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ANO XXXI - Nº 226 - MAIO/JUNHO -2009 A REVISTA DA ELETRONORTE Eletronorte corrente contínua corrente contínua Entre o lago e o rio, as maiores eclusas do Brasil

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A revista da Eletrobras Eletronorte

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Ano XXXI - nº 226 - MAIo/Junho -2009 A REVISTA DA ELETRonoRTE

Eletronorte

corrente contínuacorrente contínua

Entre o lago e o rio,as maioreseclusas do Brasil

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SCN - Quadra 06 - Conjunto A Bloco B - Sala 305 - Entrada Norte 2

CEP: 70.716-901Asa Norte - Brasília - DF.

Fones: (61) 3429 6146/ 6164e-mail: [email protected]

site: www.eletronorte.gov.br

Prêmios 1998/2001/2003

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Diretoria Executiva: Diretor-Presidente - Jorge Palmeira - Diretor de Planejamento e Enge-nharia - Adhemar Palocci - Diretor de Produção e Comercialização - Wady Charone - Diretor Econômico-Financeiro - Antonio Barra - Diretor de Gestão Corporativa – Tito Cardoso - Coorde-nação de Comunicação Empresarial: Isabel Cristina Moraes Ferreira - Gerência de Imprensa: Ale-xandre Accioly - Equipe de Jornalismo: Alexandre Accioly (DRT 1342-DF) - Bruna Maria Netto (DRT 8997-DF) - Byron de Quevedo (DRT 7566-DF) - César Fechine (DRT 9838-DF) - Érica Neiva (DRT 2347-BA) - Márcia Oliveira (DRT 1116 – MT). - Michele Silveira (DRT 11298- RS) - Rose Dayanne Santana Nogueira (DRT 525-TO) - Assessorias de Comunicação das unida-des regionais - Fotografia: Alexandre Mourão - Roberto Francisco - Rony Ramos - Assessorias de Comunicação das unidades regionais - Revisão: Cleide Passos - Arte gráfica: Jorge Ribeiro - Foto da capa: Roberto Francisco - Arte da contracapa: Sandro Santana e Samuel Pereira - Impressão: Brasília Artes Gráficas - Tiragem: 10 mil exemplares - Periodicidade: bimestral

Byron de Quevedo

“Quem vê a estrutura fica embasbacado com seu gigantismo. Do alto, só é possível di-visar caminhões e guindastes – os operários, de tão minúsculos, perdem-se na paisagem. Com dois tanques de 210 metros de compri-mento, 33 de largura e 45 de altura, as eclu-sas permitirão o transporte por barco de 40 milhões de toneladas de carga por ano”. As-sim, o repórter da revista Veja (07/06/2009), Leonardo Coutinho, descreve “um feito mag-nífico”, que são as eclusas da Usina Hidrelé-trica Tucuruí.

Eclusas são sempre extraordinárias, pois são feitas para resolver situações extraordiná-rias, tornando navegáveis mananciais aquífe-ros interrompidos por acidentes geográficos ou pela ação do homem, como é o caso dos barramentos. As eclusas de Tucuruí, com o seu canal em fase final de construção, res-tabelecerão a navegação no Rio Tocantins completando um arranjo paisagístico e arqui-tetônico surpreendente.

Em meados da década de 1970, antes da construção da primeira ensecadeira da Hi-drelétrica, a alternativa de transporte ao avião

Eclusas de Tucuruí, obra monumental por onde vão passar

40 milhões de toneladas de carga por ano

GERAÇÃoEclusas de Tucuruí, obra monumental por onde vão passar 40 milhões de toneladas de carga por anoPágina 3

MEIo AMBIEnTEVocê pode ser o dono da águaPágina 10

TRAnSMISSÃoLinhão Norte Sul I, uma história que percorre o Tocantins e o Brasil há uma décadaPágina 18

EnERGIA ATIVANo caminho da linha de transmissão, a pré-história de Mato GrossoPágina 23

CIRCuITo InTERnoSaudades do Guamá. A história de 30 anos do GITPágina 30

SISTEMA ELETRoBRáSRondônia reescreve a história do Setor Elétrico Página 38

GERA

ÇÃo

era a longa viagem de barco que alcançava Marabá, a montante, e Belém, a jusante da pequena cidade de Tucuruí. A viagem durava dias ou horas, conforme o destino e o tipo de embarcação. Os trilhos da Estrada de Ferro Tocantins só serviam aos colhedores de cas-tanhas e pequenos comerciantes da região. Eram apenas 117 quilômetros de extensão e ligavam Tucuruí a Jatobal, também na mar-gem esquerda do Tocantins. A ferrovia foi cria-da para evitar justamente o encachoeiramen-to de Itabocas – onde seria construída a usina –, que no meio daquele trajeto impedia a na-vegação. Para passageiros e cargas, o único trem da E.F.Tocantins corria por uma estrada que teve relevância no ciclo da castanha, pois seu objetivo era desviar as corredeiras. O res-tante do percurso, inclusive o de carga e pas-sageiros, era feito por embarcações.

Quando da concepção da Usina, teorica-mente, as eclusas seriam posicionadas na margem direita da barragem. Não se sabia se era indicado fazê-las para um desnível de 70 metros. No entanto, a solução foi po-sicioná-las na margem esquerda, mais rica em rochas. O Código das Águas determina que a entidade que interromper os fluxos de

TECnoLoGIAO desafio da transmissão em longas distânciasPágina 44

RESPonSABILIDADE SoCIALSalão do Livro consolidaTucuruí como centro culturalPágina 51

CoRREnTE ALTERnADAGrandes barragens, grandes ideiasPágina 57

CoRREIo ConTÍnuoPágina 66

FoToLEGEnDAPágina 67

AMAZÔnIA E nÓSNas asas do ‘Passarim do Jalapão’Página 60 Fo

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água deverá criar alternativa de se transpor a interrupção. No caso de Tucuruí, todo o complexo hidrelétrico ficou sob a responsa-bilidade do Ministério de Minas e Energia, por intermédio da Eletronorte; e a transpo-sição a cargo do Ministério dos Transportes, primeiro por meio da Portobrás, e hoje pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – Dnit.

De 1981 a 2005, a construção das eclusas teve recomeços e paralisações constantes, por força de determinações legais ou falta de liberação de recursos. Em dezembro de 2006 foi assinado o convênio de delegação da con-tinuidade das obras pelo Dnit à Eletronorte. Em 2007 foi assinado mais um termo entre o Dnit, Eletronorte e a Camargo Corrêa S.A. As obras civis foram retomadas e encontram-se a todo vapor – mais de 90% já executadas -, e com o cronograma físico, financeiro e de indenizações em dia.

Para o coordenador de Obras de Expan-são da Geração da Eletronorte, Humberto Gama, optou-se pela solução mais cara, pois foi necessário incorporar 500 km² de área inundada na bacia do igarapé Caraipé. “As eclusas causaram a realocação do canteiro de obras e escritórios da empreiteira, porém sem paralisar as operações. Não havia defi-nição sobre quem era responsável por sua construção. Então, a Eletronorte arcou com a responsabilidade ao longo dos anos. A usina tem 25 anos de operação. Nos últimos três anos o Governo Federal incluiu as eclusas no Programa de Aceleração do Crescimento - PAC e pretende inaugurá-las em março de 2010”, afirma.

Grandiosidade - Eclusas são um conjunto de tanques para elevar ou baixar embarca-ções entre níveis diferentes. As de Tucuruí estão entre as maiores do mundo e são as maiores do Brasil, feitas em duas etapas, transpondo desníveis de 33 metros cada uma. O orçamento para o período 2007/2010 é de R$ 807,8 milhões. As eclusas permitirão a passagem de um comboio de quatro chatas por elevação ou descida. Os tanques medem 33 m de largura, por 210 de comprimento, com 44,5 m de altura. Eles têm capacidade para dar passagem a 40 milhões de toneladas de cargas por ano. Para se ter uma ideia, as cinco eclusas da Usina Três Gargantas, com 125 m de altura, a maior do mundo, em Hu-bei, na China, tem capacidade de transportar 37,6 milhões de toneladas/ano em cargas.

A navegação de cabotagem, no Brasil, é feita com navios costeiros de até 40 mil to-neladas. Nas eclusas de Tucuruí, o calado regular para embarcações tipo barcaças, também chamadas ‘chatas’, é de 3,5 metros. Nas cheias pode haver passagem para navios maiores. O tempo de ultrapassagem dos com-boios de jusante a montante ou vice e versa será de uma hora. Com a entrada na primeira eclusa, navegarão impulsionados por um re-bocador pelos 5,5 km do canal intermediário e chegarão à segunda eclusa. O tempo de en-chimento ou esvaziamento das câmaras será de 14 minutos. O canal permite comboios se deslocando em direções opostas A capaci-dade máxima será de 24 comboios nas duas direções por dia. São 16 eclusagens, ou 32 passagens de comboios, diariamente.

Números de junho de 2009: Eclusa1 - 94%

Canal - 84% Eclusa 2 - 72%

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As caixas das eclusas e o canal são enchi-dos mediante a ação da gravidade. Não há bombas para enchê-las, apenas abrem-se as válvulas. O gerente de Obras de Construção das Eclusas de Tucuruí, Júlio S. Schwartz (abaixo), afirma que a opção pelo método de funcionamento mecânico foi acertada. “O tamanho das eclusas também foi adequado, pois apenas uma comporta do vertedouro de Tucuruí jorra mais água num dia do que todas as eclusagens juntas. O DNIT sugeriu

que a Eletronorte fique respon-sável pela operação de todo o sistema, mas há a possibilidade que ela venha a ser gerida pelo próprio Departamento ou pela Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental - Ahimor. A marinha brasileira decidirá sobre a condução dos rebocadores no canal, que poderá ser uma so-lução operacional, seja por um prático, ou pelo próprio operador das embarcações.

Riqueza - A região naquela parte do Esta-do do Pará é rica em minérios, principalmen-te em Carajás. A ferrovia que atende à explo-ração mineral já está com sua capacidade de carga no limite. Uma nova siderúrgica já está sendo instalada em Barcarena, próximo a Belém. O transporte de minério dessa re-gião deverá ser feito por hidrovia, que trans-portará também a produção de grãos do Centro-Oeste, Tocantins, Mato Grosso e sul do Pará. Ela aumentará a capacidade bra-sileira de competir em mercados no exterior e vai gerar uma economia de R$ 10 milhões por dia com combustíveis. Segundo Júlio S. Schwartz, a ferrovia foi construída para

transportar o minério até o porto de Itaqui, em São Luís (MA). “Acredito que poderá ser estabelecido um transporte intermodal para outros tipos de minérios, de maior valor agre-gado, e também para grãos e agroindústria das regiões Norte e Centro-Oeste”, declara.

Segundo o diretor da Norberto Odebrecht para assuntos das eclusas, Fernando Barine, a carga de peso transportada a cada dia equi-valerá a 800 carretas carregadas com 25 to-neladas. “Ainda estaremos retirando veículos das estradas, o que diminuirá a quantidade de acidentes, a manutenção de pistas, pontes e veículos, e consequentemente reduzindo o consumo de pneus, peças sobressalentes e

combustíveis. Isto ajudará a retirar gás carbono da atmosfera. Se comparado ao consumo dos veículos, via rodovia, o consumo das barcaças é irrisório, inclusive porque combustíveis alter-nativos poderão ser usados”, analisa.

Barine (abaixo), comenta ainda o vínculo das obras com a região do entorno. “Temos aqui pro-gramas sociais de grandes dimensões. O nosso objetivo é construir um bem valioso para a humanidade. Parti-cipamos de algo grandioso, uma obra excelente. Em vir-tude das soluções desenvol-

A carga de peso

transportada a cada dia

equivalerá a 800 carretas

carregadas com 25

toneladas

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Eclusas pelo mundoEclusas estão sempre belas e inusitadas.

A Roda de Falkirk (ao lado) é o trecho final na renovação do sistema de canais da Escó-cia, que permite a passagem de barcos entre dois canais do Primeiro Estuário para o Estu-ário de Clyde. A diferença de altura entre os dois canais é de 35 m. Antes, 11 compor-tas permitiam alcançar os diferentes níveis. Quando os canais foram reformados, a solu-ção foi construir uma roda com berços para quatro barcos de 20 m de comprimento. En-quanto um lote afunda, mais dois podem ser erguidos ao mesmo tempo. A travessia leva 15 minutos.

Já na Alemanha, em Magoeburg, a solu-ção para permitir a passagem do Rio Elba para o Rio Mitteliandkanai, foi fazer um con-junto de eclusas em vários níveis, para bai-xar ou suspender as embarcações, a eclu-sa Wasserstrassenkreuz. Construiu-se uma hidrovia elevada de 918 por 228 metros, permitindo que os rios passassem um sobre o outro. Ainda na Alemanha, no Rio Reno, há várias eclusas para transpor desníveis de cinco ou dez metros. A maioria dessas eclu-sas é desvinculada da questão energética.

O Canal do Panamá (ao lado), com 82 quilômetros de extensão, cortando o istmo do Panamá e ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico, com dois grupos de eclusas, ser-viu de inspiração para o canal e as eclusas de Tucuruí. No lado do Atlântico, as portas maciças de aço das eclusas triplas de Ga-tún, com 21 metros de altura e pesando 745 toneladas cada uma, são tão bem contraba-lançadas que um motor de 30 kW é suficien-te para abri-las e fechá-las. O Lago Gatún, que fica a 26 metros acima do nível do mar, é alimentado pelo Rio Chagres, local onde foi construída uma barragem para a formação do lago. De Gatún, o canal passa pela falha de Gaillard e desce em direção ao Pacífico, primeiramente através de um conjunto de eclusas em Pedro Miguel, no lago Miraflo-res, a 16,5 metros acima do nível do mar; e depois, através de um conjunto duplo de eclusas em Miraflores. As eclusas são du-plas e os barcos, dirigidos por aparelhos fer-roviários, navegam nas duas direções. Uma curiosidade: o lado do Pacífico é 24 cm mais alto do que o lado do Atlântico.

vidas aqui, vários países da América do Sul e África estão interessados em nossa tecno-logia”.

Indenizações - Na região de Tucuruí, e gra-

ças à Hidrelétrica, a maior parte dos proble-mas fundiários já está resolvida. Em relação às eclusas, a situação atual (maio/2009) mos-tra que dos 362 processos da área urbana, 319 já estão pagos, um encontra-se em fase de negociação e 42 esperam por decisão ju-dicial. Na área rural estão concluídos os 190 processos. Apenas para desapropriações, o orçamento da obra prevê R$ 10,9 milhões. Segundo o superintendente de Expansão da Geração da Eletronorte, Luiz Fernando Rufa-to, “a Empresa é confundida com o próprio Estado. De certa forma procede, desde que obrigações como erradicação de palafitas, es-goto, pavimentação e outras de infraestrutura básica sejam repassadas para os órgãos com-petentes. Mas estamos aprendendo muito e em futuros empreendimentos buscaremos a integração de todos para resolver os proble-

mas. Quando se consegue fazer as lideranças sociais atuarem no espaço que conhecem não há reivindicações futuras”.

As negociações com a comunidade e os movimentos sociais se deram a partir de 2007 e desde então, mesmo com o cantei-ro de obras sofrendo constantes ocupações irregulares, a Eletronorte tem cumprido todos os compromissos assumidos, inclusive aque-les que não são da sua alçada institucional, negociando e providenciando desde mate-riais de construção e cestas básicas, até a implantação de projetos sociais de produção agroindustrial.

As eclusas de Tucuruí estão quase prontas. Em breve, esse espetacular sistema de trans-posição, que não terá qualquer influência sobre o regime de águas do Tocantins, mas sem dúvida transformará o rio, permitindo ao longo e magnífico curso d’água tornar-se uma importante rota comercial e turística, aten-dendo a um anseio que vem sendo exaustiva-mente expressado por autoridades paraenses e populações ribeirinhas. Quando estiverem operando, estarão naturalmente integradas à nova e deslumbrante paisagem de Tucuruí.

Grandiosidade nas obras

civis e nas peças

metálicas

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Você pode ser o dono da águaDesafio para o Poder Público e sociedade é incrementaros instrumentos de participação das comunidades

Michele Silveira

Quem mora no Lago Sul, em Brasília (DF), convive com uma triste realidade: o bairro no-bre da cidade tem um gasto médio de água por pessoa, de mil litros de água por dia. É um recorde de desperdício de água por habitan-te. E essa realidade não é privilégio da capital. O consumo médio diário de água por pessoa nos grandes centros urbanos brasileiros varia entre 250 a 400 litros, mais que o dobro do considerado ideal pela Organização das Na-ções Unidas – ONU, fixado em 110 l/dia. Mas não é só o desperdício que pauta a questão da água no Brasil. Quem vive em Belém, no Pará, precisa conviver com outro índice pouco lisonjeiro: 87% de seus moradores ainda não têm saneamento básico. Em Manaus esse ín-dice chega a 89%. Em São Paulo, 70% da poluição das águas são de origem doméstica e 30% de origem industrial.

Longe de Brasília ou Belém, em países da África como a Namíbia, as pessoas precisam sobreviver com menos de um litro de água por dia. E se o assunto for saneamento básico os índices de atendimento não ultrapassam os 35% da população. Ainda que pareça ób-vio associar uso racional, qualidade da água e saneamento básico numa mesma pauta, nem sempre essa é uma realidade. É nesse contexto que nos últimos dez anos surge uma temática cada vez mais presente nos debates ambientais: a gestão de recursos hídricos. No Brasil, a Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hí-dricos - PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. No primeiro artigo, dois incisos podem fazer a di-ferença: a água é um bem de domínio públi-co; e a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comu-nidades.

Mais do que um dispositivo legal, os funda-mentos da PNRH sinalizam um caminho para garantir a preservação e o uso racional dos recursos hídricos. “A implantação da gestão de recursos hídricos é um processo de mu-danças de paradigmas sociais, inclusive da relação das pessoas com os corpos d’água. Certamente esse processo não acontece de um dia para o outro, mas o Brasil já avançou muito na questão e, nos últimos dez anos, ti-vemos progressos significativos. Um dos fato-res dessa evolução foi o grau de consciência da população, que cada vez mais percebe a

necessidade do uso sustentável dos recursos hídricos”, afirma o diretor do Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas do Ministério do Meio Ambiente, Julio Thadeu Kettelhut.

Comitês participativos - A participação das comunidades na PNRH está garantida por meio da criação dos comitês de bacia, que são instâncias deliberativas regionais, instala-das nas unidades de planejamento e gestão - as bacias hidrográficas -, e funcionam como espaço de articulação entre as diversas partes interessadas no uso e proteção dos recursos hídricos locais. Os comitês podem ter um total de membros variável, desde que respeitada a proporcionalidade entre os setores: até 40% de representantes dos poderes públicos; 40% de representantes de setores usuários das águas e pelo menos 20% de representantes da sociedade civil.

Na opinião de Kettelhut, um dos diferen-ciais dos comitês é o fato de que eles fazem

Quantos litros você gasta no banho?

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parte de um aparato legal que garante caráter mais formal e normativo às decisões tomadas. “Um comitê é constituído a partir do momen-to em que determinada comunidade sente a necessidade de implantar um fórum que per-mita a discussão dos problemas relacionados ao rio. Esses comitês podem ser estaduais ou federais e aos poderes públicos cabe o pa-pel de incentivar a criação dos comitês. Se a comunidade não identificar a necessidade de criação desse fórum, ele poderia até ser criado, mas, fatalmente, não teria sucesso”, explica.

Entre as competências básicas de um co-mitê estão arbitrar conflitos de uso de recur-sos hídricos; aprovar e acompanhar a execu-ção do plano de recursos hídricos da bacia hidrográfica; propor aos conselhos nacional e estaduais os usos insignificantes a serem isentos da obrigatoriedade de outorga pelo direito de uso da água; e propor valores e es-tabelecer mecanismos para a cobrança pelo uso da água.

Kettelhut lembra que o Brasil, com as di-mensões e as diferenças regionais que possui, precisa considerar que existem demandas e disputas diferentes a serem discutidas pelos comitês. “Cada caso é um caso. Há uma di-ferença muito grande entre as bacias do Su-deste e as da Amazônia. Em São Paulo, por exemplo, temos rios com ação antrópica mais intensa, uma disputa mais acirrada pelo uso dos recursos hídricos. Nos rios da bacia ama-zônica temos uma ação menos intensa, onde há pontos localizados, em geral próximos das cidades grandes, onde existem disputas re-

lacionadas ao uso urbano, mineração, entre outros motivos que podem originar a criação de um comitê”. De fato as diferenças são sig-nificativas: apesar da grande disponibilidade, a distribuição dos recursos hídricos no Brasil é bastante desigual em âmbito geográfico e po-pulacional. Embora a Amazônia possua 74%

da disponibilidade de água, a bacia hidrográ-fica amazônica é habitada por menos de 5% da população brasileira.

Desafios - Atualmente o Brasil tem oito co-

mitês para rios federais e 152 em mananciais estaduais, que reúnem aproximadamente 15

mil pessoas. Mas existe espaço para 29 comi-tês federais e cerca de 400 estaduais. A ex-pectativa, segundo Kettelhut, é que o País viva um incremento do número de comitês e, mais do que isso, um aumento na implantação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, fundamentais para estabelecer uma

Tudo o que é despejado no balde, é derramado

nos rios

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gestão sustentável. “Um dos desafios para chegarmos a esse cenário é que a sociedade conheça as políticas e saiba dessa possibili-dade de participar efetivamente da gestão dos recursos hídricos. Precisamos difundir essa oportunidade”, afirma o diretor.

Sobre os desafios do Poder Público para a consolidação da PNRH, Kettelhut cita a ne-cessidade de aperfeiçoar ainda mais os instru-mentos como os de outorga. “O plano de ação e a decisão de cobrança pelo uso da água, por exemplo, são decisões que dependem do co-mitê. Mas a outorga é uma função de Estado. Os órgãos estaduais e federais já evoluíram muito nessa questão nos últimos cinco anos, mas ainda podemos melhorar esse processo. Há estados que precisamos reforçar a infraes-trutura institucional”. Outro desafio, segundo ele, é ampliar as ações de educação ambiental. “Quanto mais informação as pessoas tiverem, mais vão estar conscientes da necessidade do uso sustentável dos recursos hídricos”.

De acordo com o relatório GEO Brasil Re-cursos Hídricos - publicado em 2007 pelo Mi-nistério do Meio Ambiente, Agência Nacional de Águas - ANA e Programa das Nações Uni-das para o Meio Ambiente – PNUD, a outorga é um ato administrativo pelo qual a autoridade outorgante concede ao outorgado o direito de

A água tem preço?Prevista desde o Código de Águas de 1934, a co-

brança pelo uso da água passou a ser aplicada como instrumento de gestão com a Lei 9.433/97. Seu objeti-vo é reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, em função da quantidade e da qualidade existente e do uso a que se destina. Além disso, visa a incentivar a racionalização do uso da água, além de obter recursos financeiros para o financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos planos de recursos hídricos, como também para as despesas de implantação e custeio dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A Lei prevê que a cobrança seja sempre associada à outorga e que os recursos oriundos da cobrança sejam aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que forem gerados. A competência para realizar a cobrança é do detentor do domínio do recurso hídrico, ou seja, da União e dos estados, diretamente por intermédio do ór-gão gestor dos recursos hídricos (ANA e entidades esta-duais correlatas), ou indiretamente mediante o apoio de outros agentes por meio de um contrato de gestão.

Considerado o instrumento de maior grau de com-plexidade em sua implantação, a cobrança pelo uso da água ainda não é uma realidade em todos os estados brasileiros. “A cobrança não é um imposto, e sim uma decisão do comitê de bacia. Temos dois comitês de ba-cias federais que já efetivaram a cobrança: o Paraíba do Sul, que envolve os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; e o Comitê Piracicaba Jundiaí Capivari, com a maior parte em São Paulo, mas com trechos em Minas Gerais. Os comitês definem se vão cobrar, e de-pois, quanto e como vão cobrar, além de decidir onde serão aplicados os recursos, que revertem integralmente para a região da bacia”, explica o diretor do Departamen-to de Revitalização de Bacias Hidrográficas do Ministério do Meio Ambiente, Julio Thadeu Kettelhut.

Em 2008, apenas essas duas bacias arrecadaram R$ 25 milhões, principalmente de indústrias e empresas de

saneamento. A estimativa da ANA é que, quando todas as bacias nacionais forem instaladas, o valor arrecadado pode chegar a R$ 520 milhões por ano. Na tese apresentada pela engenheira Marilene de Oliveira Ramos Múrias dos Santos à Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, “O Impac-to da Cobrança pelo Uso da Água no Comportamento do Usuário”, a cobrança pelo uso da água é analisada como instrumento econômico, modificando o comportamento do usuário e conferindo sustentabilidade financeira aos siste-mas de gestão de recursos hídricos. Segundo a pesquisado-ra, como instrumento econômico, a cobrança deve sinalizar corretamente para a sociedade o uso dos recursos hídricos de forma racional atendendo aos princípios do desenvolvi-mento sustentável.

Na pesquisa, Marilene alerta que, diante das diferenças regionais, é preciso que a aplicação da cobrança seja feita de forma bastante flexível de modo a sinalizar corretamente o uso racional e sustentável dos recursos nos diferentes ce-nários. Por outro lado, segundo a pesquisadora, a cobrança pelo uso da água introduz um custo que se reflete em toda a cadeia produtiva. “Mesmo que estes custos sejam inicial-mente baixos, a inserção da economia brasileira num mer-cado global recomenda que sejam facilmente comparáveis nacional e internacionalmente. Esse princípio poderá au-mentar a aceitabilidade da cobrança pelos setores usuários, entre eles indústrias e outras atividades econômicas que atuam em escala nacional ou até mesmo internacional”.

uso do recurso hídrico, seja para consumo fi-nal, seja como insumo de processo produtivo, por prazo determinado e de acordo com as condições expressas no ato. É um instrumen-to de competência da União, que tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercí-cio dos direitos de acesso a esse tipo de recur-so. A competência para emissão das outorgas em águas de domínio da União é da ANA, que poderá delegá-la a estados e ao Distrito Federal. Até dezembro de 2004 mais de 95 mil outorgas já haviam sido emitidas no Brasil, sendo o maior número destinado ao consumo humano, e as maiores vazões outorgadas para a atividade da agricultura irrigada, que repre-senta 60% das outorgas para captação.

Usos múltiplos – É necessário ter essa visão da gestão dos recursos hídricos no Brasil para uma avaliação da importância dos usos múlti-plos dos reservatórios de usinas hidrelétricas. O assunto foi um dos principais temas tratados no 23º Congresso Internacional sobre Grandes Barragens (ver matéria na página 57).

A Política Nacional de Recursos Hídricos prevê que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. Com relação à utilização de suas

águas, o Brasil registra retirada total de 1.568 m³/s para diferentes usos, ou 3,4% da vazão com 95% de garantia. Este volume equivale a 38 piscinas olímpicas por minuto. Desse total, cerca de 840 m³/s são efetivamente consumi-dos, não retornando às bacias hidrográficas.

Uma das discussões mais recentes sobre sustentabilidade e geração hidráulica diz res-peito à renovação das concessões que ven-cem em 2015, de diversas usinas hidrelétri-cas que somam cerca de 20% da capacidade

instalada do País. Dois técnicos renomados do setor, José Luiz Alquéres, presidente da Light; e Jerson Kelman, professor do Coppe/UFRJ e ex-diretor da ANA e da Aneel, têm sugerido aproveitar a oportunidade para administrar o uso dos rios de uma forma economicamente eficiente e ambientalmente sustentável. Eles propõem mudanças no arcabouço legal de forma a concentrar, numa única entidade, a responsabilidade de se utilizar os rios para usos múltiplos.

Pesquisa de campo, fundamental na gestão dos recursos hídricos

Água de beber água de banhar,

quem a terá no futuro?

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O título é um provérbio africano citado pelo professor Ar-mando Mendes na abertura do seminário internacional “Pro-blemática do uso local e global da água da Amazônia”, reali-zado em 2003 na Universidade Federal do Pará - UFPA. Há seis anos a discussão pautava a afirmação da pesquisadora Bertha Becker, do departamento de Geografia da UFRJ: “A água está rareando em todo planeta, a ponto de lhe serem atribuídos um valor similar ao do petróleo no século XX”.

O fato é que em menos de dez anos o tema saiu das salas de pesquisa e, felizmente, ganhou um olhar das políticas públicas e da sociedade. No lançamento da primeira edição do Relatório de Conjuntura dos Recur-sos Hídricos no Brasil – 2009, realizado em março deste ano, o presidente da Agência Nacional da Águas - ANA, José Machado, disse que o País é referência mundial em gestão de recursos hídricos e elogiou a legislação e o modelo de gestão, segundo ele, extremamente moder-nos e adequados às nossas dimensões continentais. Mas não deixou de dizer também que o Brasil começou tar-de: a Lei Nacional das Águas, que estabeleceu diretrizes e instrumentos para a gestão das águas brasileiras, por exemplo, foi criada apenas em 1997. O Relatório, que está disponível na página da ANA na internet (www.ana.gov.br), será produzido anualmente, sempre com infor-

mações do ano anterior, e apresentará um diagnóstico da área com dados, estatísticas, avanços, retrocessos e recursos investidos.

De acordo com o levantamento, a situação da qualida-de da água no Brasil varia conforme a região. Na região amazônica é considerada excelente, pois mesmo que haja alguma poluição pontual acaba sendo diluída no grande volume de água. As regiões mais industrializadas e urba-nizadas são as mais afetadas. O Índice de Qualidade da Água (IQA), apurado em 2006, mostrou uma condição óti-

ma em 9% dos pontos avaliados no Brasil, boa em 70%, razoável em 14%, ruim em 5% e péssima em 2%.

Ainda em março deste ano, durante as comemorações do Dia Mundial da Água, o 5º Fórum Mundial da Água, realizado em Istambul, na Turquia, reuniu aproximada-mente 28 mil delegados de 182 países. A divulgação do 3º Relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Mundial dos Recursos Hídricos mostrou que o acesso a serviços como água potável e saneamento básico con-tinua inadequado na maior parte dos países em desen-

“Água suja não pode ser lavada”

volvimento. Segundo o documento, se o cenário atual for mantido, até 2030 cerca de cinco bilhões de pessoas, ou seja, 67% da população mundial, vão continuar sem esgota-mento sanitário. O Relatório também aponta que mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à água de boa qualidade e 2,5 bilhões não dispõem de redes de coleta de esgotos. E o principal impacto dessa situação é observado na saúde. Segundo a própria ONU, quase 80% das doenças em países em desenvolvimento estão associadas à qualidade da água e causam cerca de três milhões de mortes por dia.

Segundo Alquéres, o conhecimento atual dos rios brasileiros já permite dividir o País em cerca de 50 a 60 conjuntos de bacias ou sub-bacias hidrográficas, bacias estas que poderiam englobar potenciais hidrelétricos desenvolvidos ou a desenvolver. “A preserva-

ção da qualidade das nossas águas, do nosso ambiente e a utilização consciente do nosso potencial hidrelétrico é uma das maiores van-tagens competitivas do Brasil. Nenhum país do nosso porte possui um grau de emissões de CO² tão baixo por unidade de PIB. E isso

Todo o lixo vai para o igarapé... ...mas os banhos na mesma água continuam habituais

se deve à predominância das hidrelétricas em nossa matriz, o que vem sendo degradado continuamente com a proliferação de térmi-cas além do razoável, decorrente dos entra-ves no licenciamento ambiental das hidre-létricas. O fato de as concessões serem por

bacia facilitaria os licenciamentos ambientais também por bacia, que é uma sugestão de Jerson Kelman, o que representaria um notá-vel ganho para viabilidade do atual e todos os futuros PACs do Brasil”, defende.

Num cenário que precisa aliar desenvolvi-mento e sustentabilidade ambiental, a ques-tão dos usos múltiplos das águas deixa de ser um dispositivo legal e passa a assumir função estratégica na consolidação de uma gestão responsável dos recursos hídricos. Segundo Kelman, em algumas bacias amazônicas, como a do Teles Pires (MT), por exemplo, a materialização da proposta significaria a esco-lha por licitação de um concessionário da ba-cia que teria a responsabilidade de construir de uma só vez todas as usinas hidrelétricas e as respectivas eclusas. Assim, estaria asse-gurado, além da produção de eletricidade, o escoamento por via fluvial de milhões de to-neladas de cargas. A opinião dos dois parece representar um consenso: é preciso preservar a qualidade das águas, do ambiente e utilizar conscientemente nosso potencial hidrelétrico.

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Rose Dayanne Santana

Até 1999, o Brasil possuía vários sistemas elétricos desconectados, o que impossibilitava uma operação eficiente das bacias hidrográ-ficas regionais e da transmissão de energia elétrica entre as principais usinas geradoras. Somente após a construção do primeiro circui-to do chamado Linhão Norte-Sul, foi possível instituir o Sistema Interligado Nacional – SIN, que integrou os sistemas Norte-Nordeste e Sul-Sudeste-Centro-Oeste. Em Tocantins, o Li-nhão, com mais dois circuitos em operação, representa muito mais que um elo nacional, mas reflete a importância fundamental da ele-tricidade no desenvolvimento socioeconômi-co. Essa história tem dez anos, mas começou muito antes.

Marcado por lutas, principalmente no que diz respeito à autonomia constitucional, o povo tocantinense primava pelo desgarramento cul-tural, histórico e político do Estado de Goiás, extinguindo-se o que era conhecido como o ‘nortão goiano’. Situamo-nos no ano de 1988, quando, por meio da Carta Constitucional des-se mesmo ano, o Estado do Tocantins (que herdou o nome de um dos rios mais extensos e ricos do País) conquistou sua autonomia, direitos e deveres, mas também sérios pro-blemas sociais. Das riquezas, aquelas legadas por Deus: solo fértil, água em abundância e um grande potencial energético.

De acordo com Júnior Batista do Nasci-mento, professor, membro do Instituto Cenog-Conorte e autor do livro Tocantins: História e Geografia; dos 60 municípios que o estado possuía no ano de sua criação, apenas 40% ti-nham acesso à energia, por meio de geradores à base de óleo diesel. O fornecimento elétrico era frágil e instável. “A energia falhava muito, ficavam-se horas sem energia. Nas cidades

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SÃo Linhão norte Sul I,

uma história que percorre o Tocantins e o Brasil há uma década

atendidas pelos geradores havia horário para ter luz em casa e também mobilizações para que os aparelhos eletrodomésticos não fossem ligados à noite, de modo a não sobrecarregar o gerador que atendia à escola da cidade”, con-ta Nascimento (acima).

O mais novo estado da Federação, com sua capital planejada, Palmas, localizada à margem direita do Rio Tocantins, passava a despertar os sonhos de muitos brasileiros, que a exemplo da “sociedade em movimento” da década de 1950 (nordestinos rumo a São Paulo e Rio de Janeiro), migravam para o meio norte brasilei-ro. Pessoas vindas principalmente das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em busca de emprego, moradia e uma vida melhor.

De acordo com a Secretaria de Planejamento do Estado, em 1991 o Tocantins contava com uma população total estimada em 919,3 mil habitantes. O crescimento de cidades como Araguaína, Gurupi, Porto Nacional, Paraíso e Miracema do Tocantins, as maiores, somava à demanda cada vez maior por energia elétri-ca confiável. Após a criação de Palmas, em 1989, o crescimento populacional foi signifi-cativo, chegando, em 1996, a somar mais de um milhão de habitantes, o que exigiu fortes investimentos em educação, saúde, transpor-te, moradia, saneamento básico e também no setor elétrico.

Chega o Linhão - Dez anos após a auto-nomia constituída, os tocantinenses começam a ver outro sonho realizado. “A chegada da Eletronorte abriu um leque de oportunidades. Com a interligação energética vieram outras expectativas, principalmente quanto ao desen-volvimento da região e a consolidação de um abastecimento elétrico confiável”, conta João Batista Martins Teixeira, empregado da Eletro-norte há dez anos.

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A Eletronorte instala-se no Tocantins, com sede na cidade de Miracema, no dia 24 de julho de 1998, mas a presença da Empresa na região começou ainda na década de 1970, quando empreendeu um levantamento pionei-ro do potencial hidrelétrico da Bacia Araguaia/Tocantins, que resultou na construção das usinas hidrelétricas Tucuruí, Luis Eduardo Ma-galhães, Peixe Angical, Serra da Mesa e Cana-brava. Depois, junto com Furnas, a Eletronorte construiu o primeiro circuito do Linhão em 500 kV, partindo de Imperatriz (MA) e chegando

em Brasília (DF). Foi um recor-de de tempo de construção, 11 meses, entre fevereiro de 1998 e março de 1999.

“O Linhão mudou a história desse estado e do País. Percebe-mos significativamente a estabili-dade do fornecimento de energia elétrica, pôde-se investir mais em educação, saúde, construção ci-vil, comércio”, ressalta Júnior Ba-tista do Nascimento. De acordo com o professor, a mortalidade infantil foi reduzida, comparando-

se o ano de 1998, que registrou um índice de 33,3 crianças mortas por 1.000 nascidas vivas, contra 27,3 em 2007. A taxa de analfa-betismo diminuiu de 21,9%, em 1998, para 14,21 %, em 2007.

Conforme dados da Rede Energia/Celtins – empresa responsável pela distribuição de energia elétrica no estado desde 1989 – em 1999 apenas seis municípios tocantinenses utilizavam geradores a diesel como fonte de energia: Lizarda, Mateiros, São Felix do Tocan-tins, Centenário, Recursolândia e Santa Maria. Em 2001, todos os municípios já estavam in-terligados à rede de distribuição estadual.

Também segundo a Companhia, em 1998, a frequência equivalente de interrupção por unidade consumidora (FEC) era de 96,3 vezes, com duração equivalente de interrupção por unidade (DEC) de 77,3 horas. No ano de 2008, os índices diminuíram significativamente, para uma FEC de apenas 33,9 vezes, com DEC de 46,0 horas. Joaquim Guedes Coelho Filho (à es-querda), diretor de Projetos Especiais da Rede/Celtins, credita esses índices aos investimentos feitos nas linhas em 138 kV e no sistema de distribuição, somados ao ponto de suprimento possibilitado após a Interligação Norte Sul I.

O diretor aponta a importância nacional do Linhão, uma vez que possibilita o tráfego de energia de ponta a ponta do País e interfe-re no contexto regional. “Foi uma das obras mais importantes para a consolidação do SIN, que permite uma melhor operacionalidade no suprimento de energia. Já no Tocantins, veio acrescentar mais um ponto de suprimento, principalmente para a região de Palmas e Mi-

racema, garantindo maior confiabilidade no fornecimento”, explica. Palmas foi o município que mais cresceu em consumo de energia elé-trica. Em 1998, o consumo medido em KWh de 122.836.128, pulou para 295.344.278 KWh, em 2008, um crescimento de 140%.

Desenvolvimento - O Tocantins vem cres-cendo a olhos vistos. Conforme a Secretaria de Indústria e Comércio do Estado, o aumento populacional apresentou um salto de 41,9%, de 1999 para 2005, enquanto a média nacio-nal foi de 26,3% no mesmo período. O estado também oferece condições ideais a novos em-preendimentos, a começar pela posição geo-gráfica centralizada, disponibilidade de recur-sos hídricos, potencial energético e mineral,

oferta de mão de obra, clima e solo favoráveis ao setor produtivo.

No entanto, apesar das riquezas geográfi-cas, a disponibilidade de um sistema elétri-co é fator decisório para a instalação de um empreendimento. “Antes de investir em uma região, o empresário realiza pesquisas de mer-cado para saber se a região é compatível com o investimento e nesse caso o fator energia elétrica é decisivo”, conta o empresário César Moreira de Moraes. Há 12 anos em Tocantins, o goiano fixou moradia em Miracema e inves-tiu no segmento de construção civil. Moraes via a região como um solo de oportunidades, mas precisava de investimento.

Assim que inaugurou sua loja, no ano de 1997, o empresário afirma que passava por

A história de João“Tá vendo aquela subestação ali, eu também trabalhei

lá!”, parafraseia João Batista Martins Teixeira, os trechos da música ‘Cidadão’, mostrando a Subestação Miracema, uma obra que há pouco mais de dez anos ele ajudou a construir. Ao contrário do transeunte, – retratado na letra de Lúcio Barbosa e eternizado na voz de Zé Geraldo – a entrada de João não é proibida na obra que ele ajudou a levantar, tem acesso livre não só à Subestação, mas a todas as instala-ções da Eletronorte e a todos os benefícios oferecidos pela Empresa.

De servente de obras ao cargo efetivo de eletricista de linha, orgulhoso com a magnitude que o empreendimento conquistou no decorrer dos anos, João Batista afirma que a chegada da Eletronorte ao Estado do Tocantins e a Inter-ligação Norte Sul I proporcionaram desenvolvimento para a região e mudou a vida de muita gente, até mesmo a dele.

Rapaz sonhador, tocantinense, daqueles ‘nascidos e criados’ no cerrado brasileiro, João viu sua vida mudar a partir do ano de 1998, quando trabalhou como servente na construção da Subestação Miracema. No auge dos seus 18 anos, morava em Miracema do Tocantins, e afirma que a vinda da Eletronorte para a cidade foi um divisor de águas em sua vida. “Antes da Empresa, as minhas expectativas eram restritas, até porque não tínhamos indústrias e nem empresas grandes. Quando começou a construção da Subestação e da linha de transmissão, o cenário mudou. Tivemos mais expectativas de empregos, melhoria no co-mércio. Foi quando comecei a trabalhar como servente na obra”, relembra.

Ciente da importância do empreendimento para o ce-nário nacional, João queria mais. Dos 400 homens que tra-balharam na construção da Subestação, ele foi o único a passar no concurso público realizado pela Eletronorte em 1998. Taxado de louco pelos colegas e em meio a muitas

críticas, inscreveu-se no certame, foi classificado, e após a aprovação no curso de formação, efetivou-se em dezembro de 1999, como eletricista de linha de transmissão.

“A Eletronorte, na época, era vista pelas pessoas que tra-balhavam na construção e eram da região, como uma empre-sa inalcançável. Não se imaginavam entrando na Empresa. Quando eu disse que tinha feito a inscrição no concurso, os meus colegas riram de mim, fui motivo de críticas e chaco-ta. Eles diziam que eu iria jogar dinheiro fora. Para os meus colegas, o fato de trabalhar na construção e ser da região ja-mais me proporcionaria uma chance de entrar numa empresa como a Eletronorte”, lembra João Batista.

Há dez anos na Empresa, João conta que realizou um so-nho de infância: “Os meus horizontes se ampliaram, pude me capacitar e consegui também me graduar em engenharia civil. Para quem trabalhou como eu trabalhei em construção civil, a formação de engenheiro é o grau mais almejado”. Atu-almente, João está se especializando em engenharia de segu-rança do trabalho. Uma das suas expectativas para o futuro: “Se tiver mais um concurso público para engenheiro civil na Eletronorte, pode ter certeza que serei um dos concorrentes!”. Estamos certos que também será um dos classificados.

Palmas, símbolo do

crescimento econômico

estadual

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algumas situações constrangedoras devido à instabilidade do fornecimento de energia elé-trica. “Na época, se eu tivesse condição, teria instalado um gerador a diesel para utilizar no comércio e em casa. Às vezes estava atenden-do um cliente e no meio de uma venda faltava energia, interrompia o sistema e prejudicava a compra. Era preciso torcer para não com-prometer também os equipamentos”, lembra. Atualmente, Moraes (acima, atendendo a uma cliente) expandiu o seu negócio e conta com mais quatro filiais, três em outras cidades to-cantinenses e uma em Goiás.

A economia tocantinense vem se destacan-do no cenário econômico nacional. No período de 2002 a 2006, o Tocantins apresentou um crescimento acumulado em volume do Produ-to Interno Bruto (PIB) de 32,3%. Em 2002, o PIB foi de R$ 5,6 milhões e em 2006 atingiu R$ 9,6 milhões, agregando à economia R$ 4 milhões. O setor industrial foi o que mais ex-pandiu, acumulando no mesmo período um volume de 41,04%, e ficando à frente dos setores de serviço (27,41%) e agropecuário (26,23%). Esse desempenho deve-se aos constantes investimentos em construção civil, como por exemplo, usinas hidrelétricas, ferro-vias e edificações públicas e privadas.

Potência energética – Nos últimos anos, o Tocantins passou da condição de importador de energia para de exportador em potencial. Por meio do Linhão, a energia gerada nas usi-nas Lajeado e Peixe é despachada pelo SIN. Junto com PCHs a geração chega a uma mé-dia anual de 8,4 GWh, dos quais aproxima-damente 16,03% ficam no estado, o restante entra no sistema interligado.

A Interligação Norte-Sul I, com 1.277 km de extensão é um dos mais modernos sistemas de fornecimento de energia do mundo. São 3.015 torres, cada uma com 30 metros de altura e a distância média entre elas é de 400 metros, na tensão 500 kV, e capacidade de transmissão de 1.100 MW. No Tocantins são 392 km de linhas e 930 torres, seguindo a BR-153 (Belém-Bra-sília) por 23 municípios. A Eletronorte possui duas subestações, nas cidades de Colinas e Mi-racema do Tocantins, ambas em 500 kV. É na Subestação Miracema que a energia é rebaixa-da para 138 kV e entregue à Rede/Celtins.

“A interligação que se faz em nosso estado é fator decisivo para viabilizar as futuras usi-nas do Rio Tocantins, pois possibilita a redu-ção do custo da integração dessas usinas ao sistema de transmissão nacional. Ressalte-se ainda o desenvolvimento da região durante a implantação do empre-endimento, com geração de empregos e aumento na demanda de bens e serviços, além de garan-tir maior confiabilidade, qualidade e continuidade no serviço ao consumidor, sendo até hoje a principal fonte de energia elétrica estadual”, analisa Paulo Cezar de Oliveira, gerente da Divisão de Transmis-são da Eletronorte no To-cantins (à direita).

De acordo com Paulo Cezar, os estudos de planejamento demonstraram que a intercone-xão desses sistemas proporcionaria ganhos energéticos significativos, decorrentes da di-versidade hidrológica que permitiria uma ope-ração mais eficiente dos reservatórios hidrelé-tricos. “Entre as ações avaliadas, concluiu-se que a construção de um elo entre os dois siste-mas com capacidade de 1.100 MW permitiria a obtenção de um ganho energético de cerca de 600 MW médios anuais, com um custo em torno de US$ 15 para cada MWh adicional produzido”, conclui.

Márcia Oliveira

Milhares de anos separam o homem da pedra lascada daquele que hoje dispõe dos grandes inventos contemporâneos de alta tecnologia. Mas uma ciência, a arqueologia, tem o poder de aproximá-los. E foi atuando no plano básico de controle e monitoramen-to ambiental para a construção da linha de transmissão Juba/Jauru, em Mato Grosso, que a arqueóloga Suzana Hirooka desco-briu 2.654 materiais arqueológicos entre lí-ticos (pedra lascada), pedaços de cerâmica e um crânio de criança, que ela acredita, podem ajudar a reconstituir a pré-história ou a história de sete municípios do sudo-este de Mato Grosso. As pedras lascadas são associadas ao estilo de vida do homem caçador-coletor que viveu no final do perí-odo pleistoceno - 1,8 milhão a 11 mil anos atrás - e a cerâmica ao homem agricultor, que viveu há três mil anos.

As peças foram resgatadas em 11 sítios arqueológicos, um lítico e dez cerâmicos, identificados ao longo dos 159 quilômetros que cruzam os municípios de Barra do Bu-gres, Salto do Céu, Figueirópolis, Indiavaí, Araputanga, Jauru e Reserva do Cabaçal, por onde passam as linhas da Brasnorte Transmissora de Energia, Sociedade de Propósito Específico – SPE, da qual a Ele-tronorte detém 45% de participação. O ma-terial foi encaminhado para análise labora-torial com a qual se pretende identificar a datação. Depois, com o auxílio de estudos etnográficos e pesquisas antropológicas, será possível caracterizar a vida do homem que deixou esses vestígios. Uma primeira tentativa, com o método do Carbono – 14 foi feita, mas em função da acidez da terra,

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no caminho da linha de transmissão, a pré-história de Mato Grosso

o átomo do elemento não foi encontrado nas peças, explica a arqueóloga. Mas as pesqui-sas continuam com o uso de outras técnicas e, caso não seja possível datar com métodos laboratoriais, existe a alternativa de encontrar sítios datados que tenham o mesmo tipo de material e por similaridade, caracterizá-los.

Até o final deste ano Suzana acredita que terá todos os elementos para dizer se os ves-tígios são de homens pré-históricos ou históri-cos, período a partir da chegada dos europeus ao Brasil. O homem em questão pode ser o primeiro, e se for esse o caso, pode ter tido um estilo de vida seminômade, tendo que buscar a sobrevivência num ambiente hostil, com ani-mais gigantes como mastodontes, preguiças de três metros de altura e tatus do tamanho de fuscas. Tudo isso em áreas de savana, que hoje conhecemos como cerrado, e floresta, num ambiente de temperatura seca e até sete graus mais baixa que a atual.

A outra possibilidade, de serem materiais deixados pelo homem histórico, leva a arqueó-loga a supor que as peças tenham pertencido aos índios bororos do ocidente, ocupantes da região do Vale do Jauru até o final do século XIX, quando os registros históricos dizem que eles foram extintos em função da chegada do homem branco a partir de 1762. “Traba-lho com as duas hipóteses porque encontrei material lítico e um crânio, enterrado de for-ma diversa da usada pelos bororos. E Mato Grosso é um dos estados onde foi registrada a segunda datação mais antiga da presença do homem, há 25 mil anos. Logo, não posso descartar a presença do homem pré-histórico naquela região. Também não posso desconsi-derar que os materiais sejam dos índios boro-ro, que viveram ali e podem ter adotado a vida de agricultores”.

Manutenção de qualidade

garante a confiabilidade

do sistema

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Trabalho braçal e de pesquisaA arqueóloga Suzana Hirooka (ao lado) relata que durante

toda a pesquisa a população demonstrou muita curiosidade e interesse pelos trabalhos científicos. “Quando nos viam fazen-do os resgates queriam saber o que era aquilo e depois passa-ram a nos trazer parte de peças que eles haviam encontrado em suas propriedades. Alguns até tentavam reconstituir o que achavam, demonstrando o carinho e a importância que eles dão para esses achados. Essa relação com a comunidade é muito importante para percebermos que todos têm interesse em conhecer o seu passado, de onde viemos e como toda essa nossa história, ou pré-história, começou”, descreve.

O trabalho de descobrir os segredos encravados na terra segue metodologias científicas, que podem ser divididas em três etapas de campo, numa junção do trabalho braçal e de pesquisa. Ele começa com o diagnóstico da área, trabalho que indicará se ali existe potencial arqueológico. “A maio-ria das áreas de Mato Grosso tem potencial, pois o País foi rico em populações indígenas dizimadas com a chegada dos portugueses. Se eram as populações indígenas que predo-minavam, onde elas estão hoje? Seus vestígios devem estar por todos os lados, pois eles eram vivos e muito presentes aqui. Logo, se não encontrarmos vestígios pré-históricos, com certeza teremos os históricos”, relata Suzana.

O diagnóstico é rápido e pode demorar dois meses caso o arqueólogo desconheça a história, etnografia e pesquisas de ocupações recentes do local. Para auxiliar no diagnóstico é feita uma visita em campo no sentido de verificar a sedi-mentação do solo. “Como Mato Grosso tem um bom arqui-vo histórico e etnográfico, não encontramos problemas com isso. O próprio Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon, nos deixou muitos documentos que são fonte de pesquisa para qualquer área daqui. Já informações arqueológicas existem poucas, pois o primeiro arqueólogo a residir em Mato Grosso veio para cá na década de 1980, ou seja, esse tipo de estudo nessa região é muito recente”.

Após o diagnóstico é hora de partir para a prospecção. É nessa etapa que o subsolo é verificado para que os pesquisadores se certifiquem da quantidade e qualidade dos sítios arqueológicos. O trabalho é feito com sonda-gens, em estratos da área pesquisada. “Fazemos bura-cos de 15 centímetros de diâmetro, com profundidades variadas de acordo com o potencial do terreno, com in-tervalos de cinco, dez e 50 metros de distância entre um

e outro. A distância é menor se o potencial é maior. Na região onde trabalhamos, identificamos sítios a 20 centí-metros de profundidade e os máximos escavados foram de 60 cm. Já o tempo dos trabalhos depende da obra, do tamanho dela e do impacto na área”, explica.

A última etapa é o resgate e salvamento das peças. É nesse momento que elas são retiradas com todo o cui-dado possível para que não sejam danificadas. Depois, começam a limpeza, identificação e reconstituição das que podem ser reconstruídas, para que as teses sejam montadas.

O trabalho do arqueólogo foi retratado no cinema com contornos aventureiros e cheio do sobrenatural com o

personagem de Indiana Jones, criado por Steven Spielberg e George Lucas. Nos filmes, Indiana tem que enfrentar o mal para encontrar e proteger tesouros perdidos. Tirando as aventuras glamorosas e os objetos de atração que inspirou Indiana, todo arqueólogo tem a intenção de encontrar e pro-teger tesouros perdidos, mesmo que eles não sejam cidades como Eldorado e Atlântida, mas apenas um rudimentar ins-trumento de osso. “A arqueologia é a busca por fatos e não pela verdade. Se é a verdade que procuram, pode assistir à aula de filosofia do doutor Tyree, do outro lado do saguão”, disse o professor Indiana em um dos seus filmes. E nisso, ele tem razão, pois toda interpretação do passado baseada em fatos é sempre provisória.

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Era do gelo - O registro histórico mais an-tigo da presença do homem em Mato Grosso ao qual Suzana se refere é o que foi encon-trado no sítio arqueológico de Santa Elina, no município de Jangada, a 82 quilômetros da capital. Lá, na segunda metade da década de 1980, um grupo de cientistas brasileiros e franceses encontrou fragmentos de ossos de uma preguiça gigante e, no mesmo nível de escavação, 3,5 metros, coletaram três frag-mentos de ossos de animais nos quais foram constatados cortes e polimentos que não fo-

ram moldados pela natureza. Assim, supõe-se, foram feitos por homens. “Os cientistas pesquisaram o lugar por 17 anos e sabiam que a descoberta provocaria polêmica, pois a teoria clássica, dos norte-americanos, afirma que as evidências mais antigas da presença do homem na América são de dez a 12 mil anos, quando teria ocorrido a última gran-de glaciação da Era do Gelo. No Estreito de Behring teria se formado uma ponte ligando a Ásia ao Alasca e assim iniciado a ocupação da América. Mas, no Brasil, já existem várias

evidências da presença do homem aqui antes disso”, explica Suzana.

Ainda segundo a teoria clássica, o homem americano teria se originado de três ondas mi-gratórias, a primeira seria de populações asiá-ticas, a segunda de povos denominados Na-Dene e a última de esquimós. Mas, o crânio de uma mulher, com datação de 11.500 anos, encontrado em escavações em Lagoa Santa (MG), foi apresentado à comunidade científica mundial, após ter sido reconstituído. E para a surpresa de todos, as feições de Luzia, como

foi batizada a primeira brasileira, apresentam traços muito mais próximos de grupos que ha-bitavam a África e a Austrália, do que os dos asiáticos. Ou seja, ter encontrado esse vestí-gio no Brasil traz à tona a possibilidade de ter havido ao menos mais uma onda migratória para as Américas e isso teria ocorrido séculos antes de 12 mil anos, como propõe a teoria clássica.

Controvérsias à parte, o que se sabe até ago-ra é que o trecho por onde passa a linha Juba/Jauru teve uma ocupação intensa de agricul-

A busca pelos tesouros perdidos exige muita dedicação

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tores. A interpretação é possível em função do volume de material encontrado, principalmen-te no município de Reserva do Cabaçal, onde o sítio que mais chamou a atenção da pesqui-sadora, apesar de não ser o mais densamente povoado, tem uma extensão de 600 metros. “Ali, os moradores usavam a terra para sus-tento de várias formas e percebemos, pela rede de sítios encontrados, que eles viviam em pequenas, médias e grandes aldeias. Ou-tra coisa que identificamos é que existem dois tipos de cerâmica, uma mais grosseira e ou-tra mais refinada, decorada e com padrão de modelagem. As peças mais grosseiras foram encontradas na Reserva do Cabaçal, e as mais refinadas já próximas ao município de Tangará da Serra”, relata a arqueóloga.

Cerâmicas - A primeira avaliação da apa-rência das cerâmicas só foi possível porque a partir dos fragmentos coletados, a pesquisado-ra e sua equipe reconstituíram os vasilhames. “Nessa etapa, pedimos a ceramistas profis-sionais que, a partir das formas arqueológicas que levantamos, refizessem os vasilhames e acrescentassem um traço pessoal (fotos da

sequência). Agora temos as peças como su-pomos que fossem um dia quando estavam inteiras. O próximo passo é avaliar a argila, a inclinação, a temperatura de queima, as deco-rações, entre outras características das peças encontradas”.

Independentemente do tipo de material que foi encontrado e das informações que ele pode reforçar ou elucidar, Suzana defende que os trabalhos de arqueologia desenvolvidos contri-buem para a história do povo matogrossense. Ela avalia que os materiais encontrados podem até não ser relevantes para a discussão mun-dial sobre o mais antigo período de ocupação das Américas, mas é de extrema importância para a população local e do estado. “Com esse tipo de pesquisa temos a oportunidade de construir uma geração consciente, com padrão de conhecimento civilizado a respeito do pró-prio passado. Tem uma frase que gosto muito, e que diz ‘um país sem memória é muito mais que um país sem passado. É um país sem fu-turo’. Com o conhecimento do passado temos como planejar e fazer um futuro melhor, princi-palmente em relação ao meio ambiente”.

Para a pesquisadora e doutora em arqueo-logia do Instituto de Patrimônio Histórico e Ar-tístico Nacional - Iphan, Maria Clara Migliácio, a densidade de sítios encontrados no trecho da obra da Brasnorte é caracterizada como ra-zoável. “A cada dez quilômetros a arqueóloga localizou um sítio, isso quer dizer que a região teve uma densidade ocupacional relevante e o local demonstra ser um campo importante para pesquisa”, avalia. Maria Clara diz que o Mato Grosso é um campo vasto para essas pesquisas por ter um extenso território e ser pouco explorado. Ela lembra que lá também está localizado o sítio Abrigo do Sol, localizado nos municípios de Comodoro e Nova Lacerda,

até o início da década de 1980 considerado como o de datação mais antiga da presença do homem no Brasil, com elementos que re-metem há 14 mil anos.

Crânio - Quanto ao crânio encontrado nas escavações no trecho da linha Juba/Jauru (ao lado), que junto ao material lítico é tido por Suzana como o principal indício da ocu-pação pré-histórica da região, Maria Clara avalia que pode ser mesmo um bom indício, já que os bororos, não os ocidentais, mas os da região, enterravam seus mortos em urnas

Mantidos por ONGs, os museus atraem visitas escolares

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Peças recolhidas nos sítios

arqueológicos ficam expostos

à população

deixadas em cavernas, e não sob o solo. Pos-teriormente, eles teriam mudado o método em função da presença do homem branco. “Por perceberem que suas urnas estavam sendo violadas nas cavernas, os bororos passaram a colocar os corpos em cestos e a depositar es-ses cestos na água. Mas, como já disse, todos os vestígios que apontam a ocupação humana são interessantes para o conhecimento arque-ológico e a datação dessas peças poderá tirar essas dúvidas”.

O diretor da 18ª Sub-regional do Iphan, Claudio Quoos Conte, informa que em Mato Grosso existe hoje o registro de 700 sítios ar-queológicos, o que não representaria 0,5% do potencial do estado. Ele afirma que o cadastro do órgão está desatualizado e que também existe uma subnotificação desses sítios, por falta de conhecimento da população e mes-mo de investimento em pesquisas. A maioria dos estudos elaborada em Mato Grosso são

da mesma natureza do executado na obra de construção das linhas de transmissão Juba/Jauru. São pagos pela empresa que executa o empreendimento como um pré-requisito legal, estabelecido na Lei 6.924/61 e regulamen-tado com uma portaria da década de 1980. “Os sítios arqueológicos são considerados pela Constituição como patrimônio da União e o órgão responsável por emitir as licenças de escavação e de análise, prospecção e resgate das peças somos nós. A lei estabelece que o estudo e resgate devem ser feitos sempre que um grande empreendimento tiver potencial de impactar esse patrimônio”, explica.

Petroglifos - Conte informa que nos sítios já identificados foi encontrada uma infinidade de registros pré-históricos e históricos. Para contar um pouco sobre o passado de Mato Grosso existem pinturas rupestres, escultu-ras em pedras, os chamados petroglifos, os materiais líticos e cerâmicos associados a restos de ossos, alimentos, vestimentas, en-tre outros. Ele ressalta um sítio encontrado na região amazônica de Mato Grosso pela popu-lação, no município de Paranaíta. “Ali existe um afloramento rochoso, no meio da floresta, numa área de sete hectares, que é o que cha-mamos de petroglifo. É um atrativo turístico lindo, chamado de Pedra Preta de Paranaíta. São desenhos esculpidos na pedra que for-mam um curioso sítio”.

Conte admite que faltam pesquisas de na-tureza acadêmica, o oposto das pesquisas de empreendimentos, já que as primeiras não têm prazo para começar nem terminar e têm como único foco o aprofundamento do conhecimento. Mas ressalta que as de empreendimentos, tais como o da Brasnor-

te Transmissora de Energia, são de extrema importância, lembrando que elas estão sendo feitas com maior intensidade e, consequen-temente, contribuindo com o conhecimento do passado.

Outra limitação é a ausência de um museu com estrutura para expor os materiais encon-trados. Para se ter um exemplo de como essa limitação tolhe a proximidade da população com as descobertas, basta citar que os ma-teriais mais significativos já encontrados no estado estão hoje com os pesquisadores da Universidade de São Paulo - USP, que inte-

gram o grupo franco-brasileiro que pesquisa no sítio Santa Elina. “Como não temos um lu-gar para expor, eles são os fiéis depositários de tudo que encontraram ali. O que temos hoje são organizações não-governamentais que criaram pequenos espaços de exposição e fi-guram como nossos fiéis depositários. Nessa categoria temos dois espaços em Cuiabá, o Museu de Pré-História Casa Dom Aquino, co-ordenado pela ONG Instituto de Ecossistemas e Populações Tradicionais Ecoss; e o Museu Homem Brasileiro, coordenado pela ONG Ins-tituto Homem Brasileiro”, informa Conte.

Sala da Memória A empresa que contratou a pesquisa arqueológica, a

Brasnorte Transmissora de Energia, já sabe o que fazer com o material encontrado para disseminar o conheci-mento e as descobertas. A intenção é, a partir de uma parceria com a prefeitura de Reserva do Cabaçal, municí-pio onde foi identificada a maioria dos sítios, montar uma Sala da Memória. Os materiais serão expostos em vitrines com a identificação das peças, para que a população local as conheça. “Além disso, pretendemos que os moradores dos outros municípios também tenham acesso a essas informações. A partir de apresentações, mostras, eventos culturais, feiras e exposições escolares serão mostrados esses achados. Vamos buscar parcerias para viabilizar a divulgação das descobertas, já que no estado não tem um espaço para centralizar o material”, afirma o diretor Técni-co da Brasnorte, Sebastião Caetano Belém (acima).

Para Belém, situar as peças numa espécie de museu é uma forma de devolver à comunidade local um pouco de identidade. Ele garante que após conhecer as informa-ções e dados apontados com a pesquisa arqueológica, passou a enxergar a comunidade de outra forma, a ter identificação e um respeito maior. “Apesar de trabalhar em outros empreendimentos em Mato Grosso eu não sou daqui e não conhecia a história dessas cidades, e ao ter contato com o povo dessas regiões, percebemos que eles sabem de suas histórias, de suas origens e nisso também sou beneficiado. Vamos ficar por 30 anos nesse trecho, que é o tempo de concessão para explorar essas linhas, temos que saber a história dos lugares. E com as pesqui-sas, eles, os moradores, também saberão mais sobre o passado de suas terras”.

O diretor lembra que a prospecção e o resgate das peças encontradas nos trechos da linha são obrigações legais, mas afirma que, como responsável pelo empre-endimento, encontrou uma forma de se articular com a classe política local para ampliar o campo de divulgação do conhecimento. “Temos de cumprir as regras legais,

mas nem por isso ficar apenas em seus limites. A popula-ção precisa conhecer e dar mais importância a esses valores e incluo nesse grupo os próprios empresários. Eles devem entender quais são os retornos do bom relacionamento que esses investimentos culturais trazem. Muitos de nós desco-nhecemos. Acredito que a iniciativa de criar a Sala da Me-mória aproxima a população de empresas como a nossa, cuja distância é uma constante mais prejudicial que positiva. E vejo essa como uma forma de se construir, também, a res-ponsabilidade social”, declara.

Acervo conservado é a meta

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Érica Neiva

“Adeus ó meu Pará/Eu dessa terra vou me ausentar/Vou lá pra Bahia, vou lá pra Bahia/Eu vou viver, vou estudar/Adeus boa gente de Belém/Que tantas alegrias todos têm/Adeus meu Pará/Saudades vou levar do pessoal lá do Guamá”. Música de despedida. Canto de saudade de um lugar, de pessoas, de uma cul-tura que por certo tempo pôde ser guardado apenas na lembrança. No bairro do Guamá, cidade de Belém (PA), nasceu Marino da Sil-va Neves. Há 30 anos ele fez essa música ao deixar sua cidade natal rumo ao centro de trei-namento da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco – Chesf, em Paulo Afonso; momen-to em que passou a fazer parte do Grupo de Intercâmbio Técnico - GIT nº 04/78.

Técnico em Eletrônica, recém-saído da Escola Técnica Federal do Pará, Marino par-ticipou, em janeiro de 1979, aos 23 anos, do

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o Saudades do Guamáprocesso seletivo que visou a capacitar e su-prir de mão de obra os sistemas de transmis-são associados às usinas hidrelétricas Tucuruí – subestações Miramar, Utinga, Guamá, Vila do Conde, Marabá e Imperatriz – e Couto Ma-galhães – subestações Coxipó, Rondonópolis e Couto Magalhães, pertencentes à Eletronor-te. O recrutamento reuniu mais de quatro mil pessoas e selecionou 237 jovens nos estados do Pará, Mato Grosso e Goiás.

Em março de 1979, Marino fez a sua pri-meira viagem de avião rumo ao Centro de Trei-namento da Chesf. Era um dos 16 eletrotécni-cos que fizeram o curso na área de comando e controle. “Por meio do GIT fiz a minha pri-meira viagem e tive o meu primeiro emprego. Inicialmente fomos para a Chesf, onde fizemos o curso de manutenção de subestação e o pri-meiro estágio prático. Numa segunda etapa fomos para o centro da Companhia Energética de São Paulo – Cesp, em Ilha Solteira, onde

realizamos o curso de proteção de sistema de geração e transmissão, e também estagiamos. Ao terminar o curso fui para Tucuruí, onde tra-balhei durante oito anos. Em 1988 vim para Brasília”, relembra.

Hoje, ele viaja sempre à Subestação Mara-bá, no Pará, onde trabalha na modernização dos equipamentos de proteção e controle, mas, no tempo livre, ainda compõe músicas e toca violão. Ao terminar as atividades do GIT, Marino fez uma música de despedida: “Adeus eu vou voltar/Eu vou voltar lá para o Pará, eu vou/Adeus boa gente da Bahia/Eu agradeço pela sua companhia/Adeus escolinha lá da Chesf,/Pois era onde estudava com alegria/Adeus companheiro e amigos/Muito obrigado pelas suas amizades/Eu vou embora, mas eu volto qualquer dia/E todos juntos vou sentir muitas saudades/Adeus Paulo Afonso adeus/Muito em breve eu volto aqui”.

GIT - O GIT foi um mecanismo criado pela Eletrobrás para ser utilizado sempre que o Sistema precisasse de um esforço conjunto

das empresas para atuar em aspectos funda-mentais como treinamentos, equipamentos, relações humanas. Assim, formava-se o gru-po de intercâmbio, numerando-o. Em 1978, a Eletrobrás criou o GIT nº 04/78 para capacitar a mão de obra que a Eletronorte precisaria na área-fim, que era operar e manter sistemas de geração e transmissão no Pará e Mato Grosso.

Naquele período, o engenheiro de Operação da Eletrobrás, João Roberto Rodrigues (abai-xo), passou a fazer parte do GIT e o seu papel foi manter intercâmbio com todos os centros de treinamentos que recebiam os ‘gitianos’. “A Eletrobrás tinha um sistema de capacitação muito intensivo nas empresas do sistema de energia elétrica. Ela dava suporte a toda ques-tão de treinamento. Havia grande sensibiliza-ção e uma série de programas para a forma-ção dos seus técnicos”, esclarece João.

Uma das coisas que chamou a atenção dele foi a determinação das pessoas que tra-balhavam na Eletronorte. “Viajava muito todo o Brasil, de Norte a Sul. Quando fui à primei-ra vez na Eletronorte fiquei surpreso. Era uma Empresa muito jovem com um desafio muito grande - construir Tucuruí e os sistemas as-sociados. O GIT veio para preencher essa ne-cessidade de uma forma muito profissional, programada e planejada em todos os sentidos. Ficava surpreso em ver a qualidade e a mo-tivação das pessoas. Acredito que esse foi o melhor programa de formação das empresas do Sistema Eletrobrás. Tive muita honra em participar do projeto”, frisa João.

A história de 30 anos do GIT

“Adeus escolinha lá da Chesf, muito obrigado pelas amizades”

Marino, hoje, e na época de ‘gitiano’, o primeiro à esquerda, tocando violão

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Experiência de vida – O processo que sele-cionou os 237 ‘gitianos’ não priorizou pessoas da Região Norte por acaso. Para o coordena-dor-geral do GIT, Leonardo Govastki, (ao cen-tro, atualmente, e como coordenador do GIT) a contratação do pessoal ocorria nos próprios locais de trabalho para facilitar o recrutamen-to, a seleção e a retenção quando estivessem em atividade. “Poderíamos buscar a retenção desse pessoal em outras regiões, mas as pe-culiaridades sociais, econômicas e geográficas não favoreciam a vinda desses profissionais para a Região Norte”, destaca. A maioria dos jovens saiu das escolas técnicas federais do Pará, Mato Grosso e Goiânia.

A primeira função de Leonardo ao chegar à Eletronorte, em 1978, foi coordenar o GIT. Ele atuou na parte técnica e na de apoio admi-nistrativo. Apesar dos 31 anos transcorridos, ele se lembra até hoje da felicidade dos jovens que saíram principalmente de Belém em bus-ca de uma vida melhor. “Eram muito jovens, a maioria sem nenhuma experiência profis-sional. Para muitos era o primeiro emprego e eles se agarraram à oportunidade com todo entusiasmo e intensidade, pois vislumbravam que a Eletronorte seria uma grande Empresa. Depositaram fé e esperança no projeto. Acer-tamos em termos do processo, apesar de ter-mos selecionado pessoas sem nenhuma expe-riência”, avalia.

Para o paulista Leonardo, que nunca tinha saído do seu estado antes de trabalhar na Ele-tronorte, a experiência do GIT foi, sobretudo, uma grande descoberta. “Foi uma experiên-cia de vida fabulosa. Primeiro, nova cultura

e história nova, pessoas diferentes em termos de origem e etnia. Para mim foi uma descober-ta. Nos 42 anos de Setor Elétrico, diria que foi a vivência mais gratifican-te em termos de resul-tados, desde o processo de recrutamento até o momento em que aque-las pessoas passaram a trabalhar na Eletronor-

te, tornando-se excelentes profissionais. A maioria teve sucesso em todos os aspectos. Foi um crescimento não apenas profissional, mas social, pessoal e financeiro. A própria oportunidade que tiveram de sair do Pará e ter contato com outras regiões do Brasil foi muito valiosa”, rememora.

O projeto teve ainda duas outras coordena-ções. A coordenação Técnica, sob responsabi-lidade de Waldo Vieira do Nascimento, prepa-rava cronogramas relativos a todas as etapas

dos processos - aspectos técnicos de recru-tamento, seleção e treinamento -, e produzia os instrumentos necessários à coordenação, controle e avaliação, mantendo permanente sistema de acompanhamento dos treinandos e programas orientativos de visitas técnicas. Por sua vez, a Coordenação Administrativa, feita por Carlos Walfrido de Campos Monteiro, equacionava formas de pagamento de pessoal em treinamento, preparava solicitações, verifi-cava a consecução dos pagamentos previstos, coordenava férias e frequencia.

Centros de treinamento – O processo seletivo realizado pela Eletronorte recrutou as seguintes categorias profissionais – des-pachantes de carga (12), supervisor de Operação (cinco), operador de subestação e usina (106), eletricista de linha de trans-missão (48), técnicos em eletrotécnica (16), eletrônica (40) e mecânica (dez). A distri-buição destes treinandos nos centros de treinamento dependia da especialidade de cada um. Cada categoria tinha um crono-grama a ser cumprido.

Coube à Eletrobrás avaliar e selecionar os centros de treinamento de Furnas; da Chesf, em Paulo Afonso (BA); de Formação e Aper-feiçoamento da Celesc (SC), utilizado também pela Eletrosul; da Cemig (MG), em Sete Lago-as; da Cesp e da CPFL, em Ilha Solteira (SP).

Em complementação aos cursos, os trei-nandos participaram de estágios em insta-lações de porte similares às da Eletronorte, visando vivenciar situações semelhantes às que se deparariam em seus locais de traba-

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lho. A etapa final do treinamento foi constitu-ída de cursos ‘on site’, ou seja, os treinandos voltavam para a Eletronorte a fim de conhecer especificamente o sistema, equipamentos e instalações onde iam trabalhar, os quais pos-sibilitavam uma adequada integração dos em-pregados à Empresa. Eles acompanharam o final da montagem dos equipamentos e testes de comissionamento dos sistemas de Tucuruí, para onde se deslocaram 182 pessoas; e Cou-to Magalhães, com 55 técnicos. Todo o pro-cesso durou cerca de dois anos.

O Centro de Treinamento da Cesp, em Ilha Solteira, recebeu 107 ‘gitianos’, dos quais 35 passaram também por, pelo menos, outro centro de treinamento, a exemplo de Marino que estudou na Chesf e Cesp. O coordenador dos cursos do GIT na Cesp, Tenysson de Ma-tos Andrade, hoje na área de Suprimentos da Eletronorte, relembra a excelência do centro. “Eram 36 salas de aula, um auditório, pátio com postes para treinamento do pessoal de distribuição, torres para treinamento do pesso-al de manutenção de linhas, alojamento com capacidade para 320 pessoas, restaurante

com cozinha industrial, quatro ônibus para levar os treinandos do alojamento ao centro. Traba-lhavam 110 pessoas apenas no treinamento, das quais 50 instru-tores”, ressalta Tenysson.

Em cada empresa havia uma coordenação que gerenciava a operacionalização do projeto e passava os dados para a Eletro-norte. Para Tenysson, contudo, o papel da Empresa naquele mo-mento não foi apenas formar um especialista. “O GIT foi um ponto

de inflexão para muita coisa, inclusive para a minha carreira profissional. Eu era o mais jovem coordenador de curso da Cespe. Tinha 25 anos. Atuávamos em todas as áreas – pro-fissional, social e pessoal. Um dia recebemos a notícia que um primo muito próximo de um treinando, que estava trabalhando em cam-po, havia falecido. Ficamos indecisos sobre que decisão tomar, uma vez que a amizade entre os dois era muito grande. Infelizmente, como não dava tempo de viajar para o veló-rio, tivemos que dar a notícia no dia seguinte, com mais calma. Isto tudo é riquíssimo, um aprendizado para a vida. De repente perce-ber que você dá aulas, coordena cursos, su-pervisiona o estágio, fica de olho se a pessoa recebeu o pagamento, atenta-se a questões cotidianas que não se referem apenas aos aspectos técnicos. É participar de uma trans-formação”, reflete.

Tucuruí recebeu a maioria dos ‘gitianos’ Ao encerrar o projeto GIT nº 04/78,

a maioria dos treinandos, 182 deles, encaminharam-se para Tucuruí, onde iriam operar e manter os sistemas de transmissão e geração do Pará. Como o sistema de transmissão ficou pronto em 1981 e a Usina, em 1984, parte dos ‘gi-tianos’ foi para algumas instalações que a Eletronorte havia encampado, como as usinas térmicas Miramar e Tapanã.

O engenheiro eletricista Delcídio Amaral (fotos), hoje senador (PT-MS), foi o primeiro gerente regional da Usina Hidrelétrica Tucuruí e teve a oportuni-dade de comandar os ‘gitianos’. “Co-mecei, primeiro, como chefe do núcleo pré-operacional de Tucuruí. Depois me transformei em gerente regional. O GIT foi uma das experiências mais exitosas que a Eletronorte teve. O resultado desse traba-lho foi espetacular, não só dando embasamento técnico, profissional e pessoal para aquele novo time de jovens, como também promovendo experiências extraordinárias, principalmente nos estágios”, destaca Delcídio.

Para ele, o GIT foi fundamental não apenas pela prepa-ração de técnicos para Tucuruí, mas para todo o sistema de transmissão. “A Eletronorte era uma Empresa jovem. Nós, praticamente, passamos a operar e manter um dos sistemas mais complexos do Setor Elétrico brasileiro, por meio do trabalho de jovens. Jovens engenheiros, jovens técnicos, que muito contribuíram com a geração de bons profissionais que a Empresa formou. A Eletronorte sinalizou para toda uma região que era fundamental para o sucesso de qualquer projeto, de qualquer investimento, a qualifica-ção da mão de obra”, conclui.

Amizade – Além da formação profissional, os centros de treinamento foram locais de verdadeiras e belas histórias de amizade não apenas entre treinandos, mas também entre estes e os instrutores. Como exemplo, temos o ex-instrutor de treinamento da Cesp e hoje coordenador de treinamento da Eletronor-te, Orlando Benedito Zarlenga. Na época do GIT, Zarlenga tinha 30 anos e se lembra que a aproximação com os ‘gitianos’ deu-se, princi-palmente, por serem todos jovens. “Entrosei-me com o pessoal desse grupo, até pela nossa juventude e pelo fato de estarem distante da terra natal. Eram todos ‘meninos’. As amizades foram muito fortes. Houve uma interação mui-to grande”, relembra.

Realmente, a interação entre eles foi tão grande que, ao serem finalizadas as atividades do GIT, o instrutor viajou com os treinandos para conhecer Belém. “O nosso vínculo tornou- se mais forte quando viajei para Belém e pude conhecer suas famílias. Empolguei-me com aquilo. Fiquei 15 dias na casa de um deles e o pai, Sr. Raimundo, foi muito gentil. Recebeu-me de braços aber-tos, de uma forma abnegada. Ali tive uma lição – eles faziam as coisas não esperando recompensas, mas, sim, de coração aberto. Mantenho contato até hoje. Sei onde a maio-ria deles se encontra. Há treinandos que, ao viajar, não me deixam ficar em hotel. Quando chego, já estão me esperando no aeroporto”, alegra-se Zarlenga.

Quando o instrutor saiu da Cesp, em 1987, poderia ter se aposentado depois de seis anos. No entanto, sua ida a Belém, an-teriormente, fez-lhe parar de pensar na apo-sentadoria e o motivou a vir para a Eletronor-te. “Cheguei à Eletronorte em 1987. Sempre falo das oportunidades que a Empresa nos dá. Tenho duas grandes paixões – a Eletro-norte e a Cesp. Aqui me realizei na área de educação e treinamento. Hoje ministro e coordeno cursos técnicos de manutenção e operação. Creio que a base para os futuros treinamentos foi o GIT. É muito gratificante saber que fizemos parte de um pouquinho do crescimento dos treinandos e podemos contar com a colaboração deles nas diversas atividades da Empresa”, frisa.

Tempos de datilografia – Em 27 de novem-bro de 1978, com 22 anos, o auxiliar adminis-trativo do GIT e hoje analista de Planejamento, Vitor Rodrigues Homem, entrou na Eletronor-te. Naquele período, a Empresa era uma uni-

Tenysson (acima) e Zarlenga

(à direita), ressaltam a amizade e o aprendizado

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dade pequena e ficava em Brasília no Palácio do Rádio, Asa Sul. Ele fez parte do grupo de apoio administrativo.

Na década de 70, não havia as facilidades atuais na área de informatização e nos proces-sos administrativos. Ao Vitor cabia datilografar toda a documentação dos treinandos. “Era muito exaustivo, pois naquela época não tínha-mos o computador. Tudo era datilografado. Era muito trabalho para poucas pessoas. Acompa-nhávamos todos os locais onde os ‘gitianos’ faziam os cursos e estágios, pois realizávamos transferências dos pagamentos, enviávamos as correspondências, fazíamos o controle das viagens. Tudo era feito usando a máquina de datilografia”, recorda Vitor.

Ele não tinha um contato direto com os trei-nandos, mas de tanto datilografar o nome de-les nas mudanças que faziam para diferentes partes do Brasil, desde o Nordeste até a Re-gião Sul, recorda dos nomes de muitos deles. “Manuseava o nome dessas pessoas pratica-mente todos os dias. Todos eram jovens com sonhos, expectativas, receios e medos, saindo de uma vida tranquila para lugares onde as oportunidades fervilhavam. Apesar de tudo, sabemos que a escolha foi bem feita. Foi um casamento bem sucedido entre a Eletronorte e os ‘gitianos’”.

“Acordávamos por volta das 6h da manhã. Tomáva-mos café no refeitório. Depois nos deslocávamos para os ambientes de aprendizado – sala de aula convencional ou laboratórios. No período matutino, os cursos inicia-vam-se às 7h30 e se encerravam às 12h. Após o almoço retornávamos para as aulas que terminavam às 17h30. A partir das 18h, os laboratórios de eletrônica, de circui-tos elétricos e as salas de desenho eram liberados para que pudéssemos fazer nossas tarefas de pesquisa, ex-periências e simulações. Geralmente nos fins de semana tínhamos folgas, exceto nos dias em que nos deslocá-vamos para visitas técnicas em usinas ou subestações. Sábado pela manhã íamos ao comércio. Nos domingos aproveitávamos também para conhecer as praias de Florianópolis, uma vez que minha turma fez o curso de operação na subestação do Centro de Formação e Aper-feiçoamento da Celesc”.

A rotina acima foi descrita pelo treinando do GIT e atu-almente gerente de Divisão Administrativa da Regional de Transmissão do Pará, Carlos Olimpio Casseb Quebra (foto menor). “Toda minha formação aconteceu na Re-gião Sul, nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. É importante destacar a organização do centro de treinamento. Até então, não tive a oportunida-de de conviver num centro de formação com aquela es-trutura. O meu conceito de escola era aquele tradicional. Tive oportunidade de vivenciar situações práticas nunca imaginadas, pois o que eu via na escola técnica era muito modesto em relação ao que comecei a presenciar quando

iniciei minha formação no GIT. Para mim o maior impacto foi cultural, pois o local onde estudei está situado em uma região colonizada por europeus, fato que refletia nas carac-terísticas físicas das pessoas, seus sotaques, bem como na maneira de se comunicar, alimentar e até na questão dos horários. Lá as pessoas se recolhiam muito cedo, talvez pela influência do próprio clima”, analisa Carlos.

Após terminar o curso, Carlos foi para as instalações que a Eletronorte havia encampado, como a Usina Térmica Mi-ramar, em Belém, uma vez que o sistema de Tucuruí esta-va sendo construído. “Depois disso passamos a integrar as equipes a fim de acompanhar a fase final da construção e o início do comissionamento das instalações onde iríamos operar. Em 1984, fui compor a equipe de operação de Tucu-ruí, que estava em fase final de construção”, recorda ele.

No momento em que começou a fazer parte da equipe de supervisores de operação, Carlos e seu grupo tiveram a res-ponsabilidade de não apenas estudar a Usina, mas também de repassar o conhecimento para um grupo de operadores que estava sendo preparado. Essa foi a primeira experiência como instrutor e perdura até hoje. “Passamos a fazer parte do corpo de instrutores dos operadores. Foi um curso de três meses. Foi a minha primeira experiência como instrutor na Eletronorte. De lá pra cá não parei mais de trabalhar com instrutoria não apenas na área operacional, mas também comportamental, pois depois de alguns anos me tornei psi-cólogo. Para mim é uma realização. Ensinar sempre foi uma área de meu interesse. Hoje também atuo como professor fora da Empresa”, afirma.

‘Gitiano’ amadurece conhecimento e torna-se instrutor

Vitor não esquece a

máquina de datilografia, e

os ‘gitianos’ (abaixo) não esquecem de

sua história

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Bruna Maria Netto

Final da década de 50: o então governa-dor do Estado de Rondônia, Paulo Nunes Leal, adquire uma turbina a vapor de 1.300 kVA e um conjunto de fôrmas para a fabri-cação de postes de concreto destinados à rede de distribuição da capital, Porto Velho. Ali começavam os investimentos no setor

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áS Rondônia reescreve a história do Setor Elétrico Eletronorte e empresas do Sistema Eletrobrás constroem empreendimentos fundamentais

elétrico do estado. Final da primeira década do século XXI: Rondônia é palco para Eletro-norte, Furnas, Eletrosul e Chesf erguerem a maior linha de transmissão do mundo, que distribuirá a energia elétrica gerada pelas usinas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madei-ra, hidrelétricas que também contam com a participação do Sistema Eletrobrás. Juntas, protagonizam um fato inédito na história do Setor Elétrico brasileiro.

A inovação se deve à atual configuração do Setor, que possibilita às empresas da holding atuarem em quaisquer áreas do território na-cional em conjunto com empresas privadas, por meio de Sociedades de Propósito Espe-cífico – SPEs. Se 1960 foi o ano que ilustrou a crescente intervenção estatal no setor de energia elétrica - resultando na consolidação de empresas públicas- o ano de 2008 cele-brou a solidificação do atual modelo do Setor Elétrico, com o arremate de lotes no leilão de transmissão do Madeira. O potencial hidrelé-trico de Rondônia é, enfim, redescoberto.

Antes de Jirau e Santo Antônio (fotos ao lado), uma hidrelétrica marcou a história de Rondônia e da Eletronorte, que surgiu jus-tamente para alavancar o desenvolvimento energético na região. O relevo, o clima, a densa floresta, a extensão e dimensão dos rios além da baixa densidade populacio-nal foram fatores marcantes na trajetória da Empresa. Enquanto as concessionárias atuantes nas demais regiões brasileiras puderam contar com uma rede básica de transportes, comunicações e serviços de saúde, a Eletronorte foi compelida a desen-volver soluções criativas para as condições de cada área e uma integração intensa e permanente com a sociedade, que marca-ram toda a sua atuação na Amazônia. Além disso, sua criação representou um marco

importante no processo de consolidação da Eletrobrás como agente responsável pela execução da política governamental de energia elétrica no Brasil.

Samuel - A Eletronorte apontava novas

fronteiras para o desenvolvimento de gran-des aproveitamentos hidrelétricos. O ano de chegada da Empresa em Porto Velho foi 1981, quando faltavam dez meses para Rondônia, até então território da União, tornar-se um dos estados brasileiros. Nessa época, com a instalação de sua unidade re-gional, a Empresa deu passos fundamentais para a sua afirmação no campo do planeja-mento e da operação de sistemas elétricos na Amazônia. Ainda em 1981, a Eletronorte iniciou a construção da Usina Hidrelétrica Samuel, no Rio Jamari.

Os primeiros estudos de Samuel – nome herdado da cachoeira que serviu de base para a instalação da Usina - foram feitos pelo médico veterinário Ari Marcos, que go-vernou Rondônia quando ainda era territó-rio da União. Ari percebeu que a Cachoei-ra de Samuel teria potencial elétrico. Após a criação da Eletrobrás, veio o Comitê dos Estudos Energéticos da Amazônia, o Ene-

A construção e operação de Samuel...

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ram. Esse Comitê que iniciou efetivamente o reconhecimento do potencial energético da bacia hidrográfica amazônica e apoiou a realização de estudos de viabilidade do aproveitamento da Cachoeira de Samuel, com 54 MW de potência instalável, capaz de substituir integralmente a geração ter-melétrica na capital do então território, bem como atender à demanda local de energia por longo tempo.

Com base no inventário de viabilidade, a

Eletronorte optou, em uma primeira etapa, pelo atendimento a Porto Velho e demais ci-dades do estado, por meio da implantação do aproveitamento em Cachoeira de Samuel, com cerca de 100 MW de capacidade insta-lada, operando na cota 80 m. Com o térmi-no da elaboração do projeto básico da Usina e a realização de um novo inventário do Rio Jamari, a montante do local previsto para a construção, e considerando o crescimento previsto para a região, viu-se que o aprovei-tamento era significativamente maior, com 216 MW de potência instalada.

A construção da Usina iniciou-se em 1982. A entrada da primeira unidade gera-dora, com 43 MW, ocorreu em 15 de julho de 1989. Hoje, a energia elétrica gerada pela Hidrelétrica, que foi concebida inicial-mente para suprir as cidades rondonienses de Guajará-Mirim, Ariquemes, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Vilhena, Abunã e Porto Velho, além de localidades em crescimento ao longo da BR-364, chega a 90% dos 52 municípios do estado e, desde 2002, pas-sou a alimentar também a capital do Acre, Rio Branco.

Vinte anos após sua construção, a Usina Hidrelétrica Samuel, marco no desenvolvi-mento econômico do Estado de Rondônia, passou a ser uma das principais atrações turísticas da região. Todos os anos, cerca de cinco mil pessoas visitam as instalações

de Samuel, que, somadas à energia gerada pela Usina Termelétrica Rio Madeira - de 90 MW - e à geração dos produtores indepen-dentes de energia, contabilizam 403 MW de potência instalada da Eletronorte em Porto Velho.

Transmissão - Não é apenas com o Li-nhão do Madeira que a Eletronorte marca sua passagem por Rondônia na área de transmissão, longe disso. Desde sua chega-da ao estado, a Empresa já construiu dez subestações transmissoras da energia da Hidrelétrica Samuel. A maior delas, Ji-Pa-raná, foi ampliada para, juntamente com a construção das subestações Pimenta Bueno e Vilhena, garantir um dos maiores empre-endimentos no cone sul do estado: a linha de transmissão Ji-Paraná/Pimenta Bueno/Vilhena, que permitirá a interligação dos estados do Acre e de Rondônia ao Sistema Interligado Nacional – SIN.

As duas linhas de transmissão já energi-zadas percorrerão pelo menos 280 km inter-ligando as subestações Ji-Paraná, Pimenta Bueno e Vilhena, beneficiando por volta de 207 mil pessoas daqueles municípios. Atu-almente, o Estado de Rondônia conta com 1.187,89 quilômetros de linhas de transmis-

...foi fundamental para sustentar a pujança econômica da região

A Eletronorte construiu o sistema de transmissão Acre/Rodônia

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Como funcionava a disputa por empreendimentos em leilões antes do novo Sistema Eletrobrás?Airton - As empresas do Sistema Eletrobrás nunca dis-

putaram entre si, ressalvada apenas para uma ocasião, quando houve uma disputa para estimular o leilão de Ji-rau e de Santo Antônio. Esse foi um caso excepcional, tanto que a direção do Sistema Eletrobrás oficializou a não disputa entre as empresas. A nossa política é atuar no sentido de buscar negócios de geração e transmissão. Vamos estar sempre participando, seja de forma isolada ou em parceria.

Gribel - Não houve, na verdade, mudança substantiva nos procedimentos de Furnas diante da nova configura-ção do Sistema Eletrobrás. Nossa participação nos leilões de outorga de empreendimentos de geração e transmis-são sempre foi previamente discutida e coordenada com a controladora que, em conjunto com as empresas do Sistema, definia quais os empreendimentos seriam dis-putados e por qual das controladas, assim como os parâ-metros econômicos e societários básicos para os leilões.

Mudou de alguma forma a visão da empresa com esse viés para empreendimentos em qualquer região do País?Airton - Nesse atual governo, que aprovou a parceria

público-privada, foi o nicho de negócio que a Eletrosul, bem como as demais empresas da holding, achou um bom espaço para crescer no ramo de geração e transmis-são, já que é uma parceria que reduz os investimentos do setor público em infraestrutura e solidifica o investimento em diversos empreendimentos. A Eletrosul, com a política do Sistema Eletrobrás, e o novo modelo do Setor Elétrico, é direcionada a participar de acordo com o melhor resul-tado para todo o Sistema.

Gribel - Ampliou-se o espectro de parcerias poten-ciais, contemplando, inclusive, as empresas do Sistema Eletrobrás. Levamos às outras regiões as nossas experiên-cias no trato das questões ambientais, mas sempre tendo em conta que cada região e cada empreendimento têm suas peculiaridades e contexto, que precisam ser identifi-cados e respeitados.

são em 69 kV, 138 kV e 230 kV, e 1.787 MVA de capacidade de transformação.

Além disso, a Eletronorte também rea-lizou a ampliação de oito subestações de energia, levando energia de qualidade e segurança para os municípios de Rolim de Moura e da capital, Porto Velho, benefi-ciando mais 418 mil pessoas ao total. E os investimentos da Empresa não param por aí: ainda está prevista para este primeiro semestre de 2009 a ampliação da Subes-tação Abunã, em Porto Velho, além de mais ampliações a longo prazo nas subestações Ariquemes e Ji-Paraná.

A Eletrobrás e o Complexo do Madeira - A Eletronorte iniciou em 1983 o inventário hi-drelétrico da Bacia do Rio Madeira em seu trecho nacional, a jusante da confluência do Rio Abunã, abrangendo uma área de aproxi-madamente 500 mil quilômetros quadrados. O inventário mostrou que os afluentes situ-ados na margem direita do Madeira apre-sentavam considerável potencial energético apontando, porém, a possibilidade de apro-veitamento apenas no trecho compreendido entre a foz do Abunã e a cidade de Porto Velho. Os estudos definiram a viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos em dois pon-tos no trecho a jusante da bacia: um próximo à Vila de Tabajara e outro a jusante da foz do Rio Anari. Esse segundo ponto foi escolhido para a implantação da Usina Ji-Paraná, com potência final de 512 MW.

Passados os anos, os estudos da Bacia do Rio Madeira foram ampliados e, 20 anos após o início do inventário feito pela Eletro-norte, o Sistema Eletrobrás voltava ao local, por meio de Furnas, que estudou o Comple-xo do Madeira. De acordo com Furnas Cen-trais Elétricas, a Hidrelétrica Santo Antônio empregará até 20 mil trabalhadores diretos no seu momento auge. As turbinas utiliza-das serão do tipo bulbo e cada uma terá ca-pacidade de gerar 72 megawatts, num total de 3.150 MW. Já a Usina Hidrelétrica Jirau terá potência nominal de 3.300 MW, gerada por 44 turbinas, alimentando dez milhões de casas em todo o País. Com a construção de linhas de transmissão será possível o es-coamento dessa energia em conexão com o Sistema Interligado Nacional – SIN.

Em breve, o Linhão do Madeira inicia mais um capítulo da história de Rondônia, ligando a Região Norte definitivamente ao resto do País.

De que forma foram feitos os ajustes para a formação das SPEs? Airton - Na verdade, qualquer participação da Eletro-

sul, seja de forma isolada ou em parceria, requer todos os atos legais. No que tange à participação em parceria, consideramos a Lei 10.848, que colocou o grupo Ele-trobrás em condição de participar de forma minoritária. Internamente nós nos organizamos, com grupos coorde-nados pela Diretoria de Engenharia, com a participação das áreas financeira, jurídica, de engenharia de operação e manutenção, com vistas à formação de propostas e dis-cussão do estabelecimento das parcerias com os sócios privados, tendo toda uma organização primando pelos cuidados e controle nesse tipo de sociedade.

Gribel - Não houve nenhuma alteração relevante. Os parceiros são selecionados a partir de chamada pública com ampla divulgação e submetidos a critérios rigorosos de demonstração de saúde financeira e situação fiscal. Como regra geral os agentes privados são majoritários nas SPEs, caracterizando-se, dessa forma, uma empresa pri-vada com participação minoritária do capital estatal.

Quais as vantagens e desvantagens de atuar em leilões por meio de SPEs? Airton - A grande vantagem para nossas empresas, de

estar participando de uma parceria com entes privados, é alavancar diversos empreendimentos em paralelo e iso-ladamente, que por muitas vezes encontram dificuldades por uma questão de restrição orçamentária ou financei-ra. A participação com ente privado permite no mínimo a fazer com que aquele capital trazido por ele nós não precisemos mais desembolsar, um item importante para relativas questões de garantias para o BNDES. O ente pri-vado, pela sua própria condição de dar e captar garan-tias, tem mais facilidades junto aos agentes financiado-res. Mas há momentos que, considerando a estratégia de um determinado negócio, é mais conveniente estar sozinho. A questão de estabelecer parceria ou ir a um leilão sozinho é uma questão de estratégia do Sistema Eletrobrás, até porque todas as decisões são tomadas em conjunto, sob a coordenação da holding.

Gribel - As parcerias virtuosas são aquelas que agregam ca-pacitações distintas e complementares, existentes nas empre-sas que se associam em prol da nova sociedade que se cria. Isso traz maior competitividade, assim como traz mais confiança aos agentes, os privados em particular, em participar da expansão do sistema elétrico brasileiro. Muitos agentes privados sentem-se mais seguros em participar dos leilões em companhia de empresas como as nossas, do Sistema Eletrobrás, pois sabem que agregamos efetivamente valor à parceria ao colocar nossa experiência em todo o ciclo de planejamento, projeto, constru-ção, operação e manutenção, com vistas a uma participação técnica, ambiental e financeiramente consistente nos leilões.

Houve alguma diferença nos estudos técnicos, financeiros e ambientais, na construção de empreendimentos na Amazônia em detrimento dos estudos que eram realizados anteriormente apenas na região geográfica? Airton - Qualquer leilão tem de primar pela boa prática da

engenharia. Garantido os aspectos legais expressos no edital do leilão, a Eletrosul deve, enquanto empresa de engenharia, bus-car o menor custo, e isso aderente à modicidade tarifária, que é a política do nosso Setor Elétrico atualmente, buscar a melhor solução para os projetos. Nesse sentido o projeto de Jirau, pelo seu porte, tanto financeiro quanto técnico, pelos aspectos am-bientais e desafios da engenharia, surgiram soluções bastante inovadoras. Nós fomos muito felizes na parceria com as empre-sas Suez, Camargo Corrêa e Chesf, além da Leme Engenharia, quando desenvolvemos uma solução que permitiu darmos o grande deságio que demos no leilão.

Gribel - Na área tradicional de atuação de Furnas, as regiões Sudeste e Centro-Oeste, há certo esgotamento dos potenciais hidrelétricos economicamente viáveis por explorar. Nossa apro-ximação com os potenciais do Rio Madeira, e o estudo de sua viabilidade, foi uma contribuição para a expansão da oferta de energia elétrica no País e, ao mesmo tempo, uma aposta no êxito de um enfoque totalmente distinto para a exploração dos potenciais amazônicos, com redução radical dos impactos am-bientais frente às tecnologias tradicionais. Temos certeza que a usina de Santo Antônio será um marco na história do Sistema Elétrico brasileiro.

Furnas e Eletrosul contam suas experiênciasDa mesma forma que a Eletronorte levará o

Linhão do Madeira até a cidade de Araraquara, em São Paulo, outras empresas do Sistema Eletrobrás estão unidas na expansão dos sistemas elétricos brasileiros. Responsáveis pelas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio – em formação de SPE – o assistente da Diretoria de Construção de Furnas, João Batista Gribel, e Airton Araújo Silveira, assistente da Diretoria de Engenharia da Eletrosul, contam sua experiência.

João Gribel Airton Araújo

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IA o desafio da transmissão em longas distâncias

César Fechine

A temperatura é de dois graus negativos e a neve cobre as ruas da pequena cidade de Ludvika, na Suécia. Mas não é o fator tempo que chama a atenção do engenheiro Camilo Machado Júnior. Juntamente com os enge-nheiros Claudio Roth, Patrícia de Oliveira e Leonardo Rocha, Camilo integra uma das equipes formada por técnicos da Eletronorte e da Eletrosul que estuda o projeto básico da linha de transmissão e das subestações que vão atender ao Complexo do Rio Madeira. Os estudos estão sendo feitos na sede da Asea Brown Boveri- ABB, na Suécia, empresa con-tratada para desenvolver o projeto básico. “O que mais nos impressionou foi um fator cultu-ral. Tivemos a surpresa de ver várias pessoas falando português. É que muitos trabalharam em Itaipu casaram-se com brasileiras e têm uma imensa simpatia pelo Brasil. Houve uma grande empatia e isso tem facilitado muito o nosso trabalho”, relata Camilo.

A construção das linhas de transmissão do Complexo do Rio Madeira, que transportarão a energia gerada nas usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, vai representar um gran-de desafio para a Eletronorte. Os 2.375 quilô-metros de linhas de transmissão são, até hoje, a maior extensão já licitada pela Agência Na-cional de Energia Elétrica – Aneel. “A linha de transmissão do sistema do Rio Madeira será, em breve, a maior em construção no mundo. Além de ser a maior, terá a particularidade de ser em corrente contínua”, afirma o diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte, Adhemar Palocci.

A Empresa compõe a Sociedade de Propó-sito Específico – SPE Norte Brasil Transmissora de Energia S/A, juntamente com a Eletrosul e Abengoa, constituída para construir o empre-endimento. O desafio será utilizar a tecnologia de transmissão em corrente contínua, ou High Voltage Direct Current – HVDC, o que é novida-de para a Eletronorte.

Atualmente, o único sistema de transmissão em operação em corrente contínua no Brasil é gerenciado por Furnas Centrais Elétricas, a partir da hidrelétrica binacional Itaipu, locali-zada no Rio Paraná (PR), fronteira do Brasil com o Paraguai. A primeira energização de uma subestação em corrente contínua desse sistema, ocorreu há 25 anos.

Esse sistema, um projeto híbrido de cor-rente contínua e corrente alternada, propor-ciona uma Receita Anual Permitida – RAP de R$ 466,8 milhões à Itaipu Binacional e registrou, em 2007, um índice de disponibi-lidade de 99,9%. A produção de 18 das 20 unidades geradoras da hidrelétrica, cada uma com capacidade de 700 MW, é recebida por Furnas na Subestação Foz do Iguaçu (PR). Metade das turbinas tem frequência de 60 Hz, enquanto a outra metade opera em 50 Hz para atender ao sistema elétrico paraguaio, o que resultou na concepção de um sistema de transmissão híbrido.

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A energia comprada do Paraguai em 50 Hz é transformada e retificada para corrente contí-nua (+ 600 kV) e transmitida por dois circuitos bipolos até a Subestação Ibiúna (SP), onde é novamente convertida para corrente alternada e frequência de 60 Hz. Já a energia gerada por Itaipu em 60 Hz segue, a partir da Subestação Foz do Iguaçu, por três circuitos de corrente alternada em 765 kV – a maior classe de ten-são existente na América Latina. Entre Foz do Iguaçu e a subestação terminal Tijuco Preto (SP), as linhas passam pelas subestações Ivai-porã (PR), um dos principais pontos de cone-

xão e intercâmbio energético das regiões Sul e Sudeste, e Itaberá (SP).

“O ganho desse leilão é uma grande opor-tunidade para a Eletronorte, tanto para o cor-po técnico, quanto para a relevância nacional e mundial da Empresa. Porque a nossa Em-presa, diferentemente de Furnas, que opera o sistema de Itaipu, nunca teve linhas em corrente contínua”, declara José Henrique Machado Fernandes, assistente da Coorde-nação de Implantação de Empreendimentos da Eletronorte (à esquerda).

Economia - Os estudos feitos pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, com a partici-pação de técnicos de várias empresas, entre os quais da Eletronorte, mostram que quando se tem um sistema de transmissão em longa distância, normalmente acima de 1.500 qui-lômetros, é preciso avaliar as alternativas que existem para transmissão, que são a corrente alternada (CA), a corrente contínua (CC) e a opção híbrida.

Segundo os estudos, a melhor alternativa econômica é construir a linha em corrente con-tínua, pois não são necessárias subestações intermediárias. “A linha em corrente alternada precisa de subestações a cada 400 quilôme-tros, aproximadamente. Essas subestações fazem a compensação das quedas de ten-são que ocorrem ao longo da linha e que são compensadas por uma série de equipamentos (foto abaixo), como reatores, compensadores

e banco de capacitores. E quando a transmis-são é longa, esses equipamentos encarecem o projeto. Num projeto como o do Linhão do Madeira seriam necessárias seis subestações intermediárias. A CC não precisa disso”, expli-ca José Henrique.

A linha de transmissão em corrente contí-nua tem um custo menor porque a linha em corrente alternada é composta por cabos con-dutores nas três fases. Na corrente contínua só há cabos condutores nos dois pólos, o po-sitivo e o negativo, formando o chamado bipo-lo, o que diminui o custo. Os estudos técnico-econômicos aprovados pela EPE concluíram que a solução em corrente contínua, para esse sistema, resulta numa economia de cerca de 30% em relação às alternativas de corrente alternada ou híbrida. Técnicos das empresas que integram a Norte Brasil Transmissora tam-bém estudam as melhores alternativas para a compra de cabos condutores de alumínio que vão compor o sistema (ver box).

Para discutir o projeto de interligação do Madeira, houve muito debate e a realização de fóruns e encontros. A linha de transmissão em tensão +600 kV vai começar em Porto Ve-lho (RO) e terminar em Araraquara (SP). Já existe todo um atendimento energético aos estados de Rondônia e Mato Grosso, com linhas de transmissão que levam energia às cidades de Cuiabá, Pimenta Bueno, Vilhena e outras, bem como reforços que estão sendo feitos nesses sistemas.

Além da linha, foi prevista uma ligação para o Estado de Rondônia, por meio de dois siste-mas denominados back-to-back, que é uma conversão da energia gerada pelas usinas do Rio Madeira para atendimento ao sistema Acre-Rondônia, de 400 MW cada.

Esse sistema, que compõe o lote A do leilão 007/2008 da Aneel, arrematado pela Norte Brasil Transmissora de Energia, também fun-ciona como uma espécie de barreira protetora para evitar perturbações no sistema de 230 kV. “É como se houvesse um sistema de cor-rente contínua e um de corrente alternada de costas um para o outro na própria subestação. A corrente alternada é transformada em cor-rente contínua, que é novamente convertida em corrente alternada para atender a esse sis-tema”, informa José Henrique.

“A região também vai receber a energia ge-rada pelo Madeira, tanto que no próprio lei-lão dessas linhas, há um reforço no sistema de Mato Grosso. Recentemente, houve o lei-lão do que se chama de Pré-Madeira, que é

Preços do alumínio em negociaçãoA construção das linhas de transmissão do complexo do

Rio Madeira vai exigir grande quantidade de cabos condu-tores de alumínio, commodity que tem o preço cotado em dólar no mercado internacional. “A quantidade de alumínio a ser comprada é de cerca de 70 mil toneladas que, a uma cotação de US$ 1.850 a tonelada, significa um investimen-to em torno de US$ 130 milhões, equivalente a R$ 260 milhões no câmbio atual”, explica Paulo Takao Yamamura, gerente de Estudos de Viabilidade Econômico-Financeira da Eletronorte (foto).

A compra do alumínio correspon-de a cerca de 25% do valor total do investimento em materiais e equi-pamentos para o empreendimento sob a responsabilidade da conces-sionária Norte Brasil Transmissora de Energia S/A. Considerando que o outro bipolo será construído pela Interligação Elétrica Madeira, sub-sidiária formada pela Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista – CTEEP, Furnas Centrais Elétricas e Companhia Hidro-Elétri-ca do São Francisco – Chesf, que adquiriu o lote composto pela outro circuito da linha de transmissão, as linhas do Madeira vão demandar 140 mil toneladas de alumínio.

A participação das empresas que compõem o Sistema Eletrobrás em cada um dos consórcios é de 49% e as em-presas estão procurando compartilhar as negociações. “Ao invés de negociar 70 mil toneladas, vamos negociar 140 mil, para termos um poder maior de barganha”, informa Takao. O trabalho inclui a cotação do alumínio também no mercado internacional. Além dos fabricantes nacionais, há fornecedores em países como a Rússia, Austrália, Es-tados Unidos, Canadá e China.

Diante da volatilidade do mercado mundial, as empre-sas estudam agora a melhor operação financeira para ga-rantir o preço e mitigar o risco de variação. A cobertura do custo das toneladas de alumínio normalmente é realizada por meio de um contrato na Bolsa de Metais de Londres – LME (London Metal Exchange, na sigla em inglês), único mercado global para este tipo de commodity.

As opções para evitar que as eventuais flutuações de preços, câmbio ou de juros encareçam a operação de aqui-sição por parte da transmissora são fazer hedge (proteção) cambial ou hedge da commodity. Segundo Takao, “no mo-delo escolhido para o leilão foi sugerido que se fizesse a proteção da variação do preço da commodity na LME.”

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um sistema em corrente alternada exatamente para atender os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso. O restante da energia vai para o principal centro de carga do País, que é a

Região Sudeste”, declara Palocci (ao lado).

O lote C é composto, basi-camente, por uma estação em Porto Velho que vai transformar a corrente alternada gerada pe-las usinas em corrente contínua para transmissão. Em Araraqua-ra, outra estação vai transformar a corrente contínua em corrente alternada para atender ao SIN.

E o lote G é composto pela li-nha de transmissão, que integra um dos bipolos que vai escoar

a energia elétrica gerada no Madeira. A RAP total a ser auferida pela Transmissora, descon-tados os deságios dos leilões, a partir da data de disponibilidade para operação comercial das instalações, será de R$ 363,3 milhões. O prazo para a conclusão de todas as obras é de 48 meses.

Projeto básico - Técnicos da Eletronorte, Eletrosul e da Abengoa participam da finali-zação do projeto básico da linha de transmis-são e das subestações, que será apresenta-do à Aneel. Com o projeto básico concluído, a Transmissora vai demonstrar que atende aos critérios estabelecidos para a realização do empreendimento no edital. Os estudos estão sendo feitos na sede da ABB, que vai fabricar e instalar os equipamentos das esta-ções conversoras. O valor do contrato soma R$ 1,2 bilhão.

O projeto básico detalha as característi-cas gerais do empreendimento por meio de programas que reproduzem as condições da linha de transmissão, a operação, os fluxos de carga e possíveis ocorrências de curto-circuito ou de descarga atmosférica. Ensaios que consistem no dimensionamento das es-tações conversoras servirão para definir as válvulas que serão utilizadas, corrente no-minal, isolamento e tensão. Os simuladores digitais vão replicar os controles e compo-nentes e simular as ações pré-operacionais para testar o projeto e as funções requeri-das no edital. Os estudos do projeto básico são acompanhados também por técnicos da EPE, do Operador Nacional do Sistema Elé-trico – ONS e do Centro de Pesquisas em Energia Elétrica – Cepel.

“Equipe Suécia”Engenheiros da Eletronorte e da Eletrosul foram

enviados à Suécia para trabalhar nos estudos e pla-nejamento do projeto básico da linha de transmissão do Complexo do Rio Madeira e subestações conver-soras. Inicialmente, a equipe trabalhou em conjun-to para verificar toda a documentação dos estudos elaborados pela ABB. Uma é responsável pelos es-tudos das especificações dos equipamentos, como os filtros, eletrodos, transformadores conversores e reatores de alisamento, que são alguns dos princi-pais componentes de um sistema elétrico em cor-rente contínua. Outra equipe trabalha com os main circuits (circuitos principais) do sistema HVDC, co-ordenação de isolamento, eletrodos de aterramento, sobretensões, controle e proteção.

O projeto tem características tão peculiares que o ONS, incumbido de analisar o projeto básico após a entrega por parte do empreendedor, está acom-panhando também os estudos. Relatórios semanais são feitos com informações sobre os estudos e liga-ções telefônicas sem custo, por intermédio do skype, mantêm as equipes do Brasil em contato com a Su-écia. De posse desses relatórios e de acordo com os pontos críticos e as pendências levantadas nos estudos, reuniões são agendadas para discussões técnicas com especialistas do Cepel. O resultado dos estudos será repassado à área de meio ambien-te para minimizar os possíveis impactos da linha em alta tensão.

As principais instalações das fábricas da ABB, onde são produzidas as válvulas do sistema HVDC e transformadores conversores estão localizadas em Ludvika, cidade de 25 mil habitantes, na pro-víncia de Dalarna, a 220 km de Estocolmo, capital da Suécia. Durante o inverno, a temperatura na ci-dade pode chegar a 25 graus negativos. No verão, nos dias mais quentes a temperatura pode chegar a 30 graus positivos. A bicicleta é o principal meio de transporte na cidade.

A diferença de fusos horários do Brasil para a Su-écia é de cinco horas, o que também exige muita disciplina e dedicação da equipe para manter a in-teração com os técnicos daqui e verificar o impacto dos resultados de um determinado estudo em ou-tro. “A ABB está sendo bastante transparente e nós temos acesso a toda memória de cálculo, planilhas e programas utilizados. A partir de agora, sempre que o planejamento consolidado pela EPE sinalizar que a opção mais econômica para a sociedade seja a corrente contínua, a Eletronorte estará presente”, conclui Camilo (foto à direita).

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Em um dos raros dias com temperatura amena, mais um dia de trabalho na sede da ABB

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Camilo Machado Júnior acaba de chegar da Suécia. Ele explica que o sistema em corren-te contínua possui aspectos peculiares como transformadores conversores, retificadores, re-atores de alisamento, isoladores, equipamen-tos de potência, eletrodos de terra e filtros. “No sistema HVDC, um dos aspectos mais impor-tante é o cálculo dos filtros, que corresponde a aproximadamente 50% da área ocupada

pela estação conversora. Esses filtros têm a função de assegurar a qualidade da energia, suporte de reativos e, entre outras, de que não haverá perturbações para os consumidores e interferências em sistemas telefônicos”, informa.

A configuração do sistema HVDC exige o aprofundamento dos estudos e, às vezes, a solu-ção apresentada pela ABB não é exatamente a solução apre-sentada no edital. Cabe, então, à Transmissora, juntamente com

o fabricante, demonstrar o atendimento aos requisitos do edital. “Estão em andamento estudos em diversas frentes. Por exemplo, no caso específico do back-to-back estava previs-

ta a implantação de compensadores síncronos e a solução apresentada pela ABB utiliza ca-pacitores em série. Mas todo o desempenho do sistema deve ser aprovado pelo ONS e pela Aneel”, explica Camilo.

“Esse projeto do Madeira é extremamen-te complexo, porque tem muitas interfaces e estudos de sistemas e desempenho que inte-ressam à Eletrobrás, ONS, EPE e Aneel. Os es-tudos serão considerados concluídos quando os resultados forem aceitos pela Eletronorte e Eletrosul, que fazem a engenharia do pro-prietário”, acrescenta o engenheiro de projeto Geraldo Nicola, que se integrou no fim do mês de maio à equipe que está na Suécia (foto à esquerda).

Já os estudos ambientais para obtenção da Licença de Instalação estão sendo conduzidos juntamente com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, bem como a realização das audiên-cias públicas. A previsão é de que em feverei-ro de 2010 seja obtida a licença para que as obras possam começar efetivamente.

“Agora, a Eletronorte tem a oportunidade de dominar a tecnologia de corrente contínua, o que será muito importante considerando que provavelmente outras grandes usinas serão construídas na Região Norte, com grandes distâncias a serem vencidas. Queremos o en-volvimento do maior número possível de téc-nicos para que esta tecnologia seja difundida internamente. Este é mais um dos grandes desafios que teremos e, com certeza, vamos responder da mesma forma que sempre res-pondemos, ou seja, de maneira satisfatória, atendendo, principalmente, às necessidades do País”, afirma Adhemar Palocci.

O que seria mais acessível? Um livro ou um computador? Em um cenário em que tecno-logias audiovisuais e multimidiáticas como a televisão e a internet têm influenciado cada vez mais na cultura de crianças e jovens, o livro parece ter perdido seu valor na forma-ção intelectual e educacional da juventude. Historicamente, o livro sempre foi considera-do um produto comercial, quando na verda-de deveria ser considerado um bem cultural. No passado, apenas pessoas com maior po-der aquisitivo tinham contato com a literatura. Hoje, um livro pode ser adquirido facilmente, não só pelo baixo custo dos exemplares, mas também pela criação de bibliotecas públicas, pela ação de instituições e por programas de incentivo à leitura.

Em todo o País, durante o ano inteiro, even-tos como o 2º Salão do Livro da Região do Lago

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IAL Salão do Livro consolida

Tucuruí como centro culturalde Tucuruí, realizado pela Eletronorte em par-ceria com o Governo do Estado do Pará, por meio da Secretaria de Cultura, ajudam a tra-zer a literatura para o cotidiano da população, que, segundo a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, publicada pela Câmara Brasileira do Livro, lê em média 1,8 livro por ano, enquan-to na França, país homenageado pelo evento, esse índice é de sete livros.

Parte de um projeto de descentraliza-ção da tradicional Feira Pan-Amazônica do Livro, realizada em Belém há doze anos, a segunda edição do Salão do Livro consolida o município de Tucuruí como polo de desen-volvimento cultural e tem o desafio de res-gatar a cultura literária principalmente entre os jovens.

Este ano, a estrutura montada no Comple-xo Cultural da Eletronorte superou a da edição

Governos estadual, municipal e Eletronorte unidos pela literatura

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anterior, abrigando 40 estandes e 29 exposito-res, arena de shows, praça de alimentação e espaço para apresentações teatrais, musicais e de dança.

Dividido em seis cidades com temáticas variadas, o 2º Salão do Livro recebeu uma média de público de duas mil pessoas por dia. A Cidade do Meio Ambiente teve grande destaque entre os visitantes pelas exposições e palestras abordando as consequências da ação do homem sobre o meio ambiente e pos-síveis soluções a serem adotadas no cotidiano do cidadão.

Na Cidade do Livro, nomes importantes da literatura participaram dos encontros literários e das sessões de autógrafos, proporcionando um contato mais próximo com os leitores. Na Cidade dos Escritores e Leitores, palestras vol-tadas para o campo educacional atraíram não somente professores e profissionais da área, mas alunos que acompanharam as discus-sões sobre temas de vestibular.

A Cidade das Letras proporcionou momen-tos diversificados. Ao mesmo tempo que man-teve uma programação literária com saraus e narração de histórias, abriu espaço para temas de interesse da juventude, como sexualidade, mercado de trabalho e a internet como ferra-menta de pesquisa.

O paralelo entre literatura e arte enrique-ceu a programação do evento. Na Cidade das Artes, apresentações teatrais, musicais e de dança atraíram um grande público para o Cine Roxi. Já na Cidade dos Saberes, educa-ção, arte e consciência ambiental foram disse-minadas por meio de oficinas e cursos.

O espaço infantil, integrado à Cidade dos Saberes ofereceu oficinas de técnicas circen-ses, confecção de marionetes, além da conta-ção de histórias que movimentou o “Café Lite-rário” durante todos os dias do evento.

No 2º Salão do Livro foi possível também conhecer o ônibus-biblioteca da Eletronorte, parte do projeto Educação Ambiental sobre Rodas, que há três meses trabalha com es-colas do município de Tucuruí. A população teve acesso à estrutura desenvolvida para dar um suporte educacional, que em breve tam-bém atenderá às escolas da região do entor-no do lago.

No final de cada dia do evento, as bandas e artistas regionais: Trilogia, Identidade do Sam-ba, Vinil Laranja, La Pupuña, Wilson Veloso, Impressão Digital, Pedrinho Callado, Marco André, Paramar, Grupo Quaderna, Bluetooth Tadeu e Cartola - empregado da Eletronorte - e Warilou concentraram o público na arena de shows e na praça de alimentação.

Cultura e educação - Promover cultura e educação é a realização da verdadeira respon-sabilidade social. Essa foi a ideia que norteou o evento. Incentivar o hábito da leitura é apenas mais uma das ações realizadas pela Eletronor-te, que tem contribuído com o avanço nos mu-nicípios da região do entorno da barragem.

Um total de 140 pessoas estiveram direta-mente ligadas à organização do 2º Salão do Livro. A Eletronorte contou com 121 colabo-radores envolvidos. O Governo do Estado en-viou 20 funcionários responsáveis também pela divulgação do Cred-Leitura, um incentivo financeiro oferecido aos professores da rede pública de ensino para adquirir livros didáti-cos. Para o 2º Salão do Livro foram disponibili-zados R$ 207.930,00 no Cred-Leitura.

A favela nua e crua - O bate-papo que rolou

entre o público e o escritor Paulo Lins evisce-rou a realidade da favela brasileira, sobretudo a rotulada favela carioca. Universitários, pro-fessores e alunos discutiram sobre a vida e a obra do escritor carioca que conviveu com a realidade madrasta do subúrbio retratada no livro Cidade de Deus. Paulo Lins falou de dis-criminação, preconceito, políticas públicas, crise mundial, cotas nas universidades e claro, literatura brasileira (foto abaixo).

Em alto e bom tom, o escritor apontou as diferenças da obra literária que é Cidade de Deus e o premiado filme homônimo de Fer-nando Meireles. “Há pouca relação entre as duas formas de transmitir a mensagem, mas a essência da obra foi mantida e por isso o sucesso”, avaliou. Para ele, Cidade de Deus é um marco da literatura contemporânea por mostrar a realidade cabal da sociedade que se degenera gradativamente. “O Estado tem de investir em educação, saúde, cultura. Só assim irá valorizar quem trabalha para manter este País e acabar com o crime”.

Segundo Lins, o hábito da leitura deve co-meçar na infância e as mães têm papel defi-nitivo nesse processo. A escola também, mas é preciso fazer que a atividade literária não se torne chata. “Livro é igual a assistir uma boa peça de teatro ou um filme; e a família e a es-cola ainda são fundamentais para despertar nas crianças o interesse pela cultura”.

Educação é arte - O 2º Salão do Livro da Região do Lago de Tucuruí reservou um es-paço totalmente dedicado às crianças. O que de longe pareceu uma grande brincadeira, na verdade foi uma forma de aproximar o público infantil da arte. As oficinas e cursos trabalha-ram as diversas formas de linguagens usando recursos da arte cênica e do circo, sem esque-cer o caráter lúdico proposto pelo espaço.

Ao aguçar os sentidos e a criatividade, agi-lizar os movimentos, desenvolver a coordena-ção motora e a concentração, as crianças aca-

Crianças e jovens foram maioria entre os visitantes

Vinte mil pessoas circularam pelo Salão do Livro de Tucuruí

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bam somando aspectos positivos no que se refere ao desempenho escolar. O instrutor de técnicas circenses, Marcelo Siqueira, garante que exercitar o corpo e a mente na infância é uma necessidade. “Dentro de casa nossos pais nos ensinam a escovar os dentes apenas com uma das mãos, na escola não é diferente. Este tipo de atividade complementa e ajuda na formação das crianças, porque assim elas tra-balham os dois lados do cérebro”.

Max Martins - O escritor e poeta paraense Max Martins foi homenageado no 2º Salão do Livro da Região do Lago de Tucuruí. Como pa-trono do evento, além de uma exposição sobre sua vida e obra (acima), foi aberta ao público a mostra Caminhos do Marahu para despertar o interesse do público para a extensa obra do poeta, falecido em fevereiro deste ano.

Max Martins nasceu em Belém do Pará em 1926. Autodidata, poeta da literatura pa-

raense colaborou com periódicos, publicou livros e recebeu em 1993 o prêmio de poesia Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasi-leira de Letras, pelo livro Não para Consolar. Max Martins morou toda a vida em Belém do Pará. Ao lado de Benedito Nunes, Francisco Paulo Mendes e Mario Faustino, viu chegar a modernidade na poesia brasileira, da qual se tornou um dos nomes mais importantes. Sua obra foi traduzida para o alemão, inglês e francês. Foi ele também o fundador da Casa da Linguagem

O poeta das praças - O poeta das Praças, Eduardo Santos (acima), conquistou o público nos corredores do Salão do Livro, reconheci-do como um dos poetas mais promissores e atuantes do Pará atualmente. A obra do autor é feita de modo artesanal, o que lhe rendeu a inclusão no livro de recordes (Guiness Book), como o maior produtor de livros artesanais do mundo, produzindo 118 livros em 24 horas. Desde os 12 anos escreve poemas. Recente-mente seu trabalho foi mostrado em 27 países pelo Amazon Sat, e também houve divulgação do seu na BBC de Londres, retransmitida para 16 países da Europa.

Há seis anos mantém o recorde como o po-eta que mais vende livros durante a Feira Pan-Amazônica do Livro realizada todos os anos em Belém. Por meio de sua livraria itinerante, adaptada em sua bicicleta, divulga sua poesia e comercializa seus livros nas principais pra-ças da cidade e da região.

Ônibus-biblioteca - Por meio do entreteni-mento, atividades lúdico-pedagógicas, acesso livre à literatura e às novas ferramentas de aprendizagem, como a informática, o ônibus-biblioteca da Eletronorte tem levado às escolas públicas e privadas do município de Tucuruí um novo suporte educacional. Inaugurado em março deste ano, o ônibus foi inteiramente adaptado para se tornar uma biblioteca itine-rante e receber a visita de crianças de todas as idades.

Ele é parte do projeto “Educação Ambiental sobre Rodas”, que a Eletronorte desenvolve, com uma programação voltada para a cons-cientização sobre as questões ambientais atra-vés de palestras temáticas, teatro de fantoches, baú da leitura e jogos virtuais educativos.

Poesia que rompe grilhões - Um grito de revolta ou um pedido de socorro? Implícito na obra do poeta Valdiclei Silvino dos Reis, “Poesia Libertária”, tenta abrir os olhos do leitor de for-ma crítica e um pouco ácida quanto às mazelas do mundo e os rumos da humanidade. Mais que criticidade, a obra independente chama a

atenção sobre as dificuldades que os escritores paraenses enfrentam para publicar um livro.

Sob os olhos atentos de professores e alu-nos, o professor Valdiclei observou a falta de incentivo aos escritores paraenses, sobretudo aos do interior do estado. A poesia libertária, ao contrário do que se imagina, não quer in-centivar ninguém contra o Estado, conforme explicou o autor. “O que está nos versos é um pedido de reavaliação de conceitos”.

Valdiclei é ativista social engajado na luta de classes. Militante político e crítico, o autor tra-duziu para o papel suas insatisfações, frustra-ções, sonhos, alegrias e as lições aprendidas que podem tornar o cotidiano mais valoroso. “A obra retrata o passar dos dias das pessoas, coisas e fatos atentando sempre para uma li-

O ônibus- biblioteca e a narração de histórias foram sensações marcantes

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mentos. Sentados lado a lado, o poeta Alonso Rocha, membro da Academia Paraense de Letras, e o escritor paraense Dilmar Batista autografaram livros e interagiram com crian-ças e jovens.

Alonso Rocha destacou a importância do evento pela necessidade de aproximar a crian-ça da literatura. “A leitura traz prazer e conhe-cimento. Você fica com um olhar mais amplo em relação ao mundo. O Salão do Livro é muito importante porque a nossa esperança de um mundo melhor está nas crianças. E quantas delas não sairão daqui amando os livros?”.

Para Dilmar Batista o evento além de apro-ximar autor e leitor, também é uma grande oportunidade para que os escritores da terra divulguem suas obras. Com a intenção de des-mitificar a temida Matemática, Dilmar lançou o livro Aprendendo e Brincando com a Tabu-ada, que traz um novo método de aprendiza-gem, buscando desenvolver a matemática de maneira fácil para que as crianças não criem medo dos números. “Esse livro mostra que a sabatina e a cartilha estão ultrapassadas. Com uma nova roupagem, cheio de cores e elemen-tos atrativos o livro proporciona prazer, além de uma nova cultura para aprender matemática”.

Enfim, mais de dez mil pessoas passaram pelo 2º Salão do Livro da Região do Lago de Tu-curuí. Com o sucesso do evento, a Eletronorte e o Governo do Estado do Pará já discutem a realização da terceira edição. Aguardem.

A Comissão Internacional de Grandes Bar-ragens (Icold-CIBG), realizou em Brasília no último mês de maio, o 23º Congresso Inter-nacional de Grandes Barragens, que reuniu 1.400 participantes de 88 países. Durante quase duas semanas de atividades, a maior or-ganização profissional do mundo, dedicada ao avanço da arte e da ciência de engenharia de barragens e à promoção do desenvolvimento sustentável e da gestão criteriosa dos recursos hídricos e hidrelétricos do mundo, discutiu a disseminação da tecnologia de barragens em prol dos países em desenvolvimento.

O presidente da Icold, Jia Jinseng, iniciou citando o Brasil: “O País é um dos maiores do mundo, com grandes rios e abundância de recursos hídricos. É também uma Nação que desempenha um papel muito importante na área de pequenas e grandes barragens. Tem algumas das maiores barragens do mundo; acredito que os especialistas em barragens têm grande interesse em verificar a experi-ência brasileira em matéria de planejamento, construção e operação de grandes barragens, em harmonia com o meio ambiente”.

Além das discussões técnicas e da apre-sentação de trabalhos, o Congresso reuniu empreiteiras brasileiras, empresas de geração de energia, engenharia e construção que apro-veitaram a Feira de Exposições para divulgar projetos e novas tecnologias. Além dos estan-

ção a ser aprendida. Um olhar realista e sem hipocrisia. A vida como ela é”.

Educação ambiental - Com foco na educa-ção ambiental, a maioria dos visitantes da Ci-dade do Meio Ambiente foi formada por crian-ças e jovens. Com um olhar curioso e sem conseguir conter a vontade de tocar em cada peça das instalações, as crianças participa-ram com entusiasmo durante toda a visitação. Stefane Cristini, de cinco anos, da Escola Irmã Ivone, afirma ter aprendido sobre os cuidados que deve ter com o meio ambiente. “Aprendi que o aquecimento global deixa o planeta Ter-ra com febre, que quando a gente queima a madeira o planeta fica doente e isso também faz mal para a saúde das pessoas”.

Segundo a diretora da Escola, Célia Boscai-ni, os temas abordados já vêm sendo trabalha-dos no cotidiano das aulas. No entanto a vivên-cia, o contato visual e o tratamento pedagógico aproximaram mais as crianças das questões ambientais. “É muito interessante quando uma organização se compromete e traz uma instalação como essa. O teatro é muito bom, uma apresentação didática melhora o entendi-mento das crianças, torna concreto o que elas aprendem na teoria. No final, elas acabam multiplicando o que aprendem na escola e em casa. Vivenciar é muito importante”.

A democratização do conhecimento - A in-teração entre autores e público proporcionou momentos de reflexão e troca de conheci-

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ADA Grandes barragens,

grandes ideiasdes, algumas empresas promoveram palestras técnicas. O Congresso também teve uma série de visitas – os chamados study tours – que percorreram o Brasil visitando usinas hidrelé-tricas. Os participantes conheceram, entre ou-tras, as usinas Tucuruí, Itaipu e Paulo Afonso.

Reconhecido pela capacidade técnica dos trabalhos apresentados, originários de diver-sos países, o Congresso discutiu nesta edição assuntos essenciais para a engenharia de barragens e o papel das barragens no desen-volvimento sustentável: barragens e energia hidrelétrica; gestão do assoreamento em re-servatórios já existentes ou novos; melhoria de barragens existentes e gestão da segurança de barragens.

De volta para casa - Depois de quase duas semanas de auditórios lotados, muita troca de experiências e informações técnicas, na mala de volta para casa, a sensação do dever cum-prido. “Estamos muito felizes pelos participan-tes que vieram ao evento e possibilitaram sua realização de maneira bem-sucedida”, come-morou o presidente do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens - CBDB, Edilberto Maurer. O secretário-geral da Icold, Michel de Vivo, anunciou as próximas reuniões da Comissão: no ano que vem no Vietnã; em 2011 na Suí-ça e em 2012, junto com o 24º Congresso da Icold, na cidade de Kyoto, no Japão.

Literatura e teatro, artes

que aproximam e apaixonam as crianças

Icold: especialistas em barragens valorizam a harmonia com o meio ambienteColaborou Denis Aragão, da Assessoria de

Comunicação Empresarial de Tucuruí

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O CBDB promoveu o Simpósio Internacional so-bre Barragens e Represas Multiuso. Edilberto Mau-rer explica o tema escolhido pela entidade brasilei-ra. “Escolhemos a questão dos reservatórios com usos múltiplos, pois é hoje um tema muito relevante para a comunidade técnica nacional. A prevalência do uso dos reservatórios para a geração de energia elétrica era muito intensa no passado e hoje temos uma demanda para outras finalidades, como con-trole de cheias, abastecimento de água, irrigação e navegação, por exemplo. É uma questão econô-mica que envolve diversos setores e é preciso que cada um deles esteja preparado para atender a essa demanda”.

Especialistas de di versas regiões do mundo dis-cutiram as contribuições que a engenharia de barra-gens pode dar ao desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. Para o ex-presidente da Icold,

Luiz Berga (ao lado), sem as barragens não haverá energia, nem vida. “A regulagem da água nos traz alimento, redução de enchen-tes e do impacto das secas, nos permite a navegação e a geração hidráulica. Temos aná-lises econômicas que mostram que o uso das represas está ligado ao desenvolvimento socio-

econômico dos países”. Segundo ele, a recuperação do ecossistema não é possível sem a eliminação da pobreza. “As discussões promovidas aqui vão nos ajudar a promover ações de desenvolvimento sus-tentável. Temos uma enorme experiência e estamos à disposição para enfrentar o desafio da eliminação da pobreza e do desenvolvimento sustentável”.

O representante de Burkina Faso (acima), Ada-ma Nombre, parabenizou e agradeceu à Comissão Internacional de Grandes Barragens pelo calendário de formação e treinamento que beneficia técnicos do mundo inteiro. “A construção de barragens co-meçou há mais de três mil anos, e na África há cer-ca de cem anos. Essas barragens representam um componente muito importante no desenvolvimento humano, contribuindo para a produção alimentar. Estamos investindo em outros usos, como a irriga-ção, fornecimento de água potável e o desenvolvi-

Este ano, durante as cheias da Região Norte, a cidade de Altamira (PA) foi inundada após o rompi-mento de dezenas de barragens particulares. Vinte mil pessoas ficaram desabrigadas. No Piauí o rompi-mento da barragem de Algodões matou oito pessoas. No Setor Elétrico, a preocupação com segurança tem produzido um know-how reconhecido internacional-mente. As barragens hidrelétricas certamente estão à frente no que diz respeito à segurança, até porque têm recursos para manutenção e investem nesse pro-cesso. Infelizmente temos diversos outros casos de barragens que não recebem a manutenção adequa-da, muitas estão até mesmo abandonadas”.

A declaração é do engenheiro civil Rogério Menes-cal (ao lado). Doutor em Recursos Hídricos, Menescal apresentou no Congresso da Icold um resumo de sua tese de doutorado defendida em fevereiro deste ano. Com o tema “Gestão de Segurança de Barragens no Brasil”, o engenheiro foi bastante elogiado pelos es-pecialistas pela abrangência de seu trabalho, no qual pesquisou arcabouços regulatórios de barragens em 28 países a fim de elaborar propostas para o Brasil. No trabalho “Segurança institucional e jurídica de barragem para o Brasil - uma proposta”, ele demons-tra que os acidentes ocorridos em diversas barragens brasileiras é um fato que exige solução em curto pra-

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“Não existe recuperação de ecossistema sem a eliminação da pobreza”

mento econômico e social, e temos um potencial hídrico de quase 90% ainda inexplorado”, afirma.

O vice-ministro de Recursos Hídricos da China, Jiao Yong, citou a Usina de Três Gargantas, que possui um forte impac-to social e um grande potencial de geração elétrica. “O controle de enchentes é um dos fa-tores mais importantes desse projeto, já que tivemos episódios de cheias que resultaram na morte de milhões de pessoas e na destruição de cidades”. Segundo ele, a estocagem de água e a produção de energia, além de me-lhorar a navegação, vão permitir que as comunidades possam se concentrar no desenvolvimento econômico e social, benefician-do o meio ambiente. “Durante todo o processo de construção pensamos em garantir a segurança e a melhoria da vida de milhões de pessoas, conquis-tando a confiança de cada uma delas”.

Especialistas alertam para a importânciada gestão de segurança de barragens

zo. Segundo ele, os constantes acidentes estão re-lacionados à forma como a gestão da segurança de barragens é tratada. Um grande problema, segundo ele, é a falta de vontade política para votar o projeto de lei nº 1.181/2003, que fixa claramente as atribuições de fiscalização aos projetos de barragens no Brasil. O projeto está parado na Comissão de Constitui-ção e Justiça – CCJ, do Senado Federal. “Isso é uma questão de mobili-zação da sociedade, pois não é um tema que moti-va os políticos a tocarem no assunto”, explica. Ao final do trabalho foram listadas 46 boas práticas para a segurança das barragens que incluem mecanismos de descen-tralização, transparência e participação pública.

As recomendações ela boradas pelo Comitê Brasi-leiro de Barragens e pela Associação Brasileira de Me-cânica de Solos e Engenharia Geotécnica - definidas e registradas em dezembro de 2008 - foram retomadas e enviadas a centenas de gabinetes parlamentares na Câmara e no Senado. Entre as recomendações está a aprovação, pelo Congresso Nacional do projeto de lei nº 1.181/03, da Câmara dos Deputados.

O documento pede ainda que o Governo Federal crie uma Comissão Federal de Segurança de Barra-gens para articular as ações e propor melhorias de gestão de segurança de barragens; que estabeleça um Programa Nacional de Segurança de Barragens e que os órgãos oficiais responsáveis pela outorga, autorização, concessão, controle e fiscalização de projetos e obras envolvendo barragens aprimorem seus procedimentos, incluindo os referentes à aná-lise de novos empreendimentos, e intensifiquem também as exigências das obras em andamento e das obras concluídas, visando sempre à prevenção de incidentes e acidentes com barragens. Outra sugestão propõe que as universidades e escolas técnicas verifiquem suas grades curriculares, insta-lações e laboratórios, de modo a adequar seus pro-gramas de formação profissional à cultura técnica de gestão da segurança de barragens. Para ver a íntegra do documento, acesse www.cbdb.org.br e clique no link Recomendações sobre Segurança de Barragens - CBDB/ABMS.

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Rose Dayanne Santana

Se “a formiga que dói é jiquitaia, oh! me-nina segura a saia”, como prosam e cantam os catireiros, susseiros, poetas e composito-res do Tocantins. Quiçá saber que o nome do estado, derivação da palavra tupi tucan-tim, quer dizer “nariz de tucano, nariz comprido, bicudo”. Nome de uma tribo indígena que te-ria habitado a região junto à foz do rio, o qual herdou o nome.

Por aqui, se vê o que em outro canto nem se imagina. Conhece capim dourado? Capim? Questiona a carioca, às portas do Galeão, im-paciente e afoita por retirar as pulseiras e os brincos que adornavam o corpo! Você não vai passar no detector de metais com esses aces-sórios, continua. Não vai ter problema, pois isso é capim! Convencer a carioca de que os acessórios eram feito de Syngonanthus nitens,

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nas asas do ‘Passarim do Jalapão’

não foi fácil. Típica da região do Tocantins, a haste que dá sustentação a uma pequena flor ficou batizada como capim dourado, devido ao seu brilho intenso e metálico.

Conhece o Jalapão? Lugar peculiar, que muitos consideram mágico. E o fervedouro ou ‘frevedor” – como dizem os nativos – um poço em que se mergulha e não se afunda. Um lugar que leveza maior não poderia pro-porcionar. E o Cantão, conhece? Parque Es-tadual, área de preservação ambiental, onde os biomas Cerrado e Pantanal encontram-se com a floresta amazônica. Sem falar da Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo, com 20 quilômetros quadrados de extensão.

Conhece sússia ou súcia, catira, Romaria do Bonfim, Festa do Divino Espírito Santo, bis-coito amor-perfeito? Se você já ouviu falar de alguma dessas coisas, com certeza, estavam falando do Tocantins. O caçula do País, uma

surpresa que se revela constantemente, um ‘tiquinho’ de floresta amazônica, cerrado em sua maioria, no centro do Brasil. Noviço, che-gando à sua maioridade.

Para o cantor e compositor Dorivan (ao lado), artista tocantinense que já representou o estado em eventos nacionais e internacionais, o Tocantins, principal inspiração do seu tra-balho, é uma região cultural e ecologicamen-te rica. “Temos etnias indígenas ainda muito virgens, uma cultura quilombola muito viva. O Jalapão, o capim dourado, o babaçu, o Par-que do Cantão, a Romaria do Senhor do Bon-fim, as cachoeiras de Taquaruçu, o patrimônio de Natividade, o amor perfeito de dona Nani-nha, a Ilha do Bananal e a nossa capital, que é a mais jovem do Brasil, menina dos olhos, com título merecido de capital ecológica. Sim, o Tocantins é culturalmente rico, musical até no nome que ‘toca e tins’”.

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É de carona com o cantor Dorivan e um de seus sucessos, “Passarim do Jalapão”, que vamos conhecer uma das maravilhas da Ama-zônia: “Passarim do Jalapão/me revele alguns segredos/teus mistérios e magias/cante ao povo brasileiro”.

Encantos - A cultura, os encantos naturais, a arquitetura e séculos de história fazem da região uma das mais belas do País. O Tocan-tins tem uma população total de 1.248.158 habitantes, segundo dados do IBGE (2007), possui 139 municípios. Banhado por dois dos rios brasileiros mais importantes, Tocantins e Araguaia, que juntos formam a maior bacia hidrográfica inteiramente situada em território brasileiro, o estado limita-se com seis outros: Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e Mato Grosso.

“Co yvy ore retama”, exclamou o povo to-cantinense em 5 de outubro de 1988, data de criação do estado. A expressão em tupi, que quer dizer “esta terra é nossa”, cunhada no brasão desde 1989. A sonhada consolida-ção do território federal do Tocantins remonta de décadas e até séculos. De acordo com o professor Júnior Batista, vem desde o século XVIII, quando a região foi desbravada pelos mineradores que buscavam extrair riquezas. Muitas gerações compartilharam o sonho de ver o norte de Goiás independente e o sen-timento separatista tinha justificativas históri-cas. “Os nortistas reclamavam da situação de abandono, exploração econômica e do desca-so administrativo e não acreditavam no desen-volvimento da região sem o seu desligamento do sul”, ressalta.

Segundo o professor, no final do século XIX e no decorrer do século XX, a ideia de se criar o Tocantins estava inserida no contexto das

discussões apresentadas em torno da redivi-são territorial do País. “O Congresso Nacional chegou inclusive a aprovar por duas vezes a criação, negada pelo então presidente da Re-pública, José Sarney”, explica.

Palmas, cidade planejada, tem uma beleza eclética, que une arquitetura moderna à Serra do Carmo e às águas do lago. Que dirá a Praça dos Girassóis, uma das maiores da América Latina, com mais de 10 mil m² de extensão. O espaço abriga alguns dos mais belos monu-mentos. Além do Palácio do Araguaia – sede do Governo do Estado –, encontra-se ali o Relógio do Sol, o Cruzeiro – local do primeiro evento ecumênico na capital –, Monumento à Bíblia, Monumento ao Centro Geodésico do Brasil; Memorial Coluna Prestes, Monumento aos Pioneiros e aos 18 do Forte. O nome da cidade é uma homenagem à Comarca da Pal-ma, criada pelo príncipe regente Dom João, em 18 de março de 1809.

Cachoeiras, dunas e trilhas - “Cacimba que

sacia a sede/ dessa gente que a gente nem vê/guarde um pouco dessa água/deixe esse povo beber”. A 32 km de Palmas encontra-se o dis-trito ecoturístico de Taquaruçu, que impressio-na pela paisagem serrana e bucólica. Um vale no alto da serra que, em meio a ribeirões e pal-meiras, proporciona clima ameno aos fugitivos ávidos dos comuns 40º graus palmenses. Das serras brotam aproximadamente 82 quedas d’água, formadas pelos vários córregos, que atraem visitantes à procura de trilhas, sossego e aventura. Se tiver muito tempo, conheça todas, senão, vale a pena ir às cachoeiras do Ronca-douro, do Escorrega Macaco, do Evilson, Vale do Vai-quem-quer e a Pedra de Pedro Paulo.

O ecoturismo é o principal segmento turís-tico do Tocantins. Consagrado como um dos mais belos destinos do Brasil, abriga regiões que encantam visitantes de todo o mundo. As principais rotas turísticas são o Jalapão; Serras Gerais e suas cidades históricas; Ilha do Bana-nal, lagos e praias do Cantão. Dos tempos co-loniais, o estado guarda as cidades históricas, como Porto Nacional, Natividade e Arraias.

Segundo a presidente interina da Agência de Desenvolvimento Turístico do Estado – Adtur, Regina Reis, o turismo é uma forte arma econômica, que de forma planejada pode transformar uma economia. “O turismo é um grande propulsor de empregos, e faz com que praticamente todas as áreas onde a atividade esteja acontecendo de fato, tenham desenvol-vimento econômico”.

“Por que a cachoeira da velha/se dá formiga em queda d’água/como é que aqui nasceram du-nas/se nem é beira de mar/e nas águas do ‘freve-dor’, por quê?/ que eu não consigo afundar!”

Uma terra de extremos – como avaliam mui-tos visitantes – que surpreende a cada instan-te. Lugar onde um dia foi mar e que atrai anu-almente milhares de turistas, o Jalapão oferece cachoeiras, paredões, dunas acobreadas aos pés da Serra do Espírito Santo, lagos e oásis de águas cristalinas. A região possui 34 mil km2 de extensão e abrange oito municípios: Ponte Alta do Tocantins, Novo Acordo, São Félix do Tocantins, Rio do Sono, Lizarda, Lagoa do To-cantins, Santa Tereza do Tocantins e Mateiros. Os amantes de esportes radicais arriscam-se nas areias áridas, ansiosos por testarem seus limites, seja no rafting ou nos rallys.

Segundo a Adtur, as dunas são um dos atra-tivos mais visitados do Jalapão. Resultantes do processo de erosão natural da Serra do Espírito Santo, elas podem ser consideradas a única formação de dunas em pleno cerrado de que se tem conhecimento. Com mais de 40 metros de altura, formadas por areias finas e acobrea-das, são delineadas pelo Córrego de Areias.

Já o efeito “efervescente” é difícil de expli-car. Mas você pode tentar, são dois na região do Jalapão: o Fervedouro de Mateiros e o Fer-vedouro do Alecrim, em São Félix. Com água morna e efeito borbulhante, a sensação é de estar numa piscina de hidromassagem. E o mais interessante é que as pessoas não afun-dam, nem querendo, pois a força que brota da água permite a flutuação no poço. O mo-tivo é o refluxo das águas que correm sobre a nascente subterrânea. O fervedouro é uma piscina de águas claras, com fundo de areias brancas. Cercado por bananeiras forma um poço com aproximadamente seis metros de diâmetro.

Ao sair do fervedouro, que tal um passeio no Rio Novo, um dos últimos de água potável do planeta, nascido nas veredas da Serra Ge-ral. Mais de 50 corredeiras, que no rafting são classificadas como classe II, III, III+, reservam cenários somente apreciados pelos pratican-tes da modalidade, devido à falta de acesso terrestre.

Do Rio Novo, dê uma passadinha nas ca-choeiras da região. Entre as mais visitadas es-tão a Cachoeira da Velha, em formato de ferra-dura, possui cerca de 100 m de largura e 25 m de queda livre; e a Cachoeira da Formiga, famosa pelas águas cristalinas em tons de azul e verde esmeralda.

O melhor período para conhecer o Jalapão é entre os meses de junho a setembro, época de estiagem. Para chegar, a partir de Palmas, siga 64 km pela rodovia TO-50, até Porto Nacional e depois 116 km pela TO-255, até Ponte Alta do Tocantins, porta de entrada do Jalapão.

Além desses encantos, existem outros dois santuários, o Parque Estadual do Cantão e a Ilha do Bananal. Contemplado pela magnitude do Rio Araguaia e seus afluentes, o Cantão é um cenário ideal para prática de pesca espor-tiva, trilhas aquáticas e terrestres. Lá, encon-tram-se três ecossistemas: floresta amazônica, pantanal e cerrado, numa área de aproxima-damente 90 mil ha, por onde também passam os rios Coco e Javaé, abrangendo os municí-pios de Pium e Caseara. No Parque é comum encontrar onças pintadas, jacarés, ariranhas, tartarugas e muitas espécies de aves e peixes.

Do Parque do Cantão direto para a maior ilha fluvial. Com área total de 1.916.225 hec-tares, a Ilha do Bananal é um santuário ecoló-gico, que encanta pela diversidade da fauna e flora. No santuário, existem mais de 1.580 espécies de pássaros catalogadas. Dividido por dois parques – o Parque Nacional do Ara-guaia, ao norte; e o Parque Indígena Araguaia, ao sul – é delimitado pelos rios Araguaia e Ja-vaé. Na estação chuvosa, aproximadamente 80% de seu território ficam sob a água, for-mando pantanais transponíveis apenas por embarcações. Nos meses de seca surgem as praias de água doce.

Capim dourado - “Costura” é o nome que

se dá a arte de transformar o capim doura-do in natura em artesanato. De acordo com a Fundação Cultural do Tocantins, a técnica de costurar hastes de capim dourado tem

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origem indígena e começou na região do Ja-lapão há aproximadamente 80 anos, quando a arte foi repassada aos moradores do povoa-do de Mumbuca. A precursora do artesanato em capim dourado, como meio de sustento, foi Guilhermina Ribeiro de Sousa, conhecida como dona Miúda, matriarca da comunidade, que repassou a técnica para a família. Assim, de mães para filhos, as técnicas do artesana-to foram disseminadas na região. Mumbuca é um povoado reconhecido como comunidade

remanescente de quilombos, localizado a 32 km da cidade de Mateiros.

O capim dourado é uma planta nativa do Tocantins, encontrada nas veredas, na região do Jalapão. A colheita deve ser feita apenas uma vez por ano, de setembro a novembro. É delicada e exige cuidado na hora do corte, para deixar no lugar as sementes que estão localizadas na ponta da haste do capim. A ma-téria-prima é fonte de renda de muitas famílias artesãs espalhadas pela região, que estão em sua maioria em Mateiros, Santa Tereza, Ponte Alta, Lizarda, Lagoa do Tocantins, Novo Acor-do e São Félix. Com a planta é possível con-feccionar inúmeros produtos artesanais, como relógios, bolsas, potes, pulseiras, brincos, mandalas, chapéus, enfeites. As peças são normalmente arredondadas, pois a fibra não permite dobras. Para costurar e confeccionar as peças de capim dourado, os artesãos utili-zam fios de palha de buriti.

O brilho do capim dourado tornou-se um dos principais cartões postais do estado. Além de ser o principal meio de subsistência das co-munidades da região, sua exuberância e bele-za singular conquista admiradores em todo o Brasil e no exterior, movimentando o turismo no Tocantins.

Religiosidade - “Rezadeira de bendito/faça

um chapéu pra mim!/que é pra eu poder usar/quando eu for lá pro Bonfim”. As manifestações culturais tocantinenses estão normalmente

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Amor-perfeitoAprenda a fazer com Dona Naninha o saboroso biscoito fino do Tocantins:

Ingredientes:1 prato de tapioca 800 g de açúcar refinado400 ml de leite de coco250 g de manteiga de leite Modo de fazer:Misture todos os ingredientes, menos o leite de coco, com cui-

dado e amasse bem com as mãos. Coloque o leite de coco aos poucos e amasse devagar. Deixe descansar por alguns minutos até que o açúcar desapareça na massa. Para fazer o formato de flor é preciso enrolar bolinhas e cortar um dos lados em formato de cruz. Asse em forno médio por cerca de dez minutos.

atreladas às festas em comemoração aos san-tos da igreja católica. “Nossa riqueza cultural está ligada às formas de expressão e à religiosi-dade do povo que tem uma característica pró-pria e se expressa nos saberes e fazeres da sua gente. Rico na sua diversidade se apresenta no encanto de manifestações culturais, na devo-ção e fé dos romeiros; na história do patrimônio histórico e arquitetônico, nos monumentos e casarios; na beleza das matérias-primas, rique-za e cores do artesanato; na dança; nos ritmos, melodias e letras regionais da nossa música; na simplicidade e marca forte das comunida-des quilombolas e indígenas; na literatura e nas técnicas e cores utilizadas pelos nossos artistas plásticos e visuais”, descreve o presidente da Fundação Cultural, Júlio César Machado.

De acordo com o historiador da Funda-ção Cultural do Tocantins, Antônio Miranda, as principais manifestações culturais do To-cantins são a Romaria do Senhor do Bonfim (em agosto), nos municípios de Natividade, Araguacema e Fortaleza do Tabocão; as cava-lhadas (também em agosto), em Taguatinga; a Festa Geral do Carmo (em julho), ao Divi-no Espírito Santo, Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Mon-te do Carmo; a Festa dos Caretas que ocorre na Semana Santa, em Lizarda, e os festejos ao Divino Espírito Santo, típico na maioria dos municípios do Estado.

A Festa do Divino Espírito Santo é símbolo cultural do Tocantins, pois além das cantigas, as folias também possuem danças típicas, como a sússia e catira. Agitada por tambores e cuícas, um bailado em que homens e mulhe-res gingam em círculos, a sússia, também co-nhecida como suça e súcia, é uma dança de origem escravagista. A Jiquitaia, por sua vez, é um passo da sússia. Já a catira é realizada aos pares, que bailam ao som das mãos e dos pés, como um sapateado compassado. A dança também acontece durante os giros das folias de Reis e do Divino. Os atores são catireiros, músicos repentistas que trovam poemas, com pandeiros, caixa e viola.

Gastronomia – Amor-perfeito tem em To-cantins. Um biscoito fino, saboroso, aparente-mente simples de fazer e que conquista quem se delicia dele. O berço de sua produção está na região sudeste, especialmente em Nativi-dade, manuseado pela famosa dona Naninha. O sequilho é produto cultural que leva poucos ingredientes. Mas, como ressaltam as boleiras é preciso ter ‘ciência’ para fazê-lo.

De acordo com a idealizadora do proje-to Sabores e Saberes, a jornalista Seleucia Fontes, a culinária do Tocantins absorveu e absorve muitas influências dos estados vizi-nhos. “A ocupação dessa região se deu pelo norte, com a vinda de nordestinos criadores de gado, isso há três séculos, e do sul, com as entradas e bandeiras paulistas. Por isso é co-mum reconhecer como pratos típicos a farofa de carne seca e o arroz maria-isabel (pratos nordestinos); e o arroz com pequi (goiano)”, declara.

“Teus morros povoaram sonhos/criando mistérios e lendas/desenharam templos em pedras/coisas que eu nem sei cantar”.

Valorizar a cultura é valorizar a história de vida do seu povo. Assim, alguns sonhos, ro-teiros e mistérios foram contados aqui. Mas, existem outros, como prosa o artista, que ain-da não sabemos cantar.

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Foto: Thiago Sá

Foto: Anderson Silva

Artesanato com capim

dourado e as cavalhadas:

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Erramos - na edição 225 da revista Corrente Contínua, na reportagem intitulada “Em Tucuruí, co-operativas geram renda e esperança”, erramos alguns dados, que corrigimos nesta edição: o número de expropriados para o qual o Proset foi criado não é de 600, mas de 2.343 famílias; e no texto sobre a produtividade da Cooperativa Agroindustrial e Comercial dos Expropriados de Tucuruí, a primeira produção não foi de nove mil toneladas de peixes, mas sim de nove toneladas. A redação mantém as demais informações publicadas.

“Meu nome é Thiago e trabalho na área de equipamentos de pátio para SEs de alta tensão. Atualmen-te curso mestrado na área de sistemas elétricos de potência na Universidade Federal de Itajubá (MG). Recentemente li a publicação Corrente Contínua e achei as reportagens e textos muito interessantes. Gostaria de saber se é possível receber esta publicação?”.

Thiago Souza - Itajubá – MG

“Recebemos e agradecemos a revista Corrente Contínua. Temos certeza de que irá enriquecer sobremaneira, nosso acervo, por ser fonte de informação preciosa para os usuários desta biblioteca”.

Maria Hilda de Medeiros Gondim - Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Coleções da Biblioteca Central da UFPA - Belém – PA

“Apraz-nos o recebimento da revista Corrente Contínua, nº. 225, a qual traz artigos relevantes para pesquisa e abstração de conhecimentos. Ademais, parabenizamos pelo belo artigo “Quem foi ao Pará parou, tomou açaí ficou”. Esperamos continuar recebendo a sua doação. Sucesso!”

Antonia Farias da Costa Sousa – Bibliotecária da Fundação de Telecomunicações do Pará – Belém - PA.

“Prezado senhor Jorge Palmeira, agradeço sua doação da revista Corrente Contínua, a qual será muito utilizada pelos nossos usuários em suas pesquisas. Peço se possível a continuação de doações das publicações de sua instituição”.

Rosa Elena Leão Miranda - Bibliotecária da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Pará - Belém - PA

“Recebemos e agradecemos o envio da revista Corrente Contínua, pois será de grande importância para o nosso acervo. Gostaríamos de continuar recebendo doações”.

Mara Patrícia - Divisão de Processamento Técnico - Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá

“Parabenizo os colegas pela excelente matéria da revista Corrente Contínua sobre a questão dos gases de efeito estufa nas usinas hidrelétricas. Ela é mais que informativa, é instrutiva para o leitor que ainda não conhecia o tema. Acredito que muitos colegas de empresa não sabiam que hidrelétricas também podem ser fonte de emissões de GEE. Mas como a própria matéria conclui, ainda serão ne-cessárias muitas pesquisas até que se tenha um conhecimento técnico-científico mais aprofundado desses fluxos de GEE. O assunto é estratégico para o setor elétrico”

Osmar Vieira Filho - Coordenação de Viabilização de Negócios da Eletronorte - Brasília - DF

“Prezado Alexandre, vi a revista e achei muito bem feita. Creio que você e sua equipe usem toda energia e alegria para produzi-la. Parabéns!”

Zuleica Nogueira Delfim - Centro de Pesquisas de Energia Elétrica - Cepel

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Sabe lá Deus onde... Quem é esta mulher que vai aí dentro?Quem é o dono de tantos pensamentos?E como elas passam rápido por nósEsses homens sós Que universo é esse o desta criatura?Quer aprender tudo e já sabe tanto.Pra onde vai a menina quando vem a moça?Pra onde vai a mãe quando a avó se apresenta?A estudante, a viajante, a companheira, a dona dos nossos sonhos, a trabalhadoraEu sou apenas o barco. Viaje no meu corpo que te levo longeMesmo sabendo que vais me deixar depois...Sabe lá Deus onde...

Texto: Byron de QuevedoFoto: Rony Ramos

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