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  • Corte Interamericana de Direitos Humanos

    Caso Barrios Altos Vs. Peru

    Sentena de 14 de maro de 2001 (Mrito)

    No caso Barrios Altos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante a Corte Interamericana, a Corte ou o Tribunal), integrada pelos seguintes juzes:1

    Antnio A. Canado Trindade, Presidente Mximo Pacheco Gmez, Vice-Presidente Hernn Salgado Pesantes, Juiz Alirio Abreu Burelli, Juiz Sergio Garca Ramrez, Juiz e Carlos Vicente de Roux Rengifo, Juiz;

    presentes, ademais:

    Manuel E. Ventura Robles, Secretrio e Renzo Pomi, Secretrio Adjunto,

    de acordo com os artigos 29, 55 e 57 do Regulamento da Corte (doravante o Regulamento), profere a presente Sentena.

    I INTRODUO DA CAUSA

    1. Em 8 de junho de 2000, a Comisso Interamericana de Direitos Humanos (doravante a Comisso ou a Comisso Interamericana) apresentou Corte a demanda neste caso, na qual invocou o artigo 51.1 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (doravante a Conveno ou a Conveno Americana) e o artigo 32 do Regulamento. A Comisso submeteu o caso com o objetivo de que a Corte decidisse se houve violao, por parte do Estado do Peru (doravante o Peru, o Estado ou o Estado peruano), do artigo 4 (Direito Vida) da Conveno Americana, em detrimento de Placentina Marcela Chumbipuma Aguirre, Luis Alberto Daz Astovilca, Octavio Benigno Huamanyauri Nolazco, Luis Antonio Len Borja, Filomeno Len Len, Mximo Len Len, Lucio Quispe Huanaco, Tito Ricardo Ramrez Alberto, Teobaldo Ros Lira, Manuel Isaas Ros Prez, Javier Manuel Ros Rojas, Alejandro Rosales Alejandro, Nelly Mara Rubina Arquiigo, Odar Mender Sifuentes Nuez e Benedicta Yanque Churo. Igualmente, pediu Corte que decidisse se o Estado violou o artigo 5 (Direito Integridade Pessoal) da Conveno Americana, em prejuzo de Natividad Condorcahuana Chicaa, Felipe Len Len, Toms Livias Ortega e Alfonso Rodas Alvtez. Ademais, requereu ao Tribunal que decidisse se o Estado peruano violou os artigos 8 (Garantias Judiciais), 25 (Proteo Judicial) e 13 (Liberdade de Pensamento e de Expresso) da Conveno Americana, como

    1 O Juiz Oliver Jackman informou Corte que, por motivos de fora maior, no poderia estar presente no XXV Perodo Extraordinrio de Sesses do Tribunal e, portanto, no participou na deliberao e assinatura desta Sentena.

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    consequncia da promulgao e aplicao das leis de anistia N 26.479 e N 26.492. Finalmente, solicitou Corte que determinasse se, como consequncia da promulgao e aplicao das leis de anistia N 26.479 e N 26.492 e da violao aos direitos indicados, o Peru descumpriu os artigos 1.1 (Obrigao de Respeitar os Direitos) e 2 (Dever de Adotar Disposies de Direito Interno) da Conveno Americana sobre Direitos Humanos. A Comisso solicitou Corte, ademais, que ordenasse ao Peru:

    a) reabrir a investigao judicial sobre os fatos; b) conceder uma reparao integral adequada a ttulo de dano material e dano moral aos familiares das 15 supostas vtimas que foram executadas e das quatro supostas vtimas que se encontram com vida; c) derrogar ou deixar sem efeito a Lei N 26.479, que concede anistia geral a membros das foras militares e policiais e a civis em diversos casos e a Lei N 26.492, que [p]recisa [a] interpretao e [os] alcances d[a] anistia concedida pela Lei N 26.479; e d) pagar as custas e os gastos em que tenham incorrido as supostas vtimas e/ou seus familiares ao litigarem neste caso, tanto no mbito interno como perante a Comisso e a Corte, e os honorrios de seus advogados, em valor razovel.

    II

    FATOS

    2. A Comisso efetuou, na seo III de sua demanda, uma exposio dos fatos que constituram a origem desta causa. Nela, indicou que:

    a) aproximadamente s 22:30 horas de 3 de novembro de 1991, seis indivduos fortemente armados invadiram o imvel localizado em Jirn Huanta n 840, na vizinhana conhecida como Barrios Altos, na cidade de Lima. No momento da invaso, ocorria a celebrao de uma pollada, isto , uma festa para arrecadar fundos com o objetivo de fazer reparaes no prdio. Os agressores chegaram ao local em dois veculos, um de marca Jeep Cherokee e outro Mitsubishi. Estes automveis possuam luzes e sirenes policiais, que foram desligadas no momento da chegada ao lugar dos fatos; b) os indivduos, cujas idades oscilavam entre 25 e 30 anos, cobriram seus rostos com mscaras (balaclavas) e obrigaram as supostas vtimas a se atirarem ao cho. Uma vez que estas estavam no cho, os agressores dispararam indiscriminadamente por um perodo aproximado de dois minutos, matando 15 pessoas e ferindo gravemente outras quatro, ficando uma destas ltimas, Toms Livias Ortega, permanentemente incapacitada. Posteriormente, com a mesma rapidez com que haviam chegado, os agressores fugiram nos dois veculos, fazendo soar novamente as sirenes; c) as pessoas sobreviventes declararam que os tiros soavam abafados, o que permite supor que foram utilizados silenciadores. Durante a investigao, a polcia encontrou, na cena do crime, 111 cartuchos e 33 projteis do mesmo calibre, correspondentes a pistolas automticas;

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    d) as investigaes judiciais e os relatos jornalsticos revelaram que os envolvidos trabalhavam para a inteligncia militar; eram membros do Exrcito peruano, que atuavam no esquadro de eliminao, chamado Grupo Colina, que realizava seu prprio programa antissubversivo. Diversas informaes indicam que os fatos do presente caso ocorreram em represlia contra supostos integrantes do grupo Sendero Luminoso; e) uma semana depois do ataque, o Congressista Javier Diez Canseco apresentou imprensa uma cpia de um documento intitulado Plano Ambulante, o qual descrevia uma operao de inteligncia realizada na cena do crime. Segundo esse documento, os subversivos se reuniam no domiclio onde ocorreram os fatos do presente caso desde janeiro de 1989, disfarando-se sob a aparncia de vendedores ambulantes. Em junho de 1989, o Sendero Luminoso realizou um ataque, a uns 250 metros do lugar onde ocorreram os fatos em Barrios Altos, no qual vrios dos agressores se disfararam de vendedores ambulantes; f) em 14 de novembro de 1991, os Senadores da Repblica Ral Ferrero Costa, Javier Diez Canseco Cisneros, Enrique Bernales Ballesteros, Javier Alva Orlandini, Edmundo Murrugarra Florin e Gustavo Mohme Llona solicitaram ao plenrio do Senado da Repblica que fossem esclarecidos os fatos relativos ao crime de Barrios Altos. Em 15 de novembro do mesmo ano, a Cmara de Senadores aprovou essa petio e designou os Senadores Rger Cceres Velsquez, Vctor Arroyo Cuyubamba, Javier Diez Canseco Cisneros, Francisco Guerra Garca Cueva e Jos Linares Gallo para integrarem uma Comisso investigadora, instalada em 27 de novembro de 1991. Em 23 de dezembro de 1991, a Comisso efetuou uma inspeo ocular no imvel onde ocorreram os fatos, entrevistou quatro pessoas, e realizou outras diligncias. A Comisso senatorial no concluiu sua investigao, pois o Governo de Emergncia e Reconstruo Nacional, iniciado em 5 de abril de 1992, dissolveu o Congresso. Depois disso, o Congresso Constituinte Democrtico, eleito em novembro de 1992, no retomou a investigao e tampouco publicou o que j havia sido investigado pela Comisso senatorial; g) ainda que os fatos tenham ocorrido em 1991, as autoridades judiciais somente iniciaram uma investigao sria sobre o incidente em abril de 1995, quando a Promotora da 41 Promotoria Provincial Penal de Lima, Ana Cecilia Magallanes, denunciou cinco oficiais do Exrcito como responsveis pelos fatos, incluindo vrios indivduos j condenados no caso La Cantuta. Os cinco acusados eram o General de Diviso Julio Salazar Monroe, ento Chefe do Servio de Inteligncia Nacional (SIN), o Major Santiago Martn Rivas, e os Suboficiais Nelson Carbajal Garca, Juan Sosa Saavedra e Hugo Coral Goycochea. A mencionada Promotora tentou em vrias oportunidades, sem xito, exigir o comparecimento dos acusados para que prestassem declarao. Consequentemente, formalizou a denncia perante a 16 Vara Penal de Lima. Os oficiais militares responderam que a denncia deveria ser dirigida a outra autoridade e destacaram que o Major Rivas e os suboficiais encontravam-se sob a jurisdio do Conselho Supremo de Justia Militar. Por sua vez, o General Julio Salazar Monroe negou-se a responder as intimaes, argumentando que exercia posto de Ministro de Estado e que, consequentemente, gozava dos privilgios dos Ministros de Estado;

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    h) a Juza Antonia Saquicuray da 16 Vara Penal de Lima iniciou uma investigao formal em 19 de abril de 1995. Apesar de a mencionada Juza ter tentado colher o depoimento dos supostos integrantes do Grupo Colina na priso, o Alto Comando Militar a impediu. O Conselho Supremo de Justia Militar emitiu uma resoluo na qual disps que os acusados e o Comandante Geral do Exrcito e Chefe do Comando Conjunto, Nicols de Bari Hermoza Ros, estavam impedidos de prestar declaraes perante qualquer outro rgo judicial, dado que havia, em paralelo, uma causa perante a justia militar; i) assim que se iniciou a investigao promovida pela Juza Saquicuray, os tribunais militares interpuseram uma petio perante a Corte Suprema reclamando a competncia sobre o caso, alegando que se tratava de oficiais militares em servio ativo. No entanto, antes de que a Corte Suprema pudesse resolver o assunto, o Congresso peruano sancionou uma lei de anistia, a Lei N 26.479, que exclua a responsabilidade de militares, policiais, e tambm civis, que houvessem cometido violaes de direitos humanos ou que tivessem participado nessas violaes entre 1980 e 1995. O projeto de lei no foi anunciado publicamente nem debatido, tendo sido aprovado to logo foi apresentado, nas primeiras horas de 14 de junho de 1995. A Lei foi promulgada de imediato pelo Presidente e entrou em vigor em 15 de junho de 1995. O efeito da referida lei foi o de determinar o arquivamento definitivo das inve