cordeiro, aida. documentacao de acervos conteporaneos

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A Documentação dos Acervos Contemporâneos: Critérios e Metodologias O tema escolhido tratará dos métodos de registro de instalações de arte e problemas relativos a sua preservação, sempre considerando a responsabilidade do profissional de preservar tanto a natureza dos materiais que compõem a obra como a natureza do conceito do trabalho de arte. Para demonstrar que uma cuidadosa documentação se torna importante para a interpretação e remontagem de uma instalação, serão relatados os procedimentos adotados para documentar uma instalação pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O recurso instalação foi usado pela primeira vez no fim dos anos 60 e se tornou uma importante mídia em arte contemporânea. Para os profissionais de documentação, a pergunta: reinstalar ou representar instalações? Vou relatar aqui os critérios e métodos de registro utilizados para a documentação da obra de autoria de Paulo Buennos chamada Des-locamento, visando à sua reinstalação. O artista Paulo Buennos, nascido no interior do Estado de São Paulo, deslocou-se, mudou de país e de residência. Por isso, na instalação Des-locamento, 1996/1997, a proposta foi recuperar esses ambientes afetivos no plano da memória e traduzi-los para o espaço físico das instalações. A instalação é composta de mobiliário contendo frascos de remédios, rosas vermelhas, livros, botas e pigmento vermelho. Foi montada pela primeira vez em 1996 no Haihvails Contemporary Arte Center, em Bufallo, Nova York Em outubro de 1997 foi reinstalada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em fevereiro de 1998 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em abril de 1998 no Museu de Arte Moderna da Bahia e em junho de 1998 no Museu de Arte Moderna de Recife. Em 1997 recebeu o Prêmio Panorama, que é uma exposição organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo a cada dois anos, em que o curador seleciona obras de artistas de todo Brasil e uma comissão formada por críticos de arte premia as obras que conseqüentemente são incorporadas ao acervo do Museu. Com a premiação surgiram grandes desafios do Setor de Documentação do Museu de Arte Moderna de São Paulo: Como incorporar ao acervo uma instalação? Quais partes da instalação conservar como material permanente? Como documentar a obra para que ela possa ser novamente remontada sem a

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Page 1: Cordeiro, Aida. Documentacao de Acervos Conteporaneos

A Documentação dos Acervos Contemporâneos: Critérios e Metodologias

O tema escolhido tratará dos métodos de registro de instalações de arte e problemas relativos a sua preservação, sempre considerando a responsabilidade do profissional de preservar tanto a natureza dos materiais que compõem a obra como a natureza do conceito do trabalho de arte. Para demonstrar que uma cuidadosa documentação se torna importante para a interpretação e remontagem de uma instalação, serão relatados os procedimentos adotados para documentar uma instalação pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O recurso instalação foi usado pela primeira vez no fim dos anos 60 e se tornou uma importante mídia em arte contemporânea. Para os profissionais de documentação, a pergunta: reinstalar ou representar instalações? Vou relatar aqui os critérios e métodos de registro utilizados para a documentação da obra de autoria de Paulo Buennos chamada Des-locamento, visando à sua reinstalação. O artista Paulo Buennos, nascido no interior do Estado de São Paulo, deslocou-se, mudou de país e de residência. Por isso, na instalação Des-locamento, 1996/1997, a proposta foi recuperar esses ambientes afetivos no

plano da memória e traduzi-los para o espaço físico das instalações. A instalação é composta de mobiliário contendo frascos de remédios, rosas vermelhas, livros, botas e pigmento vermelho. Foi montada pela primeira vez em 1996 no Haihvails Contemporary Arte Center, em Bufallo, Nova York

Em outubro de 1997 foi reinstalada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em fevereiro de 1998 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em abril de 1998 no Museu de Arte Moderna da Bahia e em junho de 1998 no Museu de Arte Moderna de Recife. Em 1997 recebeu o Prêmio Panorama, que é uma exposição organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo a cada dois anos, em que o curador seleciona obras de artistas de todo Brasil e uma comissão formada por críticos de arte premia as obras que conseqüentemente são incorporadas ao acervo do Museu. Com a premiação surgiram grandes desafios do Setor de Documentação do Museu de Arte Moderna de São Paulo: Como incorporar ao acervo uma instalação? Quais partes da instalação conservar como material permanente? Como documentar a obra para que ela possa ser novamente remontada sem a

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presença do artista? Com a colaboração do artista e das profissionais Camila Siqueira e Valéria Tolói, iniciamos o trabalho. O primeiro passo foi medir o espaço total da instalação, obedecendo à norma para objetos tridimensionais, isto é, altura = 276 cm, largura = 700 cm, profundidade = 500 cm.

Ao dar entrada no Setor de Acervo, essa obra recebeu o número de registro 1997.058-000. A primeira seqüência contém o ano de incorporação ao acervo, 1997, a segunda, 058, indica um número seqüencial dentro do ano, e a terceira, 000, indica que a obra está dividida em partes. A numeração das partes obedeceu à seguinte seqüência: 1997.058-001 - armário de remédios 1997.058-002 - armário cinza 1997.058-003 - armário de madeira 1997.058-004 - armário médico 1997.058-005 - lona Os números de registros identificam todo e qualquer tipo de documentação produzida sobre a obra, como cromo, slide, ficha catalográfica, imagem digitalizada, etc. A seguir, foram feitas as seguintes especificações:

CHÃO E PAREDES

1. Três demãos de tinta látex Suvinil fosco - y 092

2. Esticar a lona, fixá-la com fita dupla face ou com grampeador

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3. Passar um pano molhado para limpar o giz na lona, depois uma demão de tinta verde

4. As linhas do mapa e as cidades devem ser feitas com tinta branca acrílica

brilhante

5. Desenhar nas paredes com giz de lousa os detalhes de arquitetura, lagos,

montanhas, passarinhos, contorno do pé, contorno da mão e o trenzinho

6. Desenhar as paredes da planta baixa com giz [só as paredes] 7. Entrar com os armários vazios 8. Desenhar todos os outros detalhes do piso com giz. Obs.: andar pela sala de meias para não deixar marcas. ARRUMAÇÃO DOS QUATRO ARMÁRIOS

1. Armário de remédios:

Colocar todos os frascos de remédio enfileirados [seguir a foto]. Verificar se a porta do armário tem condições de permanecer fechada.

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2. Armário cinza:

Prateleira 1 [de baixo para cima] Não mostrar a lombada dos livros. Prateleira 2, 3 e 4

Prateleira 2: o pigmento vermelho de cádmio é peneirado diretamente sobre a prateleira, somente uma camada de pigmento é necessária. Colocar tocos de giz em cima do pigmento. Prateleira 3: as toalhas devem ser lavadas antes da montagem. Colocar as toalhas dobradas igualmente. Depois colocar as rosas de acordo com a foto. Prateleira 4: forrar com feltro vermelho e colocar dois pratos de áagate em cima. No prato esquerdo, peneirar pigmento vermelho levemente no centro do prato. 3. Armário de madeira: Limpar bem o vidro e os espelhos. Na gaveta do lado esquerdo, colocar a foto e na gaveta do lado direito colocar o livro [capa do Mondrian] com um lápis.

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Sobre o mapa, colocar o caminhão de brinquedo vermelho. Sobre o vidro do lado direito, colocar rosas e carimbar uma mão com pigmento vermelho no lado esquerdo [passar pigmento na mão inteira].

4. Armário médico:

Prateleira 1: [de cima para baixo] colocar as rosas empilhadas no limite frontal da prateleira. Para dar equilíbrio, colocar os cabos da rosas cortados na parte do fundo, para preencher os espaços vazios. Preencher toda a prateleira de rosa.

Comprar 11 dúzias de rosas vermelhas colombianas - tipo Madame Delbard, que se encontram à venda na Avenida José César de Oliveira, 85. Prateleira 2: peneirar uma boa quantidade de pigmento sobre quase toda a superfície da prateleira. Limpar as botas e colocar na prateleira sobre o pigmento. Depois peneirar mais pigmentos sobre a bota. Prateleira 3: espelho superlimpo. Prateleira 4: colocar o tule afofando.

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O artista acompanhou todas essas montagens e também contamos com sua presença durante toda a elaboração desta documentação, fato que otimizou o trabalho porque, além de ser meticuloso na descrição dos materiais, ele foi também claro sobre o processo de montagem da instalação. Embora tivéssemos colaboração, nosso objetivo com o registro foi produzir um documento para que essa instalação pudesse ser exibida no futuro em outros espaços, sem a presença de seu autor. CONCLUSÃO:

Nos procedimentos adotados para a obra Des-locamento foi essencial a

produção de um documento discriminando cada estágio de montagem do trabalho. Ao final do trabalho, concluímos que a documentação sugerida para uma instalação poderá conter 1. número preciso de todos os elementos 2. plantas e croquis de montagem 3. documentação fotográfica de todos os estágios do processo 4. documentação em vídeo 5. anotações detalhadas de todo o procedimento da montagem desde seu estágio

inicial 6. entrevista com o artista, documentando sua filosofia para a continuação de sua

obra 7. relatórios de todos os envolvidos na montagem, tais como curador, arquiteto e

eletricista 8. especificações dos requisitos técnicos dos materiais não permanentes [por

exemplo: peso, voltagem de aparelhos elétricos, uso de água, fumaça, etc.] 9. observações sobre a conservação, com informações sobre como repor partes.

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Nosso assunto aqui foi a documentação de obras contemporâneas, mas quero enfatizar que acredito que a origem do documento deve ser clara e objetiva, permitindo que num futuro a informação seja usada com eficiência.

São Paulo, 31 de agosto de

2000 Aida Cordeiro