coró, marcos eduardo. 2001

35
SEMINÁRIO DIOCESANO DE SÃO CARLOS CURSO DE FILOSOFIA POR QUE FILOSOFAR? O PENSAMENTO FILOSÓFICO NA PERSPECTIVA SOCRÁTICA Marcos Eduardo Coró

Upload: infista

Post on 19-Dec-2014

1.158 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Coró, marcos eduardo. 2001

SEMINÁRIO DIOCESANO DE SÃO CARLOS

CURSO DE FILOSOFIA

POR QUE FILOSOFAR?

O PENSAMENTO FILOSÓFICO NA PERSPECTIVA SOCRÁTICA

Marcos Eduardo Coró

SÃO CARLOS

2001

Page 2: Coró, marcos eduardo. 2001

SEMINÁRIO DIOCESANO DE SÃO CARLOS

CURSO DE FILOSOFIA

POR QUE FILOSOFAR?

O PENSAMENTO FILOSÓFICO NA PERSPECTIVA SOCRÁTICA

Marcos Eduardo Coró

SÃO CARLOS

2001

Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia do Seminário

Diocesano de São Carlos, como parte das exigências para

obtenção de créditos na disciplina Síntese Filosófica.

Page 3: Coró, marcos eduardo. 2001

FICHA CATALOGRÁFICA

CORÓ, Marcos Eduardo.Por que filosofar? O pensamento filosófico na perspectiva socrática, Marcos Eduardo Coró. São Carlos: Seminário Diocesano de São Carlos, 2001. 21 p.

Monografia de Conclusão de Curso – Seminário Diocesano de São Carlos, 2001.

1.Filosofia Antiga. 2.Sócrates. 3.Sofistas. 4.Marcos Eduardo Coró. 5. Por que filosofar? O pensamento filosófico na perspectiva socrática.

Page 4: Coró, marcos eduardo. 2001

___________________________

Orientadora

Profª. Diana Cury

___________________________

Orientador

Prof. Pe. Carlos Alberto Giacone

___________________________

Orientador

Prof. Pe. Márcio Coelho

Page 5: Coró, marcos eduardo. 2001

Dedico este trabalho a todos

aqueles que estão em busca de

algo maior e não estão

acomodados em suas cavernas.

Page 6: Coró, marcos eduardo. 2001

AGRADECIMENTOS

Nestas poucas, mas sinceras linhas, quero agradecer àqueles que me deram as

condições necessárias para a execução desse trabalho.

Ao Pe. Márcio Coelho, excelente orientador, que sempre esteve ao meu lado

acompanhando de perto aquele que ele chamava de “nosso trabalho”. De fato, sua atuação

me ajudou a chegar onde eu queria.

À querida professora Diana Cury, preclara mestra, meus sinceros agradecimentos;

continue sempre assim: amiga, sincera, prestimosa.

Ao Pe. Carlos Alberto Giacone, que me ajudou a esclarecer os meus objetivos e

para que assim pudesse concluir o meu trabalho de maneira frutuosa.

Enfim, a todos os professores, diretores espirituais e, não podendo me esquecer, ao

meu prezado reitor Pe. Aimoré Saturnino da Rocha Júnior. A todos, meus sinceros

agradecimentos.

Page 7: Coró, marcos eduardo. 2001

JUSTIFICATIVA

O motivo que me fez optar por esse tema foi a ânsia de compreender mais

profundamente o sentido da filosofia. No mundo de hoje vemos muito presente o

imediatismo, no qual parar para pensar (filosoficamente) se caracteriza como perda de

tempo.

Senti então o desejo de adentrar neste tema tendo como inspiração a frase inscrita

no dintel de Delfos e tão meditada por Sócrates:

“Conhece-te a ti mesmo”.

Page 8: Coró, marcos eduardo. 2001

OBJETIVO

O meu objetivo é justamente responder à questão explícita no tema: Por que

filosofar?

Tendo como ponto de partida o pensamento socrático pretendo buscar

argumentações plausíveis contra aqueles que não dão à filosofia o devido valor ou a

enxergam de maneira deturpada. O homem precisa filosofar, abrir-se ao autoconhecimento

para, a partir daí, conhecer o mundo em que vive.

Page 9: Coró, marcos eduardo. 2001

RESUMO

Este trabalho é uma breve reflexão sobre a necessidade do homem de hoje ser

filósofo. Sendo assim temos a seguinte questão: Por que filosofar? Para responder a esta

questão recorri a um dos filósofos que está na origem da filosofia: Sócrates. Utilizei de seu

pensamento e especialmente da frase que muito o inspirou: “Conhece-te a ti mesmo”. Esta

frase ele viu inscrita no Dintel de Delfos e o acompanhou por toda a vida. Este trabalho se

divide em três partes: a primeira parte procura mostrar quem foi Sócrates, onde e quando

ele viveu, côo também a sua influência sobre a sociedade da época; a segunda parte traz

uma relação entre “mito da caverna”, de Platão, e o “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates;

já na terceira parte lança o olhar para os dias de hoje e prega a necessidade do

autoconhecimento. O ser humano deve deixar as cavernas nas quais está preso e caminhar

para a luz do conhecimento.

Page 10: Coró, marcos eduardo. 2001

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................01

2 SÓCRATES EO PENSADORES DE SUA ÉPOCA.......................................................04

2.1 Sócrates e Contexto Sociocultural grego.......................................................................04

1.2 Os sofistas......................................................................................................................07

1.3 As Escolas Socráticas....................................................................................................10

3 A MAIÊUTICA E O MITO DA CAVERNA..................................................................12

3.1 O que é maiêutica..........................................................................................................12

3.2 A Relação entre Sócrates e Platão.................................................................................12

3.3 O Mito da Caverna........................................................................................................13

3.3.1 O mundo contemporâneo e suas cavernas..................................................................15

3.3.2 Relação entre o mito da caverna e o “conhece-te a ti mesmo”...................................15

4 O “CONHECE-TE A TI MESMO” E UMA RELEITURA PARA NOSSO DIAS........17

4.1 Os desafios do século XXI para o Pensar Filosófico.....................................................17

4.2 Perspectivas Filosóficas.................................................................................................18

5 CONCLUSÃO..................................................................................................................20

BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................21

Page 11: Coró, marcos eduardo. 2001

1 INTRODUÇÃO

“Conhece-te a ti mesmo.”

Sócrates

No Mundo de hoje, vemo-nos diante de muitas situações que exigem, muitas vezes,

respostas imediatas. Já não temos tanto tempo possível para refletir sobre o mundo e sobre

nós mesmos. No entanto, por mais que o ser humano se entregue ao imediatismo, percebe-

se uma clara necessidade de, em certos momentos, refletir sobre determinados assuntos. Há

situações em que todos nós nos tomamos mais pensativos, mas, no entanto, é um

pensamento muito vago. Mais quais os momentos que exigem de nós um pensamento

filosófico? O que é filosofar?

Somos parte de um mundo e olhar-se num espelho pode ser muito confuso, mas

olhar o mundo sem antes ter observado a si próprio não será uma forma de anular-se dele

sem se dar conta disso? Há pessoas que só buscam julgar mas não se interessam em se

“auto-julgar”. É o que vemos tão presente no cenário mundial (economia, política, religião,

etc) onde o narcisismo é o que move o ser humano. Quem é tão humilde a ponto de, com

sinceridade, reconhecer que nada sabe diante de tudo aquilo que ainda pode ser conhecido

e voltar-se para seu ego, inciando uma viagem ao mais profundo de seu âmago, sem ter

medo de si mesmo? “Conhece-te a ti mesmo”, olhe-se no espelho, contemple-se e veja qual

a sua importância para o mundo de hoje! Isto é filosofar!

Nesse trabalho de conclusão de curso desejo refletir o pensamento socrático

relacionando-o com a realidade contemporânea e explorando a necessidade do

autoconhecimento para o homem de hoje.

A Filosofia surge com um questionamento sobre a realidade buscando as raízes dos

problemas. Uma das primeiras coisas que aprendi no curso de Filosofia é que existem três

características próprias da reflexão filosófica:

a) Rigorosa: segue um método, possui uma estrutura bem definida.

b) Radical: vai às raízes das questões, não é superficial.

c) De conjunto: o pensamento filosófico é coerente, não é fragmentado.

A palavra filosofia teria sido usada pela primeira vez por Pitágoras e significa

“amor à sabedoria”. Isso para mostrar que sábio é somente Deus, já o homem pode ser

amigo da sabedoria. O homem é convidado a cultivá-la. Para Platão, filosofia é a “ciência

Page 12: Coró, marcos eduardo. 2001

da ignorância” ou “saber do não saber”, os deuses, por saberem tudo, não precisam

filosofar.

Com essa afirmação de Platão podemos concluir que filosofar é reconhecer a

própria ignorância e, a partir disso, investigar, questionar, buscar respostas. A célebre

afirmação de Sócrates, “só sei que nada sei”, ilustra muito bem este fato. Aqueles que

dizem saber tudo negam o exercício filosófico e agem como se fossem perfeitos.

O homem, desde os seus primórdios, é curioso para desvendar os mistérios que o

cerca. Com os pré-socráticos surgem as indagações cosmológicas1: qual a origem do

universo, qual o princípio? Como os filósofos posteriores a investigação passa às questões

antropológicas, o universo deixa de ser o centro e é substituído pelo homem.

1 Cf. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998. p. 93.

Page 13: Coró, marcos eduardo. 2001

2 SÓCRATES E OS PENSADORES DE SUA ÉPOCA

2.1 SÓCRATES E O CONTEXTO SÓCIO-CULTURAL GREGO

O mundo de Sócrates foi o do século V a. C., chamado o “Século de Ouro”, época

de grande progresso para a civilização grega tanto social, político, como também

militarmente. Período de grandes realizações. Diz Heródoto que com a vitória grega sobre

os persas, a civilização venceu a barbárie. A Grécia era portanto expressão de uma

sociedade evoluída, bem estruturada. É neste período que se consolida a democracia

ateniense surgindo varias formas representativas de poder político como assembléia

popular, eleições diretas, etc. A Grécia tornou-se a pioneira numa nova forma de governo

instalando um poder em prol do povo e de sua liberdade. Da “polis” gregas deriva o termo

política que significa cuidar da organização da sociedade.

A cultura grega nessa época era exemplar. O teatro e a linguagem foram sendo

cultivados, o diálogo preferível à violência. O berço da filosofia, aos poucos, vai sendo

construído. A reflexão, o prazer de pensar, tornam-se cada vez ais evidentes. Este é o

tempo de grandes oradores e mestres do ensino.

Apesar de ser uma democracia e campo fértil para tantas realizações (filosofia,

teatro, oratória), a Grécia também deu espaço para a escravidão. No século IV. A. C.,

enquanto a população do país era de 100.000 gregos e 30.000 estrangeiros, os escravos

atingiam a exorbitante contagem de 40.000 pessoas. Ao mesmo tempo que a democracia

pregava a liberdade também pregava a escravidão. A nacionalidade dos escravos era

múltipla, ou seja, vinham de diversos países. Presos e desvinculados de suas famílias e

terras de origem, ficavam sujeitos a uma mistura racial, o que interessava aos escravistas

pois isso ajudava evitar rebeliões.

Aquilo que os gregos chamavam de democracia, no entanto, mostrava

características um tanto contraditórias, era uma democracia somente para os gregos e não

para os outros povos. Mesmo entre os gregos havia exclusão das mulheres, por exemplo2.

A Grécia de Sócrates era um “império”, com sua metrópole e colônias. Os gregos

desfrutavam de uma certa liberdade em relação aos outros povos. Não podemos deixar de

lembrar que a filosofia surgiu primeiro nas colônias e só depois na metrópole. Essas

alcançaram um bem estar social privilegiado que lhes proporcionou condições necessárias

para a arte de filosofar.

2 Cf. LEVI, Peter. Grécia: Berço do Ocidente. Enciclopédia grandes Impérios e Civilizações, vol. II. p. 112-113.

Page 14: Coró, marcos eduardo. 2001

Sócrates era notório pela sua liberdade e simplicidade, dedicava-se à filosofia como

aquele que nada sabe, mas antes busca saber. Diante do tribunal, Sócrates era acusado de

três crimes: Não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novos deuses e corrupção da

juventude. De fato ele falava de “daimonion”, espécie de vozes divinas que o inspiravam e,

a partir disso, tomava suas decisões. Aos jovens ensinou o método da ironia, do

questionamento, que deixaram muitos pais perturbados por seus filhos. Falando aos que

deveriam julgá-lo diz: “Não tenho outra ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto

velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que a

perfeição de vossas almas, e a vos dizer que a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra

coisa útil aos homens, quer na vida pública quer na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou

a corromper a juventude, tanto pior, mas, se alguém afirmar que digo outra coisa mente”.

Com estas palavras, descritas na obra “Apologia de Sócrates”, de Platão, Sócrates

diz o quanto a sua intenção é boa, pois conduz á virtude (Arete), coisa que todos deveriam

buscar ao invés das riquezas que passam.

Sócrates foi condenado por uma margem pequena de votos e poderia receber uma

pena branda, mas acabou bebendo um cálice de cicuta. Preferiu morrer do que declarar-se

culpado de crimes que não cometeu.

Esta figura singular da história da humanidade nada deixou escrito e sua própria

existência é causa de investigação. O que dele sabemos é por meio daqueles que

escreveram sobre ele.

2.2 OS SOFISTAS

“ Os que vendem sua sabedoria por dinheiro quem a queira são chamados sofistas.”

Sócrates

“O homem é a medida de todas as coisas,das coisas que são o que são,e das coisas que

não são que não são.”

Protágoras

A época de Sócrates foi também a época dos sofistas. A palavra sofista deriva das

palavras gregas sophia, sabedoria,e sophos, sábio,Desde antigüidade sophos são aqueles

que têm um conhecimento profundo sobre determinadas coisas. Dessa maneira, por

exemplo, um escritor, como Homero, possuiu Sophia no escrever relatar fatos históricos,

um navegador possui Sophia no pilotar um navio. O sophos é perito naquilo que faz.

Page 15: Coró, marcos eduardo. 2001

Segundo Píndaro, o homem, por essência, é sophos, e não apenas um papagaio que

repete o que aprendeu de outros, é preciso ser original, autêntico. Segundo Ésquilo, não é a

quantidade de reconhecimento que faz o sophos, mas o uso que ele faz deles. Ou seja,

sábio não é aquele que age como se deve, de fato, de que vale saber tanto mas agir de

maneira errada, imoral?

Diógenes Laércio comenta que as palavras sophos e sophistes (sofistas) já foram

sinônimos antes da palavra sofista receber um sentido pejorativo. Pitágoras e Sólon foram

chamados de sofistas por Heródoto.

Os sofistas eram chamados de mestres. Este termo era aplicado aos grandes poetas

da antigüidade. Sendo assim, os sofistas passam a ser considerados os grandes poetas da

filosofia, justamente pela sua capacidade de persuasão e domínio das palavras. Parmênides

e Empédocles foram poetas e os grandes dramaturgos do século V a .C. pensavam ter uma

missa educacional.

Vemos que sofista, antes de assumir um sentido negativo, é todo aquele que tem

uma capacidade de reflexão e criação, pode ser um poeta, um escritor, um navegante um

filósofo, contanto que seja mestre no que faz. O sofista é aquele que realmente sabe e que

ensina o que sabe, é um artista da comunicação. Não é aquele que se perde em seus

próprios pensamentos, teorias, mas possui um claro objetivo, uma meta a atingir.

O termo sofista foi empregado, mais tarde, para designar uma classe particular de

profissionais que se julgavam herdeiros da primitiva tradição educacional dos poetas.

Ensinavam de cidade m cidade aos jovens, a arte da retórica. O serviço não era grátis, pois

isso se cobrava uma taxa. Sofista passa a ser então um profissional distinto. Platão diz que

no seu tempo e em tempos anteriores muitos se dedicavam a esta profissão. Protágoras,

considerado o primeiro sofista, tinha duas classes de alunos: jovens de boa família que

almejavam a política e aqueles que desejavam aprender para também se tornarem sofistas.

Sócrates critica os sofistas tendo-os como mercadores que oferecem a sabedoria

como mercadoria, e sugere aos jovens que resistam ao desejo de juntar-se a eles. O que

incomodava a muitos era o profissionalismo dos sofistas, que não tinham dificuldade em

encontrar jovens que pagassem suas altas taxas. Eram artistas na persuasão e incomodavam

toda a sociedade de sua época pelo fato de serem tidos como mercenários. Não podemos

nos esquecer que havia, naquela, uma constante luta entre classes. Para Sócrates, não se

devia cobrar para ensinar, essa atitude de cobrança fazia com que o filósofo ficasse preso

aos seus alunos tirando a sua liberdade para ensinar que ele bem quisesse.

Page 16: Coró, marcos eduardo. 2001

Os sofistas eram, normalmente, estrangeiros e não gozavam de muita simpatia entre

os filósofos. Ensinavam em pequenos grupos ou em seminários, tanto em conferências

públicas como em exibições (epideixeis). Seriam os sofistas professores ou atores? Seus

atos, de grandes exibições, não demonstravam que eles gostavam muito mais de um palco

de que a filosofia propriamente dita. E o que dizer, das grandes conferências filosóficas e

dos cafés filosóficos? Talvez o que realmente tornava os sofistas mal itinerantes, que, de

cidades em cidade, atraíam uma multidão que a eles acorriam.

No século XIX, os sofistas foram reabilitados por Hegel e o seu período foi

chamado de “Aufklärung grega”, justamente pelo seu caráter inovador e audacioso. Entre

os sofistas há uma grande diversidade teórica o que os caracteriza é o fato de serem

conhecidos como sábios ou pedagogos. Deram grande contribuição para a sistematização

do ensino. O currículo de estudos por eles formado: gramática, retórica, e dialética; e por

influência dos Pitágoras, a aritmética, a geometria, a astronomia e a música, será, depois,

retomado no ensino medieval: o trivium (três primeiros) e o quadrivium (os quatro

últimos).

De fato, os sofistas eram filósofos que saíam da classe média e não tinham,

portanto, os mesmos privilégios dos filósofos nobres, que possuíam uma estabilidade

financeira e por isso não precisavam cobrar para ensinar a arte de filosofar. Os discursos

dos sofistas, muitas vezes tidos como vazios, tinham por base a defesa de idéias, era a arte

da argumentação, da persuasão.

Seus maiores representantes foram: Protágoras, de Abdera (485-411 a.C); Geórgias,

de Leôncio, na Silícia (485-380); Híppias, de Transímaco; Pródico; Hipódamos.

2.3 AS ESCOLAS SOCRÁTICAS

Com morte de Sócrates, muitos filósofos teriam continuado a sua arte de refutação

e maiêutica, filósofos como Xenofonte, Esquines, Antístenes, Euclídes, Fédon, Platão,

seriam os sucessores de Sócrates.

A partir desses filósofos temos diversas escolas que podemos chamar Escolas

Socráticas, das quais destacamos as Escolas Cínica, a Cirenaica, a de Mégara e a de Elida3.

Antístenes (inicialmente sofista e,mais tarde,tornando-se discípulo de Sócrates),

fundador da Escola Cínica, ressalta as qualidades de Sócrates, principalmente sua

capacidade de vencer o cansaço, o autodomínio, o ânimo. O ideal de autarquia (bastar-se a

si mesmo, não ter necessidade de nada) tornou-se a base da filosofia de Antístenes.

3 Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia, vol. I. Coleção Filosofia. p.103-109.

Page 17: Coró, marcos eduardo. 2001

Aristipo, fundador da Escola Cirenaica, fixa-se na idéia do bem-estar físico, o

prazer é que dá sentido à vida. Sócrates não condena o prazer, mas é algo que deve ser bem

direcionado. Já Aristipo toma o prazer como um bem em qualquer ocasião, torna-se assim

verdadeiro hedonista, idolatrando o prazer.

Euclides, fundador da Escola de Mégara, situou-se entre o pensamento socrático e o

eleatismo. Para ele o bem é o Uno, assemelhando-se com a concepção eleata da absoluta

identidade de si consigo mesmo.

Fédon, fundador da Escola de Elida, pode ser considerado como menos original do

socráticos. A Escola de Elida teve breve duração.

3 A MAIÊUTICA E O MITO DA CAVERNA

Page 18: Coró, marcos eduardo. 2001

3.1 O QUE É MAIÊUTICA?

O termo maiêutica deriva do grego maia (parteira) e tékhné (arte). Para desenvolver

este método, Sócrates inspira-se na profissão de sua mãe, Fenárete, que era parteira.

Enquanto uma se empenhava em fazer nascer novos cidadãos, a outra(a maiêutica) se

ocupava na busca da verdade.A alma está grávida da verdade e é preciso ajudá-la a nascer.

A maiêutica, portanto, é fazer o homem despertar para a verdade, para o

pensamento correto. Através da refutação, só sei que nada sei, Sócrates questionava seus

discípulos levando-os a reconhecer sua ignorância e buscar o verdadeiro saber.

Este método pedagógico de Sócrates é descrito por Platão em Teeteto. De fato,

muito do pensamento socrático nos é trazido por Platão, visto que Sócrates não escreveu

nenhuma obra. O método socrático influenciou filósofos posteriores, como Descartes, por

exemplo, que usa da dúvida metódica para melhor conhecer a realidade.

3.2 A RELAÇÃO ENTRE SÓCRATES E PLATÃO

Sócrates é constantemente citado por Platão em seus diálogos como um dos seus

personagens. Na verdade, Sócrates seria como uma espécie de protagonista das obras de

Platão. Há várias teses de que Sócrates seria uma invenção de Platão através da qual ele

expõe o seu pensamento. Seria uma arma de Platão para atacar os sofistas.

De fato, há divergências sobre a existência ou não de Sócrates, mas a verdade é que

a doutrina trazida sob o seu nome tem grande utilidade ainda em nossos dias. Diz-se que

Platão teria sido discípulo de Sócrates, mas diante deste impasse que talvez nunca seja

totalmente esclarecido seria mais sensato aceitar a sua existência uma vez que ele é tido

muito mais como um personagem histórico do que como fictício.

O pensamento platônico gira em torno da teoria do mundo das idéias e do mundo

sensível, este último apenas uma sombra do primeiro, o mundo ideal. Sócrates fala de uma

realidade superior, que vai alem desse mundo físico e, por isso, devemos nos desocupar

das preocupações mundanas buscando algo maior.

Das figuras importantes para a filosofia ocidental e mundial que convidam também

a nós a sermos verdadeiros filósofos.

3.3 O MITO DA CAVERNA

“Quem é capaz de ver o todo, é filósofo; quem não é capaz, não é.”

Platão

Page 19: Coró, marcos eduardo. 2001

No capítulo VII de “A República” (obra escrita por Platão) encontramos o célebre

“mito da caverna”. Este mito fala de um grupo de pessoas que vivem no interior de uma

caverna. Elas vivem acorrentadas e a única visão que têm da realidade são as sombras

produzidas nas paredes da caverna. Sombras daqueles que vivem fora da caverna.

Imagina-se que uma dessas pessoas é liberta das correntes e é levada para fora da

caverna. Para ela seria um choque terrível, uma experiência dolorosa. Seus olhos

acostumados com a escuridão ficariam ofuscados pela claridade.

Suponhamos que, este foi libertado e conheceu a verdadeira realidade, volte par o

interior da caverna e conte aos seus companheiros acorrentados a experiência que teve e

que toda realidade não se limita àquela realidade à qual eles estavam acostumados. Ele,

muito provavelmente, seria motivo de riso.

Este é apenas um dos mitos citados por Platão em sua obra “A Republica” e possui

uma intenção política: despertar a pessoa para a vida publica. Aquele que é libertado,

conhece a realidade e volta para os seus companheiros representa o filósofo político4.

Ao mito da caverna podemos dar quatro significados5:

a) Representa os graus nos quais se divide ontologicamente a realidade. Das simples

sombras a realidade de fato;

b) Num segundo significado, o mito mostra a evolução que ocorre: do conhecimento

imperfeito ao conhecimento perfeito;

c) Num terceiro momento, mito representa o aspecto ascético, místico e teológico do

platonismo: o homem precisa libertar-se das algemas, sair da escuridão;

d) O quarto significado é o do filósofo-político.

3.3.1 O MUNDO CONTEMPORÂNEO E SUAS CAVERNAS

No mundo de hoje encontramos muitas cavernas: analfabetismo, trabalho escravo,

pobreza, prostituição, etc. São os porões da humanidade, cavernas escuras na quais são

deixados, por algum motivo, muitos seres humanos.

A uma dessas cavernas é que quero chamar a atenção: a falta de reflexão. Na verdade

esta caverna engloba todas as outras cavernas e quem vive em qualquer uma delas está

preso, acorrentado, e precisa ser libertado.

4 Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia, vol. I. Coleção Filosofia. p.168.5 Idem

Page 20: Coró, marcos eduardo. 2001

3.3.2 RELAÇÃO ENTRE O MITO DA CAVERNA E O “CONHECE-TE A TI MESMO”.

Sócrates ensina, com seu método, a arte da refutação e, a partir dela, como chegar ao

verdadeiro conhecimento. Reconhecer que nada sabe é o seu primeiro passo para realmente

chegar ao saber.

Sócrates mostra que ser filósofo não é ser soberbo, mas humilde. Isto se constata com

as descrições que dele são feitas ao longo da história.

O mito da caverna pertence a obra de Platão, mas o personagem que diz é Sócrates.

Neste mito, Sócrates ensina que o homem, para chegar ao conhecimento, deve evoluir

através de vários graus, partindo das trevas até alcançar a luz. Partir so “só sei que nada

sei” para chegar a um conhecimento maior. Na verdade, dizendo que nada sabe é

reconhecer que já sabe alguma coisa.

“Conhece-te a ti mesmo”. Esta é a frase chave deste nosso trabalho. Os homens que

estão presos no interior das cavernas contemporâneas precisam ser libertados, conhecer a

realidade e se autoconhecer. Deixar as trevas nas quais estão envoltos; evoluir pelos

diversos graus de conhecimento; alcançar a luz. Precisam aprender a questionar; não

conformar com aquilo que a sociedade lhes impõe; buscar uma vida plena e digna.

4 O “CONHECE-TE A TI MESMO” E UMA RELEITURA PARA NOSSOS DIAS

4.1 OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI PARA O PENSAR FILOSÓFICO

“No fundo o homem perdeu a fé em seu valor.”

Page 21: Coró, marcos eduardo. 2001

Nietzsche

“O homem contemporâneo está doente, talvez gravemente. E a origem do ‘mal-estar da

civilização’ deve ser buscada sobretudo no niilismo que, no final do século passado,

Nietzsche expressou tão fortemente.”

Giovanni Reale

Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Por que sou? Estas questões levam o

homem a pensar sobre sua existência buscando uma resposta mais racional possível. O

homem está numa constante busca da verdade. Esta não será alcançada senão por um

incessante questionamento sobre a realidade e sobre si mesmo.

Tanto no Oriente como Ocidente constatamos esforços da humanidade para chegar

à verdade e se confrontar com ela. As grandes religiões antigas não deixaram de buscá-la.

A verdade é que o homem, desde sua origem, esta numa busca constante de sentido das

coisas. Mas, em cada época, encontramos grandes obstáculos que tornam o homem apático

diante da realidade. Hoje vivemos a época do “homo faber” e o mundo passa por mudanças

tão rápidas que, quem não a acompanha, torna-se obsoleto. Vivemos a era da tecnologia,

das grandes descobertas e invenções e o importante não é o que o individuo é, mas o que

ele produz profissionalmente6.

Vivemos a era do individualismo, onde o que importa é sua própria vida e

despreza-se, salvo exceções, a alteridade7. “Homens e mulheres de nosso século XX

trocaram o amor de doação pelo amor de aquisição” (Giovanni Reale)

4.2 PERSPECTIVAS FILOSÓFICAS

Podemos nos perguntar: o que o homem deve fazer para sair dessa apatia diante dos

valores que o cerca, na qual vive mecanicamente e sempre sujeito à depressão e sentmento

de inferioridade? Quais os valores que precisariam ser resgatados?

O homem precisa voltar-se para si mesmo e buscar se situar no mundo em que vive.

O voltar-se para si mesmo não é no sentido de ser egoísta, mas de olhar-seno espelho e

contemplar-se. Isso pode ser muito assustador e é um desafio para aquele que já se

consideram sábios. Surge, portanto, uma soberba filosófica e cada um defende, e não abre

6 Cf. REALE, Giovanni.O saber dos amigos: Terapia para os tempos Atuais. Leituras Filosóficas. Tradução de Silvana Cobucci. São Paulo: Loyola. 1999. p. 159.7 Idem, p. 168

Page 22: Coró, marcos eduardo. 2001

mão, seu ponto de vista. O relativismo toma conta da sociedade e a investigação filosófica

cai num ceticismo geral8.

O exercício filosófico exige boa vontade de que quem o faz. Sem esta boa vontade,

disposição, ficamos presos ao comodismo e vivemos segundo a opinião dos outros; somos

facilmente manipulados. Por isso, o homem de hoje, mais do que nunca precisa buscar um

caminho para superar os males que o aflige.

O homem de se dar conta que o sentido da vida não esta apenas no fazer, mas

também no ser. Isto é indispensável para que o homem resgate seus valores espirituais;

subornar o exterior ao interior9.

A filosofia não está extinta, ela precisa apenas ser cultivada. Existem muitas

situações que precisam ser pensadas e repensadas. Uma imensa multidão que é entregue a

robotização e necessitam de libertação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ser humano está, cada vez mais, entregando-se a uma vida na qual o importante é

produzir. Quem não produz é considerando inútil.

8 Cf. JOÃO PAULO II, Papa. Carta Enciclíca “Fides et Ratio”. p. 11.9 Cf. REALE, Giovanni.O saber dos amigos: Terapia para os tempos Atuais. Leituras Filosóficas. Tradução de Silvana Cobucci. São Paulo: Loyola. 1999. p. 159.

Page 23: Coró, marcos eduardo. 2001

Constatamos, portanto, uma redução do homem a mera peça de um grande tabuleiro

de xadrez, pronto para ser comido. Ou você come ou você é comido. Esta é a luta da

sociedade moderna.

Diante de tal realidade o homem precisa ser reencontrar como um ser de vontade e

liberdade, de pensamentos e sentimentos. Um ser que precisa conhecer a realidade em que

vive e se autoconhecer.

Precisamos sair das cavernas e viver as nossas vidas como pessoas livres. E não

como instrumentos a serem manipulados pelos grandes sistemas mundiais (empresas,

governos, etc.)

Qual é a minha caverna? Até que ponto que eu busco me conhecer e conhecer os

outros? Quantas vezes por dia eu faço um momento de reflexão, sobre a minha vida e a

realidade que me cerca, de forma profunda e coerente? Tenho paciência para pensar ou o

agir me é mais importante?

“Conhece-te a ti mesmo.”

BIBLIOGRAFIA

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998. 395p.

Page 24: Coró, marcos eduardo. 2001

BENOIT, Hector. Sócrates: o nascimento da razão negativa. Coleção Logos. São Paulo:

Moderna, 1996. 259p.

JOÃO PAULO II, Papa. Carta Enciclíca “Fides et Ratio”.3 ed. São Paulo: Paulinas, 199. 141 p.

REALE, Giovanni.O saber dos amigos: Terapia para os tempos Atuais. Leituras Filosóficas. Tradução de Silvana Cobucci. São Paulo: Loyola. 1999. 261p.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia, vol. I. Coleção Filosofia. 6 ed. São Paulo: Paulus, 1990. 693p.