. Não nos conhecíamos  

antes da Revolução. O primeiro encontro, no Morumbi, teve de entremeio a figura  

231 conf. VENTURA, Zuenir. 1968:O ano que não terminou. Rio de  Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

232 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p.494.

233 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p.460.

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modesta de Natel234,  o simples.  Francamente,  a  impressão  que Delfim me deu,  

antes de falar, foi a de um taberneiro. Depois que estendeu sua lucidez sobre a  

mesa do restaurante do Jaraguá, onde comíamos tête à tête, ele, eu e a esperança,  

tive   a   nítida   certeza   de   que   herdara   a   inteligência   de   Roberto   Campos   sem 

arsênico nem sotaque. Mais ainda: em matéria econômica era pragmático, tanto  

comia caviar como tutu à mineira. O horror de que sempre me achei possuído pelo  

antinacionalismo   exacerbado   do   antecessor   matogrossense   fez­me   amigo   de  

Delfim à primeira vista. A carta que mandei ao virtual Presidente Costa e Silva, de  

andança no exterior, e que lhe foi entregue com o curriculum e uma fotografia do  

homem que não  pleiteava nada, mas podia  tudo,  arrancou,  segundo o  italiano  

Mario David, o comentário dessa bondosa figura de anti­herói que foi seu Artur.

Então, o Feolinha é isto tudo!    

Convidou Delfim para o seminário. O moço comeu a bola e saiu ministro.”235

Ao jornalista,  Luiz Maklouf, o ex­ministro confirmou a sua indicação para a 

participação no seminário que abriu o caminho para a sua indicação ao ministério:

“É fato que o David Nasser indicou meu nome ao presidente eleito, general Costa  

e Silva, para participar de uma série de seminários organizada no Rio de Janeiro,  

na qual se discutia a atualidade econômica do país. Eu era secretário da Fazenda  

do governo Laudo Natel e fui convidado para fazer uma exposição sobre o papel  

da agricultura no desenvolvimento brasileiro.”236   

Entre todos os ministros com os quais David Nasser se relacionou, Mário David 

Andreazza,   ministro   dos   Transportes   nos   governos   de   Costa   e   Silva   e   Médici   e, 

234 Laudo Natel, então governador do estado de São Paulo.

235 NASSER, David. Delfim, entre a cruz e a espada. RJ, O Cruzeiro, 11abr1973, p.20.

236 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p.462.

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posteriormente,   do   Interior,   no   governo   Geisel,     foi   o   mais   próximo,   “de   maior  

confiança e intimidade”, segundo Maklouf, a quem “pediu e prestou serviços”:

“David   escrevia   seus  discursos,   defendia­o  das   acusações,   aconselhava­o   nos  

problemas internos do ministério, tinha acesso a informações confidenciais sobre  

as crises no governo,levava­o a grandes festas na sua casa. Era o ‘seu’ ministro,  

como gostava de dizer.”237

Em O Cruzeiro, escrevera sobre o ministro e amigo, quando de seu ingresso no 

governo, só palavras de incentivo. Mais do que tornar o novo ministro conhecido do 

grande  público,   através  do  artigo,  o   jornalista  provavelmente  pretendia   favorecer   a 

captação de  recursos para os seus projetos de construções de grandes estradas:

“ Andreazza, até a Revolução era um desconhecido para o grande público, tinha  

de longa data o seu conceito no Exército, e desse ninguém escapa. Sabiam os seus  

camaradas   que   ele   fora   um   dos   melhores   instrutores   na   Escola   Superior   de  

Guerra (...) Levado para o Ministério dos Transportes pelo faro (kennedyano) do  

Marechal Costa e Silva, o Coronel Andreazza sabe que vai enfrentar problemas  

sérios decorrentes  da conjuntura econômica e  da crise de confiança.  (...)  Sim,  

todos confiam no Andreazza – porque confiança é o que ele  vem espalhando entre  

nós, desde o primeiro dia da Revolução. Confiança que ele tem nos bons e tem em 

si   próprio,   porque  é   um  deles.  Sem ódio,  nem  perseguição,  mas   inflexível  no  

cumprimento do dever, cabeça aberta aos argumentos válidos, Mario Andreazza  

chega ao Ministério dos Transportes de um país que tem sede de estradas mas não  

tem dinheiro.

Vamos, gringo!”238 

237 idem, p. 464. 

238 NASSER, David. Vamos, Gringo! RJ, O Cruzeiro, 18mar1967, p.4.

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Quatro   anos  mais   tarde,   o   antes   desconhecido  ministro  dos  Transportes   era 

descrito como:

“um  antipolítico   orgânico,   mas   um executivo  autêntico.   O   peninsular   em   seu  

temperamento de altos e baixos, eufórico, depressivo, entusiasta, agressivo, aqui  

está,  em visão  panorâmica, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do país  

após o Movimento de Março. Seu nome é Mário David Andreazza. Um derrubador  

de mitos, um mito, ele próprio”239.

Aqui, o objetivo o artigo era calar as críticas destacando as obras já realizadas 

pelo ministro dos Transportes:

  “A   Dutra   foi   duplicada.   Grandes   transversais   –   tais   como   a   Porto   Alegre­

Uruguaiana,   Paranaguá­Foz   do   Iguaçu,   São   Paulo­Campo   Grande   e   Vitória­

Uberaba  –  aproximam o   interior  do   litoral.   (...)  Num  só   governo   se  promete  

construir a Transamazônica, a Cuiabá­Santarém e a maior ponte do mundo”240.    

Numa época em se acreditava: “governar é  abrir estradas”, a contribuição de 

Andreazza para o desenvolvimento do país estava dada, conclui Nasser:

“A obra que se realiza no setor é  histórica. Jamais se fez tanto em tão  pouco  

tempo.   (...)  A  Revolução   teria   fracassado   se  qualquer  de   seus  objetivos   fosse  

atingido. 1) Estancar a inflação. 2) Marchar para o desenvolvimento. 3) Eliminar  

a   corrupção.   Ninguém   poderá   dizer   que   Andreazza,   mestre­de­obras   de   dois  

239 NASSER, David. O mito Andreazza. RJ, O Cruzeiro, 18ago1971,p.20.

240 idem, ibidem. A “maior  ponte do mundo” mencionada no artigo é a Ponte Rio­Niterói, inaugurada em 1974. 

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governos revolucionários, não cumpriu a sua parte, deixando pedaços de si pelos  

caminhos”241.

Uma característica importante apontada por Luiz Maklouf em seu livro sobre 

David Nasser e o Cruzeiro é a de a revista “nunca teve nenhum constrangimento em  

publicar reportagens pagas como material jornalístico – característica que chegou a  

uma orgia descontrolada na época da ditadura militar”242.  David Nasser, contudo, não 

vendia matérias. A maneira encontrada por ele de lucrar com o jornalismo era através 

do   tráfico   de   influência   e   do   suborno,   a   exemplo   do   seu   “Velho   Capitão”, 

Chateaubriand243. Maklouf pondera:

“Que diferença havia entre uma matéria paga convencional e o rendoso tráfico de  

influência de Nasser? Para o repórter, muita diferença: a de não manchar a fama  

alardeada de jornalista independente e sem compromisso com a qual fizera o seu  

nome.   Embora   tenha   assinado   muitas   reportagens   com   toda   a   aparência   de  

matérias pagas, Nasser tinha o cuidado de nunca assinar aquelas muito óbvias,  

que Manzon e Jorge Audi assinavam sozinhos. Preservava­se a um preço maior  

que  os  20%   de   comissão   levados  por  quem   fazia   matéria  paga,   assinada   ou  

não.”244 

Assim,   na   medida   em que   se   consolidava  o   caráter   autoritário   do  governo, 

Nasser   também foi   assumindo,  ou  melhor,  mostrando sua  personalidade  autoritária. 

Retorna   à   revista  O   Cruzeiro  em   setembro   de   1970,   após   breve   passagem   pela 

241 Idem, p.21.

242 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p. 469.

243 Conf. MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995.

244 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., p. 469.

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concorrente  Manchete,  com agressiva campanha desmoralizadora contra Dom Helder 

Câmara, pelas denúncias de tortura no Brasil feitas pelo arcebispo no exterior. Desde 

1968, o dramaturgo Nélson Rodrigues, colunista de  O Globo, perseguia o arcebispo e 

candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Elio Gaspari afirma que:

“Se não toda essa manobra, pelo menos uma parte dela era montada pelo Serviço  

Nacional de Informações. Foi de lá que saiu uma fotografia dos anos 30 na qual o  

padre Helder Câmara, com os gestos largos de sempre, falava a uma platéia de  

integralistas uniformizados, com suas camisas verdes. Ela viria a ser mostrada  

pelo jornalista David Nasser, no seu programa  Diário de um Repórter, na rede  

Associada de TV, e na revista O Cruzeiro”245.

Além das críticas a Dom Helder Câmara por sua aproximação com o socialismo, 

depois de ter sido vinculado ao movimento integralista na década de 1930, ao longo da 

campanha contra o arcebispo, que durou meses, David Nasser acusava­o de inimigo da 

nação:  

“dezenas de cidadãos  iguais a ele, políticos da mesma vocação,  foram banidos  

pela Revolução ou dela se afastaram depois. Não sei de um só, chame­se Carlos  

Lacerda,   Juscelino   Kubitschek   João   Goulart,   que   se   tenha   posto   a   liderar,  

babando  de   ódio,   uma  campanha   contra   o  próprio   país.   (...)  Dom  Helder,   o  

candidato do Brizola à  presidência do Soviete Brasileiro, não.(...) saiu em campo,  

pelo   mundo   afora   numa   tarefa   de   demolição.   (...)   Passou   a   denunciar   como  

sistemática a tortura de presos políticos no Brasil.”246

245 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002, p. 294.

246 NASSER, David. Quem paga ao bispo? RJ, O Cruzeiro, 29set1970, p.20.

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Neste, mesmo artigo, o jornalista lembrava também das denúncias de tortura que 

ele próprio havia feito, em 1964, sobre o IPM de Goiás, e narra conversa que teria tido 

na ocasião com Castelo Branco em que o presidente o ameaçara de prisão, caso suas 

denúncias fossem falsas, afirmando: “não há homem decente neste país, civil ou militar,  

que apóie a tortura como elemento político. Nem para interrogar nem para castigar.” E 

conclui com uma acusação: “o pagamento para o nosso santo varão tem um cheiro. O  

das trinta moedas no jardim das Oliveiras. Ou do cofre do Adhemar”247. 

A esta altura o Brasil já sob o governo do marechal Emílio Garrastazu Médici, 

vivia   o   “milagre   econômico”,   quando   a   distribuição   de   renda   nacional   passou   por 

profundas transformações. Segundo Elio Gaspari:

“A faixa dos 5%, mais ricos aumentara sua participação  na renda em 9%   e  

detinha em suas mãos 36,3% da renda nacional. Já  a faixa dos 80% mais pobres  

diminuíra sua participação em 8,7%   em relação  ao que tinha em 1960 e ficara  

com 36,8% da renda. Dada a expansão da economia, isso significava que os ricos  

ficaram  mais   ricos,   mas   não   significava   que   os   pobres   ficaram  mais   pobres.  

Depois de uma queda vertiginosa entre 1964 e 1967, o salário mínimo declinara  

suavemente, enquanto a renda dos trabalhadores na indústria se mantivera em  

alta sensível e contínua.”248      

Alimentado por esses  dados e  pela  conquista  do Tricampeonato na Copa de 

Mundo pela seleção brasileira de futebol, em junho de 1970, o ufanismo nacionalista do 

regime militar era disseminado pelos slogans “Pra frente,  Brasil”,  “Ninguém segura 

esse país”, “Este é  um país que vai pra frente” e “Brasil, ame­o ou deixe­o”. David 

247  idem, p.  21.  Alusão ao  roubo do cofre  do ex­governador paulista,  Adhemar  de Barros,  em ação engendrada  pela esquerda armada,  em julho de 1969, que tinha o mesmo objetivo dos assaltos a bancos: levantamento de fundos para outras ações armadas contra o Estado Autoritário pós­1964.           

248 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002, p. 210. 

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Nasser, sempre acompanhando os passos do governo, engrossava o discurso   ufanista, 

minimizando os efeitos trágicos da repressão:   

“Nenhum outro governo,  nenhuma outra revolução, nenhum outro momento mais  

propício  do  que   este  –   sem  que   seja  preciso  mudar,   cassar  ou  prender.  É   o  

momento estelar de um povo que quer encurtar a distancia entre a riqueza e a  

miséria.   E   é   também   o   momento   estelar   de   um   Presidente   que   veio   do  

desconhecido para a possível imortalidade.”249

Elio Gaspari afirma ainda que a “ditadura era, se não a causa, indiscutivelmente  

a garantia da prosperidade”250  e o  “Milagre Brasileiro e os Anos de Chumbo foram  

simultâneos.   Ambos   reais,   coexistiram   negando­se”251.   Pois,   os   anos   do   expressivo 

crescimento   econômico   foram   também   os   anos   em   que   ocorrem   importantes 

enfrentamentos entre as forças de repressão e as organizações armadas de oposição ao 

regime:

“As forças de repressão dizimaram as fileiras das organizações clandestinas pelo  

uso generalizado da tortura, para obter informações que pudessem levar à  prisão  

de outros e ao desmantelamento das redes de apoio dos grupos de guerrilha. Os  

grupos clandestinos reagiram, seqüestrando mais três diplomatas para conseguir  

a   libertação   de   militantes   importantes252.   O   último   desses   seqüestros   –   o   do  

embaixador da Suíça, em dezembro de 1970 – encontrou resistência por parte do  

249 NASSER, David. A revolução do homem. RJ, O Cruzeiro, 19jan1972. p.22.

250 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002, p. 210.

251 Idem, p. 14.

252 O primeiro seqüestro, do embaixador norte­americano, Charles Elbrick, foi realizado em setembro de 1969.  O chanceler foi solto em troca da libertação de 15 presos políticos e da divulgação, nos principais veículos de rádio e televisão, de um panfleto sobre os objetivos da ação. Virgílio Gomes da Silva, líder da ação, foi preso logo após o desfecho do seqüestro, é o primeiro desaparecido sob o regime militar. Conf. GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? São Paulo: Cia. Das Letras, 1997.    

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Estado de Segurança Nacional, não mais disposto a fazer concessões. Depois de  

três meses de difíceis negociações, entretanto, o embaixador foi trocado por 70  

presos políticos que embarcaram para o Chile.”253     

Sobre o seqüestro do embaixador suíço, Nasser escreveu com desdém:

“Será   difícil   ao   colega   suíço   entender   de   que   maneira   o   seqüestro   de   um  

embaixador  que   levava  a  vida  mais   tranqüila,  mais  neutra  e  mais  doce  nesta  

cidade convulsionada pode contribuir para a libertação  do Brasil.  Certamente,  

eles,   os   seqüestradores,   fazem   exigências   pesadas,   quais   sejam   a   soltura   de  

dezenas de presos políticos, publicação de manifestos de auto­insulto etc. Em que  

isto   contribui   para   a   vitória   da   causa,   não   sei.   Libertar   os   presos   é   uma  

diminuição  de  despesas.  Ofender­se  no   rádio  e  na   televisão  por  um dever  de  

humanidade   faz  com que  a  ofensa   fatalmente  caia  em  terra  árida.  Breve  não  

teremos mais subversivos detidos para trocar e caminharemos para a terra de  

ninguém”254.

Mais  uma  vez,   apoiando  as   forças   repressivas,  quando  Carlos  Lamarca,   ex­

capitão do Exército e principal líder da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária)255 foi 

morto, em setembro de 1971, durante emboscada no sertão da Bahia, David Nasser 

escreveu sobre o guerrilheiro: “De nada adianta insultar os mortos, mas apontar o seus  

erros”. Entretanto, insulta verborragicamente:

“Tumultuado,  passional,   fanático,  nem ele  mesmo sabia o que pregava nem o  

rumo que seguia. Primata ideológico, indigente político, misturava tudo, idéias,  

253 ALVES, Maria Helena Moreira, op. Cit., p. 193.

254 NASSER, David. O Bom Bucher. RJ, O Cruzeiro, 22dez1970,p.20.

255 Conf. MACIEL, Wilma Antunes. O Capitão Lamarca e a VPR. São Paulo: Alameda, 2006.

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mapas,   planos,   granadas,   sandálias,   mágoas,   sonhos,   e   saía   por   aí   como  

cangaceiro do marxismo de tempero chinês, ora pregando a guerrilha urbana, ora  

defendendo a guerrilha rural – mas só, sempre só, sem agrupar em torno de si, de  

suas idéias, de sua loucura, mais do que um grupo ultra­radical. (...) Delirante,  

paranóico, briga com a própria sombra.”256 

 

Neste momento, paralelamente à perseguição política aos opositores do governo, 

ganhava terreno a ação clandestina dos esquadrões da morte. No Rio de Janeiro, o nome 

Scuderie Le Cocq é uma homenagem do grupo ao detetive Milton Le Cocq, morto em 

27 de agosto de 1964 por Manoel Moreira, conhecido no mundo crime como “Cara de 

Cavalo”. Nasser, que sempre apoiou publicamente as práticas do Esquadrão da Morte, 

escreveu sobre o amigo assassinado:

“O Detetive Le Cocq era um homem sério. Se não tivesse sido policial – um  dos  

mais brilhantes e queridos que a corporação teve em sua história ­, teria sido um  

lavrador tranqüilo. Só  tinha um horror em sua vida: ao assassino profissional,  

desses que disparam sobre um velho paralítico ou daqueles que atiram num chefe  

de família que volta para casa carregado de embrulhos, desses que atiram em  

jovens que passeiam com suas namoradas,  desses  que atiram com suas armas  

pesadas,  sorrindo, desses que despejam toda a carga, só  pelo prazer de ver o  

boneco cair como eles próprios costumam dizer.(...)

Realmente é  preciso responder com um único argumento que eles entendem, à  

bala, levando o terror até onde esses bandidos vivem [...]. que dêem aos policiais  

uma   ordem:   atirem   para   matar.   Dez   bandidos   mortos   por   um   policial  

tombado,como o inesquecível Le Cocq,no cumprimento de um dever mal pago pelo  

Estado e mal compreendido pelo povo.”257

256 NASSER, David. O último diálogo. RJ, O Cruzeiro, 6out1971, p.16.

257 “David Nasser fala de seu amigo Le Cocq”. RJ: O Cruzeiro, 19set1964, p.14.

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“Cara de cavalo” foi morto em vingança pela “empreiteiros de Jesus” durante na 

madrugada de 3 de outubro de 1964. Cem tiros foram disparados. Cinqüenta e dois 

atingiram seu corpo. No mesmo dia, Mário de Moraes, colega de David Nasser em O 

Cruzeiro,  escreve sobre a formação do grupo, criado pelo então chefe de polícia da 

Guanabara, Amaury Kruel:

“Eles   não   gostavam   da   alcunha,   mas   eram   conhecidos   como   membros   do  

Esquadrão da Morte. O nome nasceu ao tempo em que Kruel ocupava a chefia de  

Polícia da Guanabara. Os marginais infestavam a cidade matando, assaltando,  

praticando  toda sorte  de atrocidades.  Não   temiam a  Polícia.  Eram mais  eles.  

Kruel  achou que bastava.  Reuniu um grupo de bons policiais,  e  passou­lhes o  

problema. E eles resolveram, com distinção.  (...) Alguns, é bem verdade, foram 

mandados   desta   para   outra.   Não   sei,   nem   quero   saber,   até   onde   a   turma,  

especializada do Kruel contribuiu para esse obituário. Le Cocq sempre foi o chefe  

do Esquadrão. A idade e a experiência valeram­lhe o comando, sem discussão.”258

 

As ações do Esquadrão da Morte não ficaram restritas ao estado da Guanabara. 

A  Scuderie Le Cocq tinham também uma representação em São Paulo, funcionando no 

Palácio da Polícia Civil, onde atuava o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o homem forte 

da repressão política. Conta o jornalista Percival de Souza, sobre o temido delegado, 

que:

“A fama lhe veio, entretanto, quando um grupo de policiais formou um órgão de  

extermínio autodenominado Esquadrão da Morte, para liquidar os que seriam os  

bandidos mais perigosos da cidade, num desafio aberto à  Justiça e com apoio  

irrestrito dos mais altos escalões dos responsáveis pela segurança pública. Então  

Fleury passou a ser reverenciado como se seus homens – ‘a equipe do doutor  

258 MORAES, Mário de. Morreu Le Cocq, RJ: O Cruzeiro, 19out1964, p. 89.

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Fleury’, conforme se dizia, ­ tivessem licença especial para matar, sem nenhum 

questionamento. A matança chegou a ser tão ostensiva que o Esquadrão designou 

um delegado, Alberto Barbour, para se apresentar como ‘relações­públicas’ do  

bando  armado.  Ele   telefonava   para  a   imprensa   e   informava   os   lugares  onde  

tinham sido desovados os presuntos, linguagem macabra para designar os lugares  

da cidade, ou seus arredores, onde eram jogados – sucessiva e rotineiramente – os  

corpos das vítimas que o Esquadrão prendia, julgava, condenava e executava.”259 

Em junho de 1970, história muito similar a da morte de detetive Le Cocq se 

repete, desta vez, em São Paulo. O investigador de Polícia Agostinho de Carvalho fora 

baleado  por  marginais   nos   arredores   da   cidade  de   São  Paulo.   Caberia   à   Justiça  o 

julgamento e punição dos responsáveis de crimes este. No entanto,  o sentimento de 

vingança ecoou em toda a Polícia de São Paulo, a qual se mobilizou para dar caça ao 

assassino.   Como no caso do detetive carioca, o assassino do investigador paulista foi 

morto com cerca de oitenta tiros. 

Inconformado com a  proporção adquirida pela atuação do Esquadrão da Morte, 

Hélio Bicudo, então Procurador da Justiça do Estado de São Paulo, obtém, em 23 de 

julho de 1970, autorização do Procurador Geral de Justiça, Dario de Abreu Pereira, 

para orientar e supervisionar o trabalho do Ministério Público no caso do Esquadrão da 

Morte:

“Adepto, por formação caracteriológica e profissional, de uma atuação decidida  

do Ministério Público no combate ao crime, entendia e entendo que as coisas não  

poderiam ficar no ponto que se encontravam já.  Se às  escâncaras, com intensa  

cobertura jornalística, o escândalo já  ultrapassava as nossas fronteiras e revistas  

de   todo   o   mundo   narravam   as   façanhas   do   ‘Esquadrão’,   a   Procuradoria   da  

Justiça não podia descansar de braços cruzados.”260         

259 SOUZA, Percival de. Autópsia do medo. São Paulo: Editora Globo, 2000, p.17.

260  BICUDO,   Hélio   Pereira.  Meu   depoimento   sobre   o   Esquadrão   da   Morte.   São   Paulo:   Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, 1976, p.25.

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Nesta ocasião,  O Cruzeiro  publicou uma matéria do jornalista Jorge Audi na 

qual  pretendia  desvincular  a  Scuderie  Le Cocq do  Esquadrão da  Morte.  Para  tanto 

entrevista   o   delegado   Euclides   Nascimento,   presidente   da   Scuderie,   e   o   promotor 

Rodolfo Avena, que seria, segundo a reportagem, “o homem que primeiro se levantou  

contra o morticínio dos esquadrões”. O texto, preocupado com a imagem da Scuderie 

Le Cocq no exterior e no Brasil, pretende desvincula­la da ação do Esquadrão da Morte, 

tentando legitimar a sua ação amparando­a no Código Penal:

 

“De repente a  imprensa estrangeira começou a se preocupar com a saúde do  

Brasil. Destaca o Esquadrão da Morte, como prática institucionalizada pelo nosso  

organismo   policial,   a   matança   indiscriminada   e   oficializada.   Deforma   nossa  

fisionomia aos olhos de outras nações. Que o Esquadrão  da Morte existe,  não  

resta a menor dúvida, mas não da forma que pretendem no exterior.

Ninguém   desconhece   que   a   Guanabara   detém   um   dos   maiores   índices   de  

criminalidade no país. Em determinadas épocas o fluxo aumenta. Então  surge a  

necessidade de medidas mais objetivas. (...) Diante da crescente onda de assaltos e  

mortes, o general Amaury [Kruel] resolveu por em prática outro método. Criou o  

Serviço de Diligências. Era uma seção destinada a dar combate ao criminoso fora  

do comum. O criminoso profissional, de índole ruim. Era necessário batê­lo no  

seu terreno. Reprimir a agressão,  numa luta igual. Usar arma se ele a usasse.  

Afinal, o Código Penal diz que isso é estrito cumprimento do dever.”261    

As dificuldades encontradas por Hélio Bicudo foram muitas e o trabalho ficou 

pela metade, recorda o procurador: “Apenas se desvendaram os delitos e seus autores  

261 AUDI, Jorge. “Scuderie LeCocq contra o Esquadrão da Morte”. RJ: O Cruzeiro, 29set1970, p. 20

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diretos, permanecendo na sombra os   seus autores intelectuais.”  262   A ausência   de 

garantias individuais imposta pelo AI­5, desde dezembro de 1968, abriu caminho para 

ações   violentas   da   polícia   sobre   população,   misturando   a   repressão   aos   chamados 

crimes políticos (contra a segurança nacional) à perseguição aos criminosos ‘comuns’ e 

esmoreceu a atuação dos órgãos de fiscalização do Estado, reféns da estrutura de poder 

montada pelo regime militar. Hélio Bicudo destaca a importância do delegado paulista 

Sérgio Paranhos  Fleury nesta rede de poder:

“Transformado em homem símbolo da luta contra a subversão, não se pejaram as  

autoridades federais de lhe dispensar todo o peso de um apoio incondicional, que  

chegou a se refletir na edição de uma lei especial que o pudesse livrar da prisão  

provisória decorrente de sentenças de pronúncia que o remetiam a julgamento  

pelo Tribunal do Júri  e  impondo censura a órgãos  de  imprensa que expediam  

considerações a propósito de sua atuação  policial, apontando­o como violento e  

corrupto.

Dessa proteção e desse temor, dizem bem o julgamento a que já  foi submetido no  

II Tribunal do Júri de São Paulo e o despacho que revogou, sem recurso hábil, a  

prisão  preventiva, decretada mesmo depois da edição  da chamada ‘Lei Fleury’,  

pelo   juiz  de  Direito  da Comarca de Guarulhos,   como o  conivente   silêncio do  

Ministério Público.”263

  Quando a Scuderie LeCocq foi legalizada, em 1971, Nasser foi oficialmente 

escolhido seu presidente de honra. No mesmo ano, escreveu artigo no qual contava que 

o cineasta francês Marcel Camus lhe teria procurado com proposta de fazer um filme 

sobre o Esquadrão da Morte. Nasser rechaçou a idéia, argumentando: “um filme como 

262  BICUDO,   Hélio   Pereira.  Meu   depoimento   sobre   o   Esquadrão   da   Morte.   São   Paulo:   Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, 1976, p.22.

263 BICUDO, Hélio. Op. Cit., p. 52.

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este seria contra o Brasil, muito mais de que contra todos os abomináveis esquadrões  

da morte. Contribuiria pra que lá  fora imaginassem que a Revolução compactuaria ou  

ao  menos  não   reprimiria  esses  processos   sumários  de  combater  o   crime.   (...)   Sou  

contra todas as penas de morte – sejam ditadas pelos esquadrões dos terroristas, dos  

policiais ou as penas capitais inseridas nas leis brasileiras após quase um século”264.

Neste   artigo,   Nasser   aproveita   para   explicar   ao   cineasta   e   aos   leitores   que 

Esquadrão da Morte, uma “máfia”, e a Scuderie, uma associação, são coisas distintas:  

“­ Preste atenção, Camus. Você julga possível que uma organização invisível, uma  

espécie de máfia, tenha sede, tabuleta na porta, estatutos, contabilidade, sócios em 

toda parte do mundo, embaixadores, militares, artistas, músicos, jornalistas? De 

comum entre a Scuderie e o Esquadrão só existe a caveira.

­E aquelas iniciais E.M.?

­Estavam na bandeira do grupo de Le Cocq desde os tempos da Polícia Especial,  

quando todos eram integrantes do Esquadrão  Motorizado.(...) Seria ingenuidade  

supor que uma organização de criminosos deixasse a sua assinatura, a sua marca  

sobre os cadáveres. (...)  Tire da sua cabeça, Marcel,  qualquer ligação  entre a  

Scuderie que tem uma existência oficial, que vive à  luz do dia – e esse bando de  

verdugos que quer substituir o aparelho legal da justiça”.265     

Se   é   uma   organização   formal,   qual   seu   objetivo   declarado   da   Scuderie? 

Perguntam­se o cineasta francês e os leitores. Ao que Nasser, o presidente de honra, 

com a  palavra,   responde:  “presta  auxílio  nas  estradas,  cuida  de  defender  os  autos  

contra os puxadores, é uma espécie de rotariana a Scuderie LeCocq.”266 Ia ficando para 

trás, então o David Nasser denunciador de torturas:264 NASSER, David. Le Cocq foi o antiesquadrão. RJ, O Cruzeiro, 23jun1971. p.20.

265 idem, p.21. 

266 Idem, ibidem.

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  “Sempre que alguém, em algum lugar, for atingido no seu direito natural – de  

gente, de animal humano – não me interessa a sua condição política, a natureza  

de seus atos. Eu o defenderei.” 267   

Entretanto, a vida é um direito natural. E, segundo Carmen da Silva, liberdade 

também. Mas em tempos de autoritarismo, a liberdade, como a democracia, podem ter 

sido muito propaladas, mas foram pouco exercitadas. Se, para David Nasser, a liberdade 

que defendia era a sua liberdade de imprensa, Carmen da Silva tinha noção de liberdade 

muito diferente:

“Enfim, por seu caráter abstrato, a palavra liberdade tem servido para rotular  

muita   coisa   que   seria   mais   propriamente   definida   como   egoísmo,   omissão,  

descompromisso, irresponsabilidade ou mesmo opressão.

Podemos definir liberdade como a capacidade de discernir e escolher. Discernir  

com lucidez, isto é,  ter consciência de si mesmo como individuo singular e, ao  

mesmo tempo, como parcela do mundo, influenciado por sua época e por suas  

circunstâncias e também capaz de exercer influência sobre elas. (...)

Vemos, pois, que a liberdade é uma árdua e lenta conquista interior. Entretanto,  

seu   exercício   real   só   é   possível   a     partir   de   liberdades   concretas   no   plano  

biológico,   econômico,   social   e   político.   Sem   pão,   vivenda,   saúde,   instrução,  

trabalho, garantias e seguranças normais, direito à  convivência e à  participação  

nas decisões coletivas, o individuo está  esmagado   e com suas possibilidades de  

escolha anuladas. Não é à toa que ninguém se incomoda com as reivindicações de  

liberdade abstrata;  as  objeções     críticas  surgem é   quando são  reclamadas  as  

liberdades concretas que lhe servem de fundamento.”268

267 NASSER, David. O mal menor, RJ, O Cruzeiro, 26dez64, p. 7.

268 SILVA, Carmen. Por que é preciso ser livre?, SP: Claudia, ago1971, p. 131.

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Por afirmações  como essa, recorrentes em seus artigos, considero o trabalho de 

Carmen  da  Silva  na   imprensa  como atividade  de   resistência   ao   regime   autoritário, 

violentamente coercitivo, instalado no país a partir de abril de 1964, já que:

“Nesse ambiente,  fazer oposição  podia significar uma infinidade de coisas. De  

fato,   as   formas   de   participação   e   o   grau   de   envolvimento   na   atividade   de  

resistência variavam muito desde ações espontâneas e ocasionais de solidariedade  

a   um   perseguido   pela   repressão   até   o   engajamento   em   tempo   integral   na  

militância   clandestina  dos  grupos  armados.  Entre  esses  dois   extremos,   ser  de  

oposição   incluía assinar manifestos,  participar de assembléias e manifestações  

públicas, dar conferencias, escrever artigos, criar músicas, romances, filmes ou  

peças de teatro; emprestar a casa para reuniões políticas, guardar ou distribuir  

panfletos de organizações ilegais, abrigar um militante de passagem; fazer chegar  

à imprensa denúncias de tortura, participar de centros acadêmicos ou associações  

profissionais, e assim por diante.

Dadas as características do regime, qualquer desses atos envolvia riscos pessoais  

impossíveis de ser avaliados de antemão.”269          

Dotada de sólida consciência política,  Carmen da Silva,  não dispensava uma 

oportunidade sequer de pôr seus leitores em contato com a triste e dolorosa realidade do 

país,   sob  um regime  autoritário   e  violento.  Defendia   a   liberdade,  como defendia  o 

diálogo, como neste artigo em que celebra o oitavo aniversário da seção “A arte de ser 

mulher”: 

269  ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de e WEIS, Luiz. “Carro­zero e pau­de­arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar”, in: SCHWRCZ, Lilia Moritz. História da vida privada no  Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006. p. 328. 

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“Numa época em que a confraternização  coletiva só parece existir no plano do  

transe místico ou da alucinação tóxica; num tempo em que a agressão substitui os  

argumentos e as mensagens procuram se impor mediante um impacto violento e  

brutal sobre os sentidos com gritos, uivos, lampejos, clarões, choques, e sacudidas  

que aturdem, embotam, estraçalham os nervos e anestesiam as faculdades críticas,  

vocês me provaram que ainda é  possível e fecunda a comunicação  ao nível da  

palavra, do diálogo racional, do debate no plano da inteligência. Apesar de tudo,  

a velha frase feita ‘é falando que a gente se entende’ continua em vigor: seja para  

concordar   ou   discordar,   há   oito   anos   que   vimos   nos   entendendo   às   mil  

maravilhas”.270  

                A jornalista e psicóloga construiu, assim, uma forma peculiar de resistência e 

luta, ao apostar no cotidiano como um meio – na verdade, talvez, o único – para as 

grandes transformações sociais. E, para isso, trabalhou como uma formiga:  

“a vida diária nos oferece infinitas oportunidades de contribuirmos para criar um 

futuro mais ajustado a nossas aspirações. A cada momento nos topamos com a  

hipocrisia,   a   injustiça,   a   desonestidade,   o  desrespeito  pelo   direito  de   outrem.  

Supor  que   isso   se  modificará   sem  intervenção  ativa  de  nossa  parte  é   cair  no  

otimismo infundado, é deixar correr o barco – o que em termos sociais representa  

uma omissão  culpável,  uma forma passiva de conivência com o mal.  Temos o  

dever   de   tomar   posição   muito   clara   e   contundente   ante   a   hipocrisia,   a  

inautenticidade, a ignorância, o erro. (...) Não se trata, porém, de assumir atitudes  

heróicas e romper lanças contra o mundo. Trata­se de realizar, dentro do âmbito  

social em que atua cada uma, a parte que lhe corresponde. (...)

Sem   dúvida,   é   o   trabalho   da   formiga.   E   talvez   nosso   orgulho   pretendesse  

realizações mais espetaculares. No entanto, qualquer pessoa que tenha observado  

270 SILVA, Carmen. Parabéns a  todas nós. SP, Claudia, set1971. p.78.

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a   tenacidade   e   paciência   com   que   a   formiguinha   constrói   e   abastece   seus  

domínios, há de reconhecer que o esforço vale a pena.”271

271 SILVA, Carmen. Otimismo para viver. SP, Claudia, nov1965, p.131

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Capítulo 2: PÚBLICO & PRIVADO

“A vida cotidiana nos coloca

ante infinidade de situações que exigem decisão, energia, coragem.

Tomá­las com ânimo dramático como faz o pessimista, é erro tão grave

como sacudir os ombros e esperar que as coisas se arranjem por si mesmas”.

(SILVA, Carmen da. Otimismo para viver. SP, Claudia, nov1965)

“Os Governos fazem a História,

os jornalistas a escrevem.

Nem sempre a mesma pode ser contada a quatro mãos”.

(NASSER, David. A voz do dono.RJ, O Cruzeiro, 13jun64)

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Nos artigos de David Nasser e Carmen da Silva é possível perceber diferenças 

marcantes na postura adotada por cada um deles em relação às esferas pública e privada 

da  vida   em  sociedade.  Considerando  o   espaço  público  aquele   no  qual  os   cidadãos 

organizados   em   associações   como,   por   exemplo,   os   partidos   políticos,   ou 

individualmente, como eleitores, atuam no sistema político no sentido de escolher ou 

conquistar, exercer ou fiscalizar o governo instituído. Em contraposição:    

“É   consenso   considerar   privado,   em   sentido   amplo,   o   âmbito   da   chamada  

sociedade   civil:   as   atitudes,   atividades,   relações,   instituições   e   formas   de  

organização não  voltadas para o sistema político, ou, mais especificamente, não  

orientadas para influenciar conquistar ou exercer o governo. Assim, fazem parte  

do universo privado: a família, o círculo de amizades, as relações amorosas, a  

experiência religiosa ou mística, o trabalho, o estudo, o lazer, o entretenimento e a  

fruição da cultura.”272

Considerando o Estado Autoritário vigente no país desde 1964, os autores Maria 

Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Weis observam ainda que:

“Nos regimes de força, os limites entre as dimensões pública e privada são mais  

imprecisos e movediços do que nas democracias. Pois, embora o autoritarismo  

procure restringir a participação política autônoma e promova a desmobilização,  

a resistência ao regime inevitavelmente arrasta a política para dentro da órbita  

privada.   Primeiro,   porque   parte   ponderável   da   atividade   política   é   trama  

clandestina   que   deve   ser   ocultada   dos   órgãos   repressivos.   Segundo,   porque,  

reprimida, a atividade política produz conseqüências diretas sobre o dia­a­dia.  

272  ALMEIDA, Maria Hermínia e Weis, Luiz. “Carro­zero e pau­de­arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História Privada no Brasil. Contrastes  da intimidade contemporânea.  São Paulo: Cia. Das Letras, 2006. p.327.

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Pode implicar perda de emprego; mudança de casa; afastamento da família, dos  

amigos e parceiros, e ainda, prisão, exílio, morte.”273      

Com ironia e bom humor, Carmen da Silva aponta, além da presença da política 

do cotidiano, para a tradição autoritária da sociedade brasileira, na qual as relações de 

dominação extrapolam da esfera política percorrendo as demais a relações sociais. Em 

seu   livro   autobiográfico  de  memórias,   a   jornalista   destaca   a   presença  marcante   da 

política,  como campo de   tensão permanente  entre  dominadores  e  dominados,   sobre 

vários aspectos da vida privada, desde o dia em nascemos: 

“Não é à toa que o Dr. Leboyer, ao tomar a si a tarefa de organizar uma recepção  

menos traumática para os recém­nascidos, encontrou a mais ferrenha oposição  

entre os médicos tradicionais, que o acusavam de querer ‘politizar’ o parto. Daí  

surgem algumas interrogações que me deixam bem perplexa. Parto ‘apolitico’,  

então seria aquele sobre o qual o médico, em representação da sociedade, exerce  

um controle absoluto: ele dirige a concepção ou a anticoncepção, proíbe o aborto  

(e lucra com ele debaixo do pano), fixa a data do nascimento de acordo com as  

conveniências de sua agenda, induz o processo, faz as cesarianas necessárias e  

supérfluas e,de quebra, dá  seus bons safanões no pequeno intruso: uma criança a  

mais num mundo já   tão  cheio. Parto ‘apolítico’,  sempre segundo esse critério,  

seria aquele que garante ao Estado total domínio sobre o cidadão.  Porque, na  

verdade, que docilidade se pode esperar de um folgado que vem ao mundo sem  

sequer receber um sopapo para baixar­lhe a crista e ensinar­lhe o que é bom?  

Como poderá a sociedade manipular a seu arbítrio indivíduos que não engoliram,  

junto com o primeiríssimo hausto de ar, uma lição de humildade, a noção de que  

esta terra é mesmo um vale de lágrimas? É de pequenino que se torce o pepino,  

273 idem,  ibidem.   

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ensina o ditado. Gente não dobrada e pepino não torcido dão maior subversão. Na  

salada ou na Ordem Constituída, conforme o caso.”274      

Em sua seção “A Arte de ser  mulher”  na  revista  Claudia,  Carmen da Silva 

propôs que a relação entre o público e o privado seja dada pela coerência entre opções 

pessoais   concernentes   à   vida   privada   e   a   atuação   no   espaço   público.   Dirige­se 

predominantemente   às   mulheres   porque   a   elas   historicamente   foi   permitida 

preferencialmente   a   vivência   em   circuito   privado,   sendo­lhes   muito   reduzidas   as 

possibilidades de atuação em âmbito público, ou seja,  a participação política. E mesmo 

nas   relações   familiares   e   conjugais,   esteve   tradicionalmente   submetida   ao   poder 

masculino exercido pelo pai ou marido. Sobre as relações entre público e privado e a 

repartição   de   poderes   entre   os   sexos,   desde   o   século   XIX,   observa   a   historiadora 

Michelle Perrot:

“Esboça­se um triplo movimento no século XIX: relativo retraimento das mulheres  

em   relação   ao   espaço   público;   constituição   de   um   espaço   privado   familiar  

predominantemente   feminino;   superinvestimento   do   imaginário   e  do   simbólico  

masculino   nas   representações   femininas.   Mas   algumas   ressalvas   preliminares.  

Primeiramente, nem todo público é  ‘político’, nem todo público é  masculino. A  

presença das mulheres, tão  forte na rua do século XVIII, persiste na cidade do  

século XIX, onde elas mantêm circulações do passado, cercam espaços mistos,  

constituem espaços próprios. Por outro lado, nem todo o privado é feminino. Na  

família, o poder principal continua a ser o do pai, de direito e de fato. (...) Na  

casa, coexistem lugares de representação (o salão burguês), espaços de trabalho  

masculino (o escritório onde mulher e filhos só  entram nas pontas dos pés).  A  

fronteira entre público e  privado é   variável,  sinuosa e  atravessa até  mesmo o  

micro­espaço doméstico.”275        274 SILVA, Carmen. Histórias Híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.10.

275 PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.180.

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É precisamente sobre esta historicidade da participação feminina na sociedade 

que Carmen da Silva pretendeu exercer influência, transformando­a. Para isso, fez de 

sua seção na revista Claudia uma tribuna de onde discursou chamando as mulheres a se 

questionarem a respeito de seus papéis em família e em sociedade. E ainda sobre novas 

possibilidades  de estar  no mundo,  uma vez que desde a  década de 30 as mulheres 

brasileiras haviam conquistado o direito de votar e serem votadas. Dizia Carmen da 

Silva aos seus leitores em 1964:      

“quando em princípios  deste  século  as   ‘sufragistas’  saíram à   rua reclamando  

direitos civis para a mulher, o caráter pioneiro de suas reivindicações obrigou­as  

a um grande desgaste de energia e até  de agressividade.   (...)  graças aos seus  

sacrifícios, hoje recebemos em bandeja, já ao nascer, coisas que há um século nos  

eram negadas. Exceto em alguns países ainda sumamente primitivos, as mulheres  

atualmente votam, tem assegurada por lei a liberdade de escolher seu trabalho,  

sua carreira, seu marido; tem voz ativa na disposição  dos bens do casal, podem 

candidatar­se a cargos públicos – em suma, são cidadãs com plenitude de direitos  

sem mais necessidade de lutar.”276

 

A nova sociedade,  cuja  construção era pregada por Carmen da Silva previa, 

portanto,   o   rompimento   com   o   modelo   patriarcal   caracterizado   pelo   autoritarismo 

masculino e submissão feminina, permitindo a igualdade de direitos e deveres entre os 

sexos, seja em âmbito público ou privado, na política ou em família:

“Em síntese, antes de mais nada, teremos que corrigir as distorções subjetivas e  

adotar uma ótica racional. Logo, começaremos por banir de nossa casa o sistema  

276 SILVA, Carmen. A favor... Não contra os homens! SP, Claudia, mar1964, p.106.

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patriarcal   nos   aspectos   que   está   em   nossas   mãos   modificar   de   imediato:   a  

servidão da mulher ao lar, sua exclusão da participação ativa no mundo. A partir  

daí   ­       quem   sabe?   –   irão   desaparecendo   por   si   sós   outras   facetas   do  

patricarcalismo que nos são decididamente ingratas: o autoritarismo do marido,  

os  direitos  abusivos  que ele  se  arroga    (dominação,   infidelidade),  a  noção  de  

superioridade masculina e de subalternidade feminina que ainda permeiam nossos  

valores. E, sendo a família a célula­máter da sociedade, a derrubada do sistema 

patriarcal  dentro  dos   lares,  poderá   talvez...  mas  não,   vamos  subir  o  primeiro  

degrau   antes   de   arriscar   prognósticos   sobre   o   que   nos   espera   no   topo   da  

escada.”277

 

Consciente, portanto, de que tais mudanças ocorreriam cotidiana e lentamente, 

pois   era   imprescindível   uma   mudança   de   mentalidade   antes   da   mudança   de 

comportamento,   Carmen   da   Silva   nunca   esmoreceu   em   seu   desejo   de   liberdade   e 

igualdade para homens e mulheres, a despeito das resistências que encontrou tanto neles 

como nelas. A mensagem central que Carmen da Silva queria transmitir aos leitores era 

a sua:

“certeza de que uma existência  transcorrida em passividade e automatismo só  

pode ser fonte frustrações, aridez, vazio, desgosto de si mesmo, decepções com os  

demais,   senso   inconfortável   e   humilhante  de  despersonalização,  deslocamento,  

marginalização no mundo. Vivendo como barcos à  deriva não sabemos a ciência  

certa onde estamos: o lugar que ocupamos se nos afigura usurpado ou concedido  

por um favor da sorte que a qualquer momento poderia cessar.”278  

Assim,  de  acordo com o pensamento de Carmen da  Silva expresso em seus 

artigos  na   seção  “A Arte  de   ser  mulher”,   a   conquista  de  um  lugar  no  mundo  é   o 

277 SILVA, Carmen. O complexo de dona­de­casa. SP, Claudia, jun1967. p.120.

278 SILVA, Carmen. Parabéns a  todas nós. SP, Claudia, set1971. p.71­72.

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caminho  para  a   “vida  plena”,  ou   seja   a  vida  com  independência   e   liberdade,  duas 

“necessidades vitais”, segundo ela. Aos que almejam viver plenamente, contudo, são 

impostos alguns pré­requisitos. O principal é  que se  tenha atingido um determinado 

grau de maturidade intelectual e afetiva. Tal amadurecimento, por sua vez, é pontuado 

por   certas   etapas   imprescindíveis   ao   desenvolvimento   de   homens   e   mulheres:   a 

consciência de si, num primeiro plano, e a consciência dos outros, como conseqüência. 

Em poucas palavras, esta é a causa defendida por Carmen da Silva presente em todos os 

seus artigos. Em todos os temas que abordou: casamento, filhos, trabalho, juventude, 

sexo, divórcio, etc. este conjunto de valores deram o tom, desde os primeiros textos. 

Valores fundamentados em convicções pessoais, segundo a autora:

“Em setembro de 1963 eu estreava na então recém­nascida seção ‘A Arte de ser  

mulher’. Voltava ao Brasil após muitos anos – bonitos, transbordantes, decisivos –  

de residência no estrangeiro. (...) Mesmo em meio aos tateios e vacilações iniciais,  

eu   já   trazia   uma   firme   e   profunda   convicção,   nascida   de   vivências   pessoais,  

marcada a ferro e fogo na carne, incrustada na mente,  incorporada à  própria  

massa do sangue. (...) É só tomando nas mãos as rédeas do destino, construindo­o  

e construindo­se, que se alcança um razoável domínio sobre a insegurança e se  

conquista   a   sensação   de   plenitude,   de   vida   vivida   numa   dimensão   total.   É  

querendo,  fazendo  e  sendo – com toda a angústia, com todos os riscos que isso  

implica – que perdemos a condição de joguetes do acaso e assumimos o caráter de  

protagonistas desta aventura apaixonante e singular é a própria existência.”279      

Nos   seus   primeiros   artigos,   nos   quais   procurava   despertar   nas   leitoras   a 

consciência de si, chamava a atenção das leitoras para um determinado sintoma muito 

comum entre as mulheres, sobretudo as casadas, ‘diagnosticado’ pelo que a feminista e 

279 SILVA, Carmen. Parabéns a  todas nós. SP, Claudia, set1971. p.78. grifo original.

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escritora norte­americana Betty Friedan denominou  de “mística feminina”280, conceito 

atualíssimo em 1963, resumido por Carmen da Silva da seguinte forma:

“isto é, um conceito de feminilidade que entra em conflito com as mais legítimas  

exigências anímicas do ser humano normal. A mulher deve ser terna, paciente,  

meiga, um pouco incapaz ante a vida prática, dependente, com um certo matiz de  

puerilidade...   (...)   Incapacidade,   dependência,   puerilidade...   serão   deveras  

inerentes à  condição feminina? Com um mínimo de honestidade, responderemos:  

não. São características infantis; num adulto só revelam falta de maturidade.”281   

Daí  o título do artigo “Uma pequena rainha triste”, numa alusão ao romance 

infanto­juvenil  O   Pequeno   Príncipe,   do   escritor   francês   Saint­Exupéry,   em   que   o 

personagem principal em visita a um asteróide habitado unicamente pelo rei, que por 

isso, na verdade, não reinava sobre nada. Segundo Carmen da Silva, “nossa sociedade  

outorga à  mulher, esposa e mãe, o título de rainha do lar. Árbitro e senhora de seu  

diminuto universo. Mas... não será ela também uma rainha triste?”282

Em outro artigo, explora outro aspecto sobre a mulher dona­de­casa referente 

precisamente à “magnitude que o trabalho doméstico assume em seus pensamentos, em  

seus sentimentos. A impossibilidade de livrar­se dele como escravidão mental – mesmo 

que não o tenham como obrigação material”283. Citando outras importantes pensadoras, 

pioneiras no debate acerca das questões propriamente femininas, as ensaístas francesas 

Evelyne Sullerot e Simone de Beauvoir284, Carmen da Silva afirma que “diga­se o que  280 Conf. FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971.   

281 SILVA, Carmen. Uma pequena rainha triste. SP, Claudia, nov1963.p.125.

282 idem, p.124.

283 SILVA, Carmen. O complexo da dona­de­casa. SP, Claudia, jun1967. p.120.

284 conf. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

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disser sobre a mentalidade da mulher moderna, ainda há  uma ideologia doméstica,  

uma noção de moral associada às tarefas do lar”:

“A ensaísta Evelyne Sullerot acentua esse aspecto dos trabalhos caseiros: “O bem 

e o mal  são   inseparáveis do menor gesto.  É  bem  lavar   fraldas,  é  mal   ler  um  

romance enquanto há fraldas por lavar. Fazer sacrifícios é bem,evitá­los é mal.

Também Simone de Beauvoir enfatiza o lado moral atribuído à  lida, a sujeira e os  

detritos simbolizando o mal, a ordem e a limpeza representando o bem. Vai mais  

longe e mostra a índole obsessiva que os afazeres assumem: ‘A dona de casa não  

tem a impressão  de conquistar um bem positivo e sim de lutar indefinidamente  

contra o mal:  é  uma luta que se  renova todos os  dias.  Lavar,  passar,  varrer,  

descobrir os flocos de poeira escondidos sob armários é recusar a vida, embora  

detendo a morte: pois num só movimento o tempo cria e destrói : a dona de casa  

só lhe apreende o aspecto negativo. Através dos resíduos que deixa atrás  de si  

toda   expansão   viva   ela   ataca   a   própria   vida’.   (...)   Voltando   à   associação  

inconsciente a casa e o próprio corpo, começamos a compreender o sentido da  

domesticidade obsessiva e a índole ‘moral’ atribuída às tarefas do lar: a sujeira, o  

pó, a desordem são o ‘mal’ porque representam os despojos do ventre materno; a  

limpeza e a ordem são o ‘bem’ porque implicam num intento de reparar o que a  

nossa agressão danificou.”285

Carmen da Silva, propõe então um novo enfoque sobre a questão, de ordem 

prática e   imediata,  para se começar mudar  tal  estado de coisas,   libertando­se de tal 

“escravidão mental”: 

 

“Limpar, arrumar, varrer, lavar quando for necessário, sem perder de vista o fato  

de que a casa foi feita para nós e não nós para a casa. Fiscalizar a empregada, se  

as   temos,   na  medida   em  que   sua   inexperiência   exige   fiscalizações   e   tratá­las  285 SILVA, Carmen. O complexo de dona­de­casa. SP, Claudia, jun1967. p. 120.

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humanamente, sem fazer delas o centro de nosso panorama mental. Usar as mãos  

e a inteligência para realizar a lida. (...) Solicitar  a colaboração do marido e dos  

filhos  que  já   estão  em  idade  adequada,  ela  nos  é  dada de  boa vontade e  até  

espontaneamente, se a merecemos. Mas não deixemos ao homem todo o ônus do  

trabalho externo e da manutenção  do lar, não  seria eqüitativo pedir­lhe auxílio  

também nas tarefas domésticas.”

Assim, a prevalecer o princípio da equidade, se o homem pode ser solicitado a 

auxiliar nas tarefas domésticas,  igualmente a mulher  também pode e deve colaborar 

com trabalho externo ao lar. Para Carmen da Silva este,  aliás,  é  um aspecto fulcral 

alcançar a almejada transformação social. Pois, tornando­se economicamente produtiva, 

a  mulher,   como  o   homem,  poderia   conquistar   independência   e   liberdade   e,   assim, 

alcançar o  exercício da plena cidadania. O trabalho seria o meio capaz de garantir a sua 

autonomia   financeira   e   assegurar   a   sua   inclusão   social,   na   qual   passariam   a   ter 

participação   ativa.   Entre   1963   e   1973,   Carmen   da   Silva   tratou   deste   assunto   em 

diferentes abordagens. 

O primeiro artigo sobre o tema, “Trabalhar para não ser bibelô” , foi publicado 

na edição de  agosto de 1964. Nele, a articulista responde à pergunta sobre se deve a 

recém­casada trabalhar, comparando as “moças de hoje” às suas avós: “a avó passou  

diretamente da infância para ao matrimônio; em realidade até  o nascimento de seu  

primeiro   filho   ela   brincava   de   bonecas  às   escondidas  do   marido   e   dos   pais,   que  

rivalizavam em severidade”. Para a “noiva de hoje” o “casamento não  significa uma 

resignação  ao destino ou uma norma inarredável, mas sim em escolha, uma decisão  

livremente assumida”. Desta forma, afirma:

“a recém­casada, mesmo nas melhores condições pecuniárias, terá  um trabalho  

remunerado, isto é, uma tarefa que constitua obrigação, compromisso”. (...) Sabe  

que  trabalhar é, entre outras coisas, um modo de estar aberto ao mundo, de nele  

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participar   como   uma  presença    e   não   como   um   peso   morto;   se   seu   marido  

trabalha e ela não hão de viver os dois em planos diferentes da realidade e isso  

pode criar um abismo de surda desinteligência. Só entre seres da mesma espécie é  

possível  uma   linguagem comum.   (...)  Sintetizando:  a   jovem moderna   recusa  o  

papel de bonequinha de luxo, de bibelô do lar, de flor de estufa: sabe muito bem  

que sua avó pagou por essas vantagens fictícias um preço real de submissão  e  

imaturidade.  Por   fim,  ela  não   ignora que vive  numa época de  instabilidade  e  

transição,  na qual o único patrimônio verdadeiramente seguro é a própria força  

de trabalho.”286

Em dezembro de 1964,  no artigo “As razões da   independência”,  Carmen da 

Silva volta o tema, observado agora pelo significado da independência, definida pela 

autora como uma ‘necessidade vital’ cuja falta é provocadora de inúmeros distúrbios 

até mesmo emocionais:        

 

“Há  certos bens – especial e proverbialmente a saúde, a boa reputação  – aos  

quais ninguém presta maior atenção enquanto os tem.(...) Só quando perdidos são,  

finalmente, apreciados em seu justo valor. Outros, pelo contrário, só  podem se  

cabalmente avaliados por quem os possui em plena vigência; quem deles carece  

não os compreende a fundo, desconhece seus alcances, duvida de suas vantagens.  

Tal é o caso da independência, qualidade mais fácil de sentir do que de explicar,  

pois mais do que noção abstrata ela é, sobretudo vivência, impulso anímico, modo  

de ser.(...) Ela é uma necessidade vital um clamor que está na massa do sangue de  

qualquer um. Emudecido, oprimido, negado, esse grito do espírito se transforma  

em mal­estar subjetivo, insatisfação,  receios difusos, tensão interior, insegurança  

e ansiedade. Por isso a pessoa adulta que vive sob o amparo material e moral de  

outra, absorvendo as opiniões que já  vêm pré­fabricadas, (...) substituindo o ‘ser’  

pelo ‘estar’ e o ‘pensar’ pelo ‘fazer’, reconhecendo­se apenas como membro de  286 SILVA, Carmen. Trabalhar para não ser bibelô. SP, Claudia, ago1964. p.121. Grifos originais.

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determinado grupo ou família, mas não como parcela decisiva da humanidade (...)  

habita um castelo de cartas que ameaça ruir ao mais leve sopro da brisa, e não  

consegue   evitar   a   ingrata   sensação   de   que   tudo   é   precário,   cambaleante,  

instável.”287  

O tema mobilizou leitores e leitoras que escreveram em cartas sua indignação e 

desconforto em relação ao assunto.  No artigo,  Carmen expõe a  opinião do público, 

destacando a “avalancha de cartas que nos chegam cada vez que um artigo desta seção  

concita as mulheres a conquistarem sua independência”. Quanto ao teor das cartas, 

esclarece:

“É   certo   que   algumas   dessas   missivas   constituem   testemunhos   alentadores,  

objetivos   e   valiosos.   A   maioria,   entretanto,   contêm   indignados   protestos   de  

leitores   de   ambos   os   sexos.   Os   homens   agem   como   se   alguém  –   no   caso,   a  

articulista – estivesse tratando de ‘desencaminhar’ suas noivas e esposas com a  

mais censurável  leviandade, metendo­lhes perniciosas caraminholas na cabeça.  

(...)    não  há   textos,   conferências,  conselhos  ou exortações  capazes  de exercer  

influência adversa sobre a mente equilibrada, que pensa com autonomia e julga  

com isenção  –  isto é,  a  mente de um ser  livre.  De modo que esses  ardorosos  

defensores do velho esquema de dependência feminina, em última estância não  

confiam   –   sabem   que   não   podem   confiar   –   no   critério   de   suas   esposas,  

precisamente pelo fato de elas não serem independentes.

Por sua vez, as cartas das mulheres, deixam transparecer sob o tom enfático e a  

aparente racionalidade do conteúdo, uma corrente subterrânea de pânico, uma 

velada e quase patética imploração: ‘Deixem­nos nos em paz, queremos continuar  

acreditando que tudo está  bem assim; quem é a senhora para vir pôr o dedo na  

chaga que preferimos manter oculta?”288

287 SILVA, Carmen. As razões da independência. SP, Claudia, dez1964. p.129. grifo original.

288 SILVA, Carmen. As razões da independência. SP, Claudia, dez1964. p.129.

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Observa­se   assim,   estabelecida   entre   a   jornalista   e   o   público,   o   que   Roger 

Chartier chamou de   “tensão fundamental” sempre presente na relação entre autores e 

leitores. Segundo o historiador: 

“abordar a leitura é, portanto, considerar conjuntamente, a irredutível liberdade  

dos   leitores   e   os   condicionamentos   que   pretendem   refreá­la.   Esta   tensão  

fundamental pode ser trabalhada pelo historiador através de uma dupla pesquisa:  

identificar a diversidade das leituras antigas a partir dos seus esparsos vestígios e  

reconhecer as estratégias através das quais autores e editores  tentavam impor  

uma   ortodoxia   do   texto,   uma   leitura   forçada.   Dessas   estratégias   umas   são  

explícitas, recorrendo ao discurso (nos prefácios, advertências, glosas e notas), e  

outras implícitas,  fazendo do texto uma maquinaria que, necessariamente, deve  

impor uma justa compreensão.  Orientado ou colocado numa armadilha, o leitor  

encontra­se,   sempre,   inscrito   no   texto,   mas,   por   seu   turno,   este   inscreve­se  

diversamente nos seus leitores”.289

 

O assunto continuou gerando bastante polêmica entre os leitores e Carmen da 

Silva retornou a ele em setembro de 1965 com “Resposta a um mito”: “Cada vez que  

esta   seção  aborda  o   tema   ‘independência     feminina’,   ‘participação  da   mulher  na  

sociedade’, ‘trabalho’,  já  sei que posso esperar uma avalanche de cartas”. O mito, 

segundo a articulista, era o argumento utilizado pelas leitoras que refutavam a idéia de 

desenvolver atividade remunerada fora de casa por considerar tal prática incompatível 

com os cuidados com a família e a casa. A sua resposta:       

   

“Compreendo perfeitamente a acusação de destrutividade, e, num certo senso, ela  

é justa: eu trato de destruir os mitos aos quais muitas mulheres ainda se apegam.  

289 CHARTIER, Roger. A História Cultural, entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1988, p. 123. 

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Um desses mitos é o da impossibilidade prática de conciliar as atividades externas  

com as do lar. A missivista – e, antes dela, algumas centenas de leitoras – pede  

idéias e práticas. Todas clamam por soluções.

Essa atitude de pôr suas decisões em minhas mãos  vem corroborar o já  

mencionado desejo de fugir à responsabilidade. (...)   

É  curioso que precisamente nas classes pobres as famílias costumem ser muito  

mais   numerosas   que   nos   grupos   mais   economicamente   mais   favorecidos.   As  

famílias operárias em geral têm seis, oito, dez filhos. Mas essas mães trabalham.  

Trabalham porque não têm mais remédio, não podem se dar ao luxo de esgrimir  

escusas. Convém que as ‘rainhas tristes’ reexaminem seus pretextos com o intuito  

de ver se eles não se destinam apenas a convalidar privilégios.”290 

Carmen da Silva, contudo, não recuava de seu ponto de vista, apesar da forte 

resistência encontrada junto aos seus leitores, como ela mesma mostra, quando descreve 

o teor das cartas dos leitores:

“Algumas de apoio (não as mais numerosas por certo), procedentes de mulheres  

que,  baseadas numa vasta  experiência  pessoal  de  maridos  a  atender,   filhos  a  

cuidar,   tarefas  domésticas  que  desempenhar  ou   fiscalizar   e,   ainda,   atividades  

alheias ao lar, declaram­se realizadas e felizes. Ou de jovens solteiras de mente  

alerta   e   espírito   vivaz,   que   se   manifestam   dispostas   a   fazer   de   seu   futuro  

matrimônio  uma  forma a  mais  de enriquecimento  da  personalidade e  não  um 

pretexto para a mutilação de si mesmas.

Outras, de homens que com indisfarçável tonzinho feudal, põe a boca no mundo  

alegando que querem as suas esposas dentro de casa, submissas, obedientes, sem  

horizontes além das quatro paredes, com os olhos fechados a tudo que não seja a  

grandeza de seu dono e senhor.(...) 

290 SILVA, Carmen. Resposta a um mito. SP, Claudia, set1965. p.143.

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A imensa  maioria de  missivas,  entretanto,  é   constituída de  protestos,  às  vezes  

bastante amargos, de mulheres casadas, ‘pequenas rainhas tristes’ que se sentem  

atacadas,   tomando  por  agressão  as  minhas   palavras   de   incitação   e   estímulo.  

Ofendidas e irritadas por certas verdades que lhes ficam remoendo na alma e que  

preferiam ignorar.”291

Otimista, antes de mais nada, Carmen da Silva, reitera seu apelo às donas de 

casa que acompanham seus artigos em Claudia para que examinem e reconsiderem as 

suas possibilidade de estar no mundo:

“Circulamos   todo   o   dia   entre   produtos   do   esforço   humano.   Não   podemos  

prescindir de determinados bens e serviços que dezenas de séculos de atividade  

humana puseram à nossa disposição. 

Acho   que   é   necessária   uma   grande   insensibilidade   de   consciência   para   que  

alguém possa sentir­se eximido de acrescentar seu grãozinho de areia – modesto,  

se for o caso, mas bem intencionado – a essa herança universal. Tanto mais que  

ela nos foi legada por gente que também morou, limpou, preparou refeições, se  

multiplicou.

Homem ou mulher, celibatária ou casada, dona de casa, mãe: a dívida é de todos,  

sem exceção. Podemos, talvez fechar os olhos a esse compromisso de honra. Mas  

se o   fizermos,  não  nos sentiremos em paz.  Como não  se  sentem as  ‘pequenas  

rainhas tristes’, que começam a me pedir trégua – uma trégua que suas próprias  

consciências já não lhes querem dar.” 292    

Em “Mais  trabalho e  menos conversa”,  de  março de 1966, Carmen da Silva 

retorna ao tema novamente: “Desta vez o que vamos fazer é uma verdadeira ‘mesa­

291 idem, p.140.

292 SILVA, Carmen. Resposta a um mito. SP, Claudia, set1965. p.183

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redonda’. Tantas e tão  diversas foram as repostas ao artigo relativo ao trabalho da  

mulher – mais especificamente, da mulher casada – que não podemos fugir à incitação  

de voltar ao assunto. Salta à  vista que essa é uma questão que, no presente momento,  

está   fermentado   nas   consciências:   focalizá­las   é   malhar   a   ferro   quente.  E   é   isso  

justamente a que nos propomos”. Continua:

“Nada   mais   estimulante   para   nós   do   que   observarmos   essa   reação.   Não  

pretendemos   convencer   ninguém,   não   queremos   dar   a   ninguém   noções   pré­

fabricadas sobre o bem e o mal, sobre os deveres do individuo para consigo e para  

com a sociedade. Ao analisarmos e elucidarmos vários problemas da mulher como 

ser   humano   inserido   no   mundo,   nossa   intenção   é  fazer   pensar:   suscitar   a  

especulação, a dúvida, o debate, a reavaliação critica de certas idéias e opiniões  

até agora aceitas como pontos pacíficos – e que talvez não o sejam. A partir dessa  

reformulação, cada uma estará melhor equipada para escolher com mais lucidez e  

consciência o seu caminho.”293

Carmen  da  Silva  afirma,  portanto,  prezar   e  preservar   a   autonomia  dos   seus 

leitores. Cabe então lembrar o que afirma Michel De Certeau a esse respeito:

“A autonomia do leitor depende de uma transformação  das relações sociais que  

sobredeterminam   a   sua   relação   com   os   textos.   Tarefa   necessária.   Mas   esta  

revolução seria de novo o totalitarismo de uma elite com pretensão de criar, ela  

mesma, condutas diferentes e capazes de substituir uma Educação  anterior por  

outra   normativa   também,   se   não   pudesse   contar   com   o   fato   de   já   existir,  

multiforme embora sub­reptícia ou reprimida, uma outra experiência que não é a  

da passividade.”294 

293 SILVA, Carmen. Mais trabalho e menos conversa. SP, Claudia, mar1966. p.46. grifo original.

294 DE CERTEAU, Michel, A Invenção do Cotidiano. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 268.

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Carmen da Silva, mesmo estimulando suas leitoras a pensarem autonomamente 

e recebendo muito bem todas as críticas e até rejeições às suas idéias, guarda dentro de 

si, enquanto autora, a representação de um leitor “ideal”, que saberia ler seu trabalho 

dando­lhe   a   interpretação   “correta”.   Mesmo   respeitando   o   tempo,   o   limite   e   as 

diferenças para a aceitação de suas idéias, permanece a tensão constante entre leitores e 

autores/editores: 

“Há  portanto tensão  entre dois elementos. De uma parte, o que está  do lado do  

autor,  e por vezes do editor,  e  que visa  impor explicitamente maneiras de ler,  

códigos de leitura (foi lembrada a proliferação  crescente de prefácios), seja de  

maneira mais subreptícia uma leitura precisa (através de  todos os dispositivos  

evocados   antes,   sejam   tipográficos   ou   textuais).   Este   conjunto   de   intenções  

explícitas ou depositadas no próprio  texto,  no  limite,  postularia que um único  

leitor pudesse ser o verdadeiro detentor da verdade da leitura.”295   

Em  seus   artigos,   Carmen   da   Silva   busca   a   adesão   dos   leitores   operando   o 

discurso da mudança:

 “estar vivo é, precisamente, mudar. Não apenas cada 365 dias: a vida não espera  

tanto. Nesse sentido, seria mais adequado dizer: dia novo, vida nova. (...) Cultivar  

a mesmice é uma das mais difundidas defesas contra o medo de mudar, porque é  

acolher o desconhecido que apavora, pois carecemos de mais já   testados para  

lidar com ele.”296 

295 CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura, São Paulo, Estação Liberdade, 1998, p. 245.

296 SILVA, Carmen. Olhe, aqui, menina, em 69 vamos é viver. SP, Claudia, dez1968. p.136.

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Utilizando expressões como “mulher moderna”, “jovem de hoje”, “possuidoras 

de um espírito vivaz” para designar aquelas mulheres que ela considera maduras que, 

portanto, foram capazes de vencer o medo e corajosamente se lançaram à conquista de 

seu lugar no mundo optando assim por viver plenamente, ao contrário de suas mãe, a 

geração anterior,  das   ‘pequenas  rainhas   tristes’  e  suas vidas  vazias porque presas  a 

tradições que as mantém alienadas do mundo. Naturalmente, a jornalista espera que as 

leitoras   se   identifiquem com o  modelo  de  mulher  moderna,   levando  adiante  o   seu 

projeto de transformação da sociedade. Em um de seus artigos publicado em 1968, isto 

é particularmente notável:

“As jovens de nossos dias começam a sofrer um sintoma que, forçando uma pouco  

a metáfora, eu chamaria de ‘claustrofobia ao casamento’. Para a mentalidade da  

moça moderna, inteligente, instruída, participante, instalada no mundo de hoje, a  

união   matrimonial   em  bases   tradicionais   vai­se   tornando   cada   vez  mais   uma  

espécie de recinto fechado, um circulo estreito, uma asfixiante enxovia; não é de  

surpreender que ela dispare assustada ante a perspectiva de ver sua existência  

estiolar­se entre os muros sombrios de uma prisão perpétua.

A diferença entre essa atitude e a do claustrofóbico é que este receia fantasmas  

criados  por  sua  própria   imaginação  doentia,  ao  passo  os   temores  com que  a  

mulher de hoje encara o casamento  são concretos, realistas, fundados e, portanto,  

nada tem de neuróticos.”297

Conclamando   estas   jovens,   “criaturas   pertencentes   ao   sexo   que   só   é   frágil  

quando quer e porque quer” a construir o novo, pois “se as jovens de hoje desejam que  

o casamento passe a ser erigido em bases novas, cabe­lhes a tarefa de construí­las”, 

adverte, contudo:

 

297 SILVA, Carmen. Claustrofobia ao casamento. SP, Claudia, fev1968. p.43.

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“ não basta fazer das próprias idéias uma bandeira pessoal – e desfralda­las com 

azeda  ambivalência.  Como  também não  basta   esgrimi­las  ante  o  homem que,  

naturalmente,   não  as  aceitará   de  boa   vontade.  É   preciso   compreender  que  a  

reformulação das bases do casamento implica numa reformulação  total do nosso  

conceito   do   homem,   da   mulher,   das   relações   humanas,   da   sociedade.   (...)  

Trabalho,   a   melhor   tática:   ingressando   na   vida   conjugal   com   uma   atividade  

estável, a mulher já  tem a seu favor o fato consumado, o que simplifica as coisas.  

E quando, isso ocorre, raramente é necessário que o casal se empenhe em grandes  

debates   teóricos   sobre   os   direitos   da   mulher   à   autonomia,   ao   respeito   como  

pessoa, à realização de objetivos próprios. Pois não sendo ela dependente, ele não  

terá  veleidades de tratá­la como tal: sua condição de ser humano livre já  estará  

implicitamente afirmada, reconhecida, condicionando as atitudes do marido.”298

A noção de tática, proposta por Carmen da Silva neste artigo, de mudar as bases 

do casamento preservando a instituição, está encontra identificação com a definição de 

tática elaborada por De Certeau:  

“Denomino,   ao   contrário,   ‘tática’   um   cálculo   que   não   pode   contar   com   um  

próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade  

visível. A tática só tem por lugar o do outro. Aí ela se insinua, fragmentariamente,  

sem apreende­lo por inteiro, sem poder retê­lo à distância. Ela não dispõe de base  

onde  capitalizar  os   seus  proveitos,   preparar   suas  expansões   e  assegurar  uma  

independência em face das circunstâncias. (...) Tem constantemente que jogar com  

os acontecimentos para os transformar em ‘ocasiões’. Sem cessar, o fraco deve  

tirar partido de forças que lhe são estranhas.”299            

298 SILVA, Carmen. Claustrofobia ao casamento. SP, Claudia, fev1968. p.140.

299 Idem, pp. 46­47.

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A própria jornalista desenvolveu suas táticas para manter­se na revista Claudia 

sendo voz dissonante dentro dela, por criticar uma sociedade na qual o mensário estava 

perfeita e comodamente adaptado. Durante os primeiros anos, principalmente, Carmen 

da Silva, escolheu cautelosamente os temas a tratar e mesmo as palavras a empregar:

“Cada vez mais esta seção se aproxima do que sempre desejamos que fosse: uma  

espécie de foro de debates, ponto de encontro entre Claudia e o pensamento da  

mulher   brasileira.   Uma   copiosíssima   correspondência,   trazendo­nos   os  

comentários   mais   variados,   as   reações   mais   contraditórias   e   cada   tese   que  

apresentamos, nos permite comprovar que não estamos monologando. E as cartas  

nos dão um índice valioso sobre quais os assuntos de mais palpitante atualidade,  

que  provocam mais   intensas   e  profundas   repercussões.  São    os   interesses,  os  

entusiasmos, os protestos e as vacilações das leitoras que nos ditam os temas a  

abordar.”300

Importante   destacar   dentro   deste   panorama  o   ano   de  1968,   quando   tem   início, 

durante o mês de maio,  em Paris, um amplo movimento de estudantes que sai às ruas 

em   luta   por   liberdade.   A   agitação   encontrou   ressonância   em   diversas   cidades: 

Berckeley, Berlim, Varsóvia, Praga. E , de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais 

tarde, acabariam repercutindo no mundo inteiro. Olgária Matos explica que aquele foi o 

“momento em que a luta política coincide com um estado de alegria e de exuberância;  

felicidade é sinônimo de luta”. Prossegue a autora:

“Nestas   manifestações   se   exprimiram   antecipações   da   felicidade   a   ser  

concretizada   imediatamente:   ‘tudo,   já’,   foi   um   dos   lemas   do   movimento.  

Sublimação   não­repressiva,   cidadania   ao   principio   de   prazer.   Necessidades  

300 SILVA, Carmen. Mais trabalho e menos conversa. SP, Claudia, mar1966.p.46.

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instituais e razão  se reconciliam, eliminando a punição  da sensualidade ou da  

reflexão.”301  

No Brasil, decretação do Ato Institucional n°5, em 13 de dezembro de 1968, expõe 

definitivamente  o   caráter   autoritário   e   repressor   do   regime   instituído.  Elio  Gaspari 

refere­se   a   este   momento   utilizando   a   imagem   de   duas   rodas   girando   em   sentido 

contrário:  “por uma fatalidade histórica, começou em 1964 no Brasil um período de  

supressão   das   liberdades   públicas   precisamente   quando   o   mundo   vivia   um   dos  

períodos mais ricos e divertidos da história da humanidade”302.  Segundo o jornalista, 

“a ditadura brasileira, com suas violências e mesquinharias, caíra com sua pretensão  

desmobilizadora no meio daquela delirante agitação sem entendê­la, mas pensando em  

reprimi­la.”303          

Contudo,  se  é  verdade que  o  regime militar   tinha a  pretensão de  reprimir  e 

desmobilizar toda e qualquer forma de oposição, também é  verdade que não lhe foi 

possível inibir completamente a resistência, que se manifestou de diferentes maneiras. E 

se,  no campo da política  não  foi  possível  à  oposição retirar  o  poder  das  mãos dos 

militares e romper com a tradição autoritária que permeia nossa cultura política,  no 

campo das idéias, algo começou a mudar durante aqueles anos.  De acordo Carmen da 

Silva:

“Vivemos   numa   época   em   que   todos   os   valores   do   passado   estão   sendo 

submetidos   à   revisão;     mais   rapidamente   do   que   em   qualquer   outra   fase   da  

história, os avanços da ciência nos obrigam a discutir o que fora considerado  

indiscutível,   a   descartar   noções   consagradas.   Os   inúmeros   preconceitos   que  

tolhiam a existência  feminina estão sendo minados pela base: o desenvolvimento  

301 MATOS, Olgária C. F. Paris 1968. As barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.14, 15.

302 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Cia. Das Letras, 2004, p.211.

303 idem, p. 233.

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industrial e as pressões econômicas arrancam a mulher de seu papel tradicional  

no lar, inserindo­a na atividade; os meios de difusão maciça levam a cultura ou,  

pelo menos, a atualização, ao quatro cantos do mundo e até a mais recalcitrante  

vovó está  a par da bomba de hidrogênio e da mini­saia; o parto sem dor levantou  

a maldição bíblica que pesava sobre o destino feminino e o aperfeiçoamento dos  

sistemas  anticoncepcionais   transformou a  maternidade  numa escolha,  ou   seja,  

num ato de  liberdade.  A moral  de  ontem  já   se   tornou,  pois,   inadequada para  

manobrar a realidade de hoje; lembremos que a própria palavra moral vem de  

‘mores’,   que   significa   ‘costumes’   –   e   os   nossos   estão   sendo   radicalmente  

modificados.”304

Se,   por   um  lado,   em  vários  momentos,   o   desejo   de   mudança   expresso   por 

Carmen da Silva poderia parecer uma mera antecipação sem respaldo da sociedade; por 

outro, a quantidade de cartas que recebia, mesmo com manifestações contrárias aos seus 

pontos   de   vista,   revelam   a   aceitação   de   seu   trabalho.   Possivelmente   porque   a 

transformação da sociedade através da conquista de liberdade para os indivíduos não 

fosse um desejo exclusivo seu, mas coletivo, ainda que latente,  e que os estudantes 

parisienses levaram às ruas em maio 1968, em palavras de ordem como: “É proibido 

proibir”, “A imaginação no poder”. Assim, mais do que antecipar, Carmen da Silva, 

talvez simplesmente ecoasse as mudanças em marcha:

  

“A eterna luta de gerações vem tomando, hoje em dia, um aspecto bem peculiar.  

Na época da  produção  em série,  da  difusão  maciça,  das  comunicações  ultra­

rápidas,   da   massificação   das   idéias,   do   ócio   industrialmente   organizado,   a  

juventude encontrou meios de dar um caráter coletivo à  batalha que, antes, cada  

um devia empreender  individualmente  no âmbito de sua  família.  O recurso de  

coletivizar o enfrentamento de gerações torna­o   menos angustiante porque, em 

304 SILVA, Carmen. O Superego. SP, Claudia, jan1968. p.110.

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certa forma, o despersonaliza: em vez de ser ‘eu contra meus pais’, com toda a  

carga de culpa atitude pressupõe, passou a ser: ‘nós, os moços, contra os mais  

velhos e a sociedade constituída por eles’. Os pais se sentem menos feridos com  

essas acusações feitas de modo genérico; e de parte a parte, o antagonismo se  

dilui no numero, atenuando o impacto dos fatores afetivos implícitos no conflito  

intrafamiliar.   Sabe­se,  além disso,   que  a  ação  coletiva   tem mais   repercussão,  

eficiência e, geralmente, objetividade, do que a individual”305.

Os artigos da jornalista revelariam então a  tensão entre o modelo tradicional 

familiar e  novo modelo em gestação,  ou nos  termos da época:  educação dos filhos 

“liberal”,   “moderna”,   “atualizada”   em contraposição   a   uma   educação   “quadrada”   e 

“antiquada”. Sobre este conflito de gerações, Carmen da Silva escreveu, em defesa dos 

jovens:

“viu­se   uma   sucessão   de   tipos   juvenis   os   mais   estranhos.   Primeiro,   os  

extravagantes e sujíssimos ‘existencialistas’; depois os ‘beatniks’, céticos, cheios  

de desprezo pelo mundo e também não muito limpos; os ‘rockers’, transbordantes  

de excitação  motriz; os transviados, impetuosos e desafiando a cada instante a  

sociedade e a própria vida; as curras, os ‘playboys’, os vivedores e delinqüentes.  

E muita gente pretendeu inverter novamente a situação, reentronizando os pais na  

sua antiga condição de autoridade suprema e incontestável, e sentando os jovens  

no banco dos réus. Sempre é mais fácil encontrar bodes expiatórios do que boas  

razões e soluções racionais. 

É  realmente perdida a juventude atual? Não.  É  um erro confundir a juventude  

normal   com   a   juventude­problema,   estatisticamente   uma   fração   mínima   do  

conjunto. (...) Mas, tanto no Brasil como nos demais países do mundo, a grande  

massa da juventude não  é  nem marginal, nem singular. Se algo a distingue da  

305 SILVA, Carmen da. Aviso aos moços: não é o guarda­chuva que faz chover. SP,  Claudia, jul1967, p.30.

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mocidade de  outras  épocas  é,   precisamente,   seu  maior  grau  de  consciência  e  

lucidez, senso de responsabilidade.”306   

Alguns anos mais tarde, o maior grau de consciência e lucidez desta geração 

levou muitos  jovens às ruas,  em passeatas e outras manifestações públicas contra o 

governo   militar.   O   endurecimento   do   regime   conduziria   ainda,   muitos   deles,   a   se 

vincularem a grupos de luta armada, passando a uma vida clandestina.     

  Merece destaque na trajetória de Carmen da Silva em Claudia  o ano de 1971, 

quando   o   movimento   feminista   foi   às   ruas   nos   Estados   Unidos   e,   no   Brasil,   ela 

finalmente pode dar cartaz à palavra ‘bicho­papão’: feminismo. Segundo a definição de 

Maria Amélia Almeida Teles:

“O   feminismo   é   uma   filosofia   universal   que   considera   a   existência   de   uma  

opressão  específica a  todas as mulheres.  Essa opressão  se  manifesta  tanto em  

nível   das   estruturas   como   das   superestruturas   (ideologia,   cultura   e   política).  

Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais,  nos diferentes  

grupos étnicos e culturas.

Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona  

as  relações  de poder,  a  opressão  e  a  exploração  de grupos  de pessoas  sobre  

outras.   Contrapõe­se   radicalmente   ao   poder   patriarcal.   Propõe   uma  

transformação social, econômica, política, e ideológica da sociedade”307. 

A luta das mulheres no Brasil, contudo, teve seu caráter político ampliando na 

medida em que, não apenas elas, mas toda a sociedade vivia a opressão de um Estado 

Autoritário que, na década de 1970, estava no seu auge. Assim, uma luta importante que 

306 SILVA, Carmen. A Chamada idade difícil. SP: Claudia, dez1963, p. 135.

307 TELES, Maria Amélia Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 10.

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começou com as mulheres foi a da anistia, que mobilizou primeiro as mães, esposas e 

irmãs de presos políticos. 

Em 1972,  Carmen da  Silva  deu  grande  destaque  ao  Congresso  Nacional  de 

Mulheres,  ocorrido entre  26 e  30 de abril  daquele ano,  no Hotel  Glória  no Rio de 

Janeiro. Organizado pelo Conselho Nacional de Mulheres:  “entidade presidida pela  

dra.   Roni   Medeiros   da   Fonseca,   e   entre   suas   organizadoras   contam   elementos  

vinculados a diversos campos: a física e ensaísta Rose Marie Muraro, autora de várias  

obras, inclusive ‘Libertação  Sexual da Mulher’; a jornalista e ficcionista Heloneida  

Studart, autora de ‘A Culpa’ e outros romances de grande repercussão  crítica e de  

público, outra conhecida escritora e cronista, Diná  Silveira de Queiroz; a diretora da  

Escola de Enfermagem, Ana Néri; a figurinista de reputação internacional Zuzu Angel,  

designada pela imprensa como a Mulher do Ano; e mais embaixatrizes, mulheres de  

carreira, etc.” E, sobre os objetivos do Congresso, advertiu: 

“A  intenção  não  é   travar  a essas  alturas  uma ridícula e  descabida guerrinha  

sexual, senão colocar um pauta problemas da mulher brasileira no mundo de hoje  

e  procurar  os  caminhos  para  solucioná­los.  Ora,  não  é  possível   reformular  a  

posição  de metade da comunidade sem alterar fundamentalmente suas relações  

com a outra metade e o equilíbrio do conjunto; de modo que uma reestruturação  

da posição social da mulher equivale a uma reestruturação de toda a sociedade.  

Não  é  de surpreender, pois,  que os homens estejam dentro da jogada; aliás,  a  

maioria das teses foi feita por eles. Não  todos os homens, claro; como também  

nem   todas   as   mulheres:   somente   aqueles   e   aquelas   dotados   de   suficiente  

capacidade   intelectual,   maturidade   emocional   e   abertura   social   para   não   se  

encastelarem na posição cômoda e cega de achar que tudo irá  bem no melhor dos  

mundos possíveis enquanto as tradições forem preservadas.”308

308 SILVA, Carmen. Igualdade, justiça e participação. SP, Claudia, abr1972, p.51.

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A   mudança   de   postura   e   de   lugar   da   mulher   na   sociedade   impunha   como 

conseqüência, necessariamente, outra mudança de papel dentro de casa, em relação à 

família, como esposa e mãe, na educação dos filhos. A solidariedade entre os sexos para 

o sucesso da luta era então imprescindível:

“E posto  que  somos  gregários,   isto  é,   ‘solidários’,  a  escravização  de  uma só  

pessoa   constitui   uma  ofensa   a   toda  a  humanidade.   Portanto,   a   libertação  da  

mulher não pode implicar na escravização do homem – ou vice­versa. A liberdade  

de um sexo complementa a do outro e lhe dá sentido;ou então, ambas são um mito  

que é  preciso desmascarar.”309 

Desta   forma,   seu  projeto  de   sociedade,   ou   sua   representação  de  mundo,   na 

expressão de Roger Chartier, aos poucos, ganham maior visibilidade e legitimidade na 

medida em que, segundo o historiador:

“estas representações como matrizes de discursos e de práticas diferenciadas –  

‘mesmo as representações coletivas mais elevadas só têm uma existência, isto é, só  

o são  verdadeiramente a partir do momento em que comandam atos’ – que têm  

por objetivo a construção  do mundo social, e como tal a definição contraditória  

das identidades – tanto a dos outros como a sua.”310   

Em 1972, a abordagem sobre a necessidade de a mulher trabalhar fora de casa já 

era   diferente:   mais   direta   e   objetiva,   indicativa   de   uma   mudança   de   postura   das 

mulheres, que agora, pareciam querer trabalhar, vencendo as próprias dificuldades. A 

estas mulheres Carmen da Silva incentiva, ajudando a pensar em  “Como encontrar um 

309 SILVA, Carmen. Nós e a luta das mulheres. SP, Claudia, mai1972. p.124

310 CHARTIER, Roger. A História Cultural, entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1988. p. 18.

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trabalho”.  Segunda   articulista,   as  donas  de   casa   são   as  mais   resistentes  à   idéia   de 

exercer atividade fora de casa:

“As mais recalcitrantes, aqui como em todos os lados, costumam ser as donas de  

casa e mães de família de classe média, sem atividades extradomésticas, na faixa  

de idade que vai dos trinta e tantos  aos quarenta e vários. E é compreensível que  

assim seja. No ramerrão  da existência, suas faculdades de embotam, falta­lhes  

energia,   a   flexibilidade   de   adaptação   a   situações   novas,   a   decisão   rápida   e  

objetiva das pessoas tarimbadas na ação.”311    

A estas leitoras, a articulista auxilia a descobrirem suas aptidões, estimulando­as 

se desenvolverem e obter remuneração através delas. Adverte­as ainda, a darem a justa 

importância à atividade extradoméstica, sem a idealizam em demasia subestimando ou 

superestimando suas próprias capacidades:

“Cansada da estreiteza de seus horizontes, da monotonia de suas tarefas, da falta  

de objetivos vitais e,talvez, da tibieza das relações matrimonias, a dona de casa às  

vezes encara o trabalho com ilusões desmedidas, supondo­o uma panacéia para  

todos os seus males: graças a ele, será  importante, admirada, sua vaidade obterá  

as maiores gratificações. Independente de suas habilitações reais – que são o que  

vai pesar na balança ­, ela se imagina em cargos interessantes e relevantes. (...)  

As coisas não  são  bem assim: vamos desidealizá­las e colocar os pés na terra.  

Certamente   ela   não   vai   conseguir   um   trabalho   superior   a   suas   capacidades,  

avaliadas por outrem de modo muito realista. O mais provável é que ela venha a  

ser uma rodinha na engrenagem – e não a manivela que move todo o mecanismo.  

Como todos nós, aliás. (...)

311 SILVA, Carmen. Como encontrar um trabalho. SP, Claudia, ago1972. p.63.

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Igualmente convém não  exagerar as repercussões do trabalho da mulher sobre  

sua vida familiar. Uma família normal se alegrará  de seus eventuais sucessos e  

conquistas.”312   

A bandeira de luta de Carmen da Silva, a emancipação feminina, tinha como 

objetivo tirá­las da opressão imposta pela “mística feminina” alçando­lhe da “condição 

feminina”   à   “condição   humana”,   guardando   assim,   laços   de   identificação   com   o 

pensamento de Hannah Arendt. A “vida plena” de Carmen da Silva corresponde a ‘vita 

activa’ de Arendt:

“Com   a   expressão   vita   activa,   pretendo   designar   três   atividades   humanas  

fundamentais: labor, trabalho, ação.  Trata­se de atividades fundamentais porque  

a cada uma delas corresponde uma das condições básicas mediante as quais a  

vida foi dada ao homem na Terra.

O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano,  

(...) A condição humana do labor é a própria vida.

O   trabalho   é   a   atividade   correspondente   ao   artificialismo   da   existência  

humana,existência   esta   não   necessariamente   contida   no   eterno   ciclo   vital   da  

espécie, e cuja mortalidade não  é  compensada por este último. (...) A condição  

humana do trabalho é a mundanidade.

A ação, única atividade que se exerce diretamente entre homens sem mediação das  

coisas ou da matéria, corresponde à  condição humana da pluralidade, ao fato de  

homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos  

da   condição   humana   têm   a   ver   com   a   política;   mas   esta   pluralidade   é  

especificamente  a  condição  – não  apenas a conditio sine qua non, mas conditio  

per quam – de toda a vida política.”313 

312 SILVA, Carmen. Como encontrar um trabalho. SP, Claudia, ago1972. p.65.

313 HELLER, Agnes. A Condição humana. Rio de Janeiro: Forense­universitária, 1983.p.15. 

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Assim,   através   do   feminismo   como   movimento   político,   Carmen   da   Silva 

expunha junto aos seus leitores sua convicção de o privado é político, pois acreditava 

que o exercício pleno da cidadania não poderia manter rígidos os limites de atuação 

dentro das esferas pública e privada. O trabalho extra­doméstico, como caminho para 

uma vida  pela   e   ativa,     tornaria   as  mulheres,   não   apenas  mais   participativas,  mas 

também menos egoístas:

“A mulher que trabalha está  mais apta a compreender os seus filhos e não  lhes  

exigir mais do que seria lícito: ela também passou vários meses adiando o repouso  

e as distrações favoritas. Mas a esposa e mãe  sem profissão,  que fica em casa a  

aguardar o regresso de seus queridos – o marco mais importante de seus dias –

tende a tornar­se um tanto absorvente e egoísta durante as férias: acha que a  

disponibilidade do marido e dos filhos tem de ser em beneficio dela. Ao mesmo 

tempo, precisamente por ter feito da espera cotidiana a sua razão  de ser, sente  

certa inquietação  e desconforto ao tê­los em casa todo o tempo: sua existência  

saiu dos eixos. A verdade é que quem não assume também o seu fardo de formiga,  

não ganha o direito de cantar como cigarra.” 314

Em seu livro de memórias, escrito um ano antes de sua morte, em 1985, aos 65 

anos, Carmen da Silva apresenta os princípios que nortearam sua  vida e  trabalho, a 

partir do título da publicação: Histórias Híbridas de uma senhora de respeito: 

“ ‘Histórias’ porque recuso o anglicismo ‘estórias’, com sua intenção marota de  

traçar uma linha divisória entre o pessoal e o coletivo, desvinculando os sucessos  

individuais do curso da História. A grafia agá­i enfatiza minha convicção de que o  

privado  é  político.   Híbridas   porque   misturam   experiências   minhas   e   alheias,  

314 SILVA, Carmen. Você tem certeza que vai divertir­se nestas férias? SP, Claudia, jan1967. p.139.

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narração  e   reflexão,  memórias   e  mexericos.  E   senhora­de­respeito,   apesar  de  

lamentáveis conotações que lembram damas rezadeiras e marchadeiras, porque  

não encontrei nos dicionários qualquer outro rótulo mais ou menos honroso que  

me  fosse aplicável:  mulher,  na minha  faixa de  idade,  ou é  respeitável  ou não  

existe, existamos, pois. Com todo o respeito.”315

   Se, de um lado, Carmen da Silva lamentava a atuação das “damas rezadeiras e  

marchaderias”,   em   referência   às   entidades   femininas   que,   em   1964,   organizaram 

marchas em diversas cidades do país em defesa da “família cristã” contra o comunismo, 

patrocinadas pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Socais (IPES) e Instituto Brasileiro de 

Ação   Democrática);   de   outro,   David   Nasser,   um   importante   porta­voz   do   projeto 

desenvolvido por estes institutos para desestabilização do governo do presidente João 

Goulart, as mulheres que foram às ruas em marcha contra o comunismo. Neste artigo, 

no   qual   refere­se   às   mineiras,   revela   uma   representação   tradicional   das   mulheres, 

esposas e mães, que só saem às ruas em circunstâncias excepcionais e em defesa de 

interesses que não seriam propriamente os seus:

“Revoltada   com   a   passividade   com   que   se   admitia   a   instalação,   em   Belo  

Horizonte, de um congresso comunista, onde tchecos, romenos, russos, chineses,  

cubanos e outros povos escravos vinham discutir os planos para a escravização do  

Brasil – a mulher mineira saiu à  rua.   (...) Em poucas cidades brasileiras é tão  

profundo o sentimento religioso da população.  Os comunistas riam disso. Pois  

riam mal. (...) Estes dias de civismo, que vivemos em Belo Horizonte, devemo­los  

exclusivamente   à   mulher   mineira.   Foram   elas   a   vanguarda   da   reação  

democrática. A ação que tiveram não foi só nas ruas. Acenderam a lareira.(...)

As panelas ficaram no fogo. As mamadeiras aquecendo: 

315 SILVA, Carmen. Histórias Híbridas de uma senhora de respeito. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 7. grifo original. 

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­ Marido, dê essa mamadeira à criança, enquanto vou lá fora resolver um trem.

Mas o homem seguia a mulher e a criança ficava sem mamar. A dona de casa  

virou   em   Minas,   nesse   dia   histórico,   soldado   sem   farda.   Um   espetáculo   de  

comover”316.

Se, portanto, em sua luta, Carmen da Silva apontava no sentido da politização do 

privado, David Nasser, por seu turno, usava o exercício do jornalismo em benefício 

pessoal, através   da prática do “tráfico de influência” que construiu a partir das suas 

relações com o poder instituído. Em sentido inverso ao de Carmen da Silva, portanto, 

praticava a privatização do público. No seu último período em O Cruzeiro, entre 1970 e 

1973, quando o regime militar, em seu terceiro ciclo, sob o governo do general Emílio 

Garrastazu Médici, há sete anos no poder, vivia de um lado o “milagre econômico” e, 

de outro, o período mais duro da repressão à oposição, David Nasser parecia mais à 

vontade junto  aos dirigentes políticos. Apesar do festejado desenvolvimento, contudo, a 

“revolução” ainda não tinha chegado ao homem: 

“O discurso do Presidente Médici – e a inflexível constância com que bate nessa  

tecla – é franco, leal e positivo. A Revolução ainda não chegou ao Homem. Está a  

caminho, bases econômicas são preparadas, a química do professor Delfim deve  

estar sendo manipulada no seu laboratório de bruxarias (...) há uma distância que  

a   Revolução,   numa   critica   honesta,   pode   afirmar   que   ainda   não   encurtou:   a  

quilometragem das classes. (...)

Esboça­se a mudança, toma corpo, em cada medida voltada para a terra, em cada  

programa social, seja no plano de expansão da entrega da gleba aos que nunca a  

tiveram, seja na extensão  do homem do campo da Previdência Social,  seja no  

plano de habitação  popular – e é  evidente que e a revolução  social se espraia  

horizontalmente   e   desce   verticalmente,   buscando   lá   longe   e   bem   no   fundo   a  

extirpação da miséria.”317

316 NASSER, David. A Mulher mineira, RJ, O Cruzeiro, 22fev1964, p.7.

317 NASSER, David. A revolução do homem. RJ, O Cruzeiro, 19jan1972, p.22.

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Defende então, para “encurtar a distância entre as classes” e “extirpar a miséria” 

uma reforma agrária que afaste os pequenos agricultores dos grandes centros:

“Este Zé Cavalcanti, o presidente do Incra, pode errar. Aqui tem acertado. Porque  

sabe que não é dando terra cansada, ocupada, plantada, pertinho da cidade, aos  

que precisam de um chão para plantar, que se faz reforma agrária, mas fixando­os  

nas   terras   mesmo   distantes,   mas   ubérrimas,   lhes   dando,   além   da   gleba,   os  

instrumentos   de   trabalho,   para   o   pontapé   inicial.   É   longe,   mas   é   terra   para  

macho, como os primeiros bandeirantes”318.

Enquanto   isso,  O   Cruzeiro  publicava   matérias   sobre   David   Nasser   e   suas 

atividades   extra­jornalísticas   de   fazendeiro,   produtor   de   bois   e   café.   O   tom   das 

reportagens enaltece o empreendedor:

“David Nasser recebeu há 20 anos uma incumbência de Chateaubriand: ‘­ Retrate  

o  milagre do Novo Paraná’.  E  o Velho  Capitão  acrescentou:   ‘­  Pobreza  lá  é  

inépcia’.  

Estamos nos primeiros anos da década de 50. Um repórter malajambrado desce  

de um avião comercial em Londrina para uma história que ficará  em sua vida. O  

que ele não sabia, o jornalista, é que o destino estava lá, naquela encruzilhada. O 

teco­teco   que   o   levaria   ao   ponto   mais   distante   do   Norte   do   Paraná   iria  

transformar   o   viajeiro,   que   só   se   preocupava   com   histórias,   num   abridor   de  

fazendas   e   até   um   fundador   de   cidades.(...)   Ontem,   autografava   livros.   Hoje,  

autografa bois”319.

318 NASSER, David. Terra é pra macho. RJ, O Cruzeiro, 8set1971, p.20.

319 NASSER, David. David Nasser volta ao Paraná. RJ, O Cruzeiro, 9jun1971, p.58.

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Outra reportagem recorda a aquisição da Fazenda Bela Vista, no interior de São 

Paulo, em 1961:

“A Bela Vista era coberta de cafezais plantados e tratados por escravos. Apenas  

uma   fazenda­fantasma,   quando   o   jornalista   a   comprou   há   10   anos.   Hoje   é  

fazenda­modelo de S. Paulo (a uma hora de Campinas).  

Hoje,  quem chega à  Bela  Vista,   (...)  poderia  contar  mil  vacas  que  saíram do  

caminhão  ou do botijão.  Os cinco touros puros de origem não  levam boa vida.  

Uma milhão e meio de litros anualmente vão para o outrora pequeno laticínio de  

Poços. Quatro mil sacas de café seguem para Santos, via Pinhal. A quieta Pinhal é  

uma cidade quase universitária. São João da Boa Vista aumenta suas faculdades.  

A melhor gente de mundo vive ali. O melhor café  do mundo sai dali. E agora,  

quando aquele maluco que comprou o esqueleto da Boa Vista passa, a gente de  

uma   e   de   outra   cidade,   desde   os   Florence   até   os   Osório,   atravessa   a   rua,  

atravessa a rua para abraçá­lo, sente,  sabe que é um dos seus, porque tem cheiro  

de terra nas mãos e bosta de curral nas botas”320.    

Como fazendeiro  e  produtor  de  café,  David Nasser  enfrentava,  como outros 

agricultores, a ameaça da ferrugem, um fungo capaz, segundo o jornalista, de atacar a 

lavoura cafeeira de forma mais devastadora do que as geadas. Para combater este mal, 

dirige­se ao presidente Médici, “na simplicidade de homem rural”:

320 NASSER, David. Aqui dormiu um bandeirante. RJ, O Cruzeiro, 30jun1971, p.56.

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“Repito que as peculiaridades de nossos cafezais, altos e sem espaço, dificultam a  

imunização  duvidosa e cara. Entrega­se a um produtor confiscado a  tarefa de  

custear  a   pulverização,   dada  a   impossibilidade   do  Governo   fiscalizar   os   500  

milhões de cafeeiros. Mutilado, às voltas com a cultura de baixa rentabilidade, o  

cafeicultor trocará  fatalmente o café pelo boi – e, quando entra o boi,  o homem  

sai”321.   

Pede, a intervenção em causa própria, alegando interesse nacional na questão:

  

“‘Vai ver o David está  falando em causa própria’, dirá  algum político ao mais  

graduado servidor desta Nação que é Vossa Excelência. De fato, Presidente, tenho  

cem mil pés. Se a ferrugem bater lá  (e está  por perto), boto o trator no cafezal e  

planto tranqüilidade, isto é, planto capim e pronto. Se todo mundo fizer o mesmo,  

ferrugem acabam, mas o café também, acaba o confisco, acaba o IBC – e teremos  

de importar robusta da África ou beber chá  ou mate. A ferrugem não  ameaça o  

cafeicultor, porque este plantará  outra coisa ou criará  vacas ou engordará  bois  

que só exigem sal, capim e vento. A ferrugem ameaça o Brasil – que não tem outro  

produto para substituir o café. A ferrugem é pior que mil geadas para a economia  

nacional.   Só   uma   guerra,   um   comando   único   ou,   na   linguagem   da   moda,   a  

conscientização  do  problema em sua  horrenda   importância  –  para  deter   seus  

passos. Porque a ferrugem é o câncer do café e – tal qual o câncer – espera o  

milagre de uma revolução.”322

Além da ferrugem, o jornalista também solicita mudanças na política cambial 

adotada pelo governo, através de seu ministro da Fazenda Delfim Netto, outro fator que 

considera ainda mais prejudicial aos seus negócios:

321 NASSER, David. Ferrugem, confisco total. RJ, O Cruzeiro, 3nov1971, p.21.

322 NASSER, David. Ferrugem, confisco total. RJ, O Cruzeiro, 3nov1971, p.20.

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“O horizonte é cruel. Um rei está  deposto, o café. Para salvar seu domínio – o  

velho bom senso do professor Delfim Netto deve buscar a solução  cambial, sem  

esperar   que   os   químicos   descubram   o   fungicida   que   há   mais   de   um   século  

procuram e a genética revele as espécies resistentes à  ferrugem, o câncer do café,  

tudo isso a longo prazo. Basta seguir o conselho de alguém que sabe do problema  

tão bem quanto ele, catedrático, eventualmente ministro: liberte os plantadores de  

café da escravidão do confisco cambial, dando­lhes condições iguais à  de outros  

produtos de exportação, sem (...) apropriação indébita, pela força”323.

No mesmo artigo, alegando que no mercado internacional consumidor de café o 

Brasil  ocupa  lugar  de  “mero  fornecedor  residual”,  afirma o  jornalista  e  cafeicultor, 

sobre a necessidade conscientizar o grande público sobre a questão:   

“continuo a divergir fundamentalmente do tratamento discriminatório que se dá  

há   longo   tempo  ao  principal   formador  de  divisas,   que  é   o   café,   e   da  apatia  

nacional da própria classe ante a catástrofe que a ferrugem não faz mais do que  

antecipar, pois o confisco [‘manipulação cambial’] de há muito a determina.

Para a maioria daqueles que lêem uma revista de assuntos leves, o café é matéria  

pesada, não creio que haja outra forma de levar a consciência exata do problema  

ao grande público senão  a de entremear a sua grave aridez  com as  matérias  

suaves, neste relaxamento de nervos semanal.”324     

Aqui se vê com clareza o David Nasser de que falou Luiz Maklouf Carvalho:

323 NASSER, David. Ex­rei café. RJ, O Cruzeiro, 17nov1971, p.20.

324 idem, ibidem.

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“A   democracia   que   o   Nasser   defende   é   a   democracia   que   não   o   atrapalhe  

individualmente.   Eu   entendo   ele   como   uma   pessoa   que   nasceu,   se   criou   e  

trabalhou a vida  inteira em prol  do seu  interesse.  Ele queria crescer  na vida,  

queria ter recursos, queria ganhar dinheiro. Viu cedo que o jornalismo era uma  

arma para isso e não teve mais nenhum escrúpulo em relação a isso. Nem aquele  

escrúpulo de disfarçar isso melhor, ele teve.”325 

A estratégia adotada por David Nasser, portanto, é a de empregar um discurso 

no qual defende o bem da nação quando, na verdade, simplesmente está a proteger seus 

próprios   interesses   particulares.   Sendo   ao   termo   “estratégia”   atribuído   o   mesmo 

significado a ele dado por Michel De Certeau:

“Chamo de ‘estratégia’ o  cálculo das relações de  forças que  torna possível  a  

partir   do   momento   em   que   um   sujeito   de   querer   e   poder   é   isolável   de   um  

‘ambiente’. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um  próprio  e  

portanto   capaz   de   servir   de   base   a   uma   gestão   de   suas   relações   com   uma  

exterioridade   distinta.   A   nacionalidade   política,   econômica   ou   científica   foi  

construída segundo esse modelo estratégico.”326    

  

Apesar do apoio ao golpe de Estado, Nasser já fazia críticas à política econômica 

adotada pelo regime militar, desde o primeiro governo, do marechal Castelo Branco. Já 

se preocupava com o mercado exportador de café  desde 1964, quando se dirigia ao 

presidente nos seguintes termos:

   “Uma revolução, Senhor Presidente Castello Branco, se frustra para o povo na  

medida em que fracassa economicamente. Na proporção  em que a vida sobe, a  

325 Luiz Maklouf Carvalho, entrevista à autora, em 29jan2007.

326 CERTEAU, Michel De, A Invenção do Cotidiano, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 46. 

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Revolução   se   esvazia.   (...)   Pertenço   àqueles   que   vêem   na   atitude   firme   dos  

militares,   que   planejaram   e   executaram   esse   movimento,   com   a   ajuda   de  

governadores e parlamentares democráticos, um propósito nobre: o de salvar o  

Brasil  da ameaça comunista e da hemorragia  inflacionária. As medidas agora  

materializadas pelos sábios conselheiros dos Ministros Roberto Campos e Otávio  

Bulhões, entretanto não irão combater a inflação e irão positivamente favorecer o  

comunismo,  através  da  maior  miséria.   (...)  Sua  Excelência:  proceda como um  

magistrado. Corte todas as vantagens, suprima todos os privilégios de jornalistas,  

professores, militares, civis. Mas não permita que a Revolução seja esvaziada com  

essas medidas que nenhum resultado positivo trazem em seu bojo, a não ser para  

os especuladores que já estão comprando café.”327  

Se, contudo, neste artigo desponta seu interesse em relação ao mercado de café, 

na semana anterior já publicara artigo em que revelava seu desagrado com a política 

econômica  traçada pelos ministros Roberto Campos,  da Fazenda,  e Otavio Bulhões, 

Planejamento, aos quais se dirigia, parecendo levar em consideração os interesses do 

“povo”:  

“Esta revolução salvadora que ajudamos a deflagrar  e que mal começou – será  

medida pelo povo bom e ordeiro deste País através do custo de vida. (...) Do ato  

que acabaram de lavrar talvez surja o destino da própria revolução. Talvez seja o  

começo do fim. (...) Para combater a inflação  que devora a economia do povo,  

inverteram os termos da equação  – e passaram a devorar a economia do povo  

para   combater   a   inflação.   (...)   Para   o   povo,   que   irá   pagar   tudo   pelo   preço  

dobrado, o eufemismo criado pelas assessorias técnicas, para explicar o inevitável  

aumento de preços resultante das medidas adotadas em tão má  hora, soará  como  

‘slogans’ mistificadores, iguais ou piores que os da reforma de base indefinida.”328

327 NASSER, David. Os coveiros da revolução.  RJ, O Cruzeiro, 6jun1964 p.4. 

328 NASSER, David. A revolução antropófaga. RJ, O Cruzeiro, 30mai1964, p. 6. 

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O   “povo   bom   e   ordeiro   deste   País”,   contudo,   de   uma   hora   para   outra,   é 

desqualificado em sua   capacidade e inteligência, quando se tornam eleitores “de má  

qualidade”:

 “O povo acredita ou não acredita, mas age não em função do juízo que faz. O mal  

não  tem sido a má  qualidade dos eleitos,  mas a dos eleitores. Uma República  

semi­analfabetizada não se convence pelos argumentos de ordem moral. O que se  

deve   fazer  –  a  curto  prazo  –  é   o  que  está   fazendo  este  Governo.  Através  do  

processo político, pela via da uma legislação eleitoral, anular os maus resultados  

das eleições em que o eleitorado vota mal.”329

Em 1954 David Nasser passou a compor o expediente da revista  O Cruzeiro 

como redator principal. Em 1959, tornou­se um dos diretores da revista ao lado de João 

Calmon   e   Edmundo   Monteiro.   O   novo   título   o   torna   destinatário   de   vasta 

correspondência,   à   qual   o   jornalista   demonstra   desprezo,   reafirmando   sempre   sua 

independência em relação à revista:

“Hoje, um cargo e um título fazem comigo o que o Velho não fazia: aprisionam­

me. Essa história de ser diretor e redator principal não  traz vantagem alguma.  

Parece mesmo uma condecoração. Muita gente pensa que sou mesmo diretor para  

valer   ­   e   chovem   sobre   minha   mesa   pedidos   de   emprego,   protestos,   queixas,  

reclamações   ­   e   eu  não   tenho  nada   com  isso.  Essa   faixa  de  diretor  dá­me  a  

impressão  de   um   Ministro   sem   Pasta.   E,   quando,   num  redator,   se   reconhece  

irremediavelmente a ausência total das qualidades especificas de chefia, torna­se  

um pobre em redator­chefe. Entenda­se, assim, que a orientação geral e política  

da Revista não  é   ­  Deus me livre!  ­   traçada por mim. A única coisa que sou,  

329 NASSER, David. O segundo cadáver. RJ, O Cruzeiro, 8jan1966. p.4

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graças   a   Deus,   é   chefe   de   mim   mesmo.   Destas   duas   páginas.   Desta   coluna  

independente. (...) Não  podia ser doutra forma, havendo cento e tantas páginas  

para brincarem, opinarem, guerrearem , trucidarem, fazerem as pazes, deixando­

me em paz em meu diálogo com o público. O meu DIP330 sou eu mesmo”331. 

Seu   pretenso   “diálogo”   com   o   público,   entretanto,   nunca   passou   de   mera 

retórica,   “força   de   expressão”.   Pois   muitas   vezes   tratou   seus   leitores   como   um 

verdadeiro criador de gado, como na precisa observação de Michel De Certeau:   

“Em lugar de um nomadismo ter­se­ia então uma ‘redução’ e um estacionamento:  

o consumo, organizado por esse mapeamento expansionista, assumiria a figura de  

uma   atividade   de   arrebanhamento,   progressivamente   imobilizada   e   ‘tratada’  

graças à  crescente mobilidade dos conquistadores do espaço que são os meios de  

massa. Fixação dos consumidores e circulação dos meios. Às massas só restaria a  

liberdade de pastar a ração de simulacros que o sistema distribui a cada um/a”332.

À   atividade   jornalística   praticada   de   forma   verdadeiramente   independente 

poderia ser atribuído o papel de um Quarto Poder, na medida em que:

“Os   meios   de   informação   desempenham   uma   função   determinante   para   a  

politização da opinião pública e, nas democracias constitucionais, têm capacidade  

de   exercer   o   controle   crítico   sobre   os   órgãos   dos   três   poderes,   legislativo,  

executivo e judiciário. A imprensa independente, portanto, enquanto se posiciona  

330 Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão de controle da imprensa  para censura e propaganda do governo de Getúlio Vargas durante o Estado Novo (1937­1945).  

331 NASSER, David. Jânio a face cruel. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1966,  p. 9­13 

332 DE CERTEAU, Michel. Op. Cit., p. 260.

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em competição cooperativa com os órgãos do poder público, foi definida como o  

Quarto poder.”333

Todavia, ao considerar o jornalismo tal como exercido por David Nasser, ou 

seja, fundamentado não no controle crítico sobre os três poderes, mas baseado no tráfico 

de influência com vistas à defesa de interesses pessoais. E, mais ainda, considerando o 

contexto em que se fez tal jornalismo, ou seja, sob um Estado Autoritário que impôs 

grave   censura   aos   meios   de   comunicação   reduzindo   ao   mínimo   o   pluralismo   e   o 

confronte de opiniões, há que questionar o papel de uma imprensa que se autoproclama 

“formadora   de   opiniões”,   e   mesmo   a   possibilidade   de   existência   de   uma   “opinião 

pública”. O filósofo alemão Jürgen Habermas afirma que a “opinião pública” assume 

funções distintas, de acordo com a publicidade da qual é destinatária. Diz o autor:

“A ‘opinião pública’ assume um significado diferente conforme reivindique para  

si   a   condição   de   uma   instância   crítica   em   relação   à   publicidade   normativa  

imposta da execução do poder político e social, ou sirva como instância receptiva  

em relação à  publicidade manipulativamente difundida de pessoas e instituições,  

bens de consumo ou programas. Na esfera pública ambos os tipos de publicidade  

estão presentes, mas ‘a’ opinião pública é sua destinatária comum.”334    

Para   entender   o   papel   da   chamada   “opinião   pública”,   sobretudo   no   que   se 

relaciona com a publicidade do poder político, para a qual é considerada “inata, visto  

333  ZANONE,  Valério.   “Quarto  poder”.  In:  BOBBIO, Norberto at  alii.    Dicionário  de  Política.  São Paulo/Brasília: Imprensa Oficial/Editora UnB, 2000, p. 1040 (vol.2).

334  HABERMAS,   Jürgen.  “Comunicação,   opinião   pública   e   poder”.   in:   COHN,   Gabriel   (org.). Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo, Editora Nacional, 1971. p. 187.   

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que  ainda  é   a  única  base  aceita   para   legitimar  a  dominação  política”335,   o   autor 

apresenta dois caminhos para a definição de um conceito:     

“O primeiro conduz de volta a posições do liberalismo, que pretendia salvar,  

em meio a uma esfera pública em desintegração, a comunicação entre um círculo  

interno de representantes publicamente capacitados e formadores de opinião, que  

constituiria um público raciocinador em meio àquele apenas aclamador. (...)

O outro caminho conduz a uma concepção  da opinião  pública que não  dá  

qualquer   atenção   a   critérios   materiais   como   a   racionalidade   e   a  

representatividade, e se limita a critérios institucionais. (...)

Ambas  essas  versões  dão  conta  do   fato  de  que,  no  processo  da   formação  da  

vontade e opinião  no contexto da democracia de massa, a opinião  popular mal  

mantém   uma   função   política   relevante   se   tomada   independentemente   das  

organizações,  pelas quais é  mobilizada e  integrada.  Ao mesmo tempo,  é  nesse  

ponto que se revela a debilidade dessa teoria: na medida em que ela substitui o  

público, enquanto sujeito da opinião pública, pelas instâncias indispensáveis à sua  

capacidade de atuação política, esse conceito de opinião pública torna­se vazio de  

características.”336  

Apesar de caminhar com indisfarçável despudor no sentido da privatização do 

público, por vezes,  David Nasser mostrou alguma preocupação, ainda que meramente 

retórica, em separar vida pessoal e atuação política dos personagens de seus textos. 

Sobre o amigo e ex­presidente Juscelino Kubitschek tal inquietação foi particularmente 

recorrente: 

“De minha parte, sempre fui um péssimo juiz de amigos. E entre eles incluo o  

Senhor Juscelino Kubitschek de Oliveira. Combati­o impiedosamente em todo o  

335 Idem, p. 188.

336 Idem, p. 188­190.

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seu governo,  sem atravessar  a  linha que distingue o administrador público do  

amigo pessoal. Por um defeito, talvez, que marcou toda a minha vida profissional,  

nunca fui nesse sentido um homem isento. Peço perdão.”337

337 NASSER, David. O segundo cadáver. RJ, O Cruzeiro, 8jan1966. p.4

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Considerações Finais

Partindo da noção segundo a qual “é  mais  fácil  derrubar  um ditador do que 

mudar a cabeça das pessoas” e tomando como material de análise os artigos publicados 

por Carmen da Silva na revista Claudia e por David Nasser em O Cruzeiro entre 1963 e 

1973 procurei mostrar que, neste período, no Brasil, aconteceu o contrário. Ou seja, 

algo começou a mudar na cabeça e no comportamento das pessoas ao mesmo tempo em 

que se estruturava um Estado Autoritário após um golpe civil­militar que derrubou o 

presidente democraticamente eleito, João Goulart, em 31 de março de 1964.

David Nasser participou ativamente da conspiração para a desestabilização do 

presidente Goulart que contou também o apoio de diversos setores da sociedade civil e 

fora engendrada por órgãos como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o 

Instituto de Pesquisa e Estudos Socais (IPES) e a Escola Superior de Guerra (ESG), as 

quais camuflavam suas intenções golpistas apresentando­se como espaços de estudos e 

debates sobre a sociedade. A intervenção militar em 1964 duraria, desta vez, 21 anos. 

Apenas em 1985 o país voltaria a ser governado por um presidente civil.

Durante  este  período,  a  democracia   só   existiu  nos  discursos  dos  presidentes 

militares e daqueles que sempre o apoiaram como David Nasser. A sociedade brasileira 

inaugurava,   assim,   um   momento   de   intensas   transformações.   O   Estado   Autoritário 

vigente no Brasil pós­1964 é o resultado de um endurecimento político baseado num 

aparato repressivo cuidadosamente construído, com o objetivo de cercear e punir idéias 

políticas diferentes daquelas em que se fundamentou o regime militar caracterizadas por 

um anticomunismo ferrenho. 

Na   contramão   destas   transformações,   observou­se,   paralelamente,   no   campo 

social/cultural,   ainda   que   em   ritmo   mais   lento,   a   abertura   dos   costumes   e   dos 

comportamentos.   A   explosão   do   movimento   estudantil   na   França,   em   1968,   e   a 

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repercussão   que   teve   internacionalmente,   revelam   uma   dimensão,   de   certo   modo 

universal, de um sentimento de recusa a determinada forma de existência social mais do 

que impossibilidade de subsistir nesta sociedade.    

  Neste   contexto,   no   Brasil,   Carmen   da   Silva   inicia   seu   trabalho   na   revista 

Claudia,   no   qual,   dirigindo­se   principalmente   às   mulheres   de   classe   média, 

tradicionalmente educadas para serem apenas esposas e mães, procura incentivá­las a 

alcançarem   uma   nova   forma   de   existência   social   ampliando   sua   participação   na 

sociedade.  Precisamente  num momento  em que  a  participação  política  de  todos  os 

cidadãos está sendo severamente tolhida. 

Os artigos assinados por David Nasser, em O Cruzeiro, e por Carmen da Silva, 

na revista Claudia, guardam, portanto, algumas das sementes destas transformações em 

mão dupla. O recorte cronológico, de 1963 a 1973, representa o período em que ambos 

estiverem trabalhando concomitantemente. Ela inaugura seção “A Arte de ser mulher” 

em setembro de  1963 e nela  só  pára  de escrever  em 1985,  ano de  sua  morte.  Ele, 

começa a escrever crônicas políticas em O Cruzeiro, em 1959. Em abril de 1973 publica 

seu último artigo na revista.  Quando morreu,  em 1980, escrevia para a concorrente 

Manchete desde 1976, para onde levou as mágoas, as lembranças e a saudade da revista 

para a qual escrevera por três décadas: de 1943 a 1973.     

Filho de imigrantes libaneses, David Nasser nasceu no interior de São Paulo. Foi 

um dos grandes nomes da história da imprensa brasileira. Brilhante escritor e poeta, sua 

trajetória se confunde em alguns momentos com a da revista O Cruzeiro, onde alcançou 

fama e notoriedade por sua atuação como repórter, ao lado do fotógrafo francês Jean 

Manzon, ainda na década de 40. Juntos, eles foram pioneiros de grandes reportagens no 

país. Em 1959, David Nasser tornou­se, além de principal redator, um dos diretores da 

revista e passou a assinar o primeiro artigo do semanário, em página dupla, em geral, 

sobre um tema político. É sobre esta sua faceta de cronista político a que nos referimos 

neste trabalho. 

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Gaúcha,   Carmen   da   Silva   iniciou   sua   carreira   de   jornalista   e   escritora   no 

Uruguai  e  Argentina,  onde viveu  durante   toda  a   sua   juventude.  A  participação em 

Claudia,  a  partir  de   1963,  marca   também o seu retorno ao Brasil,   sua  terra  natal. 

Através de sua coluna transformou o tradicional modelo de consultório sentimental de 

revistas femininas introduzindo a psicanálise no diálogo com as leitoras. Carmen da 

Silva possui formação psicanalítica, mais uma experiência adquirida no exterior. Na 

revista mensalmente escrevia artigos que versavam sobre um único tema definido a 

partir da leitura das cartas que as leitoras lhe enviavam. Esta foi a forma encontrada 

para conscientizar seus leitores sobre o lugar de cada um no mundo. 

Ele,   David   Nasser,   com   sua   personalidade   autoritária,   conspirou   contra   um 

governo   democrático,   apoiou   a   formação   de   um   Estado   Autoritário   e   do   aparelho 

repressivo  por   ele   construído.    Orgulhosamente,   responsabilizou­se  pelo  assassinato 

político de homens como, por exemplo, o ex­presidente Juscelino Kubitschek, a quem 

tinha como amigo. O jornalismo lhe proporcionou fama e fortuna, através do tráfico de 

influência junto aos dirigentes políticos, dos quais manteve­se sempre próximo. Fora da 

imprensa,   foi   compositor   da  Música  Popular  Brasileira,   fazendeiro   e   presidente   de 

honra da Scuderie Le Cocq, o abominável esquadrão da morte. 

     Ela, Carmen da Silva, com seu espírito libertário, empunhou corajosamente sua 

bandeira de luta, qual seja: a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em 

que homens e mulheres, em equivalência de direitos e obrigações, tivessem garantidos – 

como   direitos   naturais   –   sua   liberdade   e   independência,   sem   os   quais   não   seriam 

possível alcançar a “vida plena”.  Tais  objetivos exigiriam então a  transformação da 

sociedade,   que   ainda   impunha,   particularmente   às   mulheres,   restrições   a   uma 

participação social e política efetiva. A jornalista e psicóloga fez de sua seção na revista 

Claudia  uma   tribuna,   através   da   qual,   empregando   muitas   vezes   uma   linguagem 

psicanalítica, estabeleceu um diálogo com os leitores, tentando conscientizá­los sobre a 

importância   de   a   mulher,   historicamente   oprimida,   exercer   de   forma   ampla   sua 

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cidadania.  O primeiro passo seria então a conquista  de um espaço, além do âmbito 

privado,   através   do  qual  passasse  a   integrar   a   população  economicamente   ativa  da 

sociedade através do exercício de uma atividade extra­lar.         

Assim, portanto, se ele, David Nasser, apoiou o regime militar; ela, Carmen da 

Silva, repudiava qualquer forma de autoritarismo que tolhesse a liberdade do indivíduo. 

Se ele  usou o jornalismo para se aproximar dos dirigentes políticos e  usar o poder 

público em benefício pessoal; ela fez da imprensa um instrumento de diálogo com os 

leitores, oferecendo­lhes sua recompensadora experiência pessoal, na qual conquistara 

lenta e arduamente sua liberdade e independência, como exemplo a ser seguido. Se há 

nisso algo de ambicioso e pretensioso, há também algo de generoso, na medida em que 

ambiciona o bem estar de outrem.          

Se   ele,   que   gostava   de   se   autodenominar   um   “historiador   do   cotidiano”, 

preservada uma noção de história, na qual predominava a política, ou seja, uma história 

“de cima para baixo”, escrita por gente, como ele, ligada ao poder político; ela, por sua 

vez,   acreditava   numa   história   escrita   por   todos   os   cidadãos,   os   quais   considerava 

sujeitos da história, e não meros espectadores. A “sua” história seria então tecida “de 

baixo para cima”, no cotidiano, na vida diária.    

Assim, portanto, se não foi possível à oposição tirar os militares do poder, pois 

eles  mesmos  saíram de  cena,  de   forma  “lenta,  gradual  e   segura”,  após  21  anos  de 

autoritarismo;   a   sociedade,   violentamente   agredida   durante   esse   período,   ingressou 

fortalecida e amadurecida numa outra etapa da história brasileira, na qual democracia e 

liberdade  têm sido mais prestigiadas e bem cuidadas por  todos.  Por  isso,  apesar de 

terem dizimado toda a oposição, os militares deixaram o governo, vencidos. A cultura 

de uma sociedade é  seu maior bem, é  a sua força, e pode ser mais forte do que as 

ditaduras.  

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Fontes Utilizadas

1. Claudia

SILVA, Carmen da. A protagonista. SP, Claudia, set1963. (p.108)

SILVA, Carmen da. Pura magia, quase milagre. SP, Claudia, out1963. (p.110)

SILVA, Carmen da. Uma pequena rainha triste. SP, Claudia, nov1963. (p.124)

SILVA, Carmen da. A chamada idade difícil. SP, Claudia, dez1963. (p.72)

SILVA, Carmen da. Amor: morte e ressurreição. SP, Claudia, jan1964. (p.60)

SILVA, Carmen da. Você vive no tempo presente? SP, Claudia, fev1964. (p.28)

SILVA, Carmen da. A favor... Não contra os homens! SP, Claudia, mar1964. (p.104)

SILVA, Carmen da. A arte de não ser bela. SP, Claudia, abr1964. (p.80)

SILVA, Carmen da.  A arte de ser jovem e de compreender os jovens.  SP,  Claudia, 

mai1964. (p.72)

SILVA, Carmen da. Infidelidade. SP, Claudia, jun1964. (p.104)

SILVA, Carmen da. Um muro é um muro. SP, Claudia, jul1964. (p.106)

SILVA, Carmen da. Trabalhar para não ser bibelô. SP, Claudia, ago1964. (p.66)

SILVA, Carmen da. Ciúme, por quê? SP, Claudia, set1964. (p.108)

SILVA, Carmen da. Você vive ou vegeta? SP, Claudia, out1964. (p.78)

SILVA, Carmen da. O complexo da idade. SP, Claudia, nov1964. (p.74)

SILVA, Carmen da. As razões da independência. SP, Claudia, dez1964. (p.128)

SILVA, Carmen da. Solidão, tristeza que tem fim. SP, Claudia, jan1965. (p.102)

SILVA, Carmen da. A escolha infeliz. SP, Claudia, fev1965. (p.56)

SILVA, Carmen da. O eterno triângulo. SP, Claudia, mar1965. (p.43)

SILVA, Carmen da. A geração inquieta. SP, Claudia, abr1965. (p.80)

SILVA, Carmen da. Quando a abnegação é uma prisão. SP, Claudia, mai1965. (p.86)

SILVA, Carmen da. Que idade tem sua alma? SP, Claudia, jun1965. (p.112)

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SILVA, Carmen da. A palavra é de ouro. SP, Claudia, ago1965. (p.44)

SILVA, Carmen da. Resposta a um mito. SP, Claudia, set1965. (p.140)

SILVA, Carmen da. O outro lado do triângulo. SP, Claudia, out1965. (p.68)

SILVA, Carmen da. Otimismo para viver. SP, Claudia, nov1965. (p.37)

SILVA, Carmen da. Questão de simpatia. SP, Claudia, jan1966. (p.36)

SILVA, Carmen da. Carnaval, tal e qual. SP, Claudia, fev1966. (p.39)

SILVA, Carmen da. Mais trabalho e menos conversa. SP, Claudia, mar1966. (p.46)

SILVA, Carmen da. Carmen da Silva analisa Roberto Carlos.Um garoto feliz: só tem 

uma palmada para recordar.  SP, Claudia, mai1966. (p.30)

SILVA, Carmen da. Divórcio: antes da lei, a responsabilidade SP,  Claudia, mai1966. 

(p.60)

SILVA, Carmen da. Pra que rimar amor com dor? SP, Claudia, jun1966. (p.38)

SILVA, Carmen da. “Grande sonho” é grande fuga. SP, Claudia, jul1966. (p.70)

SILVA, Carmen da. Veja, ouça e fale. SP, Claudia, ago1966. (p.58)

SILVA, Carmen da. O Tédio. SP, Claudia, set1966. (p.36)

SILVA, Carmen da. De amor e de liberdade. SP, Claudia, nov1966. (p.40)

SILVA, Carmen da. Você acredita em Papai Noel? SP, Claudia, dez1966. (p.76)

SILVA, Carmen da.  Você tem certeza que vai divertir­se nestas férias?  SP,  Claudia, 

jan1967. (p.30)

SILVA, Carmen da. Proibido proibir. SP, Claudia, fev1967. (p.30)

SILVA, Carmen da. Começa a grande aventura. SP, Claudia, mar1967. (p.60)

SILVA, Carmen da. Para tranqüilizar as noivas. SP, Claudia, mai1967. (p.30)

SILVA, Carmen da. O complexo de dona­de­casa. SP, Claudia, jun1967. (p.83)

SILVA,  Carmen  da.  Aviso   aos  moços:  não  é   o   guarda­chuva  que   faz   chover.  SP, 

Claudia, jul1967. (p.30)

SILVA, Carmen da. O divórcio e os filhos. SP, Claudia, ago1967. (p.37)

SILVA, Carmen da. Quando não houver mais dor. SP, Claudia, set1967. (p.70)

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SILVA, Carmen da. Dona Rosa Bonita. SP, Claudia, set1967. (p.77)

SILVA, Carmen da. Mãe. SP, Claudia, nov1967. (p.37)

SILVA, Carmen da. Derrubem os ídolos. SP, Claudia, dez1967. (p.84)

SILVA, Carmen da. O Superego. SP, Claudia, jan1968. (p.17)

SILVA, Carmen da. Claustrofobia ao casamento. SP, Claudia, fev1968. (p.43)

SILVA, Carmen da. Por que as pessoas se casam. SP, Claudia, fev1968. (p.51)

SILVA, Carmen da.  Sexo: uma lei para os filhos, outra para as filhas.  SP,  Claudia, 

mar1968. (p.74)

SILVA, Carmen da. Só muda quem está viva. SP, Claudia, abr1968. (p.74)

SILVA, Carmen da. Como vai a mulher soviética. SP, Claudia, mai1968. (p.64)

SILVA, Carmen da. A contradição. SP, Claudia, jun1968. (p.39)

SILVA, Carmen da. A presença do outro. SP, Claudia, jul1968. (p.39)

SILVA, Carmen da. A primavera esta chegando. SP, Claudia, set1968. (p.41)

SILVA, Carmen da. Uma armadilha para a mãe moderna. SP, Claudia, nov1968. (p.39)

SILVA, Carmen da. Olhe, aqui, menina, em 69 vamos é viver. SP, Claudia, dez1968. 

(p.135)

SILVA, Carmen da. No casamento o perigo se chama monotonia. SP, Claudia, jan1969. 

(p.19)

SILVA,  Carmen   da.  O   cigarra   não  é   lá   um  homem  tão   feliz   assim.  SP,  Claudia, 

fev1969. (p.17)

SILVA, Carmen da. Nós. SP, Claudia, mar1969. (p.32)

SILVA, Carmen da. A outra, outra vez. SP, Claudia, abr1969. (p.32)

SILVA, Carmen da. A imagem da mulher. SP, Claudia, mai1969. (p.166)

SILVA, Carmen da. Tenho 40 anos. SP, Claudia, jun1969. (p.32)

SILVA, Carmen da. Em tom de confissão. SP, Claudia, jul1969. (p.26)

SILVA, Carmen da. Mulheres vocês são gente, não anjo. SP, Claudia, ago1969. (p.50)

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SILVA, Carmen da. Terrível: os jovens estão doentes   precisam de nós. SP,  Claudia, 

set1969. (p.94)

SILVA, Carmen da. A grande amorosa não sabe amar. SP, Claudia, out1969. (p.110)

SILVA, Carmen da. Mulher de verdade não quer ser nem Barbarella, nem ingênua, nem 

boneca. SP, Claudia, dez1969. (p.98)

SILVA, Carmen da. A cabeleira não faz o hippie. SP, Claudia, jan1970. (p.88)

SILVA, Carmen da. A crise no casamento. SP, Claudia, fev970. (p.102)

SILVA, Carmen da. Seus 40 valem 20. SP, Claudia, mar1970. (p.40)

SILVA, Carmen da. Carta ao homem brasileiro. SP, Claudia, abr1970. (p.70)

SILVA, Carmen da. Você acha que sabe o que quer? SP, Claudia, mai1970. (p.28)

SILVA, Carmen da. Não bote avental no seu marido. SP, Claudia, jun1970. (p.40)

SILVA,  Carmen da.  Qual   sua  posição dentro  do  casamento?  SP,  Claudia,   jul1970. 

(p.32)

SILVA, Carmen da. O preconceito ao amor. SP, Claudia, ago1970. (p.40)

SILVA, Carmen da. Revolução sexual. SP, Claudia, set1970. (p.44)

SILVA, Carmen da. Drogas, não! SP, Claudia, out1970. (p.48)

SILVA, Carmen da. A superioridade natural da mulher. SP, Claudia, nov1970. (p.26)

SILVA, Carmen da. Chegou a hora de agir. SP, Claudia, dez1970. (p.34)

SILVA, Carmen da. Aprenda a viver. SP, Claudia, fev1971. (p.104)

SILVA, Carmen da. Era uma vez uma tímida. SP, Claudia, abr1971. (p.26)

SILVA, Carmen da. O velho amor está no fim? SP, Claudia, mai1971. (p.38)

SILVA, Carmen da. Seja o que você é. SP, Claudia, jun1971. (p.146)

SILVA, Carmen da. O que é uma mulher livre? SP, Claudia, jul1971. (p.106)

SILVA, Carmen da. Por que é preciso ser livre? SP, Claudia, ago1971. (p.130)

SILVA, Carmen da. Parabéns a  todas nós. SP, Claudia, set1971. (p.70)

SILVA, Carmen da. Vamos quebrar a velha imagem. SP, Claudia, out1971. (p.46)

SILVA, Carmen da. Como ser uma nova mulher? SP, Claudia, dez1971. (p.182)

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SILVA, Carmen da. O namoro está em crise? SP, Claudia, jan1972. (p.122)

SILVA, Carmen da. O namoro e a intimidade. SP, Claudia, fev1972. (p.42)

SILVA, Carmen da. Você precisa de um confidente? SP, Claudia, mar1972. (p.56)

SILVA, Carmen da. Igualdade, justiça e participação. SP, Claudia, abr1972. (p.50)

SILVA, Carmen da. Nós e a luta das mulheres. SP, Claudia, mai1972. (p.120)

SILVA, Carmen da. Crise no casamento. SP, Claudia, jun1972. (p.182)

SILVA, Carmen da. Vivam com os pés na terra. SP, Claudia, jul1972. (p.52)

SILVA, Carmen da. Como encontrar um trabalho. SP, Claudia, ago1972. (p.62)

SILVA, Carmen da. Como você encara a mentira? SP, Claudia, set1972. (p.74)

SILVA, Carmen da. Bondade não é sacrifício. SP, Claudia, out1972. (p.30)

SILVA, Carmen da. Não fique remoendo a sua raiva. SP, Claudia, nov1972. (p.58)

SILVA, Carmen da. Com a palavra, nós, as mulheres. SP, Claudia, dez1972. (p.38)

SILVA, Carmen da.  Neste  desquite,  a  mulher  entrou com o  dinheiro.  SP,  Claudia, 

jan1973. (p.46)

SILVA, Carmen da. O casamento já não é mais aquela festa. SP, Claudia, fev1973. (p.)

SILVA, Carmen da. A idade difícil do homem. SP, Claudia, mar1973. (p.)

SILVA, Carmen da. O papel da segunda mulher. SP, Claudia, abr1973. (p.50)

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2. O Cruzeiro

NASSER, David. Pergunte ao João. RJ, O Cruzeiro, 7set1963. (p.4)

NASSER, David. A guerrinha do Ventura. RJ, O Cruzeiro, 14set1963. (p.6)

NASSER, David. A guerra dos vocábulos. RJ, O Cruzeiro, 21set1963. (p.4)

NASSER, David. O réu feliz. RJ, O Cruzeiro, 28set1963. (p.6)

NASSER, David. O Brasil de Jango. RJ, O Cruzeiro, 5out1963. (p.6)

NASSER, David. Últimos dias de Pompéia. RJ, O Cruzeiro, 12out1963. (p.6)

NASSER, David. Jair bala. RJ, O Cruzeiro, 19out1963. (p.6)

NASSER, David. A República do Torto. RJ, O Cruzeiro, 26out1963. (p.6)

NASSER, David. O bobo do rei. RJ, O Cruzeiro, 2nov1963. (p.6)

NASSER, David. O primo Leão. RJ, O Cruzeiro, 9nov1963. (p.6)

NASSER, David. A montanha  pariu um Tarso. RJ, O Cruzeiro, 16nov1963. (p.6)

NASSER, David. Aurora vermelha. RJ, O Cruzeiro, 23nov1963. (p.6)

NASSER, David. O coice do pangaré. RJ, O Cruzeiro, 18jan1964. (p.6)

NASSER, David. Um adjetivo: Brizola. A Fazenda Sarandi. RJ, O Cruzeiro, 25jan1964. 

(p.4)

NASSER, David. As marmeladas do sr. Brizola. RJ, O Cruzeiro, 2fev1964. (p.4)

NASSER, David. Morrer com los botins. RJ, O Cruzeiro, 8fev1964. (p.4)

NASSER, David. O grande mudo. RJ, O Cruzeiro, 15fev1964. (p.4)

NASSER, David. A mulher mineira. RJ, O Cruzeiro, 22fev1964. (p.6)

NASSER, David. O animal político. RJ, O Cruzeiro, 14mar1964. (p.6)

NASSER, David. A esquerda fugitiva. RJ, O Cruzeiro, 21mar1964. (p.6)

NASSER, David. O vice Calmon. RJ, O Cruzeiro, 28mar1964. (p.6)

NASSER, David. O menino da Supra. RJ, O Cruzeiro, 4abr1964. (p.4)

NASSER, David. O mudo falou. RJ, O Cruzeiro, 11abr1964. (p.4)

NASSER, David. O missionário sem crença. RJ, O Cruzeiro, 18abr1964. (p.6)

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NASSER, David. O grande mudo. RJ, O Cruzeiro, 25abr1964. (p.6)

NASSER, David. Caiu de burro. RJ, O Cruzeiro, 2mai1964. (p.4)

NASSER, David. O tribunal do silêncio. RJ, O Cruzeiro, 9mai1964. (p.4)

NASSER, David. Os idos de Março. RJ, O Cruzeiro, 16mai1964. (p.6)

NASSER, David. Gigi de Mangueira. RJ, O Cruzeiro, 23mai1964. (p.6)

NASSER, David. A revolução antropófaga. RJ, O Cruzeiro, 30mai1964. (p.6)

NASSER, David. Os coveiros da revolução. RJ, O Cruzeiro, 6jun1964. (p.4)

NASSER, David. A voz do dono. RJ, O Cruzeiro, 13jun1964. (p.4)

NASSER, David. Vale tudo. RJ, O Cruzeiro, 20jun1964. (p.6)

NASSER, David. Delendus Juscelino. RJ, O Cruzeiro, 27jun1964. (p.4)

NASSER, David. O Cambronne brasileiro. RJ, O Cruzeiro, 4jul1964. (p.4)

NASSER, David. O Diabo Velho. RJ, O Cruzeiro, 11jul1964. (p.4)

NASSER, David. Este é o Minho. RJ, O Cruzeiro, 12set1964. (p.72)

NASSER, David. A presença de Camilo. RJ, O Cruzeiro, 26set1964. (p.66).

NASSER, David. Saudade defumada. RJ, O Cruzeiro, 3out1964. (p.80)

NASSER, David. A Ilha Verde. RJ, O Cruzeiro, 10out1964. (p.28)

NASSER, David. O Debret da câmera. RJ, O Cruzeiro, 17out1964. (p.100)

NASSER, David. Carta a um falso revolucionário. RJ, O Cruzeiro, 24out1964. (p.4)

NASSER, David.  Carta a um verdadeiro revolucionário. RJ,  O Cruzeiro, 31out1964. 

(p.4)

NASSER, David. O Estado militar. RJ, O Cruzeiro, 7nov1964. (p.6)

NASSER, David. De barriga aberta. RJ, O Cruzeiro, 14nov1964. (p.6)

NASSER, David. A linha bamba. RJ, O Cruzeiro, 21nov1964. (p.6)

NASSER, David. O ditador e a bicicleta. RJ, O Cruzeiro, 28nov1964. (p.6)

NASSER, David. A cabeça de Mauro. RJ, O Cruzeiro, 5dez1964. (p.4)

NASSER, David. David Nasser denuncia terror e miséria da linha dura. RJ, O Cruzeiro, 

5dez1964. (p.6)

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NASSER, David. Uma vela pela liberdade. RJ, O Cruzeiro, 19dez1964. (p.4)

NASSER, David. O mal menor. RJ, O Cruzeiro, 26dez1964. (p.6)

NASSER, David. O príncipe herdeiro. RJ, O Cruzeiro, 2jan1965. (p.4)

NASSER, David. O volátil Golbery. RJ, O Cruzeiro, 9jan1965. (p.4)

NASSER, David. O Nordeste assassinado. RJ, O Cruzeiro, 2out1965. (p.6)

NASSER, David. Juiz e réu. RJ, O Cruzeiro, 9out1965. (p.4)

NASSER, David. Que eleições são estas? RJ, O Cruzeiro, 16out1965. (p.4)

NASSER, David.  O grande circo de Getúlio a Castello.  RJ,  O Cruzeiro,  23out1965. 

(p.4)

NASSER, David. Vila Dallas. RJ, O Cruzeiro, 30out1965. (p.4)

NASSER, David. 1957: Carta para Márcia (menina). RJ, O Cruzeiro, 30out1965. (p.6)

NASSER, David. 1965: Carta para Márcia (senhora). RJ, O Cruzeiro, 6nov1965. (p.4)

NASSER, David. Os jovens turcos. RJ, O Cruzeiro, 13nov1965. (p.4)

NASSER, David. Os direitos do homem. RJ, O Cruzeiro, 20nov1965. (p.4)

NASSER, David. Até breve, Carlos. RJ, O Cruzeiro, 27nov1965. (p.4)

NASSER, David. Carta aos revolucionários. RJ, O Cruzeiro, 4dez1965. (p.4)

NASSER, David. Na corte de seu Artur. RJ, O Cruzeiro, 11ez1965. (p.4)

NASSER, David. Cuidado com a História. RJ, O Cruzeiro, 18dez1965. (p.4)

NASSER, David. A revolução de cada um. RJ, O Cruzeiro, 1jan1966. (p.4)

NASSER, David. O segundo cadáver. RJ, O Cruzeiro, 8jan1966. (p.4)

NASSER, David. Adubo de esperança. RJ, O Cruzeiro, 15jan1966. (p.4)

NASSER, David. Um Porto­Rico maior. RJ, O Cruzeiro, 22jan1966. (p.4)

NASSER, David. Amigos, mas não colonos. RJ, O Cruzeiro, 29jan1966. (p.4)

NASSER, David. Gangsteres não têm pátria. RJ, O Cruzeiro, 5fev1966. (p.4)

NASSER, David. Aos americanos leais. RJ, O Cruzeiro, 12fev1966. (p.4)

NASSER, David. A flor e a luva. RJ, O Cruzeiro, 19fev1966. (p.4)

NASSER, David. Defesa e insulto. RJ, O Cruzeiro, 26fev1966. (p.4)

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NASSER, David. Dólar sujo. RJ, O Cruzeiro, 5mar1966. (p.4)

NASSER, David. Libertemos a princesa. RJ, O Cruzeiro, 26mar1966. (p.4)

NASSER, David. Se Ruy fosse vivo. RJ, O Cruzeiro, 2abr1966. (p.4)

NASSER, David. O rei do Sião. RJ, O Cruzeiro, 9abr1966. (p.6)

NASSER, David. O dragão da rua larga. RJ, O Cruzeiro, 16abr1966. (p.4)

NASSER, David. As águas da ingratidão. RJ, O Cruzeiro, 22abr1966. (p.4)

NASSER, David. O proscrito dos deuses. RJ, O Cruzeiro, 29abr1966. (p.4)

NASSER, David. Brizola azul­marinho. RJ, O Cruzeiro, 5mai1966. (p.4)

NASSER, David. O ladrão roubado. RJ, O Cruzeiro, 13mai1966. (p.6)

NASSER, David. O nariz postiço. RJ, O Cruzeiro, 20mai1966. (p.4)

NASSER, David. Salmos de Golbery. RJ, O Cruzeiro, 26mai1966. (p.4)

NASSER, David. O engolidor de sapos. RJ, O Cruzeiro, 9jun1966. (p.4)

NASSER, David. Este é o homem. RJ, O Cruzeiro, 16jun1966. (p.4)

NASSER, David. O cemitério da revolução. RJ, O Cruzeiro, 29jun1966. (p.4)

NASSER, David. Oposição de papagaios. RJ, O Cruzeiro, 6jul1966. (p.6)

NASSER, David. O monstro moral. RJ, O Cruzeiro, 13jul1966. (p.4)

NASSER, David. Os mortos de Pistóia te saúdam! RJ, O Cruzeiro, 20jul1966. (p.4)

NASSER, David. Ave César. RJ, O Cruzeiro, 26jul1966. (p.4)

NASSER, David. Viva a diferença. RJ, O Cruzeiro, 2ago1966. (p.6)

NASSER, David. Napoleão, hem? RJ, O Cruzeiro, 9ago1966. (p.4)

NASSER, David. Acorda, Brutus! RJ, O Cruzeiro, 16ago1966. (p.4)

NASSER, David. Até quando, Catalina? RJ, O Cruzeiro, 23ago1966. (p.4)

NASSER, David. A face de César. RJ, O Cruzeiro, 29ago1966. (p.4)

NASSER, David. A queda de Roma. RJ, O Cruzeiro, 5set1966. (p.4)

NASSER, David. O homem e a pílula. RJ, O Cruzeiro, 12set1966. (p.4)

NASSER, David. O Messiânico e o Messejânico. RJ, O Cruzeiro, 25set1966. (p.4)

NASSER, David. Pacto com o diabo. RJ, O Cruzeiro, 2out1966. (p.4)

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NASSER, David. A alma no rosto. RJ, O Cruzeiro, 9out1966. (p.4)

NASSER, David. O último marechal, a última esperança. RJ,  O Cruzeiro, 16out1966. 

(p.4)

NASSER, David. Caderno de memórias: Rubem Berta. RJ, O Cruzeiro, 7jan1967. (p.4)

NASSER, David. Caderno de memórias: Getúlio Vargas. RJ,  O Cruzeiro, 14jan1967. 

(p.4)

NASSER, David. Caderno de memórias: Castello Branco. RJ, O Cruzeiro, 21jan1967. 

(p.4)

NASSER, David. Leia, Marechal! RJ, O Cruzeiro, 11mar1967. (p.4)

NASSER, David. Vamos, Gringo! RJ, O Cruzeiro, 18mar1967. (p.4)

NASSER, David. Autópsia do medo. RJ, O Cruzeiro, 25mar1967. (p.4)

NASSER, David. Sem fita amarela. RJ, O Cruzeiro, 1abr1967. (p.4)

NASSER, David. Revisão das cassações. RJ, O Cruzeiro, 8abr1967. (p.4)

NASSER, David. O homem que ri. RJ, O Cruzeiro, 15abr1967. (p.4)

NASSER, David. O Estado­curral. RJ, O Cruzeiro, 22abr1967. (p.4)

NASSER, David. O brasileiro Juscelino. RJ, O Cruzeiro, 29abr1967. (p.4)

NASSER, David. Quem vaiou Tuthill. RJ, O Cruzeiro, 6mai1967. (p.4)

NASSER, David. A burrice americana. RJ, O Cruzeiro, 13mai1967. (p.4)

NASSER, David. A sombra de Rebeca. RJ, O Cruzeiro, 20mai1967. (p.4)

NASSER, David. Resposta a Bulhões. RJ, O Cruzeiro, 10jun1967. (p.4)

NASSER,  David.  Andreazza  escolhe  100   frases  de  David  Nasser.  RJ,  O Cruzeiro, 

30dez1967. (p.4)

NASSER,  David.  Juscelino Kubitschek escolhe  100 frases  de  David  Nasser.  RJ,  O 

Cruzeiro, 6jan1968. (p.4)

NASSER, David. João  Calmon escolhe 100 frases de David Nasser. RJ,  O Cruzeiro, 

13jan1968. (p.4)

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NASSER, David. Chateaubriand escolhe 100 frases de David Nasser. RJ,  O Cruzeiro, 

20jan1968. (p.4)

NASSER, David. Costa e Silva escolhe 108 frases de David Nasser. RJ,  O Cruzeiro, 

27jan1968. (p.4)

NASSER,  David.  D.Yolanda escolhe  100  frases  de  David  Nasser.  RJ,  O Cruzeiro, 

3fev1968. (p.4)

NASSER, David.  Menotti  Del  Picchia escolhe 100    frases de David Nasser.  RJ,  O 

Cruzeiro, 10fev1968. (p.4)

NASSER, David. 100 frases de Gilberto Amado sobre Chateaubriand e David Nasser. 

RJ, O Cruzeiro, 17fev1968. (p.4)

NASSER, David.  Rachel de Queiroz escolhe 100 frases sobre David Nasser.  RJ,  O 

Cruzeiro, 24fev1968. (p.4)

NASSER, David. Senador Marcelo de Alencar escolhe 100 frases de David Nasser. RJ, 

O Cruzeiro, 2mar1968. (p.4)

NASSER, David. A volta de um fantasma. RJ, O Cruzeiro, 8set1970. (p.20)

NASSER, David. O anjo do terror. RJ, O Cruzeiro, 15set1970. (p.20)

NASSER, David. O Cristo que mata. RJ, O Cruzeiro, 22set1970. (p.20)

NASSER, David. Quem paga ao bispo? RJ, O Cruzeiro, 29set1970. (p.20)

NASSER, David. Igreja cúmplice. RJ, O Cruzeiro, 6out1970. (p.20)

NASSER, David. Minha Igreja. RJ, O Cruzeiro, 13out1970. (p.24)

NASSER, David. O Cristo fuzilado. RJ, O Cruzeiro, 20out1970. (p.20)

NASSER, David. 'Governar por tortura'. RJ, O Cruzeiro, 27out1970. (p.20)

NASSER, David. 'Viva Chile, M'... RJ, O Cruzeiro, 3nov1970. (p.20)

NASSER, David. Fidel de batina. RJ, O Cruzeiro, 10nov1970. (p.20)

NASSER, David. 'Viva Cristo!' 'Viva Marx!' RJ, O Cruzeiro, 17nov1970. (p.20)

NASSER, David. O padre e o Espírito Santo. RJ, O Cruzeiro, 24nov1970. (p.20)

NASSER, David. História para Adriana. RJ, O Cruzeiro, 1dez1970. (p.16)

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NASSER, David. O velho Jequitibá. RJ, O Cruzeiro, 8dez1970. (p.16)

NASSER, David. Último reduto. RJ, O Cruzeiro, 15dez1970. (p.20)

NASSER, David. O Bom Bucher. RJ, O Cruzeiro, 22dez1970. (p.20)

NASSER, David. Se eu fosse um tupamaro. RJ, O Cruzeiro, 29dez1970. (p.20)

NASSER, David. Diário de um repórter. RJ, O Cruzeiro, 6jan1971. (p.20)

NASSER, David. O Bom pastor. RJ, O Cruzeiro, 13jan1971. (p.20)

NASSER, David. Quem matou o repórter Esso. RJ, O Cruzeiro, 20jan1971. (p.16)

NASSER, David. Jesus Cristo. RJ, O Cruzeiro, 10fev1971. (p.16)

NASSER, David. Inseminação artificial. RJ, O Cruzeiro, 17fev1971. (p.16)

NASSER, David. Tribunal revolucionário. RJ, O Cruzeiro, 21abr1971. (p.20)

NASSER, David. Apenas um libanês. RJ, O Cruzeiro, 12mai1971. (p.20)

NASSER, David. No tempo de JK. RJ, O Cruzeiro, 19mai1971. (p.20)

NASSER, David. A Copa do Câncer. RJ, O Cruzeiro, 26mai1971. (p.20)

NASSER, David. Índio quer ser índio. RJ, O Cruzeiro, 2jun1971. (p.20)

NASSER, David. David Nasser volta ao Paraná. RJ, O Cruzeiro, 9jun1971. (p.58)

NASSER, David. O Brasil é uma feijoada racial. RJ, O Cruzeiro, 16jun1971. (p.18)

NASSER, David. Le Cocq foi o antiesquadrão. RJ, O Cruzeiro, 23jun1971. (p.20)

NASSER, David. Aqui dormiu um bandeirante. RJ, O Cruzeiro, 30jun1971. (p.56)

NASSER, David. O máscara de ferro. RJ, O Cruzeiro, 7jul1971. (p.20)

NASSER, David. Corrupção e a mulher de César. RJ, O Cruzeiro, 7jul1971. (p.18)

NASSER, David. Salve o índio, presidente! RJ, O Cruzeiro, 11ago1971. (p.20)

NASSER, David. O mito Andreazza. RJ, O Cruzeiro, 18ago1971. (p.20)

NASSER, David. Sabor de veto. RJ, O Cruzeiro, 25ago1971. (p.20)

NASSER, David. O mutirão. RJ, O Cruzeiro, 1set1971. (p.20)

NASSER, David. Terra é pra macho. RJ, O Cruzeiro, 8set1971. (p.20)

NASSER, David. O instituto desvirtuado. RJ, O Cruzeiro, 29set1971. (p.16)

NASSER, David. O último diálogo. RJ, O Cruzeiro, 6out1971. (p.16)

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NASSER, David. Dois anos sem Veloso. RJ, O Cruzeiro, 13out1971. (p.16)

NASSER, David. Amádio, o papo­de­anjo. RJ, O Cruzeiro, 20out1971. (p.12)

NASSER, David. Cabral desceu aqui. RJ, O Cruzeiro, 27out1971. (p.122)

NASSER, David. Ferrugem, confisco total. RJ, O Cruzeiro, 3nov1971. (p.20)

NASSER, David. Seu caminho até Brasília. RJ, O Cruzeiro, 10nov1971. (p.20)

NASSER, David. Ex­rei café. RJ, O Cruzeiro, 17nov1971. (p.20)

NASSER, David. O profeta e o mascate. RJ, O Cruzeiro, 24nov1971. (p.20)

NASSER, David. Bandeira e o culpado. RJ, O Cruzeiro, 8dez1971. (p.14)

NASSER, David. Sem dobrar a espinha. RJ, O Cruzeiro, 15dez1971. (p.20)

NASSER, David. Estamos conversados. RJ, O Cruzeiro, 22dez1971. (p.20)

NASSER, David. O fantasma de Osvaldo Aranha. RJ, O Cruzeiro, 29dez1971. (p.20)

NASSER, David. Balanço do ano velho. RJ, O Cruzeiro, 5jan1972. (p.20)

NASSER, David. A revolução do homem. RJ, O Cruzeiro, 19jan1972. (p.22)

NASSER, David. As perucas do Tião Maia. RJ, O Cruzeiro, 26an1972. (p.16)

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