costa, fernando nogueira da. métodos de análise econômica. … · ! 3!...

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Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

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  • Instituto de Economia

    Universidade Estadual de Campinas

    Campinas

    2014

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    APRESENTAO

    O Memorial tem importante utilidade na vida acadmica, tanto em termos de uso institucional para fins de promoo na carreira universitria como em termos de retomada e avaliao da trajetria pessoal no ambiente acadmico-profissional. Representa uma retomada articulada e analtica dos dados do Curriculum Vitae do candidato, no qual sua trajetria acadmico-profissional foi estruturada e documentada, com base em informaes objetivamente elencadas. O Memorial muito mais relevante quando se trata de se ter uma percepo mais qualitativa do significado dessa vida universitria, no s por terceiros, responsveis por alguma avaliao e/ou julgamento, mas, sobretudo pelo prprio autor (Santos, 2005).

    Neste Memorial, buscarei analisar a evoluo dos meus trabalhos recentes, especialmente, aps meu retorno Universidade depois de licenciamento de cinco anos (2003-2007) para ocupar o cargo de Vice-Presidente da Caixa Econmica Federal, inserindo-a no meu projeto pessoal mais amplo como professor e pesquisador. Objetivo assim explicitar a intencionalidade e/ou a racionalidade que perpassa e norteia esses trabalhos.

    Meu Memorial constitui, assim, uma autobiografia intelectual, configurando-se como uma narrativa simultaneamente reflexiva, didtica e cientfica. Adotarei a forma de um relato analtico e crtico, dando conta do meu desenvolvimento como professor nos aspectos didtico e cientfico, tendo como base os estudos e as pesquisas realizados. Evidenciarei os acontecimentos mais marcantes que constituram minha trajetria acadmico-profissional, de tal modo que o leitor possa ter uma informao completa e precisa do itinerrio percorrido.

    A histria particular de cada um de ns se entretece em uma histria mais envolvente da nossa coletividade. Assim, ressaltarei as fontes e as marcas das influncias sofridas, das trocas de ideias realizadas com outras pessoas, especialmente, com os professores da Escola de Campinas, que mais me influenciaram, ou com as situaes culturais e polticas vivenciadas. Frisarei meus posicionamentos tericos e/ou prticos, que foram sendo assumidos a cada momento. Deste ponto de vista, este Memorial expressa a evoluo recente do meu pensamento.

    Ao refletir a respeito, percebi que meus Textos para Discusso do IE-UNICAMP (TDIE) comporiam uma dupla trajetria que poder me propiciar a publicao de mais dois livros: um intitulado Ensino de Economia: Uma Experincia com Interdisciplinaridade, e outro, Finanas dos Trabalhadores: Uma Experincia com Social-Desenvolvimentismo. Aqui, em um esforo de sntese, eu apresentarei o fio-condutor de meu pensamento em ambos, resumindo cada captulo, cujos ttulos so os mesmos dos TDIE, e suas principais concluses.

    O que h de comum entre eles, alm do fato de representarem as duas principais atribuies de um professor em Regime de Dedicao Integral Docncia e Pesquisa? Em forma, a estrutura de apresentao; em contedo, a busca de

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    integrao entre a Microeconomia e a Macroeconomia ou a viso dos indivduos e a viso sistmica e multidisciplinar, inclusive em Finanas.

    Reunirei, em vez do j publicado em meus livros, as reflexes escritas em publicaes eletrnicas disponveis para um pblico maior. Para unific-las, em ambas partes, manterei o mesmo estilo de crnicas narrativas, uma referente ao Ensino de Economia, outra Pesquisa em Finanas.

    O arco desta narrativa uma jornada, e o roteiro seu mapa. O protagonista sou eu, o candidato a se titular, movimentando-se principalmente no espao mental ao sabor de desafios de pensamento e resolues. Idealmente, ele (o protagonista) deve chegar ao final da jornada/carreira o mais transformado possvel. Em outras palavras, a narrativa leva-o, existencialmente, ao mais distante lugar fsico, metafsico, emocional e intelectual em relao a onde comeou.

    No quero narrar essa trajetria sob forma linear ou cronolgica, isto , na ordem em que escrevi os textos, pois correria o risco de fragmentar a leitura. Segundo a Potica de Aristteles, o mestre supremo dos roteiristas, o drama ou a tragdia a forma mais perfeita e exaltada da arte dramtica, a nica capaz de nos proporcionar lies duradouras e catarses poderosas. As tramas dramticas precisam incluir os seguintes elementos essenciais:

    1. Um grande obstculo deve ser enfrentado por um personagem que tenha substncia, pois o drama exemplar deve afligir indivduos de peso por sua envergadura moral e intelectual.

    2. A reverso da fortuna deve ser fruto de um erro do protagonista, desencadeando a tragdia.

    3. Uma lio deve ser extrada da provao do protagonista; no drama, a dor pode ser convertida em sabedoria.

    Ento, a narrativa deste Memorial seguir um arco descrito assim:

    1. Na Exposio, a trama e o personagem (eu) so apresentados. 2. Na Ao Crescente (ou Complicao), conflitos se anunciam. 3. Ponto de ruptura: conflitos chegam a seu pice. 4. Ao torna-se Decrescente, com a dissoluo ou resoluo dos conflitos. 5. At que chega Concluso Final.

    Todas as estrias da humanidade so uma nica, um monomito, o mito universal. O heri vive em mundo da inocncia, recebe um chamado, enfrenta uma jornada de provaes, conquista o trofu, volta para casa, compartilhando as conquistas (Bahiana; 2012). No caso, o triunfo ser alcanado caso eu consiga a defesa de minha(s) tese(s), voltando ento renovado para minha rotina docente, compartilhando as minhas descobertas com meus colegas e alunos.

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    Sumrio

    PARTE I Ensino de Economia: Uma Experincia com Interdisciplinaridade

    Introduo: Minha Tese em Ensino de Economia ........................................................... 06

    1. Era Uma Vez Partio da Realidade entre Cincia Econmica e Cincias

    Afins: Poltica, Sociologia e Psicologia..................................................................... 12

    2. Todos os Dias Formao Doutrinria de Economistas .............................. 26

    3. At Que Certo Dia Macro e Micro: O Difcil Reencontro Depois Da

    Separao............................................................................................................................ 43

    4. Por Causa Disso Comportamentos dos Investidores: do Homo Economicus ao Homo Pragmaticus ........................................................................... 50

    5. Nova Provao Por Causa Daquilo Economia da Felicidade: De Volta

    Filosofia, Sociologia e Psicologia................................................................................ 60

    6. Reprovao Por Causa Daquilo Economia Comportamental,

    Institucionalista, Evolucionista e Complexa.......................................................... 70

    7. Finalmente Economia no Cinema: Experincia com

    Interdisciplinaridade....................................................................................................... 86

    8. Adendo Outra Experincia Interdisciplinar: Documentrios................ 102

    9. Concluso......................................................................................................................... 106

    10. Adendo Manifesto Ps Autista: Carta Aberta dos Estudantes................ 111

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    PARTE II Pesquisa sobre Finanas dos Trabalhadores: Uma Experincia com Social-Desenvolvimentismo

    Introduo: Minha Tese em Pesquisa em Finanas ..................................................... 113

    1. Era Uma Vez Da Escola de Campinas ao Capitalismo Financeiro ........ 116 a. Testemunho Ocular do Nascimento da Escola de Campinas

    i. Grande Mestre: Antnio Barros de Castro (1938-2011) ii. Grande Mestre: Maria da Conceio Tavares, Insubstituvel iii. Grande Mestre: Carlos Lessa, Intrprete do Brasil

    b. Escola de Campinas

    2. Todos os Dias Poupana: Economia Normativa Religiosa e Comparando Capitalismos Financeiros ........................................................................................... 146

    3. At Que Um Dia Desenvolvimento do Desenvolvimentismo: Social-Desenvolvimentismo ................................................................................................... 158

    4. Por Causa Disso Reflexes sobre Financiamento do Desenvolvimento ................................................................................................................................................ 173

    5. Nova Provao Por Causa Daquilo Finanas dos Trabalhadores ..... 181

    6. Outra Atribulao Por Causa Daquilo Preos Inflados ........................ 191

    7. Problema Por Causa Daquilo Medio da Riqueza Pessoal ................. 198

    8. Finalmente Capitalismo de Estado Neocorporativista ............................ 210

    9. Concluso Uma Experincia com Social-Desenvolvimentismo ............ 222

    10. Adendo: Manifesto da Tropicalizao Antropofgica Miscigenada ........ 225

    Bibliografia (em duas partes 16 pp) ............................................................................... 238

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    Introduo da Parte I: Minha Tese sobre Ensino de Economia

    Uma tese no um relatrio de pesquisa, mas sim uma reunio de argumentos em defesa de algum posicionamento pessoal. O candidato levanta determinada hiptese, que sujeita anttese, virar tese. At que seja novamente falseada por outro candidato a doutor/livre-docente/titular com uma sntese.

    Desde logo, anuncio minha tese: o Ensino de Economia hoje, necessita reconstituir-se e transitar da formao de profissionais especialistas para a de generalistas, retomando a metodologia interdisciplinar inicial. A Cincia Econmica, depois de sua depurao, ocorrida ao longo do sculo XX, afastando-se das Cincias Humanas e Sociais Afins, na v tentativa de ganhar status cientfico com o uso da linguagem matemtica das Cincias Exatas, separou-se em Microeconomia e Macroeconomia. A primeira trata das decises dos agentes econmicos, a segunda, da resultante sistmica dessas diversas decises. Os economistas, de maneira geral, especializaram-se em um ou outro setor de atividade e perderam a viso do conjunto com seus micro fundamentos.

    Meus argumentos em defesa dessa tese so de duas ordens. Da maneira binria como eu, enquanto economista, aprendi a organizar meu pensamento, um tipo de argumento se coloca pelo lado da oferta, isto , da capacitao profissional, outro, pelo lado da demanda, no caso, do mercado de trabalho contemporneo, exigente de profissionais polivalentes e criativos, capazes de assumirem mltiplas tarefas.

    No primeiro caso, depois de investigar 250 anos da histria do pensamento econmico, atravs do exame das obras de autores representativos das correntes Clssica, Neoclssica, Monetarista, Novo-clssica, Keynesiana e afins, e comparar com os Comportamentalistas, Institucionalistas, Evolucionistas e da Complexidade, parece-me que est sendo retomado o carter multidisciplinar do conhecimento dos primrdios da Economia Poltica.

    Os cientistas, recentemente, esto empenhados em conhecer o comportamento humano na tomada de decises econmicas de comprar, vender ou investir. reas distintas da Cincia esto somando esforos e recursos para estruturar a rea de pesquisa destinada a cumprir essa tarefa: a Neuroeconomia. Ela resultado da unio de ferramentas de investigao e conhecimentos no s de Filosofia, Poltica, Sociologia, e Economia, como tambm de Psicologia, Biologia, e Neurologia. Tudo isso amplia o leque de conhecimentos do graduando.

    No segundo tipo de argumentao, cada vez mais observo a necessidade de flexibilidade na capacitao, adaptao e adequao a quaisquer oportunidades surgidas, eventualmente, para os jovens conseguirem alguma ocupao. O avano na capacidade computacional, inclusive do crebro humano, e a maior disponibilidade de informaes online em diversas reas de conhecimento permitem o aumento da produtividade com poucos profissionais atendendo a muitas demandas.

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    Sem deixar de tirar a importncia da formao especializada na ps-graduao, na educao massiva oferecida no ensino superior necessita-se de acrescentar o uso de novos instrumentos didticos para angariar a ateno de estudantes da gerao nativa-digital. Caso no ocorra tambm uma atualizao curricular, no sentido interdisciplinar, correr-se- o risco fatal de cair a demanda pelos cursos de Cincia Econmica, seja por falta de perspectiva de colocao futura, seja por falta de interesse dos estudantes em especializao precoce em modelagem economtrica ou esotrica.

    Esse ltimo adjetivo qualifica o ensino que, em certas escolas da Grcia antiga, era destinado a discpulos particularmente qualificados, para completar e aprofundar a doutrina. Estendendo-o, hoje, diz respeito a todo ensinamento ministrado a crculo restrito e fechado de ouvintes adeptos de uma cincia, doutrina ou prtica fundamentada em conhecimentos de ordem sobrenatural. aquele compreensvel apenas por poucos iniciados, dado que muito hermtico.

    Os estudantes de Economia, desejando tornar-se lderes e/ou estrategistas em suas atividades, demandam maiores informaes e anlises sobre a vida socioeconmica, poltica e cultural contempornea. Economia, no molde ortodoxo em que est sendo ensinada na maioria das faculdades, confirmando a tendncia de queda de matrculas em seus cursos de graduao, restar no futuro ser apenas responsvel pelo oferecimento de algumas disciplinas de servio em outros cursos.

    ***

    Para expor esse contedo, necessrio aprimorar a forma de apresentao. Evitar ser academicista, ou seja, acreditar que acmulo aprofundamento e que chatice preciso.

    Minha experincia nos ltimos quatro anos como blogueiro, divulgando conhecimentos para um pblico amplo, deixou mais clarividente a necessidade de um professor universitrio se comunicar de maneira acessvel. Passei a publicar diariamente, acumulando mais de 4.000 posts em meu blog Cidadania & Cultura (http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). Nele se encontram minhas ideias, meus artigos, minhas aulas. Em 53 meses, recebeu cerca de 2.400.000 visitas, atingindo abrangncia geogrfica e interesse muito alm do campus universitrio. Em perodo letivo, atinge o patamar de 3.500 visitas / dia til. Nunca fui to lido. Compartilho atravs da internet meu conhecimento adquirido em Universidades pblicas. a forma de trabalho voluntrio de responsabilidade social que encontrei para retribuir sociedade o ensino gratuito que tive oportunidade de desfrutar.

    Antes de tudo, a paixo pelo assunto indispensvel para se escrever bem. Mas no basta. Aprende-se a escrever, escrevendo e verificando se lido. A exposio deve ser feita em todo o seu valor emocional e intelectual a pblico amplo, atravs da difcil arte da literatura. Destaco: amplo pblico! A nfase deve sempre ser dada escrita para o leitor comum, em contraposio escrita apenas para os colegas eruditos. Quando escrevemos para pblico amplo, temos

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    de ser claros e interessantes. Esses so os critrios que determinam a qualidade de um bom texto.

    O leitor a pessoa que deve estar sempre presente na mente do escritor. Escrevo meus textos com um cartaz pregado na minha mente, perguntando-me: Ir o leitor virar a pgina? O objetivo do autor , ou deveria ser, manter a ateno do leitor. Querer que o leitor vire a pgina e continue a faz-lo at o fim do texto.

    Quando escrevo, estou compartilhando parte de minha experincia de vida e de meus sentimentos com pessoas desconhecidas. Para isto, devo prezar meu estilo. Prprio. nico. Exclusivo. Minha impresso digital literria. Atravs dele, eu me apresento em palavras escritas.

    Nesse caso, necessito ser exibicionista, atraente pelo estilo literrio. Usar uma linguagem clara e concisa. O vocabulrio precisa ser artisticamente escolhido. Isto torna o texto original, caracterizando minha personalidade em cada frase escolhida, ainda que aborde contedo j bastante tratado. Mas melhor explorar assuntos com os quais tenho afinidade: escrever sobre algo que eu conheo bem. Aquilo que me interessa, profundamente, e que eu gostaria de compartilhar para que outras pessoas tambm pensem a respeito. Este o elemento sedutor que justifica apelar para crnicas narrativas. Uma srie de pequenas crnicas encadeadas podem ser escritas sob o ponto de vista do autor e serem atraentes para outras pessoas.

    Uma crnica uma narrativa, seja realista, seja fictcia. Uma crnica narrativa pode ser uma estria narrativa em prosa ou verso, fictcia ou no, com o objetivo de divertir e/ou instruir o ouvinte ou o leitor em que h personagens, cenrios e um conflito. Assim, possui introduo, clmax e concluso. um texto experimental e pessoal, permitindo que o escritor expresse sua criatividade. A necessidade de um conflito ou enredo essencial para que um texto seja definido dessa forma.

    Nesse sentido, apresentarei um enredo claramente identificado. No posso deixar o leitor na dvida quanto ao propsito de minhas narrativas de histrias reais do meu pensamento econmico. Eu coloco-me no controle do texto ao contar estrias e, portanto, posso direcion-lo para onde bem entender. Apenas necessito me certificar se eventuais leitores seguiro minha orientao...

    Observando livros ou filmes de sucesso, o que h em comum entre eles que possuem enredos com altos e baixos, levando o protagonista de momentos de extremo xtase a de profunda misria e de reviravolta. Os leitores e os espectadores procuram justamente essa catarse. Buscam na literatura e/ou no cinema aquilo que encontram (ou no) em suas vidas cotidianas. Identificam-se, ou ento distinguem-se, aliviando-se racional e emocionalmente.

    Vou identificar os elementos essenciais da minha narrativa, distribuindo-os em sequncia caracterstica de roteiros cinematogrficos:

    1. Era uma vez: aqui onde eu situarei a narrativa de minha formao especializada em Economia, apresentando os personagens as diversas

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    Cincias Humanas e Sociais Afins e suas metodologias e o contexto a diviso de trabalho entre elas para desvendar o mundo.

    2. Todos os dias: a rotina de formao do protagonista, no caso, eu (como infeliz representante de uma srie de economistas formada da mesma maneira especializada), apresentada, evidenciando uma situao que, em breve, ir mudar.

    3. At que certo dia: algo acontece que lana o protagonista (Eu! Eu!) em uma srie de conflitos no caso, a calamidade a percepo que a separao entre Microeconomia e Macroeconomia impossibilita reconstituir e entender O Todo, isto , a crise sistmica.

    4. Por causa disso: o personagem reage, tentando controlar seus conflitos e levar sua vida de volta tranquilidade apresentada no incio da narrativa quando tento rever, minuciosamente, os comportamentos dos investidores, luz da Economia Comportamental.

    5. Nova provao por causa daquilo a separao entre a Micro e o Macro surge, j que outra reao do personagem-protagonista (minha) foi buscar inspirao na releitura de reflexes interdisciplinares que estavam guardadas-no-poro da histria do pensamento econmico.

    6. Reprovao por causa daquilo: ainda a separao entre a Micro e o Macro leva-me ao estudo de Finanas Comportamentais, e da a outro acontecimento reprovvel esboar o que seria uma Macroeconomia Comportamental , o que exige uma nova reao tomar conhecimento da Economia Institucionalista, Evolucionista e da Complexidade para tentar restabelecer a ordem, isto , O Todo antes repartido.

    7. Finalmente: o auge da narrativa, onde o personagem (o ento feliz narrador que vos escreve) consegue atingir seus objetivos (ou no, dependendo do seu senso de humor no julgamento), usando novos mtodos didticos para formar no s economistas, mas tambm cidados completos conscientes de seu lugar no mundo, de seus deveres e direitos civis, polticos, sociais e econmicos.

    Dessa forma, alm desta Introduo, o leitor acompanhar os seguintes captulos tal como a sequncia de uma novela, no caso, a do meu memorial. Alerto, desde j, que se trata de um duplo percurso. De um lado, a perseguio da evoluo cientfica, ou seja, como as teorias econmicas se desdobraram a partir de uma metodologia abstrato-dedutiva e, questionadas sempre pela rival metodologia histrico-indutiva, alcanam hoje uma fronteira de reconhecimento da complexidade interdisciplinar de seu objeto. De outro lado, eu, com trinta anos de carreira docente, no posso deixar de pensar enquanto professor: como ensinar tal complexidade? Qual o mtodo didtico propcio a galvanizar a ateno, o interesse e a aprendizagem de uma gerao nativa digital?

    No primeiro captulo, Era uma vez, analiso os critrios de partio da realidade O Todo em alguns conceitos e teorias bsicos, pela ordem, da Poltica, da Sociologia e da Psicologia. O objetivo conhecer as metodologias Cincias Afins Cincia Econmica com a verificao da possibilidade de reincorpor-las (ou no), ao final, em uma anlise multidisciplinar, macrossocial, sistmica e estruturalmente complexa, com fundamentos em Psicologia Econmico-Comportamental.

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    Todos os dias... somos bombardeados pelo pensamento ortodoxo dominante! No segundo captulo, recupero, brevemente, seu caminho histrico-ideolgico para se tornar hegemnico. Seguindo esse percurso, parto da anlise dos diversos mtodos dos filsofos gregos racionalistas e empiristas , inspirao seminal, respectivamente, dos mtodos abstrato-dedutivo e histrico-indutivo nos quais se divide a Filosofia da Cincia ocidental. Em seguida, analiso o individualismo libertrio, isto , a ideia-chave para revolues e conquistas sociais nos sculos XVII e XVIII. Ento politicamente progressista, o individualismo necessitava da Economia Poltica da Ordem Espontnea para lhe dar uma legitimidade racionalista. A ideia dos indivduos autnomos abarcada pela ideologia do liberalismo econmico, desde o princpio do laissez-faire ou da no-interferncia governamental at o ultra-liberalismo da Escola Austraca, ressurgindo recentemente atravs do neoliberalismo. Essa a via crucis da formao doutrinria de economistas ortodoxos. Pra no dizer que no falei das flores, relembro tambm a formao doutrinria de economistas heterodoxos de esquerda.

    O objetivo do terceiro captulo, At que certo dia, enfrentar uma outra ruptura, a separao entre a Micro e o Macro. A anlise de qualquer fenmeno econmico, tradicionalmente, deveria apontar causas macroeconmicas e microeconmicas. A anlise macroeconmica da crise deveria salientar tambm seus fundamentos microeconmicos. A anlise microeconmica no deveria ter se esquecido de que a possvel crise sistmica, resultante da interao da pluralidade de decises descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras, constitua risco no-diversificvel. As teorias de decises financeiras pressupunham a racionalidade dos agentes econmicos mesmo dentro desse contexto de incerteza. Elas j tinham sido questionadas pelas experincias laboratoriais das Finanas Comportamentais. Os psiclogos econmicos provaram que havia influncias emocionais e erros sistemticos nas decises dos investidores. Embora reconhecendo que os comportamentos dos agentes pudessem ser irracionais, os economistas ortodoxos insistiram na validade da interpretao do comportamento dos mercados atravs dos modelos racionalistas. No entanto, a realidade da crise sistmica falseou todos esses modelos tericos. CGC! Crise Geral do Capitalismo! Salve-se quem puder!

    No captulo quarto, Por causa disso, esboo trs perfis de investidores no mercado de capitais: o homo economicus, o homo sapiens, e o homo pragmaticus. Proponho que existe diversidade de comportamentos dos investidores e no a uniformidade racional que se poderia inferir de leitura apressada da hiptese abstrata do homo economicus. Da mesma maneira, os vieses heursticos, estudados pelas Finanas Comportamentais, so distribudas de forma heterognea entre os investidores. As mentes dos homo sapiens so mltiplas. A arte da especulao, sugerida pela prxis do homo pragmaticus, particular, discricionria, datada e localizada em cada mercado. O desafio do especulador profissional sempre tentar a antecipao de qual ser a tendncia predominante no mercado. Ela resultar dos diversos comportamentos existentes entre investidores. necessrio entend-los para compreend-la.

    Minha reao no captulo anterior, leva-me a outro desafio intelectual que exige uma nova reao para tentar restabelecer a ordem. No quinto captulo, a Nova

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    Provao fao uma releitura dos primeiros autores reconhecidos como economistas. Por terem se formado no debate filosfico, eles trataram tanto dos fenmenos sociais quanto dos comportamentos individuais. Poderiam tambm ser considerados psiclogos avant la lettre. O objetivo recuperar, sinteticamente, a histria desse pensamento econmico multidisciplinar. Mostro como Adam Smith, Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Thorstein Veblen, John Hobson, Adolf Berle & Gardiner Means, entre outros, usaram diversos conceitos psicolgicos, comportamentais e institucionais em suas obras. Elas apresentavam descries dos efeitos psicolgicos sobre o bem-estar humano e social que, quase 250 anos depois, so estudadas pela Economia Comportamental, Nova Economia Institucionalista, Economia Evolucionista, Economia da Complexidade, e Economia da Felicidade.

    O sexto captulo Reprovao Por Causa da Separao entre a Micro e o Macro nasce da seguinte questo: as Finanas Comportamentais compem uma Teoria das Decises, portanto, ela Micro; ento, qual seria o Macro resultante dessa Economia Comportamental? Esse o desafio terico a respeito do qual proponho uma reflexo metodolgica. Uma Macroeconomia Comportamental no pode ser apenas holista; necessrio construir a ontologia de seus elementos. O pensamento sistmico no nega o racionalismo, mas acredita que nem todas as decises dos seres humanos sejam racionais. Compreender a resultante dos comportamentos individuais heterogneos exige conhecimento interdisciplinar tanto para entender essa individualizao quanto para perceber sua sistematizao. O objetivo alcanar uma viso sistemtica, isto , uma capacidade de identificar as ligaes entre comportamentos particulares e fatos sociais do sistema como um todo complexo.

    Finalmente, no stimo captulo, chego experincia didtica com interdisciplinaridade, narrando o percurso do meu Curso Economia no Cinema. A gerao atual dos alunos aprende melhor atravs da audio, viso e ao (ouvir-ver-fazer), exigindo a adoo de mtodos no tradicionais de ensino. O curso, focalizando as Grandes Eras da Evoluo Humana por meio de filmes, vistos e discutidos com base em leituras prvias, representam o acmulo da experincia humana realizado em Literatura, Histria, Filosofia, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Poltica ou Economia. Ultrapassam as fronteiras dessas disciplinas, superando a repartio da realidade. O principal resultado almejado formar, culturalmente, bons cidados.

    Ainda poucos explorados pelos acadmicos de Economia, os filmes constituem fontes de informaes legtimas e no menos importantes do que outras fontes como a literatura, os relatrios de pesquisas, as estatsticas, etc. A maioria das pessoas leigas em Economia ir se deparar com anlises econmicas da realidade atravs de opinies formadas a partir de filmes, sejam documentrios, sejam dramas. Para a confeco e a compreenso de seus roteiros (e personagens) exige-se conhecimentos multidisciplinares, inclusive os de economistas comportamentais, institucionalistas, evolucionistas e complexos, como quero demonstrar (C.Q.D.).

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    Captulo 1

    Era Uma Vez

    Partio da Realidade entre Cincia Econmica e Cincias Afins: Poltica, Sociologia e Psicologia

    Era uma vez, a Economia Poltica que convivia familiarmente com outras Cincias Afins: Poltica, Sociologia e Psicologia. Todas dividiam o trabalho de investigao da realidade, aumentando a produtividade em descobertas sobre leis de movimento social. At que a Economia foi se tornando cada vez racionalista, individualista e liberal, afastando-se dessa convivncia fraternal de enriquecimento mtuo. Seduzida pelas Cincias Exatas, ambiciosa de maior status cientfico, passou a ignorar as Cincias Afins, simplesmente, abstraindo suas existncias. Foi se depurando, especializando-se em construir modelos cada vez mais esotricos, compreensveis apenas por poucos pares. Ao se tornar muito hermtica, deixou de interessar formao de cidados completos.

    Na transio do sculo XVIII para o XIX, entre as Cincias que comearam a se desligar da Filosofia para ganhar existncia prpria, destacava-se a Economia Poltica. Sua definio clssica se encontra nos primeiros pargrafos do Prefcio dos Princpios de Economia Poltica e Tributao, publicado por David Ricardo em 1817. Vale relembrar essa passagem.

    O produto da terra tudo que se obtm de sua superfcie pela aplicao combinada de trabalho, maquinaria e capital se divide entre trs classes da sociedade, a saber: o proprietrio da terra, o dono do capital necessrio para seu cultivo e os trabalhadores cujos esforos so empregados no seu cultivo. Em diferentes estgios da sociedade, no entanto, as propores do produto total da terra destinadas a cada uma dessas classes, sob os nomes de renda, lucro e salrio, sero essencialmente diferentes, o que depender principalmente da fertilidade do solo, da acumulao de capital e de populao, e da habilidade, a engenhosidade e dos instrumentos empregados na agricultura. Determinar as leis que regulam essa distribuio a principal questo da Economia Poltica (1982: 39).

    Nada to distante do interesse dos esnobes membros de Departamentos de Economia universitrios contemporneos. Hoje, qualquer visitante e/ou calouro interessado em distributivismo e conflitos sociais ser devidamente encaminhado aos Departamentos de Cincias Sociais, onde se estuda aquela coisa (marxista?!) de Antropologia, Sociologia, Poltica (credo...), ou ento ao Departamento de Psicologia. Insistncia impertinente levar o candidato ao Departamento de Psiquiatria...

    Corporativamente, essa v tentativa de cientificizao da Economia Poltica ocorreu nas mos de puros professores universitrios.

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    A maioria dos grandes autores que desenvolveram a Economia Poltica, tantos os predecessores de Ricardo como seus contemporneos e sucessores, foram acadmicos e polticos, isto , intelectuais que procuraram interpretar a realidade econmica a partir de conceitos abstratos. Os chamados prticos, que se aventuraram a teorizar a Economia tendiam a se mostrar incapazes de superar os dados de sua experincia imediata, revelando estreiteza de viso e carncia de profundidade. Este certamente no foi o caso de Ricardo, o qual primava pela capacidade analtica e pela consistncia lgica, em momento algum se deixando iludir pelas aparncias dos fenmenos, atrs dos quais sempre procurava descobrir o nexo causal que os interligava, fazendo da economia um todo submetido a leis que cincia cabia revelar (Singer; 1982: VIII).

    A abordagem clssica da Economia Poltica d nfase s relaes sociais que se estabelecem entre os homens em suas atividades econmicas. A abordagem neoclssica da Economia Pura enfatiza a capacidade humana de fazer escolhas perante mltiplos fins e diversos meios para alcan-los.

    Nesta ltima concepo de Economia, qualquer escolha feita por um agente econmico quanto alocao de recursos (escassos face a todos fins almejados) implica uma relao entre custos (os meios empregados) e benefcios (os fins a serem alcanados). Considera-se tambm, nessa deciso, a ocorrncia de custos de oportunidade outros objetivos que, com os mesmos recursos, poderiam ser obtidos.

    Naquela primeira concepo, os modos como as sociedades, em diversas etapas histricas, se organizaram ou se coordenaram, para resolver os problemas da produo, da distribuio, do consumo, do investimento, do financiamento, etc., o objeto de reflexo da linha de pensamento classificada como Economia Poltica. As leis de movimento social so seu foco.

    H distintos nveis de abstrao. Como a escassez sempre se manifestou, ocorreu em todas as pocas e as economias, ela pode ser tratado como um conceito atemporal. Sendo assim, a Cincia Econmica pura pretende ser universal e permanente, pois, a partir dos fenmenos de escassez e de opo, elabora um sistema de proposies tericas e procedimentos cientficos aplicveis a qualquer tempo e em qualquer lugar. Nesse alto nvel de abstrao, possvel a generalizao.

    Em Economia Poltica, refere-se sempre a um tempo histrico definido com determinada formao social. As leis da Economia Poltica tm vigncia restrita no espao e no tempo. Dentro dessa perspectiva histrico-institucionalista, a Economia no pode pretender construir teorias universais, isto , abrangentes de todos os perodos e os lugares.

    Joseph A. Schumpeter, em sua monumental Histria da Anlise Econmica, trata no Captulo 3 de Alguns Progressos nas Cincias Afins. Sob esta expresso Cincias Afins rene fatos, forosamente, fragmentrios. Eles exprimem pinceladas impressionistas que no s embelezam a reconstituio da histria do pensamento econmico como tambm inspiram o resgate da

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    multidisciplinaridade de seus primrdios, nos sculos XVIII e XIX, antes que a depurao da Economia Poltica a transformasse em apenas uma Economia Pura com a pretenso de se constituir em Cincia Econmica.

    Essa ambio cientfica racionalista tambm envolveu todas as Cincias Afins. A repartio da realidade em disciplinas isoladas foi realizada como um loteamento do territrio cientfico entre corporaes profissionais que almejavam imperar de modo absolutista mesmo sendo sobre um pedao reduzido. Instalou-se, no sculo XX, o reinado das especializaes profissionais.

    No entanto, minha hiptese-chave que, agora, com a disponibilidade de diversos conhecimentos, bancos de dados e informaes facilmente acessveis por TIC (Tecnologia de Informaes e Comunicaes), a demanda do mercado de trabalho passou a ser por profissionais com formaes generalistas e flexveis, dotados de criatividade, e capazes de adaptao a quaisquer nichos de mercado. Requisita, igualmente, uma viso abrangente, sistmica e multicultural para formular estratgias de conquista de espaos mais amplos no mercado global. Em poucas palavras, a exigncia contempornea por profissionais com viso interdisciplinar.

    Neste tema, impossvel no lembrar de uma aula do meu caro professor Carlos Lessa, ministrada nos anos 70. Ele usou um exemplo inusitado para ilustrar uma operao analtica de repartio: uma vaca!

    Reparem bem, nos no vamos analisar a vaca em geral, nos vamos tomar uma determinada vaca, nascida em data e lugar especfico. Tomem esta vaca, por exemplo, a Madalena, e vamos analis-la. Agora vamos coloc-la em mos de dois analistas: o primeiro analista um aougueiro. O que ele vai fazer com a vaca? Vai mat-la. Retira a carne de 1, a de 2 e a de 3, retira as vsceras, o couro, a cabea com os chifres para emoldurar, etc., ou seja, desmembra aquele todo em uma coleo de partes. Agora, se essa mesma vaca tivesse de ser dissecada por um outro analista, um professor da escola de Veterinria, o que ele faria? Ele vai utilizar a vaca para uma lio de anatomia. Logo, mata a vaca da mesma maneira. Mas, a partir da, vai desmembr-la com critrios distintos: primeiro, o sistema neurovegetativo; depois, o sistema circulatrio, etc. No final, teria uma outra coleo de partes. Em primeiro lugar, qual o denominador comum dos dois analistas? Ambos assassinaram o todo. Segundo dado comum s duas situaes: impossvel reconstruir Madalena, a partir das duas colees de partes. O que aconteceu? O primeiro analista, o aougueiro, e o segundo, o professor de anatomia, ao desmembrarem a vaca obtiveram, no elementos, mas partes sem as conexes com as demais e com o todo. Mas o que, realmente, diferencia um analista do outro que o primeiro tem critrios de partio que so diferentes do critrio de partio do segundo. Generalizando mais, poderamos dizer que existem inmeras colees de partes obtidas a partir de um todo, Madalena.

    Toda anlise econmica uma operao de partio, s que de ideias. A operao analtica se d com um objeto idealizado. A coleo de partes que o analista obtm so conceitos. Mas esse objeto colocado sob anlise admite, da mesma

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    maneira que a Madalena, inmeros modos de partio. No entanto, existem critrios implcitos ou explcitos por trs dos conjunto de conceitos econmicos. Dependendo dos critrios escolhidos, teremos uma determinada coleo de conceitos. Dependendo dos conceitos que tomamos, podemos demonstrar qualquer coisa, mas no ressuscitaremos a Madalena, isto , O Todo.

    O professor Carlos Lessa encerrou seu argumento da seguinte maneira.

    Houve um grego que disse o seguinte: Deem-me uma alavanca e um ponto de apoio que eu desloco o mundo. Com a teoria econmica acontece o seguinte: Deem-me a possibilidade de manter oculto meu critrio de partio que eu demonstro qualquer coisa...

    Sob o meu ponto de vista, disciplinas tais como a Poltica, a Sociologia e a Psicologia so vizinhas complementares, cujos conhecimentos so essenciais para o desenvolvimento da prpria Economia. A Historiografia, da mesma forma importante, necessita menos comentrios, porque tem sido acompanhada de forma satisfatria por economistas heterodoxos. Como a Matemtica e a Estatstica tornaram-se as disciplinas mais cultuadas por economistas ortodoxos dentre as vizinhas da Economia, seu conhecimento obrigatrio aos estudantes, tanto que Schumpeter no se d ao trabalho de exp-las em seu captulo de reconstituio da Histria da Anlise Econmica.

    Antes de iniciar minha argumentao em defesa da tese, atravs da investigao (teste) da hiptese apresentada, cabe relembrar a advertncia dos autores da obra Como Ler Livros: O Guia Clssico Para A Leitura Inteligente.

    Os livros de Cincias Sociais no se limitam no fico. H uma importante e vasta categoria de textos contemporneos que pode ser chamada de fico cientfica social. Nela o objetivo criar modelos artificiais de sociedades que nos permitam, por exemplo, explorar as consequncias sociais da inovao tecnolgica. A organizao do poder social, as espcies de propriedades e de posse, e a distribuio de riqueza so descritas, condenadas ou elogiadas de vrias maneiras em romances, peas, contos, filmes e sries de televiso. Na medida em que fazem isso, pode-se dizer que tm importncia social ou que contm mensagens relevantes. Ao mesmo tempo, tais obras usam e disseminam elementos de Cincias Sociais (Adler & Doren; original de 1940; 2010: 301).

    O que esses autores sugerem que essa rea literria composta de textos no puramente expositivos, mas mistos. preciso ler livros de Histria tendo em mente que uma mistura de fico e cincia. Por sua vez, boa parte da literatura de Cincias Sociais uma mistura de Cincia, Filosofia e Histria, mas sempre se adiciona um pouco de fico como tempero. A prpria mistura muda de livro para livro. O leitor analtico depara com a tarefa de identificar a composio relativa dos itens que formam aquilo que ele est lendo. Essa ressalva importante na nossa experincia interdisciplinar que toma como vlido o material didtico composto por obras cinematogrficas, tanto em fico (dramas), quanto documentrios, como fontes de (in)formaes audiovisuais.

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    A histria sempre a mesma; os historiadores que so diferentes.

    Neste primeiro captulo, analiso os critrios de partio da realidade O Todo e alguns conceitos bsicos da Poltica, da Sociologia e da Psicologia, nessa respectiva ordem expositiva. O objetivo , depois, reincorpor-las em uma anlise multidisciplinar, macrossocial, sistmica e estruturalmente complexa com fundamentos em Psicologia Econmico-Comportamental. Repito: minha hiptese que essa reintegrao se faz agora necessria para o conhecimento da realidade contempornea, uma Economia de Bolhas, onde euforia e pnico, sentimentos emocionais coletivos se sucedem. Em anlise de aes coletivas, alm da Psicologia de Massa, a Sociologia Poltica to necessria quanto a Economia Poltica.

    Poltica

    A primeira Cincia Afim que examino a Poltica. Busco algum conhecimento bsico de histria do pensamento poltico com a finalidade de entender a doutrina predominante na formao ortodoxa de economistas. Minha pergunta-chave : qual a ideologia condicionante das teorias econmicas convencionais?

    A Economia uma cincia que consiste na anlise das leis sociais da produo e da distribuio de bens e servios. O prprio ato de consumo j ficaria fora do domnio da Economia Poltica, pertencendo a outros setores do conhecimento terico e prtico tais como a Biologia, a Cultura e a Psicologia. O termo Economia vem do grego , isto , de ou oikos, casa + ou nomos, costume ou lei, ou tambm gerir, administrar. Da alguns acham que se referia s regras da casa ou administrao domstica. Outros interpretam que, desde ento, sua amplitude era maior: administrao pblica. Tratava tanto das Finanas Pessoais ou Familiares quanto das Finanas Pblicas.

    Poltica, por sua vez, denomina a arte ou a cincia da organizao, direo e administrao de Naes ou Estados. O termo Poltica derivado do grego antigo (politea), que o ttulo original do livro de Plato traduzido como A Repblica. Indicava todos os procedimentos relativos plis ou cidade-Estado. Por extenso, poderia significar tanto cidade-Estado quanto sociedade, comunidade, coletividade e outras definies referentes vida urbana.

    Nessa concepo original, a questo central na Teoria Poltica dizia respeito ao papel do governo, ou seja, s funes que ele desempenharia. Investigava como se adquire o direito de governar, bem como os limites de sua autoridade. Nesse caso, Cincia Poltica seria a cincia do governo dos Estados.

    Entretanto, pensadores passaram a refletir, desde o sculo XVII com a Revoluo Inglesa, sobre o equilbrio de Poder entre o governo, as comunidades e os indivduos. At ento, a ideia dominante ainda era a de um Estado centralizado com o poder no soberano absolutista. No se tinha ainda conquistado os direitos civis expressos em Constituio votada por parlamentares escolhidos como representantes do povo, isto , a Monarquia Constitucionalista ou Parlamentarista. Desde as revolues burguesas (com massas-de-manobra

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    populares), redefine-se o que Poltica como a ao coletiva para conquistar direitos e/ou poder de impor deveres.

    Alguns eruditos medievais argumentavam que os reis tinham o direito de governar dado por Deus (Igreja), enquanto outros proclamavam que a nobreza tinha um direito de nascena para governar. O avano da racionalidade moderna, no decorrer do sculo XVII, na Inglaterra, pode ser percebido pela superao das teorias defensoras da ideia do Direito Divino dos Reis pelas quais o prprio Absolutismo Monrquico era legitimado. O racionalismo lutou contra o paradoxo lgico da Doutrina de Predestinao Divina: se deus onisciente e presciente, ele sabe com antecipao que vai mudar o curso da histria, mas isso significa que ele no pode mudar de ideia sobre essa reorientao, o que implica que ele no onipotente

    Se o poder de governar no foi dado pela vontade divina ou por nascimento, ento, eram necessrias outras fontes de legitimidade. Por que no a razo liberal, que apontava para uma percepo moderna da relao Estado-indivduos, no qual o Estado seria o fruto da vontade racional dos indivduos? No Iluminismo, a descoberta das verdades depende do esforo criativo do Homem.

    Nessa nova concepo no apenas se coloca no indivduo o incio de tudo, mas tambm defina a prevalncia das relaes contratuais, protegendo-o das prprias aes despticas do Estado. Torna-se uma tradio que se pauta pela defesa da liberdade do indivduo, limitando politicamente os poderes estatais. Abriu a possibilidade histrica da conquista de um Estado de Direito, um Estado dos Cidados, regido no mais por um poder absoluto, mas sim por uma Carta de Direitos. Nessa Era dos Direitos, surge a Economia Poltica que defende a ideologia da ordem espontnea.

    O filsofo ingls John Locke (1632-1704), que conviveu com a Revoluo Inglesa (Puritana-Restaurao Monrquica-Gloriosa), entre 1640 e 1688, foi o primeiro a articular os Princpios Liberais de Governo. Pela luta contra o Estado absolutista, Locke foi favorvel a um papel limitado para o governo, a saber:

    1. preservar os direitos dos cidados vida, liberdade, e propriedade, 2. buscar o bem pblico, e 3. punir quem violasse os direitos dos outros.

    Os principais pensadores do rotulado Iluminismo norte-americano foram inspirados por escritores iluministas europeus, como John Locke, Edmund Burke, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire e Montesquieu. O sistema de governo do federalismo, denominado Estados Unidos da Amrica, nasceu dos Princpios Liberais e Republicanos.

    O termo Repblica remonta antiguidade grega romana. Mas a moderna ideologia republicana tomou formas diferentes, dependendo se foi desenvolvida nos Estados Unidos, Frana ou outro pas. Na verso francesa, desenvolvida especialmente a partir dos escritos de Rousseau, defendeu-se o princpio da soberania do povo e da participao popular.

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    Nos pases anglo-saxes, principalmente a partir da segunda metade do sculo XIX, ganha corpo uma perspectiva individualista. Assume-se, entre os economistas puros, que os indivduos procuram a sua felicidade em si mesmo ao invs de uma participao poltica.

    Enquanto os liberais clssicos tendem a focar nos direitos individuais, por exemplo, vida, liberdade e propriedade, os republicanos clssicos do mais nfase aos deveres dos indivduos com a comunidade, como cidados. Destacam as virtudes que precisam ter para cumprir este papel.

    Sociologia

    A segunda Cincia Afim que estudo a Sociologia. Interessa-me o estudo cientfico da organizao e do funcionamento das sociedades humanas. Busco entender as leis fundamentais que regem as relaes sociais, as instituies, etc.

    Enquanto o indivduo na sua singularidade estudado pela Psicologia, a Sociologia tem uma base terico-metodolgica voltada para o estudo dos fenmenos sociais, tentando explic-los, e analisando os seres humanos em suas relaes de interdependncia. Compreender as diferentes sociedades e culturas um dos seus objetivos. A Sociologia a parte das Cincias Humanas que estuda o comportamento humano em funo do meio-ambiente institucional e os processos que interligam os indivduos em associaes, grupos e instituies.

    Ela surgiu como uma disciplina, a partir de fins do sculo XVIII, na forma de resposta acadmica para uma questo-chave: se a experincia de pessoas do mundo crescentemente atomizada e cada vez mais dispersa, por que no h a desintegrao social? Por causa da diviso de trabalho? Em funo de O Mercado? O Estado? a coero violenta ou o consenso social que une as pessoas em sociedade? Qual o papel dos aparelhos ideolgicos para essa convivncia?

    A Sociologia tem trs matrizes explicativas originadas pelos seus trs principais autores clssicos. De seus estudos originaram quase todos os posteriores desenvolvimentos da sociologia, levando sua consolidao como disciplina acadmica, distinta da Economia Poltica, j no incio do sculo XX:

    1. a positivista-funcionalista, tendo como fundador Auguste Comte (1798-1857), mas a principal fundamentao analtica em mile Durkheim (1858-1917);

    2. a matriz terico-metodolgica de Max Weber (1864-1920), que salientou a importncia de algumas caractersticas especficas do protestantismo asctico, que levou ao nascimento do capitalismo, a burocracia do Estado racional e legal nos pases ocidentais, e o Estado como uma entidade que reivindica o monoplio do uso legtimo da fora fsica;

    3. a linha de explicao sociolgica dialtica, iniciada por Karl Marx (1818-1883), segundo a qual as sociedades humanas progridem atravs da luta de classes: um conflito entre a classe burguesa que controla a produo e um proletariado que fornece a mo de obra para a produo.

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    Uma das ideias centrais de mile Durkheim a do fato social. Ele constitui-se em qualquer forma de induo sobre os indivduos que tida como uma coisa exterior a eles. Tem uma existncia independente e estabelecida em toda a sociedade. Esta caracterizada, ento, pelo conjunto de fatos sociais estabelecidos.

    Para Durkheim, fato social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivduo. So dotados de um poder coercitivo em virtude do qual se lhe impem uma norma coletiva. S h fatos sociais onde houver organizao definida. H, por exemplo, certas correntes de opinio que levam, com intensidades desiguais, segundo as pocas e os lugares, ao casamento, procriao, ao suicdio. Estes fenmenos so, evidentemente, fatos sociais.

    Os fatos sociais existem no para um indivduo especfico, mas para toda a coletividade. A caracterstica de generalidade surge porque os indivduos se relacionam ao meio ambiente social em que se inserem.

    Interessa, para meu exame das fronteiras dos domnios disciplinares, a sua hiptese de que as leis reguladoras da vida social so irredutveis s de outros domnios, sobretudo s da Psicologia. A partir dela, Durkheim resolveu dedicar-se s Cincias Sociais, concebendo o projeto de transformar a Sociologia em cincia autnoma. Toda sua carreira foi dedicada a essa meta.

    Partindo da exterioridade dos fatos sociais, Durkheim desemboca na compreenso da sociedade como um conjunto de ideais, constantemente alimentados pelos homens que a compem. Chegou conceituao de Conscincia Coletiva, entendida como o sistema de representaes coletivas em determinada sociedade. Tais representaes coletivas constituiriam fatos de natureza especfica e diferentes dos fenmenos psicolgicos individuais. Para Durkheim, elas se desdobram nos aspectos intelectual e emocional, e possvel determin-las de maneira direta, e no apenas atravs dos pensamentos e emoes individuais.

    Tal como os espiritualistas separam o reino psicolgico do reino biolgico, Durkheim tambm separa o primeiro do reino social. Se ele se recusa a explicar o mais complexo pelo mais simples, no adota um holismo o sistema como um todo determina como se comportam as partes e suas propriedades no podem ser explicadas pela simples soma dos seus componentes avant la lettre?

    Nem a denominao de materialista nem a de espiritualista convm, exatamente, a Durkheim. A nica que ele aceita a de racionalista. Seu principal objetivo, com efeito, estender ao comportamento humano o racionalismo cientfico. Mostra que, considerado no passado, o comportamento redutvel a relaes de causa-e-efeito que uma operao no menos racional pode transformar depois em regras de ao para o futuro. A partir deste racionalismo, ou seja, sua f no futuro da razo, s se pode ser tentado a ultrapassar os fatos, quer para os explicar, quer para dirigir-lhes o curso, quando os supomos irracionais. Seu mtodo sociolgico no mais do que uma aplicao desse princpio racional aos fatos sociais.

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    Por sua vez, o entendimento de Max Weber que o papel do socilogo seria construir e analisar os tipos ideais, baseado na observao da realidade. Isso contrasta com o mtodo de Karl Marx, que tentava deduzir o funcionamento da sociedade capitalista em sua lgica interna, ou seja, lei de movimento, em vez da observao direta ou superficial.

    A sociedade, argumentava Weber, somente poderia ser entendida baseando-se em suas partes constitutivas, em primeira instncia, os indivduos. Reconhecia que estes agem, coletivamente, de maneira complexa, mas achava o comportamento coletivo pode ser entendido pelo socilogo.

    Os indivduos possuem certa capacidade de agir de maneira predeterminada. As lgicas de ao so definidas pelas vises de mundo. Tais vises emergem de um entendimento coletivo, tal como o religioso ou o poltico. Como mostrarei adiante, influenciada por essa viso weberiana, a Nova Economia Institucionalista destaca as lgicas de ao familiar, cvica e de mercado.

    Em Economia e Sociedade, Weber desenvolveu a ideia do esprito capitalista do protestantismo individualista, lanada em sua obra anterior A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo. Distingue os tipos de crena religiosa e analisa as maneiras como os indivduos conseguem desempenhar aes sociais. Eles usam uma ampla variedade de estruturas de crenas.

    As estruturas de crenas que as pessoas criam tambm restringem suas aes, produzindo outros efeitos, por exemplo, os protestantes eram induzidos a trabalhar, mas tambm a evitar o consumo. Sua poupana teria criado o capitalismo. Critiquei esta proposio em Costa (2013) e reproduzirei a crtica adiante.

    Contrastando com Durkheim, segundo Weber, no h uma personalidade coletiva que age. Os indivduos agem, coletivamente, de maneira complexa, mas inteligvel, porque suas lgicas de aes so moldadas por suas vises de mundo. Pontos de vistas individuais se juntam e formam entendimentos coletivos, como no caso da religio. Mas as estruturas sociais, criadas por esses entendimentos coletivos, podem limitar as liberdades individuais. Concluindo, o indivduo uma simples engrenagem em um mecanismo social em movimento.

    Entendo que os socilogos econmicos so autores que se recusam a entender a vida econmica como relacionada apenas com a lgica de ao de O Mercado, concebido de forma abstrata, separado de suas condies histricas, culturais e sociais. Em outras palavras, eles o compreendem como um conjunto de instituies. Ento, eles tem a mesma postura dos economistas institucionalistas!

    Psicologia

    A terceira Cincia Afim da qual pesquisei seu mtodo, para o comparar com a metodologia econmica, foi a Psicologia. A palavra refere-se Cincia da Mente e do Comportamento.

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    Em meados do sculo XX, houve o retorno do estudo cientfico dos processos da mente. Isto marcou um movimento com razes na abordagem holstica doutrina mdica e escola psicolgica que considera os fenmenos biolgicos e psicolgicos como totalidades irredutveis simples soma de suas partes dos psiclogos adeptos da Gestalt. Eles se interessavam pelo estudo da percepo, isto , do tornar-se presente. Gestalt forma ou formato em alemo a teoria que considera os fenmenos psicolgicos como totalidades organizadas, indivisveis, articuladas, isto , como configuraes.

    O Holismo a abordagem, no campo das cincias humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos fenmenos, em oposio ao procedimento analtico em que seus componentes so tomados isoladamente. Por exemplo, holstica a abordagem sociolgica que parte da sociedade global e no do indivduo.

    O Gestaltismo desenvolve-se a partir de um fato bsico: nenhum elemento individual de qualquer conjunto de elementos pode ser percebido, ou avaliado, ou interpretado individualmente, pois nunca so experimentados isoladamente. Gestalt, palavra de origem alem sem traduo exata em portugus, refere-se a um processo de dar forma, de configurar. De acordo com a Teoria Gestltica, no se pode ter conhecimento do todo por meio de suas partes, pois o todo maior que a soma de suas partes: A+B no simplesmente (A+B), mas sim um terceiro elemento C, que possui caractersticas prprias.

    No final da dcada de 1950, a Psicologia Cognitiva, que estuda a cognio, isto , os processos mentais que esto por detrs do comportamento, tornou-se a corrente predominante. O modelo computacional de processamento de informaes serviu construo de teorias para resoluo de problemas e tomada de decises.

    Apesar de, em sua fase inicial, a Psicologia ter se concentrado mais na mente e no comportamento dos indivduos, ela comeou a se interessar cada vez mais em observar a forma como interagimos com o ambiente e com outras pessoas. Surgiu da a Psicologia Social. Ela ganhou flego, na segunda metade do sculo XX, ao revelar fatos sobre nossas atitudes e nossos preconceitos, nossa tendncia a obedecer e se adequar, e nossas justificativas para ter comportamentos agressivos ou altrustas.

    As numerosas linhas da Psicologia em vigor abarcam, praticamente, todo o espectro da vida mental e do comportamento humano e animal. O alcance da Psicologia expandiu-se e sobrepe-se a muitas outras disciplinas, entre elas a Neurocincia, a Sociologia, a Poltica e at mesmo a Economia, que o que pretendo focalizar adiante: Psicologia Econmica ou Economia Comportamental.

    A Psicologia continua a influenciar e ser influenciada por outras disciplinas j que todas so reparties da realidade. A verdade O Todo. Ento, para se aproximar da verdade, necessria a reintegrao de todas as disciplinas, cujos conhecimentos foram aprofundados por estudos e pesquisas de especialistas.

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    Quanto ao ramo da Psicologia Social, interessa aos economistas naquilo que trata dos fenmenos de interao entre indivduos ou grupos. Alm disso, relevante conhecer a influncia formativa que uma mente grupal, uma vez formada, exerce sobre os indivduos que nela se incorporam.

    Durante a primeira metade do sculo XX, a nfase da disciplina ficou no estudo da mente e do comportamento individual e suas respostas ao ambiente. No obstante, ficou cada vez mais claro, para alguns psiclogos, que o ambiente inclua outras pessoas, configurando um ambiente socioeconmico e poltico atravs de relaes interpessoais.

    A Psicologia Social surgiu, na dcada de 1930, quando os psiclogos comearam a investigar as interaes de indivduos dentro de grupos e da sociedade como um todo. Eles examinaram o efeito das organizaes sociais sobre o indivduo e de que maneira as estruturas sociais so influenciadas pela psicologia dos indivduos.

    Em 1968, julgando que era preciso observar a interao dinmica entre os indivduos e a situao em que esto inseridos, Walter Mischel (1930- ) chamou a ateno para o papel desempenhado por fatores externos, tais como o contexto, para determinar o comportamento. Como se pode prever o comportamento? No suficiente a anlise de traos de personalidade pura e simples dos indivduos, necessrio considerar tambm o contexto e os fatores externos. Observar a interao dinmica entre o indivduo e a situao em que est inserido o melhor caminho para se prever esse comportamento individual. O comportamento grupal e/ou social seria totalmente catico se no se considerassem os dados do ambiente socioeconmico.

    H dependncia da trajetria (path dependence) quando o resultado de um processo depende de toda a sequncia de decises tomadas pelos agentes e no apenas das condies atuais ou iniciais. Um conceito similar a histerese, a tendncia de um sistema de conservar suas propriedades mesmo na ausncia do estmulo ou da causa primria que as gerou. Esses princpios referem-se importncia do passado imediato para a compreenso das Cincias Sociais.

    Os mecanismos de retroalimentao (feedback positivo), como efeito do movimento inercial de vencedor, originam path dependence. Contribuem para o fortalecimento de um padro existente, espcie de normalizao espontnea. Uma vez que as convenes sociais aparecem, tornam-se permanentes, em parte por causa dos altos custos de transao envolvidos em qualquer mudana.

    A Teoria da Dependncia da Trajetria, isto , path dependence, em Economia foi usado pela primeira vez especialmente por economistas que trabalham no campo da Economia Evolucionista. Verificaram processos econmicos que no progridem para um nico ponto de equilbrio pr-determinado. Logo, a natureza do equilbrio transitrio depende em parte da forma em que chega a ele.

    Esta viso dinmica da evoluo econmica muito diferente da concepo que assume que h apenas um ponto de equilbrio que pode ser alcanado, independentemente das condies iniciais ou de eventos transitrios. Tanto o

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    ponto de partida como os eventos acidentais tm efeitos significativos sobre o resultado.

    Economia

    Finalmente, chego Cincia Econmica: Teoria dos Indivduos ou Teoria Sistmica? Micro ou Macroeconomia?

    John Davis, em The Theory of the Individual in Economics: Identity and Value (2003), destaca as diferentes concepes da pessoa e os diferentes pontos de vista da ortodoxia e da heterodoxia sobre a importncia dos indivduos na economia. A Economia Ortodoxa, aparentemente, coloca um peso determinante sobre os indivduos. Geralmente, ela trata os indivduos como seres relativamente autnomos ou mesmo de forma atomstica. A Economia Heterodoxa, por sua vez, coloca consideravelmente menos peso determinstico sobre os indivduos. Em geral, considera os indivduos como seres incorporados na vida social e nas relaes econmicas.

    Para aguar essa distino, Davis diferencia entre dois tipos de definio do indivduo, o que denomina internalista e externalista.

    1. Definir indivduos em termos de seus estados internos de conscincia, tais como as preferncias subjetivas, envolve uma definio internalista do indivduo.

    2. Definir indivduos socialmente integrados exige explic-los em termos das relaes externas entre si, o que pode ser denominado uma definio externalista do indivduo.

    As diferenas entre as duas abordagens principais reflete a oposio entre duas tradies metodolgicas em Economia, quais sejam:

    1. o individualismo metodolgico e 2. o holismo metodolgico.

    Estas duas metodologias podem ser caracterizadas, epistemologicamente, como estratgias de explicao e, ontologicamente, como pontos de vista diversos sobre a natureza dos agentes na vida econmica. A ontologia o modo do estudo das propriedades mais gerais do ser, apartado da infinidade de determinaes que, ao qualific-lo em particular, ocultam sua natureza plena e integral. possvel a unificao de ambas maneiras de pensar em um paradigma explicativo central?

    Quanto aos diferentes pontos de vista sobre a natureza dos agentes na vida econmica, cabe levantar os fatores causais existentes no mundo, que especificam os mecanismos que resultam em eventos. Nesse caso, tanto o individualismo metodolgico quanto o holismo metodolgico tambm podem ser entendidos como formas de contabilizao de relaes de causa-e-efeito.

    A Economia Ortodoxa tem representado a si mesmo como individualista, tanto em termos tericos, como normativos. Sua posio a este respeito a defesa da liberdade comportamental dos indivduos como fosse uma racionalidade socialmente equilibradora tem sido sempre a chave para o seu amplo suporte

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    ideolgico na sociedade. Davis defende, no entanto, que a Economia Ortodoxa , de fato, individualista apenas em reputao.

    A percepo dominante entre os economistas ortodoxos que a Economia Heterodoxa tem pouco a oferecer de forma cientfica ou normativa. No entanto, o que os argumentos de Davis sugerem que a Economia Heterodoxa pode sim ter um futuro mais promissor do que a maioria desses economistas imagina. Se os elementos de uma concepo alternativa de indivduo aglutinam em torno de preocupaes sobre a vida individual no mundo socialmente complexo de hoje, as melhores intuies que os economistas heterodoxos tm sobre as instituies e as estruturas sociais podem coloc-los em posio de falar com mais autoridade sobre essa inquietao da sociedade em relao ao aumento da vulnerabilidade dos indivduos.

    Davis argumenta que o caminho para tornar vivel o quadro terico da relao estrutura-agente reforar a considerao implcita de ao individual com um tratamento reflexivo ou comportamento autorreferente. Isso poderia envolver a importao de mais pensamento psicolgico-social para as teorias sobre a Sociedade e a Economia, a fim de completar o que existe no pensamento da Economia Heterodoxa sobre o assunto.

    H conexes implcitas entre reflexo individual e anlise de intencionalidade coletiva. Elas jogam luz sobre a concepo de indivduo incorporado, porque nos diz que a forma como nos relacionamos uns com os outros (como objetos externos) est ligada forma como cada qual de ns relaciona consigo mesmo (como objetos internos). Em outras palavras, a forma como usamos a linguagem ns em grupos sociais est ligada forma como cada qual v a si mesmo como indivduo-membro de grupos sociais. Essas ligaes so suficientes para definir uma ampla e desafiante agenda para a explicao do comportamento individual. Se, de fato, a reflexo a chave para autonomia individual em circunstncias de indivduos socialmente integrados, os economistas podem no ter outra escolha seno a de enfrentar essa agenda.

    A anlise da intencionalidade coletiva individualista, ontologicamente falando, mas tambm holista ao ser capaz de explicar a influncia que os grupos tem sobre os indivduos. Ela fornece uma maneira de compreender os indivduos integrados especificamente como indivduos. Adota a ideia de que o comportamento padro proposital ou intencional. D explicao para a interao entre as pessoas em termos de conjuntos de expectativas recprocas que elas tm umas das outras.

    A abordagem deve ser pluralista. Diferentes tipos de circunstncias sociais parecem envolver diferentes tipos de comportamento. O comportamento econmico deve ser visto como complexo, combinando, qualitativamente, diferentes tipos de comportamento, instrumentais e deontolgicos. Estes ltimos, rejeitando a importncia de qualquer apelo ao dever (obedincia) e conscincia (conformidade ou responsabilidade social), coloca na tendncia humana individualista de perseguir o prazer e fugir da dor o fundamento da ao eticamente correta. E economicamente seria?

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    Concluso

    A crise existencial a defesa do sujeito contra seu prprio desejo. Qual o meu desejo enquanto economista professor universitrio? Entender (e explicar) o mundo! Como isso, de maneira integrada, inalcanvel no estado atual da repartio do mundo entre as Cincias Sociais, entrei em crise de identidade profissional. Quem sou eu como economista? Se sou, quantos sou?

    A crise existencial nada mais que um dilogo interno, isto , a autocrtica em relao a mim mesmo e em comparao ao outro. Quem o outro? Sou o nico responsvel por minhas escolhas na vida. O peso da responsabilidade pela escolha da profisso tenho eu que arcar sozinho, sem ter outra opo para onde escapar e, muito menos, em quem botar a culpa do fracasso do projeto megalomanaco no realizado de compreender e ensinar tudo, por exemplo, sobre a crise global e sistmica contempornea.

    Ao chegar determinada idade, natural parar para refletir sobre todas as realizaes e quais foram as escolhas pessoais. Nessa retomada, encontram-se muitos desejos que foram reprimidos. A crise de identidade pode vir por consequncia. Essas desiluses devem ser compreendidas e tratadas para se evitar ou combater a crise.

    No h felicidade constante, pois a vida cclica, cheia de altos e baixos, regida pelo confronto de o princpio do prazer com o princpio da realidade. Passa-se por processos de angstia e momentos de felicidade. Quando o momento feliz passa, sempre se procura repetir aquela sensao. Como nem sempre possvel, a angstia se instaura e, quando no bem tolerada, a crise existencial aparece.

    A todo momento chegam-me milhares de informaes que nem sempre consigo processar e... Vejo a possibilidade de sucesso s dos outros! Todos os colegas que aparecem na mdia sempre acertam, suas interpretaes, seus cenrios, seus prognsticos! Jamais presenciei o reconhecimento de um erro sequer... Da, natural sentir-me incapaz de sempre acertar como eles.

    Essa humilde constatao, na verdade, pode ser muito positiva. Posso repensar as coisas, amadurecer e buscar novas alternativas para a felicidade. Mas isso se estiver disposto a enfrentar as mudanas que podem decorrer desses questionamentos.

    Contornar a crise de identidade e sair dela exige refletir, procurar a racionalizao e compreender que cada escolha tem um lado positivo. uma forma de relativizar as coisas e enxergar a crise sem exagero. Aprender a dar valor a pequenos detalhes contribuem na tarefa de humanizar cada economista ou projeto-de-economista. Por exemplo, reconhecer o valor do indivduo na sua Cincia Econmica ao mesmo tempo que a assume como Cincia Social (e parte das Cincias Humanas) um avano considervel!

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    Captulo 2

    Todos os Dias

    Formao Doutrinria de Economistas

    Neste captulo, apresento a rotina de formao doutrinria dos profissionais colegas do protagonista desta trama, no caso, eu. Apresento-me, ento, como um infeliz representante de uma srie de economistas formada da mesma maneira especializada, evidenciando uma situao prestes a levar a uma ruptura. Hbito e rotina tm o poder de desperdiar talentos e destruir reputaes.

    Rotina o caminho utilizado normalmente, isto , o itinerrio habitual. Necessitamos de muita reflexo e esforo para quebrar o hbito de fazer algo sempre do mesmo modo, mecanicamente, por exemplo, dar s aulas expositivas para os alunos de Economia. A repetio montona das mesmas coisas, a prtica constante, o velho costume, tudo isso demonstra uma averso ao progresso e s inovaes didticas, ou seja, um conservadorismo predominante entre os professores.

    necessria a inovao do processo de ensino com a adoo de mtodos didticos significativamente melhorados. Bons mtodos so aqueles em que o desenvolvimento da inteligncia resulta de aes mtuas entre o aluno em particular e o grupo de colegas, sob orientao e superviso do professor, de modo que cada indivduo possa experimentar e construir seu conhecimento em contato com o meio educacional e, nessa relao ativa, interferir diretamente nele. Tais mtodos podem envolver mudanas no equipamento expositivo e/ou na organizao da sala-de-aula no sentido de gerar novo conhecimento. Novos mtodos tem por objetivo final a formao de profissionais dotados de novas (ou aprimoradas) capacidades mentais, que no conseguem ser obtidas com os mtodos convencionais de aulas.

    Em anlise comparativa, esboo uma tipologia de economistas, formados doutrinariamente, muitas vezes sem conscincia de sua ideologia. Sem percepes sensoriais da totalidade do mundo externo, o estudante obtm, passivamente, um sistema de ideias (crenas, tradies, princpios ou mitos) interdependentes, sustentadas pela linha de pensamento econmico dominante. Esta reflete, racionaliza e defende os prprios interesses corporativos e compromissos institucionais, sejam eles morais, religiosos, polticos ou econmicos.

    Para recuperar o percurso metodolgico habitual de formao doutrinria dos economistas, parto da anlise dos mtodos dos filsofos gregos racionalistas e empiristas , inspirao seminal, respectivamente, dos mtodos abstrato-dedutivo e histrico-indutivo. Eles me do apoio para o que exponho adiante. Em seguida, analiso o condicionamento histrico-ideolgico do individualismo libertrio, isto , a ideia-chave para revolues e conquistas sociais nos sculos XVII e XVIII. Ento politicamente progressista, o individualismo necessitava da Economia Poltica da Ordem Espontnea para lhe dar uma legitimidade dedutivo-

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    racionalista. Mostro que a idealizao dos indivduos autnomos abarcada pela ideologia do liberalismo econmico, desde o princpio do laissez-faire (ou da no-interferncia governamental) at o ultra-liberalismo da Escola Austraca, ressurgindo recentemente atravs do neoliberalismo. Por sua vez, para apresentar o trajeto metodolgico histrico-indutivo parto da anlise do mtodo marxista concreto-abstrato-concreto pensado. Caracterizo, brevemente, a formao doutrinria de economista de esquerda. Depois, apresento o desafio atual de teorizar a respeito dos comportamentos de individualismo irracional e loucura coletiva. Concluo que a consequncia da precoce formao de especialistas desintegrar a viso de O Todo, inclusive com a separao entre a Microeconomia e o Macroeconmico, tema do captulo seguinte.

    Mtodos de Conhecimento

    Meu Mtodo de Ensino de Economia, no incio do sculo XXI, est apoiado no debate entre comportamentalistas e racionalistas na teoria econmica. Resumo, de maneira muito breve, esses mtodos de investigao. Eles se originaram na Grcia Antiga e demarcaram o pensamento ocidental posterior.

    Ao formular, insistentemente, perguntas que questionavam o lugar-comum de interlocutores, Scrates (469-399 a.C.) desenvolveu uma nova maneira de pensar, um novo modo de investigar o que pensamos. Isso ficou conhecido como Mtodo Socrtico ou Dialtico, porque se encaminha como um dilogo entre vises opostas.

    Sua investigao sobre a vida era um processo de questionamento de significados de conceitos essenciais que usamos todos os dias, mas sobre os quais nunca pensamos. Esse questionamento sobre as crenas mais arraigadas (e sobre as prprias pessoas crentes) lhe rendeu inimigos, porm no o demoveu da empreitada, pois a vida irrefletida no vale a pena ser vivida.

    Aprecio o Mtodo Socrtico para questionar o conhecimento da sabedoria convencional: assumir o ponto de vista de quem nada sabe e, simplesmente, fazer perguntas, expondo contradies nas argumentaes e brechas nas respostas para, gradualmente, extrair insights, ou seja, percepes. Tal como no ofcio de uma parteira, o questionador auxilia o nascimento de ideias.

    O homem mais sbio declara que no sabe nada. Para adquirir o conhecimento acerca do mundo e de si mesmo necessrio compreender os limites da prpria ignorncia e remover as ideias preconcebidas. S ento se pode ter esperana de determinar a verdade.

    Assumo que a misso do professor no apenas instruir as pessoas, nem mesmo aprender o que elas sabem, mas sim explorar as ideias que elas tm. a conversa em si que proporciona insights ou percepes. Por uma srie de perguntas, atravs desse Mtodo Socrtico, consigo revelar as ideias e as pressuposies do interlocutor e, ento, expor as contradies nesse discurso e levar o outro a concordar com um novo conjunto de concluses, desafiando-o a estudar mais.

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    Esse mtodo de examinar um argumento por meio da discusso racional a partir de uma posio de ignorncia revolucionou o pensamento filosfico. Foi o primeiro uso do argumento indutivo, no qual um conjunto de premissas baseadas em experincias inicialmente confirmado como verdadeiro e, aps ser testado, leva a uma verdade universal na concluso. Essa forma de argumentao tornou-se o alicerce no apenas da Filosofia Ocidental, mas de todas as cincias empricas.

    Ao examinar o Pensamento Platnico e o Raciocnio Aristotlico, percebi que Aristteles afastou-se de Plato no ao negar que as qualidades universais existam, mas ao questionar sua natureza e, principalmente, os meios pelos quais chegamos a conhec-las. Esta a questo fundamental da Epistemologia ou Teoria do Conhecimento.

    Plato (427-347 a.C.), na rea de Epistemologia, isto , da reflexo geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, especialmente nas relaes que se estabelecem entre o sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo, formulou uma Teoria do Conhecimento com base na abordagem do racionalismo. Segundo ele, o verdadeiro conhecimento alcanado pela razo em vez dos sentidos.

    Sabemos da veracidade de afirmaes matemticas, ainda que no exista visvel em nenhum lugar no mundo natural. Apesar disso, conseguimos apreender os conceitos em nossas mentes, usando a razo.

    Plato especulou, ento, se tais formas perfeitas poderiam existir em algum lugar. O raciocnio levou-o a uma nica concluso: deve haver um mundo de ideias, ou formas, totalmente separado do mundo material. L, a ideia de formas ideais ou perfeitas existiria. Os sentidos humanos no conseguem perceber tal lugar; ele s nos perceptvel pela razo.

    Plato foi mais alm ao afirmar que o reino de ideias , de fato, a realidade, e o mundo que nos cerca moldado por essa outra realidade. Deu origem ao idealismo na Filosofia Ocidental.

    Os interesses cientficos de Aristteles (384-322 a.C.) se voltaram para o que hoje chamamos de Cincias Naturais, enquanto a formao de Plato tinha sido firmemente baseada na Matemtica ou Cincias Exatas. Essa diferena entre formaes ajuda a explicar as distintas abordagens, respectivamente, o empirismo e o racionalismo. A Matemtica lida com conceitos abstratos distantes do mundo cotidiano, ao passo que a Biologia trabalha com o mundo nossa volta e baseia-se quase unicamente na observao. Assim, Aristteles considerava que certas constantes podem ser descobertas investigando-se o mundo natural.

    Sem desconfiar de nossos sentidos, ele contava com eles na busca da evidncia para apoiar as teorias. Ao estudar o mundo natural, ele aprendeu que, ao observar as caractersticas de cada exemplo de planta ou animal especfico, podia construir um retrato completo sobre o que distinguia de outras plantas ou animais. Tais estudos confirmaram o que ele j acreditava: no nascemos com a capacidade inata para reconhecer formas, como defendia Plato.

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    Atravs de nossa experincia do mundo, aprendemos quais as caractersticas compartilhadas que tornam as coisas aquilo que elas so. A nica maneira de experimentar o mundo por meio dos sentidos.

    Essa diferena de opinies sobre como chegamos a verdades universais, mais adiante, dividiu os filsofos em dois campos separados:

    1. os racionalistas que acreditam em um conhecimento a priori ou inato; 2. os empiristas que afirmam que todo conhecimento vem da experincia.

    No sculo XVII, o debate entre empiristas e racionalistas deu a entender que as diferenas entre os filsofos eram tanto em relao ao temperamento quanto em relao substncia o continental versus o insular; o potico versus o acadmico; o platnico versus o aristotlico. Acrescentei, mais adiante, referindo-me ao pensamento econmico: o comportamentalismo versus o racionalismo.

    Formao Ortodoxa

    Interessei-me por conhecer a origem do Individualismo Libertrio e da Racionalidade da Ordem Espontnea. Estudei, brevemente, a concepo do pensamento religioso, em que o estabelecimento do preo visto com moralidade, e a contrastei com a concepo da corrente de pensamento dominante em Economia, em que o preo justo de qualquer coisa apenas o preo de mercado. Supostamente, o preo que as pessoas esto dispostas a pagar. No haveria aspecto moral algum no estabelecimento desse preo porque a precificao seria apenas o resultado direto da oferta e da demanda.

    Da, ficou mais fcil entender a ideia de ordem espontnea, proposta, em 1714, no poema A Fbula das Abelhas, por Bernard Mandeville (1670-1733). Contava a histria de uma colmeia que prosperava mesmo com os vcios ou comportamentos egostas das abelhas. Quando elas se tornam virtuosas, no agindo mais em interesse prprio, mas sim pelo bem comum a todas, param de trabalhar e vo viver, comunitariamente, em uma rvore prxima. Ento, a colmeia desandou...

    Adam Smith (1723-1790) teria se inspirado nesse poema metafrico para imaginar como as aes de indivduos livres resultavam em um mercado ordenado e estvel, em que se pudesse produzir, comprar e vender o que se quisesse, sem maiores desperdcios e carncias. No mesmo ano da Declarao da Independncia dos Estados Unidos (1776), ele publicou A Riqueza das Naes: Investigao sobre sua Natureza e suas Causas.

    Era contexto histrico ideal para apresentar a ideia-chave do individualismo libertrio: o homem com sua liberdade, rivalidade e desejo de maximizar seus ganhos seria guiado por uma mo invisvel a promover um fim que no fazia parte de sua inteno. O homem libertado da servido feudal agiria, mesmo que fosse de modo involuntrio, em nome do interesse maior da sociedade. A ideia de conduo divina dos homens tementes-de-deus se mantm, embora O Deus-Mercado tenha tomado o posto de autorregulao e/ou vigilncia...

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    O povo poderia usufruir da nova liberdade de escolha entre vender sua fora de trabalho ou morrer de fome... Era escolha melhor trocar para si do que trocar apenas para o outro: o senhor de seu feudo. Face a essa alternativa, acabaria trocando a Feira de Aldeia Medieval por O Senhor Mercado!

    A alegao mais visionria de Adam Smith a de que O Mercado mais do que um lugar. O Mercado apresentado no como uma instituio, mas sim como um conceito abstrato. Como tal, pode estar em qualquer lugar, no apenas fsico, mas tambm metafsico. Transcende-se a natureza fsica das coisas com uma reflexo caracteristicamente intelectual e filosfica. O Estado, por ser um conjunto de instituies, datadas e localizadas, no recebeu nenhuma teorizao similar.

    Interessa-me tambm ensinar o condicionamento histrico-ideolgico do individualismo libertrio. Lutas populares intensas, desde meados do Sculo XVII, foraram o Estado constitucionalista a tornar-se uma democracia representativa, ampliando a cidadania poltica. Ser cidado passa a ser ter direito vida, liberdade, propriedade, igualdade perante lei, em resumo, ter direitos civis. tambm eleger e participar do destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos polticos.

    A ideia anterior de Contrato Social, pelo qual os indivduos isolados se transformam em cidados, no previa o Direito Cidadania para todos, mas delimitava o contrato ou o pacto a uma classe social: a dos proprietrios privados, seja a grande, seja a pequena burguesia. Predominava ainda uma sociedade rural aristocrtica. A cidadania plena s veio com a urbanizao industrial acompanhada de lutas populares, sindicais e sociais.

    Eu tinha certa dificuldade em entender porque os liberais norte-americanos compem a esquerda nos Estados Unidos, diferentemente dos neoliberais daqui. Eles se aliam aos democratas, aninhando-se no Partido Democrata. Os republicanos, que foram progressistas no Sculo XIX relembre a batalha do presidente republicano Abraham Lincoln para a extino da escravido , tornaram-se conservadores. No caso dos membros da tendncia Tea Party, que chega a paralisar o governo democrata em defesa do Estado mnimo, ultraconservadores!

    Diferentemente da esquerda de c, a de l tem como bandeiras-de-luta a defesa do individualismo, da liberdade de escolha por parte de cada cidado, e da propriedade particular. Isso vai contra a tradio marxista euroasitica, herdada pela brasileira, de lutar pela coletivizao dos meios de produo.

    Temos que recorrer a certo historicismo para entender a origem dessa filosofia poltica norte-americana. As ideias polticas liberais apareceram na luta contra as monarquias absolutistas por direito divino dos reis, derivadas da concepo teocrtica do poder. O liberalismo consolidou-se com os acontecimentos de 1789, na Frana, isto , na Revoluo Francesa que derrubou o Antigo Regime.

    Entretanto, na Inglaterra, o liberalismo tinha j se consolidado em 1688, com a chamada Revoluo Gloriosa, evento-chave para a aprovao pelo Parlamento da Bill of Rights, que tornou impossvel o retorno de um catlico Monarquia, da

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    adiante Constitucionalista, e acabou com as tentativas de instaurao do absolutismo monrquico nas ilhas britnicas, ao circunscrever os poderes do rei. No restante da Europa, s se alastraram tais ideias depois da Revoluo Francesa de 1789. Nos Estados Unidos, consolidou-se antes, em 1776, com a Declarao da Independncia, confirmada com a vitria da aliana dos colonos com a Frana na Guerra pela Independncia (1775-1083) contra a metrpole inglesa.

    Tais acontecimentos ficaram conhecidos como Revolues Burguesas, isto , mudanas na estrutura econmica de propriedade, na sociedade e na poltica, efetuadas por uma nova classe social dominante, a burguesia. Nessas trs revolues burguesas houve uma contrarrevoluo na revoluo, ou seja, um movimento popular radicalmente a favor da democracia igualitria recebeu uma ducha de gua-fria para aplacar sua ira aguerrida. Usando as classes populares como bucha-de-canho, a burguesia derrotou a realeza e a nobreza, passou a dominar o Estado, e julgou com isso terminada a tarefa de mudanas.

    Ressalvo o atraso histrico da cidadania no Brasil. Ser cidado brasileiro representou conquistar direitos civis, como ter direito vida, liberdade, propriedade, igualdade perante lei, com um sculo de atraso, apenas com a extino da escravido e a proclamao da Repblica, em 1888-89, em relao s conquistas inglesas, norte-americanas e francesas no Sculo XVII-XVIII. Somente um sculo depois, com a Constituinte de 1988, aps lon