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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X CORPOS QUE (DES)OCUPAM O PALÁCIO DO PLANALTO: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE DUAS FOTOGRAFIAS Renata Orlandi 1 Luciana Iost Vinhas 2 Resumo: Seria o brasileiro um povo sem memória ou refém de registros dominantes, naturalizados, alienados e paralisantes? Lacunas mnemônicas e fragilidades no debate político dão lugar a que e a quem? Com a pretensão de provocar inquietações concernentes às questões suprarreferidas, lançaremos mão da categoria de gênero e do dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso visando refletir a partir de materialidades imagéticas atreladas a um acontecimento histórico: a aprovação no Senado Federal do impeachment da primeira Presidenta brasileira. Com relação aos registros fotográficos aqui analisados, elegemos, de um lado, a fotografia de Dilma Rousseff, a Presidenta afastada, e sua equipe de governo; de outro, Michel Temer, o Presidente interino, acompanhado por sua composição ministerial. Tais imagens materializam elementos radicalmente antagônicos, apesar de representarem, supostamente, o “mesmo” projeto de governo debatido e aprovado nas urnas. Estas fotografias intradiscursivamente mobilizam sentidos de diferentes ordens, os quais podem (e devem) ser problematizados sob a analítica de gênero. O presente trabalho pretende evidenciar os elementos materiais que apontam para uma ruptura fascista no estado democrático de direito travestida de mudança de governo, de discurso conciliatório. Palavras-chave: Corpo. Imagem. Relações de gênero. Violência simbólica. Discurso. Seria o brasileiro um povo sem memória ou refém de discursos dominantes, naturalizados, alienados e paralisantes? Quais são os efeitos de sentido possíveis e impossíveis de circular a partir da imagem de um novo governo brasileiro composto quase exclusivamente por homens brancos? Houve, de fato, alguma mudança nas representações sobre o feminino com as políticas públicas implementadas pelos governos tidos como “de esquerda” nos últimos anos? O presente artigo começa assim: com muitos questionamentos. Perguntas emblemáticas do atual momento sócio-histórico-ideológico que atravessa a formação social brasileira; as incertezas são o próprio emblema, sintoma frente à quebra operada no funcionamento da jovem democracia nacional. As respostas para a “necessidade” do corte democrático pousam sobre diferentes possibilidades. As genéricas demandas por combate à corrupção, a tentativa de recalcamento de operações da polícia federal envolvendo investigados em crimes de corrupção, como a Operação Lava-Jato, e o desejo de satisfazer a determinados setores da elite empresarial brasileira são algumas das muitas respostas para a pergunta: por que destituir Dilma da Presidência por meio da aparente “legalidade” do discurso sobre um crime de responsabilidade? Crime o qual, ironicamente, 1 Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Blumenau-SC, Brasil. 2 Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pelotas-RS, Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

CORPOS QUE (DES)OCUPAM O PALÁCIO DO PLANALTO: UMA

ANÁLISE DISCURSIVA DE DUAS FOTOGRAFIAS

Renata Orlandi1

Luciana Iost Vinhas2

Resumo: Seria o brasileiro um povo sem memória ou refém de registros dominantes, naturalizados,

alienados e paralisantes? Lacunas mnemônicas e fragilidades no debate político dão lugar a que e a

quem? Com a pretensão de provocar inquietações concernentes às questões suprarreferidas,

lançaremos mão da categoria de gênero e do dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso

visando refletir a partir de materialidades imagéticas atreladas a um acontecimento histórico: a

aprovação no Senado Federal do impeachment da primeira Presidenta brasileira. Com relação aos

registros fotográficos aqui analisados, elegemos, de um lado, a fotografia de Dilma Rousseff, a

Presidenta afastada, e sua equipe de governo; de outro, Michel Temer, o Presidente interino,

acompanhado por sua composição ministerial. Tais imagens materializam elementos radicalmente

antagônicos, apesar de representarem, supostamente, o “mesmo” projeto de governo debatido e

aprovado nas urnas. Estas fotografias intradiscursivamente mobilizam sentidos de diferentes ordens,

os quais podem (e devem) ser problematizados sob a analítica de gênero. O presente trabalho

pretende evidenciar os elementos materiais que apontam para uma ruptura fascista no estado

democrático de direito travestida de mudança de governo, de discurso conciliatório.

Palavras-chave: Corpo. Imagem. Relações de gênero. Violência simbólica. Discurso.

Seria o brasileiro um povo sem memória ou refém de discursos dominantes, naturalizados,

alienados e paralisantes? Quais são os efeitos de sentido possíveis e impossíveis de circular a partir

da imagem de um novo governo brasileiro composto quase exclusivamente por homens brancos?

Houve, de fato, alguma mudança nas representações sobre o feminino com as políticas públicas

implementadas pelos governos tidos como “de esquerda” nos últimos anos?

O presente artigo começa assim: com muitos questionamentos. Perguntas emblemáticas do

atual momento sócio-histórico-ideológico que atravessa a formação social brasileira; as incertezas

são o próprio emblema, sintoma frente à quebra operada no funcionamento da jovem democracia

nacional. As respostas para a “necessidade” do corte democrático pousam sobre diferentes

possibilidades. As genéricas demandas por combate à corrupção, a tentativa de recalcamento de

operações da polícia federal envolvendo investigados em crimes de corrupção, como a Operação

Lava-Jato, e o desejo de satisfazer a determinados setores da elite empresarial brasileira são

algumas das muitas respostas para a pergunta: por que destituir Dilma da Presidência por meio da

aparente “legalidade” do discurso sobre um crime de responsabilidade? Crime o qual, ironicamente,

1 Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Psicologia da

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Blumenau-SC, Brasil. 2 Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Programa de Pós-

Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pelotas-RS, Brasil.

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foi descaracterizado como tal no dia seguinte ao afastamento da primeira mulher a ocupar a

Presidência da República brasileira.

Entre os manifestantes que se posicionaram contra o governo Dilma, chama a atenção o fato

de que a elite empresarial e a classe política (e empresarial) investigadas pela Polícia Federal

representam uma minoria assustadora dos interessados na derrocada de Dilma, fazendo parecer que

os manifestantes que se consagraram pelo ato de bater panela durante os pronunciamentos da

Presidenta queriam tirá-la por outros motivos, destacando-se a dimensão (a)política, midiática e o

atravessamento de relações consumo e gênero neste cenário. Tais motivos, entretanto, carecem de

qualquer articulação com algum tipo de argumentação que corrobore a hipótese do impeachment.

Atentando nossos ouvidos para escutar a forma como muitas brasileiras e brasileiros se referem à

Presidenta eleita, temos: “vaca”, “jumenta”, “desqualificada”, “nojenta”, “desgraça”. Essas são

algumas das designações empregadas pela burguesia e pelas classes trabalhadoras médias

brasileiras para fazer referência à mulher que ocupava o lugar de maior poder no Estado brasileiro.

Manifestantes com necessidades muito distintas que assumem a mesma bandeira, unificados pela

naturalização das assimetrias nas relações de gênero, às quais atentaremos no presente trabalho.

Diferentes materializações do discurso de ódio para com a Presidenta têm circulado nas

ruas, nos corpos, nas redes sociais online. Destacamos que, apesar de democraticamente eleita, sua

presença neste espaço de poder causou estranhamento desde o inaugural emprego deste termo:

Presidenta. A pressuposição de não existir um equivalente feminino na língua portuguesa expressa

claramente a ideia de que tais postos não são destinados às mulheres. Entretanto, compreendemos

que essa prática desqualificadora de sua competência para governar ganhou maior força a partir das

chamadas “marchas de junho de 2013”, quando o movimento Passe Livre, o qual é apartidário em

lugar de anti-partidário3, foi substituído, por uma operação metafórica4, por movimentos

nacionalistas anti-corrupção claramente avessos ao diálogo com partidos políticos (entre os gritos

de ordem, não raro, esbravejou-se “Sem partido!”, “Sem bandeira”, “O povo unido não precisa de

partido”). E a metáfora ainda deriva para o anti-petismo e, finalmente, para o anti-Dilma. As

ofensas dirigidas à Dilma quase sempre a atacam através das características que a representam

como mulher: adesivos colados na entrada da bomba de gasolina de carro, sugerindo estupro,

foram, talvez, uma das materializações mais violentas dos efeitos de um grave ressentimento da

burguesia contemporânea, atualizando um discurso machista no “seio” do jogo político, discurso

3 Informação disponível em http://tarifazero.org/mpl. Acesso em 12 de dezembro de 2016. 4 Tomamos operação metafórica conforme a leitura que Pêcheux (2009) faz de Lacan: uma coisa por outra, um

significante por outro significante. O processo de substituição pode provocar derivas nos processos de significação.

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este também adotado pela classe trabalhadora que almeja o seu lugar ao sol entre os privilegiados,

aparente estratégia semântica para simular o pertencimento à mesma, gozando, assim, do status a

ela atrelado. O rechaço à figura de Dilma se intensifica por ser uma mulher vinculada a um partido

político de esquerda ocupando a posição máxima de poder em uma República.

No presente texto, buscamos levantar questionamentos sobre os corpos que têm

governabilidade no Palácio do Planalto. Para isso, trabalharemos pelo viés de Michel Pêcheux para

analisar discursivamente duas imagens referentes a corpos que (des)ocupam a Presidência da

República: Dilma Rousseff, Michel Temer e suas equipes de governo. As imagens materializam

processos de significação radicalmente antagônicos, e, em função disso, fomos convocadas para

refletir sobre como esses corpos são significados na atual conjuntura política brasileira: quais

corpos são autorizados a circular nos espaços detentores de poder.

Materialidades e processos de significação: relações de gênero

A narrativa histórica é ocupada por corpos cuja presença nos espaços-tempos de poder é

legitimada, enquanto outros se adequam apenas e (in)justamente a esse lugar, o lugar do “outro” -

corpos de mulheres, gays, lésbicas, transexuais, negras/os, índias/os, pobres, gordas/os, deficientes,

velhas/os e demais sujeitos abjetos, subversivos que não se enquadram no ideal de masculinidade,

classe, brancura, beleza, geração, religião ou posicionamento ideológico. Subjetividades são

produtos bricolados de categorias discursivas e relações de poder a elas atreladas. O processo de

subjetivação configura-se como narrativa dos deslizamentos, deslocamentos, do espaço de manobra

re-inventado por corpos que escorrem, manifestam-se.

As relações de gênero são constituídas, apropriadas e re-significadas pelo sujeito em seu

projeto de devir. Transcendendo uma inscrição cultural a partir de um sexo previamente imposto, o

corpo e o sexo são interpretados e instituídos pelo gênero que é performático e múltiplo. A

identidade de gênero é “tenuemente construída através do tempo por meio de uma repetição

incorporada através de gestos, movimentos e estilos” (BUTLER, 2003, p. 200). A norma exerce

pressão social não permitindo espaço de manobra para além deste limitado modelo binário,

desqualificando outras configurações de gênero que subvertam esta excludente regulação

(masculino ou feminino), assim garantindo a ‘ordem’ (BUTLER, 2006).

A normatização da identidade de gênero pode ser dada/imposta antes mesmo de a criança

nascer, a partir da confirmação do sexo anatômico (ARAÚJO, 2011; ALÓS, 2011). A ecografia, ao

dar visibilidade à genitália fetal, inaugura o processo de gendramento daquele sujeito, abrindo (ou

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fechando) o leque discursivo e as expectativas delineadas para aquele ser, categorizando-o dentro de

um esquema polarizado e excludente. Tal processo de inscrição no sistema binário de gendramento

está vinculado à sua condição humana; até então não era um sujeito, menino ou menina, era zigoto,

embrião, feto, um organismo biológico, uma esperança para o futuro (ALÓS, 2011).

Conforme o contexto histórico e o grupo cultural no qual o sujeito estiver inserido, se for

enquadrado como “masculino”, terá suas experiências circunscritas aos objetos, comportamentos e

possibilidades reservados aos meninos, garantindo, legitimando ou confirmando sua suposta e

enaltecida masculinidade heteronormatizada (ARAÚJO, 2011); se a pessoa for categorizada como

“feminina”, deverá se comportar como uma “boa garota”, sendo socializada para lidar com o mundo

e as demandas dirigidas às mulheres e tendo o seu acesso boicotado a tudo o que é prestigiado e

atribuído aos garotos. O binário modelo de identidade de gênero é tido como único, excludente,

hierárquico e inquestionável, sendo naturalizado por uma série de aparatos e mecanismos culturais,

por meio dos quais permite-se que meninos sejam ativos, enérgicos, racionais e brutos, e exige-se

que as meninas sejam passivas, emotivas e delicadas, havendo risco de retaliação àqueles que

ousam performances distintas dessas, sujeitos que subvertem os espaços que ocupam.

Ao analisar o discurso midiático, Swain (2001) verificou o assujeitamento do corpo

feminino às prescrições heteronormativas e essencializantes de gênero. Segundo a autora, nas

revistas dirigidas ao público “feminino” a reprodução de práticas sociais hierarquizadoras e

objetificantes aparentemente modificou os trajes; entretanto, segue confinando os mesmos corpos

úteis e docilizados ao binarismo essencializado e percebido como anatômico. O imaginário que

confere inteligibilidade e legitimidade a esse corpo percebido como naturalmente feminino está em

consonância com a família hetero-normativa e a essencialização da “verdadeira mulher”, a fêmea

limitada à sedução, à maternidade, à submissão, à abnegação e ao altruísmo (SWAIN, 2001). Em

outras palavras, trata-se da mulher bela, recatada e do lar. A denúncia da invisibilidade das

mulheres no espaço público e, mais especificamente, na liderança política, subverte a naturalização

de seu confinamento, transcende a complexa trama que lhe circunscreve ao desprestigiado espaço

privado, desprestígio também culturalmente engendrado.

Vale destacar, ainda, uma das formas como a heteronormatividade se reproduz na formação

social. Essa reprodução acontece pela influência midiática, a qual, através do “efeito de verdade e

de neutralidade”, dissemina representações do feminino e do político que mantêm o modelo binário

de identidade de gênero. Conforme Finamore e Carvalho (2006), o próprio processo eleitoral é

regulado por essas representações vinculadas ao mundo sexualmente normatizado, não sendo o

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espaço público, político, considerado um espaço “de mulher”. Sendo assim, “a prevalência da

imagem que cristaliza o papel de Maria mantém a mulher contida no âmbito privado e a apresenta

como um produto de consumo” (p. 359-360).

Dilma Vana Rousseff, então, ao se candidatar à Presidência da República em 2010 e em

2014, tendo vencido em ambos os pleitos, rompeu com a norma do modelo binário, subverteu a

naturalização da exclusão feminina dos espaços de poder, passando a ser a primeira mulher

brasileira a ocupar o cargo de maior prestígio político do país. Tal acontecimento, o qual rompe

com aquilo que se espera do cenário político brasileiro, historicamente ocupado, de forma

opressiva, excludente e naturalizada, por homens brancos e ricos, ao mesmo tempo em que fornece

uma abertura para que a própria mulher brasileira se reconheça enquanto digna de ocupar os

mesmos espaços naturalizados como masculinos, também gera um extremo desconforto e ódio

naqueles que não se identificam com a afronta à heteronormatividade, ao discurso hegemônico

sobre a mulher. É por isso, então, que deveria ocorrer uma retaliação a fim de que a mulher

reconheça o seu lugar – o seu lugar inferior – sendo “humilhada em praça pública”, reforçando o

estereótipo feminino de submissão e dependência emocional, afetiva e política (TELES, 2015). Na

lógica de funcionamento da frágil democracia brasileira, a mulher deve saber o seu lugar,

excluindo-se tanto do espaço público quanto da cena política, a qual já havia dado o seu recado à

Dilma, Teles5 e às demais mulheres subversivas que ousaram opor-se ao golpe de Estado perpetrado

em 1964. Nas palavras de Teles (2015):

Torna-se urgente reconhecer que os danos e violações de direitos humanos cometidos

contra as mulheres pela ditadura militar devem ser dimensionados sob a ótica de gênero,

para que se alcance com profundidade a verdade dos fatos, registrando-se que as militantes

políticas, ou mesmo as que não eram, se recusaram a reproduzir o papel social de

submissão e de dependência dos homens, contribuindo de maneira fundamental para a

construção de uma democracia de fato, e isso num período histórico em que tudo que

faltava era a democracia. A democracia atual, para ser consolidada, precisa fazer justiça às

mulheres de ontem e de hoje (p. 1020).

Um estado de fato democrático garante a mulheres e homens o direito ao sufrágio, à

candidatura e à formulação de políticas públicas voltadas à justiça social. Haja vista as gritantes

desigualdades de gênero nos pleitos brasileiros, faz-se mister a politização do debate no que tange à

militância política das mulheres, ao baixo investimento nas campanhas eleitorais das candidatas, ao

desempenho eleitoral e a elegibilidade das mesmas, às demandas concernentes às assimetrias nas

relações de gênero na agenda pública e a participação das mulheres nos processos decisórios.

5 Maria Amélia de Almeida Teles foi militante do Partido Comunista do Brasil, bem como colaboradora do Jornal Brasil

Mulher na década de 1970. Presa em 1972, sofreu uma série de sessões de tortura no DOI-Codi. Hoje, entre outras frentes

de trabalho, é assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo.

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Considerando-se esta conjuntura marcada por contrastes, mudanças e permanências, deparamo-nos

com dois registros fotográficos marcantemente distintos contemplando supostamente uma mesma

cena: a posse de um(a) chefe de Estado. A seguir, tais imagens serão o nosso objeto de análise.

A análise das imagens

A Análise de Discurso (AD) lança luz a processos de investigação que consideram a

imagem como materialidade da ideologia. Isso significa que todas as formas de existência material

são atravessadas pelo funcionamento da ideologia (ALTHUSSER, 2008). As diferentes

materialidades que circulam socialmente são, então, intimamente articuladas à ideologia, e são esses

textos de diferentes concretudes que colocam em circulação sentidos que podem ser ditos, e, ao

mesmo, censuram sentidos que não podem (e não devem) circular.

Para compreendermos como se dá esse funcionamento, trazemos à tona dois conceitos

fundamentais: o interdiscurso e o intradiscurso. Trata-se de dois eixos que constituem o processo de

constituição, formulação e circulação de sentidos. O interdiscurso, enquanto eixo vertical, aponta

para uma existência anterior à própria existência do enunciado (eixo da constituição dos sentidos),

ao passo que o intradiscurso, tido como o eixo horizontal, diz respeito a uma forma atualizada do

enunciado na formulação (INDURSKY, 2003). Desse modo, a partir de uma determinada forma de

existência material (uma fotografia ou um texto escrito, por exemplo), podemos, ao atentar para

suas marcas, refletir sobre o funcionamento da ideologia por meio do resgate das formações

discursivas que disputam as consciências no processo de reprodução dos saberes a elas filiados.

O intradiscurso, portanto, não é restrito à linguagem verbal, podendo ser compreendido

como um texto escrito (crônica, romance, notícia de jornal), um texto oral (música, debate,

pronunciamento), um texto imagético (fotografia, desenho, pintura), ou, ainda, como textos que

articulem diferentes modalidades (oral e escrita, por exemplo). Qualquer materialidade é, portanto,

atravessada pelo funcionamento da ideologia. É por isso que, no presente texto, temos o objetivo de

analisar duas fotografias referentes à Presidência da República Brasileira no ano de 2016.

Apresentamos, em (01), as duas materialidades imagéticas que estão sendo aqui

problematizadas.

(01) Fotografias das equipes da Presidência da República no dia 13 de maio de 20166.

6 Disponível em: https://2.bp.blogspot.com/-

DxDUzu7XFyw/V0ifJ9LY5rI/AAAAAAAAQWo/54izsSLb3u8UzZ0kxXlxi_5xKCuYlA3BQCLcB/s640/Minist%25C

3%25A9rio-de-Dilma-e-Temer.png. Acesso em 12 de setembro de 2016.

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As duas imagens foram obtidas no mesmo dia, após a aprovação da abertura do processo de

impeachment no Senado Federal: 13 de maio de 2016. A partir da data, Dilma Rousseff estaria

afastada da Presidência da República, tendo seu lugar ocupado pelo Vice-Presidente Michel Temer,

enquanto Interino, até que ocorresse a votação pelo impeachment no Senado Federal, 180 dias após

o afastamento. Temos, primeiramente, a fotografia de Dilma Rousseff, a Presidenta afastada, e sua

equipe de governo; em seguida, a imagem de Michel Temer, o Presidente Interino, com a nova

composição ministerial. Tais imagens materializam elementos radicalmente antagônicos, apesar de

representarem, supostamente, o “mesmo” projeto de governo debatido e aprovado nas urnas,

fazendo emergir sentidos misóginos há algum tempo recalcados na Presidência da República

Brasileira. Estas fotografias intradiscursivamente mobilizam sentidos de diferentes ordens, os quais

podem (e devem) ser problematizados sob a analítica de gênero. Começamos, então, por um breve

gesto descritivo das imagens apresentadas.

Na primeira fotografia, na qual Dilma Rousseff ocupa a posição central, há 19 homens,

todos situados em segundo plano (exceto o homem à direita de Dilma, que está em primeiro plano),

e 9 mulheres em primeiro plano. A figura central da imagem é a Presidenta afastada, vestida de

branco. É possível perceber uma imagem constituída de cores que variam entre tons de vermelho e

rosa, além de branco, preto e azul. Há mulheres e homens; brancos e negros; pessoas mais velhas e

mais jovens, representando, de certa forma, a diversidade que constitui o povo brasileiro.A segunda

fotografia não reproduz os mesmos elementos materiais presentes na primeira imagem. Na posição

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central, está o Presidente Interino, Michel Temer, acompanhado de vinte homens brancos

aparentemente mais velhos. As roupas variam entre tons de cinza e de azul, além do branco e do

preto. Também é possível identificar os interlocutores a quem o Interino se dirige: todos homens. À

direita, simbolicamente, aparece o símbolo de uma rede de televisão sabidamente associada ao

golpe militar de 1964.

A partir dessa breve descrição, podemos passar para o gesto de interpretação do corpus sob

análise. Damos início ao nosso percurso analítico por aquilo reconhecido como estranho (ERNST,

2009), ou seja, a partir do funcionamento de determinada formação discursiva (FD), emerge algo

que parece não se coadunar aos saberes colocados materialmente em circulação pela FD em

questão. Ernst (2009) diz que o estranhamento “consiste na apresentação de elementos

intradiscursivos – palavras, expressões e/ou orações – e interdiscursivos, da ordem do ex-cêntrico,

isto é, daquilo que se situa fora do que está sendo dito, mas que incide na cadeia significante,

marcando uma desordem no enunciado” (p. 05 [grifos das autoras]).

Tomando a materialidade imagética como intradiscurso, percebemos elementos que marcam

uma diferença da segunda imagem com relação à primeira. Ernst fala em palavras, expressões e/ou

orações que podem irromper no intradiscurso marcando algo da ordem do ex-cêntrico. Operamos,

então, um desdobramento da proposta de Ernst para pensar que a imagem também pode materializar

algo que se situa fora do que está sendo visível. Esse fora que se articula dentro do enunciado

visual, da mesma forma que a materialidade linguística, também incide na cadeia significante

desestabilizando a ordem do enunciado.

Ao invés de palavras, temos elementos visuais, tais como cores, posições dos corpos,

expressões faciais, além dos próprios corpos que funcionam como materialidade discursiva nas

imagens em debate. Temos, então, duas imagens que representam o mesmo governo, as quais

parecem não colocar em circulação os mesmos sentidos, partindo do pressuposto de que a ideologia

possui existência material. O que mais nos chama a atenção é a substituição da diversidade (de

corpos, de cores) pela homogeneidade. Nesse cenário, é claro, atentamos especificamente para o

recalcamento da figura feminina na segunda imagem, como se não apenas Dilma, mas todas as

mulheres, nunca tivesse(m) estado lá.

Esses elementos materiais apontam para a operação de formações discursivas radicalmente

antagônicas. A equipe de governo de Michel Temer deveria, teoricamente, permanecer a mesma,

posto que se trata do mesmo governo eleito em 2014. No entanto, da primeira fotografia não resta

ninguém. Essa substituição não se trata de um processo parafrástico, mas, sim, polissêmico: as

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materialidades imagéticas fazem circular discursos oriundos de outra região do interdiscurso. Nesse

sentido, podemos pensar o processo de afastamento da Presidenta eleita e de tomada do poder pelo

Presidente Interino, após aprovação do afastamento pelo Senado Federal, como um acontecimento

discursivo: temos o mesmo cenário, no mesmo dia, entretanto, corpos distintos ocupando o mesmo

lugar discursivo, com a aparência de que tudo é legítimo e ideologicamente coerente.

Isso significa, de acordo com nossa análise, que a segunda imagem, intradiscursivamente,

mobiliza saberes de outra região do interdiscurso (de outra formação discursiva): a uniformidade da

imagem com Temer na posição central aponta para o funcionamento do discurso fascista7, aquele

discurso que repudia e tenta aniquilar o outro. No projeto fascista, o indivíduo deve ser anulado pelo

Estado. Além disso, no jogo entre o visível e o invisível, deparamo-nos com a reprodução do

discurso machista e racista, ou, em outras palavras, com a reinstalação do coronelismo à brasileira.

Não podemos, então, deixar de retomar a questão de gênero na análise dessas imagens. Conforme

Stocker e Dalmaso (2016), “os modos de desqualificar ou criticar o trabalho de uma mulher que

ocupa posição de poder, neste caso a presidência da República, retratam uma face permeada por

construções históricas e culturais relativas ao gênero” (p. 680). Ao compor a sua equipe de governo

de forma radicalmente diferente à equipe de Dilma, Michel, sem dizer uma palavra, desqualifica a

atuação de mulheres na gestão do país, materializando, através dos corpos ao seu redor, a forma

como representa a presença de mulheres em sua administração, da qual, curiosamente, ele mesmo

fazia parte quando era vice-presidente.

A partir desses elementos, podemos considerar que Temer não considera em sua política de

governo a mulher como parte da vida política, reproduzindo os estereótipos femininos de submissão

e, ao mesmo tempo, os masculinos de dominação. Não basta excluir mulheres e negros da equipe de

governo, garantindo-lhes um lugar secundário nos processos de tomada de decisão no país: é

também necessário recuperar sentidos que vinculam a dominação à figura masculina, promovendo a

naturalização desses sentidos e a legitimação da dominância machista na formação social atual.

Com base nisso, retomamos Stocker e Dalmaso (2016) quando as autoras dizem que a linguagem

deve ser considerada “caminho profícuo para compreender como o masculino e o feminino são

7 O fascismo é aqui pensado a partir de duas perspectivas: a primeira referente a regimes totalitários vinculados a uma classe

colonizadora, dominante e ressentida (tais como o nazismo alemão e as ditaduras latino-americanas) e a segunda, atrelada a

exercícios cotidianos e assimétricos de poder, marcados pela imposição de modos de vida, saberes e fazeres fascistas (KOHAN,

2009). O fascismo pauta-se na diferenciação hierárquica e excludente do(a) outro(a), o(a) qual é categorizado(a) em termos de

utilidade ou inadequação, sendo intoleráveis todo(a)s aquele(a)s distinto(a)s da normatividade. Tal processo colonizador fundamenta-

se na legitimação de um “povo” idealizado e apegado a seus privilégios. Aos privilegiados não parece estranho naturalizar, aceitar,

acostumar e compactuar com todo tipo de desigualdade, seja a pobreza, a misoginia, o racismo, a GLBTIfobia ou toda e qualquer

forma de rejeição da alteridade.

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dotados de sentidos e como seus reflexos cristalizam e reiteram determinadas relações de poder e

saber na sociedade” (p. 680). Entendemos que a linguagem concerne não somente à linguagem

verbal; as imagens também possuem papel basilar na forma como feminino e masculino são

representados e como essas representações são reproduzidas (ou transformadas).

Toda a análise aqui desenvolvida se pauta na noção de que as formas de existência material,

sejam elas verbais ou não, têm íntima e necessária relação com a ideologia. Ao trazermos o corpo

masculino e o corpo feminino como elementos que representam a forma como os governos Dilma e

Temer estão politicamente (des)articulados, podemos resgatar a citação de Baldini e Souza (2012).

Os autores dizem que “embora a noção de corpo se apresente, devido ao efeito ideológico, como

transparente, inequívoca, evidente, na verdade o corpo é de difícil definição, demonstrando sua

opacidade, sua gritante ambiguidade; são sentidos que se sobrepõem, mesclam-se, refundem-se” (p.

75-76). O corpo, então, não pode ser tomado como elemento material avesso ao funcionamento da

ideologia; por não o ser, ele deve ser considerado como opaco, assim como a língua8, e, a partir de

sua materialidade, deve ser operada uma relação com o interdiscurso. Com relação às duas

fotografias analisadas, a primeira indica de um lado, a operação de uma formação discursiva que se

caracteriza pela aceitação e inclusão das diferenças e pela igualdade racial e de gênero; enquanto a

segunda imagem, de outro lado, sinaliza o funcionamento de uma formação discursiva que atualiza

saberes machistas, fascistas e racistas, despreocupada com políticas de inclusão, começando pela

própria equipe governamental. Flagrantemente, dessa segunda formação discursiva são excluídas as

mulheres e a diversidade étnica das decisões na esfera política, expressando o retorno de uma

agenda conservadora rejeitada nas urnas em quatro pleitos consecutivos, dois deles centrados na

figura de uma mesma mulher.

Considerações finais

Ao operarmos a desnaturalização do efeito de evidência das imagens apresentadas,

percebemos que elas materializam processos de significação antagônicos, e, em função disso, fomos

convocadas para refletir sobre como esses corpos são significados na atual conjuntura política

brasileira, ou seja, sobre os corpos (des)autorizados a circular nos espaços detentores de poder.

Concluímos que ocorre a reprodução do binarismo naturalizado, que aborda masculino e feminino

como pólos excludentes, sendo o feminino atrelado à natureza e alheio à cultura, circunscrito ao

8 A opacidade diz respeito à impossibilidade de existência de uma relação direta entre língua e sentido; o corpo, assim

como a língua, também é opaco, sendo que os processos de significação, inseparáveis do funcionamento da ideologia,

objetivam a evidência e a naturalização dos sentidos dominantes na formação social.

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espaço privado e colocado em condição de inferioridade, subjugação, portanto, indesejável no

cenário da democracia. A segunda imagem é emblemática para pensarmos sobre a existência de

relações de poder assimétricas entre masculinidades e femininilidades, sendo a masculinidade

(especialmente a hegêmonica) entendida como superior a toda e qualquer forma de expressão da

feminilidade. Ao feminino lhe compete o lugar de primeira dama e nada mais, não lhe cabendo

qualquer possibilidade de tomada de decisões na esfera política. Nesse cenário discursivo, o

feminino é aquilo que deve ser expulso do jogo político; é o impossível desta política: corpo a ser

ocupado, não corpo que ocupa. Corpo feminino (com suas demandas e projetos aprovados nas

urnas) como aquele que pode ser facilmente substituído por um corpo masculino (por meio de um

golpe midiático-parlamentar), ainda que não tenha sido confirmada a ocorrência de um crime

perpetrado em seu governo.

É necessário movimentar sentidos sobre a intolerância ao feminino nas posições de poder; é

necessário pensar sobre a legitimação do masculino nessas posições; é necessário questionar a

reprodução do discurso machista na formação social brasileira atual. É necessário resistir à

misoginia atrelada à expulsão do Palácio do Planalto de uma Presidenta eleita e à destruição de sua

agenda numa sequência criminosa de atos administrativos. Nós, as autoras deste trabalho, nos

recusamos a Temer e estamos lutando contra o abismo político que estamos atravessando no campo

da igualdade de gênero. Porque se um Estado Democrático supostamente de Direito atinge a uma

Presidenta dessa maneira, o que dizer da Geni que habita em todas nós?

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Bodies that (dis)occupy the Planalto’s Palace: A discursive analysis of two photographs

Abstract: Would the Brazilian be a people without memory? Or would it be hostage of dominant,

naturalized, alienated, and paralyzing records? Mnemonic gaps and weaknesses in the political

debate give rise to who and to whom? With the pretension of provoking concerns about the issues

raised here, we will work with the theoretical-analytical device of Discourse Analysis aiming to

reflect on visual materialities linked to a historical event: the approval of the impeachment of the

first female Brazilian President in the Federal Senate. Regarding the photographic records analyzed

here, we selected the photograph of Dilma Rousseff, the President away, and her government team,

and, also, Michel Temer’s picture, the interim President, accompanied by his ministerial

composition. Such images radically materialize antagonistic elements, although they represent,

supposedly, the "same" government project debated and approved at the election. These

photographs intradiscursively mobilize meanings of different orders, which can (and should) be

problematized under the gender analysis. The present study intends to highlight the material

elements that point to a fascist rupture in the democratic state of law transvestite of change of

government, of conciliatory discourse.

Keywords: Body. Image. Gender relations. Symbolic violence. Discourse.