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Resumo Ela se chamava Courtney. Seu querido pai, supostamente assassinado anos atrás em um selvagem massacre dos comanches, aparece contra todo prognóstico numa fotografia de um jornal do Texas. Está vivo e ela decide achá-lo. Mas em quem confiar para que a acompanhe através do perigoso território dos índios? Ele se chamava Chandos, um mestiço moreno e valente. De seus olhos azuis brotava um duro e inquietante olhar. Sua alma guardava a dolorosa lembrança da morte dos seus e a imperiosa necessidade de vingá-los. Com o passar do inóspito caminho, sozinhos sob o ardente sol do verão, seus corações aprenderam a confiar. E o frenesi da paixão e o desejo que surgiu entre ambos, lhes ensinou a procurar no amor o lugar para dar rédea solta a seus sentidos e apaziguar a transbordante cascata de suas emoções e sentimentos. Coração Indomável Página 1

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Johanna lindsey - romance Espanhol ; Corazon indômito Ingles : Heart the wind

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Resumo

Ela se chamava Courtney. Seu querido pai, supostamente assassinado anos atrás em um selvagem massacre dos comanches, aparece contra todo prognóstico numa fotografia de um jornal do Texas. Está vivo e ela decide achá-lo. Mas em quem confiar para que a acompanhe através do perigoso território dos índios?Ele se chamava Chandos, um mestiço moreno e valente. De seus olhos azuis brotava um duro e inquietante olhar. Sua alma guardava a dolorosa lembrança da morte dos seus e a imperiosa necessidade de vingá-los.Com o passar do inóspito caminho, sozinhos sob o ardente sol do verão, seus corações aprenderam a confiar. E o frenesi da paixão e o desejo que surgiu entre ambos, lhes ensinou a procurar no amor o lugar para dar rédea solta a seus sentidos e apaziguar a transbordante cascata de suas emoções e sentimentos.

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Titulo Original: A Heart Sowild

Digitalização e Revisão: Maria da Fátima Almeida

Formatação: Iara Brandão

CAPÍTULO 1

Kansas, 1868.

Elroy Brower apoiou com força o seu jarro de cerveja sobre a mesa. Estava contrariado. A revolta que se estava a dar no outro extremo da taberna distraía-o e não podia concentrar a sua atenção na atraente ruiva que tinha sentada no seu colo. Não era frequente que Elroy pudesse usufruir da companhia de uma moça tão tentadora como Sal. A interrupção era muito frustrante. Sal roçou com as suas nádegas entre as pernas de Elroy e murmurou algo ao seu ouvido. As suas palavras, muito explícitas, obtiveram o resultado esperado. Ela pôde perceber a erecção dele.- Porque não vens comigo para cima, querido, onde poderemos estar a sós? - Sugeriu Sal, com voz insinuante.Elroy sorriu, imaginando as horas de prazer que teria pela frente. Essa noite pensava acalorar a atenção de Sal. A prostituta que o visitava às vezes em Rockley, a cidade mais próxima da sua quinta, era velha e fraca. Sal, em troca, tinha curvas generosas. Elroy já tinha elevada uma pequena oração de agradecimento por a ter encontrado na sua viagem a Wichita.A voz furiosa do rancheiro chamou uma vez mais a atenção de Elroy. Não podia evitar escutar, sobretudo depois do que tinha presenciado dois dias antes.O rancheiro dizia a quantos desejavam ouvir que o seu nome era Bill Chapman. Tinha ido à taberna um pouco antes e tinha pedido bebidas para todos, o que não foi tão generoso como se podia pensar, já que só havia sete pessoas no lugar, e duas delas eram as garotas da taberna.Chapman era dono de uma quinta situada na zona norte e estava à procura de homens que estivessem tão fartos como ele dos índios que semeavam o terror na zona. A Elroy tinha-lhe chamado a atenção a palavra índios. Pelo menos até esse momento, Elroy não tinha tido problema algum com eles. Mas estava apenas há dois anos no Kansas. A sua casa era vulnerável e ele sabia; extremamente vulnerável. Distava um quilómetro e meio do vizinho mais próximo e mais de três da cidade de Rockley. E só a habitava ele mesmo, Elroy, e um jovem chamado Peter, que tinha contratado para que o ajudasse com a colheita. A esposa de Elroy tinha morrido seis meses depois da sua chegada ao Kansas.Elroy não gostava da sua vulnerabilidade. Homem corpulento, de um metro e noventa de estatura, estava habituado a não ter problemas, excepto aqueles que ele mesmo provocava.

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Não lhe interessava provar um golpe dos seus poderosos punhos. Tinha trinta e dois anos e um perfeito estado físico. Não entanto, estava preocupado pela presença dos selvagens que vagueavam nas planícies, procurando afastar dali os brancos decentes e temerosos de Deus que tinham construído as suas casas na região. Estes selvagens não conheciam o jogo limpo: não respeitavam as regras. As histórias que Elroy tinha ouvido faziam-no agitar. E pensar que o lugar que tinha escolhido para se estabelecer, estava demasiado perto deste que se chamava território índio, esta vasta zona despovoada, entre o Texas e Kansas. A sua exploração agrícola encontrava-se apenas a cinquenta e seis quilómetros da fronteira do Kansas. Eram boas terras, situadas entre rios Arkansas e Walnut. Como a guerra tinha acabado, Elroy pensou que agora o exército manteria os Índios nos limites assinalados, situados entre os rios.Mas não tinha sido assim. Os soldados não podiam estar em todo o lado. E os Índios tinham declarado a sua guerra contra os colonos imediatamente depois que explodira a guerra civil. Esta tinha terminado, mas a guerra dos Índios estava no seu apogeu. Mostravam-se mais decididos a não renunciar nunca às terras que consideravam suas.O temor impulsionou Elroy a escutar atentamente Bill Chapman nessa noite, apesar do seu desejo de se retirar para o piso de cima com Sal.Dois dias, antes de ele e Peter irem a Wichita, Elroy tinha visto um grupo de Índios cruzando o limite ocidental da sua propriedade. Era o primeiro grupo de inimigos que encontrava, porque podia-os confundir com os Índios pacíficos que tinha visto nas suas viagens para Oeste.Este grupo em especial estava formado por oito homens, bem armados e com calças, que se deslocavam para o Sul. Elroy intrigou-se o suficiente para os seguir a uma distância cuidadosa até ao acampamento que possuíam na confluência dos rios Arkansas e Ninnescah. Havia lá dez alojamentos indígenas, levantados na costa oriental do Arkansas, e uma outra dúzia de selvagens, incluindo mulheres e crianças, tinham estabelecido lá as suas casas.Foi o suficiente para que Elroy fosse detido por calafrios; o facto de saber que este grupo de kiowas tinha acampado a algumas horas de viagem da sua casa, congelava-lhe o sangue. Falou aos seus vizinhos sobre a existência de Índios nos arredores, sabendo que as notícias fariam estender o pânico entre si.Quando chegou a Wichita, Elroy divulgou a sua história pela cidade. Alguns tinham ficado assustados, e Bill Chapman estava tentando recolher a atenção dos que estavam na taberna. Três homens afirmaram que montariam com Chapman e seis vaqueiros que tinha levado com ele. Um dos clientes disse conhecer dois homens da cidade que também estavam dispostos a matar alguns Índios.Depois de recrutar três voluntários entusiastas e com a perspectiva de agregar dois mais, Bill Chapman voltou-se para Elroy, que até esse momento tinha estado a escutar em silêncio.- E você, amigo? – Perguntou o alto e esbelto rancheiro. - Deseja acompanhar-nos?Elroy afastou Sal do seu colo, mas susteve-a pelo braço enquanto avançava até Chapman.- Não devia deixar que o exército perseguisse os índios? – Perguntou cautelosamente.O rancheiro riu desdenhosamente.- Para que o exército os escolte novamente até território indígena sem fazer justiça? A única maneira de ter a certeza que um índio ladrão não volte a roubar é matá-lo. Este grupo de kiowas matou mais de quinze animais da minha manada e roubaram-me uma dezena de potros a semana passada. Nestes últimos anos roubaram-me em várias ocasiões. Não estou disposto a

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suportar mais. - Olhou fixamente para Elroy. - Está do nosso lado?O medo apoderou-se de Elroy. Quinze cabeças de gado! Só tinha dois bois consigo, mas o gado que tinha deixado na quinta podia morrer durante do dia em que saísse da sua casa. Sem o seu gado estaria perdido. Se estes kiowas decidissem fazer-lhe uma visita, estaria arruinado.Elroy olhou fixamente para Bill Chapman.- Há dois dias vi oito guerreiros. Segui-os. Montaram um acampamento na confluência do rio Arkansas, a uns vinte quilómetros da minha quinta. Quer dizer, a uns vinte e sete quilómetros daqui, junto ao rio.- Maldição, porque não o disse antes? - Gritou Chapman. Pensativo, disse – Quem sabe se não são os que estamos à procura. Sim, podiam ter chegado ali em pouco tempo. Esses malvados podem avançar com mais rapidez que qualquer um de nós. Eram kiowas?Elroy encolheu os ombros.- Para mim, são todos iguais. Mas esses não andavam atrás de cavalos - admitiu. – Tinham cerca de quarenta cavalos no acampamento.- Pode indicar-nos o sítio onde acamparam? - Perguntou Chapman.Elroy franziu o rosto.- Tenho comigo uns bois para levar um arado até à minha quinta. Não vim a cavalo. Só conseguiria atrasá-los.- Conseguirei um cavalo - ofereceu Chapman.- Mas o meu arado...- Pagarei para que cuidem dele enquanto estiver ausente. Depois poderá vir buscá-lo. De acordo?- Quando partirão?- À primeira hora da manhã. Se cavalgarmos velozmente, e se eles não abandonaram o lugar, chegaremos ao acampamento a meio da tarde.Elroy olhou para Sal e sorriu-lhe. Chapman não tinha decidido ir de imediato e Elroy não tinha que renunciar à sua noite com Sal. Mas de manhã...- Conte comigo - assegurou o rancheiro. - E também com o meu empregado.

CAPÍTULO 2

Na manhã seguinte, catorze homens saíram de Wichita como se se dirigissem ao inferno. O jovem Peter, de dezanove anos, estava muito agitado. Nunca se tinha passado nada igual. Estava muito emocionado perante a oportunidade que se lhe apresentava. E não era o único, pois alguns dos homens apreciavam matar e esta era uma desculpa perfeita.A Elroy não lhe agradou muito. Não era o tipo de pessoas com quem se dava. Mas todos estavam no Oeste há muito mais tempo do que ele, e isso fazia-os sentirem-se superiores. Pelo menos, todos eles tinham algo em comum: o seu próprio motivo para odiar os índios.Os três homens que sempre acompanhavam Chapman identificaram-se só pelos seus nomes: Tad, Carl e Cincinnati. Os únicos pistoleiros contratados por Chapman eram Leroy Curly, Dare Trask e Wade Smith. Um dos homens de Wichita era um dentista viajante, chamado senhor Smiley. Elroy não conseguia compreender por que tantos indivíduos que chegavam ao Oeste sentiam a necessidade de mudar os seus nomes, que às vezes estavam de acordo com as suas ocupações e outras vezes não. Havia entre eles um ex deputado que tinha chegado a Wichita

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seis meses atrás e que não tinha ocupação alguma. Elroy perguntou-se de que viveria, mas absteve-se de lhe perguntar. O terceiro homem de Wichita era um fazendeiro como Elroy, que ocasionalmente tinha entrado na taberna aquela noite. Os dois restantes eram dois irmãos que se dirigiam para o Texas: o pequeno Joe Cottle e o grande Joe.Cavalgando sem cessar e com a esperança de conseguir a adesão de alguns homens mais, Chapman conduziu os homens até que ao meio-dia, entraram em Rockley. Mas só conseguiu a incorporação de um homem mais: o filho de Lars Handley, chamado John. Mas comprovaram que não havia muita pressa, porque o grande Joe Cottle, que se tinha adiantado ao resto, uniu-se a eles em Rockley e informou-os que os kiowas ainda acampavam no sítio previsto.

Chegaram ao lugar a meio da tarde. Elroy jamais tinha cavalgado tanto. Doíam-lhe intensamente as nádegas. Também os cavalos estavam muito fatigados. Ele nunca tinha obrigado um cavalo seu a cavalgar dessa maneira.A espessa vegetação que crescia junto ao rio serviu-lhes para se ocultar. Aproximaram-se e observaram o acampamento; o rugir das águas do rio impedia ouvir o som que provinha das vivendas indígenas.Era um lugar aprazível. Por baixo das frondosas árvores podiam observar-se as tendas imponentes. Os pequenos ocupavam-se dos cavalos e as mulheres estavam conversando entre si. Um ancião solitário brincava com um bebé.«Parece difícil imaginar que se tratava de selvagens sanguinários - pensou Elroy, - e que os pequenos se converteriam em adultos dedicados a matar e roubar.» Tinha ouvido dizer que as mulheres eram ainda piores que os homens quando se tratava de torturar os cativos. Só se via um guerreiro mas isso não garantia nada. Como assinalou o pequeno Joe, podia haver outros a dormir a sesta, segundo o costume mexicano.- Deveríamos aguardar até à noite, quando todos durmam e estejam desprevenidos - sugeriu Tad. - Os índios não gostam de combater de noite. Acreditam que os moribundos e as suas almas não encontram o lugar da eterna felicidade. Uma pequena surpresa não era mau pensado.- Penso que deveríamos surpreendê-los agora mesmo - opinou o senhor Smiley - considerando que os guerreiros estão dormindo...- Quem sabe nem sequer estão aqui.- Quem pode saber? Talvez estejam fabricando armas dentro das tendas ou fazendo amor com as suas mulheres - disse Leroy Curly, rindo.- Isso significaria que há muitas mulheres. Só há dez tendas, Curly.- Você reconhece algum dos seus cavalos entre os que se vêem ali, senhor Chapman? - Perguntou Elroy.- Não posso ter a certeza, pois estão tão juntos que é difícil distingui-los.- Pois eu sei distinguir muito bem um kiowa quando o vejo.- Não acho, Tad - disse Cincinnati - Penso que são comanches.- Como podes saber?-Da mesma maneira que tu pensas que são kiowas - respondeu Cincinnati - Reconheço os comanches à primeira vista.Carl ignorou os seus comentários, pois Tad e Cincinnati nunca estavam de acordo.- Que importância tem? Os índios são índios e esta não é uma reserva, de modo que não há

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dúvida de que são selvagens.- Eu persigo os que me invadiram... - disse Bill Chapman.- Naturalmente, chefe, mas está disposto a não atacar estes se não são os mesmos?- Podem ser os que ataquem no próximo ano - assinalou Cincinnati, examinando a sua arma.- Que demónios se passa? - Perguntou o pequeno Joe - Querem dizer que desolámos as nádegas durante todo o dia e agora pensam regressar sem os termos matado? Merda!- Calma, irmão. Não creio que tenha sido isso o que o senhor Chapman pensou. Não é assim, senhor Chapman?- Não - disse o rancheiro, contrariado - Carl está certo. Não importa de que grupo de selvagens se trate. Se os eliminarmos, os restantes pensarão duas vezes antes de invadir as terras vizinhas.- Então o que esperamos?Peter olhou ansiosamente ao seu redor.- Assegurem-se de que as mulheres sejam as últimas - advertiu Wade Smith, falando pela primeira vez - Desejo levar algumas. Em paga pelo meu trabalho, compreendem?- Assim é que se fala - disse rindo Dare Trask - Pensei que este seria só um trabalho de rotina.Já existia um novo elemento que aumentava o interesse dos homens; estes dirigiram-se para onde estavam os seus cavalos. Mulheres. Não tinham pensado nisso.Dez minutos depois ouviu-se os tiros das armas. Quando o tiroteio cessou, só ficaram com vida quatro índias: três mulheres e uma jovenzita, a que Wade Smith tinha piscado o olho. Todas elas foram violadas repetidas vezes. Depois mataram-nas.Ao entardecer catorze homens regressaram. O ex deputado foi a única baixa que tiveram. Quando retiraram o seu corpo do lugar, pensaram que a sua morte tinha sido apenas um pequeno sacrifício.Quando se foram, o acampamento ficou sumido no silêncio; o vento tinha levado os gritos de dor. Só se ouvia o rugido do rio. Não ficou ninguém no acampamento para lamentar a morte dos comanches, que nada tinham que ver com o bando de kiowas que tinha invadido o rancho de Bill Chapman. Ninguém para chorar a perda da menina cobiçada por Wade Smith, de pele escura e olhos azuis, olhos que delatavam o vestígio de sangue branco de algum dos seus antepassados. Nenhum dos seus a viu sofrer antes de morrer, pois a sua mãe tinha morrido antes que violassem a menina. Nessa primavera ela tinha feito dez anos.

CAPÍTULO 3

- Courtney, descuidaste de novo a tua aparência. As damas não andam tão desalinhadas. Não te ensinaram nada nessa escola para meninas?A adolescente olhou de lado a sua nova madrasta, começou a responder e depois mudou de ideia. Para quê? Sarah Whitcomb, convertida agora em Sarah Harte, só escutava o que desejava. De todos os modos, Sarah já não olhava para Courtney; a sua atenção estava dirigida para a quinta que apenas se via à distância.Courtney ergueu-se, percebendo a tensão dos músculos do seu pescoço e rangeu os dentes. Porque era ela a única que recebia as reprimendas de Sarah? Em ocasiões, a personalidade da mulher surpreendia Courtney. A maior parte das vezes, Courtney mantinha-se em silêncio,

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encerrando-se em si mesma para evitar o sofrimento. Ultimamente, era inusual que Courtney Harte apelasse à sua antiga coragem; só o fazia quando estava demasiado fatigada e já nada lhe importava.Nem sempre tinha sido um cúmulo de insegurança. Foi uma menina precoce, com iniciativa, cordial e travessa. A sua mãe repreendia-a carinhosamente, dizendo que era um pequeno diabo. Mas a sua mãe tinha morrido quando ela tinha só seis anos.Durante os nove anos que se seguiram, Courtney foi enviada de uma escola para outra; o seu pai não tinha podido atender às exigências da menina, incomodado pela sua esposa. Mas, aparentemente, Edward Harte tinha estado de acordo com essas coisas, pois Courtney só podia regressar ao seu doce lar durante umas poucas semanas por ano, e no verão. Nem sequer então encontrava o tempo suficiente para dedicar à sua única filha. Durante a maior parte da guerra, Edward tinha faltado em sua casa.Aos quinze anos, Courtney já tinha sofrido demasiado tempo a falta de amor. Já não era aberta e cordial. Ficou introvertida e cautelosa, e era tão sensível que, ao menor sinal de desaprovação, encerrava-se em si mesma. As suas professoras, demasiado rigorosas, eram em grande parte responsáveis pela timidez da jovem, mas essa atitude provinha sobretudo do seu contínuo esforço por recobrar o amor do seu pai.Edward Harte era um médico tão ocupado que os seus pacientes de Chicago rara vez lhe deixavam tempo para outra coisa. Era um sulista alto e elegante; tinha-se estabelecido em Chicago depois da sua boda. Courtney pensava que era o homem mais bonito e inteligente que conhecia. Adorava o seu pai e sofria intensamente cada vez que ele a olhava com olhos ausentes, que tinham a mesma cor castanho claro que os seus.

Não tinha tido tempo para dedicar a Courtney antes da guerra civil, e muito menos depois. A guerra tinha-o afectado profundamente, pois acabou a combater contra o Sul, de onde provinha, impulsionado pelos seus sentimentos humanitários. Quando regressou ao seu lar, em 1865, no retomou a prática da medicina. Isolou-se no seu estúdio e bebeu para esquecer todas as mortes que não tinha podido evitar. A fortuna dos Harte diminuiu.Se não fosse pela carta que recebeu do seu antigo mentor, o doutor Amos, solicitando-lhe que fosse a Waco no Texas para o substituir, o pai de Courtney provavelmente tinha continuado a beber até morrer. Os sulistas decepcionados chegavam ao Oeste em busca de uma nova vida, dizia a carta do doutor Amos, e Edward optou pela esperança em vez da desilusão.Também seria uma nova vida para Courtney. Já não deveria concorrer às escolas, afastada do seu pai. Teria a oportunidade de lhe demonstrar que não era uma carga e que o amava. «Ambos estaremos juntos e a sós», disse.Mas quando o comboio em que viajavam se deteve no Missouri, o seu pai tinha feito algo inconcebível. Tinha-se casado com a empregada que tiveram durante os últimos cinco anos, Sarah Whitcomb. Aparentemente, tinha havido comentários acerca da falta de decoro que pressupunha o feito de uma mulher de trinta anos viajar com o doutor Harte.Edward não amava Sarah e Sarah sentia-se atraída por Hayden Sorrel, um dos homens que Edward tinha contratado para os escoltar através do perigoso território do Texas. No mesmo dia da sua boda, Sarah transformou-se noutra pessoa. A que antes era carinhosa e gentil com Courtney, converteu-se em autoritária, discordante, insensível frente aos sentimentos alheios. Courtney tinha renunciado a tentar compreender os motivos dessa transformação. Limitou-se a

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iludir Sarah, o que não era fácil, dado que eram cinco pessoas viajando num vagão de comboio através das planícies do Kansas.Essa manhã tinham partido de Wichita e viajaram seguindo o curso do rio Arkansas, até que decidiram procurar uma quinta ou uma povoação onde passar a noite. Quando chegaram à zona de trezentos e vinte quilómetros de largura do território indígena, deveriam passar a noite à intempérie em mais de uma ocasião.Território indígena. O nome, por si só, era suficiente para atemorizar Courtney. Mas Hayden Sorrel e o outro homem, a quem chamavam simplesmente Dallas, disseram que não havia nada a temer, sempre levavam consigo algumas cabeças de gado para subornar os índios.

Adquiriram uma carroça para transportar nela as escassas posses que levavam do seu lar. Compraram um veículo que já tinha feito esse caminho; consideraram que oferecia por isso uma certa segurança.Courtney teria preferido regressar ao Este e chegar ao Texas dando um desvio. Na realidade, essa tinha sido a ideia original: viajar pelo Sul e entrar no Texas pela fronteira do Este. Mas Sarah desejava visitar os seus parentes da cidade do Kansas antes de se estabelecer no distante Texas. Além disso, quando Edward soube da existência desse caminho usado para o transporte de gado sem correr perigo e soube que passava por Waco, que era o seu destino, empenhou-se em utilizá-lo. Apesar de tudo, já se encontravam no Kansas e demorariam muito tempo se viajassem directamente para o Sul. A verdade era que não desejava recorrer ao Sul e ver a destruição efectuada ali, podia evitá-lo.Dallas cavalgou para a quinta que tinham visto e regressou para os informar que lhes permitiam passar a noite no armazém.- Estaremos bem, doutor Harte - disse Dallas a Edward - Não tem sentido fazer um quilómetro e meio mais para chegar a Rockley. De todos os modos, é uma cidade muito pobre. Pela manhã tomaremos de novo o caminho junto ao rio.Edward assentiu e Dallas voltou a ocupar o seu lugar, ao lado da carroça. Courtney não gostava de Dallas nem do seu amigo Hayden. Este olhava ávido para Sarah. Dallas era muito mais jovem que Hayden; teria vinte e três anos, de modo que Sarah não lhe interessava. Mas demonstrava interesse por Courtney.Dentro da sua indelicadeza, Dallas era bem parecido, e Courtney ter-se-ia sentido muito lisonjeada pelo seu interesse, se não tivesse percebido que ele olhava avidamente para quantas mulheres se lhe apresentassem. Era inteligente o suficiente para não permitir que a novidade de que um homem se fixasse nela a perturbasse. Sabia que suscitava a atenção de Dallas porque este era um homem são e normal e ela era a única mulher jovem nas proximidades.Courtney reconhecia que não era atraente; pelo menos não tanto para provocar o interesse dos homens se houvesse outras mulheres presentes. Possuía belos olhos e um bonito cabelo e o seu rosto era regular. Mas os homens pareciam não notar. Contemplavam a sua figura cheiinha e de baixa estatura, e logo deixavam de a olhar.Courtney odiava o seu aspecto, mas comia demasiado para consolar a sua infelicidade. Poucos anos antes não lhe teria importado. Quando outras crianças faziam piadas acerca da sua obesidade, comia mais ainda. Quando começou a preocupar-se com o seu aspecto, esforçou-se por adelgaçar e conseguiu. Agora, diziam que eram cheiinha em vez de lhe chamarem gorda.Depois da sua boda, o pai de Courtney começou a prestar-lhe atenção. Enquanto viajavam na

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carroça um junto ao outro, começaram a ter longas conversas. Na realidade, ela não atribuiu a mudança ao matrimónio. Pensou que provavelmente se devia à intimidade imposta pela travessia. De todas as formas, começou a pensar que talvez ainda houvesse esperanças. Quem sabe ele estava a começar a amá-la novamente, tal como a amara antes da morte da sua mãe.Edward deteve a carroça frente ao armazém. Courtney, que sempre tinha vivido em Chicago, não podia evitar de se surpreender perante essa gente que, como esse rancheiro que lhes estava a dar as boas vindas, não tinha problemas em viver no meio da solidão, sem vizinhos à vista. Courtney gostava da solidão, mas dentro de uma casa rodeada por outras coisas, sabendo que havia gente ao seu redor. Esse isolamento, esse deserto em que ainda vagueavam os índios, não oferecia nenhuma segurança.O rancheiro era um homem corpulento, que pesava pelo menos cem quilos. Tinha olhos castanhos e um rosto redondo. Sorrindo, disse a Edward que dentro do armazém encontraria espaço para guardar a carroça. Quando o fez de fato, ajudou Courtney a descer do veículo.- Que bonita és! - Comentou e depois ajudou Sarah - Mas necessitas de aumentar um pouco de peso, querida. És um palito.Courtney sorriu e voltou a cabeça, rogando para que Sarah não tivesse ouvido. Esse homem estava louco. Dois anos a tentar emagrecer e ele dizia-lhe que era demasiado fraca.Enquanto tentava sufocar a sua confusão, Dallas aproximou-se dela por trás. Sussurrou-lhe ao ouvido:- Ele é muito corpulento e gosta das mulheres grandes; não lhe prestes atenção. Dentro de um ou dois anos já te terás desfeito dessa gordura de bebé e aposto que serás a miúda mais bonita do Norte do Texas.Se Dallas tivesse podido ver a expressão do rosto de Courtney, teria percebido que não estava adulada. Ela estava mortificada. Não podia suportar tantas críticas masculinas.Saiu correndo do armazém e dirigiu-se para a parte de trás. Contemplou a planície que se estendia através de muitos quilómetros. As lágrimas assomaram aos seus olhos castanhos dourados, dando-lhes o aspecto de tanques de mel.Demasiado obesa, demasiado delgada; como podia a gente ser tão cruel? Duas opiniões tão desencontradas podiam ser sinceras? Estava a aprender que os homens nunca dizem a verdade? Courtney já não sabia o que pensar.

CAPÍTULO 4

Elroy Brower mostrou-se muito simpático. Desde que construíra a sua casa, nunca tinha recebido tantos visitantes. No dia anterior não havia trabalhado, mas não lhe importava. Não tinha desejos de regressar a Wichita para buscar o seu arado, sobretudo com a ressaca que havia tido o dia anterior, mas isso tampouco lhe importava. Era bom para um homem embriagar-se ocasionalmente. Além disso, havia tido muitos hóspedes; Bill Chapman e os demais haviam passado a noite no armazém dois dias atrás e haviam aberto muitas garrafas de whisky para celebrar a sua vitoria. Só tinham faltado os dois Joes, que, depois da matança, se dirigiram directamente para o Sul. E no dia seguinte tinham chegado o doutor, as damas e os vaqueiros que acompanhavam o doutor. Essas damas tinham-se sentado a comer à sua mesa. E eram verdadeiras damas, sem dúvida. Percebeu ao observar os seus elegantes fatos de viajem e as suas malas. E a sua delicada pele branca, naturalmente. Até tinha feito ruborizar a mais

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jovem.Elroy pensou que seria muito bom se decidissem permanecer ali durante uns dias. O seu arado podia esperar. Chapman tinha pago para que lho guardassem junto com os seus bois e Elroy podia ir buscá-los quando quisesse. Mas o doutor disse que partiriam essa manhã. Ao amanhecer, insistiu em ir à caça para repor os víveres de Elroy. E bom, não havia nada de mal nisso. O doutor era um homem agradável e refinado. Tinha observado que Elroy tinha três rasgões no pescoço e ofereceu-lhe um unguento.Quando o doutor mencionou os rasgões, Elroy ruborizou-se. Não por causa da vergonha, porque não estava envergonhado. Mas, havendo damas presentes, não podia mencionar que não tinha a ver com sexo nem com o que tinha acontecido no acampamento indígena. Mas o doutor não lhe tinha perguntado como tinha feito esses rasgões E Elroy absteve-se de lhe dizer.A represália tinha sido uma experiencia emocionante. Também contribuiu para tranquilizar Elroy a respeito da proximidade dos indígenas. Parecia simples matá-los... e também violá-los. Não se explicou porque tinha estado tão preocupado. Só vacilou durante um segundo quando comprovou que a pequena selvagem que o tinha arranhado não era totalmente índia. Aqueles olhos que o olharam com desprezo não podiam pertencer a uma índia pura. Mas, de todos os modos, tinha-a violado. Depois da matança, estava demasiado ansioso para se conter. Elroy nem sequer se deu conta de que estava morta até que se afastou dela. Não sentiu nenhuma culpa pelo sucedido, só irritação, porque não podia deixar de pensar naqueles olhos.Elroy supôs que as damas já se tinham levantado e estariam vestidas, de modo que decidiu ir ao armazém para as convidar para o pequeno-almoço. Brevemente regressariam o doutor e Dallas. O outro vaqueiro, Sorrel, estava a fazer a barba junto ao bebedouro dos animais e seguramente estaria a contar histórias a Peter. Elroy temia que o rapaz não permanecesse com ele durante muito mais tempo. Já tinha falado da possibilidade de se unir ao sétimo regimento de cavalaria para lutar contra os índios. Elroy tinha a esperança de que não se fosse antes da colheita.O campo de milho começava a uns vinte metros da casa de madeira de Elroy. Os altos caules mexiam-se suavemente. Se Elroy o tivesse notado ao dirigir-se ao armazém, teria pensado que havia um animal solto no campo, já que não soprava nem sequer uma leve brisa. Mas não o notou. Estava a pensar que quando se fosse o grupo de Harte, ele iria a Wichita buscar o seu arado.Fazia meia hora que Courtney estava levantada e aguardava que Sarah concluísse o seu arranjo pessoal. Sarah era bonita e sempre empregava bastante tempo para se enfeitar; arranjava minuciosamente o seu penteado, empoava-se e aplicava um creme para evitar as queimaduras do sol. A vaidade de Sarah era responsável pela demora da viajem. Ela tinha convencido Edward para que visitassem os seus parentes do Kansas porque desejava exibir o seu marido, um médico importante, para que todos os seus conhecidos vissem que tinha arranjado um bom partido.O rancheiro fez muitos ruídos desnecessários antes de entrar no interior do armazém.- O toucinho já está preparado, senhoras, e se desejam vir lá a casa para comer, batemos os ovos de imediato.- Você é muito amável, senhor Brower - agradeceu Sarah sorrindo – O meu marido já regressou?- Não, senhora, mas penso que não há-de tardar. A caça é abundante nesta época do ano.O rancheiro saiu. Ao ouvir que voltava a repetir os ruídos junto à porta, Courtney meneou a cabeça. Sabia porque os tinha feito ao chegar, mas, porque os fazia ao sair?

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E então abriu a porta e Elroy Brower caiu para dentro, apertando os músculos. Uma longa vareta tinha-se cravado na sua carne. Mas, porque faria tal coisa?- Deus meu, havia mais - grunhiu Elroy pondo-se de pé; ao fazê-lo, partiu a vara da flecha.- Que sucedeu, senhor Brower? - Perguntou Sarah aproximando-se.Elroy voltou a grunhir.- Os índios. Estão a atacar-nos. - Sarah e Courtney olharam-no, boquiabertas; Elroy indicou com voz rouca - Ali. Cavei um poço para a minha mulher por esta mesma razão. Era uma mulher corpulenta, de modo que ambas cabem nele. Entrem nele e não saíam, ainda que renasça a calma. Devo voltar a casa para buscar a minha arma.E saiu. Nem Sarah nem Courtney queriam acreditar nas suas palavras. Isso não estava a suceder. Não era possível.Quando Sarah ouviu o disparo da arma, sentiu uma sensação de mau estar físico.- Vai para o poço, Courtney - gritou Sarah, correndo por sua vez para lá - Oh, Deus! Não pode ser, justamente agora que tudo estava a resultar tão bem.Courtney dirigiu-se mecanicamente para o poço atrás de Sarah. Era como uma caixa sem fundo. O poço tinha uma profundidade de dois metros e o seu diâmetro era suficiente para que ambas se pudessem esconder.- Fecha a tampa - disse Sarah. Os seus olhos cinzentos estavam dilatados pelo terror. Depois disse: - Não há nada a temer. Não nos verão. Nem sequer vêm ver aqui. Eles...Interrompeu-se ao ouvir um grito que provinha do armazém: era um grito terrível, carregado de dor. O que se seguiu foi ainda pior: múltiplos sons, sons de animais, que se faziam cada vez mais intensos. E depois ouviu-se um alarido agudo próximo da porta do armazém. Courtney reagiu e fechou a tampa. Ficaram submersas numa escuridão total que lhes produziu mais medo ainda.- Sarah. Sarah!Quando Courtney se deu conta de que Sarah tinha perdido os sentidos, começou a chorar. Ainda que percebesse o calor do corpo da mulher caída junto a ela, sentiu-se sozinha. Ia morrer, e não queria morrer. Sabia que morreria vergonhosamente; que gritaria e rogaria e que morreria na mesma. Todos sabiam que os índios não tinham piedade." Oh, Deus, se devo morrer, não permitas que lhes implore compaixão. Ajuda-me a ter coragem de não pedir clemência", murmurava a jovem para si.Quando Edward Harte ouviu o primeiro tiro, regressou apressadamente à quinta. Dallas seguiu-o. Mas quando se aproximaram o suficiente para ver o que estava a suceder, o jovem deixou o lugar. Dallas não era um herói.Edward não se apercebeu que correu o resto do caminho a sós, pois só pensava na sua filha e em como salvá-la. Aproximou-se da quinta por um lado e viu quatro índios que rodeavam os corpos de Peter, o ajudante, e de Hayden Sorrel. O primeiro tiro de Edward foi em branco, mas imediatamente depois alcançou-o uma flecha, que se cravou no seu ombro. Provinha do armazém. Disparou a sua arma nessa direcção.Foi o seu último tiro. Duas flechas mais o alcançaram e caiu do cavalo. Não se voltou a mover.Os oito comanches tinham cumprido a sua obrigação. Tinham seguido as marcas de treze cavalos que se dirigiam a essa quinta. Tinham comprovado que só onze cavalos continuaram o seu caminho. Isso indicava que havia dois homens na quinta; dois dos treze que os guerreiros perseguiam. Um desses dois já estava morto. O rancheiro corpulento ainda continuava com vida.

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Elroy tinha apenas uma ferida. Estava a meio do caminho entre o armazém e a casa. Quatro índios acossavam-no e ameaçavam-no com as suas facas, enquanto os outros comanches inspeccionavam a casa e o armazém.Dois comanches entraram no armazém. Um subiu à carroça e revolveu o seu conteúdo. O outro examinou o edifício em busca de lugares que pudessem servir de esconderijo. Os seus olhos esquadrinhavam tudo com minuciosidade.O seu rosto inexpressivo não revelava os seus pensamentos, mas estava desfigurado de dor. No dia anterior tinha ido ao acampamento comanche e tinha observado a cena dantesca provocada pelos homens brancos. Depois de três anos de ausência, tinha regressado para visitar a sua família, mas chegou demasiado tarde, para salvar a sua mãe e a irmã. A vingança não compensaria o sofrimento de ambas, mas o ajudaria a mitigar a sua própria dor.Viu marcas de pisadas na terra e seguiu-as até chegar ao poço. Levava na sua mão a faca afiada que usava para tirar a pele aos animais.Courtney não tinha ouvido os dois índios que entraram no armazém. O seu coração batia com tal força, que apenas podia ouvir os ruídos do exterior.De repente abriu-se a tampa do poço e Courtney foi agarrada brutalmente pelos cabelos. Cerrou com força os olhos, para não ver o golpe mortal. Sabia que lhe cortariam a garganta, pois o índio puxou-lhe a cabeça para trás, para deixar o pescoço a descoberto. «Que seja rápido, oh Deus, que seja rápido.»Ela não abria os olhos, mas ele desejava que o olhasse enquanto lhe dava a morte. A outra mulher, caída no poço, estava desmaiada, mas esta estava alerta e a tremer. Mas negava-se a olhá-lo, apesar de ele lhe puxar os cabelos violentamente, enroscando-lhos ao redor da sua mão. Sabia que lhe estava a fazer mal, mas ela permanecia com os olhos fechados.E então, apesar de o cegar a fúria, começou a observá-la. Comprovou que era uma forasteira. As suas roupas eram finas; não estavam feitas de algodão desbotado. A sua pele era muito branca; não podia ser a mulher ou a filha de um rancheiro; era uma pele quase translúcida, que o sol não tinha bronzeado. Os seus cabelos pareciam de seda; não eram castanhos nem ruivos, mas uma mistura de ambos os tons. Ao olhá-la detalhadamente viu que não tinha mais de catorze anos.Lentamente dirigiu o seu olhar para a carroça e viu os vestidos que Dedo Torcido tinha tirado de lá. Soltou os cabelos da jovem.Courtney estava demasiado aterrorizada para manter os olhos fechados por mais tempo. Haviam decorrido vários minutos e a sua garganta continuava intacta. Quando o índio a soltou, não soube o que pensar. Mas quando abriu os olhos, esteve a ponto de sofrer um desmaio. Nunca tinha visto nada tão terrível como esse índio: os seus cabelos eram compridos e muito negros e estavam recolhidos em duas tranças. O seu peito nu estava pintado de cor vermelho claro.Diferentes tons de pintura dividiam o seu rosto em quatro partes, ocultando o seu semblante. Mas os seus olhos, fixos nos dela, produziram-lhe uma impressão estranha. Não pareciam pertencer-lhe. Não eram ameaçadores como a sua atitude e o resto do seu aspecto.Courtney observou-o a olhar para o longe e logo novamente para ela. Ela atreveu-se a olhar o resto dele com detalhadamente. Chegou até à mão que empunhava a faca, apontada a ela.Ele viu que os olhos dourados da jovem se abriam ao ver a faca, e depois viu-a desmaiar. Grunhiu ao ver que caía junto à outra mulher. Estúpidas mulheres do Oeste! Nem sequer

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tinham tido a precaução de levar uma arma. Vacilou. As bochechas redondas da jovem eram muito similares às da sua irmã. Não podia matá-la.Fechou a tampa do poço e afastou-se, fazendo um sinal a Dedo Torcido para lhe indicar que já tinham perdido demasiado tempo.

CAPÍTULO 5

Elroy Brower maldisse o destino que o tinha impulsionado a ir a Wichita no dia em que Bill Chapman passou por lá. Sabia que ia morrer. Mas, quando... quando? Ele e os seus captores estavam a muitos quilómetros da sua quinta. Tinham cavalgado para Norte, seguindo as pegadas de Chapman, e não tinham parado até ao meio-dia.Quando Elroy se deu conta do que lhe iam fazer, defendeu-se tão ferozmente que quase todos os índios tiveram que intervir para o submeter. Em poucos minutos arrojaram-no ao chão abrasado pelo sol do meio-dia, despiram-lhe as suas roupas e deixaram-lhe expostas as partes do seu corpo que nunca tinham estado descobertas debaixo dos raios ardentes.Os malditos selvagens sentaram-se à volta dele, contemplando como suava. Um deles batia a cada cinco segundos com um pau sobre a flecha que tinha cravada no músculo e a dor atravessava-o em forma de ondas incessantes.Sabia o que desejavam; tinha sabido desde que lhe assinalaram os três homens mortos na quinta. Pacientemente, deram-lhe a entender; levantando dois dedos, assinalando a ele e depois aos três cadáveres. Sabiam que dois dos homens que haviam participado na matança dos índios estavam na quinta e sabiam que ele era um deles.Tentou convence-los de que não era um dos que eles procuravam. Apesar de tudo, havia dois cadáveres mais, assim, como podiam estar certos? Mas não acreditaram nele, e cada vez que não lhes respondia satisfatoriamente, torturavam-no.Quando assinalou o corpo de Peter, já tinha meia dezena de pequenas feridas. O que importava? O rapaz já estava morto e não podia sofrer mais. Mas Elroy sofreu ao ver o que faziam com o corpo de Peter. Vomitou quando viu que castravam o corpo de Peter, colocando o troço de carne, dentro da sua boca, que logo a fecharam, cosendo-a. A mensagem seria muito clara para aquele que encontrasse o corpo mutilado de Peter. E só Elroy saberia que não o tinham feito enquanto Peter ainda estava com vida.Seria ele tão afortunado como Peter? Supôs que a única razão porque, entretanto, estava vivo era que desejavam que os conduzisse até onde se encontravam os outros que tinham assistido à matança. Podia dizer-lhes quanto sabia, se deixassem de o torturar, mas de que serviria se os canalhas não podiam compreender? E o pior era que não sabia como encontrar a maioria dos outros. Acreditariam? Claro que não.Um dos comanches inclinou-se sobre ele. Por causa do sol, Elroy só podia ver uma figura escura. Tentou levantar a cabeça e, durante um instante, viu as mãos do índio. Seguravam várias flechas. Acabariam com ele agora? Ainda não. Quase suavemente, o índio explorou uma das feridas de Elroy. E depois, lentamente e provocando-lhe uma dor agudíssima, introduziu uma flecha dentro da ferida; colocou-a de atravessada dentro do músculo e oh, Deus! Tinham posto algo na ponta da flecha, de modo que queimasse. Era como se tivessem deixado cair sobre a sua pele uma brasa a arder. Elroy apertou os dentes para não gritar. Tampouco gritou quando fizeram o lesmo com as feridas restantes. Suportou sem uma queixa. Só tinha seis feridas e

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podia aguentar. Logo o deixariam em paz por um bocado, para que o seu corpo absorvesse a dor.Elroy tentou não pensar na dor. Pensou nas damas que tinham tido a má sorte de se alojar na sua quinta. Agradecia no ter tido que contemplar quanto podia ter-lhes acontecido. De repente, voltou a ver aqueles olhos obsessivos que o olhavam com desprezo. Não tinha valido a pena violar a menina índia. Nada podia valer a pena em troca disto.Finalmente, Elroy gritou. Como não tinha outras feridas, o índio inferiu-lhe uma nova e cravou nela outra ponta de flecha. Elroy compreendeu que não se deteriam até que o seu corpo estivesse completamente coberto de flechas. Já não podia tolerar mais, porque sabia que a dor não cessaria. Gritou, maldisse e proferiu alaridos, mas voltaram a feri-lo e a sensação abrasadora intensificou-se.- Malditos! Canalhas! Direi quanto queiram saber. Direi qualquer coisa.- Dirás?Elroy deixou de gritar e durante um segundo esqueceu as dores.- Falas espanhol? - Perguntou ofegante - Graças a Deus!Havia esperanças. Podia negociar com eles.- O que desejas dizer-me, rancheiro?A voz era agradável e suave e desconcertou Elroy.- Liberta-me e darei os nomes dos homens que procuram. E direi onde os podem encontrar – adicionou, sem alento.- Dirás de todas as maneiras, rancheiro. Não estás a trocar informações para viver, mas para morrer... uma morte rápida.Elroy tinha abrigado esperanças. Deixou-se cair pesadamente para trás. Estava derrotado. Só lhe restava desejar que fosse rápido.Disse aos índios os nomes, as descrições e todos os lugares possíveis onde podiam ser encontrados os homens. Respondeu a cada uma das perguntas e depressa, concluindo com a frase: «Agora, mata-me.»- Como mataste as nossas esposas, mães e irmãs?O índio que falava de forma clara e precisa colocou-se aos pés de Elroy. Elroy podia vê-lo claramente; via o seu rosto, os seus olhos... Oh, Deus! Eram os olhos dela e olhavam-no com o mesmo ódio. Então Elroy supôs que esse homem não tinha a intenção de o matar com rapidez.Elroy humedeceu os lábios. Conseguiu balbuciar.- Era boa. Algo débil, mas satisfez-me completamente. Fui o último a possui-la. Morreu debaixo do meu corpo, com o meu...O grito desgarrado do índio interrompeu as palavras de Elroy. Um dos comanches tentou deter o jovem guerreiro, mas não conseguiu. A dor de Elroy foi mínima; foi o culminar das dores anteriores. O terrível foi a impressão de contemplar o membro que esteve a ponto de mencionar. O índio tinha-o cortado e mantinha-o ao alto. Depois matou-o.A uns cinco quilómetros de ali, Courtney Harte contemplava com desolação o conteúdo disperso da carroça: as roupas rasgadas, a porcelana partida, os alimentos pisados. Não conseguia decidir o que resgatar de tudo aquilo. Na realidade, não estava em condições de tomar nenhuma decisão. Sarah, põe sua vez, olhava para os seus pertences como se não se tivesse passado nada de grave.Para Courtney, o simples feito de estar viva era inacreditável. O seu pai tinha desaparecido.

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Berny Bixler, o vizinho mais próximo de Elroy Brower, tinha visto o fumo que saía de casa de Elroy e foi averiguar o que se passava. Encontrou os dois cadáveres atrás da casa e a Sarah e Courtney dentro do poço. Não havia sinais de Dallas, Elroy Brower nem de Edward Harte. Mas o pai de Courtney tinha estado ali porque o seu cavalo estava no milheiral e tinha manchas de sangue. Estaria Edward ferido?- Se tivesse fugido e se tivesse ido a Rockley em busca de ajuda, tinham-no visto – disse-lhes Berny - o mais provável é que os índios o tenham levado junto com os outros dois. Pensaram talvez que dois cativos corpulentos lhes seriam úteis.- Porque o diz, senhor Bixler? - Perguntou Sarah. - Pensei que, geralmente, levavam cativas as mulheres.- Rogo-lhe que me desculpe, senhora - disse Berny; - mas se um índio as visse a ambas, pensaria que não resistiriam à viagem.

- À viagem? Você parece saber o que pensam fazer estes índios - disse Sarah secamente. – Não sei como pode sabê-lo. Pode ser que tenham um acampamento nas proximidades, não é assim?- Tinham, senhora, claro que tinham. Por isso mesmo. Este ataque não se realizou para roubar gado. O filho de Lars Handley, John, foi a Rockley há duas noites e disse que ele, Elroy e Peter se tinham unido a uns homens de Wichita para eliminar os kiowas do Sul que pensavam atacar Rockley. Afirmou que já não teríamos problemas porque tinham matado até ao último homem, incluindo as mulheres e crianças. Mas parece que alguns sobreviveram. Os que vieram aqui talvez estivessem caçando e, ao regressar, comprovaram que a sua tribo tinha sido eliminada.- Essas são meras suposições, senhor Bixler. Os kiowas não devem ser os únicos índios que há por estas paragens.O rancheiro, contrariado, disse:- John Handley também se gabou de quanto tinha feito nesse acampamento indígena e que não posso repetir diante de uma dama.- Por Deus! - Exclamou Sarah, ironicamente. - De modo que violaram algumas índias. Isso não significa que...- Se deseja saber o que significa, vá ali contemplar o cadáver do Peter, senhora - disse com indignação. - Mas não lho aconselho. O que lhe fizeram não é agradável. Ao outro homem não lhe tocaram; a sua ferida era limpa. Mas é provável que tenha pesadelos durante muito tempo pensando no que fizeram com Peter. E calculo que encontraremos Elroy nas proximidades e que o seu aspecto será similar. Não é preciso ser muito inteligente para saber que só procuravam a eles os dois e porquê. Se lhes tivessem interessado as mulheres, teriam levado vocês. Não; foi uma vingança e nada mais.Depois de uma pausa, concluiu:- Procurem que John Handley e vá embora o quanto antes deste sitio, porque o assunto não acabou. Esses índios não cessarão até ter apanhado todos os homens que procuram.

CAPÍTULO 6

- Bem, ali vai outro, Charley. Pensas que teremos outro tiroteio?Charley deitou o resto de tabaco dentro da cuspideira que estava junto à varanda da galeria

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antes de olhar para o estranho que avançava pela rua.- Podia ser, Snub. Há outros dois na cidade. Podia ser...Os dois amigos puseram-se para trás nas suas cadeiras, frente ao estabelecimento de Lars Handley. Costumavam passar a maior parte do dia na loja de Handley, conversando sobre quantos passavam por ali. Desse sítio podiam ver os dois extremos da única rua da povoação.- Pensas que veio comprar gado? - Perguntou Snub.- Não tem tipo de vaqueiro - respondeu Charley. - Esse homem é um pistoleiro.- Muitos pistoleiros converteram-se em vaqueiros e vice-versa.- É verdade.Observando a expressão de Charley, Snub compreendeu que insistia na sua primeira opinião e que só tinha estado de acordo com ele para o satisfazer.- Pergunto-me quantos terá matado.- Eu não sei lho perguntaria - grunhiu Charley. Depois, de repente, entre cerrou os olhos. - Este parece conhecido. Não esteve aqui antes?- Creio que estás certo, Charley. Foi há um par de anos, verdade?- Diria que três ou quatro.- Sim. Eu lembro-me. Chegou muito tarde uma noite; reservou um quarto no hotel mas não permaneceu aqui. Lembro-me que fizeste um comentário sobre as extravagâncias dos jovens.Charley assentiu, satisfeito por os seus comentários fossem tão profundos para serem recordados.- No consigo recordar o nome que deu no hotel. Tu lembras-te?- Soava a estrangeiro, verdade?- Sim, mas é só o quanto recordo. Agora estarei a pensar durante todo o dia.- Bem, parece que se dirige novamente ao hotel - disse Snub quando o forasteiro deteve ali o seu cavalo. - Porque não nos aproximamos e damos uma vista ao livro de registos?- Agora não, Snub - respondeu Charley. - A mulher de Ackerman diz-nos.- Não sejas cobarde, Charley. É provável que a bruxa ainda não se tenha levantado da cama. E a menina Courtney não se importará se permanecermos durante uns minutos no vestíbulo a vermos o livro.- Covarde eu - grunhiu Charley. - Seguramente mudei de nome; todos o fazem, assim não poderei satisfazer a minha curiosidade. Mas se desejas que te grite essa harpia que se casou com o Harry, põe-te em pé e vamos para lá.Um leve sorriso assomou aos lábios de Courtney quando fechou a porta do quarto de hóspedes que acabava de limpar. Tinha encontrado outro jornal. Rockley não possuía um jornal próprio e as únicas noticias que lhe chegavam do mundo exterior provinham das conversas dos estranhos que passavam por ali ou de algum jornal que os hóspedes do hotel deixavam esquecido. Isso não ocorria com frequência. Quando se vivia numa povoação que não tinha jornal próprio, os jornais eram tão bons como os livros. A maioria das pessoas agarravam-se aos seus. Sarah possuía uma colecção de jornais, mas jamais a compartia, de maneira que Courtney sempre tratava de encontrar algum antes dela.Escondeu o jornal debaixo do monte de mantas sujas que devia lavar e foi para a escada, com a intenção de o guardar no seu quarto que era no andar de baixo, antes de se dedicar a lavar a roupa.No alto da escada, Courtney vacilou ao ver o forasteiro que aguardava no andar de baixo.

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Deteve-se e fez algo que rara vez fazia: olhou-o fixamente. Deu-se conta da sua própria atitude e repreendeu-se a si mesma, mas olhava-o. Por alguma razão, este homem suscitou o seu interesse como não tinha feito nenhum outro.Primeiro observou que era alto e rígido. Em segundo lugar, olhou o seu perfil aquilino. Mas o atractivo geral do seu rosto foi o que mais a impressionou. Estava segura de que devia ser muito bonito, mas só via o seu perfil esquerdo. E era moreno; levava jaqueta e calças pretas; os seus cabelos escorridos eram negros e a sua pele bronzeada. a camisa e o lenço que levava no pescoço eram cinzento-escuro.O homem não tinha tirado o chapéu de aba ao entrar, mas pelo menos não levava as esporas. Era estranho, já que os alforges que tinha no seu ombro sugeriam que tinha chegado à povoação cavalgando e Courtney nunca tinha visto um homem que cavalgasse sem esporas.Então observou o que antes não havia notado, porque só via o seu perfil esquerdo: trazia cintos duplos, o que significava que seguramente tinha um revólver junto ao seu músculo direito. Não era muito surpreendente, já que quase todos os homens do Oeste traziam revólver. Mas isso, unido ao seu aspecto, fê-la pensar que não o trazia só para se proteger.A Courtney desagradava-lhe os pistoleiros. Via-os como valentões provocadores e, na realidade, quase todos eles eram. Essa espécie de homens pensava que podia fazer ou dizer qualquer coisa. Eram muito poucos os que possuíam a coragem de se enfrentar com eles porque corriam o risco de morrer.Como Courtney trabalhava no único hotel da povoação, não podia evitar encontrar-se com pistoleiros. Um deles tinha estado a ponto de violá-la; outros tinham-lhe roubado beijos. Tinham lutado por ela, tinham-na cortejado e tinham-lhe feito as propostas mais incríveis. Por isso desejava fervorosamente sair de Rockley e nunca quis casar com nenhum homem do lugar, mesmo quando teve a oportunidade de fugir do hotel, onde trabalhava de manhã até à noite como qualquer criada.Depois de assinar o livro de registos, o forasteiro deixou a pena. Courtney voltou-se e desceu apressadamente pela escada de trás que dava directamente para o exterior. Não era a saída mais conveniente, mas não desejava passar pela cozinha, onde se podia encontrar com Sarah, que a repreenderia porque perdia o tempo. Não, rodearia o hotel e entraria pela porta principal. Mas fá-lo-ia depois que o forasteiro tivesse subido para o seu quarto.Não estava segura de porque não desejava que ele a visse, mas não o desejava. Não era porque vestisse o seu vestido mais velho nem porque estava despenteada. Não lhe importava o que pudesse pensar dela. Provavelmente, permaneceria ali só uma noite como a maioria dos hóspedes e assim não voltaria a vê-lo.Courtney dirigiu-se para a entrada principal, agachando-se ao passar frente às janelas do salão que davam para o lado do hotel, para poder espiar antes de entrar e assegurar-se que ele não estava ali. Foi para a porta sem se dar conta de que ainda levava entre os seus braços o monte de mantas sujas. Só queria chegar ao seu quarto, esconder o jornal e voltar ao seu trabalho.Da rua, Charley e Snub observavam as manobras de Courtney. Porque demónios examinava pela porta de entrada em vez de a abrir e se encostava contra o muro, como se se ocultasse? Mas então, a porta abriu-se e o desconhecido saiu, cruzou a galeria, desceu os degraus e dirigiu-se até onde estava o seu cavalo. Como olhavam para o pistoleiro, não viram Courtney que entrava rapidamente no hotel. Depois Snub deu-se conta de que já lá não estava.- O que foi isto?

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Charley estava a observar o forasteiro, que levava o seu cavalo ao estábulo.- O quê?- Tive a impressão que a menina Courtney se estava a esconder desse homem.- Bom, não se a pode culpar por isso. Recordas o que sucedeu com Polecat Parker: levou-a para o seu quarto e aterrorizou-a com as suas atitudes. Não sei o teria acontecido se Harry não a tivesse ouvido gritar e não o tivesse expulsado com a sua espingarda. E depois o estúpido vaqueiro que se tentou apoderar dela na rua e a levou com ele. Ela magoou seriamente o tornozelo ao cair do cavalo. E depois...- Ambos sabemos que tem tido problemas desde que vive aqui, Charley. Provavelmente pensa que este também os causará. Por isso trata de não se cruzar com ele.- Talvez. Mas, alguma vez a viste sair do hotel só para iludir um homem?- Não.- Então, quem sabe esteja interessada neste.- Maldição, Charley, isso não faz sentido.- Acaso o que fazem as mulheres tem sentido alguma vez? - Perguntou Charley, rindo.- Mas... achei que pensava casar-se com Reed Taylor.- Isso é o que a sua madrasta quer. Mas não sucederá; sei por Mattie Cates. Courtney gosta tanto de Reed como gostava Polecat.Dentro do hotel, Courtney dirigiu um olhar rápido ao registo que estava aberto sobre a escrivaninha, antes de ir para o seu quarto. Chamava-se Chandos. Isso era tudo; apenas um nome.

CAPÍTULO 7

- Por favor, Courtney, depressa. Não tenho muito tempo e prometeste ajudar-me a escolher o tecido do meu novo vestido.Courtney olhou para Mattie Cates por cima do seu ombro. Mattie estava sentada sobre um barril. Courtney fez um gesto pouco amável.- Se tens tanta pressa, vem e ajuda-me a estender estas mantas.- Estás a brincar? Quando chegar a casa devo lavar a minha própria roupa, e as ceroulas de Pearce são pesadíssimas. Os meus braços estariam desfeitos de começasse agora. Não sei porque me casei com um homem tão corpulento.- Quem sabe estavas apaixonada - sugeriu Courtney, sorrindo.- Quem sabe - respondeu Mattie, sorrindo por sua vez.Mattie Cates tinha características contraditórias. A ruiva pequena, de olhos azuis, era geralmente cordial e amistosa; mas noutras ocasiões era reservada e silenciosa. Aparentemente independente e às vezes tão autoritária como Sarah, também tinha inseguranças ocultas, as que só as suas amizades íntimas conheciam. Courtney era uma das suas amigas íntimas.Mattie acreditava firmemente que obtinha da vida o que punha nela, que podia fazer quanto se propusera e dizia: «faz por ti mesmo, porque ninguém o fará.»Mattie tinha demonstrado a veracidade dessa filosofia, superando o seu próprio carácter e conquistando Pearce Cates dois anos atrás, quando ele era um dos homens que estavam apaixonados por Courtney.Mattie nunca tinha censurado à sua amiga essa paixão. Tinha-se alegrado quando Courtney se

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transformou de patinho feio num lindo cisne e considerava engraçado que os homens que jamais tinham reparado em Courtney, imediatamente se sentiram tão atraídos por ela.Em ocasiões, Mattie pensava que Courtney era a sua criação. Não no que concerne à beleza, naturalmente, pois esta era consequência do crescimento dos dois últimos anos e, com grandes esforços, ela tinha conseguido adelgaçar. Mas Courtney já não era tão tímida nem nervosa como antes, nem aceitava as culpas por tudo quanto lhe acontecia, como se o merecesse. Devia estimulá-la, acicatá-la e amedrontá-la, mas Mattie gostava de pensar que tinha conseguido insuflar um pouco de coragem na sua amiga.Courtney até se atreveu a enfrentar Sarah; nem sempre, mas muito mais do que antes. Nem sequer tolerava já as imposições de Mattie. Courtney tinha comprovado quão grande era a sua coragem.Courtney depositou o cesto vazio sobre a tina de lavar.- Bom, menina impaciência, vamos.Mattie inclinou a cabeça para um lado.- Não te vais pentear ou mudar de vestido?Courtney tirou o elástico com que segurava os seus compridos cabelos castanhos, voltou a prendê-los e alisou-os com as mãos.- Já está.Mattie riu.- Creio que estás bem. Os teus vestidos velhos assentam-te melhor que o meu mais bonito vestido novo.Courtney sorriu levemente, mas voltou-se para que Mattie não o notasse. Ainda usava a roupa que tinha há quatro anos atrás quando foi pela primeira vez a Rockley, apesar de que já lhe parecia pequena e de que os seus vestidos eram de cor pastel, como os que usavam as moças mais jovens. Tinha-os arranjado para adaptá-los à sua silhueta delgada e alguns dos vestidos possuíam bainhas amplas que lhe permitiram alargá-los. Mas a maior parte deles foram alargados com vários pedaços de pano.Os velhos vestidos de Courtney, de seda e musselina de crepe da China e de Angorá, os seus colarinhos, os seus xailes e blusas e até os seus casacos de verão e inverno, de veludo fino, estavam fora de lugar em Rockley. E Courtney nunca tinha gostado de chamar a atenção. O seu aspecto já a fazia por si chamativa, e incomodava-lhe que a sua vestimenta piorasse a situação.Rockley era uma povoação pequena; só possuía duas tabernas e um bordel de recente inauguração. Havia uma grande escassez de mulheres jovens e solteiras, e nos dois últimos anos, Courtney tinha sido muito cortejada.Quando Richard, o jovem ferreiro, a pediu em casamento, surpreendeu-se tanto que esteve a ponto de o beijar. Nunca pensou que lhe fariam uma proposta séria e honesta. Mas o ferreiro só queria uma esposa. Não a amava. Ela tampouco o amava. O mesmo sucedeu com Judd Bakes, com Billy e com Pearce, que também desejavam casar-se com ela. E não estava apaixonada por Reed Taylor, que sempre a perseguia. Dava por certo que finalmente a conquistaria.- Alguma vez ouviste falar de um tal senhor Chandos, Mattie?Courtney ruborizou-se, perguntando-se porque formulava essa pergunta. Caminhavam para o hotel e Mattie respondeu:- Não. Parece um nome saído de um livro de história, similar aos dos antigos cavaleiros medievais de quem me falaste.

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- Sim; soa um tanto fora de época, verdade?- Também soa um tanto estranho. Porque perguntas?- Por nada.Courtney encolheu os ombros. Mas Mattie insistiu.- Vamos. De onde ouviste esse nome?- Reservou um quarto no hotel esta manhã. Pensei que já tinhas ouvido falar dele; que talvez fosse conhecido.- Outro com má reputação, não? - O seu aspecto o faz supor.- Bem, se é um homem mais velho, podia perguntar ao Charley ou ao Snub. Conhecem todos os pistoleiros de péssima reputação e sabes que lhes fascinam os falatórios.- Não é tão velho; deve ter vinte e cinco ou vinte e seis anos.- Então é provável que não o conheçam, mas se só desejas saber quantos homens matou...- Mattie! Não desejo saber tal coisa.- Bem, então, o que desejas saber?- Nada; nada em absoluto.- Então, porque perguntas? - Um momento depois adicionou - É esse?O pulso de Courtney acelerou-se e logo voltou ao seu ritmo normal. Na margem da frente, junto à taberna de Reed, apoiado contra um poste, estava um dos outros dois pistoleiros que tinham chegado recentemente à povoação.- Não; esse é Jim Ward – informou Courtney. - Chegou ontem, com outro homem.- Jim Ward? Esse nome sim parece-me conhecido. Não era um dos que aparecia num cartaz enviado por Wild Bill de Abilene o ano passado e nele pediam a sua captura?Courtney encolheu os ombros.- Nunca compreendi porque o xerife Hickok nos enviou esses cartazes. Nunca tivemos um xerife na povoação. - Ninguém queria ocupar esse cargo em Rockley e por essa razão muitos bandidos afluíam à povoação. - Não importaria que o procurassem. Quem o prenderia em Rockley?- É verdade - disse Mattie - mas ajuda-nos a saber de quem devemos mantermo-nos afastadas.- Eu mantenho-me afastada de todos eles o mais possível - disse Courtney, estremecendo.- Naturalmente, mas sabes o que quero dizer. Se Harry tivesse sabido que Polecat Parker o procurava, tinha-o matado em vez de o expulsar simplesmente da povoação.Courtney ficou tensa ao ouvir mencionar esse nome.- Não me lembres. Durante meses, Sarah enfureceu-se muito quando pensava na recompensa de mil dólares que recebeu uma pessoa da cidade de Hays por capturar esse bandido.Mattie riu.- Sarah enfurece-se sempre por algo.As duas jovens cruzaram a rua, com a esperança de evitar os fortes raios de sol. O verão chegava ao seu fim, mas no Kansas não se notava. Courtney não se expunha ao sol, excepto quando estendia a roupa, mas ainda assim, todos os verões adquiria um suave tom bronzeado. Combinava muito bem com a cor dourada dos seus olhos.Lars Handley sorriu às jovens quando entraram na sua loja. Estava a atender Birney Bixley, que também as saudou. Outros quatro clientes se aproximaram. Na loja de Handley podia-se encontrar praticamente qualquer coisa, sempre que se tratasse de um objecto prático. A única coisa que não se vendia, era carne; mas Zing Hodges, um ex-caçador de búfalos, tinha aberto

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um mercado de carne junto à loja de Handley. Também na loja de Handley, os homens podiam barbear-se ou cortar o cabelo e, em caso de necessidade, Héctor Evans podia extrair-lhes um dente. O barbeiro alugava aquele pequeno canto da loja a Lars, porque nunca se decidia a estabelecer-se definitivamente em Rockley, de modo que não desejava investir dinheiro numa loja própria.Mattie levou Courtney para o muro onde colavam os velhos cartazes com os rostos dos homens procurados pela lei.- Vês? - disse Mattie. - Trezentos dólares de recompensa por Jim Ward. Acusado de assassinato, roubo à mão armada e outros crimes no Novo México.Courtney examinou o cartaz e o retrato feito a lápis do homem que efectivamente se parecia com Jim Ward que se alojava no hotel.- Diz que o procuram vivo ou morto. Porque fazem isso, Mattie? Desse modo concedem a todos o direito de matar.- Devem fazê-lo; de contrario, ninguém se preocuparia por procurar os criminosos. Pensas que alguém se atreveria a persegui-los se soubessem que não podiam matá-los? Sempre se produz uma luta e se o caçador, o xerife ou quem seja for, não é um bom atirador, é morto. Corre esse risco. Se é bom, captura o homem e obtêm a recompensa; e há um criminoso a menos para incomodar as pessoas decentes. Preferirias que ninguém o fizesse?- Não, suponho que não - aceitou Courtney suspirando. Nunca tinha respostas para os argumentos razoáveis de Mattie. - Mas parece tão cruel...- És demasiado bondosa - sentenciou Mattie. – Não me vais dizer que lamentaste a morte de Polecat Parker.- Não.- Ah bom; são todos iguais, Courtney. É melhor para nós todos que estejam mortos.- Imagino que sim, Mattie.Mattie sorriu.- Não tens remédio, Courtney. Terias compaixão por uma serpente.Courtney meneou a cabeça.- Uma serpente? Não acredito.- Bom, de todos os modos - disse Mattie assinalando o cartaz - é lógico que este tonto mude o nome, havendo tantos cartazes como este à vista.- Quem sabe gosto do meu nome.As jovens reprimiram o fôlego e voltaram-se. Jim Ward estava junto a elas e não parecia nada contente. De estatura média, magro, olhos juntos e nariz torcido, usava um bigode descuidado que se estendia até ao maxilar. Arrancou o cartaz, dobrou-o e guardou-o no seu bolso. Poisou os seus frios olhos cinzentos sobre Mattie, que emudeceu. Courtney só conseguiu argumentar:- Não o disse intencionalmente, senhor Ward.- De todas as maneiras, não gosto que me chamem de tonto.- Vai-me matar? - Disse ironicamente Mattie, fazendo gala da súbita audácia.Courtney teve desejos de a beliscar. Os joelhos tremiam-lhe.- Parece-me uma excelente ideia - disse Ward com veemência.- Um momento - disse Lars Handley. - Não quero problemas na minha loja.- Então permaneça onde está, velho - ordenou bruscamente Ward e Lars deteve-se. – Isto é entre a menina mexeriqueira e eu – concluiu Ward.

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Lars olhou a arma que guardava por baixo do balcão, mas não se moveu.Ninguém o fez. Havia um silêncio mortal. Charley e Snub tinham entrado atrás de Ward e estavam sentados no canto do barbeiro, apreciando o espectáculo.Héctor, que tinha acabado de barbear um cliente, viu que lhe tremiam as mãos. O cliente limpou o rosto, mas não se levantou. Como os demais, observava em silencio o desenrolar do drama.Courtney estava à borda das lágrimas. Deus meu, ela tinha-se compadecido há uns instantes desse homem porque algum dia, alguém podia matá-lo.- Mattie? - Disse, tentando acalmar-se. - Mattie, vamos.- Vá! - Disse Jim, tomando uma das tranças de Mattie, atraindo-a para si. - Ela não vai até que se desculpe. Depois ocupar-me-ei de ti, querida. E então? - Perguntou a Mattie.Courtney conteve o fôlego ao ver que os olhos azuis de Mattie lançavam faíscas.- Desculpe - disse Mattie finalmente, em voz baixa.- Em voz alta.- Desculpe! - Gritou a jovem com fúria.Rindo, Jim Ward soltou-a.Mas os seus olhos fixaram-se em Courtney. Sorriu de um modo desagradável.- Agora, tu e eu podemos ir a um sítio tranquilo para nos conhecermos melhor, querida. Olhei para ti desde que...- Não - disse Courtney bruscamente.- Não? - Ward revirou os olhos. - Estás a dizer-me que não?- Devo... devo regressar ao hotel, senhor Ward.- Ah! – Percorreu o braço de Courtney com os dedos e depois agarrou-o firmemente. - Creio que não me compreendeste, querida. Disse que nos íamos conhecer melhor e é isso que vamos fazer.- Por favor, não - gritou Courtney quando ele começou a arrastá-la para fora da loja.Ele não fez caso dos seus gritos.- Solta-a, Ward.- O quê? - Jim deteve-se e olhou em redor. Tinha ouvido bem?- Não vou repetir.Jim permaneceu ali com Courtney, olhando à sua volta até encontrar o seu interlocutor.- Tens duas opções, Ward - disse o homem serenamente – Desembainha a tua arma ou vai embora. Mas não demores muito a tomar a decisão.Jim Ward soltou Courtney e com a mão direita alcançou o seu revolver.No mesmo instante caiu morto.

CAPITULO 8

Courtney decidiu concentrar-se nos pensamentos felizes. Recordou a primeira vez que tinha montado sem sela e como a tinha surpreendido comprovar que essa maneira de cavalgar era muito fácil. Recordou a ocasião em que Mattie a ensinou a nadar. A primeira vez que ordenou a Sarah que se calasse e a expressão de Sarah nessa altura.Não dava resultado. Ainda via a imagem do homem que caiu morto frente à loja de Lars Handley. Nunca tinha visto um homem morto. Não tinha sido testemunha de outras mortes em

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Rockley. Nem tinha visto os cadáveres do jovem Peter nem de Hayden Sorrel na quinta de Brower, no dia em que a sua vida mudou de uma maneira tão atroz, pois Berny Bixler tinha coberto os corpos antes que ela os pudesse ver.Na loja tinha feito papel de uma tonta, gritando até que Mattie conseguiu acalmá-la e a acompanhou de regresso ao hotel. Agora estava estendida na sua cama com uma compressa fria sobre os olhos.- Toma, bebe isto.- Oh, Mattie, deixa de tratar de mim.- Alguém deve fazê-lo, especialmente depois da forma como a Sarah te tratou - replicou Mattie. A indignação fazia brilhar os seus olhos azuis. - Que injusta! Culpar-te pelo sucedido. Na realidade, a verdadeira culpada fui eu.Courtney levantou a compressa para olhar para Mattie. Não a podia contradizer. A verdade era que Mattie tinha piorado as coisas com a sua impertinência.- No sei o que me deu - disse Mattie, mais serenamente. - Mas estou orgulhosa de ti, Courtney. Há dois anos tinhas desmaiado. Hoje fizeste frente a esse canalha.- Estava morta de medo, Mattie - confessou Courtney. - Tu não?- Claro que sim – respondeu a jovem. - Mas quando me assusto, ataco. Não consigo evitar. Agora, bebe isto. É um cura-tudo que prepara a minha mãe e vais ficar bem depressa.- Mas não estou doente, Mattie.- Bebe.Courtney bebeu a poção de ervas, depois fechou os olhos e voltou a deitar-se.- Sarah foi injusta, não foi?- Naturalmente que foi. Se queres saber o que penso, direi que estava contrariada porque não conheceu esse malvado e não teve a oportunidade de se introduzir no seu quarto para o matar e obter a recompensa de trezentos dólares.- Pensas que Sarah mataria alguém?- Não duvido - respondeu Mattie sorrindo. - Posso imaginá-la deslizando pelo corredor, de noite, com o revolver de Harry na mão...- Basta, Mattie - riu Courtney.- Assim está melhor. Deves rir-te do que te acontecer. E vê deste ponto de vista: tens o dia livre.- Preferia não vê-lo assim - disse Courtney tristemente.- Vamos, Courtney, não te culpes. Não podes evitar que os homens actuem estupidamente quando estão contigo. E esse canalha recebeu o que mereceu. Sabes muito bem o que te teria feito se pudesse estar a sós contigo.Courtney estremeceu. Sabia. Tinha-o visto nos olhos de esse homem. E as suas súplicas teriam sido inúteis.- Foi realmente um tonto ao pensar que ninguém o deteria - prosseguiu Mattie. - Bom, talvez não. O facto é que ninguém o teria detido se não o tivesse feito esse desconhecido. E Ward podia escolher. Podia ter saído, mas tentou disparar contra esse homem. Foi ele que escolheu. Depois de uma pausa continuou - Estás em divida com o desconhecido, Courtney. Pergunto-me quem será.- O senhor Chandos - informou Courtney em voz baixa.- Maldição - exclamou Mattie. – Devia ter imaginado. Por Deus, agora compreendo porque te intrigava. É forte e atraente, não?

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- Suponho que sim.- Supões? - Perguntou Mattie, sorrindo. - Esse homem salvou a tua honra, Courtney. Deves agradecer-lhe antes que se vá embora.- Vai-se embora?Mattie assentiu.- Ouvi o Charley e o Snub que falavam no vestíbulo. Vai levar o cadáver de Ward a Wichita para receber a recompensa.Courtney sentiu-se muito fatigada.- Não deverias voltar para tua casa, Mattie?- Sim, creio que sim. Pearce compreenderá o meu atraso quando lhe contar o sucedido. Mas deves prometer-me que não passarás toda a noite a meditar sobre o assunto.- Não o farei, Mattie - respondeu suavemente Courtney. - Só serviu para reforçar a minha decisão de regressar ao Oeste. Lá não sucedem estas coisas. Esta terra não é civilizada, Mattie.Mattie sorriu afectuosamente.- Não tiveste a sorte de encontrar a tua tia. Só descobriste que tinha morrido, de modo que não tens ninguém no Oeste, Courtney.- Eu sei. Mas posso arranjar um emprego, ainda que faça o mesmo que tenho estado a fazer durante os últimos quatro anos. Não me importa. Mas aqui não me sinto segura, Mattie. Harry não me protege. Apenas sabe que existo. Necessito de segurança e, se não a tenho junto de Harry e Sarah, devo encontrá-la num lugar seguro.- Decidiste viajar sozinha?- Não - disse Courtney melancolicamente. - Não conseguia fazê-lo. Mas tu sabes que Hector Evans pensa sair daqui. Talvez depois do que aconteceu hoje, decida voltar ao Este. Podia oferecer-lhe dinheiro para que me leve com ele. Tenho dinheiro, mas Sarah não sabe.- Sim, podias pagar a Hector, mas seria gastar mal o dinheiro, pois nem sequer sabe proteger-se a si mesmo. Já sabes que na actualidade estão a assaltar os comboios no Missouri. É provável que te encontres com o bando de James ou algum outro e que percas o pouco dinheiro que tens.- Mattie!- Bom, é a verdade.- Pois será um risco que terei que enfrentar.- Bem, se estás decidida a partir, pelo menos escolhe a companhia de alguém que não seja um covarde. Talvez Reed te acompanhasse se lhe pedisses com gentileza.- Insistiria em casar-se comigo antes.- Podias fazê-lo - sugeriu Mattie. - Porque não?- Não estou para brincadeiras - disse Courtney, franzindo o rosto. - Sabes que nem sequer gosto do Reed.- Está bem - disse Mattie sorrindo. - Será melhor que me vá, Court. Podemos falar disto amanhã. Mas não contes com o Hector. Não faria absolutamente nada se alguém tentasse roubar-te. A verdade é que precisas de alguém como Chandos. Ele não permitiria que ninguém te incomodasse. Não pensaste em lhe pedir?- Não; não conseguiria - disse Courtney, estremecendo. - É um assassino.- Por Deus, Courtney, não me ouviste? É exactamente a espécie de homem que necessitas para que te acompanhe. Se te preocupa tanto a tua segurança, bom...

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Quando Mattie saiu, Courtney permaneceu encostada, pensando nas suas palavras. Não, Mattie estava enganada. Se pensasse em se dirigir para o Oeste, para o Sul ou para o Norte, podia sentir-se segura com um homem como o senhor Chandos. Mas ia para o Este; regressava à civilização. Por outro lado, o comboio não estava longe. Seria uma viagem sem problemas. Só precisava de alguém com quem viajar para não estar só.Mas Mattie estava certa a respeito de uma coisa: devia agradecer ao senhor Chandos pela sua intervenção. Courtney investiu uma hora mais para reunir a coragem necessária e procurar o seu salvador.Esperava não encontrá-lo no seu quarto. Ao anoitecer, a sua tarefa consistia em repor a água e as toalhas dos hóspedes, mas, como era hora de jantar, esperava que o senhor Chandos estivesse no salão. Depois podia dizer a Mattie que tinha tentado agradecer mas que não o tinha encontrado. Já se sentia culpada. Devia agradecer-lhe e sabia disso, mas intimidava-a encontrar-se frente a frente com esse homem perigoso. Não obstante, se não estivesse no seu quarto, podia deixar-lhe uma nota.Bateu duas vezes à porta, contendo o fôlego. Escutou com atenção e depois tentou abri-la. Estava fechada à chave. Não existiam duplicados dos quartos dos hóspedes, pois Harry achava que se um hóspede fechava o seu quarto com a chave, fazia-o porque não desejava que ninguém entrasse. E, por outro lado, dada a espécie de clientes que tinham, podia receber um tiro se entrasse num quarto sem a permissão do cliente.Courtney respirou aliviada. Este homem era perigoso, do tipo de quem ela sempre tentava evitar.Mas, curiosamente, experimentou uma estranha sensação de decepção ao não o encontrar. Quando disse a Jim Ward que a soltasse, ela tinha perdido o medo. Este pistoleiro fazia-a sentir-se segura. Não experimentava essa sensação desde a morte do seu pai.

Courtney afastou-se da porta, com a intenção de escrever uma nota que deixaria o seu nome na portaria. Mas, de repente, a porta abriu-se. Voltou-se novamente e ficou petrificada. Ele tinha um revólver na sua mão.- Desculpe-me - disse e guardou a arma no seu coldre. Abriu mais a porta pôs-se de lado. - Entre.- Não... não posso.- A água que traz não é para mim?- Sim; naturalmente... lamento... vou colocar estas coisas no seu lavatório.Courtney, com as bochechas encarnadas, dirigiu-se rapidamente para o lavatório e deixou ali as toalhas e a água. Estava muito nervosa. O que pensaria dela? Primeiro, tinha atuado como uma histérica na loja de Handley e agora balbuciava como uma idiota.Teve que se armar de coragem para o olhar na cara. Ele estava apoiado contra o caixilho da porta com os seus braços cruzados; o seu corpo alto fechava-lhe a única saída possível. Não sabia se o fazia intencionalmente ou não. Mas, à diferença dela, estava muito sereno. Dava toda a sensação de se sentir muito seguro de si mesmo, e isso fê-la sentir ainda mais tonta.Ele olhava-a fixamente com os seus belos olhos azuis que pareciam desnudá-la interiormente, deixando a descoberto todas as suas debilidades. Ele, por sua vez, não revelava nada de si mesmo; nem curiosidade, nem interesse, nem um vislumbre de atração por ela. Com grande esforço, ela recompôs-se e subitamente enfureceu-se consigo mesma.

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«Vamos, Courtney, acaba com isto e sai daqui, antes que destruas toda a confiança em ti mesma que conseguiste acumular em tantos anos.»- Senhor Chandos...- Senhor não. Só Chandos.Ela não tinha descoberto antes, mas a voz dele tinha um timbre profundo e tranquilizador.Corando, tentando recordar o que lhe ia dizer.- Está assustada - disse ele bruscamente. - Porquê?- Não, não estou; a sério que não. - «Não divagues, Courtney». - Queria... queria agradecer-lhe o que fez esta manhã.- Por matar um homem?- Não, não por isso. «Oh, Deus, porque fazes tudo tão difícil?» Quis dizer... Creio que isso foi inevitável. Mas você... salvou-me... Ele não fez caso e... e você deteve-o e...- Menina, será melhor que saia daqui antes que desmaie.Deus, ele podia adivinhar os seus pensamentos! Mortificada, Courtney viu que abria a porta. Ela saiu a correr.Não se teria detido se a vergonha que lhe provocava o fato de se ter comportado tão tontamente não tivesse sido mais forte que a sua mortificação. Voltou-se. Ele continuava a olhá-la com aqueles incríveis olhos azuis. O seu olhar tranquilizou-a, afugentando os seus temores e serenando-a. Não conseguia compreendê-lo, mas alegrou-se que assim fosse.- Obrigado - disse simplesmente.- Não há de quê. Pagaram-me pelo que fiz.- Mas você não sabia a justiça o procurava.- Não?Ele tinha estado na loja. Podia ter ouvido as palavras de Mattie. Mas, ainda assim...- Qualquer que tenha sido o seu motivo, senhor, você ajudou-me - insistiu Courtney. – E, aceite ou não, agradeço.- Como queira - disse ele.O tom da sua voz indicava que a estava a despedir.Courtney saudou-o rigidamente com uma inclinação de cabeça e saiu, acelerando o passo antes de chegar à escada. Sabia que ele estava a olhar. Afortunadamente, brevemente partiria. Esse homem exasperava-a.

CAPITULO 9

Quando Reed Taylor foi visitar Courtney essa noite, ela negou-se a recebê-lo. A sua atitude valeu-lhe uma reprimenda severa de Sarah, mas não se importou.Sarah gostava de Reed. Courtney compreendia porquê. Ambos eram semelhantes: autoritários e dominantes; era difícil dar-se bem com eles. E ambos tinham decidido que ela devia casar-se com Reed. Parecia não lhes importar a opinião de Courtney.Sim; Sarah patrocinava o seu casamento com Reed. Ultimamente, cada vez que falava com ela, terminava dizendo:- Quero que te cases e me livres da tua presença. Tomei conta de ti durante muito tempo.Não era verdade. Courtney ganhava a vida. Na realidade, Sarah só lhe dava alojamento e

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alimentação. Nunca tinha dado a Courtney nem um centavo por todo o trabalho que realizava, nem sequer para que adquirisse o indispensável. Courtney ganhou dinheiro cozendo para as meninas Coffman no seu tempo livre. Não queria que Sarah soubesse que tinha quinhentos dólares escondidos no seu quarto.Esse dinheiro provinha da venda de alguns móveis que os novos donos não quiseram conservar quando Courtney, o seu pai e Sarah venderam a casa de Chícago. Sarah não sabia que o dinheiro tinha sido entregue a Courtney nem que esta não o tinha dado ao seu pai. Edward estava demasiado preocupado para o reclamar e, no meio do transtorno da partida, Courtney tinha-se esquecido dele. Guardou-o no fundo de um baú e permaneceu ali, mesmo durante o ataque dos índios.Não sabia porque não havia mencionado a existência desse dinheiro quando Sarah se queixou da sua falta de recursos, de Edward não ter guardado todo o seu dinheiro, mas agora, Courtney alegrava-se de se ter calado.Supôs que, se se tivesse dado uma situação de extrema necessidade, teria empregado o dinheiro, mas não se tinha dado o caso. De repente, Sarah obteve emprego para ambas no hotel e, três meses mais tarde, Sarah casou com Harry Ackerman, dono do estabelecimento. Não era tão bom partido como Edward, mas as perspectivas eram boas.O matrimónio não favoreceu Courtney: Sarah dedicou-se a dar ordens e a não fazer nada.Courtney sabia muito bem porque Sarah estava ansiosa por se desfazer dela. As pessoas tinham começado a referir-se a Sarah como «a velha Sarah», pois pensavam que Courtney era sua filha. Ainda que Sarah assinalasse com frequência que Courtney tinha dezanove anos e que cumpriria vinte antes do fim do ano, os outros viam-nas como mãe e filha. Sarah só tinha trinta e quatro anos e isso era intolerável.

Sarah tinha começado a insistir que Courtney se casasse quando planeou com Harry mudar-se para a avançada Wichita. Já tinham começado a construir o seu novo hotel. Segundo Reed, era o sítio adequado para ganhar muito dinheiro. Reed também pensava ir. A sua nova taberna e sala de jogos de Wichita estariam concluídas antes que começasse a temporada de 73.A Sarah não lhe importava se Courtney iria para Wichita ou não, desde que não continuasse a viver com eles.Courtney estava alarmada perante a perspectiva de ir para Wichita. Parecia-lhe dez vezes pior que Rockley, dado os maus elementos que ali habitavam. No desejava acompanhar Sarah e muito menos casar-se com Reed. Mas não tinha outra opção, até que começou a elaborar o seu próprio plano.Sempre tinha desejado regressar ao Oeste e agora já não queria permanecer em Rockley e temia viver em Wichita debaixo da precária protecção de Harry.Courtney revolvia-se no seu leito, sem poder conciliar o sono. Finalmente, acendeu a vela que estava junto à sua cama e procurou o jornal que tinha escondido na sua cómoda. Tinha ansiado lê-lo durante todo o dia. Decepcionada, viu que não se tratava dum jornal do Oeste, mas de um semanário de Fort Worth, Texas, e tinha oito meses de antiguidade. Mesmo assim, era um jornal, ainda que estivesse enrugado e borrado. Estendeu-o sobre a sua cama e leu alguns artigos, excepto o que se referia a um tiroteio. Recordava-se demasiado do senhor Chandos e o defunto Jim Ward.O seu pensamento livrou-se de Ward mas deteve-se em Chandos, ainda que se esforçasse por

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não pensar nele. Devia admitir que a atraía e que a tinha atraído desde que o viu pela primeira vez. No era o primeiro homem que lhe parecia atraente, mas nenhum a tinha perturbado tanto. Quando Reed Taylor chegou à povoação, tinha-se sentido atraída por ele, mas quando o conheceu, a atracção esfumou-se.A diferença a respeito de Chandos era que sabia quem era, a que se dedicava e ainda assim parecia-lhe irresistivelmente atraente.Era delgado e forte da cabeça aos pés; o seu rosto, a sua cintura e os compactos músculos das suas pernas eram igualmente atraentes. As suas costas amplas seriam desproporcionadas para um homem mais baixo, mas era perfeita para a sua estatura. O seu rosto estava bronzeado pelo sol e a sua pele era lisa, à excepção de uma pequena cicatriz na sua face esquerda. Mas era a sua boca e os seus olhos que, combinados, determinavam que o seu rosto fosse tão perturbadoramente atraente. Tinha lábios rectos, de linhas muito sensuais. E os seus olhos eram o seu traço mais sobressalente: a sua cor clara contrastava com a pele escura e tinham espessas pestanas negras. Não obstante, era inegavelmente masculino.Junto a ele, Courtney tinha plena consciência da sua própria feminilidade e isso explicava as suas atitudes tontas.Courtney suspirou. Voltou a fixar a atenção no jornal e viu a fotografia que tinha estado a olhar sem ver. Então o seu coração acelerou; não podia crer. Seria possível? Não... Sim!Rapidamente leu o artigo que acompanhava a fotografia borrada; era a primeira vez que via uma fotografia num jornal. O artigo falava de um tal Henry McGirmis, conhecido ladrão de gado do condado de McLennan, Texas, que tinha sido surpreendido em flagrante delito pelo rancheiro Fletcher Stratton. Os homens de Stratton tinham levado McGinnis à povoação mais próxima, que era Waco. Não se mencionavam outros nomes, excepto o do xerife e os dos vaqueiros que lhe entregaram o prisioneiro. Na fotografia via-se o ladrão quando era conduzido pela rua principal de Waco enquanto as pessoas da povoação observava o facto. O fotógrafo tinha focado especialmente McGinnis, e os rostos dos espectadores que estavam atrás dele não se viam com clareza. Mas um deles era exactamente igual a Edward Harte.Courtney envolveu-se num robe e levou o jornal e a vela. Correu para o quarto de Sarah e Harry, próximo do dela.Quando bateu à porta ouviu uma maldição, mas ela não podia conter a sua ansiedade. Harry grunhiu ao ver que se tratava de Courtney. Sarah olhou-a com fúria.- Tens ideia da hora que é?- Sarah - exclamou Courtney. – O meu pai está vivo.- Quê? - Exclamaram ambos em uníssono.Harry olhou Sarah de lado.- Isso significa que não estamos casados, Sarah?- De maneira nenhuma - replicou Sarah. - Courtney Harte, como te atreves...?- Sarah, olha - interrompeu Courtney, sentando-se na cama para lhe mostrar a fotografia. Não podes dizer que esse não é o meu pai.Sarah olhou a fotografia. Logo o seu rosto se relaxou.- Volta para a cama, Harry. Esta menina tem demasiada imaginação. Não podias aguardar até amanhã, Courtney, antes de vir com essa estupidez?- Não é uma estupidez. Esse é o meu pai. E a fotografia foi tirada em Waco, o que prova...- Nada - disse Sarah ironicamente. - Há um homem em Waco que se parece vagamente com

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Edward; e eu disse vagamente. A fotografia está borrada e os traços desse homem não se vêm com clareza. Só porque existe certa semelhança, não significa que seja Edward. Edward está morto, Courtney. Todos coincidiram em que não podia ter sobrevivido ao cativeiro.- Todos, menos eu - respondeu Courtney, aborrecida. Como podia Sarah diminuir importância a uma prova como essa? - Nunca acreditei que estivesse morto. Pode ter escapado. Pode...-Tonta. Nesse caso, onde esteve durante quatro anos? Em Waco? Porque não nos procurou? - Sarah suspirou - Edward está morto, Courtney. Nada mudou. Agora, vai dormir.- Vou a Waco.- Quê? - Depois Sarah desatou a rir. - Claro. Se desejas que te matem por viajar sozinha, o faz. - Logo disse bruscamente – Fora daqui; deixa-me dormir.Courtney ia responder, mas mudou de ideia. Saiu em silêncio do quarto.Não regressou ao seu. Não estava a imaginar coisas. Ninguém poderia convencê-la de que essa não era a fotografia do seu pai. Estava vivo. Instintivamente sabia-o; sempre o soube. Se ido para Waco. Ela não sabia porquê. Tampouco podia explicar porque nunca tentou encontrá-la. Mas ela estava decidida a encontrá-lo a eleAo diabo com Sarah. Tinha-se zangado porque não desejava que Edward estivesse vivo. Tinha encontrado um marido que a converteria numa mulher rica e que era melhor que Edward para ela.Courtney foi para o vestíbulo do hotel. Sobre a escrivaninha da portaria havia uma vela acesa, mas o jovem Tom, que permanecia ali durante toda a noite para receber alguém, não estava. Quando não havia ninguém na portaria, os clientes podiam despertar todos com os seus gritos para pedir um quarto. Já tinha sucedido algumas vezes.Courtney no deu importância à ausência de Tom nem ao fato de que ela estar em robe e camisa. Com a vela na mão e o valioso jornal debaixo do braço, subiu a escada que levava aos quartos dos hóspedes.Sabia exactamente o que fazer. Era o mais audaz que tinha feito na sua vida. Se pensasse, não se atreveria a fazê-lo, de modo que não pensou. Não vacilou nem sequer um segundo quando bateu à porta, ainda que o fizesse suavemente. Que hora era? Não sabia, mas só desejava despertar Chandos e não aos outros.Quando bateu pela terceira vez a porta abriu-se e fizeram-na entrar bruscamente. Uma mão cobriu a sua boca e as suas costas foram encostadas contra um peito duro como uma rocha. A vela caiu das suas mãos e, quando a porta se fechou, o quarto ficou totalmente às escuras.- Ninguém lhe disse que a podem matar se despertar um homem em plena noite? Alguém que estivesse meio adormecido, não aguardaria até ver que você é uma mulher.Soltou-a e Courtney esteve a ponto de desmoronar.- Lamento - disse. - Tinha... tinha que o ver. E temia aguardar até amanhã, pois poderia já ter saído. Você sai amanhã, não é assim?Courtney esperou em silêncio enquanto ele acendia um fósforo. Chandos levantou a vela (como podia vê-la na obscuridade?) e acendeu-a. Depositou-a sobre a pequena cómoda e ela viu que, junto à cómoda, estavam a sua sela e os seus alforges. Perguntou-se se em algum momento os tinha desfeito. Duvidava. Dava-lhe a impressão de ser um homem que estava sempre pronto para partir. Tinha estado centos de vezes nesse quarto para o limpar, mas esta noite via-o diferente. A grande almofada estava enrolada apoiada contra a parede. Porquê? E porque tinha sido arrastada para debaixo da cama a esteira que estava junto a ela? A água e as toalhas que

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ela trouxera anteriormente tinham sido usadas; as toalhas estavam sobre o toalheiro, a secar. A janela estava fachada e as cortinas, corridas. Imaginou que a janela estava fachada com o trinco. A estufa de ferro que se encontrava no centro do quarto estava fria. Sobre a cadeira de costas altas que se encontrava junto a ela havia uma camisa limpa de cor azul, a jaqueta e o lenço negro que ele tinha usado antes, e um cinto. O cinto onde guardava a arma estava junto á cama; o coldre estava vazio. As suas botas negras estavam no chão.Quando ela viu a cama revolta, começou a retroceder para a porta. Tinha-o acordado. Como podia ter feito algo tão incorrecto?- Desculpe - disse ela. - Não o devia ter incomodado.- Mas já o fez. De modo que não se vai embora sem me dizer porquê.Parecia uma ameaça; ao compreender isso, notou que ele tinha o seu peito nu, que só usava os calções mal apertados e que se lhe via o umbigo. Deteve-se a observar o pêlo curto, abundante e escuro que se estendia entre os seus peitos formando um T com o pêlo que chegava até ao centro do seu abdómen e desaparecia debaixo dos calções. Também percebeu que tinha um pequeno canivete num dos buracos do cinto. Provavelmente usava o revólver na parte de trás dos seus calções.Evidentemente, não tinha desejado correr nenhum risco ao abrir a porta. Ela sabia que no Oeste os homens se regiam por regras diferentes, e os homens como este nunca baixavam a guarda.- Menina?Ela retrocedeu. A voz dele não revelava impaciência, mas ela sabia que devia de estar farto dela.Indecisa, olhou-o nos olhos. Eram tão impenetráveis como sempre.- Pensei... pensei que poderia ajudar-me.Tal como ela supusera, levava o revólver consigo. Agarrou-o e dirigiu-se para a cama e colocou-o no coldre. Sentou-se sobre a cama, mirando-a pensativamente. Era demasiado para Courtney: a cama desfeita, o homem semi nu. Ruborizou-se.- Tem algum problema?- Não.- O que se passa, então?- Pode levar-me para o Texas?Disse-o com rapidez, antes de mudar de ideia. E ficou contente de o ter feito.Houve uma breve pausa antes que lhe dissesse.:- Está louca, não?Courtney corou.- Não. Asseguro-lhe que falo a sério. Devo ir ao Texas. Tenho motivos para crer que o meu pai está lá, em Waco.- Conheço Waco. Está a mais de seiscentos e quarenta quilómetros e metade dele em território índio. Não sabia, pois não?- Sabia.- Mas não pensava ir por lá?- É a rota mais direta, não? Foi a que percorri há quatro anos com o meu pai se... bom, não tem importância. Conheço os perigos. Por isso lhe peço que me acompanhe.- Porquê a mim?Ela pensou durante um instante antes de encontrar a resposta adequada.- Não posso pedir a nenhuma outra pessoa. Bom, há outro homem, mas o seu preço seria

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demasiado alto. E hoje você provou que é mais capaz de me proteger. Sei que conseguiria levar-me até Waco. E que eu estaria a salvo de qualquer perigo. - Interrompeu-se, perguntando-se se devia dizer ou não qual era o outro motivo. - Bem, existe outra razão, ainda que pareça estranha. Você parece-me... conhecido.- Nunca esqueço um rosto, menina.- Não quero dizer que nos tivéssemos conhecido antes. Lembrar-me-ia se assim fosse. Creio que são os seus olhos. - Se ela lhe dissesse como os seus olhos a tinham tranquilizado, ele realmente acreditaria que estava louca. Ela mesma não compreendia, de modo que não o mencionou. Apesar disso disse-lhe: - quem sabe sendo moça confie em alguém que tenha uns olhos como os seus; não sei. Mas sei que, por alguma razão, me dá segurança. E, sinceramente, não me senti segura desde que... me separei do meu pai.Ele não fez nenhum comentário. Pôs-se em pé e foi até à porta e abriu-a.- Não a levarei ao Texas.Ela estava desolada. Só a tinha preocupado o fato de lhe pedir; não havia pensado na sua negativa.- Mas eu pago-lhe.- No estou disponível.- Mas... vai levar um morto a Wichita por dinheiro.Ele pareceu divertido.- Teria passado por lá de todas as maneiras, de passagem para Newton.Ela disse:- Não sabia que pensava permanecer no Kansas.- Não penso.- Então...- A resposta é não. Não sou uma ama.- Não estou totalmente indefesa – começou a dizer Courtney, indignada, mas o olhar dele deteve-a. – Vou procurar outra pessoa que me acompanhe - disse resolutamente.- Não lhe aconselho. Matá-la-ão.Era o que tinha dito Sarah, e Courtney ficou ainda mais furiosa.- Lamento tê-lo aborrecido, senhor Chandos - disse secamente antes de sair muito direita do quarto.

CAPÍTULO 10

A quarenta quilómetros a Norte de Wichita, Newton estava a converter-se na sucessora de Abilene como centro de expedição de gado no Kansas. Construída de forma similar à sua antecessora, a cidade talvez só conseguisse ser o centro durante uma temporada, já que Wichita se prestava a sê-lo na temporada seguinte.Ao Sul do caminho-de-ferro, na zona denominada Hide Park, encontravam-se os salões de baile, as tabernas e os bordéis. Os vaqueiros dos grupos de gado que sempre frequentavam a cidade, costumavam alvoroçar dia e noite. Os tiroteios eram frequentes. Também o eram as lutas de punhos, surgidas perante a menor provocação.Isso era corrente durante a temporada de largada de gado, já que os vaqueiros recebiam o seu pagamento ao chegar ao destino e a maioria deles gastava-a em poucos dias.

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Quando Chandos cavalgou através de Hide Park, viu que estes vaqueiros faziam o mesmo. Alguns regressavam ao Texas quando se lhes acabava o dinheiro; outros dirigiam-se a outras povoações. Algum que fosse para o Sul, podia parar em Rockley e ser convencido por Courtney para que a levasse para o Texas.Chandos não costumava deixar transparecer os seus pensamentos, mas nesse momento franziu o rosto. A ideia de que a jovem Courtney estivesse só nas planícies com um desses vaqueiros mulherengos inquietava-o. Inquietava-o mais ainda o fato de lhe importasse. Estúpida mulher do Oeste! Não havia aprendido nada nos quatro anos transcorridos desde que ele lhe salvara a vida? Ainda carecia do instinto de sobrevivência.Chandos deteve-se frente à taberna de Tuttle, mas não se apeou. Introduziu a mão no bolso do seu casaco e tirou o pequeno molho de cabelos que levava consigo desde há quatro anos; as compridas guedelhas que ficaram coladas à sua mão quando retorceu os cabelos de Courtney.Na altura não sabia o seu nome, mas averiguou-o pouco depois, quando foi a Rockley para saber o que tinha sucedido com Olhos de Gato. Assim a chamava mentalmente, ainda depois de saber qual era o seu nome. E Chandos tinha pensado nela com frequência durante esses anos.Nunca a imaginou como era agora. A imagem que tinha dela era a de uma menina assustada, não muito mais velha que a sua irmã morta. Agora, a imagem tinha mudado; a menina tonta tinha-se convertido numa bela mulher, tão tonta como antes e talvez mais ainda. Podia imaginá-la violada e morta por culpa da sua teimosa decisão de viajar para o Texas e sabia que a sua imaginação estava baseada na realidade.Chandos desmontou e atou o seu cavalo frente à taberna de Tuttle. Durante uns segundos, continuou a contemplar o molho de cabelos que tinha na sua mão. Depois, exasperado, arremessou-o e viu que a brisa o levava rodando pela rua de terra.Entrou na taberna e viu que ainda meio-dia, havia pelo menos vinte pessoas disseminadas no salão. Até havia um par de mulheres de aspecto duvidoso. Numa das mesas, um jogador profissional tinha começado a jogar e o xerife encontrava-se no outro extremo do salão, bebendo com seis compinchas e fazendo tanto ruído como os outros. Três vaqueiros discutiam acerca das duas prostitutas. Dois homens de aspecto inquietante bebiam tranquilamente, numa mesa situada num canto.- Já chegou o Dare Trask? - Perguntou Chandos ao taberneiro, a quem pediu uma bebida.- Não o repita, senhor. Oh, Will, conheces um tal Dare Trask? - Perguntou um dos seus clientes, em voz baixa.- Não - respondeu Will.- Costuma cavalgar com Wade Smith e Leroy Curly – disse Chandos.- Conheço o Smith. Supus que tivesse ido viver com uma mulher para o Texas. Mas os outros dois...O homem encolheu os ombros.Chandos bebeu o seu whisky. Pelo menos, era algo, ainda que fosse um rumor. Formulando perguntas inocentes numa taberna, Chandos tinha chegado a saber que Trask se dirigia para Newton. Mas não tinha sabido nada de Smith durante dois anos, desde que supôs que o homem era procurado em San Antonio, acusado de assassinato. Chandos tinha seguido o rasto de Leroy Curly até uma pequena vila do Novo México e nem sequer tinha necessitado de provocar uma rixa. Curly era um alvoroçador nato. Desfrutava a fazer exibição da sua rapidez para disparar uma arma e provocou a rixa com Chandos que lhe custou a vida.

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Chandos não conseguiu reconhecer Dare Trask, pois só possuía uma vaga descrição de um homem baixo, de quase trinta anos, de cabelos e olhos castanhos. Esses rasgos podiam ser atribuídos por igual a dois vaqueiros e a um dos pistoleiros que se encontravam na mesa do canto. Mas Dare Trask tinha um rasgo diferente: faltava-lhe um dedo na sua mão esquerda.Chandos pediu um segundo whisky.- Se vier por aqui o Trask, diga-lhe que o Chandos está à procura dele.- Chandos? Sim, senhor. É amigo dele?- Não.Era suficiente. Nada enfurecia mais um pistoleiro que saber que alguém a quem não conhecia estava à procura dele. Chandos tinha encontrado o vaqueiro vagabundo Cincinnati, empregando esse desafio. Teve a esperança de que desse o mesmo resultado com Trask, que durante os últimos quatro anos tinha conseguido iludi-lo, tal como o fizera Smith.Para se assegurar, Chandos olhou destemidamente os três homens que encaixavam com a descrição de Trask. Todos tinham os dedos intactos.- Que diabo olha, senhor? - Disse um vaqueiro que estava sozinho frente a uma mesa, já que os seus companheiros acabavam de se pôr em pé, para ir para o andar de cima com as prostitutas. Obviamente, tinha saído perdedor na discussão e viu-se obrigado a aguardar o regresso de uma delas - Não estava de bom humor.Chandos ignorou-o. Quando um homem mostrava desejos de entabular uma rixa, pouco se podia fazer para o tranquilizar.O vaqueiro pôs-se em pé e agarrou Chandos pelo ombro, fazendo-o girar sobre si mesmo.- Filho da puta. Fiz uma per...Chandos deu-lhe um pontapé entre as pernas e o homem caiu de bruços; as mãos apoiadas sobre a zona golpeada e o rosto mortalmente pálido. Quando o vaqueiro caiu ao chão, Chandos desembainhou o seu revólver.Outro teria disparado no seu lugar, mas Chandos não matava por matar. Só apontou com a sua arma, preparando-se para disparar se fosse necessário.O xerife McCliuskie, que se tinha posto de pé quando começou a luta, não interveio. Não compartia a filosofia de seu antecessor, que tinha tratado de pôr ordem em Newton. Durante, um instante, os olhos azuis do desconhecido pousaram-se no xerife. A mensagem foi clara. Com ele não se brincava. Além disso, não se podia fazer frente a um estranho quando este já tinha desembainhado a sua arma.Os outros dois vaqueiros aproximaram-se para recolher o seu amigo; estenderam as mãos num gesto conciliatório.- Está bem, senhor. Bucky não é um homem sensato. É algo irresponsável, mas não lhe causará mais problemas.- Ah, não…?O vaqueiro deu uma cotovelada a Bucky e levantou-o.- Estúpido. Cala-te de uma vez. Podia explodir os teus miolos.- Estarei na cidade durante umas horas mais - disse Chandos – se o seu amigo quiser reatar a discussão.- Não, senhor. Levaremos o Bucky de regresso ao acampamento e se não se capacitar, nós fazemo-lo entrar na razão com uns murros. Não voltará a vê-lo.Era discutível, mas Chandos deixou passar. Devia cuidar-se enquanto permanecesse em

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Newton.Quando Chandos guardou a sua arma, reanimou-se o bulício na taberna. O xerife voltou a tomar assento exalando um suspiro de alívio e continuou o jogo de naipes. Não valia a pena falar acerca dos problemas desta natureza. Para que em Newton se alvoraçassem os ânimos, tinha que se derramar sangue.Poucos minutos depois, Chandos saiu da taberna de Tuttle. Ainda devia correr às tabernas restantes, aos salões de baile e aos bordéis se desejava encontrar Trask. Provavelmente também ele visitaria um bordel, já que não tinha estado em companhia de uma mulher desde que saiu do Texas, e os seus encontros inesperados com Courtney Harte de robe à noite tinham-no perturbado.Ao pensar nela, viu a mata de cabelos na rua, a poucos metros do lugar de onde a tinha mandado. Uma leve brisa empurrou-a para ele e deteve-se a poucos centímetros dos seus pés. Teve o impulso de os pisar antes que voltassem a voar. Agarrou-a de novo e guardou-a no bolso do seu casaco.

CAPÍTULO 11

Esse domingo pela manhã, enquanto a gente devota estava na missa, Reed Taylor encontrava-se sentado na sua oficina, um dos quartos que reservava para seu uso pessoal no piso de cima da taberna. Tinha aproximado uma poltrona da janela e tinha um monte de revistas baratas junto dele. Era um entusiasta leitor de revistas de aventuras. Estava completamente absorto na quinta leitura de Bowie Knife Ben, o pequeno caçador do noroeste, de Oll Coomes, quando saiu Ellie May do quarto, distraindo-o de propósito com um sonoro bocejo. Mas foi uma distracção passageira. O corpo semi nu de Ellie não lhe interessava essa manhã, porque já tinha desfrutado dele plenamente na noite anterior.- Devias ter-me despertado, carinho - disse Ellie May com voz fanhosa, aproximando-se de Reed por trás e rodeando-lhe o pescoço com os seus braços. – Pensei que passaríamos todo o dia na cama.- Enganaste-te - murmurou Reed com ar ausente. - Agora vai para o teu quarto como uma boa menina.Deu-lhe uma pequena palmada na mão, sem a olhar sequer. Ellie May fez um gesto de desgosto. Era uma jovem bonita, tinha uma bonita silhueta e gostava muito dos homens. Dora também gostava. Era a outra jovem que trabalhava com ela na taberna de Reed. Mas Reed não lhes permitia prestar serviços aos clientes. Até tinha contratado um pistoleiro particularmente perverso para que fizesse respeitar as suas normas. Gus Maxwell fazia o que lhe ordenavam.Reed considerava que ambas as jovens eram de sua propriedade e podia ser muito desagradável se o faziam esperar quando desejava deitar-se com alguma delas. O problema radicava em que não se deitava com bastante frequência com nenhuma delas duas, porque dividia as suas atenções entre ambas. Ellie May e Dora, que uma vez tinham sido amigas, tinham-se convertido em inimigas porque Reed era o único homem disponível para ambas.Ellie May quase desejava que Reed se casasse com Courtney Harte. Talvez assim permitisse que ela e Dora se fossem embora, que era o que ambas desejavam. Tinha-as ameaçado em caso de

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que o tentassem, e não estavam dispostas a ver se cumpriria com as suas ameaças. Dizia que as levaria com ele para Wichita, e Ellie May tinha a esperança de que tudo lá fosse diferente. Pelo menos haveria um xerife a quem se queixar se a situação não mudasse. Ali, em Rockley, ninguém tinha acreditado que Reed fosse tão intransigente, pois a sua taberna era limpa e decente e todos o respeitavam.- Sabes qual é o teu problema, Reed? – Atreveu-se a dizer Ellie May. - Só te interessas por três coisas: o dinheiro, essas estúpidas revistas e essa menina elegante que vive em frente. Surpreende-me que não a tenhas acompanhado á missa para conseguir que te convidassem para almoçar. Claro que escandalizarias o reverendo se aparecesses na igreja. O pobre homem podia desmaiar.O seu sarcasmo não deu resultado. Reed não a escutava. Ellie May voltou-se, enfurecida. Pela janela aberta viu a dama em questão. Ellie May sorriu e os seus olhos brilharam maliciosamente.- Pergunto-me quem será o indivíduo que acompanha a menina Courtney à igreja - disse intencionalmente.Num instante, Reed saltou da sua poltrona e empurrou Ellie May para um lado para poder ver melhor. Depois correu as cortinas e olhou Ellie May lançando fogo pelos olhos.- Deveria esbofetear-te, tonta – disse com fúria. - Não conheces o Pearce Cates?- Ah, esse era Pearce? - Perguntou ela inocentemente.- Fora daqui!- Claro, querido.Ela sorriu afectadamente. Tinha valido a pena ver Reed aborrecido, ainda fosse só por uns instantes. Estava tão habituado a ver satisfeitos todos os seus desejos, que, quando as coisas não resultavam como ele queria, alterava-se imenso. Courtney Harte era uma das coisas que desejava, e mesmo que ela não se tivesse atirado nos seus braços, Reed não tinha a menor dúvida de que finalmente cederia. Já pensava nela como se lhe pertencesse. Ellie May esperava que a jovem se mantivesse inflexível. Não seria mal ver Reed Taylor humilhado outra vez.- Courtney.Courtney deteve-se zangada quando vi que Reed Taylor cruzava a rua em direcção a ela. Que má sorte. Uns poucos metros mais, e tinha entrado dentro do hotel.Mattie e Pearce também se detiveram, mas Courtney, com expressão angustiada, indicou-lhes que prosseguissem o seu caminho e aguardou que Reed se aproximasse. Encontrou-o desalinhado. Os seus cabelos ruivos estavam revoltos e ainda não se tinha barbeado. De todos os modos, era muito bonito. Courtney pensou que nada podia desmerecer o atrativo físico de Reed. A combinação de olhos verdes, nariz reto e simpáticos olhares era letal. E além disso, era um homem alto e corpulento, forte. Cada vez que via Reed, ela pensava na sua força. Era um ganhador, um homem de muito êxito. Sim, um homem forte.Courtney costumava perguntar-se se não estava louca ao permitir que os seus defeitos decidissem os sentimentos dela para ele. Mas assim era. Era o homem mais teimoso e poderoso que jamais conhecera. Não lhe agradava. Mas não se notou no olhar que ela lhe dirigiu, porque Courtney era muito educada.- Bom dia, Reed.Ele abordou o tema diretamente.- No me recebeste desde aquele incidente na loja de Handley.

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- Não é verdade.- Afeto-te tanto?- Bom, sim.E era verdade. Mas também era verdade que estava preocupada tratando de encontrar alguém que a acompanhasse até ao Texas. Tinha feito as malas e estava preparada para partir. E Berny Bixler tinha uma carroça e um bom cavalo à venda. Só lhe faltava alguém que a escoltasse.Mas o incidente da loja de Handley serviu-lhe de pretexto para manter afastado Reed. Era inútil dizer-lhe simplesmente «não quero ver-te».- Quando Gus me contou não podia acreditar. Regressei de Wichita à noite - disse Reed. - Foi providencial que esse tal Chandler estivesse lá.- Chandos - corrigiu Courtney em voz baixa.- Quê? Bom, como seja. Tinha a intenção de lhe agradecer por te ter ajudado, mas foi embora cedo na manhã seguinte; talvez tenha sido melhor assim. Era um homem demasiado rápido com o revólver.Courtney sabia a que se referia. Essa noite havia dormido muito pouco e, na manhã seguinte, despertou tarde, de modo que não teve ocasião de ver o segundo tiroteio. Aparentemente, o amigo de Jim Ward tinha desafiado Chandos frente ao hotel. Segundo o relato do velho Charley, o homem não tinha tido tempo de se defender, perante a rapidez incrível de Chandos. Mas só ficou ferido numa mão. Chandos não o tinha matado. Depois, Chandos atou-o, recolheu o cadáver de Jim Ward e saiu de Rockley com o homem vivo de rastos.- Não tinhas que lhe agradecer em meu nome, Reed - disse Courtney. – Fiz eu mesma, mas não aceitou.- Desejava lá estar para te ajudar, querida - respondeu Reed carinhosamente. Depois, e com o mesmo entusiasmo, disse: - Mas a minha viagem foi proveitosa. Consegui arranjar um lugar privilegiado na cidade de Buffalo. O homem que me deu a noticia estava certo. Graças ao comboio, apareceu uma nova cidade da noite para o dia; esta encontra-se à volta do acampamento dos antigos vendedores de whisky. Batizaram-na com o nome de Dodge em memória do comandante da guarnição próxima.- Outra cidade com gado? - Perguntou Courtney secamente, sem se surpreender perante o egocentrismo de Reed. – Vai para lá em vez de ir para Wichita?- Não, encontrarei alguém que se encarregue de reger a taberna de Dodge. Wichita será a minha base de operações, tal como o planejei.- Que empreendedor você é! Porque não mantém também a tua taberna aqui, em Rockley, em vez de demolir?- Pensei nisso. Se achas que é uma boa ideia...- Não o faças, Reed - interrompeu-o Courtney. Incrível; o homem era insensível ao sarcasmo. – As tuas decisões nada têm a ver comigo.- Sim têm, têm a ver contigo.- Não - insistiu ela com firmeza, depois disse: - É melhor que o saibas: decidi sair de Rockley.- Sair? Que queres dizer? Sempre desejaste regressar ao Oeste e não te culpo por isso. Estabeleci-me em Rockley por ti. Mas já não tens nada para fazer no Oeste, querida. Sarah disse-me...- Não me importa o que a Sarah te disse. - A voz de Courtney elevou-se perante a atitude paternalista de Reed. – E não te diz respeito o fato de que vou embora.

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- Claro que sim.Courtney desejava gritar. Mas sempre tinha sido assim. Ele nunca podia aceitar uma negativa. Quando ela se negou a casar-se com ele, ele tinha ignorado a sua decisão. Como comunicar-se com um homem assim?- Reed, tenho que ir. Mattie e Pearce esperam-me em casa.- Que esperem - disse ele, franzindo o cenho. – Escuta-me, Courtney. Não posso permitir que vá embora daqui...- Não podes permitir? - Perguntou indignada.- Bom, não foi minha intenção dizer desta maneira. – Tentou acalmá-la. - Deus, que bela era quando os seus olhos se acendiam assim! Rara vezes ocorria, mas quando sucedia, ela conseguia excitá-lo como nenhuma outra mulher o tinha feito. – O que se passa é que me estou a preparar para partir dentro de duas semanas e pensei que podíamos casarmo-nos antes.- Não.- Querida, a distancia daqui a Wichita é demasiado grande para continuar a cortejar-te.- Ainda bem.O rosto de Reed tinha uma expressão cada vez mais sombria.- Nunca me disse porque não quer casar comigo. Já sei, diz que não me amas...- Oh, prestaste-me atenção.- Querida, aprenderás a amar-me - assegurou ele; as suas covinhas reapareceram. – Vais acostumar-te a mim.- Não quero me acostumar a ti, Reed; eu...Suportou o inesperado beijo dele, sem esforços pouco dignos. Não era desagradável. Reed sabia beijar muito bem. Mas a única coisa que suscitou nela foi exasperação. Queria esbofeteá-lo pela sua ousadia. Mas a cena que estavam oferecendo era bastante deplorável e não a queria piorar.Quando a soltou, ela retrocedeu.- Bom dia, Reed.- Vamos casar, Courtney - disse quando ela passou por ele.Courtney não fez caso das suas palavras, que soaram como uma ameaça.Talvez devesse atrasar a sua partida até que Reed se fosse embora para Wichita. Não acreditava que ele se atrevesse a interpor-se no seu caminho, mas com Reed nunca se sabia.Estava tão preocupada que esteve quase a chocar contra o pistoleiro. Na realidade, ele estendeu uma mão para o evitar. Estava na porta do hotel, obstruindo a entrada. Como não o tinha visto antes? Tinha-a visto a beijar Reed? Como sempre, o seu olhar era insondável.Não obstante, Courtney corou. Ela olhou de lado para ver se Reed ainda a observava; ele tinha regressado à sua taberna.- Em... em nenhum momento pensei encontrar-me com você - disse ela, interrompendo-se quando ele brandiu um papel à frente dela.- Pode reunir tudo isto para daqui a uma hora?Ela estudou brevemente o conteúdo. O se coração bateu com força. Era uma lista detalhada de provisões.Lentamente, levantou o seu olhar para ele.- Isto significa que mudou de ideia?Ele olhou-a fixamente durante uns segundos. Ela era transparente; nos seus olhos felinos brilhava a esperança.

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- Dentro de uma hora, menina, vou-me embora – foi quanto disse.

CAPÍTULO 12

Mattie bateu uma vez à porta antes de a abrir.- Então, regressou?Courtney olhou-a por cima do ombro.- Quê? Oh, Mattie, esqueci-me que tu e o Pearce me esperavam. Lamento. Mas não permaneças aí de pé. Vem ajudar-me.- Ajudar-te a fazer o quê?- O que supões? - Disse Courtney com impaciência.Os olhos da moça mais jovem mostraram surpresa ao ver que o quarto estava em desordem. Havia roupa dispersa por todos os lados: saias e vestidos na cadeira, sobre a cama, a escrivaninha e outros móveis.- Queres que te ajude a arrumar o teu quarto?- Tonta. Não posso levar o meu baú porque a lista não menciona uma carroça; só um cavalo selado. Lê-a.Courtney entregou-lhe a lista.Mattie abriu os olhos.- Então vai levar ao Texas? Pensei que tinhas dito...- Mudou de ideia. É um homem de poucas palavras, Mattie. Só me entregou a lista e perguntou se podia comprar tudo numa hora. Oh, vamos, não tenho muito tempo. Ainda tenho que ir à loja de Handley para adquirir alforges e provisões e tenho que comprar um cavalo, e...- Courtney. Não posso crer que estejas disposta a viajar até ao Texas sem uma carroça. Não terás intimidade alguma. Deverás dormir no chão.- Levarei uma manta - disse Courtney alegremente. - Está na lista.- Courtney!- Bom, não tenho muitas alternativas, pois não? E pensa no tempo que ganharemos ao não ter uma carroça que nos obrigue a andar lentamente. Chegarei a Waco muito antes do que pensei.- Court, nunca cavalgaste durante um dia inteiro, e muito menos durante semanas. Vais ficar tão dorida...- Mattie, asseguro-te que ficarei bem. E não tenho tempo para discussões. Se eu não estiver preparada, ele vai embora sem mim.- Que o faça. Por Deus, Courtney, esse homem leva demasiada pressa. Cruzará as planícies a toda velocidade. Dentro de dois dias desejarás estar morta e lhe rogarás que te traga de regresso. Aguarda até que outra pessoa te possa levar.- Não - disse Courtney com gesto decidido. - Talvez outros que venham a Rockley estejam dispostos a levar-me, mas, poderia confiar neles? Confio em Chandos. Tu mesma disseste que é o homem perfeito para este trabalho. E há algo mais, Mattie, tenho a impressão de que Reed tentará deter-me.- Não se atreveria - disse Mattie, indignada.- Sim, atreveria. E não há muitos homens dispostos a contradizer Reed.- E achas que Chandos o faria? Sim, penso que o faria. Mas...-Mattie, tenho que ir a Waco. Chandos é o homem indicado para me levar. É simples. E bom, vai

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me ajudar? Resta-me pouco tempo.- Está bem - suspirou Mattie. - Vejamos o que diz a lista, vai comprar calças e camisas? Figuram aqui.Ocupada escolhendo a roupa, Courtney negou com a cabeça.- Estou certa de que pôs isso na lista porque acha que não posso montar com vestido. Mas tenho esta calça de lã de angorá que adaptei para cavalgar, de modo que servirá.- Estás certa que é esse o motivo? talvez queira que pareças um homem. Esquece a espécie da zona que tens que atravessar.- Não me fales de perigos, Mattie. Já estou bastante assustada.- Talvez devesses comprar, pelo menos, um par de calças para estar segura.- Podia fazê-lo, mas o senhor Handley pensará que estou louca. E não tenho tempo para tudo isso.Mattie contemplou o saco em que Courtney colocava dois vestidos.- Sei que disse que levasse pouca roupa, Court, mas ali cabe ainda outro vestido. Porque não? E além disso tens os alforges. Viajarás muito carregada de coisas, mas é inevitável.- Mattie, você entende de cavalos mais do que eu e disse que precisaria de um bom cavalo. Compras-me um?- Não existem muitos para escolher na cavalariça. Se tivesse tempo... Temos um esplêndido em casa.- Não há tempo, Mattie. Disse que se ia embora dentro de uma hora, e o fará.- Verei o que posso fazer - grunhiu Mattie. – Encontramo-nos em frente à loja de Handley. Sarah já sabe?Courtney entregou à sua amiga algum dinheiro e, sorrindo, disse:- Perguntas a sério? Se soubesse, estaria aqui a dizer-me as suas lúgubres profecias.- Porque não vais sem lhe dizer nada? Aborrecia-te o sermão.- Não posso, Mattie. Apesar de tudo, tratou de mim estes últimos anos.- Tratou de ti! - Disse Mattie com indignação. – Obrigou-te a trabalhar como uma escrava.Courtney sorriu perante a franqueza de Mattie. Através dos anos, tinha adotado algumas frases da sua amiga e em ocasiões utilizava-as impensadamente. Pelo menos, já não se ruborizava quando Mattie dizia atrocidades.Dando-se conta de que talvez não veria Mattie durante muito tempo, Courtney confiou-lhe:- Vou sentir a tua falta, Mattie. E quero que escolhas algo para ti entre as coisas que possuo e que não posso levar comigo.Mattie abriu muito os seus olhos.- Queres dizer... estes bonitos vestidos?- Prefiro que os tenhas tu e não a Sarah.- Bom, no sei o que dizer. Também eu vou sentir a tua falta.Saiu do quarto antes de começar a chorar. Não tinha sentido. Court estava decidida a ir.Também os olhos de Courtney se encheram de lágrimas enquanto acabava de fazer a mala e vestia a sua roupa de montar.Antes de sair do hotel encontrou-se com Sarah. Tinha desejado despedir-se no último momento, quando já tivesse comprado tudo quanto necessitava, mas não foi assim.- Evidentemente, persistes na tua tonta ideia de ir para Waco – reprovou-a Sarah.- Sim, Sarah - admitiu Courtney suavemente.

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- Pequena tonta. Não penses que vou chorar por ti se morreres na planície.- Não vou sozinha, Sarah.- Quê? Quem te vai acompanhar?- Chama-se Chandos; é ele que...- Sei muito bem quem é - disse Sarah. Depois, inesperadamente, desatou a rir. - Já percebi. Todas essas palermices acerca do teu pai eram um pretexto para ires com esse pistoleiro. Sempre soube que eras uma vagabunda.Courtney olhou-a enfurecida.- Nada disso, Sarah. Mas podes pensar o que quiseres. Apesar de tudo, se o meu pai está vivo, converter-te-ás numa adúltera, não é assim?Courtney aproveitou o súbito mutismo de Sarah para sair do hotel. Temia que Sarah fosse atrás dela, mas não o fez.Na rua não havia sinais de Chandos nem do seu cavalo; Courtney ainda dispunha de alguns minutos antes da hora combinada. Comprou rapidamente o que precisava. Também pode despedir-se de algumas pessoas que a tinham tratado sempre com gentileza, porque Lars Handley, Charley, Snub e as irmãs Coffman estavam nesse momento na loja de Handley.Antes de acabar, chegou Mattie.- Está à tua espera, Courtney.Olhou pela janela. Lá estava Chandos, montado no seu cavalo. Um ligeiro temor fê-la estremecer. Apenas o conhecia e ia viajar sozinha com ele.- Traz outro cavalo - disse Mattie, em voz baixa. - Está selado e pronto para partir. Até escolheu a sela. Talvez penasse que não acharias um bom cavalo por aqui. Mas comprei para ti a velha Nelly a muito bom preço. - Mattie entregou-lhe o dinheiro que sobrou. - Não é boa para montar mas sim para transportar carga, não terás que levar as tuas coisas contigo.- Então não empregues esse tom tão triste.- Vais-te embora... E não és só por isso... Não sei. Chandos impressionou-me. Na cavalariça, sem dizer uma palavra, encarregou-se de tudo. Tens razão, é um homem de poucas palavras. E... aterroriza-me.- Mattie!- É verdade. Porque estás tão segura de que podes confiar nele, Court?- Confio nele; isso é tudo. Esqueces que já uma vez me salvou desse odioso Jim Ward. Agora está disposto a ajudar-me novamente.- eu sei; eu sei. Mas não compreendo porquê.- Não importa. Eu preciso, Mattie. Agora vem e ajuda-me a carregar a velha Nelly.Quando as jovens saíram da loja, Chandos não pareceu vê-las. Nem sequer se apeou para as ajudar a segurar os alforges de Courtney sobre a égua. Courtney apressou-se, não tanto porque ele aguardava, mas para evitar que Reed a visse. Olhava nervosamente para a taberna, com a esperança de poder ir embora com Chandos antes que se produzisse um escândalo.Quando ambas as amigas se abraçaram pela última vez e Courtney montou o seu cavalo, Chandos disse:- Traz tudo o que figura na lista?- Sim.- Suponho que é demasiado tarde para lhe perguntar se sabe cavalgar.Disse-o tão secamente que Courtney desatou a rir.

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- Eu sei cavalgar.- Cavalguemos então, menina.Chandos tomou as rédeas da velha Nelly e dirigiu-se para o Sul. Courtney só teve tempo para se voltar e saudar Mattie com a mão.Quase imediatamente chegaram à saída de Rockley e, com um profundo suspiro, Courtney despediu-se desse capítulo da sua vida.Não lhe levou muito tempo se habituar a olhar as costas de Chandos. Ele não queria cavalgar junto dela. Courtney alcançou-o em varias ocasiões, mas ele sempre conseguia manter-se a uma boa distância à frente dela; não muito afastado, mas não tão próximo para que pudesse conversar. Mas sabia sempre o que Courtney estava a fazer. Não olhava para trás, mas quando o cavalo dela se atrasava, ele diminuía a marcha. Mantinha constantemente a mesma distância entre ambos. Isso fê-la sentir segura.Ainda que não por muito tempo. Poucos momentos depois, Chandos apeou-se do seu cavalo e caminhou para onde ela estava. Courtney olhou-o, intrigada. Já era quase o entardecer e não pensou que acampariam tão cedo.Alarmou-se. O rosto dela tinha uma expressão de fria determinação.Sem dizer uma palavra, levantou os braços e obrigou-a a apear-se. Com um gemido de surpresa, ela caiu contra ele, e as suas golpearam as pernas de Chandos. Ele não se moveu. Tomou-a pela cintura com um braço e com a outra mão agarrou as suas nádegas.- Chandos, por favor - gritou ela, horrorizada. - Que está a fazer?Ele não respondeu. Os seus olhos frios diziam tudo.- Porquê?- Porque não?Deus, ela não podia acreditar.- Confiei em si.- Suponho que não devia fazê-lo - disse ele com frialdade, rodeando-a fortemente com os seus braços.Courtney começou a chorar.- Por favor. está a magoar-me.- Vou-lhe fazer muito mais se não fizer exatamente o que lhe ordenar, menina. Abrace-me.Não estava aborrecido. Nem sequer levantou a voz. Courtney teria preferido que se enfurecesse.Olhando-o nos olhos, obedeceu. O seu coração batia loucamente. Como pôde enganar-se tanto?- Assim está melhor - disse ele, serenamente. Depois, com um só movimento abriu-lhe a blusa.Courtney gritou, sabendo que era inútil, mas não pôde evitar. Com isso conseguiu que Chandos a empurrasse; ela caiu sentada a seus pés. Rapidamente, apertou a blusa.Tinha confiado em Chandos para que a protegesse e ele tinha-a atraiçoado. Lançou-lhe um olhar muito eloquente.Courtney estremeceu. Ali, de pé, com as pernas separadas, via-o tão forte e bonito, mas também tão cruel e sem piedade...- Creio que ainda não se deu conta da situação. Do contrário, não provocaria a minha ira com os seus gritos.- Sim, já me dei conta.

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- Diga-me qual é. Agora.- Você vai violar-me.- E então?- E não posso evitar que o faça.- E que mais?- Não... não sei que mais posso dizer.- Muito mais, menina. A violação é o que menos deveria preocupá-la. Pôs-se à minha mercê. Foi uma estupidez, pois agora posso fazer o que quiser com você, compreende? Posso cortar-lhe o pescoço e deixá-la aqui; nenhum ser humano a encontraria.Courtney soluçava violentamente. Na altura, não tinha pensado em tudo isso e já era demasiado tarde.Como não deixava de soluçar, Chandos inclinou-se e esbofeteou-a. De imediato, ela desatou a chorar e ele lançou uma maldição. Talvez estivesse a ser demasiado rude com ela, mas devia aprender a lição.Tinha estado disposto a fazer algo mais que atemorizá-la, se fosse necessário. Mas não era. Ela atemorizava-se com facilidade.Pôs a sua mão sobre a boca dela para afazer calar.- Pode deixar de chorar. Não lhe vou fazer mal.Viu que ela não acreditava e suspirou. Tinha resultado melhor do que pensava.- Escute-me, olhos de gato - disse ele, em tom deliberadamente amável. - A dor não se esquece. Por isso a usei. Não quero que esqueça o que aprendeu hoje. Outro homem tinha-a violado, assaltado e depois provavelmente tinha-a matado para ocultar o seu delito. Não deves pôr a sua vida nas mãos de um estranho, pelo menos nesta região, jamais. Tentei dizer-lhe, mas não me quis ouvir. Este caminho é percorrido por muitos homens perigosos.Ela tinha deixado de chorar e ele afastou a sua mão da boca. Viu que ela humedecia os seus lábios com a sua pequena língua rosada. Ele levantou-se e voltou-lhe as costas.- Será melhor que acampemos aqui para passar a noite - disse ele sem a olhar. - De manhã, levá-la-ei de regresso a Rockley.

CAPITULO 13

Courtney permaneceu encostada durante varias horas observando as estrelas. Depois voltou-se e contemplou o fogo que se apagava. Pensou que devia ser meia-noite, mas não estava segura.Tinha-se tranquilizado. Chandos não tinha voltado a tocar-lhe, nem sequer se tinha aproximado dela, excerto para lhe dar um prato de comida. Tampouco lhe tinha dirigido a palavra; indubitavelmente pensava que não era necessário dizer mais nada. O canalha. Que direito tinha de se eleger o seu professor? Que direito tinha de a iludir para logo depois destruir as suas ilusões? No entanto, ela não se atrevia a provocá-lo, dizendo-lhe o que achava da sua lição.Começou a chorar amargamente. Em silencio, só de vez em quando lançava um suspiro. Mas foi o suficiente. Chandos ouviu-a.Não estava a dormir. As suas próprias preocupações mantinham-no desperto. Não sentia remorsos pelo que lhe tinha feito. As suas intenções tinham sido boas, se bem que a execução tinha sido um tanto drástica. Era melhor que a jovem sofresse um susto e não que terminasse

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enterrada numa tumba anónima no meio da planície mais à frente. Falar com ela tinha sido inútil, ela não lhe deu atenção. O problema era que não esperava que o sofrimento de Courtney pudesse afetá-lo tanto. Era quase como aquela vez, em que a vida dela tinha estado nas suas mãos. Dentro dele surgiu um instinto protetor e só desejava consolá-la. O pranto dela perturbou-o profundamente. Não conseguia suportar.O seu primeiro impulso foi de se afastar até que ela se acalmasse, mas sabia que ela acreditaria que a estava a abandonar e não queria atemorizá-la novamente. Maldição! Nunca se tinha alterado perante os prantos femininos. O que teria este pranto que o fazia diferente?Chandos pôs-se em pé silenciosamente e foi até ela. Sentou-se junto a Courtney rodeou-a com os seus braços, aproximando-a dele, de maneira que as costas dela ficou apoiada contra o peito dele. Ela conteve o fôlego.- Tem calma, gatita. Não te farei mal.Ela estava rígida como uma tábua. Não confiava nele.- Só vou abraçar, nada mais - disse Chandos com tom tranquilizador. – Deixa de chorar.Ela voltou-se apenas para o poder ver. Chandos emocionou-se ao ver o seu rosto húmido. Os seus olhos pareciam duas grandes feridas.- Você arruinou tudo - disse ela, lastimosamente.- Eu sei - disse ele. Qualquer coisa para a acalmar.- Já não encontrarei o meu pai.- Sim, encontrarás. Mas deves encontrar outra maneira de o fazer.- Como? Fizeste-me gastar tanto dinheiro em víveres que já não poderei chegar a Waco. Comprei roupa que jamais usarei, um cavalo tão velho que o senhor Sieber não o quererá voltar a comprá-lo e um revólver inútil, mais caro ainda do que o cavalo.- Um revólver nunca é inútil - disse Chandos pacientemente. - Se o tivesses usado hoje, terias podido deter-me antes que me aproximasse de ti.- Não sabia que pensavas atacar-me - replicou, indignada.- Não, suponho que não - disse ele, razoavelmente. - Mas devias tê-lo suposto. Aqui deves estar preparada para tudo.- Agora o estou.Apontou-lhe a arma que tinha oculta debaixo da sua manta. A expressão dele não mudou.- Muito bem, menina. Estás a aprender. Mas deverás melhorar o teu sentido de oportunidade. - Deslizou a sua mão debaixo da manta para lhe tirar o revólver. - A próxima vez, assegura-te de estar frente ao teu objetivo, especialmente se te encontras tão próxima dele.- Que diferença faz? - Suspirou com um gesto desanimado. - De qualquer maneira, não conseguia disparar contra ti.- Se te provocarem, podes disparar para qualquer um. Agora, deixa de chorar, Devolvei o teu dinheiro.- Muito obrigado - respondeu ela, tensa. - Mas não será uma grande ajuda. Não posso chegar ao Texas sem companhia. Demonstraste-me que não posso confiar em ninguém. O faço, então?- Não devias ir à procura do teu pai. Ele devia tentar encontrar-te. Escreve-lhe.- Sabes quanto demoraria uma carta a chegar a Waco? Posso chegar antes.- Posso levá-la eu.- Vais a Waco?- Não pensava ir tão longe, mas poderia faze-lo.

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- Não o farás - disse ela, aborrecida. - Quando te fores embora, já não te preocuparás com o assunto.- Disse que o faria, e se o disse, eu faço.- E se o meu pai não está lá - repôs ela. - Como o vais saber?Ela pediu com o seu olhar, mas ele não deu sinais de ter compreendido.- Alguma vez talvez volte por aqui.- Alguma vez? Devo aguardar que isso suceda alguma vez?- Que demónios desejas de mim? Tenho outras coisas para fazer além das tuas diligências.- Quero que me leves a Waco. Disseste que o farias.- Nunca disse que o faria. Disse-te que comprasses provisões. Tu entendeste o que quiseste.Não tinha elevado a voz, mas ela supôs que tinha perdido a paciência. Ainda assim, insistiu.- Não vejo porque não me podes levar. Vais para o Texas de qualquer maneira.- Não aprendeste nada, pois não?O tom da sua voz era frio.- Sim - disse ela nervosamente.- Se assim fosse, não estarias disposta a viajar comigo.Courtney olhou-o de lado, incómoda. Naturalmente, ele tinha razão. Nem sequer deveria dirigir-lhe a palavra.- Sei porque atuaste assim - disse ela em voz muito baixa. - Não posso dizer que me agradou, mas não creio que tenhas desejado fazer-me mal.- Não sabes em absoluto - disse ele categoricamente.Abraçou-a com força e ela ficou tensa.Sem ânimo, disse:- Realmente... terias...?- Escuta - interrompeu Chandos. - Não sabes do que sou capaz. Não tentes adivinhar.- Estás a tentar assustar-me novamente?Ele levantou-se.- Olha - disse secamente - só queria que deixasses de chorar. Já não choras. Tratemos de dormir.- Porquê? - Disse ela, ofendida. – Os meus problemas não te dizem respeito. Esquece o meu pedido de ajuda. Esquece tudo.Chandos pôs-se de pé. A impertinência da jovem não o afetava. Era uma mulher, e supôs que se queixasse se sentiria melhor. Mas as palavras que pronunciou deixaram-no perplexo.- Tenho uma alternativa: Reed Taylor levar-me-á a Waco. Naturalmente, isso quer dizer que tenho de casar com ele. Que outro caminho me resta? Estou habituada a que as coisas não sejam como eu quero. Além disso, qual é a diferença?Tinha-se voltado de costas para ele e falava consigo mesma, não com ele. Não sabia se a ignorava ou a fazia entrar na razão a murros.- Menina?- Quê? - Disse ela, cortante.Chandos sorriu. Talvez fosse valente, apesar de tudo.- Devias ter-me dito que estavas disposta a usar o teu corpo para chegar a Waco.- Quê? – Voltou-se tão rapidamente que a manta que a cobria caiu para um lado. - Jamais permitiria...- Acaso não disseste que te casarias com esse individuo?

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- Isso nada tem a ver com... o que disseste - replicou ela.- Não? Pensas que podes casar com um homem sem repartir o seu leito?Courtney ruborizou-se. Não o tinha pensado; só tinha falado para se sentir melhor.- Não é assunto teu o que eu fizer quando me leves de regresso a Rockley - disse, na defensiva.Ele aproximou-se dela.- Se estás a vender a tua virgindade, talvez esteja interessado.Ela não soube o que responder. Ele atuava assim para a escandalizar?- Falei de casamento - replicou Courtney com a voz temerosa. - Tu também?- Não.- Então não há nada mais a dizer - disse com firmeza, e voltou-se.Chandos observou que ela tomava a manta e se cobria com ela até ao pescoço.Durante um instante, Chandos voltou-se e contemplou o céu escuro e estrelado, pensando que tinha dado em louco.Inspirou profundamente e disse:- Eu levo-te ao Texas.Fez-se um grande silêncio. Ela interrompeu-o:- O teu preço é muito alto.- Não há preço; só o que estejas disposta a pagar.Finalmente, estava a mudar novamente de ideia. Estava demasiado angustiada; só disse:- Não, obrigado.- Como queiras - respondeu ele com indiferença. Depois afastou-se.Ela orgulhou-se por ter recusado. Quem pensava ele que era ao brincar assim com a sua vida?Durante um largo tempo só se ouviu o crepitar do fogo. Depois ela disse sussurrando:- Chandos.- Sim?- Pensei melhor. Aceito a tua oferta.- Então, dorme. Partiremos cedo.

CAPÍTULO 14

O forte aroma do café despertou Courtney. Durante um instante permaneceu deitada, deixando que o sol da manhã banhasse o seu rosto. Nunca tinha dormido ao relento e foi muito agradável despertar debaixo da carícia do sol matutino. Talvez, apesar de tudo, não sentisse a falta de uma carroça.Quando se moveu, viu que lhe doía todo o corpo. Depois recordou a advertência de Mattie. No dia anterior tinham cavalgado durante quase seis horas. Não tinha sido uma cavalgada intensa, pois só tinham percorrido ao redor de vinte e cinco quilómetros. Mas Courtney não estava habituada a cavalgar durante tanto tempo e os seus músculos faziam-no saber.Voltou-se com um gesto de dor. Era pior do que pensava. Depois viu o seu acompanhante e esqueceu as suas dores.Chandos estava a barbear-se a uns três metros de distância, próximo dos cavalos. No chão, aos seus pés, havia um pequeno jarro dentro do qual se via uma lâmina. Da sela do seu cavalo pendia um espelho. Não estava à sua altura mas tinha-o colocado de maneira que pudesse ver-

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se nele.Em tempos, Courtney tinha contemplado o seu pai enquanto se barbeava, mas não era o mesmo que observar Chandos. Não usava camisa; só calças, botas e o cinto que sustinha o revólver.Ela viu-o levantar um braço para tirar a espuma do rosto. Viu que os seus músculos se contraíam e moviam. Não podia deixar de contemplar o seu corpo de linhas firmes. A sua pele nua era escura, suave e fascinante.- Serve-te de um pouco de café. Não permaneceremos aqui durante muito tempo - disse-lhe como se soubesse desde sempre que ela o observava fascinada.Ruborizou-se. Como sabia que estava acordada?Courtney levantou-se lentamente, por causa das suas dores musculares. Queria queixar-se, mas não se atreveu. Só tinham viajado durante um dia. Se ele pensasse que ela não era capaz de o fazer, poderia mudar novamente de parecer.- Falas espanhol? - Perguntou ela com ar casual.- Não.- Mattie pensou que talvez fosses espanhol. O teu nome é?- Não.Courtney fez uma careta. Deus, que pouco sociável era. Não podia tentar ser amável alguma vez? Voltou a tentar.- Então, qual á a tua nacionalidade?- O café vai esfriar.Ela pensou que não valia a pena insistir e concentrou a sua atenção no café. Estava realmente esfomeada.- Há algo para comer, Chandos?Finalmente, ele olhou para ela. Os seus cabelos tinham-se soltado enquanto dormia e caíam sobre o seu lado esquerdo, cobrindo a maior parte do seu peito. Ele recordou que tinha entrelaçado os seus dedos nesses cabelos. Ela olhava-o com olhos sonolentos, mais rasgados do que o costume. Estava fatigada de chorar e por ter estado acordada quase toda a noite. Ele sabia muito bem que ela ignorava até que ponto estava sedutora.- Junto ao fogo há biscoitos - Informou ele secamente.- Isso é tudo?- Deves comer pouco pela manhã. Devias comer à noite.- Não consegui. Estava tão... - interrompeu-se. - Não menciones o dia de ontem, Courtney - disse-lhe- os biscoitos virão muito bem, obrigado.Chandos voltou-se para terminar de se barbear. Pensou que devia estar louco. Não havia desculpa alguma para levar uma mulher, esta mulher, através de seiscentos e quarenta quilómetros de planícies solitárias. Uma maldita virgem. Só sabia olhá-lo fixamente, pensando que ele não percebia. Mas ele tinha captado cada um dos seus olhares. Tinha tido a sensação de esses olhos acariciavam o seu corpo, como se tivessem sido mãos.Não lhe agradavam os sentimentos que despertava nele. Mas levá-la-ia a Waco. De contrario, jamais poderia esquecer o seu bonito rosto banhado em lágrimas, os seus olhos felinos cheios de tristeza. Não queria conservar essa imagem pelo resto da sua vida, como tinha conservado durante os últimos quatro anos a dessa jovem assustada que lhe recordava a sua irmã morta.

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Para sua desgraça, tinha estado ligada a ele desde o dia em que a viu pela primeira vez, ligada através do quanto ele tinha sofrido e de quanto ela estava a ponto de sofrer. Quando lhe perdoou a vida, ela converteu-se numa parte da sua. Ela ignorava isso, não havia motivo para que soubesse. Tinha sido um erro ir a Rockley para ver se ainda estava lá. Tinha sido ainda pior regressar para a salvar da sua estupidez. Ela não era responsabilidade sua. Ele só queria romper o vínculo que os unia. E em vez de o fazer, estava a acompanhá-la a Waco. Sim; decididamente, estava louco.- Chandos?Ele tirou o resto de espuma do rosto, agarrou a camisa que pendia da sua sela e voltou-se para a olhar. Ela estava sentada próxima do fogo, numa postura muito feminina. Numa mão segurava uma taça de metal e, na outra, o resto de um biscoito. O seu rosto estava corado e não o olhava nos olhos. Olhou ao seu redor, contemplando a vasta planície que se estendia à sua volta, deserta e silenciosa. Ele percebeu de imediato o seu dilema e aguardou para averiguar o que pensava fazer a respeito.Ela olhou-o nos olhos e depois o seu olhar voltou a pousar no horizonte.- Aparentemente tenho... quero dizer que... não importa.Os olhos de Courtney iluminaram-se com um sorriso. Era um ser incrível. Preferia sofrer antes que mencionasse o que considerava um tema inapropriado.Ele caminhou para o fogo e pôs-se de cócoras junto a ela.- Devias fazer algo com isto - disse ele, pondo uma mecha dos seus cabelos para trás.

Courtney olhou fixamente o seu peito bronzeado; o pêlo escuro. Não devia aproximar-se dela com a camisa aberta. No entanto, pensou que ia ter que se habituar à sua falta de formalidade se queria viajar com um homem que não dava a menor importância a tais coisas.- Está bem - disse ela e rapidamente recolheu o seu cabelo, formando com ele um novelo sobre a nuca. Chandos contemplou-a detidamente e ela evitou olhá-lo. Ia ter que se manter à distância dela.- Vou pôr-me a andar - disse ele bruscamente. Quando ela o olhou, alarmada, ele disse - Não te demores, senão ser-te-á difícil alcançar-me.Ele recolheu a cafeteira e o seu jarro de metal, apagou o fogo e foi. Ela tinha alguns minutos a sós para satisfazer as suas necessidades naturais.De repente, tomou consciência que Chandos sabia qual era o seu problema. Que mortificação. bom, não lhe restava outra alternativa que deixar de lado a sua sensibilidade delicada e adaptar-se a viajar com um homem. Não perdeu tempo, pensando que talvez não o podia alcançar. quando pôde, foi atrás dele. Não devia preocupar-se. Ele encontrava-se a uns quatrocentos metros de distância. Estava sentado, olhando para o Oeste e no pareceu vê-la quando ela se aproximou. Courtney deteve-se junto a ele e então lançou-lhe um olhar.Ele ofereceu-lhe algo de comer.- Com isso poderás sobreviver até pararmos à meia-noite.De modo que sabia que estava esfomeada. Os dois biscoitos não tinham satisfeito o seu apetite; especialmente porque não tinha comido desde o dia anterior pela manhã.- Obrigado - disse ela em voz baixa.- Esta é a tua última possibilidade de regressar, menina. Sabes disso não?- Não quero regressar.

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- Sabes realmente a que te arriscas? Não encontrarás aqui nenhum rasto de civilização. E já te disse que não sou uma ama. Não esperes que faça por ti o que possas fazer por ti mesma.Ela assentiu lentamente com a cabeça.- Saberei cuidar de mim. Só peço a tua proteção em caso de necessidade. – Depois disse hesitante - darás, não é verdade?- O melhor que possa.Ela suspirou e ele deixou de a olhar, enquanto guardava o resto dos alimentos no seu alforge. Pelo menos isso estava claro. Para que pudessem dar-se bem, só faltava que ele deixasse de atuar como se ela tivesse obrigado a acompanhá-la. Pelo menos, podia deixar de tratá-la de «menina», que mais parecia uma ofensa que um sinal de respeito.- Tenho nome, Chandos - disse ela. - chamo...- Eu sei o teu nome - interrompeu ele, tocando no seu cavalo, que começou a galopar.Ela olhou-o, atordoada.

CAPITULO 15

Courtney viu o índio pela primeira vez antes de cruzar o rio Arkansas, ao meio-dia. Essa manhã, Chandos tinha cavalgado para Oeste, seguindo o curso do rio para Sul, até chegar a um sítio que a escassa profundidade lhes permitiu atravessá-lo.Courtney estava encandeada pelo reflexo do sol do meio-dia sobre a água. Por esse motivo, era difícil distinguir as sombras da ribeira, povoada de árvores e arbustos. O movimento que viu entre os matagais podia ter sido provocado por qualquer coisa. O homem de tranças negras podia ter sido uma miragem. Quando avisou Chandos de que tinha pensado ver um índio no outro lado do rio que se preparavam para atravessar, ele tirou-lhe importância.- Sim era um índio, pois era. Não te preocupes.Depois agarrou as rédeas do cavalo dela e as da égua Nelly, conduzindo-os a todos através do rio. Ela esqueceu o índio e preocupou-se por se manter sobre a sua sela, enquanto a água gelada chegou primeiro até aos seus pés, depois até aos seus músculos e finalmente até às suas ancas. a égua arqueava-se, tentando manter o equilíbrio na rápida corrente da água.Finalmente, depois de cruzar o rio, Courtney pôs a secar sobre um arbusto as suas calças de montar, e vestiu outras.Saiu de trás dos arbustos, onde tinha demorado a vestir as calças. Quando as comprou na loja, não tinha tido tempo de as provar e tinha-lhes dado uma rápida vista de olhos, supondo que lhe serviriam bem. Tinha-se enganado. Não eram calças de homem mas sim de rapaz e se não tivesse tanto apetite, teria permanecido entre os arbustos.Viu Chandos junto à margem do rio, enchendo com água os cantis, mas esqueceu-se dele quando viu o almoço que se estava a cozinhar. Numa pequena caçarola, sobre o fogo, fervia um guisado. Encontrou a sua colher e inclinou-se para o mexer; o aroma fez com que a sua boca se enchesse de água.- Filha da puta.Courtney deixou cair a colher com um grito de surpresa. Lentamente voltou-se e olhou Chandos. Estava a poucos metros dela; na mão levava os dois cantis; com a outra segurava a sua testa como para aliviar a dor. Mas quando baixou a sua mão e ambos se olharam nos olhos, Courtney viu que não sofria dor alguma.

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- Chandos?Ele não respondeu. Olhou-a, detendo-se nas curvas que as estreitas calças delineavam nitidamente. Ela sabia que eram muito apertados, mas Chandos fê-la sentir como se estivesse nua. Courtney ruborizou-se intensamente.- Não me olhes assim. Na realidade, não queria comprá-los mas a Mattie disse que talvez quisesses que me parecesse a um homem, de modo que os comprei. Como ia saber que não eram da minha medida? Não compro roupa masculina. E não tive tempo de os provar porque só me deste uma hora para...- Cala-te, mulher - interrompeu ele. - Não me importa porque os vestiste; tira-os de imediato e veste de novo as calças.- Mas tu disseste que os comprasse - protestou Courtney, desgostada.- Disse camisas e calças. Isso não quer dizer... se és tão inconsciente para fazer ostentação do teu traseiro à minha frente.- Como te atreves? - Disse ela.- Não me provoques, menina - grunhiu ele. – Veste as calças.- Ainda estão molhadas.- Não me importa. Veste-as. Agora.- Muito bem. - Ela voltou-se e disse, incomodada: - Depois não me culpes se apanhar um resfriado e tiveres que...Ele agarrou-a pelos ombros e fê-la girar sobre si mesma com tal força, que ela caiu entre os seus braços. Posteriormente, Courtney pensou que ele deve ter-se surpreendido tanto como ela. Porque não a agarrou pelas nádegas e não afastou as mãos, ainda que ela recuperasse o equilíbrio.Courtney estava farta do seu autoritarismo.- Então? - Perguntou bruscamente. - Pensei que querias que mudasse de roupa.A voz dele soou rouca, suave, e, ao mesmo tempo, perturbadora.- Não compreendes nada, pois não, olhos de gato?Nervosamente, ela perguntou:- Podes soltar-me agora?Ele não o fez e por um segundo os seus olhos pareceram tão confundidos como os dela. De pronto, ela ficou sem fôlego.- no futuro, menina - disse ele finalmente - sugiro que não trates de me surpreender desta maneira. Podes usar as tuas calças, dado que eu, como disseste, insisti em que as trouxesses. Se não puder controlar a minha... desaprovação, esse será o meu problema, não teu.Ela supôs que se tratava de uma desculpa pelo seu estranho comportamento. No futuro, tentaria não o surpreender para que não atuasse de maneira tão irracional.- Então, se não te importas, preferiria comer enquanto se secam as minhas calças. De acordo?Ele assentiu e Courtney foi à procura dos pratos que estavam nos alforges.Uma hora depois recomeçaram a marcha, mantendo-se próximo do rio, ainda que a uma distancia suficiente como que para iludir na espessa folhagem que havia nas margens. Courtney viu novamente o índio. Seria ele mesmo? Como sabê-lo? Mas esta vez estava segura de tê-lo visto. Estava à garupa de um cavalo muito semelhante ao dela, sobre um pequeno monte situado a Oeste, e observava-os.Courtney aproximou o seu cavalo de Chandos.

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- Consegues vê-lo?- Sim.- O que espera de nós?- Nada.- Então, porque está ali? Observa-nos? - Perguntou ela.Finalmente, ele voltou-se e olhou-a.- Tranquiliza-te, pequena. Não há-de ser o único índio que vês nas próximas semanas. Não te preocupes com ele.- Não?- Não - insistiu ele com firmeza.Courtney não falou mais. Por Deus, que irritante era! Mas já não estava tão preocupada com o índio, pois Chandos não o estava.Depois de uns minutos já se tinham afastado do índio, e ela voltou-se para ver que não os tinha seguido. Ainda estava sobre o pequeno monte.Mas essa tarde, Courtney começou a recordar todos os ataques indígenas de que tinha lido ou ouvido falar, incluindo aquele que tinha vivido. Pensava que alguns ataques se justificavam.Suspirou. Os brancos matavam. Os índios vingavam-se. Depois os homens brancos vingavam-se por sua vez e os índios davam represálias. Quando acabaria?Não parecia possível que acabasse, pelo menos no momento. E todos os sítios estavam ameaçados, pois as tribos indígenas estendiam-se desde o México até à fronteira com o Canadá.Um ano antes, no Norte do Texas, dez carroças tinham sido atacadas por cento e cinquenta índios. Levavam grão desde Weatherford para Fort Griffin, e mesmo o condutor da caravana tenha conseguido reunir as carroças e oferecer resistência para que alguns dos seus homens pudessem fugir, os que fugiram foram encontrados mortos e mutilados.Dizia-se que o ataque tinha sido encabeçado por Set Tainte, o chefe dos kiowas, mais conhecido como Satanta. Este chefe índio era facilmente reconhecível porque costumava usar um chapéu dourado com penas e uma jaqueta com jarreteiras, pertencente a um general do exército norte-americano.Courtney recordava a gargalhada de Mattie perante o desdobrar de humor do chefe índio depois de atacar Fort Larned. Depois de roubar quase todos os cavalos do regimento, enviou uma mensagem ao comandante, queixando-se da má qualidade dos mesmos e solicitando que, na sua próxima visita, tivesse melhores cavalos.Courtney tinha a certeza que não se encontraria com esse índio no caminho, pois Satanta encontrava-se na prisão estatal do Texas, apesar de existir o rumor que seria posto em liberdade sob fiança.A jovem pensou que essa viagem incluía verdadeiros perigos. Podia um só homem protegê-la?Decidiu que só lhe restava rezar e esperar que os seus cavalos respondessem satisfatoriamente. Se se detivesse a pensar em todas as possibilidades, não poderia seguir em frente. Não; o mais prudente era imitar a atitude de Chandos.Só esperava que a serenidade dele fosse justificada.

CAPÍTULO 16

Chandos aguardou até ter a certeza que Courtney dormia. Então, agarrou as suas botas e a sua

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arma, e silenciosamente afastou-se do lugar onde acampavam. Foi em direção oposta ao rio. A noite era escura e haviam sombras por todo o lado.Em pouco tempo, aproximou-se Lobo Rampante. Caminharam sem dirigir uma palavra, até se afastarem o suficiente para que o vento não levasse as suas palavras.- É a tua mulher?Chandos deteve-se e olhou para a frente. A sua mulher? Era agradável de ouvir. Mas nunca tinha tido uma mulher, nem o desejava. Não havia tido tempo. A única mulher que visitava periodicamente era a apaixonada Calida Álvarez. Mas Calida pertencia a muitos homens.- Não, não é minha mulher - respondeu finalmente.Lobo Rampante percebeu o tom de tristeza com que o tinha dito.- Porque não?Chandos sabia que tinha muitos motivos mas só mencionou o mais óbvio.- Não é das que obedecem cegamente... e eu não costumo interromper o que começo.- Mas está contigo.Chandos riu, e os seus dentes brancos brilharam na obscuridade.- Não sonhes ser tão curioso, meu amigo. Acreditarias que estou louco se te dissesse que é mais forte do que eu ou, pelo menos, mais persistente?- Que poder aplica?- O das malditas lágrimas.- Lembro-me muito o quanto são poderosas.Chandos compreendeu que Lobo Rampante estava a pensar na sua defunta mulher. Era sempre assim. Com uma palavra ou um olhar, ele podia reviver com todos os detalhes.Apesar do seu caminho estar marcado pelo sangue dos seus entes queridos, Chandos tentava esquecer o sucedido. Lobo Rampante não fazia o mesmo. O bravo comanche vivia das suas memórias. Eram a razão da sua vida.O pesadelo não acabaria para nenhum deles até que morresse o último dos quinze carniceiros. Só então Chandos deixaria de escutar os gritos nos seus sonhos, de ver Lobo Rampante, seu amigo íntimo, chorando junto da sua mulher morta, olhando fixamente o seu filho de dois meses que jazia a uns poucos metros. Um pequeno bebé degolado.Em ocasiões, quando as imagens o acossavam, Chandos perdia o contato com a realidade circundante e chorava interiormente, como o tinha feito quando chegou ao lugar e presenciou essa cena macabra. Não chorava facilmente como Lobo Rampante, ou como o seu padrasto, que tinha coberto as pernas da sua mulher, manchadas de sangue pelas repetidas violações, e tinha fechado os seus olhos, aqueles lindos olhos azuis cheios de horror e sofrimento. À mãe de Chandos chamavam-lhe a mulher dos olhos de céu.Talvez algum dia pudesse chorar. Então deixaria de ouvir os seus gritos. Talvez então pudesse dormir com tranquilidade. Mas pensou que a imagem de Asa Branca nunca se apagaria da sua mente.A sua pequena irmã, que o adorava, e a quem ele adorava por sua vez. A morte crua dessa menina adorável atormentava a sua alma; os braços partidos, as marcas das dentadas, o corpo retorcido e coberto de sangue. A violação da sua mãe era compreensível. Tinha sido uma linda mulher. Mas a violação de Asa Branca era uma atrocidade inexplicável. Só dois dos quinze homens brancos responsáveis desse horror estavam vivos. Lobo Rampante e os cinco valentes que acompanhavam Chandos tinham encontrado e dado a morte a quase todos os assassinos

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durante esse primeiro ano.- Para onde vai a mulher? - Perguntou Lobo Rampante emergindo das suas memórias.- Também se dirige ao Texas.- Bem. Creio que não queres a nossa companhia nesta viagem.Chandos sorriu.- Não creio que ela o compreendesse. Assustou-se muito quando te viu hoje. Se vê os outros demais, fica histérica.- Mas fica com a certeza de que estaremos próximo se precisares de nós – lembrou-lhe Lobo Rampante.E desapareceu tão silenciosamente como tinha chegado.Chandos permaneceu ali durante um tempo, contemplando o escuro céu nocturno. Uma sensação de vazio invadiu-o. E essa sensação não desapareceria até que o último assassino estivesse morto. Só então os seus entes queridos mortos descansariam em paz e deixariam de gritar nos seus sonhos.De repente, um grito estremeceu-o. Chamavam pelo seu nome. Não se tratava de um sonho. Chandos foi preso por um temor tão grande como o que experimentara aquele dia em que chegou a sua casa, no acampamento índio.Correu a toda a velocidade até chegar junto dela.- O que se passa?Courtney caiu nos seus braços, agarrando-se ao seu peito nu.- Desculpa - balbuciou, ocultando o seu rosto no ombro dele. - Despertei e não estavas aqui. Não foi minha intenção gritar, mas pensei que me tinhas abandonado. Assustei-me tanto, Chandos... Não me abandonarás, pois não?Ele agarrou-a pelos cabelos e puxou a sua cabeça para trás.Beijou-a com força. Esses lábios que ela tinha considerado tão sensuais moviam-se sobre os dela com violência. Não havia suavidade alguma no seu beijo nem na maneira em que a segurava.Ao cabo de um instante, algo começou a misturar-se com a sua atordoada confusão. Voltava a experimentar essa estranha sensação no seu estômago; uma sensação já conhecida.Quando percebeu que era ela quem prolongava o beijo, agarrando-se fortemente a ele, pensou em se afastar, mas não o fez. Não queria pôr fim a esse beijo. Mas tudo o que é bom acaba. Chandos soltou-a e afastou-se dela.Courtney, estupefacta, contemplou os seus intensos olhos azuis. Era demasiado tarde para explicar o seu próprio comportamento, mas estava muito intrigada com a reação dele. Inconscientemente, levou a mão aos lábios.- Por... porque fizeste isso?Tudo que Chandos podia fazer, era manter uma pequena distância entre ambos e ela perguntava porquê. Na realidade, o que podia esperar de uma mulher virgem. Perguntava porquê. Aqueles seios suaves e turgentes roçando o seu peito, os braços sedosos rodeando o seu pescoço. Só usava uma fina camisa e uma saia. Porquê? Oh, Deus!- Chandos - insistiu ela.Não teria sabido o que fazer se não visse Lobo Rampante atrás dela. Aparentemente, o seu amigo tinha ouvido o grito e veio lhe ajudar. Teria visto o sucedido? O sorriso que dirigiu a Chandos indicava que sim. Depois desapareceu.Chandos suspirou profundamente.

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- Esquece - disse-lhe. - Simplesmente pensei que era a melhor maneira de te fazer calar.- Oh!Maldição; porque se mostrava tão decepcionada? Não se tinha dado conta de que tinha estado a ponto de a violar? «Não, não o tinha percebido», disse a si mesmo. Não tinha a menor ideia do que estava a fazer com ele.Chandos caminhou para o fogo, jogando com aborrecimento outro bocado de lenha.- Volta a dormir, pequena - disse, voltando-lhe as costas.- Onde estavas?- Ouvi um ruído e fui averiguar do que se tratava. Não era nada. Mas antes de tirar conclusões, devias ver se o meu cavalo estava aqui. Da próxima vez, lembra-te.Courtney grunhiu interiormente. Tinha atuado como uma tonta. Não era de estranhar que ele se desconcertasse. Certamente pensava que era uma mulher histérica que só lhe traria problemas.- No voltará a suceder... – começou a dizer Courtney; interrompeu-se quando ele proferiu uma dessas palavras estrangeiras que costumava empregar quando estava inquieto. Ele voltou-se e foi para onde se encontrava o seu cavalo.- Onde vais?- Como estou completamente acordado vou tomar um banho.Tirou uma toalha e sabão do seu alforge.- Chandos, eu...- Vai dormir.Courtney cobriu-se com a sua manta, contrariada. Ele dirigiu-se para o rio. Só tinha desejado desculpar-se. Ele não tinha que reagir assim. Courtney não soube se chorava de vergonha ou se ria pensando no espectáculo absurdo que tinha oferecido a Chandos. Na realidade, não era estranho que se tivesse comportado como o fez. Certamente, a situação tinha sido mais incómoda para ele do que para ela. Courtney suspirou e voltou-se para contemplar o fogo e o rio que se encontrava mais abaixo. Não podia ver nem ouvir Chandos, mas sabia que estava lá. Desejou ter a ousadia de tomar banho no rio com ele, em vez de se lavar superficialmente, com a sua roupa vestida, como o tinha feito horas antes. Provavelmente, teria muitos benefícios para os seus músculos doridos. Quando Chandos regressou, ela ainda estava acordada. Fingiu dormir, temendo que ele ainda estivesse aborrecido, mas observou-o através das suas espessas pestanas, sem se surpreender de querer contemplá-lo.Os seus movimentos graciosos recordavam-lhe os de alguns felinos. Teria algo de animal de rapina pela maneira em que conhecia o seu contorno e era capaz de superar qualquer desafio. Essa era uma ideia muito reconfortante. Ela seguiu-o com o olhar quando ele mandou a toalha sobre um arbusto e guardou o sabão no alforge. Depois pôs-se de cócoras em frente do fogo para o atiçar com um pau. Perguntou-se porque não a olhava para ver se dormia ou não; mas então ele fê-lo e ela ficou sem fôlego, pois não afastou de imediato o olhar. Estava a contemplá-la da mesma maneira em que ela o contemplava. O que pensava ao olhá-la? Provavelmente, que ela era um estorvo do qual desejaria desfazer-se. Pensasse o que pensasse, era melhor ignorá-lo. Quando finalmente se pôs em pé e foi para a sua manta, ela ficou desconsolada; já não lhe interessava, enquanto que o seu interesse por ele era muito intenso. Ela notou que Chandos ainda tinha as costas molhadas. Experimentou um forte desejo de as secar com a sua mão. «Por Deus, Courtney, dorme imediatamente», repreendeu-se a si mesma.

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CAPÍTULO 17

- Bom dia. O café está preparado e mantive a tua comida quente.Chandos grunhiu ao ouvir o tom alegre da sua voz. O que raio fazia? Porque se tinha levantado antes dele? Depois, lembrou-se que tinha dormido pouco a noite anterior, graças a ela.Dirigiu-lhe um olhar direto.- Queres comer agora?- Não - respondeu ele, asperamente.- Não é preciso gritares.- Não te lembras que te disse que não como pela manhã? - Perguntou ele suavemente.- Lembro sim. Disseste que comias pouco pela manhã, não que não comias nada em absoluto. De modo que te preparei duas tortas de milho, quer dizer, um pequeno-almoço muito ligeiro. Mas queria esclarecer que, se comesses bem pela manhã não teríamos necessidade de nos deter para almoçar, o que nos obriga a desperdiçar boa parte do dia.- Se deixasses de falar, pequena, diria que ontem parámos para almoçar por tua causa. Se não estivesses comigo, podia percorrer esta distância em metade do tempo que estamos a empregar. Mas se consideras que o teu traseiro está em condições...- Por favor - disse Courtney. - Lamento. Só pensei.... Não, obviamente não pensei. E na realidade... Não estou em condições de cavalgar durante muito tempo, pelo menos por agora. – Ruborizou-se. - E agradeço-te que tomes em consideração com a minha...Balbuciou e corou intensamente.- Comerei as tortas de milho - disse ele, cortesmente.Courtney correu para as servir. Uma vez mais, tinha-se comportado tontamente. E ele tinha toda a razão; ela não havia pensado no seu corpo dolorido e com efeito que podiam ter sobre ele mais horas de viagem. Tal como estavam as coisas, não sofria tanto como previra Mattie, mas compreendeu que se devia à consideração que Chandos lhe dispensava.Aproximou de Chandos o jarro com café, dizendo:- Quando cruzaremos o território indígena?Tirando importância ao tema, ele respondeu:- Cruzamos à noite, duas horas antes de acampar.- Já?Não parecia muito diferente do terreno de Kansas que deixaram atrás deles. Será que encontrariam povoações indígenas? Não havia à vista um ser vivo; só terras planas e árvores nas margens dos rios. Com certeza, esta zona tinha sido dada aos índios e deviam estar em algum sítio...- Não te preocupes, pequena.Ela olhou para ele, sorrindo nervosamente. Era tão evidente o seu temor?- Porque não me chamas Courtney? - Perguntou subitamente.- Esse é o teu nome civilizado. Não tem nada a ver por aqui.Ela voltou a aborrecer-se.- Suponho que Chandos não é o teu verdadeiro nome, então.- Não. - Ela supôs que ele no diria nada mais, como de costume, mas desta vez surpreendeu-a. - É o nome que costumava dar-me a minha irmã, antes de aprender a pronunciá-lo.

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Courtney perguntou que nome podia soar parecido a Chandos. Ao mesmo tempo, ficou contente por saber algo mais acerca dele. Então tinha uma irmã? Depois, ele prosseguiu falando mais consigo mesmo do que com ela.- É o nome que usarei até que conclua o que devo fazer, para que a minha irmã deixe de chorar e durma em paz.Imediatamente Courtney estremeceu.- Isso parece ser incompreensível. Suponho que não desejas explicar.Os seus olhos azuis olharam-na durante um tempo antes de dizer.- Não te agradaria saber.Ela queria dizer-lhe que sim, que queria saber. E não só saber o que acabava de dizer, mas saber tudo acerca dele, mas absteve-se.Aguardou que ele terminasse de beber o seu café e dedicou-se a selar o seu cavalo. Sabia que empregaria o dobro do tempo que empregava Chandos.- A égua tem nome, Chandos?Ele estava a preparar-se para se barbear e não a olhou.- Não.- Posso...?- Põe-lhe o nome que mais te agrade, Olhos de gato.Courtney captou a ironia da resposta. O nome que mais lhe agradasse; tal como ele fazia com ela. Ele sabia que ela não gostava que a chamasse de menina, mas «olhos de gato? » Bom, era preferível. E ele dizia-o de uma maneira que soava mais íntimo do que o seu nome real.Ela aproximou-se do fogo para limpar e guardar os utensílios. Enquanto o fazia, contemplou Chandos. Estava de costas para ela; percorreu lentamente o corpo dele com o olhar, como a acariciá-lo. Era um bonito corpo masculino. «Por Deus, Courtney, é mais do que isso é soberbo!» Imaginou que seria o corpo ideal para que um escultor o tomasse como modelo.Courtney suspirou e levou os utensílios ao rio para os lavar. Finalmente, tinha admitido que admirava o corpo de Chandos e não se surpreendia. Ruborizou-se. Era por isso que experimentava essa sensação estranha quando o olhava, quando ele a tocava ou quando a beijou? Perguntou-se a si mesma o que sabia realmente acerca do desejo. Graças a Mattie, que com frequência costumava ser explícita a respeito dos seus sentimentos para com o seu marido, Courtney sabia bastante.- Não pude deixar de acariciá-lo - dizia Mattie e Courtney compreendeu que se sentia da mesma maneira a respeito de Chandos. Experimentava desejos de tocá-lo, de percorrer a sua pele firme com os dedos, de explorar o desconhecido.Como evitar esses sentimentos? Não podia iludir Chandos. Por outro lado, ele não tinha demonstrado muito interesse por ela. Courtney sabia que não a desejava como mulher. Ela nem sequer lhe agradava. Courtney estava desconcertada.O beijo da noite anterior rondava os seus pensamentos. Ela não era uma novata no que se referia a beijos; tinha-os recebido dos seus pretendentes em Rockley, e conhecia os beijos possessivos de Reed. Mas nunca tinha apreciado tanto de um beijo. tentou imaginar como seria ser beijada por Chandos se ele se propusesse beijá-la realmente. Surpreendeu-se a pensar como este homem faria amor. De forma primitiva? Selvagemente, tal como vivia? Ou seria terno, ou talvez ambas as coisas ao mesmo tempo?De repente, deixou cair um prato na corrente de água. Ao agachar-se deu-se conta que ele

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estava a observá-la ironicamente. Quando conseguiu apanhar o prato voltou-se, disposta a ralhar com Chandos por espiá-la, mas os seus olhos iluminaram-se quando contemplou os seus lábios incrivelmente sensuais. Lançou um pequeno gemido e desviou o olhar.- Creio que estava... a sonhar acordada - disse, desculpando-se e rogando que ele não adivinhasse os seus pensamentos.- Faz isso quando estivermos a cavalgar. Já deveríamos ter partido.Ele afastou-se, deixando-a enfurecida. «Esta é a realidade», disse a si mesma. Era um pistoleiro sem piedade, duro e selvagem. Totalmente desagradável. Não um amante de sonho.

CAPÍTULO 18

A diferença fez-se notar quando se afastaram do sinuoso curso do rio Arkansas. Já não sopravam as frescas correntes de ar que afugentavam os insectos. Já não se podiam refugiar debaixo da sombra das árvores. Mas o rio dirigia-se para o Sudeste, e Chandos para o Sudoeste. Informou Courtney que ao entardecer voltariam a encontrar-se com o Arkansas, pois este formava uma curva e voltava a tomar essa direcção mais à frente.Courtney sofreu os efeitos do calor. Estavam na primeira semana de Setembro, mas a temperatura não tinha diminuindo apesar do verão já ter acabado. o clima era húmido. O suor banhava a frente de Courtney e descia pelas suas costas, axilas e por entre os seios, molhando o seu diafragma. Desidratou-se tanto que Chandos fê-la beber água com sal, com pena.Ao entardecer chegaram à zona das montanhas de pedra arenosa; uma zona de montes baixos e chatos que se estendia através da região oriental do território índio até se unir com as montanhas Arbuckle, na fronteira Sul. Alguns destes montes alcançavam cento e vinte metros de altura e estavam cobertos por bosques de carvalhos e povoados por animais de caça.Enquanto Courtney tentava secar o corpo, depois da segunda travessia do rio, Chandos comunicou-lhe que iria em busca de alimento para o jantar. Esperava que o acampamento estivesse preparado quando regressasse. Courtney apenas conseguiu emitir duas palavras de protesto, pois ele já tinha ido. Sentou-se e viu-o a afastar-se, angustiada.Era uma prova. Ela sabia-o e incomodava-a. Mas fê-lo; tratou dos cavalos e recolheu lenha, tal como o fazia Chandos. Como não estava completamente seca o fogo fez muito fumaça. Começou a cozer os feijões enquanto decidia que jamais voltaria a comer feijões depois dessa viagem. Até amassou o pão.Quando acabou, sentiu-se muito orgulhosa de si mesma e sentou-se à esperar do regresso de Chandos; recordou o seu corpo molhado e pensou que era uma boa altura para se lavar, junto com a sua roupa interior. E como Chandos não estava no acampamento, podia tomar em agradável e prolongado banho.Aquilo a reanimou, já não estava mais contrariada porque Chandos a tinha deixado sozinha. Ainda havia luz; o céu estava rosado. Sentiu-se segura ao recordar que tinha o seu revólver Colt, apesar de o manejar mal. Agarrou rapidamente a toalha, o sabão e uma muda de roupa. a borga do rio era rochosa; procurou um pequeno espaço de águas tranquilas entre os penhascos.Primeiro, sentou-se na beira e lavou a sua roupa, depois distribuiu-a sobre as rochas. Lavou o cabelo e a sua roupa interior sem a tirar; ensaboou-a sobre o seu corpo. Esfregou-se com energia tirando o pó e o suor colados à pele. A água estava estimulantemente fria, muito agradável depois da cavalgada sufocante. Sentia-se feliz nesse refúgio. Como não via para lá das

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rochas, tinha uma sensação de completo isolamento. O céu começava a ficar vermelho e violeta quando saiu da água e recolheu as suas roupas molhadas. Não pôde avançar mais além da beira do rio. Disseminados ao longo da margem, fechando-lhe o acesso ao acampamento havia quatro cavalos. Quatro cavalos e quatro cavaleiros.Não eram índios. Foi o primeiro pensamento de Courtney. Mas, alarmou-se na mesma. Todos a olhavam de tal maneira que a sua pele se eriçou. Os homens tinham as pernas molhadas, o que indicava que acabavam de cruzar o rio. Se os tivesse visto chegar ou os tivesse ouvido aproximar...- Onde está o seu homem?O que falou tinha olhos e cabelos castanhos; casaco, calças, botas, chapéu e camisa de cor castanha. Era jovem, e ela calculou que ainda não tinha trinta anos. Todos eram jovens pistoleiros. Já os sabia reconhecer; o seu aspecto indicava que tinham as suas próprias leis e que usavam as suas armas para as implantar.- Fiz-lhe uma pergunta.A voz do homem era áspera.Courtney não se tinha movido nem um centímetro. Não podia. O pânico imobilizava-a. Mas devia recuperar o controle de si mesma.- O meu acompanhante regressará a qualquer momento.Dois deles riram. Porquê? O que vestia de cor castanha não riu. O seu rosto permaneceu inexpressivo.- Isso não responde à minha pergunta. Onde está? - repetiu.- Foi à caça.- Há quanto tempo?- Há mais de uma hora.- Não ouvi tiros, Dare - disse um jovem de cabelo vermelho. - Aparentemente, deveremos esperar um bom tempo.- Parece-me estupendo - disse um indivíduo corpulento, de cabelos negros e barba eriçada. - Sei como conseguir que o tempo passe rapidamente.Houve mais risos.- Nada disso; pelo menos por agora - disse o homem vestido de castanho. – Leva-a para o acampamento, Romero - ordenou em voz baixa.O homem que desmontou do cavalo e se aproximou dela parecia tão mexicano como o seu nome, excerto que tinha os olhos mais verdes que jamais tinha visto. Era pouco mais alto do que ela, o seu corpo era delgado e forte; vestia completamente de negro, com adornos de conchas prateadas que, à luz do entardecer, lançavam reflexos avermelhados. O seu rosto era citrino e tão sério como o de Chandos. Parecia um homem perigoso, talvez mais perigoso que os outros.Quando se aproximou dela e a agarrou pelo braço, ela teve a coragem de se safar.- Um momento.- Não o faças, linda – aconselhou-a duramente. - Não cries problemas, por favor.- Mas não…- Cala-te - disse ele intercalando na sua linguagem palavras que Courtney não entendeu.Pensou que seriam em espanhol. Instintivamente, Courtney supôs que queria que baixasse a voz ou algo parecido. Era como se tentasse protegê-la. Os outros já estavam subindo a costa. Ela

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começou a tremer, em parte pelo efeito da brisa do rio sobre o seu corpo molhado e em parte por causa do homem de frios olhos verdes que estava a seu lado.Voltou a agarrá-la pelo braço, mas ela safou-se novamente.- Pelo menos pode permitir que me seque e que me vista.- Com essas roupas molhadas?- Não; com aquelas. - Assinalou o arbusto que estava na parte alta da margem, onde tinha posto as suas roupas a secar.- Sim, mas rapidamente, por favor.Courtney estava tão nervosa quando agarrou a toalha, debaixo da qual estava o revólver, que a arma deslizou entre os seus dedos e caiu ruidosamente sobre as rochas. O homem exalou um suspiro exasperado e inclinou-se para a recolher. Depois pô-la no seu cinto. Courtney grunhiu.Envergonhada, pois sabia que Chandos a repreenderia pela sua estupidez, subiu apressadamente a costa.Romero seguiu-a mantendo-se próximo dela. Ela não podia tirar a roupa interior molhada para a trocar pela que estava seca, assim vestiu o vestido seco, que rapidamente se humedeceu.- Apanharás um resfriado, linda – advertiu-a Romero quando ela saiu detrás do arbusto.Como era por sua culpa, ela disse:- Não tenho outra alternativa, pois não?- Sim, tens.Que coisa. Certamente esperava que ela se despisse diante dele.- Não, não tenho - Insistiu Courtney, enfaticamente.Ele encolheu os ombros.- Muito bem. Vem comigo.Não tentou agarrá-la novamente pelo braço, mas estendeu a sua mão assinalando o acampamento, indicando que avançasse à frente dele. Ela recolheu rapidamente as suas coisas e obedeceu. Pouco depois chegaram à pequena clareira do bosque, onde ela tinha instalado o acampamento.Os outros três homens estavam sentados junto ao fogo, comendo os seus feijões e o seu pão e bebendo o seu café. Courtney estava indignada, mas também atemorizada.- Não levaste muito tempo - disse o gigante de cabelos negros. - Não te disse, Johnny Red, que era muito rápido para desembainhar?O insulto não afetou Courtney, mas o mexicano zangou-se.- Imbecil. É uma dama.- Será uma dama quando eu defeque de cor de rosa - disse o gigante, ironicamente. – Trá-la e põe-na aqui.Courtney ruborizou-se ao ver que o homem assinalava entre as suas pernas. Olhou o mexicano com olhos implorantes, mas ele encolheu os ombros.- Depende de si, linda.- Não!Romero voltou a encolher os ombros, mas o seu gesto estava dirigido ao gigante.- Vês, Hanchett? Ela não quer conhecer-te melhor.- Não me importa o que quer, Romero - replicou Hanchett com um grunhido, pondo-se em pé.O mexicano deu um passo em frente, colocando-se à frente de Courtney e, dirigindo-se a Dare, disse: - Não deverias dizer ao teu amigo que só queres a mulher para agarrar o Chandos?

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Chandos partiu com o seu cavalo, de modo que não precisa de regressar ao acampamento, excerto para a buscar a ela. Pessoalmente, se eu usar a mulher, mesmo contra a sua vontade, eu não gostaria de a ter novamente comigo. Simplesmente me afastaria.Courtney estava consternada perante a sua insensibilidade. Que espécie de homem...? Olhou para Dare, que obviamente mandava no grupo. - Romero está certo, Hanchett - opinou Dare, finalmente, e Courtney deixou escapar um suspiro de alívio, que, lamentavelmente, foi prematuro - Espera que apanhe esse canalha e saiba a que se propõe.- Você... conhece o Chandos? - sussurrou Courtney ao mexicano, num aparte.- Não.- Mas eles conhecem?- Não - disse novamente e explicou: - Chandos anda à procura de Dare, e Dare não gosta disso.- Quer dizer que nos têm estado a seguir?- Sim - respondeu ele. - Estávamos a um pouco mais de um dia de distância de vocês e não tínhamos esperanças de alcançá-los tão cedo, mas inexplicavelmente, ele diminuiu a marcha.Courtney sabia que era a culpada dessa demora e porque esses homens os tinham alcançado.Disse em voz baixa:- Quando ele chegar e o seu amigo obter as respostas que quer, o que acontecerá?Os olhos escuros de Romero nem sequer piscaram.- Dare irá matá-lo.- Mas porquê? - Perguntou Courtney.- Dare está aborrecido porque perde tempo a ir atrás dele; a forma como Chandos procurou Dare em Newton foi um desafio que não pode ser ignorado. Por isso procuramos o seu homem.- Não é o meu homem. Está a acompanhar-me até ao Texas; é tudo. Apenas o conheço e...Ele fez um gesto para descartar a sua explicação.- A razão por que viaja com ele não tem importância, linda.- Mas - continuou ela com ênfases - como pode dizer tranquilamente que o seu amigo o matará? Não se mata um homem por um motivo tão fútil como o que acaba de me dar.- Dare fá-lo-á.- E você não o vai deter?- A mim não me diz respeito. Mas se está preocupada por si mesma, tranquilize-se. Não a abandonaremos aqui. Regressaremos ao Kansas e virá conosco.- Isso não me faz sentir melhor, senhor.- No entanto, devia servir-lhe de consolo, linda. De contrario, você também pode morrer. - Courtney emudeceu. Depois disse-lhe algo que emocionou ainda mais. - Tem tempo para pensar se quer lutar. Mas, pense bem, pois submetê-la-ão de todas as formas. E, o que importa se é um homem ou são quatro?- Quatro? Você também?- Você é muito bonita e eu sou um homem - disse ele simplesmente.Courtney moveu a cabeça, incrédula.- Mas você... evitou que Hanchett...- É um estúpido. Iria possui-la e distraía-nos a todos, dando vantagem a Chandos.- Agora já tem - disse ela, deliberadamente, esperando minar a sua confiança. - Vocês quatro estão iluminados pela luz do fogo, e ele está oculto na obscuridade.

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- Sim, mas temos você.Courtney ficou sem argumentos.Mentalmente tentava encontrar a maneira de ajudar Chandos. Teve uma ideia e disse:- Fui um estorvo para Chandos e estou certa de que ficaria contente por se desfazer de mim. Por tanto, vocês perdem tempo aqui.- Bem pensado, menina; mas acredito em você - disse Dare, que a tinha ouvido.Courtney olhou fixamente o fogo. Provavelmente era verdade. Era certo que Chandos pressentiria o perigo. Porque iria enfrentar esses homens só porque ela estava ali? Eram quatro contra um. Arriscaria a sua vida por ela? Não queria que Chandos morresse. Mas tampouco queria ser violentada.- Disseram-nos que é mestiço. É verdade?Passaram uns segundos antes que Courtney percebesse que Hanchett se dirigia a ela. Evidentemente, não sabiam nada acerca de Chandos. Ela tampouco, mas eles ignoravam-no.Olhou o gigante barbudo com indiferença e disse:- Se quer dizer que é metade índio, não, não é. Três quartas partes dele são comanches. Existe um nome para isso?- Que destemida é você ao deitar-se com um mestiço - disse Johnny Red, menosprezando-a, e a sua manobra deu resultado.Courtney olhou-o, indignada.- Só vou repetir isto mais uma vez: Chandos não é meu... meu... amante. É um selvagem sem piedade. Mas quando o vi matar Jim Ward, um foragido malvado, supus que era o homem que precisava para me acompanhar até ao Texas.- Demónios. O velho Jim está morto? - Perguntou Hanchett.Courtney suspirou. Não a surpreendia que conhecessem Ward. Também eles eram foragidos.- Sim. Chandos matou-o - respondeu ela. - É um bom caçador. Seria por isso que perguntou por você? -disse dirigindo-se a Dare.Ele meneou lentamente a cabeça, imperturbável.- A lei não me persegue, menina. Sempre me asseguro de que não fiquem testemunhas dos meus crimes. Hanchett e Johnny Red desataram a rir. Courtney tinha perdido a sua vantagem e tentou recuperá-la.- Bem, tenho a certeza que vocês não têm piedade e são desprezíveis, de modo que têm muito em comum com Chandos. Ele é muito desagradável. Tentou amedrontar-me dizendo-me quantos couros cabeludos tinha obtido. Não lhes direi quantos. Não acreditei, por isso também não iam acreditar. Também me disse que durante vários anos tinha estado acompanhado por esse vingativo Satanta. Mas eu perguntei-lhe, como pôde matar esses dezassete homens procurados pela justiça, segundo afirma? Não é assim tão velho. Como pôde matar tantas pessoas em tão pouco tempo? É impossível e disse-lhe isso.- Cale-se, mulher – interrompeu-a Dare, furioso.- Porquê? Ouviu algo? - Perguntou Courtney inocentemente. - Provavelmente é Chandos. Deve ter regressado há tempo. Mas não voltará. Porque voltaria se pode fugir?- Johnny Red, põe algo na boca para a fazer calar - rugiu Dare.Quando o rapaz se aproximou dela, um tiro alcançou-lhe o ombro esquerdo, afastando-o dela.Johnny Red revolvia-se no chão, gritando que o seu osso estava partido. Courtney apenas podia ouvi-lo, mas sabia que devia avisar Chandos.

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- Chandos, estão a tentar matar-te.Interrompeu-se ao ver que Dare estava a ponto de a esbofetear. Mas não lhe conseguiu tocar porque uma bala incrustou-se no seu cotovelo, paralisando o seu braço. Deixou cair o revólver. Quando Hanchett viu o sucedido, apontou a Courtney a sua arma. Esta voou pelo ar, alcançada por um tiro. A Courtney zumbavam-lhe os ouvidos e olhou ao seu redor, completamente assombrada.- Idiotas - rugiu Romero. - Está a proteger a mulher. Deixem-na em paz. - Depois, dirigindo-se a Chandos gritou: - Senhor, deixe de disparar, por favor. Pode ver que acabo de embainhar a minha arma.Embainhou a arma e levantou os braços. Tentava que Chandos não o matasse ao vê-lo indefeso.Aparentemente, a manobra deu resultado, porque Chandos não voltou a disparar. Fora do círculo do fogo, tudo estava silencioso. Próximo do fogo, Johnny Red grunhia e Hanchett tinha o fôlego entrecortado enquanto segurava a sua mão ensanguentada.A Courtney ainda lhe tremiam as pernas, mas o seu temor tinha cedido. Chandos tinha conseguido. Estava numa situação vantajosa. Porque no lhes ordenava que montassem nos seus cavalos e se fossem embora? Porque não falava? Romero aproximou-se lentamente de Dare, para o ajudar a vendar o seu braço.- Seja razoável, amigo - aconselhou Romero a Dare em voz muito baixa. - Podia matar-nos a todos em poucos segundos. Mas só nos irritou. Faça-lhe as perguntas que quer fazer e vamos embora. Você já não se encontra numa posição vantajosa.- Ainda a tenho a ela - disse Dare, olhando para Courtney. Ela olhou para ele por sua vez.- Não creio, senhor. Podia ir-me embora agora mesmo e você não se atreveria a tocar-me. Esteja onde estiver, Chandos domina a situação.Courtney sentiu uma grande satisfação ao ver o olhar de raiva do homem, pois este sabia que ela dizia a verdade. Mas, como se não pudesse aceitar os fatos, aproximou-se dela. Soou outro tiro e a bala penetrou no musculo de Dare, que caiu ao chão, gritando.Romero agarrou Dare pelos ombros e advertiu-o:- Basta. Se não desiste, mata-nos a todos.- Bom conselho.- Chandos - exclamou Courtney com alegria, voltando-se para o lugar de onde provinha a sua voz. Ao começar a distinguir as formas entre as sombras que o rodeavam, teve o impulso de correr para ele, mas não ousou distrai-lo. Estava de pé, na linha que marcava o começo de uma clareira no bosque; o seu revólver apontava para os bandidos; a ala do chapéu cobria os seus olhos, de modo que ninguém podia saber para quem estava a olhar. O seu aspecto era decidido e firme. A Courtney pareceu-lhe maravilhoso.- Você é o Chandos? - Romero pôs-se em pé, com os braços no ar. - Você faz muito barulho sem motivo, senhor. Você procurava o meu amigo. Ele veio ter consigo; só quer saber porque o persegue.- É mentira - disse Courtney, assinalado Dare com um dedo acusador. - Quando obtivesse a resposta, pensava matar-te. Ele disse-me - afirmou, assinalando Romero. - Também disse o que aconteceria depois da tua morte. Iam...- Ainda te custa pronunciar a palavra, menina? - Disse Chandos.«Como podia brincar num momento como este?», pensou Courtney.- Bom, tê-lo-iam feito - disse ela secamente.

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- Não tenho a menor duvida, querida - replicou. Chandos. - e enquanto te dura a indignação, porque não recolhes as suas armas?Courtney demorou um instante a mover-se; tal era a surpresa que lhe tinha causado a palavra empregada por ele para se dirigir a ela.Mas quando se inclinou para recolher o primeiro revólver, compreendeu que ele queria que aqueles homens pensassem que ela era sua mulher.Evitando colocar-se diante deles, para não tirar a visão a Chandos, agarrou os revólveres de Dare e de Hanchett que estavam no chão. O de Johnny Red ainda estava embainhado. Romero entregou-lhe o seu e devolveu-lhe também o revólver dela, que estava no cinto dele.- Não seja vingativa, linda - disse ele suavemente. - Lembra-se que a ajudei?- Certamente - respondeu ela - e também recordarei o motivo pelo qual me ajudou. Acha que devo dizer a Chandos o sucedido, para que ele resolva se me ajudou ou não?Afastou-se, sem esperar pela resposta. Esse homem importunava-a especialmente, porque se tinha aproveitado do seu temor, dissipando-o e assustando-a alternadamente. Todos eles eram desprezíveis, mas ele era mais cruel do que os outros.A jovem deslocou-se pela borda exterior da clareira até chegar junto a Chandos e deixou cair as armas aos seus pés. Reteve o seu próprio revólver.- Sei que não queres que te aborreça com a minha gratidão neste momento - disse ela em voz baixa, apoiando-se contra as costas dele. Deu-lhe um rápido abraço. - Mas não posso deixar de te dizer o quanto fiquei contente por teres regressado quando o fizeste.- Estás completamente molhada - murmurou ele.- Estava a tomar banho quando chegaram.- Vestida?- Em roupa interior, naturalmente.- Naturalmente - riu ele.E depois fez algo surpreendente para Courtney e para os outros. Disse aos homens serenamente:- Vão-se embora... enquanto podem.Estava a perdoar-lhes a vida!

CAPÍTULO 19

Não havia lua cheia, mas a luz era o suficientemente brilhante para iluminar o afluente do rio Arkansas. Era tão brilhante que Courtney conseguiu ver claramente os homens que se viram obrigados a cruzar as águas.Estava de pé junto a Chandos na margem do rio e contemplou como forçavam os cavalos para avançar. A corrente rápida desmontou Hanchett do seu cavalo. Courtney duvidou que pudesse alcançar a outra margem, devido à sua mão ferida. Para sua surpresa conseguiu, e o seu cavalo também. Ela e Chandos permaneceram ali, contemplando Hanchett e os outros dois homens marchar para Norte, rumo ao Kansas. Olharam-nos até os perder de vista.depois, como se a situação fosse perfeitamente normal, como se Dare Trask não estivesse atado a uma árvore próximo do, Chandos começou a esfolar dois esquilos que tinha caçado. Aparentemente, tinha-os apanhado com as suas mãos, pois não apresentavam feridas e não tinha disparado um só tiro enquanto esteve a caçar. Colocou-os sobre o fogo para os assar,

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depois preparou mais feijões e café. Courtney permaneceu sentada, olhando para Dare Trask.Chandos tinha anunciado que Trask não partiria junto com os outros. Tinha-o chamado pelo seu nome completo, o que indicava que o conhecia ou tinha referências dele. Depois obrigou Romero a atar os pés e as mãos de Trask, tirando-lhe a sua camisa e cuecas. Pediu a Courtney para ir buscar a corda que trazia na sua sela. Ela regressou com a corda e com o cinto, e permaneceu ali, enquanto Chandos dava indicações a Romero para que atasse com força a corda ao redor dos pulsos de Trask e depois atasse fortemente os pés de Trask, já que, se não o fizesse assim, Trask podia partir ambas as pernas ao cair. As suas palavras foram óbvias quando arrastou Trask com uma mão até à árvore mais próxima, levando na outra o seu revólver. Levantou Trask a mais de um metro de altura e atou a corda ao redor do tronco.- Vai matá-lo? - Perguntou Romero.- Não - respondeu Chandos. - Mas sofrerá um bocado pelo que fez aqui.- Não lhe fez nada a você, senhor.- É verdade. Mas não estou de acordo com o que podia ter feito à moça. Ninguém lhe pode tocar, excepto eu.Romero olhou para Courtney, perguntando-se se lhe teria mentido acerca da sua relação com Chandos. Depois, voltou a olhar para Chandos.- Creio que não tem só a ver com a mulher, mas com a razão porque procurava o meu amigo, não é verdade?Chandos não respondeu.Os homens já se tinham ido embora e Dare Trask ainda estava na árvore; tinha um lenço atado na boca porque tinha começado a gritar para que os seus homens regressassem para o salvar e Chandos tinha-se cansado de o ouvir. Trask estava completamente esticado e Courtney supôs que devia ter muitas dores. As suas feridas continuavam a sangrar, mesmo a que tinha sido vendada rapidamente.Suponha que o tinha merecido, mas não suportava vê-lo. Sabia que pensaria de outro modo se ele tivesse conseguido violentá-la ou se Chandos estivesse morto. Mas, ainda assim, não podia ver o sofrimento de Trask.O que sentiria Chandos a respeito disso? Não podia saber. A sua expressão era, como sempre, impenetrável. Preparou a comida e comeu numa atitude indiferente. Não deixou de observar Trask durante todo o tempo.Quando ela tentou falar com Chandos, ele ordenou-lhe que se calasse, pois precisava escutar atentamente o possível regresso dos outros. Courtney obedeceu.Depois disse-lhe que guardasse tudo e selasse os cavalos. Iam embora e ela estava encantada. Mas quando ficou preparada e reuniu os cavalos, incluindo o de Chandos e o de Trask, ele pareceu mudar de ideia. O fogo não estava apagado; até o alimentou com lenha para que durasse. Tampouco tinha tirado Trask da árvore.Chandos voltou-se e olhou para ela tão sério que ela se alarmou.- Não estás a pensar em... em... Sim, pensas. - Não sabia como tinha conseguido adivinhar o pensamento de Chandos, mas fê-lo. - Queres que me vá embora sozinha, não é?Ele agarrou-a por uma mão e conduziu-a para o outro extremo da clareira do bosque.- No te alteres desnecessariamente, menina. Só quero que te adiantes. Leva os cavalos lentamente para Sul. Em poucos minutos te alcançarei.Chamava-lhe novamente menina. e falava muito a serio. Não podia crer.

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- Vais matá-lo, não vais? - Perguntou ela.- Não.- Vais torturá-lo?- Mulher, onde está a serenidade que te permitiu distrair quatro obstinados?- Envias-me para um sítio onde há índios, e esperas que mantenha a serenidade? Provavelmente ouviram os teus tiros. Deve haver uma dezena... talvez cem selvagens vagueando por ali neste momento.- Realmente pensas que te enviaria para o meio do perigo?Disse-o com tal suavidade, que ela se desconcertou.- Lamento - disse Courtney, envergonhada. - Sou uma covarde.- És mais corajosa do que pareces, menina. Agora vai; alcançar-te-ei dentro de poucos minutos. Devo dizer a Trask certas coisas e não é conveniente que as ouças.

CAPÍTULO 20

Cabelos castanhos, olhos pardos. Podiam pertencer a qualquer um - mas os dois dedos que faltavam identificavam-no. Era Dare Trask. Chandos, de pé em frente ao seu inimigo, tentou controlar-se e não se deixar levar pelas recordações. Dare Trask tinha violentado a sua mãe. Não a tinha matado, mas tinha-a desonrado. Foi o último homem vivo a fazê-lo.Dare Trask era também um dos três homens que violaram a mulher de Lobo Rampante. E foi a sua faca que ele cravou no ventre da mulher depois de o fazer; e não tinha sido uma punhalada fraca e direta, mas fê-lo com a intenção de a fazer sofrer ainda mais. Por essa razão, Trask merecia morrer, e pelas outras, merecia morrer lentamente. E morreria. Nesse dia, no seguinte ou talvez no outro. Mas Chandos não estaria ali para ver. Depois de quatro anos, tinha perdido grande parte do desejo de vingança; excerto no que dizia respeito a Wade Smith. Chandos mataria Wade Smith com as suas próprias mãos. Mas, com respeito a Trask, só desejava levar a cabo o que tinha jurado fazer. Fora isso, não lhe interessava. Trask não saberia porque ia morrer, a menos que Chandos lho explicasse. E Chandos queria que Trask compreendesse tudo; que soubesse que o seu vandalismo brutal não ficaria impune. Chandos tirou a mordaça da boca de Trask; depois retrocedeu e olhou para ele. Trask cuspiu a Chandos, em sinal de desprezo. Os seus olhos não revelavam medo.- Mestiço - grunhiu Dare – sei que não me vais matar. Ouvi-te quando falavas com a tua mulher.- Tens a certeza de ter ouvido bem?Trask perdeu um pouco de agressividade.- Que diabos queres? Não toquei na tua maldita mulher. Não tens porque...- Isto nada tem a ver com ela, Trask.- Então Romero estava certo? Então, porque a utilizas como pretexto?- Não é necessário que os teus amigos saibam o que há entre tu e eu. Pensaram que sou um homem zeloso; nada mais. Surpreender-se-ão ao não te voltar a ver, mas nunca saberão o que aconteceu na realidade.- Mentira. Regressarão muito depressa. Não me abandonarão aqui.Chandos moveu lentamente a cabeça.- Farei a ultima aposta da tua vida, Trask. Aposto que os teus amigos já viram sinais de índios na zona e neste momento dirigem-se velozmente para a fronteira.

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- Mentiroso - farfalhou Trask. - Não vimos... Viste sinais deles?- Não foi preciso. Sei que estão perto. Íamos viajar juntos. Mas desta vez, por causa da mulher, mantiveram-se a uma certa distancia. Os índios aterrorizam-na.- Viajam contigo? - Disse Trask. Chandos assentiu sem dar explicações.- Sei o que tentas fazer, mestiço - disse o seu adversário. - Dare Trask não se atemoriza com tanta facilidade. Estamos demasiado perto da fronteira para que haja índios por aqui.Chandos encolheu os ombros.- Não preciso de provar, Trask. Quando te encontrarem, sabê-lo-ás. Deixar-te-ei aqui na qualidade de oferta para eles.- Oferta? - Gritou Trask, demonstrando o temor que começava a invadi-lo. – Se me queres matar, mata; ou não és homem suficiente para o fazer?Chandos não cedeu à provocação e além disso, estava farto de falar com esse desprezível.- Não é que não te queria matar, Trask - disse suavemente, aproximando-se. – Olha para mim. Vê os meus olhos. Os que já viste antes, Trask, só que não eram os meus. Violaste tantas mulheres que não te lembras da mulher à qual me refiro?Quando Trask conteve o fôlego, Chandos disse friamente:- Então lembras-te?- Isso aconteceu há quatro malditos anos.- Pensaste que, como tinha decorrido tanto tempo já tinhas conseguido escapar à vingança comanche? Não sabes o que aconteceu aos que estavam contigo nesse dia?Trask sabia. Tinha acreditado que os selvagens já tinham satisfeito a sua sede de vingança. Mas não era assim. Esforçou-se para se libertar das suas ataduras, mas eram muito fortes. Chandos podia cheirar o seu temor; os olhos que o miravam estavam cheios de medo de morrer.Satisfeito, Chandos voltou-se e montou o seu cavalo. Agarrou as rédeas do cavalo de Trask, dizendo:- Sabes porque quero a tua morte, Trask. Mas também me lembro da jovem comanche que violentaste e depois mataste lenta e cruelmente.- Era só uma maldita índia.A consciência de Chandos tranquilizou-se ao escutar essas palavras.- Era uma mulher doce e linda; uma mãe cujo bebé também morreu nesse dia e uma esposa que o seu marido ainda chora. Jamais tinha feito mal a alguém. Era boa e gentil. E mataste-a. Deixo-te nas mãos do seu marido. Ele quer matar-te e eu não.Chandos afastou-se, sem escutar os gritos de Trask que lhe pedia que regressasse e o matasse. Chandos escutava, por sua vez, os gritos das mulheres e crianças, violentadas, torturadas, assassinadas. Estavam muito perto, assim como os guerreiros, apesar de não os poder ver. Mas percebia que vigiavam e sabia que compreendiam. Depois de uns minutos, Chandos viu Courtney ao longe, e os espectros desvaneceram-se. Ela conseguia enterrar o passado. Essa mulher doce e inocente, imersa num mundo cruel, era um bálsamo para a sua alma.Ela tinha-se detido no meio de uma planície; a luz prateada da lua caía como um manto sobre ela e a sua égua. Apressou o passo.Quando se aproximou dela, ela desatou a chorar. Chandos sorriu. Ela não costumava reprimir os seus sentimentos, mas essa noite tinha-o feito de uma maneira admirável. Tinha estado serena e tinha sido valente no momento preciso. Agora que estava a salvo, chorava.Ele agarrou-a entre os seus braços e subiu-a para o seu cavalo. Ela apoiou-se contra ele,

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chorando, e ele segurou-a, feliz de poder enxugar o seu pranto. Quando ela deixou de chorar, ele agarrou o seu rosto suavemente e beijou-a.Courtney percebeu que esse beijo era intencional. As suas emoções ferveram no seu interior e assustaram-na. Afastou-se de Chandos.Olhou-o sem fôlego. a compostura dele exasperou-a.- Não podes dizer que também desta vez tentavas fazer-me calar.- Vais perguntar-me porque te beijei? - Disse ele, suspirando.- Vou…- Não gatita, porque se te disser, faremos amor agora mesmo e amanhã já não serás a jovem inocente que és agora.Courtney disse com voz entrecortada:- Não... não pensei que me achasses... atraente.Ele grunhiu. Não disse que sim; limitou-se a grunhir. Que raio queria dizer?- Creio que será melhor que voltes a deixar-me sobre o meu cavalo, Chandos - disse ela hesitante.- É isso o adequado neste momento?Todo o seu ser queria permanecer onde estava, mas o sarcasmo dele irritou-a.- Sim, é.Ele voltou a deixá-la no seu cavalo e Courtney apenas teve tempo de tomar as rédeas. O seu cavalo já tinha começado a trotar atrás do cavalo de Chandos.Durante todo o caminho viajou em estado de deslumbre. Chandos desejava-a.

CAPÍTULO 21

Chandos desejava-a. Na manhã seguinte despertou, extasiada por esse pensamento. Mas depois teve a sensação de receber um balde de água fria. a verdade era muito óbvia. Tinha sido uma tonta sonhadora. Claro que a desejava. Era a única mulher que tinha por ali, e ele era um homem. Pelo que sabia, os homens apanhavam o que estava ao seu alcance. Não a desejava realmente a ela. Desde o começo tinha-lhe demonstrado a sua indiferença. Agora só cedia à tentação; os homens costumavam deixar-se tentar pelo desejo, sem que lhes importasse verdadeiramente a mulher em questão.- Pensas matar essa manta, ou quê?- O quê? - Perguntou Courtney, voltando-se ele.- Estás a olhar para ela como se a quisesses matar.- Tive um pesadelo.- Não é estranho, dadas as circunstancias.Estava de cócoras junto ao fogo. Tinha-se vestido e barbeado, e já usava o seu chapéu de asa larga. Estava pronto para partir mas, aparentemente, tinha-a deixado dormir. Como tinha sabido que precisava de dormir?- Se não tens muita pressa, serves-me um pouco de café? - Perguntou ela, pondo-se de pé para dobrar a sua manta. Depois reparou que ainda vestia as mesmas roupas que tinha usado a noite anterior. - Deus meu, devo ter ficado louca - murmurou, tocando o seu vestido ainda húmido.- Provavelmente por efeito de uma reação tardia - sugeriu Chandos.O seu olhar atravessou-o.

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- Mas tu sabias. Porque não me disseste?- Eu disse. Tu agradeceste-me e de imediato deitaste-te e adormeceste.Courtney desviou o olhar. Devia parecer uma tonta indo dormir com a roupa molhada. e tudo porque Chandos a tinha desejado durante uns instantes. Como pôde ser tão idiota?- Devia... devia mudar de roupa - disse ela e afastou-se.Mas não acabou ali. Na noite anterior tinha empacotado tudo com tanta pressa que, impensadamente, tinha guardado a sua roupa molhada com o resto e agora estava tudo húmido.Olhou para Chandos por cima do seu ombro e voltou a olhar o seu saco.- Chandos, eu... eu...- Não pode ser tão grave, olhos de gato.Ela voltou-se para o olhar e disse apressadamente:- Não tenho o que vestir.- Nada?- Nada. Guardei algumas coisas molhadas e esqueci-me de as tirar para que secassem.- Tens de adiar a secagem até à noite. E as tuas calças?Aproximou-se dela e olhou a bolsa.- Não estão molhadas; guardei-as no meu alforge.- Então deves usá-las.- Mas pensei que...- Não se pode evitar. Espera, dou-te uma das minhas camisas.Courtney estava assombrada. Não parecia aborrecido. Um momento depois entregou-lhe uma camisa de cor creme, de suave couro de camurça. O problema era que não podia apertá-la. Tinha laços na parte dianteira e não tinha uma camisa seca para usar por baixo.- Não te aborreças, olhos de gato, não há outra solução. O resto da minha roupa está suja.- Não quis... gostava de lavar a tua roupa.- Não - disse ele rapidamente. - Eu ocupo-me das minhas próprias coisas.Agora estava zangado. Maldição. Courtney agarrou nas suas calças e dirigiu-se para uns arbustos. Que homem tão irritante. Só tinha oferecido ajuda e ele reagia como se ela tentasse converter-se em sua esposa ou algo parecido. Cinco minutos mais tarde, Courtney regressou ao acampamento para enrolar a sua manta. As suas faces estavam vermelhas pela indignação. A camisa de Chandos chegava-lhe até às ancas e não podia introduzi-la dentro das calças. E o decote em V, com laços, que provavelmente chegava até metade do peito dele, deixava ver o umbigo de Courtney. Mas o pior eram os laços, de couro rígido, que não se podiam ajustar devidamente. Por muito que puxasse por eles, as aberturas que ficavam eram escandalosas.Manteve-se de costas para Chandos e, quando se aproximou do fogo para beber o seu café, segurou o chapéu sobre o seu peito. O seu olhar desafiante suplicava que dissesse algo. Mas não o fez. Na realidade, tentou não olhar para ela. Courtney olhou ao seu redor, procurando um tema de conversa que a distraísse da sua inquietação.- Não foi um tanto cruel fazer Trask caminhar até ao Kansas?A leve reprimenda produziu uma reação inesperada nele. Chandos olhou-a fixamente com os seus frios olhos azuis e ela teve a sensação de que estava à beira da violência.- Como não sabes do que é culpado, menina, como podes saber que castigo merece?- Sabes de que é culpado?

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- Sim.- De quê?-Violação. Assassinato. a morte de homens, mulheres e crianças.- Meu Deus! - Exclamou Courtney. - Se o sabias, porque não o mataste no ato?Sem dizer uma palavra, ele pôs-se de pé e aproximou-se dos cavalos.- Lamento - disse ela. Ele teria ouvido?Ela apagou o fogo sobre o qual se aquecia o resto do café e dirigiu-se para onde estava o seu cavalo, que Chandos tinha amavelmente selado. Penteou com rapidez o seu cabelo que estava muito enredado, mas limpo.Enquanto tentava desenredar um nó especialmente difícil, Chandos aproximou-se dela por trás.- Como achas que tenho habilidade para essas coisas, podia cortá-lo. - Havia humor na sua voz; depois disse: - Quantos couros cabeludos se supõe que cortei? Já não me lembro.Courtney voltou-se bruscamente. Ele sorria. Com que rapidez superava o mau humor.Lembrou tudo quanto tinha dito acerca dele na noite anterior e corou.- Durante quanto tempo estiveste a ouvir?- o suficiente.- Acho que não pensas que acreditei no que disse – apressou-se a dizer ela. – Só que quando me perguntaram se eras meio índio, pensei que era melhor dizer-lhes que sim. Queria perturbá-los. Eles afirmaram que não te conheciam, de modo que não podiam saber que não pareces um índio.- Não? - Disse Chandos suavemente, com tom inquietante. – Viste tantos índios para os distinguir?Estava a brincar, mas ela não achava piada nenhuma. Lentamente, compreendeu que ele falava a sério.- Não é meio índio, pois não? - Sussurrou ela.No mesmo instante arrependeu-se da sua pergunta. Ele não costumava responder a perguntas improváveis. Não lhe respondeu; limitou-se a olhá-la de maneira inquietante.Ela baixou o olhar.- Esquece a minha pergunta. Vamos?

CAPÍTULO 22

- Se precisas de lavar algo mais, será melhor que o faças esta noite. - Sugeriu Chandos quando instalaram o acampamento ao entardecer. - Amanhã partiremos, afastando-nos do Arkansas e não voltaremos a aproximarmo-nos do seu curso até dentro de três dias.Courtney não tinha muito para lavar, mas devia secar todo o seu guarda-roupa. Chandos ocupou-se do seu cavalo e do de Trask; depois dirigiu-se para o rio para tomar banho. Concluiu rapidamente, antes que Courtney começasse com as suas tarefas. O sítio onde acampavam mostrava sobre cada árvore, rocha e arbusto, uma peça de vestir.Courtney pensou que era cómico que o seu acampamento, situado no meio de território índio, tivesse um aspecto tão caseiro. Mas assim era. Isso produziu-lhe uma sensação agradável, que a surpreendeu. Essa sensação provinha em parte da companhia de Chandos e do fato de se sentir segura junto dele. Essa noite ele não tinha ido a caçar e ela estava certa de que o motivo era que não queria deixá-la sozinha. Pressentiu que ela não estava ainda preparada para repetir a

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experiencia; Courtney agradeceu o seu gesto.Para lhe demonstrar o seu apreço, trabalhou arduamente preparando um saboroso guisado com carne seca e legumes, empregando as poucas especiarias que tinha comprado. Não pôs nem um só feijão. Enquanto Courtney preparava a comida, Chandos recostou-se contra o seu cavalo e fechou os olhos. Quando ela começou a trautear, a melodia comoveu-o e apertou os olhos com mais força. Estava a fazê-lo outra vez; apelando aos seus sentidos no momento mais inesperado. As suas defesas pareciam inúteis diante de Courtney Harte. Até quando podia resistir ao desejo que ela lhe inspirava sem o satisfazer? O fato de ter que lutar contra os seus instintos naturais era algo novo para Chandos; desejava essa mulher mais que tudo. Estava a ponto de estalar e não havia modo de a iludir. Mas não lhe tocaria. Nem que ela se oferecesse... Bom, não era preciso exagerar. A sua abstenção tinha um limite.Na realidade, estava a enganar-se a si mesmo. Por acaso ela não se tinha oferecido? Essa ideia ridícula de que devia protegê-la, ainda que de si mesmo, convertia-se numa tortura. Ela tinha-lhe enviado mensagens reiteradas com os seus olhares provocantes, e os seus beijos ternos. Ela desejava-o; e essa ideia aquecia o seu sangue.Mas saberia ela que o estava a tentar para lá do tolerável? Não podia saber. Ele tinha feito todo o possível para que não o soubesse... até à noite anterior. E sim sabia-o, era evidente que não lhe importava, pois não fazia o menor esforço por reprimir esses olhares penetrantes.- Chandos, como fazem para arrear essas grandes manadas de gado por estas montanhas? Dão uma volta?- Não - respondeu ele, surpreendido perante a aspereza da sua voz, que de imediato tentou suavizar. - o caminho que tomam está a uns oitenta quilómetros a Oeste daqui.- Achei que o caminho mais direto para Waco era o do gado.- E é.- E porque não o tomámos?- Tenho uns assuntos pendentes a Noroeste do Texas. Desviamo-nos durante cinco dias, mas é inevitável. Paris era o meu destino original e não me sinto obrigado a perder uma semana para ir em primeiro lugar a Waco e depois regressar. Tens algum inconveniente?O seu tom era tão defensivo, que ela não ousou contradizê-lo.- Não. Não te pediria que mudes os teus planos por mim. Uns poucos de dias a mais não importam. - Ela mexeu o guisado pela última vez. - a comida está pronta, Chandos.Enquanto comiam, Courtney experimentou ao mesmo tempo a sensação agradável que lhe produzia o fato de saber que estaria junto a Chandos durante uns dias mais, e a sensação de aborrecimento que lhe provocava o fato de ele não se ter incomodado em fazê-la participar dos seus planos. Olhou-o de lado em várias ocasiões, até que ele o percebeu e olhou-a severamente. Ela apressou-se a concluir o seu jantar e foi ver a sua roupa.Muitas das suas vestimentas estavam secas, de modo que podia mudar de atuação; dirigiu-se para o rio. Tirou as calças e a camisa e mergulhou na água. Era quase de noite; Chandos ainda estava a comer. Esta seria a ultima vez no decurso de vários dias que acampariam perto de água, de modo que não poderia tomar banho nos dias vindouros.a luz da lua reflectia-se na água. Courtney enterrou os seus pés no fundo do rio, debaixo da sombra de uma árvore inclinada sobre as águas e deixou que a corrente de água a lavasse. Estava completamente nua; isso fê-la sentir-se muito perversa, mas ao mesmo tempo, a sensação era deliciosa. Por último, renitente, saiu do rio. Não tinha uma toalha e teve que tirar a

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água com as mãos. Recordou que num momento tinha desejado fazer o mesmo com as costas de Chandos. «Não penses nisso, Courtney», repreendeu-se. Depois, vestiu-se rapidamente e regressou ao acampamento.Surpreendeu-a ver que ele tinha lavado a louça, estendido a sua manta e estava a apagar o fogo. Suspirou. Depois do banho estimulante, não tinha sono, mas ele já se dispunha a dormir.Quando ela se aproximou, ele pôs-se em pé. Percorreu com o olhar o vestido de seda verde pálido de Courtney, e ela percebeu que ainda não estava completamente seco. a seda aderia-se a algumas partes do seu corpo e, ainda que tivesse apanhado o cabelo, algumas mechas estavam úmidas. Era obvio que tinha tomado um banho. Ao recordar que o tinha feito nua, experimentou uma sensação de incomodidade.- Se tivesse sabido que não teria que lavar a louça – balbuciou - não me teria vestido. Quis dizer... bom não importa. Aqui tens. - Courtney entregou-lhe a camisa. - Obrigado novamente.Voltou-se, mas Chandos surpreendeu-a ao agarrar-lhe o pulso.- A próxima vez, diz-me o que está a fazer, mulher. Pode ser atacada por uma serpente ou bater-se num pedaço de madeira e ser arrastada pela corrente, ou os índios podiam apresar-te, ou algo pior.- O que podia ser pior que os índios? - Disse ela com ligeireza e na defensiva, pois não havia considerado nenhuma dessas possibilidades.- Há coisas piores.- Mas não estavas longe - disse ela. – Tinhas-me ouvido se eu tivesse pedido ajuda.- Se a tivesses pedido. Um homem não te daria a oportunidade.- Se estás a sugerir que não devo tomar banho...- Não.Ela abriu muito os olhos diante da única alternativa possível. - Pensas...?- Demónios, não - grunhiu ele, tão assombrado pela ideia dela como ela mesma. - Não é preciso que te vigie. Só preciso de estar o suficientemente perto de ti para te proteger. - Ele compreendeu que não havia maneira de escapar da conversa embaraçosa. - Esquece - disse secamente.- Esquecer o quê? De avisar antes de...?- Esquece o banho; simplesmente esquece-o.- Chandos.- Uma dama não tem porque tomar banho no caminho.- Isso não é razoável e tu sabes - disse ela, desafiante. - Não tiro toda a roupa. Esta noite fiz, mas...Não pôde continuar. A imagem que as suas palavras haviam suscitado na mente de Chandos foi mais forte do que ele. Com um suave grunhido atraiu-a até si e a beijou com todo o ímpeto da sua paixão. O contato dos seus lábios emocionou profundamente Courtney; as suas pernas fraquejaram. Pensando que não a segurariam, agarrou-se fortemente a Chandos, rodeando o pescoço dele com os seus braços. Um dos braços de Chandos segurava-a com força, estreitando-a de tal modo, que os seios dela pareceram fundir-se contra o seu peito. A outra mão agarrou a nuca da jovem para que não pudesse fugir dos seus lábios ansiosos. Havia algo muito selvagem na maneira feroz e brutal em que os seus lábios se moviam sobre os dela, obrigando-a a abri-los. E logo a sua língua ardente se uniu à de Courtney.Sem compreender a violência das suas carícias, Courtney pensou que tentava novamente de a

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castigar e ficou com medo. Tentou afastar-se dele, mas ele não a soltou. Ela empurrou os ombros de Chandos para se libertar do seu abraço, mas ele abraçou-a com mais força ainda. Courtney retorceu-se inutilmente.Chandos percebeu que Courtney estava lutando contra ele. Tinha perdido a sua batalha pessoal e sabia-o; mas não pensou que poderia assustá-la com o seu desejo impetuoso. De imediato deteve-se e reconsiderou.Deixou de beijá-la e ela tentou recuperar o fôlego. Soltou-a o suficiente para que tivesse um certo espaço entre ambos.- Essa foi outra das tuas lições? - Disse ela, ofegando.- Não.- Mas voltaste a magoar-me.Chandos acariciou a sua face.- Era a última coisa que desejava fazer, pequeno gato.Era tão meigo a sua voz, o seu olhar, a sua mão sobre a face dela. Mas Courtney não baixava a guarda. Ainda o temia.- Porque me atacaste, Chandos?A acusação desconcertou-o.- Atacar-te?- Como o chamarias tu?- Derrubar as tuas defesas? - Sugeriu com uma careta.- Não te atrevas a rir – gritou ela. - És odioso, e... e...- Cala-te, olhos de gato, e escuta-me. Se te assustei, desculpa. Mas quando um homem deseja uma mulher tanto como te desejo a ti, não é fácil proceder lentamente. Compreendes?Depois de uma pausa, durante a qual tentou repor-se do seu assombro, ela perguntou:- De... desejas-me?- Como podes duvidar? - Perguntou ele ternamente.Courtney baixou o olhar para que ele não visse a sua alegria, o seu pasmo.- Antes não me desejavas - disse em voz muito baixa. - Não me faças isto, Chandos, só porque precisas de uma mulher, e eu sou a única disponível.Ele levantou o queixo de Courtney para a olhar nos olhos.- O que te fiz na minha estúpida intenção de resistir a ti? - Suspirou com remorsos. - Podes duvidar da prudência do meu desejo, mas não duvides do que existiu desde que entrei naquela loja de Rockley. Achas que me tinha aborrecido pelo insignificante Jim Ward, se não tivesse sido por ti?- Não... digas isso.- Sabes que estive a ponto de matar o teu amigo Reed porque permitiste que te beijasse?- Chandos, por favor.Desta vez atraiu-a para si com suavidade, ignorando a débil resistência dela.- Não posso evitar os meus sentimentos, assim como tu não podes evitar os teus, olhos de gato. Tentei abandonar-te e esquecer-me de ti, mas não pude. Tentei não te tocar, mas já não posso continuar a lutar, especialmente agora que sei que tu também me desejas.- Não, eu...Ele não lhe permitiu negar. Aniquilou a sua vontade e o seu raciocínio com um novo beijo, desta vez muito terno. Mas foi a sua confissão que atuou sobre ela com mais persuasão que qualquer

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beijo. Desejava-a; tinha-a desejado sempre. Oh Deus, que emoção!Courtney abraçou-se a ele, devolvendo o seu beijo com total abandono. As suas fantasias convertiam-se em realidade e desejava que fossem intermináveis. Continuou a beijá-la reiteradamente. Ela não pensava na consequência final desses beijos; nem sequer quando Chandos a levou até à sua manta e a depositou suavemente sobre ela.Os beijos de Chandos tornaram-se mais apaixonados e começou a despi-la. Ela tentou impedi-lo, mas ele não cedeu à sua intenção e começou a beijar-lhe o pescoço. Era uma sensação tão deliciosa, tão enternecedora. Ela disse-se que devia tomar uma decisão. Ele aborrecia-se se o deixasse avançar e o detivesse depois? Poderia detê-lo?Um leve temor invadiu-a e disse sem fôlego.- Chandos, não... não sou...- Não digas nada, gatita - murmurou ele com voz ronca ao seu ouvido. - Já não é só o desejo; tenho que te acariciar. Assim... e assim.A mão dele deslizou pelo vestido aberto de Courtney, agarrando um peito, depois o outro. A fina camisa de Courtney não a protegia da sua intensa paixão. E depois, quando o prazer se tornou intolerável, ele começou a morder-lhe suavemente uma orelha.Bombardeou-a com o estouro da sua paixão e ela não pôde pensar. Quando ele lhe tirou a roupa, ela não protestou. Depois beijou-a e atirou a camisa para longe, pondo-a de costas, nua da cintura para cima.A boca de Chandos cobriu um dos seus seios e o corpo dela contorceu-se de prazer. Agarrou a cabeça de Chandos entre as suas mãos para a manter ali. Os seus dedos entrelaçaram-se entre os cabelos dele e gemeu quando ele beijou o seu mamilo. Depois começou a sugá-lo, e da garganta dela saiu um som de prazer. Esse ronronar fez Chandos grunhir.Courtney nunca tinha sonhado com nada tão maravilhoso, tão profundamente gratificante, mas havia mais, e Chandos estava impaciente por o demonstrar.Ela não tinha percebido que ele abria a sua saia, mas quando a mão dele a acariciou, o seu ventre estremeceu. Os dedos suaves dele deslizaram para baixo e, de imediato, Courtney se surpreendeu ao dar-se conta de até onde tinham chegado. Poderia detê-lo? Puxou o seu braço sem convicção.E então um dedo dele avançou na sua exploração.- Não!Os lábios dele silenciaram-na, mas não tirou o seu dedo. Ela tinha gritado perante a ideia de que o dedo dele a penetrasse, não pelo que sentia. Uma intensa agitação brilhou em todo o seu ser, anulando a sua resistência. Quando se acalmou, quando deixou de puxar o braço de Chandos e o agarrou pelo pescoço, ele fez uma pausa para a contemplar. O fogo do seu olhar hipnotizou-a e teve um vislumbre do esforço que ele tinha feito até então para controlar a sua paixão. Era uma revelação quase intolerável. Ele não deixou de a olhar e continuou acariciando a sua púbis. Ela ofegou e corou intensamente quando viu que ele a olhava.- Não...- Cala-te, gatita - murmurou ele. – Imagina-me dentro de ti. Estás úmida por mim. Sabes como me sinto ao ver que estás preparada para me receber?Beijou-a uma e outra vez e olhou-a ardentemente nos olhos.- Deixa-me amar-te, gatita. Deixa-me ouvir o teu ronronar quando estiver dentro de ti.Não lhe permitiu responder; voltou a beijá-la. Depois ele afastou-se e despojou-a do resto da

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sua roupa.- Não te cubras - disse ele quando ela tentou faze-lo; e disse sussurrando: - És mais bonita do que qualquer mulher que já conheci. Não me escondas a tua beleza.Courtney deixou de lado o seu pudor porque ele lhe pediu. Depois, de joelhos junto a ela, ele tirou a camisa e ela esqueceu a sua timidez ao contemplá-lo.Ele voltou a emocioná-la.- Toca-me, gatita. Os teus olhos disseram-me muitas vezes que desejas faze-lo.- Não é verdade - mentiu ela.- Mentirosa - disse ele, ternamente.Não teve tempo de se indignar. Viu que ele abria as suas calças. Ao vê-lo completamente nu, inspirou profundamente. Seria impossível deixar-se penetrar por ele. O temor voltou, mas era um temor emocionante. Chandos supôs que estava atemorizada. Uma vez nu, separou as pernas dela e apoiou o seu corpo sobre o dela, até que ela sentiu os seus genitais contra o seu corpo. Depois grunhiu e beijou-a com força. Penetrou-a, absorvendo com os seus lábios o grito de dor dela e os espasmos do seu corpo com os dele. Penetrou-a profundamente, mas a dor foi fugaz. Durante todo o tempo continuou a beijá-la apaixonadamente, tentando obter com a sua língua a reação dela. Abraçou-a com ternura, segurou o seu rosto entre as mãos, acariciou-a, deslizou o seu peito sobre os dela.Durante um largo tempo, Chandos só moveu os lábios e as mãos. Quando finalmente começou a mover também as ancas retirando-se um pouco, Courtney gemeu, decepcionada. Provocava-lhe um intenso prazer senti-lo dentro dela e pensou que tinha concluído. Mas muito depressa viu que não era assim. Ele deslizava para fora e para dentro, com energia, e ao mesmo tempo, com grande suavidade.- Oh, sim, gatita, diz-me - grunhiu ele sobre os lábios dela, ao escutar o seu ronronar de prazer.Ela fê-lo. Não pôde evitar. Abraçou-o com força e as suas ancas moveram-se ao compasso das dele. Descobriu que, se levantasse as pernas, ele podia penetrá-la mais profundamente. Quanto mais se elevava, mais penetrava ele. Elevou-as a uma altura cada vez maior, até que no seu interior estalou um êxtase incrível; então pronunciou o seu nome.Courtney não percebeu que ele a tinha estado a contemplar continuamente e que só então se deixou arrastar pela paixão avassaladora que durante tanto tempo o tinha estado a dominar.

CAPÍTULO 23

Durante todo o dia seguinte, Courtney sentiu-se apaixonada. Nada a importunava, nem o calor, nem os insectos, nem o monótono cavalgar. Nada podia alterar a sua felicidade.Dois dias mais tarde, já não estava segura. e, depois de três dias, mudou de ideia. Não era possível que amasse um homem tão exasperante como Chandos. Ainda o desejava e desprezava-se a si mesma por isso, mas não podia amá-lo. O que mais indignava Courtney era ver que tinha voltado a converter-se num ser enigmático. Tinha-a possuído, tinha-a transportado ao cume do êxtase e depois tinha-a tratado com a mesma indiferença de sempre. Estava estupefacta. Não podia iludir a verdade. Tinha sido usada. Tudo quanto Chandos lhe dissera naquela noite era mentira, tudo. Ele tinha satisfeito a sua lascívia e já não necessitava dela. Ao entardecer do sétimo dia de viagem cruzaram outro rio, tal como o tinha previsto Chandos. Como Courtney já estava molhada, decidiu tomar banho depois de jantar, sem avisar

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Chandos. Esse banho deu-lhe um prazer especial, porque desafiava a Chandos ao desobedecer às suas ordens. Mas, ao sair da água, com a roupa interior colada ao corpo e o cabelo a escorrer água, percebeu que não estava sozinha. Depois de um minuto de soçobra, viu-o. Era Chandos. Não obstante, não experimentou um alívio ao vê-lo. Estava de cócoras à sombra de uma árvore e tinha estado a observá-la, não sabia durante quanto tempo.Ele pôs-se em pé e saiu da obscuridade, dirigindo-se para ela.- Vem cá, olhos de gato.Fazia três dias que não a chamava dessa maneira nem empregava esse tom de voz. Tinha voltado a chamá-la menina e só lhe falava ocasionalmente. Courtney, indignada, olhou-o com olhos incendiados pela raiva.- Maldito - gritou furiosa. - Não me usarás novamente.Ele avançou outro passo para ela, e ela retrocedeu dentro de água. Talvez tivesse retrocedido mais ainda, mas ele deteve-se. Ela olhou-o iracunda; toda a sua atitude era desafiante. Então, ele maldisse nessa língua estranha que empregava com frequência e voltou ao acampamento.Tinha-o feito. Tinha mantido a sua decisão com coragem e valentia, e estava orgulhosa de si mesma. Courtney decidiu permanecer um tempo mais dentro de água, apesar de que tinha começado a tiritar. Não o fez por temer enfrentar-se com Chandos. Só desejava dar-lhe tempo para que apaziguasse a sua ira. E quando ouviu o tiro proveniente do sítio do acampamento não se alterou. Não era parva. Se ele estava a empregar esses argumentos para a obrigar a correr e averiguar o que acontecia, era porque não se tinha tranquilizado.Dez minutos depois, Courtney começou a preocupar-se. Talvez se tivesse enganado. Talvez tivesse matado um animal selvagem. Ou alguém podia ter ferido Chandos. Podia estar morto.Courtney saiu apressadamente da água. Mudou a sua roupa interior molhada por roupa seca e vestiu a saia e a blusa de seda branca que recentemente tinha remendado. Levou o resto da sua roupa e avançou descalça, rogando não pisar nenhum réptil venenoso. Correu até ver a luz do fogo, e diminuiu cautelosamente a velocidade. Ainda assim, esteve quase a tropeçar com uma serpente que havia no seu caminho. Era uma cobra comprida, de cor vermelho amarelado, uma víbora mortalmente perigosa. Estava morta mas, no entanto, não conseguiu reprimir um grito.- O que se passa? - Gritou Chandos. O som da sua voz tranquilizou-a.Ela correu até o ver. Estava vivo e só, sentado junto ao fogo e... Courtney deteve-se bruscamente. Chandos tinha tirado uma bota e tinha as calças cortadas até à altura do joelho. O sangue corria pela parte posterior da sua perna, na qual havia feito uma incisão. Uma serpente tinha-lhe mordido.- Porque não me chamaste? - Disse ela, entre fôlegos e horrorizada perante o fato de que tentara de se curar a si mesmo.- Demoraste muito a chegar depois do tiro. Terias vindo se eu te tivesse chamado?- Sim; se me tivesses dito o que se passava.- Tinhas acreditado?Ele sabia. Sabia o que ela tinha estado a pensar. Como podia ficar ali, tranquilamente...? Devia fazê-lo; de contrário o veneno propagava-se pelo corpo mais rapidamente.Courtney deixou cair as suas roupas e avançou para ele; agarrou a manta de Chandos e colocou-a junto dele. O coração batia-lhe com violência.- Deita-te de boca para baixo.- Não me indiques o que devo fazer, mulher.

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Ela assombrou-se do tom duro da sua voz, depois compreendeu que se devia à dor que ele sentia. Um amplo bocado da sua perna tinha ficado de uma cor vermelha muito intensa. a mordedura estava a metade da perna e ele tinha atado fortemente o seu cinto uns centímetros por cima. Se a serpente o tivesse atacado um centímetro mais abaixo, teria mordido a bota de Chandos. Má sorte.- Chupaste a maior parte do veneno?Os olhos de Chandos, mais brilhantes do que o costume, atravessaram-na.- Aproxima-te, e vê, mulher. Se achas que posso chegar até ali, estás louca.Courtney voltou a empalidecer.- Queres dizer que nem sequer...? Devias ter-me chamado. o que estás a fazer é só um último recurso.- Tens conhecimentos a respeito? - Disse ele secamente.- Sim - replicou ela indignada. - vi como o meu pai tratava as mordeduras de serpente. É médico e... ainda não afrouxaste esse cinto? Deverias faze-lo aproximadamente a cada dez minutos. Por favor, Chandos, deita-te. Deixa-me tirar o veneno antes que seja demasiado tarde.Olhou-a detidamente durante largos instantes; ela pensou que se ia negar. Mas encolheu os ombros e estendeu-se sobre a manta.- A incisão está bem feita - disse ele; a sua voz era cada vez mais débil. - Pude fazer isso, mas não chegava até ela com a boca.- Não sentes nada além da dor? Debilidade ou náuseas? Podes ver bem?- Quem é o médico?Ela ficou contente por ainda conservar o seu ácido humor.- Seria útil que respondesses às minhas perguntas, Chandos. Preciso de saber se o veneno entrou diretamente no sangue ou não.- Não tenho nenhum dos sintomas que mencionaste, menina - disse, e suspirou.- Bom, já é alguma coisa, considerando o tempo que decorreu.Mas Courtney não estava certa de que ele não estivesse a mentir. Se estivesse débil, não o admitiria. Ela ajoelhou-se junto à perna dele, disposta a cumprir com o que devia fazer, sem medo. Mas aterrava-a pensar na quantidade de tempo que tinha passado. Chandos permaneceu imóvel enquanto ela trabalhava; só num momento lhe disse que tirasse a mão da sua maldita perna. Courtney chupava e cuspia sem pausa, mas corou e evitou voltar a colocar a sua mão na parte superior da perna de Chandos. Teria tempo para se aborrecer depois. Evidentemente, ele não podia controlar o seu desejo nem sequer quando sofria.Courtney trabalhou durante uma hora, até que as forças a abandonaram. Tinha os seus lábios entumecidos e doíam-lhe intensamente as bochechas. a ferida já não sangrava, mas estava muito vermelha e muito inflamada. Desejou ter algum bálsamo para aplicar sobre ela. Além disso, desejou ter conhecimentos sobre plantas medicinais, pois talvez junto ao rio ou no bosque haveria alguma que ajudasse a extrair o veneno ou aliviasse a inflamação. Mas não sabia o que procurar. Transportou água do rio e aplicou uma compressa molhada fria sobre a ferida. A cada dez minutos afrouxava o cinto que impedia a circulação do sangue. Depois de um minuto, voltava a colocá-lo. Trabalhou sem pausa. Quando perguntou a Chandos como se sentia, ele não conseguiu responder. Tinha desmaiado. o pânico apoderou-se de Courtney.

CAPÍTULO 24

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- Se me corta o cabelo mato-o, velho - disse Chandos, delirando por causa da febre.Courtney tinha-o ouvido dizer o mesmo e muitas outras coisas mais, que brindavam uma descrição penosa da vida de Chandos. Em algum momento da noite ela tinha adormecido, ainda que por pouco tempo. Tinha apoiado a sua cabeça sobre a parte posterior das pernas de Chandos, e de repente despertou ao ouvir que Chandos gritava, dizendo que não poderia descansar até que eles estivessem mortos. Tentou acordá-lo, mas foi impossível.- Maldição, Calida, deixa-me em paz - grunhiu Chandos. – Vai para a cama de Mário. Estou cansado.Depois disso, não tentou acordá-lo novamente. Mudou-lhe a compressa de água fria por outra e escutou os seus delírios acerca de tiroteios, golpes e confrontos com a pessoa a quem chamava velho. Também falava com mulheres; respeitosamente com Meara e carinhosamente repreensor com Asa Branca. Ao falar com elas a sua voz mudava de tal forma que chegou à conclusão de que as amava muito.Asa Branca não foi o único nome indígena que mencionou. houve outros, incluído o que chamava amigo. Defendia o comanche tão energicamente frente ao velho, que Courtney recordou de repente que Chandos nunca lhe tinha respondido quando ela lhe perguntara se era meio índio ou não. Antes não lhe tinha dado importância, mas era possível. Compreendeu que esse estranho idioma que ele empregava às vezes, bem podia ser uma linguagem indígena.Surpreendeu-se do fato não a incomodar. Índio ou não, continuava a ser Chandos.Quando as primeiras luzes do amanhecer anunciaram o novo dia, Courtney começou a duvidar seriamente da recuperação de Chandos. Ela estava exausta. Não sabia o que mais podia fazer por ele. a ferida tinha tão mal aspecto como a noite anterior, e a inflamação apenas tinha cedido. Ainda tinha febre e a dor parecia ter-se intensificado; ele queixava-se e movia-se tão debilmente que parecia carente de forças.- Partiu-lhe os braços para que não se pudesse defender. Maldito canalha... era só uma menina. Morta; todos mortos. - Sussurrava, como se já não tivesse energias para falar. - parte a cadeia... olhos de gato.Ela sentou-se e olhou-o fixamente. Era a primeira vez que mencionava o seu nome.- Chandos?- Não posso esquecer... não a minha mulher.Respirava com tanta dificuldade que Courtney se alarmou. E quando o sacudiu e ele não despertou, ela desatou a chorar.- Chandos, por favor.- Maldita virgem... não serve.Courtney não queria ouvir quanto ele pensava acerca dela. Não podia tolerar. Mas o que já tinha dito irritou-a e refugiou-se na sua raiva.- Desperta, maldito; quero que me escutes. Odeio-te e dir-te-ei quanto acordares. És cruel e inumano e não sei porque gastei a noite a tentar salvar-te. Desperta!Courtney bateu-lhe nas costas e logo se chegou para trás, consternada. Tinha batido num homem inconsciente.- Oh Deus; Chandos, desculpa-me – exclamou, esfregando as costas de Chandos. - Por favor, não morras. Não voltarei a aborrecer-me contigo, por muito desprezível que sejas. e... e se melhorares, prometo não voltar a desejar-te.

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- Mentirosa.Courtney esteve quase a asfixiar. Chandos ainda tinha os seus olhos fechados.- És detestável - disse ela, pondo-se em pé.Chandos voltou-se de costas e olhou para ela.- Porquê? - Perguntou serenamente. - Porquê? Sabes muito bem Porquê. - E disse inoportunamente: - E não sou uma maldita virgem, pelo menos não agora, pois não?- Disse que o eras?- Há cinco minutos.- Estive a falar em sonhos?- Abundantemente - disse ela irónica.Depois deu meia volta e afastou-se.- Não podes levar a sério o que um homem diz quando dorme, olhos de gato - disse ele. - E, para que o saibas, há tempos que não te considero uma maldita virgem.- Vai para o diabo - disse ela por cima do ombro, e continuou o seu caminho.Mas não chegou muito longe. Ao deparar-se com a serpente morta, viu junto a ela uma pequena bolsa de couro que não estava ali na noite anterior.Um calafrio percorreu as suas costas e olhou rápida e furtivamente ao seu redor, mas havia tantos arbustos e árvores, que qualquer um podia estar ali escondido.Olhou a bolsa; temia tocá-la. Era de pele de camurça e o seu tamanho era o dobro do punho de Courtney. Devia de conter algo, porque era grande.Se alguém se tivesse aproximado do acampamento em algum momento da noite, quando ela estava a atender Chandos, tinha visto ou pressentido a sua presença. Porque é que essa pessoa não havia dito que estava ali? Poderia ser uma presença acidental? Ainda assim, teria visto o fogo e ter-se-ia aproximado... a menos que não desejasse ser visto.Courtney atemorizou-se ao comprovar que alguém havia estado efetivamente ali e com toda a probabilidade tinha-a observado sem que ela o soubesse. Mas quem? E porque teria deixado essa bolsa de couro?Agarrou-a com cuidado e manteve-a afastada do seu corpo enquanto a levava ao acampamento. Chandos estava onde o tinha deixado, estendido sobre o seu lado esquerdo, e ela pensou que não estava realmente melhor, mas simplesmente desperto. Deus, as coisas que lhe tinha dito quando estava débil e sofria! Em que se estava a converter?- Não creio que isso morda, olhos de gato.- O quê? - Perguntou ela, aproximando-se lentamente dele.- A bolsa. Segura-la tão afastada de ti - disse. - Não creio que seja necessário.- Toma. - Courtney deixou-a cair junto a ele. - Prefiro não abri-la pessoalmente. Encontrei-a junto à tua serpente morta.- Não menciones essa maldita víbora - disse ele com fúria. - Desejaria poder matá-la novamente.- Imagino - disse ela compreensivamente. Depois baixou o olhar. - Lamento... ter perdido as estribeiras, Chandos. Algumas das coisas que disse são imperdoáveis.- Esquece – contestou ele, olhando fixamente a bolsa. Abriu-a. - Bendito seja – exclamou sacando uma planta à qual se lhe viam as raízes.- O que é?- Bistorta. Tinha desejado poder usá-la à noite. Mas é melhor agora que nunca.

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- Bistorta? - Repetiu ela duvidosamente.- Tritura-la, mistura o sumo que obténs com um pouco de sal e coloca-la sobre a mordedura. É um dos melhores remédios para a mordedura de serpente. - Entregou-a. – Faz.Courtney agarrou a planta.- Sabes quem a deixou aqui, não sabes?- Sim.- E?Ele olhou-a fixamente durante vários segundos. Ela achou que não ia a responder. Finalmente disse:- Um amigo meu.- Mas porque não se aproximou e me entregou a planta? Podia ter-me dito o que fazer com ela.Chandos suspirou.- Não poderia tê-lo dito. Não fala inglês. e sei se tivesse aproximado, provavelmente terias fugido.- É um índio? – Não era realmente uma pergunta, porque ela intuiu que o visitante era um índio. - Lobo Rampante, por casualidade?Chandos franziu o rosto.- Aparentemente, falei bastante, não?- Mantiveste conversas com diversas pessoas. Falas sempre em sonhos?- Como diabos queres que o saiba?A resposta abrupta fez com que Courtney se afastasse. Preparou a bistorta e regressou.- Podes virar-te de costas espaldas, por favor?- Não. Dá-me isso.- Eu faço-o. - Colocou-se atrás dele dizendo: - Já fizeste bastante mal ao curar-te a ti mesmo à noite, desnecessariamente.- Não pedi a tua maldita ajuda.- Suponho que terias preferido morrer antes de a receber - replicou ela.Ele não respondeu. Não disse nada mais.Courtney estava ofendida. Apesar de tudo quanto tinha feito, podia mostrar-se um pouco mais agradecido. Mas aparentemente, nada lhe importava. E não lhe agradava ver-se obrigado a aceitar a sua ajuda.- O teu amigo ainda está perto, Chandos?- Queres conhecê-lo?- Não.Ele Suspirou, fatigado.- Já não deve de estar por aqui, se isso é o que te preocupa. Mas provavelmente regressará para saber se me recuperei. Mas não o verás, olhos de gato. Sabe que te atemorizas facilmente.- Não é verdade - respondeu ela duramente. - Como o sabe?- Eu disse-lhe.- Quando?- O que diabos importa isso?- Nada. - Ela concluiu de curar a perna de Chandos e olhou-o de frente. - Só queria saber porque nos segue. Foi a ele a quem vi naquela ocasião, não foi? Durante quantas noites nos espiou?Ao pensar nas possibilidades, alarmou-se.

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- «Nessa» noite não estava ali, olhos de gato - disse Chandos suavemente, adivinhando os seus pensamentos. - E não nos segue. Nós... vamos na mesma direcção.- Mas viajarias com ele se eu não estivesse aqui, no é assim? Sim, naturalmente. Não me estranha que não tenhas desejado a minha companhia.Ele franziu o rosto.- Expliquei-te qual era a razão porque que não queria acompanhar-te.- Sim - respondeu ela friamente. - Mas deves perdoar-me se já não creio nem na metade de quanto disseste a outra noite.Em vez de a tranquilizar, tal como ela o esperava, Chandos guardou silencio. Ela não sabia se lhe gritar ou chorar. Não fez nenhuma das duas coisas. Ergueu os ombros e afastou-se.- Vou ao rio tomar banho. Se não regressar dentro de poucos minutos, saberás que me encontrei com o teu amigo e caí desmaiada.

CAPÍTULO 25

Chandos contemplou Courtney enquanto ela reaquecia o caldo que tinha estado a tentar faze-lo beber durante todo o dia. O sol do entardecer dava reflexos doirados à sua espessa cabeleira castanha. Pensou que jamais se cansaria de a ver. Compreendeu que tinha sido demasiado duro com ela. Tinha-a julgado mal e ela castigá-lo-ia fazendo-o sofrer. Mas não podia atuar de outra maneira. Ela não era para ele. Se ela o conhecesse bem, compreenderia. Se soubesse de tudo, teria medo dele. O olhar dela estava incendiado de amor e de ira; a ira de uma mulher desprezada. Se essa ira não alimentasse a sua vaidade masculina... Mas era inevitável; a reação dela satisfazia-o. Ter-se-ia sentido muito magoado se ela tivesse aceitado a sua fingida indiferença. Mas descobriu que, quando a ignorava, ela se enfurecia, e sabê-lo deu-lhe prazer.Ele não havia desejado roubar a sua inocência. Tinha tentado evitá-lo por todos os meios. Mas, quando perdeu essa batalha contra si mesmo e a possuiu essa única noite incrível, pensou que tinha satisfeito o seu desejo. Logo viu que não era assim. O fato de a contemplar quando tomava banho no rio, tinha desbaratado as suas intenções de se reprimir.Quase estava agradecido à serpente que tinha posto fim á sua loucura, de contrario, teria feito amor com Courtney novamente. E não teria sido conveniente. Estando as coisas como estavam, ser-lhe-ia muito difícil despedir-se dela. Toda a relação posterior só conseguiria piorar a situação. Ela não o compreendia ainda. Essa era a sua primeira paixão e estava muito contrariada de como se iam desenrolando os fatos. Pensava que ele a tinha usado. Chandos suspirou. Era melhor que pensasse assim. Ainda seria melhor que o odiasse. A verdade era que, se por um instante acreditasse que conseguiria fazê-la feliz, não se afastaria dela. Mas, que espécie de vida lhe podia oferecer? Quatro anos antes, tinha decidido abandonar o mundo dos brancos e retomar o estilo de vida comanche. Quinze malvados tinham mudado a sua vida para sempre e, quando tudo se acabasse, o que lhe restaria? Tinha viajado sem uma meta fixa durante tanto tempo que se achava incapaz de se voltar a estabelecer definitivamente em algum sítio, nem sequer com outros comanches. Poderia uma mulher adaptar-se a uma vida assim? Poderia esta mulher fazê-lo? Sabia que não podia pedir.Despertou do seu sonho quando Courtney se ajoelhou junto a ele, entregando-lhe o prato de caldo quente.

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- Como te sentes?- Tão mal como da última vez que perguntaste. Como a merda.Ela franziu o rosto.- Por Deus, Chandos, porque és tão grosseiro?- Grosseiro? Se queres ouvir palavrões, eu direi...- Não, obrigado - interrompeu-o ela. – À noite ouvi o suficiente.- Eu perdi muitos rubores, olhos de gato? - brincou ele. - É uma pena. Aprecio-os muito, sabes? Se só é preciso um pouco de má educação...- Chandos!- Assim está melhor. Não és difícil conseguir que te ruborizes, pois não?- Se consegues ser tão detestável, não hás-de estar moribundo - disse ela resignadamente. Depois disse, subitamente: - E bom, diz-me: és meio índio?Depois de uma brevíssima pausa, ele disse-lhe:- Sabes uma coisa? Os teus conhecimentos de medicina foram muito positivos até que ponderaste que esta sopa insonsa me pode devolver as energias perdidas.Courtney suspirou ostensivelmente.- Só quero que respondas sim ou não. Mas se não queres responder, não o faças. Não me incomoda que o sejas.- És tão tolerante.- És muito sarcástico.O rosto de Chandos adotou a sua habitual expressão imperturbável e disse em voz baixa: - Achas que não sei que tens muito medo dos índios?Ela levantou a cabeça.- Não posso evitar; a única experiencia que tive com índios foi muito má. Mas tu não és como eles.Chandos esteve quase a desatar a rir-se; conseguiu conter-se.- Avisei-te para que não tentasses tirar-me informação, mulher. Se queres que seja um índio, posso atuar como tal.- Então não és realmente...?- Não, mas não preciso de ser um índio para ser um selvagem, pois não? Queres que to demonstre?Courtney pôs-se em pé imediatamente e correu para o outro lado do fogo. Com essa barreira pelo meio, olhou indignada para Chandos, com ambas as mãos sobre as ancas.- Assustar-me dá-te um prazer perverso.- Assustei-te? - Perguntou ele, inocentemente.- Claro que não - replicou ela. - Mas tentaste.- Claro que não.Chandos imitou as suas palavras. Estava a apreciar a sua raiva. Não podia evitar. Ficava muito bonita quando lhe cintilavam os olhos e adotava uma atitude de dignidade ofendida, puxando para trás os seus cabelos erguendo os ombros.- Queria saber o que pensas que poderias fazer comigo, Chandos, considerando que apenas podes levantar a tua cabeça para beber o caldo.Era um desafio.- Tem cuidado, menina. Surpreender-te-ia ver o que pode fazer um homem no meu estado.

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Courtney encolheu os ombros.- Era simples curiosidade – assegurou-lhe.- Então, vem cá, e eu satisfaço-te - disse suavemente.Ela olhou-o, furiosa.- Pode ser que não te importes com o teu estado, mas eu importo-me. Deverias poupar energias em vez de discutir. Agora, por favor, bebe esse caldo, Chandos. Depois descansa, enquanto te preparo algo substancial para o jantar.Ele assentiu. Para quê irritá-la ainda mais?

CAPÍTULO 26

Estava quase a chover. Até se podia desencadear uma tempestade; pelo menos assim faziam pensar as nuvens escuras que se acumularam no céu.Foi a primeira coisa que Courtney viu ao acordar. A segunda coisa que viu foi Chandos, ainda a dormir. Aproveitou a ocasião para ir ao rio para encher os cantis e depois preparar o café.A vereda que levava ao rio estava mais escura do que o costume, por causa do céu nublado. O dia cinzento deprimiu-a e não sentiu desejos de cavalgar durante todo o dia debaixo da chuva, mesmo que Chandos estivesse em condições de o fazer. Mas tampouco a atraía a perspectiva de permanecer sentada à intempérie enquanto chovia. Não se atreveu a queixar-se. Este era só um dos inconvenientes de viajar sem uma carroça.Quando Courtney se agachou para encher de água os cantis, dirigiu um olhar crítico ao céu ameaçador. Chovia. Disse a si mesma que não era o fim do mundo. Chandos estava a repor-se. Deveria estar agradecida por isso. Tinha tanto que agradecer, que não deveria estar deprimida por um pouco de chuva.- Você é Courtney Harte?Ela permaneceu imóvel perante a surpresa; continuou inclinada, com o cantil na água. Todo o seu corpo se pôs rígido e conteve a respiração.- Está surda, querida?De repente deu-se conta e admirou-se.- Ele disse que você não falava inglês – exclamou.- Quem? De quem diabos me fala?Ela voltou-se e olhou o rosto do homem. o alívio foi enorme.- Por Deus, achei que era um comanche. Há um por aqui - balbuciou.- Como sabe? Já o viu?- Bom... não.- Pois eu também não. Acho que já não deve estar por aqui. E então, você é a menina, Harte?O que se passava? Não parecia perigoso. O seu rosto parecia estar habituado a rir-se; tinha rugas ao redor da boca e dos olhos; era um rosto agradável, de faces cheias e os seus olhos eram cinzentos. Era de estatura média e algo roliço; de uns trinta e cinco anos.- Quem é você? - Perguntou ela.- Jim Evans. Caçador a soldo.- Mas não parece, bom... quer dizer...- Sim, eu sei. - Sorriu. – Acho que é desconfortável. Não correspondo à imagem preconcebida. Bem, vai dizer-me quem é?

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Se não tivesse dito que era um caçador, talvez tivesse respondido a verdade. Mas pensou que talvez procurasse Chandos.- Não sou Courtney Harte.Ele sorriu novamente.- Não me mente? Não existem muitas probabilidades de que haja por aqui duas mulheres que correspondam à descrição que me deram. Apostaria a vida em como encontrei a Courtney Harte.- Então porque pergunta? - Replicou Courtney.- Tenho de o fazer. Não posso cometer erros. Não me pagam para isso. E o que pagam por si é muito.- Por mim? Então não procura... o que significa que pagam muito por mim? Saiba que a lei não me persegue, senhor Evans.- Não disse que era assim.- Disse que era um caçador a soldo.- Recebo recompensas - disse ele. – Não só por pessoas perseguidas pela justiça. Procuro qualquer pessoa quando o preço é razoável. No seu caso, é. O seu homem está muito ansioso por a recuperar, querida.- O meu homem? - A incredulidade começou a transformar-se em aborrecimento quando compreendeu de quem se tratava. - Como se atreveu? Reed Taylor contratou-o, não foi?- Pagou o preço.- Mas não é o meu homem. Não é ninguém para mim.Jim Evans encolheu os ombros.- Esse assunto não me diz respeito. Ele quer que você regresse ao Kansas e assim se fará, pois não me pagará até que não a leve.- Lamento decepcioná-lo, senhor, mas não vou regressar ao Kansas por nenhum motivo, e menos porque Reed Taylor o quer. Acho que perdeu o seu tempo. Que incrível.- E eu acho que você não compreende, querida. – A sua voz continuava a ser agradável, mas a sua expressão tinha ficado austera. - Jamais perco tempo. Você vai regressar ao Kansas. Pode apresentar as suas queixas ao senhor Taylor; não a mim.- Mas eu nego-me...Ele sacou o revólver e apontou-o para ela. O coração de Courtney acelerou-se. E antes que pudesse recordar que trazia o seu próprio revólver na cintura da sua saia, ele tinha-o encontrado e já o tinha tirado.- Não se surpreenda tanto, querida - disse ele, sorrindo. - Sou muito eficiente no meu trabalho.- Já vi. Mas realmente dispararia sobre mim? Duvido que Reed lhe pagasse se me levasse morta.- É verdade - aceitou ele -, mas não especificou em que condições você devia regressar.Courtney compreendeu o significado das suas palavras. Poderia fugir se saísse a correr? Ele estava muito perto dela.- Não tente correr nem gritar. Se o homem que a acompanha vier para aqui, terei de o matar.Fez um gesto em direção ao rio.- Vamos.- Tenho de ir buscar as minhas coisas. Não supõe que vou partir sem...- Muito esperta, mas esqueça-as. Depois do que disse o mexicano acerca desse mestiço que viaja consigo, prefiro não o conhecer. E se formos imediatamente, não saberá o que aconteceu.

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Courtney ficou presa pelo pânico. O homem dizia a verdade. Quando Chandos a procurasse estaria a chover e as suas pisadas já não seriam visíveis.Entreteve-se um instante, esperando que Chandos se tivesse levantado e se perguntasse porque não regressava.- O mexicano de quem fala é o Romero, por casualidade?- Sim. Encontrei-o com outros dois há um tempo. Contaram-me uma história impressionante acerca do seu amigo. Aparentemente é um exército de um só homem. Naturalmente, não se pode acreditar em tudo o que um homem diz quando tenta dissimular as suas próprias debilidades, ou de encobrir o que eles fizeram. Talvez desejassem maltratá-la e não puderam. Menino Bonito queria matá-los e regressar ao Kansas, mas o mexicano ofereceu-nos indicações de onde os tinham visto a vocês pela última vez; seguindo as pegadas chegámos até aqui.- Quem é Menino Bonito?- Não quererá dizer que sou tão estúpido para entrar sozinho em território índio, pois não? Os outros aguardam rio acima, com os cavalos. Imaginaram que o seu amigo não suspeitaria de nada se eu viesse sozinho, e além disso teria a oportunidade de o surpreender.- E suponho que viu que eu vinha para aqui sozinha, não é?- Sim; tive sorte, não? - Disse, sorrindo. - Porque posso assegurar-lhe que não quero conhecer o mestiço.Arrastou-a e ela deu-se conta de que essa era a sua última oportunidade para gritar. Mas não podia faze-lo. Se Chandos estivesse em condições normais, não teria duvidado.Imediatamente se arrependeu de ter obedecido docilmente, em vez de gritar para que Chandos acudisse em seu auxílio.

CAPÍTULO 27

O nome de Menino Bonito que tinha Reavis era muito adequado. Tinha cabelos espessos e platinados e olhos de intensa cor violeta. Era, na realidade, surpreendentemente atraente, bonito. Tinha vinte e dois anos; era magro, media um metro e oitenta. Correspondia à mais exigente fantasia feminina.Courtney ficou tão impressionada ao vê-lo, que nem sequer viu os dois homens que o acompanhavam. E o Menino Bonito também a achou muito atraente.- Taylor disse que era bonita, querida, mas não te fez justiça.«Provavelmente, há tempo que não usufrui de uma companhia feminina», pensou Courtney, pois ela levava a sua saia de montar e a blusa de seda branca completamente enrugadas. Os seus cabelos caíam em desordem até à cintura, e não tinha tomado banho desde a noite em que Chandos foi atacado pela serpente.- Cavalgarás comigo – anunciou Menino Bonito, adiantando-se para ela.- Menino Bonito – chamou o caçador.- Cavalgará comigo, Evans - repetiu ele, secamente.Menino Bonito era, evidentemente, muito mais que um rosto bonito.Jim Evans acatou a advertência inequívoca e soltou o braço de Courtney.Ela começou a perguntar-se quem estaria ao comando deles. Mas nesse momento Evans deu a ordem de montar e fizeram-no. Evans era o chefe. Mas Menino Bonito tinha conseguido o que queria sem discutir. Menino Bonito era temido. Considerando a forma com Evans lhe tinha

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obedecido, Courtney teve a impressão de que ninguém desafiava Menino Bonito. Talvez não fosse um simples pistoleiro, mas alguém que gostava de matar.Colocaram-na sobre o cavalo de Menino Bonito e a seguir montou ele, sentando-se atrás dela. Então viu o mexicano. Ele olhou-a com a seriedade que ela já conhecia. Era um olhar que a enfurecia.- Não aprende com os seus erros, pois não, Romero? - Perguntou ela sarcasticamente.Ele teve a audácia de sorrir.- Vejo que ainda lhe resta coragem, linda. Mas sim, aprendo. - Olhou para Jim, que estava montando nesse momento. - Não ouvimos tiros, senhor. O que fez com Chandos?- Nada - respondeu Jim. - Não tive necessidade de me aproximar dele. Ela estava junto ao rio...- Queres dizer que ele nem sequer sabe que a temos? - Disse um indivíduo de rosto comprido, com bigode roliço mais comprido ainda. Que bem. Está a aguardar o seu regresso e ela não regressará. - Riu. - Os mestiços não são inteligentes. Pergunto-me quanto tempo demorará a reparar na sua ausência.- Estás enganado - disse Romero serenamente. – Os meus amigos e eu cometemos o erro de o subestimar. Por mim, não ficarei tranquilo até vê-lo morto. Se não o matam vocês, matá-lo-ei eu.Courtney quase gritou, mas sabia que não era a maneira de deter o mexicano. Chandos tinha sido mais hábil que Romero e ele queria vingar-se. Nenhuma desculpa ou súplica o dissuadiria. Até poderiam estimulá-lo. Pensando rapidamente, ela disse:- Obrigado, Romero. Temi que Chandos pensasse que eu tinha caído ao rio e, nesse caso, não se incomodaria de me procurar.- Fala a sério? - Perguntou Cara Larga. Depois disse a Courtney: - Quer que o mestiço morra?- Não seja ridículo - respondeu Courtney, com uma réstia de altivez. - Chandos não vai morrer. É demasiado esperto para que o apanhem desprevenido. Mas, como pode saber o que me aconteceu se não vê nenhum de vocês?- Romero não te agrada, pois não, querida? - Menino Bonito riu. Seguidamente disse aos outros: - Esqueçam-no. Se o mestiço nos perseguir, eu encarrego-me dele.Aparentemente, ninguém duvidava da sua capacidade, incluindo Romero, pois puseram-se a caminho. Courtney suspirou, aliviada. Chandos estava a salvo.Mas ela não. Pouco depois de cruzar o rio, as mãos de Menino Bonito começaram a atuar. Uma delas aproximou-se dos seus seios e Courtney conteve o fôlego, indignada. Afastou a mão dele, mas ele agarrou-lhe as duas mãos e retorceu-as atrás das costas de Courtney, fazendo-a chorar de dor.- Não brinques comigo, querida - advertiu-a Menino Bonito, em voz baixa e aborrecido. - Ambos sabemos que te entregaste ao mestiço. És uma presa fácil.A mão que segurava as rédeas deslizou pelo abdómen de Courtney e por cima dos seus peitos. O cavalo inclinou-se, sacudindo a cabeça. Courtney fechou os olhos perante a dor que sentia nos ombros e braços, ainda apertados contra as suas costas.- Considera-te felizarda de me teres encantado, querida – continuou ele. - Manterei os outros afastados de ti, sempre e quando demonstres que o mereces. Taylor quer que regresses para ele, mas antes de chegar penso cobrar o trabalho. De que maneira, depende de ti.Soltou-lhe o braço. Courtney permaneceu em silêncio. O que podia dizer? Estava indefesa, mas não resignada. Apesar dele ser incrivelmente bonito, a sua crueldade tornava-o asqueroso.

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Quando aliviou a dor do ombro, Courtney, disse-lhe o que pensava do mau trato que lhe tinha dado, sem pensar nas consequências. Ela bateu com o seu cotovelo no estômago dele e tentou saltar do cavalo. Ele deu-lhe um golpe na cabeça, mas ela continuou a lutar até que, finalmente, ele a rodeou com os seus braços e já não se conseguiu mover.- Muito bem - grunhiu ele com fúria. - Já disseste quanto tinhas para dizer. Por agora, não te tocarei. Mas começa a rezar para que me tenha acalmado quando acamparmos esta noite.Como rubricando a sua advertência, um relâmpago iluminou o céu e ouviu-se o retumbar dos trovões. Seguidamente começou a chover copiosamente. A disputa chegou ao fim quando Menino Bonito tirou o seu impermeável, que com ele cobriu também Courtney, e depois encorajou o seu cavalo para se pôr ao lado dos outros.

CAPÍTULO 28

- O que aconteceu a Dare Trask?Courtney decidiu não responder à pergunta de Romero. De todos as maneiras, desconhecia a reposta. Estava sentada perto do fogo, provando uns bocados do seu prato de feijões. O medo amarrava o seu estômago.Ao entardecer havia cessado a chuva e acamparam na espessura do bosque. Ela supunha que Menino Bonito a castigaria; na realidade, praticamente tinha-a expulsado do cavalo. Dedicou-se a tratar do cavalo e depois jogou aos dados com Cara Larga, que se chamava Frank. Às vezes, ambos a olhavam, como se a quisessem enervar.- O que se passa, linda?- Esse assassino com cara de anjo vai violar-me, e pergunta-me o que se passa? - Respondeu a Romero.Os olhos de Courtney brilhavam de fúria e o fogo fazia resplandecer os seus cabelos com reflexos doirados. Ignorava como estava bonita e quanto a desejava Romero nesse momento.- Acho que não posso lastimar. Queria fazê-lo eu. Os meus amigos partilhariam, mas Menino Bonito não o fará.- Não pode detê-lo?- Está a brincar? – Chegou-se para trás, assombrado. - Ninguém desafia esse homem nem se interpõe no seu caminho. Está louco. Não lhe importa quem mata nem porquê.- Chandos não hesitaria em desafiá-lo.- Mas ele não está aqui.- Virá, Romero – advertiu-o ela. - Não duvide.Ele entre cerrou os olhos.- A última vez que nos vimos, você jurou que ele não se importava consigo.- Desde então, as coisas mudaram. - Ela olhou para o fogo antes de adicionar: - Agora sou a sua mulher.- Acho que me sentiria mais seguro se não viajasse com você nem com estes homens. É perigoso - disse Romero.- Provavelmente você tem razão. - Courtney tentou adotar um tom indiferente. - Mas, a menos que se vá embora agora, já não importará muito.Por um momento, Courtney perguntou-se se poderia conseguir que todos a abandonassem. Era duvidoso. Menino Bonito não se intimidaria facilmente. Confiava demasiado na sua habilidade.

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Mas, no entanto, quanto menos deles estivessem ali, mais probabilidades teria ela de fugir.- Chandos deve ter encontrado as nossas pegadas antes que começasse a chover - sugeriu a Romero. - Saberá como me encontrar.- Esta manhã não estava tão segura, quando me enviou para a morte.Encolheu os ombros.- Não pense que quero que alguém morra. Mas não sei o que posso fazer agora...Depois de um prolongado e tenso silencio, Romero repetiu a sua primeira pergunta.- O que aconteceu com Dare?- Chandos não me disse.- Você estava lá.- Não. Mandou-me adiantar. Disse que tinha que falar com Dare sobre temas que eu devia ignorar.- Enviou-a sozinha, sabendo que por ali havia índios? - Perguntou Romero incrédulo.- Não corria perigo. Assegurou-me. - Ela decidiu exagerar um tanto a verdade, já que Romero não podia saber que só havia um índio nas proximidades. – ontem soube que são seus amigos e que geralmente viajam juntos. Estiveram lá desde que partimos do Kansas, mas mantiveram-se à distância porque Chandos sabe que me assustaria ao vê-los.- Sim. Se não tivéssemos visto três deles, teríamos regressado por Trask essa noite.- Viram três? - Courtney conteve o fôlego. Apesar de tudo, aparentemente tinha dito a verdade. - Não pensei... quero dizer... agora que penso, não sei como Trask teria podido sair vivo de lá. Chandos levou o cavalo de Trask. Disse que não o tinha matado, mas... também disse que Trask era culpado de coisas atrozes e que merecia qualquer castigo. Achei que a sua intenção era obrigá-lo a caminhar de regresso ao Kansas, mas é possível que o tenha deixado ali para que...Courtney tragou com dificuldade. Sim, era possível e isso demonstrava até que ponto Chandos podia ser implacável.Que podia ter feito Trask para merecer ser entregado aos comanches? Teria matado as pessoas que Chandos mencionou em sonhos?- Esses comanches ainda estão por aqui? - Perguntou Romero com inquietação, olhando para as árvores que os rodeavam.- Sim. Na realidade, quando Evans me surpreendeu esta manhã, achei que era um deles.- Então é possível que venham com Chandos para a resgatar?Era uma esperança na qual não tinha pensado.- Não, não; não viajariam com Chandos - disse ela. - Para quê? Ele não precisa de ajuda para enfrentar quatro homens. Por acaso não o demonstrou já?Romero assentiu brevemente.- Acho que me vou despedir de você, linda. A sua companhia é um perigo.- Não se vai embora, pois não? - Disse ela, enquanto ele se afastava.Os outros ouviram a sua pergunta. Menino Bonito pôs-se em pé, enfrentando Romero.- O que se passa?- Ajudei-vos a encontrar a mulher. Foi um erro. Deviam deixá-la com o seu homem.- Taylor? - Perguntou Jim, intrigado.- Não, senhor; ela é a mulher de Chandos e ele virá buscá-la. Não quero estar aqui quando ele chegar.- Preferes cavalgar agora, de noite... Sozinho? - Perguntou Jim incrédulo. - Estás louco.

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Menino Bonito interveio.- O que te disse para te atemorizar assim? - Perguntou.- Disse que era a mulher de Chandos.- Esperas que acreditemos que a um mestiço lhe importaria quanto possa suceder a uma mulher branca? - Interveio Frank.Courtney surpreendeu-se ao ver o gesto desdenhoso de Romero quando os olhou e os informou.- Vi o que este mestiço fez com os meus amigos e isso sucedeu antes dela ser sua mulher, quando só era sua escolta. Mas agora é diferente. Sabem o que um comanche faz a quem lhe rouba a sua mulher?- Ele só é meio comanche - assinalou Jim.- Isso converte-o num ser duplamente mortal, pois pode matar como um branco ou como um comanche. Estamos no meio do território comanche e temo que quando venha pela sua mulher, não venha só.Jim olhou para Courtney com expressão severa.- Então permanecerás aqui, Romero - ditou Jim com firmeza. - Necessitaremos de todos os...- Deixa-o ir - interrompeu Menino Bonito, ironicamente. - Não preciso de covardes para me apoiarem. Sou o melhor atirador, Evans. Por isso quiseste que te acompanhasse, lembras-te?Quando Romero ouviu que o chamavam covarde, ficou rígido. Courtney percebeu que lutava contra o seu orgulho; depois gritou:- Não! - Cobriu os ouvidos ao ouvir o tiro.Romero sacou a sua arma, mas Menino Bonito demonstrou que era ele o melhor atirador. Courtney contemplou, horrorizada, o sangue que cobriu o peito de Romero. Caiu lentamente para a frente e ficou imóvel.Menino Bonito sorria. Era a espécie de sorriso que a Courtney lhe dava náuseas.- Causaste uma verdadeira emoção, querida.Courtney, dobrada em duas, vomitou. Quando se repôs, Menino Bonito aproximou-se dela.Riu cruelmente.- Não pensei que fosses tão delicada, querida; ter-te-ia aconselhado que não olhasses.- Provocaste-o... deliberadamente - disse ela.- Pode ser.- Não tenho duvida alguma - gritou ela. - Desejavas matá-lo. Porquê?- No teu caso, não seria tão arrogante - disse ele com frieza. - Tu provocaste. Não gosto de covardes; isso é tudo.Courtney grunhiu. Era culpa sua. Não; não era. Talvez tivesse dito algumas mentiras, mas não obrigou Romero a mostrar-se provocador. Era tudo obra de Menino Bonito.- Pensei que os comanches eram selvagens, mas o selvagem és tu – disse Courtney.Achou que ele lhe ia bater, mas só a obrigou a pôr-se em pé.- Creio que o problema está em que não te prestei bastante atenção, querida. - Apertou com força o braço de Courtney e a dor obrigou-a a retorcer-se, mas ele continuou a segurá-la com energia, enquanto se dirigia aos outros. - Frank, desfaz-te do mexicano... leva todo o tempo necessário. Jim, se estás tão preocupado com os índios, porque não vais percorrer os arredores?Courtney empalideceu.- Não - exclamou. - Evans, não se atreva a deixar-me aqui com este monstro. Evans!

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Jim Evans nem sequer olhou para ela; agarrou a sua arma e afastou-se do acampamento. Frank também a ignorou e arrastou o corpo de Romero para o tirar dali. Menino Bonito concentrou toda a sua atenção em Courtney. Apertou o seu braço com mais força ainda. A ira que brilhava nos seus olhos de cor violeta aterrorizou Courtney.- Não... não quis dizer... - disse ela com medo.- Claro que não, querida.Naturalmente não acreditou; intuitivamente, Courtney compreendeu que esse homem era inumano. Numa ocasião, há já muito tempo, Courtney tinha rogado ter a coragem de não suplicar. Tinha sucedido durante o ataque dos índios, quando a sua vida correu perigo. Esta ocasião era igualmente horrível e disse-se a si mesma que não pediria compaixão nem se humilharia.A ira ajudou-a a ter coragem.- Está bem. - Disse: és um malvado...A sua face avermelhou-se por causa da bofetada que ele lhe deu. Seguidamente, mandou-a ao chão; o peso do corpo dele impedia-a de se mover. Desorientada, sentiu que a boca dele, apoiada com força sobre a sua, lhe dificultava a respiração.Conheceu a diferença entre o desejo e a luxúria brutal. Menino Bonito estava a fazer-lhe mal deliberadamente e ela supôs que a dor apenas começava. Haveria mais, muito mais.Os dentes dele rasgaram as faces de Courtney e cravaram-se no seu pescoço. Courtney gritou, agarrando-o com força pelos cabelos e puxando a sua cabeça para trás. A ele não o incomodou. Sorriu-lhe.- Se continuas em frente - disse entre fôlegos -, Chandos mata-te.- Ainda não compreendeste, querida? O teu mestiço não me mete medo.- Se não tens medo dele és um estúpido.Ele apertou cruelmente a garganta de Courtney; ela tentou desesperadamente respirar. Deixou-a espernear durante um minuto e depois soltou-a. Imediatamente, rasgou a sua blusa; um fio de sangue deslizou pelo peito dela. Tinha-lhe cravado uma unha.- Seria melhor que fizesses silencio - disse ele friamente. – Já tolerei demasiados insultos.- Evidentemente, ninguém te tinha dito antes a verdade.Courtney não podia crer no que tinha dito. Valeu-lhe outra bofetada; desta vez, as lágrimas assomaram aos seus olhos, mas não se podia reprimir.- Há algo que não tiveste em conta, Menino Bonito - disse ela, sufocando. - É a última vez que matas um homem num desafio; os comanches não lutam dessa maneira. Se quiserem matar-te, quatro ou cinco deles atacam-te num segundo. De que te servirá então o revólver?- Foi isso que disseste ao mexicano para o fazer fugir? - Disse ele despoticamente.- Não - disse ela, meneando a cabeça. – Disse-lhe que provavelmente Chandos viria só, porque não ia necessitar de ajuda para se desfazer de uns malvados como...Courtney deu um grito quando ele cravou os seus dedos nos peitos dela. Com a outra mão tapou-lhe a boca, mas ela mordeu-o e ele retirou bruscamente a mão.- Chandos! - gritou Courtney, sabendo que era inútil, mas tentando agarrar-se a uma débil esperança.- Cadela! - Grunhiu Menino Bonito. - Devia...Interrompeu-se ao ouvir alarido horripilante. Menino Bonito calou-se e ambos se aterrorizaram. Era um grito de morte, um grito de dor, o grito de um homem. Seguiu-se outro grito, mais

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horrível que o primeiro. Depois ouviram que alguém corria entre o mato e viram Frank, que irrompia no acampamento.- Maldição - disse Frank, sufocando. - Apanharam o Evans.Menino Bonito pôs-se imediatamente em pé e desembainhou o seu revólver.- Pode ser um urso. Ou um gato selvagem.- Claro, mas acreditas tanto como eu - disse Frank. - É um velho truque. Vão torturá-lo durante toda a noite, para que o ouçamos gritar. Supõe-se que assim nos põem loucos e, pela manhã, seremos presas fáceis.Menino Bonito apontou a Courtney a sua arma.- Põe-te de pé. Vamos embora daqui.Lentamente, ela levantou-se.- Achei que te querias enfrentar com eles - disse, inocentemente.Valeu-lhe outra bofetada; Courtney cambaleou para trás e caiu. Permaneceu ali, com uma mão sobre o seu rosto e segurando a sua blusa com a outra mão. Olhou para Menino Bonito com profundo ódio. Apesar de tudo, ele surpreendeu-se.- Tem cuidado, sim? - Disse Frank. - Ela é a única coisa que possuímos para negociar.- Vamos embora - decidiu Menino Bonito. - Não é preciso negociar se não estivermos aqui.- Não podemos. Não achas que algum deles nos está a observar neste mesmo momento? Se tentarmos fugir, vão-nos impedir. Teremos que lutar para salvar a nossa vida.Menino Bonito sabia que Frank tinha razão. Girou sobre si mesmo, procurando um alvo. Courtney divertiu-se ao perceber o temor de Menino Bonito, apesar de que ela também estava apavorada. Todos tinham os seus bons motivos para o estar, mas por diferentes razões.Frank enganou-se a respeito de Evans. Durante dez minutos não ouviram gritos e supuseram que estava morto. Os dois homens também imaginaram que os índios só procuravam Courtney, mas Courtney sabia que podiam ser índios que passavam por ali casualmente, e não os amigos de Chandos. E se não fossem amigos de Chandos, ela corria tanto perigo de morrer nas suas mãos como Menino Bonito e Frank.- Precisarei de um revólver - disse Courtney quando se pôs em pé. - Estás louca - disse Menino Bonito depreciativamente.- Por Deus, continuarás a ser um estúpido até ao fim? - Disse ela. - No tenho muita experiencia com as armas, mas posso disparar para o que tiver à minha frente.- Ah, pois, Assim como eu.Frank riu dissimuladamente e Courtney, exasperada, rangeu os dentes.- Nenhum de vocês pensou que qualquer um pode estar ali? - Perguntou bruscamente. - Pode ser até um animal selvagem; não houve mais gritos. Ou talvez Evans sofresse um acidente.- Um homem não grita dessa maneira quando sofre um acidente - disse Frank.- Está bem - admitiu Courtney, hesitando um instante antes de continuar. - Mas devo dizer-vos uma coisa: não é provável que Chandos tenha chegado tão depressa. Foi mordido por uma serpente e ainda se estava a recuperar quando Evans me aprisionou. Por isso não queria que Romero se enfrentasse com Chandos. Chandos não está em condições de lutar. E, pelo menos haviam alguns índios na zona, é pouco provável que venham resgatar-me. Imaginam um comanche a resgatar uma mulher branca?- Imagino que uma mulher branca diria qualquer coisa para se apoderar de um revólver. Sabes que o farias, querida - respondeu Menino Bonito. - Podes dizer o que quiseres, mas a resposta é

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não.- És...Ele perdeu a paciência.- Cala-te de uma maldita vez, para que possa ouvir o que acontece - disse ele, embainhando de novo o seu revólver.Courtney ficou em silêncio. Nesse momento, Frank sussurrou:- Não posso crer. Esse canalha está louco. Vem para aqui, sozinho.Menino Bonito e Courtney voltaram-se. Era Chandos e estava sozinho. Avançava lentamente entre as árvores; viram-no quando estava a uns cem metros de distância. A Courtney bateu-lhe fortemente o coração. Tinha vindo por ela. Ainda doente, decidiu resgatá-la.O seu aspecto era terrível. O Seu rosto estava demarcado, há dois dias que não se barbeava e as suas roupas estavam enrugadas. Nem sequer se tinha mudado.Menino Bonito sorria. Frank segurava firmemente o seu revólver.Chandos segurou as rédeas; o seu revólver estava embainhado. Quando viu Courtney com as roupas rasgadas, ficou rígido e a sua expressão endureceu-se.- Está sozinho, senhor?Chandos não respondeu à pergunta de Frank. Desmontou e colocou-se à frente do seu cavalo. Courtney conteve o fôlego; ainda não havia desembainhado o revólver e para Frank seria muito fácil levantar o seu e disparar. Mas então viu que Frank, intimidado pela audácia de Chandos, hesitava. Menino Bonito tampouco se moveu. Courtney compreendeu que ambos pensavam que havia flechas que lhes apontavam. Não podiam crer que Chandos tivesse entrado sozinho no acampamento, a menos que os seus amigos comanches o protegessem. Seria assim?- Tu és o Chandos? - Perguntou Frank.Chandos assentiu.- As pegadas indicam que são quatro. Onde está o quarto?Menino Bonito sorriu.- Querias saber, não é verdade?- O mexicano está morto, Chandos – informou-o Courtney.- Disse que te calasses - gritou Menino Bonito, avançando para ela para lhe bater- Eu não o faria.A voz de Chandos deteve-o e Menino Bonito baixou lentamente a sua mão; voltou-se para Chandos para o olhar de frente. Courtney suspeitou que desembainharia a sua arma. Frank im-pediu-o, pois Chandos tinha revelado algo.- Não perguntas por Evans; isso indica que tu o mataste.- Não está morto – contradisse Chandos.- Então, que diabos lhe fizeste para que gritasse dessa maneira?- Não me agradaram algumas das coisas que me disse, de modo que...- Chandos, não quero ouvir - gritou Courtney.- Sim, não importa - disse Frank. - Mas não está morto?- Deixei a sua arma perto dele.Courtney não compreendeu o significado das suas palavras, mas os homens, sim. Era a provocação que punha fim à conversa; as intenções de Chandos eram claras. O ar electrizou-se quando os três homens se enfrentaram, aguardando cada um o primeiro movimento dos outros. Frank foi o primeiro a levantar o seu revólver e disparar.

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Courtney lançou um grito. Os nervos de Frank determinaram que errasse o tiro. Nesse momento, Chandos desembainhou a sua arma. Também o fez Menino Bonito, mas Chandos mandou-se para o chão e fez dois disparos. O primeiro acertou no peito de Frank. Este morreu instantaneamente. O segundo tiro fez saltar Menino Bonito para a frente. Ainda não tinha disparado nem uma só vez. Apertou o gatilho o revólver saiu da sua mão quando Chandos disparou pela terceira vez. O impacto fez girar Menino Bonito sobre si mesmo e caiu de bruços, diante de Courtney.- Penso que... devia ter acreditado em ti..., querida. O canalha... matou-me.Ainda não estava morto. Demoraria a morrer. Mas morreria. Os tiros no abdómen são mortais, e ele sabia. Os seus bonitos olhos, de cor violeta estavam cheios de horror.Chandos levantou-se e avançou; o seu rosto era de pedra. Agarrou o revólver de Menino Bonito e permaneceu de pé frente a ele. Sem deixar de o olhar, Chandos guardou o seu revólver e também colocou o de Menino Bonito no seu cinto. Menino Bonito compreendeu.- Deixaste a Evans a sua arma - disse Menino Bonito gemendo. – Deixa-me o revólver.- Não.- Chandos, não podes abandoná-lo assim - rogou Courtney.Chandos nem sequer a olhou. Os seus olhos estavam fixos em Menino Bonito.- Magoou-te. Deve pagar.- Deveria ser eu a decidir.- Mas não é assim. – Observou-a fugazmente e voltou a olhar para Menino Bonito. - Monta o meu cavalo, menina. Vamos embora.Ela correu para o cavalo de Chandos e ele percebeu a sua intenção. Não ia aguardar por ele. Queria afastar-se dele e do seu implacável sentido de justiça. Correu para ela e deteve-a.- Magoou-te, não foi?A sua voz parecia de aço.- Sim, mas não como pensas. Os gritos de Evans detiveram-no.- Mas magoou-te de qualquer maneira, de maneira que merece o castigo. Podia deixá-lo a morrer de uma maneira pior. Podia prolongar a sua agonia.Soltou-a e ela gritou:- Porque és tão vingativo? Não te fez mal a ti.- Lamentas que tenha vindo por ti, olhos de gato?Courtney baixou o olhar.- Não.- Então, monta e nem penses ir embora sem mim. Já estou bastante aborrecido contigo. Esta manhã não deste sinais de estar em perigo. Não me obrigues a correr novamente atrás de ti, porque não poderás fugir de mim, menina.Courtney assentiu e voltou-se para montar. Estava tão furiosa com Chandos, que quase se esqueceu de lhe agradecer. Tinha-a salvado de Menino Bonito... mas não podia esquecer a fria expressão do rosto de Chandos.

CAPÍTULO 29

Era a segunda vez que Courtney se afastava de um lugar e nele tinha-se derramado sangue essa noite. Ia sentada à frente de Chandos, envolta no seu calor protector. Uma vez mais, ele tinha

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matado por ela. Só feria os homens que o perseguiam; mas matava os que perseguiam Courtney.Estava zangado com ela, mas apesar disso reapareceu a sua paixão. Fê-la desmontar e a blusa de Courtney abriu-se. Talvez essa fosse a causa. Ou talvez tivesse sido a matança. Não só tinha matado, mas tinha estado a ponto de morrer. Parecia necessitar de uma reafirmação da vida, e encontrou-a no corpo terno e condescendente dela.Courtney estava subjugada e não se podia negar. Mas não estava atemorizada desta vez. Sentiu uma trémula emoção; a paixão de Chandos era avassaladora. Se Chandos necessitava de expressar o seu domínio masculino dessa maneira, ela alegrava-se de poder compraze-lo. Também necessitava desafogar as suas próprias ansiedades e essa era a melhor maneira de o fazer e além disso, pensava que, se ele queria fazer amor, não estaria tão zangado com ela.Estendeu-a no chão e Courtney agarrou-se a ele, atraindo-o. A erva e as pedras estragaram a sua roupa, mas apenas teve consciência dele quando ele beijou e chupou avidamente um dos seus mamilos.Exclamações de prazer saíram da sua garganta. Chandos grunhiu e apoiou o peso do seu corpo entre as pernas dela, abraçando-a para a ter junto a si. O seu abdómen pressionou entre as pernas de Courtney, que se sentiu invadida por ondas de prazer.Courtney fez amor selvagemmente. Mordeu, arranhou e abraçou com violência. Despojou-a da sua saia pondo-a debaixo do corpo de Courtney. Nem por isso teve um leito muito mole, mas não se importou. O olhar excitado de Chandos encontrou-se com o seu enquanto, de joelhos entre as pernas de Courtney, ele desapertou o cinto. Até na obscuridade, o seu olhar fazia-a conter o fôlego. Quando ele terminou de se despir, ela atraiu-o novamente para o seu corpo.A penetração foi imediata. Um grunhido ávido acompanhou os seus movimentos bruscos e encontrou eco no suspiro de Courtney. Ela ofegava cada vez que ele a penetrava; a sua paixão era tão fervorosa como a de Chandos. o êxtase de Courtney prolongou-se quando ele se fundiu profundamente nela, até inundá-la com a sua enxurrada quente.Courtney gemeu debaixo do corpo de Chandos: o peso começava a magoá-la, mas não queria mover-se. o coração batia-lhe violentamente e a sua respiração ainda não se tinha normalizado. À sua mente acudiram diversos pensamentos e, de repente, compreendeu como acabava de reagir; quase tão selvagemmente como Chandos.Ele moveu-se. Beijou-a no pescoço suavemente e levantou-se. Depois olhou para ela.- Gritaste.- Gritei?Estava assombrada perante a sua própria serenidade.Ele sorriu e beijou-a; os seus lábios deslizaram-se suavemente sobre os dela.Courtney suspirou.- Agora és terno.- Tu não querias ternura, gatita - disse ele; a verdade fê-la ruborizar-se. - Mas deseja-la agora, não é?Ela estava demasiado envergonhada para responder. Ele estendeu-se a seu lado e abraçou-a. os peitos de Courtney fundiram-se no seu corpo. Soprou uma suave brisa e ela estremeceu.- Tens frio?- Um pouco... Não, não te levantes.Ela apoiou o seu braço sobre o corpo de Chandos. Um gesto muito fraco para reter um homem

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como ele, mas efetivo. Ele rodeou-a protectoramente com os seus braços.- Chandos.- Sim, olhos de gato.Houve um silêncio. Courtney tentava pôr em ordem as suas ideias.- Não podias chamar-me Courtney? - Disse finalmente.- Não era isso que pensavas dizer-me.- Não; não era. Achas que já estará morto?O seu tom era hesitante e infantil.- Sim - mentiu ele.Courtney acariciou o pêlo do peito de Chandos. Fez-se outro prolongado silêncio, durante o qual Courtney pensou se seria conveniente ou não perguntar a Chandos se tinha sido necessário fazer morrer Menino Bonito dessa maneira tão cruel. Mas essa ideia não a impedia de sentir o prazer primitivo de saber que o seu homem a tinha vingado.- Chandos.- Sim?- Foste mesmo resgatar-me?- Esperavas que reunisse um pelotão neste sítio? - Perguntou ele secamente.- Não, não, claro que não. Mas o teu amigo Lobo Rampante estava perto. Não pensei que pudesses encontrar-me sem ajuda.Os músculos do peito de Chandos ficaram tensos e ela compreendeu que tinha posto em duvida a sua honra. No entanto, ele tinha-a demonstrado heroicamente.- De modo que pensaste que não te podia proteger? Foi por isso que não gritaste, pedindo-me ajuda esta manhã, quando te raptaram?Courtney grunhiu.- Desculpa, mas o teu estado de saúde não era óptimo esta manhã - disse ela, defendendo-se. – Tive medo que te matassem.- Assombrar-te-ias se soubesses o que pode fazer um homem quando tem um motivo para lutar. Não te disse à noite?- Qual é o teu motivo, Chandos? - Perguntou ela, desafiante.Era uma pergunta ousada, e ela sabia.- Pagas-me para te proteger. Ou já te esqueceste?A decepção subiu à garganta de Courtney. Ela pagava-lhe. Era essa a única razão? Tentou levantar-se, mas ele reteve-a a seu lado.- Não voltes a subestimar-me, olhos de gato.Acariciou a face e a testa de Courtney. Apertou o rosto dela contra o seu peito. A sua voz era terna e decepção dissipou-se um pouco.Pelo menos, ele não queria que ela se levantasse. Mas ela esperava mais... muito mais. Queria que a amasse.- Não te aborreças comigo, Chandos. Encontraste-me. Nunca duvidei que o farias.Depois de uns segundos, ela perguntou:- Recuperaste da mordedura da serpente?- E perguntas-me agora?Ela pressionou o peito dele com o seu rosto, perguntando-se se ele perceberia o calor da sua face.

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- Quero dizer... já não te dói?- Ainda me dói muito.Mas, apesar da dor, tinha cavalgado para a salvar. Ela sorriu, sem se dar conta que ele podia perceber o seu sorriso sobre a sua pele. Ela acariciou os mamilos de Chandos.- Chandos?- O que foi agora?- Que acontecerá se ficar grávida?Ele suspirou profundamente.- Estás?- Não sei. É muito cedo para saber. - Ela hesitou. - Mas o que acontecerá se estiver?- Sei não estás, não estás. - Fez uma larga pausa antes de dizer: - Se estás, estás.Uma resposta completamente insatisfatória.- Casarias comigo se estivesse?- Poderias viver como eu vivo? Sempre viajando, sem me estabelecer num sitio durante mais de uns dias.- Desse modo não se pode formar uma família - disse ela, irritada.- Não - disse ele resolutamente.Depois afastou-a para um lado e pôs-se em pé. Contemplou-o enquanto ele se vestia. Depois a raiva e a desilusão apresaram-na. Chandos mandou a sua manta ao chão e ela permaneceu um longo tempo a contemplá-lo. Chandos podia ser muito frio e insensível quando se propunha.

CAPÍTULO 30

Mesmo cavalgando uma média de quarenta a cinquenta quilómetros diários, Courtney tinha conseguido evitar as deploráveis bolhas prognosticadas por Mattie. Mas pensou que iniludivelmente lhe apareceriam algumas. Chandos cavalgou durante muito tempo e com rapidez para compensar o tempo que tinham perdido, e Courtney perguntou-se se não estaria a fazer de propósito. Parecia fazer tudo quanto fosse possível para que se sentisse incómoda; atuou assim desde que se levantaram pela manhã. Obrigou-a a levantar-se e montar atrás dele, o que era muito incómodo.Chegaram ao acampamento com as últimas luzes da tarde e encontraram os outros cavalos bem tratados. Além disso, havia um fogo aceso, que não podia ter durado desde o dia anterior. Chandos emitiu um agudo assobio, e dez minutos depois apareceu um índio.Lobo Rampante não era muito alto. Na realidade os comanches não se destacavam pela sua estatura, mas sim pela sua habilidade para montar a cavalo. Vestia uma velha camisa do exército e usava um cinto para carabina apoiado sobre a sua anca. O seu calçado era de cano alto até metade das suas pernas; o resto das pernas estavam nuas, excepto por uma larga tanga que chegava até aos seus joelhos. Os seus cabelos eram negros, brilhantes e usava-os compridos e soltos; os olhos eram muito negros e o seu rosto era largo. A sua pele era de cor cobre. Era jovem e magro, mas os seus ombros eram largos. Nos braços, como se se tratasse de uma criança, levava uma arma. Courtney, que tinha deixado de respirar quando o índio entrou no acampamento, viu que os dois homens se saudavam e se punham em cócoras junto ao fogo para conversar. Naturalmente, falavam em língua comanche.Ignoraram por completo Courtney. Como não podia começar a cozinhar, pois estavam junto ao

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fogo, reviu o seu equipamento para ver se não lhe faltava nada. Efetivamente, nada faltava.Em pouco tempo Lobo Rampante foi-se embora, não sem antes olhá-la prolongada e intensamente, como quando chegara. Mas se antes o seu olhar tinha expressado certo receio, agora parecia mais tranquilo, e ela teria podido jurar que lhe sorria.Disse-lhe algo, mas não quis que Chandos o traduzisse. Quando se foi, Chandos voltou a agachar-se junto ao fogo, mastigando uma folha de erva e contemplando o lugar entre as árvores por onde o seu amigo tinha desaparecido.Courtney imaginou que não ia repetir o que Lobo Rampante tinha dito, de modo que foi à procura de provisões para preparar o jantar.Regressou com os feijões, a carne seca e os biscoitos de sempre. Chandos olhou-a com atenção.- Quero que queimes essa blusa - disse, surpreendendo-a.Courtney não o levou a sério.- Queres biscoitos?- Queima-a, olhos de gato.Ele contemplou o profundo V que terminava num nó atado perto da cintura. Por baixo, via-se a sua sais rasgada; Courtney tinha-a vestido de trás para a frente, para que não se visse o rasgão que tinha.- O teu amigo disse algo acerca da minha blusa?- Não mudes de assunto.- Não estou a mudar. Mas, se te faz feliz, mudarei de blusa.- Fá-lo. Depois trá-la e...- Não a trarei. – O que se passava com Chandos? - Esta blusa pode ser cosida. Arranjei a anterior... -Fez uma pausa e os seus olhos entre cerraram-se. - Ah, compreendo. Quando tu rasgas a minha blusa, não há problema; mas desta vez fê-lo outro e por isso queres que a queime. É isso, não?Ele olhou-a muito serio, e a raiva dela transformou-se em ternura. Fosse zelo, sentido de possessão ou algo parecido, o certo é que indicava que sentia algo por ela. Decidiu fazer o que lhe pedia. Agarrou uma blusa de cor de rosa intensa e foi mudar-se atrás de uma árvore. Poucos minutos depois, regressou, e deixou cair a blusa de seda branca no fogo. Era de uma seda delicada e fina. Em poucos segundos desapareceu, consumida pelas chamas.as cinzas flutuaram no ar e foram varridas pelas brisa.Chandos continuava a olhar fixamente o fogo, com tristeza.- O que me disse o teu amigo? - Perguntou Courtney finalmente.- Não falava contigo.- Mas olhava para mim.- Falava de ti.- E…?Chandos ficou em silêncio. Só se ouvia o crepitar do fogo.- Louvou a tua coragem - respondeu por último.Courtney olhou-o, assombrada, mas Chandos ignorou a sua expressão. Pôs-se em pé e saiu do acampamento, dirigindo-se para o rio. Ela suspirou, perguntando-se se ele teria dito a verdade.Não era exactamente assim. Não queria dizer que Lobo Rampante tinha dito textualmente: «a tua mulher tem mais coragem agora. é bom, no caso de decidires ficar com ela.»Chandos sabia que ela era agora mais valente, mas isso não mudava a situação. Ainda queria e

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merecia coisas que Chandos nunca lhe poderia dar, de modo que não podia ficar com ela. No entanto, quando Lobo Rampante falou dela como «sua mulher», tinha gostado. Maldita mulher com olhos de gato!Quis que a viagem se tivesse concluído ou que nunca tivesse começado. Seria infernal repartir duas semanas mais com ela. a única coisa positiva era que ela lhe tinha dado um motivo para não lhe voltar a tocar: a possibilidade de uma gravidez. Naturalmente, isso não significava que não continuasse a desejá-la...Ele tinha medo. Quando a possuía, sentia um medo que não havia sentido em muitos anos. Era um sentimento a que tinha sido imune durante os últimos quatro anos. amar alguém para sentir o medo de a perder. Chandos passou uma noite intranquila, acossado por diversas frustrações.

CAPITULO 31

Quando estavam a dois dias de viagem de Paris, Texas, Courtney torceu um tornozelo. Foi um acidente estúpido. Pisou uma grande rocha, apoiando-se só com a ponta, e o resto do seu pé torceu-se. Se não tivesse as botas calçadas, podia ter sido pior.O seu pé inchou com tanta rapidez, que fez um grande esforço para tirar a bota. E, uma vez a bota tirada, já não a pôde voltar a calçar. A dor não era muito intensa, sempre que não movesse o pé. Mas não podia considerar a possibilidade de descansar e demorar a viagem. Mesmo quando Chandos o tinha sugerido, ela não aceitou.Quando ela se lastimou, a atitude de Chandos mudou. A sua indiferença diminuiu. Tornou-se solícito, e ela teve a impressão de que ele agradecia a oportunidade de retribuir a atenção que ela lhe tinha brindado quando lhe mordeu a serpente.O homem era tão exasperantemente independente, que era provável que estivesse incomodado por ter recebido ajuda dela. Essa dúvida foi rapidamente cancelada, pois ele ocupou-se de todas as suas necessidades; preparou a comida e tratou dos quatro cavalos. Improvisou uma muleta com um cabo comprido, ajudava-a a montar e a apear-se do cavalo, e diminuiu a marcha, alargando em definitivo a viagem. Já no Texas, entraram numa povoação e dirigiram-se a um restaurante chamado Mama´s Place. Courtney estava ansiosa por comer um prato que não contivesse feijões e entrou muito comprazida, apesar do seu aspecto poeirento. O grande salão luminoso continha uma dezena de mesas cobertas com toalhas quadradas. Só uma delas estava ocupada, já que era meia tarde. a parelha de idade média ali sentada olhou-os e a mulher alarmou-se ao ver Chandos. Sujo e andrajoso pela viagem, era a imagem do pistoleiro de calças negras e camisa cinzenta escura, aberta até metade do peito, e um lenço negro atado ao redor do pescoço.Chandos olhou fugazmente o par e depois ignorou-os. Acompanhou Courtney até uma mesa, anunciou-lhe que voltaria de seguida, e desapareceu rumo à cozinha. Courtney foi submetida a um minucioso exame por parte do par e não conseguiu evitar o incómodo que sentiu ao saber-se desalinhada e suja. Um minuto depois, abriu-se a porta de entrada do restaurante e entraram dois homens que tinham visto os desconhecidos cavalgando pela rua e desejavam estudá-los mais de perto. O nervosismo de Courtney foi aumentando. Sempre tinha odiado ser o centro da atenção, mas era impossível não ser na companhia de Chandos. Ele despertava uma grande curiosidade. Nesse momento, ao imaginar o que pensariam dela essas pessoas, veio-lhe à mente a opinião que o seu pai teria dela. Acaso não se tinha casado com a sua ama para evitar

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comentários? Courtney viajava sozinha com Chandos. O seu pai pensaria o pior... e o pior era verdade. Quando Chandos regressou, notou de imediato o rubor e a rigidez de Courtney. Tinha o olhar fixo na mesa. O que se passava? Os dois indivíduos que entraram depois deles, tê-la-iam incomodado? Olhou-os tão severamente, que no ato abandonaram o restaurante. Poucos minutos depois, o par também se foi...- Dentro de uns instantes trazem-nos a comida, olhos de gato - informou Chandos.A porta da cozinha abriu-se e uma mulher obesa encaminhou-se para eles.- Esta é a Mamã. Vai tratar de ti durante uns dias - anunciou Chandos, serenamente.Courtney olhou a corpulenta mexicana, que começou a falar em espanhol com Chandos. Era baixa e de aspecto cordial; os seus cabelos cinzentos estavam recolhidos, formando um coque. Usava uma blusa branca e uma saia de algodão de cores brilhantes, sobre a qual tinha um avental; calçava sandálias de couro.- Que queres dizer com isso? - Perguntou Courtney a Chandos. - Para onde vais tu?- Eu disse-te que tinha vários assuntos para tratar em Paris.- Estamos em Paris - disse ela, exasperada.Ele sentou-se à frente dela e fez um gesto a Mamã para que desaparecesse.Courtney contemplou a mulher que se afastava contornando as cadeiras e logo olhou para Chandos, aguardando uma explicação.- O que estás a tramar? - Perguntou ela, aborrecida. - Se achas que podes...- Acalma-te, mulher. – Inclinou-se e agarrou-lhe a mão. – Isto não é Paris. É Alameda. Pensei que, devido ao estado do teu tornozelo, poderias descansar uns dias enquanto eu trato dos meus negócios. Não te queria deixar sozinha, por isso te trouxe aqui.- Por que deverias deixar-me sozinha? O que tens que fazer em Paris?- Isso, menina, não te diz respeito.Que detestável lhe parecia quando adotava esse tom com ela.- Não vais regressar, pois não? Vais abandonar-me aqui, não é?- Sabes bem que não - disse ele. – Trouxe-te até aqui, não? Não te vou abandonar a poucos quilómetros do nosso lugar de destino.A frustração de Courtney não desapareceu. Não queria permanecer entre estranhos, e não queria que Chandos a abandonasse.- Pensei que ias levar-me contigo para Paris e que depois seguirias viagem.- Mudei de opinião.- Por causa do meu tornozelo?Ele teve a sensação de ter respondido já à sua pergunta.- Olha, só me vou ausentar por quatro dias. Far-te-á bem descansar durante esse tempo.- Mas, porquê aqui? Porque não em Paris?Ele Suspirou.- Não conheço ninguém em Paris. Passo com frequência por Alameda quando atravesso o território índio. Conheço a Mamã. Podes confiar nela para que te acomodes enquanto não estou contigo. Ficarás em boas mãos, olhos de gato. Não te deixaria se não fosse por…- Porquê, Chandos?- Maldição! - Explodiu ele. - Não me faças sentir...Interrompeu-se ao ver que Mamã se aproximava com uma grande travessa de comida.Chandos pôs-se em pé.

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- Agora vou embora, Mamã. Prepara-lhe um banho depois de comer e faz com que se deite.Antes de chegar à porta, voltou-se e regressou à mesa. Levantou Courtney da cadeira e abraçou-a. Depois beijou-a apaixonadamente deixando-a sem fôlego.- Voltarei, gatita - murmurou roucamente contra a sua boca. - Não arranhes ninguém durante a minha ausência.E depois foi-se embora. Mamã olhou fixamente para Courtney, enquanto ela continuava contemplando a porta que acabava de se fechar, tentando conter as suas lágrimas.Se agora estava tão desolada e ele só se ausentaria por quatro dias, como se sentiria quando a deixasse para sempre, em Waco?

CAPÍTULO 32

Courtney permanecia sentada à frente da janela do quarto, no primeiro piso do restaurante, olhando para a rua. Quando Mamã Álvarez a repreendeu por não ficar na cama, Courtney sorriu vagamente e negou-se a discutir. Mamã tinha boas intencões, e Courtney sabia que era parvoíce vigiar permanentemente; Chandos não teria chegado a Paris ainda, mas ela não se movia do seu lugar. Sentada, com o pé apoiado sobre uma banqueta fofa, observava as actividades da pequena povoação, só um pouco maior que Rockley. Pensou muito e ainda discutira consigo mesma, a verdade era inegável: amava Chandos. Amava-o com mais intensidade do que achou possível amar alguém.Não era só a atração que sentia por ele. Tampouco o fcto de que ele lhe der segurança. Isso era importante, mas além disso estava o desejo. Deus, como o desejava! Era também porque ele sabia ser meigo quando ela precisava de ternura e amá-la quando precisava de ser amada. E também influía a sua solitária independência, a sua atitude distante. Mas ainda que tivesse desejado faze-lo, Courtney não se podia enganar a si mesma. Sabia que não poderia ter Chandos, por muito que o amasse. Ele não queria uma relação permanente e tinha-o expressado com clareza. Devia ser realista. Ela não poderia casar-se com Chandos. Quando se lembrava do passado longínquo, recordava que sempre tinha posto em dúvida que pudesse encontrar um verdadeiro amor e que esse amor fosse correspondido. o fato de comprovar que tinha estado certa não a consolava.Ao segundo dia de estar ali, conheceu a filha de Mamã. Entrou no quarto de Courtney sem bater à porta e apresentou-se a si mesma. Foi um ódio mútuo à primeira vista, pois Courtney reconheceu o nome que Chandos tinha mencionado nos seus delírios, e Calida Álvarez sabia que Chandos tinha levado Courtney para ali. Calida era bonita, vibrante; tinha brilhantes cabelos negros e nos seus olhos pardos assomava a malícia. Era quatro anos mais velha do que Courtney, mas havia uma grande diferença entre ambas. Apaixonada por natureza, transbordava a confiança e a segurança que Courtney sempre tinha carecido.Essa foi a imagem que teve Courtney. Calida, por sua vez, viu em Courtney a sua primeira rival verdadeira; uma jovem dama, friamente formal, serena e controlada. E com um rosto apenas tostado pelo sol, que era belíssimo. Pele dourada, cabelos castanhos com reflexos de ouro, olhos rasgados como os de um gato, de uma cálida cor amarelada. Courtney era toda dourada e Calida queria arrancar-lhe os olhos. De facto, atacou-a verbalmente.- Espero que tenha uma boa razão para viajar com o meu Chandos.- Seu Chandos?

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- Sim; meu - afirmou Calida rotundamente.- Vive aqui, então?Calida não tinha esperado um contra ataque, e vacilou, mas logo se recuperou.- Vive aqui mais do que em algum outro sítio.- Isso não o converte em sua propriedade - murmurou Courtney. - Se me dissesse que é seu marido...Sorriu vagamente e deixou a insinuação suspensa no ar.- Eu recusei casar com ele. Se o quiser fazer, só tenho que estalar os dedos.E fê-lo, sonoramente.Courtney perdeu a paciência. Saberia Chandos quanto Calida Álvarez estava tão segura dele? Tinha ela motivos para essa segurança?- Está bem, menina Álvarez, mas até que não luza uma aliança matrimonial no seu dedo, as razões por que viajo com Chandos não lhe dizem respeito.- Dizem-me respeito, sim - gritou Calida.Courtney estava farta.- Não, não é assim - disse lentamente e em voz baixa, mas com fúria. – E se tem mais perguntas para formular, reserve-as para Chandos. Agora, saia.- Puta! - Espetou Calida. – Claro que falarei com ele. E assegurar-me-ei que ele a deixe aqui quando se for embora, mas não em casa da minha mãe.Quando a jovem saiu, Courtney fechou a porta com força e viu que lhe tremiam as mãos. Haveria algo de verdade na ameaça de Calida? Podia convencer Chandos para que a abandonasse nesse lugar. as dúvidas roeram Courtney. Calida conhecia Chandos há muito tempo. Conhecia-o intimamente. Courtney também, mas Chandos voltava para Calida com frequência. Além disso, lutava contra os seus sentimentos para com Courtney.Calida entrou resolutamente na taberna de Mário, onde trabalhava à noite. Vivia com a sua mãe, mas era independente e fazia o que lhe apetecia; trabalhava onde melhor lhe parecia e fazia ouvidos surdos às súplicas da sua mãe.Estava empregada na taberna porque ali havia movimento e acção. Ocasionalmente, geravam-se tiroteios e contendas, muitas delas por causa de Calida. A ela parecia-lhe emocionante e era feliz provocando rixas, opondo dois homens entre si, ou tirando o homem a outra mulher para desencadear um drama. Calida nunca se tinha visto frustrada, obtinha sempre tudo quanto se propunha, de uma maneira ou de outra.Nesse momento, estava furiosa. a «forasteira» não lhe tinha respondido satisfatoriamente às suas perguntas. Nem tampouco pareceu alterar-se quando soube que Chandos tinha outra mulher.Talvez não houvesse nada entre Chandos e a forasteira. Seria possível? Talvez o beijo que a sua mãe tinha visto não tivesse importância. Mas Calida intuía que havia algo entre Chandos e Courtney. Ele nunca viajava com uma mulher. Calida sabia que Chandos era um solitário. Era uma das coisas que lhe agradavam nele. Isso e aura perigosa que o envolvia.Sabia que Chandos era um pistoleiro, mas pensava que também era um foragido. Nunca lhe tinha perguntado, mas tinha a certeza que o era. Os foragidos atraíam intensamente Calída. A sua condição de perseguidos pela lei, o seu carácter imprevisível, a sua vida perigosa, fascinavam-na. Muitos deles passavam por Alameda, fugindo da justiça, para se esconderem em território índio. Conhecia muitos e tinha-se deitado com eles, mas Chandos era algo especial.

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Ele nunca lhe tinha dito que a amava. Nunca tentou enganá-la com palavras bonitas. Ela não podia defraudá-lo. Se ele a desejava, ela devia aceder ao seu desejo. Se tentava resistir ou provocar a sua inveja, ele afastava-se.A sua indiferença intrigava-a. Ela estava sempre disponível para ele quando chegava à povoação, mesmo que nesse momento estivesse deitada com outro homem. E Chandos sempre a procurava. Além disso alojava-se em casa da sua mãe, o que era muito conveniente.Chandos não gostava de hotéis, e a primeira vez que foi a Alameda, convenceu Mamã para que lhe alugasse um quarto. Mamã gostava de Chandos. Não gostava dos outros homens com quem a sua filha costumava falar. E na casa havia quartos vazios, pois os irmãos de Calida já eram homens e tinham-se afastado de casa. Mamã sabia o que Calida e Chandos faziam à noite. Calida levava outros homens para o seu quarto, incluindo Mário, mas a sua mãe já tinha desistido de a corrigir. A sua filha fazia o que queria e sempre o faria.E agora, o homem que ela considerava exclusivamente seu tinha acompanhado outra mulher à povoação e tinha pedido à sua mãe que tratasse dela. Que atrevimento!- Porque te brilham os olhos, pequena?- Essa... essa... – interrompeu-se, olhando pensativamente para Mário. Sorriu. - Nada importante. Serve-me um whisky antes que comece a atender os clientes; sem água.Observou-o enquanto ele lhe servia a bebida. Mário, seu primo afastado, tinha chegado a Alameda com a família de Calida, há nove anos atrás. A família tinha-se visto obrigada a abandonar povoações atrás de povoações, naquelas em que não toleravam que os mexicanos tivessem comércios. Alameda, situada mais a Norte, era tolerante com eles porque nunca tinha havido mexicanos ali. Todos adoravam a comida da Mamã e ninguém se opôs quando Mário abriu uma taberna à frente do restaurante da Mamã. A taberna foi um êxito porque as bebidas de Mário eram boas e mais baratas que as do seus competidores.Quando Calida estava de bom humor, Mário fazia amor. Teria casado com ela sem hesitar um instante, tal como o teriam feito outros homens, mas Calida não queria um marido. E menos ainda Mário. Era bonito, tinha olhos castanhos aveludados e um bigode muito fino que lhe dava o aspecto de um nobre espanhol. Além disso, era muito forte. Mas, era um cobarde. Mário nunca lutaria por ela.Calida dirigiu-lhe outro sorriso e Mário entregou-lhe o copo de whisky. Calida tinha uma ideia que prometia muitas possibilidades.- A Mamã tem uma hóspede, uma bonita forasteira - disse Calida, ao passar. - Mas a Mamã não sabe que é uma puta.- e tu como sabes?- Disse-me que pensa permanecer em casa até que o seu pé melhore. Depois para a casa de Bertha.As suas palavras despertaram a curiosidade de Mário. Continuava a ir ao bordel de Bertha, mesmo que poucas jovens de lá o aceitassem. Uma prostituta nova seria muito ambicionada em casa de Bertha, especialmente se fosse bonita. Mas Mário pensou que, ele seria o último a deitar-se com ela.- Vais dizer à tua mãe? - perguntou ele.Calida encolheu os ombros.- Não vejo porquê. Foi muito cordial, muito conversadora e, na realidade... tenho pena dela. Não posso imaginar o que deve ser desejar um homem e não ter um disponível. Mas a pobre

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está nessa situação.- Ela disse-te isso?Calida assentiu e inclinou-se sobre o balcão para sussurrar.- Até me perguntou se conhecia alguém que pudesse estar interessado. Tu estás? - Ele franziu o rosto e ela riu. - Vamos, Mário. Eu sei que a terás. Não me importa, querido, porque sei que não significará nada para ti. Mas, pensas esperar para que esteja farta? Não gostavas de a possuir agora que está desesperada por um homem?Convenceu-o. Conhecia esse olhar. Mário entusiasmou-se com a ideia de ser o primeiro homem da povoação que possuiria a nova mulher.- E a tua mãe? - Perguntou ele.- Espera até amanhã à noite. A Mamã foi convidada para a festa de aniversário da Anne Harwell e pensa sair assim que saia o último cliente do restaurante. Naturalmente, não regressará muito tarde. Mas, se não fizeres barulho, tenho a certeza que a forasteira quererá que permaneças com ela toda a noite e podes sair pela manhã, quando Mamã estiver na missa.- Dizes-lhe para me esperar?Calida sorriu.- Deves surpreendê-la. Não quero que pense que me deve um favor. Só tens de te assegurar para que não grite antes de lhe dizer por que estás ali.Calida pensou que, se tudo resultasse bem, Chandos regressaria a tempo para os surpreender. Haveria um escândalo, e Calida desejou poder estar lá para o presenciar. Pensar nele alegrava-a.

CAPÍTULO 33

Um feixe de luz amarela acendeu-se a movimentada rua de terra que estava por trás da pequena casa. Era sábado. Tinham dito a Chandos que nessa rua viviam sobretudo jovens que trabalhavam em locais nocturnos. Uma delas era a mulher de Wade Smith. Chamava-se Loretta.Chandos tinha perdido muito tempo a tentar encontrá-la, porque ali, em Paris, Smith usava uma alcunha. Além disso, levava uma vida muito tranquila porque a justiça procurava-o. Ninguém o conhecia pelo nome de Wade Smith e só algumas pessoas o conheciam como Will Green.Talvez este Will Green não fosse ele, e Chandos sabia-o. Mas talvez fosse. Chandos não queria correr riscos. Permaneceu de pé entre as sombras da rua e contemplou a casa durante um tempo antes de se aproximar. Levava a mão sobre o seu revólver, colado ao seu corpo. O coração batia-lhe apressadamente. Era o momento que tanto tinha esperado. Estava a ponto de se enfrentar com o assassino da sua irmã.Cautelosamente, aproximou-se da porta e tentou abri-la. Não estava fechada à chave. Aguardou, com o seu ouvido colado à porta e não ouviu som algum. Só ouvia o bater do seu coração; nada mais.Voltou a apoiar a sua mão sobre a fechadura e, rapidamente, empurrou a porta. Toda a parede estremeceu. Vários pratos caíram das prateleiras e uma taça rodou pelo chão de terra. Na cama, uma cabeça ruiva voltou-se e olhou para a pistola de Chandos.Os seus peitos, apenas insinuados debaixo do lençol, eram pequenos, ainda não formados totalmente. Era uma menina de treze ou catorze anos. Ter-se-ia enganado na casa?- Loretta?- Sim?

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A menina encolheu-se, com medo. Chandos suspirou pesadamente. Não se tinha enganado. Devia lembrar-se que Smith gostava de jovenzinhas.Estava cheia de contusões. Tinha uma face inflamada e avermelhada. Do outro lado, um olho negro. Uma feia nódoa escura estendia-se desde a clavícula até ao ombro esquerdo e tinha uma fileira de pequenos hematomas na parte superior dos seus braços, como se a tivessem agarrado brutalmente. Não queria pensar como estaria o resto do seu corpo, escondido debaixo do lençol.- Onde está?- Que... quem?A sua voz era pateticamente jovem e estava aterrorizada. Chandos pensou como o veria a ele. Não se tinha barbeado desde que se despedira de Courtney e apontava-lhe um revólver. Embainhou-o.- Não te vou fazer mal. Procuro o Smith.Ela ficou rígida. O seu olho saudável brilhou de raiva.- Chega tarde, senhor. Denunciei-o. A última vez que me bateu foi realmente a última.- Está na prisão?Ela assentiu.- Está. Sabia que havia um comissário na povoação; de contrario não o teria denunciado. Não confio na prisão daqui. Pedi ao meu amigo Pepper que enviasse o comissário para me ver. Contei-lhe quem era Wade. Wade tinha-me falado da jovem que matou em San Antonio. Numa ocasião ameaçou-me; disse que me mataria como a ela. Acreditei.- O comissário levou-o? - perguntou Chandos, tentando não parecer impaciente.- Sim. Voltou com o xerife e apanhou Wade quando estava sem calças. O canalha ainda queria possui-me, neste estado. Acho que gosta mais quando estou assim.- quando foi isso?- Há três dias, senhor.Chandos grunhiu. Três malditos dias! Se não tivesse sido pela mordedura da serpente e pelos homens que capturaram Courtney, teria chegado a tempo para apanhar Smith.- Se o quer ver, senhor - Prosseguiu Loretta -, deve ir depressa. O comissário conhecia Wade e disse que em San Antonio havia tantas provas contra ele, que podiam enforcá-lo depois de um juízo sumário.Chandos não duvidava. Tinha estado em San Antonio depois da matança e soube de tudo o que aconteceu. Foi lá onde perdeu pela primeira vez o rasto de Wade Smith.- Muito obrigado, menina.- Não sou uma menina - disse ela. - E não o pareço quando maquilho o rosto. Há um ano que trabalho nos salões de baile.- Devia haver uma lei que o proibisse.- Não me diga - replicou ela. - Um pistoleiro que dá sermões. É o cúmulo. - Ele não respondeu e voltou-se para sair. Ela chamou-o. - Eh, senhor. Não me disse porque procura o Wade.Chandos olhou para ela. A menina podia ter passado muito pior com Wade. Não sabia a sorte que tinha.- Procuro-o por assassinato, menina. A jovem de San Antonio não foi a única que matou.Viu o que a pele da moça se eriçava.- Acha que poderá escapar? Acha?

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- Não.- Acho que, quando sararem as minhas costelas, vou embora daqui. Disse-o mais para si mesma do que para Chandos.Chandos fechou a porta. Pensou procurar o comissário. Talvez o encontrasse, mas o homem não lhe entregaria Smith. Teria que lutar por isso, e não queria matar um homem que só cumpria com o seu dever. Nunca o tinha feito, e não estava disposto a começar agora.E além disso, havia Olhos de gato. Se não regressasse a Alameda antes que se cumprissem os quatro dias, ela pensaria que lhe tinha mentido. Até, talvez tentasse ir para Waco sozinha.Não tinha alternativa: mas não lhe agradava nada. Quando demónios se tinha convertido ela numa prioridade?Frustrado, Chandos dirigiu-se para a cavalariça. Não renunciaria a apanhar Smith. Não era a primeira vez que se escapava. Primeiro, levaria Courtney até Waco e depois seguiria viagem para San Antonio. Não estava disposto a entregar Smith à forca. o canalha pertencia-lhe.

CAPÍTULO 34

Courtney passou a tarde de sábado escrevendo uma carta a Mattie. Há três semanas que tinha partido de Rockley; no entanto, tinha a impressão de que tinham decorrido meses.Queria que a sua amiga soubesse que não lamentava a sua decisão de viajar para Waco. Mamã Alvarez tinha assegurado a Courtney que muitas pessoas passavam por Alameda a caminho do Kansas e que seguramente poderia encontrar alguém que levasse a carta de Courtney.De modo que escreveu uma longa carta, detalhando vivamente as suas aventuras, mas absteve-se de dizer que se tinha apaixonado pelo seu acompanhante. Concluiu a carta expressando novamente as suas esperanças de encontrar o seu pai. Segundo a Mamã Álvarez, Waco encontrava-se a uma semana de viagem. Muito em breve, Courtney comprovaria se a sua intuição tinha sido certeira ou se só corria atrás de uma quimera. Não se atrevia a pensar nesta última, pois se não encontrasse o seu pai, ficaria desamparada em Waco, sozinha e sem dinheiro, porque devia a Chandos tudo quanto lhe restava. Se fosse assim, não tinha a menor ideia do que faria.O dia correu tranquilamente e já não esperava junto à janela o regresso de Chandos. Tinha querido descer ao restaurante para comer, mas Mamã tinha-se negado rotundamente, recordando-lhe que Chandos lhe tinha dado instruções para permanecer na cama, a descansar. O seu tornozelo estava melhor. Até podia apoiar um pouco esse pé e suprimir o uso da muleta. Mas não insistiu. As intenções de Mamã Álvarez eram boas. Contrariamente à sua filha, era muito amável.Courtney tinha-lhe formulado várias perguntas e tinha sabido que Calida trabalhava à noite numa taberna servindo bebidas; mas só isso, segundo Mamã Álvarez.Courtney percebeu que a mãe de Calida não aprovava o comportamento da sua filha. Mamã disse enfaticamente que Calida não precisava de trabalhar e que só o fazia porque gostava.- Teimosa. A minha menina é teimosa. Mas já é uma mulher. O que posso fazer?Courtney compreendia que trabalhasse para se sentir útil ou para ganhar dinheiro... mas porquê numa taberna e sem necessidade de o fazer?Courtney regozijou-se de que tivesse transcorrido um dia mais sem que essa jovem desagradável a incomodasse, e deixou de pensar nela.

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Nessa noite deitou-se cedo. Mamã tinha ido a uma festa e Calida estava a trabalhar, de modo que a casa estava tranquila. Mas na rua havia muita animação porque era sábado e nisso, Alameda não se diferenciava das outras povoações fronteiriças. Os homens saíam durante toda a noite, pois podiam dormir durante toda a manhã de domingo. A maioria deles não tinham esposas que os arrastassem para a igreja.Ela sorriu, recordando que, em Rockley, tinha visto muitas vezes alguns homens dormitar na igreja, alguns com os olhos vermelhos e vidrados, e outros erguiam a cabeça quando o padre alçava a voz durante o sermão. Provavelmente ocorria o mesmo em Alameda.Finalmente adormeceu. Em poucos minutos começou a sonhar. Não era um sonho agradável. Estava ferida; um grande peso esmagava o seu peito. Chorava e não podia respirar. E então Chandos consolava-a e afugentava os seus temores, como só ele podia fazer.Depois beijava-a e ela despertou lentamente, comprovando que realmente a estava a beijar. E sentiu efetivamente o peso do seu corpo sobre ela. Não se deteve a pensar porque não a tinha despertado: apenas se satisfez pelo fato de a desejar. Fazia-o tão esporadicamente...Ela rodeou-lhe o pescoço com os seus braços e atraiu-o para si. O bigode roçou o seu rosto. Courtney ficou rígida.- Você não é Chandos - exclamou, lutando para se desfazer dele.O horror tinha-a feito gritar e ele tapou a boca de Courtney com a sua mão. As suas ancas batiam contra as dela e ela percebeu o roçar do seu pénis contra o abdómen. Estava nu. Ao dar-se conta, Courtney gritou e ele voltou a afogar o seu grito com uma mão.- Shh... Deus. - Ela mordeu a mão do homem. Ele tirou-a da boca de Courtney. – O que se passa contigo, mulher? - Murmurou ele, exasperado.Courtney tentou falar, mas ele tinha voltado a pressionar os seus lábios com a mão.- Não, não sou Chandos - disse, irritado. - Para que o queres? É muito violento. Além disso, não está aqui. Tens-me a mim, de acordo?Ela sacudiu a cabeça tão violentamente, que esteve quase a safar-se da mão opressora.- Não gostas de mexicanos? - Perguntou com brusquidão.O tom colérico da sua voz imobilizou-a.- Calida disse-me que querias um homem - prosseguiu. - Disse que não eras exigente. Vim para te fazer um favor, não para te obrigar. Queres ver-me primeiro? É por isso que estás zangada?Alarmada, Courtney assentiu lentamente.- Não gritarás quando retirar a minha mão? - Perguntou ele e ela meneou a cabeça.Retirou a mão. Ela não gritou. Ele afastou-se da cama, contemplando-a detidamente. Ela não gritou e ele começou a tranquilizar-se.Courtney sabia que de nada lhe valeria gritar. a casa estava vazia e havia tanto ruído na rua que ninguém lhe prestaria atenção. Em vez disso, pôs a mão debaixo da almofada para agarrar o seu revólver. Tinha adquirido esse hábito durante a viagem e agradecia tê-lo feito, não porque pensasse disparar. Não pensou que seria necessário.Quando ele acendeu um fósforo e começou a procurar uma lamparina, Courtney cobriu-se com o lençol e apontou-lhe a arma. Ele viu o revólver e ficou imóvel. Nem sequer respirava.- Não deixe cair esse fósforo, senhor – advertiu-o Courtney. - Se se apagar, disparo.Courtney sentiu uma sensação de calor no sangue. Era a sensação embriagadora do poder que conferia una arma. Ela jamais dispararia, mas ele não o sabia. A sua mão manteve-se firme. Já não tinha medo; mas ele, sim.

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- Acenda a lamparina, mas não faça movimentos bruscos... lentamente; assim está bem - ordenou. - Agora, apague o fósforo... Bem - disse ela quando ele cumpriu com as suas instruções. - e agora, diga-me quem demónios é você.- Mário.- Mário? - Franziu o rosto pensativamente. - Onde ouvi esse...?Lembrou-se. Chandos tinha-o mencionado aquela noite nos seus pesadelos. O que tinha dito? Algo acerca de Calida indo para o leito de Mário.- É amigo de Calida? - Perguntou ela arrogante.- Somos primos.- Também primos? Que agradável.O seu tom pô-lo mais nervoso.- A minha roupa, menina. Posso vesti-la? Acho que cometi um erro.- Não; não cometeu, Mário; cometeu-o a sua prima. Sim, sim, vista-se. - Estava a começar a ruborizar-se. – Apresse-se.Assim o fez e ela contemplou-o: era um homem corpulento, ainda que não muito alto, mas robusto. Tinha um peito muito grande. Por isso se tinha sentido esmagada. Tê-la-ia partido em duas com as mãos. Sem dúvida, teria podido levar a cabo o que se propunha a fazer se tivesse desejado empregar a força. Graças a Deus, não era um mau homem.- Vou-me embora - disse ele. – Desde que mo permita, naturalmente.Era uma insinuação para que ela deixasse de lhe apontar a arma. Mas Courtney não o fez.- Espere um momento, Mário. O que lhe disse a Calida, exactamente?- Mentiras, suponho.- Sem dúvida, mas que mentiras?Decidiu ser sincero e terminar com o assunto.- Disse que você era uma prostituta, menina; que tinha vindo a Alameda para trabalhar em casa de Bertha.as faces de Courtney incendiaram-se.- A casa de Bertha é um bordel?- Sim. E muito bom.- Então, porque estou aqui, se a minha intenção é viver lá?- Calida disse que o seu pé estava magoado.- É verdade.- Disse que você permaneceria com a sua mãe só até que se recuperasse.- Certamente disse algo mais, Mário; o que foi?- Sim, há algo mais, mas temo que no lhe agradará.- De todos as maneiras, quero saber - disse Courtney, friamente.- Disse que você queria um homem, menina; que você... não podia esperar... até se mudar para a casa de Bertha. Disse que você lhe tinha pedido que lhe procurasse um homem, que estava desesperada.- Essa mentirosa... - disse Courtney, furibunda. - Disse mesmo «desesperada»?Ele assentiu olhando-a fixamente.a fúria estava pintada no rosto de Courtney; ainda apontava o seu revólver para o peito de Mário.Ela surpreendeu-o.

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- Pode ir. Não; não calce as botas. Leve-as na mão. - Quando ele chegou à porta, disse: - Se voltar a entrar no meu quarto, rebento-lhe os miolos.Ele não teve duvidas.

CAPÍTULO 35

Calida esperou durante toda a noite que Mário regressasse à taberna. Quando a taberna fechou as suas portas, esperou-o no seu quarto. Pelas quatro da madrugada, adormeceu.Courtney também esperou que Calida regressasse a sua casa, passeando pelo seu quarto, cada vez mais zangada. às dez da noite, ouviu a Mamã que regressava da festa, mas, a partir desse momento, o silêncio invadiu a casa. Finalmente, Courtney desistiu. Não estava disposta a ir à taberna para se enfrentar com Calida e não podia permanecer acordada toda a noite. Adormeceu. Apesar de ambas terem dormido mal, Calida e Courtney despertaram cedo no domingo pela manhã. Para Calida, era quase um milagre, pois costumava dormir até tarde. Mas estava ansiosa por conhecer os resultados do drama que ela tinha desencadeado. Mário não havia regressado, de modo que pensou que tinha conseguido seduzir a forasteira e que tinha passado a noite com ela. Sendo assim, começou a pensar como daria a noticia a Chandos. Sorrindo, saiu da taberna.Mário observava-a quando ela saiu. Amava essa puta, mas também a odiava. Tinha-o feito vítima da sua última jogada. Sabia o que estaria ela a pensar. Tinha-se recusado a regressar a sua casa, porque imaginou que ela o estaria a esperar ali para saber do sucedido; por isso foi para casa de Bertha e embriagou-se. Não havia dormido em toda a noite.Apenas podia manter abertos os olhos. Desde o amanhecer, tinha permanecido junto à janela em casa de Bertha, aguardando que Calida aparecesse. A casa de Bertha estava no extremo da povoação de modo que, dali, podia ver claramente a rua em toda a sua extensão.Há quinze minutos, tinha visto que se abria a janela do quarto da forasteira, na casa da sua prima; assim supôs que ela já estava acordada. e, cinco minutos antes tinha visto a Mamã que saía em direcção à igreja.Mário queria estar ali para presenciar a cena que se ia desenrolar, mas teria que se conformar com o saber que os planos de Calida não tinham tido êxito desta vez. Soubera como era a sensação de ser apontado com a arma de uma mulher encolerizada. Finalmente, deixou de vigiar pela janela e adormeceu junto à prostituta que roncava na cama, atrás dele.Courtney estava junto ao fogão da cozinha, servindo-se de uma taça de café que Mamã tinha preparado antes de sair. A sua raiva fervia como o café. Cada vez que pensava no que lhe podia ter acontecido na noite anterior, enfurecia-se mais.Quando Calida entrou na cozinha, encontrou-se com Courtney. Surpreendeu-se ao vê-la, e a surpresa reflectiu-se no seu olhar. Courtney estava sozinha.Calida aproximou-se lentamente, contornando as cadeiras. Sorriu ao ver o aspecto abatido de Courtney.- Como foi a noite, puta? - Perguntou rindo. - Mário ainda está aqui?- O Mário não ficou - disse Courtney, lenta e serenamente. – Teve medo que eu disparasse.O sorriso de Calida desvaneceu-se.- Mentirosa. Onde está? Sei que não foi para sua casa.- Talvez esteja na cama de outra mulher, já que não obteve o que veio procurar aqui.

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- Isso é o que tu dizes, mas duvido que Chandos acredite - disse Calida maldosamente.Courtney compreendeu. Tinha planeado tudo isso por Chandos. Devia ter adivinhado.Surpreendeu Calida com uma bofetada violenta, que fez saltar a taça que segurava na sua mão. Calida grunhiu e ambas começaram a atacar-se com arranhões. em poucos segundos, rodavam pelo chão. Calida era esperta em rixas: jogava sujo. Courtney, por sua vez, nunca tinha imaginado como podia ser uma contenda dessa espécie. Mas precisava de descarregar a sua fúria; jamais tinha estado tão enojada. Usada e injuriada só por despeito, lutou selvagemmente.Courtney conseguiu aplicar a Calida outras duas bofetadas; a segunda fez-lhe sangrar o nariz. Calida correu então para o armário da cozinha. Courtney inclinou-se e, quando conseguiu pôr-se de pé, Calida voltou-se com expressão triunfal e uma faca na mão.Courtney ficou imóvel. Um calafrio percorreu a sua pele.- Porque hesitas - disse Calida. - Querias ver o meu sangue; vem cá e toma.Courtney olhou a faca que ela brandia no ar. Pensou em retroceder, mas Calida cairia sobre ela. Daria rédea solta à sua crueldade e só tinha sofrido uma pequena ferida no nariz. Não era suficiente; Courtney queria ganhar a batalha para pôr a salvo a sua honra.Calida pensou que Courtney se rendia. Supôs que a tinha derrotado. Não imaginou que Courtney se lançaria sobre ela, agarrando-a pelo pulso para lhe tirar a faca.Calida surpreendeu-se. Não se atrevia a matar uma forasteira, ainda que Courtney tivesse sido a primeira a atacar. Enforcá-la-iam por ser mexicana. Mas a forasteira podia matá-la. O olhar de Courtney indicou-lhe que usaria a faca se a conseguisse agarrar. Calida atemorizou-se seriamente. A jovem estava louca.Courtney apertou o seu pulso com mais força e aproximou-se de Calida.- Solta-a.Separaram-se, desanimadas. Chandos estava no umbral e a sua expressão era feroz.- Disse para soltares essa maldita faca.A faca caiu ao chão e ambas as jovens se afastaram.Calida começou a alisar a sua roupa e a secar o sangue do seu rosto. Courtney agachou-se para recolher a taça de café que tinha deixado cair ao chão. Não conseguia olhar para Chandos. Estava mortificada porque a tinha surpreendido numa rixa.- Estou à espera - disse Chandos.Courtney olhou para Calida com fúria, mas Calida levantou a cabeça e olhou-a por sua vez com ferocidade. Sempre tinha conseguido mentir com êxito.- Esta forasteira que trouxeste atacou-me - disse Calida com veemência.- Foi assim, Courtney?Courtney olhou-o, pasmada.- Courtney? - Repetiu com incredulidade. - Agora chamas-me Courtney? Porquê? Porquê agora?Ele suspirou e deixou cair os seus alforges ao chão; depois caminhou lentamente para ela.- Por que estás tão alterada?- Está invejosa, querido - ronronou Calida.Courtney ofegou.- É mentira. Se vais mentir, cadela, terei que dizer a verdade.- Então diz-lhe como me puseste para fora do teu quarto quando nos conhecemos - disse Calida apressadamente. Depois prosseguiu: - Tratou-me muito mal, Chandos. Quando lhe perguntei porque estava aqui, gritou-me que não era assunto da minha incumbência.

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- Creio recordar que foste tu quem gritou – contradisse-a Courtney asperamente.- Eu? – Exclamou Calida, assombrada. - Fui dar-te as boas vindas e...- Cala-te, Calida - grunhiu Chandos, perdendo a paciência. Agarrou Courtney por ambos os braços, e aproximou-a dele. - Menina, será melhor que te expliques com rapidez. Cavalguei toda a noite para regressar. Estou mortalmente cansado e não quero extrair a verdade entre uma confusão de mentiras. Agora, diz-me o que aconteceu.Como um animal que se sente encurralado, Courtney atacou:- Queres saber o que aconteceu? Muito bem. À noite despertei e havia um homem na minha cama, tão nu como eu... a tua... a tua amante enviou-mo.Ele apertou os braços de Courtney com força. Mas a sua voz foi muito meiga.- Magoou-te?Atravessou a sua fúria. Ela sabia que ele estava perigosamente enfurecido e que essa seria a sua primeira pergunta.- Não.- Até onde...?- Chandos!Não tolerava a ideia de falar do tema à frente de Calida, mas Chandos estava a perder o controlo.- Devias estar muito adormecida para que te pudesse despir sem te acordar - disse. - Até onde...?- Por Deus - disse ela bruscamente. – Tirei a roupa antes de me deitar. Tinha fechado a janela por causa do barulho, de modo que havia calor no quarto. Estava a dormir quando ele se introduziu no meu quarto. Suponho que estava vestido e que tirou a roupa, antes de estender junto a mim.- Até onde...?- Só me beijou, Chandos - interrompeu ela. - Quando senti o seu bigode soube que não eras... – deteve-se e a sua voz converteu-se num sussurro antes de dizer: - tu.- E então? - Perguntou ele depois de um breve silêncio.- Naturalmente di... disse-lhe claramente o que pensava. Não o esperava. Levantou-se para acender a lamparina e quando se afastou de mim, agarrei o meu revólver. Estava tão atemorizado, que confessou a verdade.Ambos se voltaram e olharam para Calida.- Uma bonita historia, forasteira - disse Cálida -, mas Mário não voltou para casa à noite. Se não passou a noite contigo, para onde foi?Chandos afastou Courtney do seu lado e voltou-se para Calida, olhando-a duramente. Calida nunca o tinha visto assim. Pela primeira vez, percebeu que ele poderia não acreditar nas suas palavras. Apertou os punhos.- Mário? - Perguntou enfurecido. – Enviaste-lhe o Mário?Calida retrocedeu.- Enviá-lo? Não - negou de imediato. – Disse-lhe que ela estava aqui. Só sugeri que viesse conhecê-la, para levantar o seu ânimo, pois estava sozinha. Se a forasteira o meteu na sua cama, é assunto seu.- Cadela mentirosa! – Insultou-a Courtney, indignada.Chandos tampouco acreditava. Estendeu a sua mão e agarrou Calida pelo pescoço.

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- Deveria estrangular-te, cadela simuladora - disse com um grunhido. - A mulher que atacaste está debaixo da minha proteção. Pensei que este era o único lugar seguro para ela. Mas tiveste que lhe fazer uma suja jogada e agora devo matar um homem contra o qual nada tenho, só porque participou do teu malvado plano.Calida empalideceu.- Matá-lo? - Exclamou. - Porquê? Não fez nada. Ela disse que não lhe fez nada.Chandos empurrou para longe dele.- Entrou no seu quarto e assustou-a. Pôs-lhe as mãos em cima. É o suficiente.Encaminhou-se a porta e Courtney correu atrás dele, agarrando o seu braço para o deter. Estava atemorizada, zangada e emocionada ao mesmo tempo.- Chandos, às vezes levas o teu trabalho demasiado a sério; não é que não o aprecie. Mas, por Deus, se tivesse desejado vê-lo morto tinha-o matado eu mesma.- Não está na tua natureza, olhos de gato - murmurou ele, com um acento de humor.- Não estejas tão certo - replicou ela. - Mas não mates o Mário, Chandos. Não foi culpa sua. Ela mentiu-lhe, dizendo-lhe que eu estava aqui para trabalhar em casa de Bertha. - Courtney supôs que ele sabia quem era Bertha. - Disse-lhe que eu era uma... prostituta e que precisava de um homem, que estava... estava... desesperada – exclamou Courtney, enfurecendo-se novamente. Chandos reprimiu um gesto. - Não te atrevas a rir – exclamou ela.- Nem o pensaria.Ela olhou-o com desconfiança. Mas, pelo menos, já não tinha aquele olhar assassino.- Foi isso que ela lhe disse. De modo que ele veio para me fazer um favor.- Oh Deus! Tu vê-lo assim dessa maneira?- Não sejas sarcástico, Chandos. Podia ter sido pior. Podia ter-me obrigado, mesmo sabendo que eu não o desejava. Mas não o fez.- Está bem. - Chandos Suspirou. - Não o matarei. Mas, de todas maneiras, tenho que tratar de um assunto. Espera no teu quarto – ordenou Chandos. Ela vacilou e ficou tensa; ele acariciou suavemente a sua face. - Nada que te desgoste, olhos de gato. Agora, vai. Arranja-te ou dorme um pouco. Aparentemente, faz-te falta. Não me demoro.A sua voz acalmou-a e a sua carícia assegurou-lhe que não tinha porque se preocupar. Obedeceu e saiu da cozinha, deixando Chandos com Calida.

CAPÍTULO 36

Quando Courtney chegou ao seu quarto, começou a sentir as dores que lhe tinha provocado a rixa com Calida. O seu tornozelo doía-lhe mais que nunca. Caminhou com dificuldade até ao espelho ovalado que estava sobre a cómoda e grunhiu ao ver-se reflectida nele. Deus! Chandos tinha-a visto nesse estado.- Que atrocidade!Tinha os cabelos revoltos, manchas de café na saia, lágrimas sobre a sua blusa. Um rasgão da blusa pela a altura do ombro deixava ver os seus três arranhões inflamados, rodeados por sangue seco. Tinha umas gotas de sangue no pescoço e um arranhão junto a um olho.Sabia que depois apareceriam também alguns hematomas. Maldita Calida! Mas, pelo menos Chandos tinha acreditado nela e tinha comprovado que espécie de mulher era Calida. Courtney duvidava que voltasse a deitar-se com ela, o que agradeceu, sentindo uma certa satisfação.

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Decidiu tomar um banho e desceu ao andar de baixo. Chandos e Calida já não estavam ali. Limpou o café derramado no chão e aqueceu água para tomar banho.Mamã regressou a tempo para a ajudar. Courtney não falou sobre o sucedido; só disse que Chandos tinha regressado.Estava a vestir-se quando Chandos entrou, sem se incomodar em bater. Courtney não se importou, já que estava habituada a que ele invadisse a sua intimidade.O seu aspecto alarmou-a. Era parecido com o dela momentos antes e esfregava um dos lados do corpo.Ao ver a água na tina, animou-se.- Justamente o que preciso.- Não pensas ficar em silêncio - disse ela com firmeza.- Não há nada para dizer – disse; depois suspirou. – Não o matei. Mas tampouco podia ficar de braços cruzados. Calida saiu da cozinha depois de teres saído. De contrário, tinha-a estrangulado.- Mas, Chandos, Mário não fez nada.- Tocou-te.Ela estava pasmada. Era uma resposta absolutamente possessiva. Esteve quase a dizer-lhe, mas conteve-se.- Quem ganhou?- Podia dizer-se que empatámos - disse ele, sentando-se na cama com um gemido. - Mas creio que o filho da puta me partiu uma costela.Ela aproximou-se de imediato e tentou de abrir a sua camisa.- Deixa-me ver.Ele agarrou as mãos de Courtney antes que lhe pudesse tocar, e ela olhou-o, interrogante. O olhar de Chandos era muito significativo, mas ela não conseguia decifrá-lo por completo. Não sabia de que forma reagia ele cada vez que ela lhe tocava.Courtney deu um passo atrás.- Queria tomar um banho - disse, envergonhada. – Vou deixar-te sozinho.- Podes permanecer aqui. Confio em que te voltes de costas.- Não seria correto...- Fica.- Está bem.Courtney voltou-se e foi para a janela; agarrou uma cadeira e sentou-se com as costas rígidas e os dentes apertados, aguardando em silencio.- Como está o teu tornozelo? - Perguntou ele.- Melhor.Ele franziu o rosto.- Não faças má cara, olhos de gato. Não quero que fales com Calida, senão na minha presença.Ela viu como a roupa de Chandos caía ao chão, peça põe peça, e tentou concentrar-se desesperadamente na paisagem exterior.Quando as botas de Chandos caíram ao chão, ela estremeceu. Era muito bom que ele quisesse que ela permanecesse perto para a proteger, mas nesse momento, Courtney não lhe agradeceu. Por acaso ele não sabia que ela estava a imaginar todos os seus movimentos? Com que frequência o tinha visto com o peito nu? Ela conhecia muito bem o corpo de Chandos e nesse

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instante recordava nitidamente, como se o estivesse a ver. O seu pulso acelerou.Ouviu-se o ruído da água e o fôlego entre cortado dele. a água devia de estar fria, e ela imaginou que a pele de Chandos se tinha eriçado e imaginou-se a si mesma a esfregá-la.Courtney pôs-se de pé. Como se atrevia a submetê-la a isto? Teve a sensação de que se derretia interiormente. Ele tomava banho alegremente, sem pensar nas consequências. Que insensível.- Olhos de gato, deita-te e descansa.A sua voz era rouca e soava como uma carícia.- Trataste dos teus assuntos em Paris? - perguntou ela, debilmente.- Tenho que ir a San Antonio.- Antes ou depois de me deixares em Waco?- Depois - respondeu. - E tenho que me despachar de modo que viajaremos depressa. Podes?- Por acaso posso escolher?Courtney encolheu-se ao ouvir o ressentimento da sua própria voz. Mas não podia evitar. Estava segura de que ele simulava ter assuntos pendentes em San Antonio para se desfazer dela o mais depressa possível.- O que se passa, olhos de gato?- Nada - respondeu ela, friamente. – Vamos hoje?- Não. Preciso de descansar. E não creio que tu tenhas dormido bem esta noite.- Não.Fez-se um silêncio e depois ele disse:- Tens algo com que ligar esta costela?- Por exemplo?- Uma saia.- Não as minhas - replicou ela. - Só trago duas. Vou pedir...- Não importa - interrompeu ele. - Talvez não esteja partida; só dolorida.Por Deus, não podia afastar-se do quarto nem por um instante?- Ameaçaram-me, Chandos? Existe alguma razão determinada pela qual deva permanecer aqui contigo?- Supus que estavas habituada a estar ao meu lado, olhos de gato. Porque estás tão assustada?- Porque não é decente que esteja aqui enquanto tomas banho - explodiu ela.- Se é isso o que te incomoda, rendo-me.Courtney olhou ao seu redor. A tina estava vazia e Chandos estava sentado sobre a borda da cama. Tinha uma toalha à volta das suas ancas. Voltou a olhar para a janela.- Por Deus, veste a roupa.- Acho que deixei a minha roupa na cozinha.- Eu trouxe os teus alforges - disse ela secamente. - Estão ali, junto à cómoda.- Então alcança-mos, por favor. Creio que não me posso mexer.Ela teve a impressão que ele estava a brincar com ela, mas afastou a ideia. Franzindo o rosto, agarrou os alforges e depositou-os sobre a cama, desviando o olhar.- Se estás tão cansado - disse ela - usa a minha cama. Posso dormir noutro quarto.- Não - disse ele, e o seu tom era contundente. - Esta cama é suficientemente ampla para ambos.Ela inspirou profundamente.- Não tem piada.

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- Eu sei.- Por que fazes isto? - disse ela, olhando-o. - Se pensas que poderei dormir estando ao teu lado, estás louco.- Ainda não fiz amor contigo numa cama, pois não, olhos de gato?Chandos sorriu e ela conteve o fôlego. As suas faces coraram; agarrou-se ao poste da cama.Ele pôs-se em pé. A toalha caiu ao chão e ela supôs que falava a sério. Tinha o corpo suave e úmido e ela queria tanto enrolar-se nos seus...Mas não o fez. Queria fazer amor, mas não podia tolerar a indiferença dele depois; já não.- Vem cá, gatita. – Levantou o queixo de Courtney. - estiveste a protestar toda a manhã. Agora ronrona para mim.- Não o faças - murmurou ela, antes que os lábios dele se apoiassem sobre os seus.Chandos chegou-se para trás sem a soltar. Acariciou-lhe os lábios com os polegares e ela aproximou-se dele.Ele sorriu.- Lamento, gatita. Não quis que acontecesse. Tu sabes.- Então não faças isto – rogou ela.- Não posso evitar. Se tivesses aprendido a não demonstrar tão abertamente os teus sentimentos, não estarias nesta situação. Mas quando sei que me queres, fico louco.- Isso é injusto.- Achas que gosto de perder o controle desta maneira?- Chandos por favor…- Preciso de ti... mas não é só por isso. – aproximou-a para si e beijou a sua face. - Mário tocou-te. Tenho que apagar isso da tua memória... tenho de o fazer.Como podia ela resistir, depois disso? Talvez ele nunca o admitisse, mas essas palavras demonstravam quanto lhe importava.

CAPÍTULO 37

O céu noturno parecia um veludo negro, cravado de brilhantes. Ao longe, ouvia-se o mugido do gado e, mais longe ainda, o bramido de um lince. Era uma noite fresca e a brisa mexia as copas das árvores que coroavam a colina.Os cavalos subiram a costa e detiveram-se debaixo de uma árvore. Dezenas de luzes estendiam-se na planície. Courtney suspirou.- Que povoação é esta?- Não é uma povoação. É o rancho de Fletcher Straton. Ele faz tudo em grande.Courtney conhecia esse nome. Tinha-o lido no artigo do jornal em que aparecia a fotografia do seu pai. Fletcher Straton era um rancheiro cujos homens tinham apressado o ladrão de gado que foi entregue à justiça em Waco.- Por que nos detemos? - perguntou Courtney quando Chandos, apeando-se do seu cavalo, se aproximou do dela. - Não vamos acampar aqui, pois não? Waco está muito perto.- Faltam mais de seis quilómetros para chegar à povoação.Agarrou-a pela cintura para a ajudar a desmontar. Não o tinha feito desde que partiram de Alameda. Não havia estado tão perto dela desde Alameda.Quando os pés de Courtney tocaram o chão, ela tirou a suas mãos dos ombros de Chandos, mas

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ele continuou com as mãos na sua cintura.- Não poderíamos continuar até Waco? - perguntou ela.- Não estou a acampar, olhos de gato - disse ele ternamente. - estou a despedir-me.Aturdida, Courtney permaneceu imóvel.- Não... não me vais levar a Waco?- Nunca pensei faze-lo. Há lá pessoas às quais não quero ver. E também não te podia deixar sozinha em Waco. Tenho que me assegurar que estás com alguém em quem confio. No Bar M há uma moça minha amiga. É a melhor solução.- Vais deixar-me com outra das tuas amantes? – exclamou incrédula.- Maldição, não! Margaret Rowley é a empregada doméstica de Straton. É uma senhora inglesa, uma pessoa muito maternal.- Uma velhinha, suponho - disse ela com brusquidão.Ele ignorou o se tom e disse alegremente:- Seja como for, não a chames dessa maneira. Ofendeu-se quando eu o fiz, numa ocasião.Courtney estava muito angustiada. Realmente ele pensava em deixá-la. Ia sair da sua vida, sem mais. Ela tinha chegado a acreditar que significava algo para ele.- Não me olhes assim, olhos de gato.Chandos voltou-se. Aturdida, ela contemplou-o enquanto ele reunia alguns ramos para acender o fogo. as chamas iluminaram as suas características acentuadas.- Tenho que chegar a San Antonio antes que seja demasiado tarde - declarou ele energicamente. - Não tenho tempo de esperar para que te estabeleças na cidade.- Não é preciso que o faças. O meu pai é médico. Se lá estiver, não me será difícil encontrá-lo.- Se lá estiver. - As faíscas saltaram pelo ar. - Se lá não estiver, aqui pelo menos terás alguém que te ajude a pensar nos teus planos futuros. Margaret Rowley é uma boa mulher e conhece toda a gente em Waco. Saberá se o teu pai está lá, de modo que te saberás esta noite - disse para a tranquilizar.- Eu saberei? Não vais esperar até eu saber?- Não.Ela olhou-o desconfiada.- Nem sequer me vais levar até lá, pois não?- Não posso. No Bar M há pessoas que não quero ver. Mas vou esperar aqui até te ver entrar.Finalmente, Chandos olhou-a. A angústia invadiu-o. Nos olhos de Courtney havia dor, incredulidade e confusão. e estava a tentar conter as lágrimas.- Achas que quero deixar-te aqui? Jurei não regressar jamais a este sítio.Courtney voltou-se para enxugar as lágrimas que nasciam dos seus olhos, para seu pesar.- Porquê, Chandos? - disse com voz afogada. - Se este sitio não te agrada, porque me deixas aqui?Ele aproximou-se dela e pôs as mãos sobre os seus ombros. A proximidade de Chandos fê-la chorar ainda mais.- Não gosto das pessoas, olhos de gato, com excepção da idosa senhora. - A sua voz era mais serena. - Por alguma razão incompreensível, Margaret Rowley gosta de trabalhar no Bar M. Se conhecesse outra pessoa nas imediações, levar-te-ia até ela. Não te traria para aqui. Mas ela é a única em quem posso confiar sem me preocupar contigo.- Preocupares-te comigo? - Era demais. – Já fizeste o teu trabalho. Nunca mais me voltas a ver.

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Por que terias que te preocupar?Ele obrigou-a a voltar para que o olhasse nos olhos.- Não me faças isto, mulher.- A ti? E eu? E os meus sentimentos?- O que queres de mim? - disse ele, sacudindo-a.- Eu... eu...Não. Não o diria. Não lhe imploraria. Não lhe pediria que não a abandonasse, ainda que essa despedida a estivesse a destroçar. Também não lhe declararia que o amava. Se ele podia deixá-la tão facilmente, a ele não lhe importaria.- Não quero nada de ti - disse, afastando-se. – Deixa de me tratar como a uma menina. Precisei de ti para que me trouxesses até aqui; não para que me estabelecesses em nenhum lado. Posso fazê-lo por minha conta. Por Deus, não estou indefesa. E não gosto de ser entregue a estranhos e...- Já acabaste? - perguntou ele.- Não. Ainda temos que esclarecer quanto te devo - disse secamente. - Vou buscar.Tentou passar junto a ele, mas Chandos agarrou-a por um braço.- Não quero o teu maldito dinheiro.- Não sejas ridículo. Foi por isso que aceitaste...- O dinheiro não teve nada a ver com isto. Disse-te antes que não devias pressupor coisas a meu respeito, olhos de gato. Não me conheces. Não sabes nada de mim... pois não?Já não a atemorizava com essas atitudes.- Sei que não és tão mau como desejarias que eu acreditasse.- Não? – Agarrou o braço de Courtney com mais força. - Talvez te deva dizer porque vou a San Antonio.- Preferia não saber – deteve-o ela, incómoda.- Vou matar um homem - informou ele fria, amargamente. - Não será um ato legal. Vai ser julgado e considerado culpado e penso executá-lo. Só há um inconveniente: a justiça tem-no em seu poder e pensam enforcá-lo.- E o que tem isso de mal?- Deve morrer nas minhas mãos.- Mas se a justiça o tem... não pensarás arrebatá-lo à lei? - disse ela com voz entre cortada.Ele assentiu.- Ainda não pensei como libertá-lo. O importante é que chegue antes que o executem.- Estou certa que deves ter os teus motivos, Chandos, mas...- Não, maldição. - Ele não queria a sua compreensão. Queria que o recusasse para não tentar logo de voltar por ela. – O que é preciso para te abrir os olhos? Não sou como me imaginas.- Por que fazes isto, Chandos? - exclamou ela. - Não te basta abandonar-me, dizer-me que não te verei nunca mais? Queres que também te odeie? É isso?- Odeias-me - disse ele tristemente. - Só que ainda não o sabes.Um calafrio premonitório invadiu-a quando viu que ele tirava uma faca do seu cinto.- Vais matar-me? - perguntou incrédula.- Não pude fazê-lo há quatro anos, olhos de gato. O que te faz pensar que o podia fazer agora?- Então, o que... que queres dizer? Há quatro anos? - Ela olhou fixamente a folha da faca que se fundia no indicador da mão direita dele. – o que estás a fazer? - murmurou.

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- Se ainda me desejas, o vínculo não se partirá jamais. e deve ser partido.- Que vínculo?A ansiedade quebrou a voz de Courtney.- O que formámos há quatro anos.- Não compreendo... - a folha da faca introduziu-se então no indicador esquerdo.- Chandos.Ele deixou cair a faca. Courtney olhou-o assombrada. Ele levou as mãos ao rosto. Apoiou os seus dois dedos sobre o centro da cara e deslizou-os para fora, para as têmporas, deixando vestígios de sangue nas suas sobrancelhas. Uniu dois dedos na ponta do nariz e desceu pelas suas faces, até se unir ao queixo, deixando mais vestígios de sangue.Durante um instante, Courtney só viu os traços de sangue que dividiam o rosto de Chandos em quatro partes. Mas depois, reconheceu os olhos azuis, contrastando com a pele bronzeada.- Tu. Eras, tu. Oh, meu Deus!Não conseguiu suportar o velho temor que a invadiu, e correu loucamente. Ele alcançou-a a meio da colina. Ambos caíram ao chão. os braços de Chandos rodearam-na para a proteger do golpe e juntos rodaram até chegar ao fundo da colina.Quando se detiveram, Courtney tentou pôr-se em pé, mas ele impediu-a. o medo levou-a de novo à quinta de Elroy Brower.- Por que o fizeste? Porquê? – exclamou, aterrorizada. - Oh Deus! Tira o sangue do rosto. Esse não és tu.- Sou eu – contradisse-a ele implacavelmente. - Este é o que sou; o que sempre fui.- Não. - Ela sacudiu violentamente a cabeça, negando uma e outra vez. - Não, não!- olha para mim.- Não. Capturaste o meu pai. Tu capturaste o meu pai.- Não fiz isso. Fica quieta. – agarrou as mãos que lhe batiam e prendeu-as contra os cabelos dela, estendidos sobre os chão. - Só capturámos o rancheiro. Deixámos os outros, acreditando que estavam mortos.- O rancheiro - disse ela com voz rouca recordando. - Sei o que os índios fizeram com ele. Mattie ouviu falar disso numa ocasião e disse-me. Como pudeste participar nisso? Como permitiste que o mutilassem dessa forma?- Permitir? - Ele abanou a cabeça. - Oh, não; não te podes enganar a ti mesma até esse ponto. Eu capturei o rancheiro. Morreu nas minhas mãos.- Não! – gritou ela.Podia ter-lhe dito porquê, mas não o fez. Deixou que ela se esforçasse até se safar dele e deixou-a afastar-se até que desapareceu em direcção ao Bar M. viu-a ir e pôs-se em pé.Tinha feito o que se tinha proposto. Tinha matado qualquer sentimento que ela pudesse ter tido para com ele. Já nunca saberia se a vida que lhe podia oferecer era aceitável para ela. Tinha-a libertado. Se pudesse libertar-se dela com a mesma facilidade...Chandos limpou o sangue do seu rosto e encaminhou-se para o cimo da colina. Quando chegou, os cavalos moveram-se. Talvez o tivessem feito antes, quando se aproximou o vaqueiro, mas Chandos tinha estado muito pendente de Courtney para o ver. Estava tão distraído que só percebeu a presença do homem de cócoras em frente ao fogo quando estava a menos de um metro de distância. Nunca supôs que voltaria a ver esse indivíduo.- Tem calma, Kane - disse o homem quando a atitude de Chandos se tornou perigosa. - Não

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matarias um homem porque se demorou, pois não? Não pude ignorar o teu fogo.- Devias tê-lo feito, Dentes de Serra - disse Chandos com um tom de advertência na voz. - desta vez, devias tê-lo feito.- Mas não o fiz. E esqueces de quem te ensinou a usar esse revólver.- Não, mas pratiquei muito desde então.O homem mais velho sorriu, mostrando uma perfeita fileira de dentes que lhe tinham valido a alcunha. Costumava dizer que os seus dentes antes eram tão desiguais, que o impediam de comer bem e decidiu serrá-los.Era um homem magro, mas corpulento, de quase cinquenta anos e tinha algumas penas entre os seus cabelos castanhos. Era um mestre em questões de gado, cavalos e revólveres, nessa ordem. Era o capataz do Bar M e o amigo mais íntimo de Fletcher Straton.- Demónios, não mudaste, pois não? - gritou Dentes de Serra, ao ver que Chandos continuava tenso. - Quando vi o teu cavalo não pude crer. Nunca me esqueço de um cavalo.- Sugiro-te que esqueças que o viste e também que me viste a mim - disse Chandos, inclinando-se para recolher a faca que tinha deixado cair antes.- Também reconheci a tua voz. - O homem sorriu. - Não pude evitar de os ouvir, pois tu e essa mulher falavam aos gritos. Estranha maneira de a aterrorizar. Não podes satisfazer a curiosidade deste velho?- Não.- Já supunha.- Poderia matar-te e encontrar-me a muitos quilómetros daqui quando encontrassem o teu cadáver. É a única maneira de me assegurar que não dirás que me viste?- Se estás de passagem, que importa que o saibam?- Não quero que pense que pode usar a mulher para me apanhar.- Pode?-Não.- Respondeste com demasiada rapidez, Kane. Tens a certeza de ter dito a verdade?- Maldito sejas - grunhiu Chandos. - Não te quero matar.- Está bem, está bem. - Dentes de Serra levantou-se lentamente com as mãos estendidas e evidentemente vazias. - Se achas que é assim, suponho que posso esquecer que te vi.- E não te aproximes dessa mulher.- Bom, isso vai ser difícil, não achas? Sobretudo depois de ter visto como a abandonaste aqui.- Vai ficar com a Rowley, e não por muito tempo.- Fletcher vai querer saber quem é - disse olhando-o intencionalmente.- Não a vai relacionar comigo. Tu ficas em silêncio; é tudo.- Foi por isso que a assustaste? Para que não diga nada?- Não insistas - disse Chandos asperamente. - Sempre o fizeste comigo. E não pode dizer nada a Fletcher porque não sabe quem sou. Se mudares a situação, só arranjarás uma confusão desnecessária, pois não penso voltar aqui.- Para onde vais?- És um maldito curioso - foi a resposta de Chandos.- Foi uma pergunta amistosa - disse Dentes de Serra sorrindo.- Não acho. - Chandos passou junto dele e montou no seu cavalo. Agarrou as rédeas do cavalo de Trask e disse: - Estes outros dois cavalos são dela. Podes levá-los para casa ou deixá-los para

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que outra pessoa os venha buscar. Provavelmente, ela dirá que sofreu uma queda e um dos peões virá buscá-los; a menos que a alcances antes que chegue ao rancho. Mas se o fizeres, abstém-te de lha fazer perguntas, ouviste? Esta noite não está para interrogatórios.Quando Chandos se afastou, Dentes de Serra apagou o fogo.«Então não significava nada para ele, eh? - disse, sorrindo. - E pensa que alguém acredita?»

CAPÍTULO 38

As luzes brilhavam ao longe na escuridão da noite. Ainda se ouviam os mugidos de algumas vacas. Exteriormente, nada tinha mudado; em troca, mudava no interior de Courtney. Quanto dor lhe produzia comprovar que amava um selvagem... um índio selvagem.Nesses momentos, a palavra «índio» era sinónimo de vil e terror. Um carniceiro selvagem. Mas não, o seu Chandos não era assim. No entanto, era verdade.Quando ainda devia percorrer metade do caminho para chegar ao rancho, as lágrimas nublaram a sua visão e caiu de bruços, soluçando convulsivamente Não teve nenhum indício de que ele a seguira. Já não o teria os seus fortes braços para a consolar, nem a sua voz para a acalmar ou para lhe fazer compreender a situação. Meus Deus, porquê?Tentou recordar o dia em que se deu o ataque à quinta de Brower. Não lhe foi fácil. Tinha tentado com empenho esquecer tudo aquilo. Mas conseguiu reviver o terror que sentiu quando se abriu a tampa do poço. Achou que ia morrer e propôs-se a não implorara pela sua vida. E depois tinha visto o índio; não, Chandos. Tinha visto Chandos. Mas nesse dia ele era realmente um índio; tinha o cabelo comprido e entrançado, o rosto pintado, uma faca na mão. E a sua intenção tinha sido matá-la. Tinha retorcido os cabelos de Courtney com a sua mão e, ela tinha ficado presa do terror; depois tinha visto os seus olhos, que não eram os de um índio. Só tinha pensado que aqueles olhos não combinavam com o seu rosto ameaçador, que aqueles olhos não infundiam terror.Agora sabia porquê, quando o viu pela primeira vez em Rockley, conseguiu confiar-lhe a sua vida.Chandos tinha mencionado um vínculo. O que tinha querido dizer? Um vínculo? E por que tinha estado nesse dia com aqueles índios, atacando e matando?Courtney deixou de chorar à medida que ia recordando mais detalhes daquele dia. Berny Bixler tinha mencionado a Sarah a palavra vingança. Os índios queriam vingar-se porque tinham sofrido um ataque ao seu acampamento. Disse que John, o filho de Lars Handley, que tinha saído apressadamente de Rockley, afirmava que ele e um grupo de vaqueiros tinham eliminado todos os homens, mulheres e crianças de um bando de kiowas. Mas os índios mortos deviam de ser comanches e não kíowas. Deviam de ser amigos de Chandos. Recordou que Bixler disse que os índios não se deteriam até não apanhar todos os homens envolvidos na matança. Ela tinha imaginado que todos estavam mortos, a menos; que... Trask. Seria ele um daqueles? Chandos tinha-lhe dito que era culpado de violação e assassinato. E o homem de San Antonio? Também seria um deles? Quem podia ter Chandos perdido na matança para eliminar Elroy Brower da maneira como o fez?- São seus, menina?Surpreendida, Courtney mandou-se ao chão. O homem aproximou-se dela e ela viu a velha Nelly e o cavalo que nunca chegou a baptizar porque sabia que não o podia guardar para si.

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Chandos não tinha levado a égua ainda que pensasse que o faria.- Onde os... encontrou? - perguntou com hesitação.- Ele já se foi embora, se é isso que quer saber.- Você viu-o a ir?- Sim, menina, eu vi.Por que sentiu medo ao saber? Só porque Chandos lhe disse que não queria ver ninguém dali? Já não devia continuar a preocupar-se pelos problemas dele.- Suponho que não o conhece -disse ela.- Conheço.Courtney montou o seu cavalo, mais deprimida do que antes. Tinha acontecido justamente o que Chandos queria evitar. Se algo de mal acontecesse, ela seria a culpada.- Você trabalha no Bar M?- Sim, menina. Chamo-me Dentes de Serra; é a minha alcunha.- Eu sou olhos de - começou a dizer ela, e depois corrigiu-se -, Courtney Harte. Não é o meu desejo estar aqui. Teria preferido ir para Waco e alugar um quarto em... Há lá hotéis, não há?- Sim, menina, mas está a seis quilómetros e meio daqui.- Eu sei, eu sei - disse ela com impaciência. - Seria possível que me acompanhasse? Ficaria muito agradecida.O homem guardou silêncio. Não costumava ser antipático com as senhoras, era até capaz de mudar a sua rota para lhes ser útil. Mas esta... deixava muitas perguntas no ar. Era muito provável que Fletcher o matasse se soubesse quem tinha levado até ali a jovem e se soubesse que ele o tinha deixado escapar.- Olhe menina, - disse razoavelmente, - acabei de descer da montanha e ainda não descansei, e provavelmente você também não. Dadas as circunstancias, não é o momento oportuno para empreender viagem. e deve de ter algum motivo para vir ao Bar M, não?- Sim - respondeu Courtney, decepcionada. - Supostamente, tenho que me encontrar com Margaret Rowley, uma mulher que nem sequer conheço, só porque ele o disse. Por Deus, não sou uma menina. Não preciso de uma ama.O homem acendeu um fósforo e, durante um segundo, ambos se puderam ver. Dentes de Serra esteve quase a queimar os dedos. Sorriu.- Venha; vou levá-la até Maggie.- Maggie?- Margaret. Tem a sua própria casa na parte posterior da casa principal. E não se preocupe. Não é preciso conhecer a Maggie para a apreciar. Estou certo que ela vai gostar de você.- Você é muito amável, mas... bom, está bem. - Courtney empreendeu a marcha, sabendo que não tinha alternativa. Depois de uns instantes, disse – Seria muito pedir-lhe que não dissesse quem me trouxe até aqui, nem que você o viu?- Porquê?- Porquê? - Courtney reagiu. - Como posso saber porquê? Chandos não costuma dar explicações. Disse que não queria ver ninguém aqui; é tudo quanto sei.- Então ele diz chamar-se, Chandos?Ela olhou-o.- Achei que tinha dito que o conhecia.- Quando esteve aqui pela última vez, respondia a um nome indígena muito comprido e

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impossível de pronunciar ou recordar.- É muito próprio dele.- Há muito que o conhece? - perguntou ele.- Não... bom, sim se considerar... não, isso não... Não sou muito clara, pois não? Na realidade, há cerca de um mês que o conheço. Trouxe-me desde o Kansas.- Kansas - disse ele com num murmúrio. – Isso está muito longe daqui. - É verdade.- Tão longe para que se pudessem chegar a conhecer muito bem - disse ele com tom inconsequente.- Supõe-se que sim, não é verdade? - disse Courtney em voz baixa. - Mas esta noite descobri que não o conhecia.- Você sabe para onde é que ele vai, menina Harte?- Sim... – deteve-se, contemplando o homem que cavalgava junto a ela. Talvez Chandos fosse procurado pela justiça nesse lugar. - lamento, mas esqueci-me do nome da cidade que mencionou.A gargalhada do homem surpreendeu-a.- Aparentemente, ele é muito importante para si.- Não significa nada para mim - assegurou ela, desdenhosa, e ele voltou a rir.

CAPÍTULO 39

Antes de chegarem à entrada da casa, Courtney ouviu o som de uma guitarra. Depois viu a enorme casa iluminada no seu interior e na parte da frente. Ali havia um grupo de homens, sentados em cadeiras, varandas e até nos degraus que levavam à grande porta de entrada. Ouviam-se gargalhadas e troças, junto com a música. Era uma amável cena de camaradagem e oferecia uma boa impressão do Bar M. Obviamente, era um sítio agradável para viver.Mas Courtney sentiu um certo incómodo ao ver que só haviam homens naquela área; muitos homens. E, quando a viram, a música interrompeu-se numa nota discordante.Quando Dentes de Serra levou os cavalos até à casa, fez-se um grande silêncio. Não se ouviu nem um murmúrio.No meio do silêncio, a sua gargalhada incomodou Courtney.- Nunca viram uma senhora? Malditos... Perdoe-me, menina... Não se trata de uma aparição. Dru, levanta-te e vai dizer à Maggie que tem uma visita.Um homem jovem, de cabelos ondulados, pôs-se em pé e obedeceu sem deixar de olhar para Courtney.- Esta é a menina Harte - disse Dentes de Serra, dirigindo-se aos outros. - Não sei durante quanto tempo vai ficar aqui. Não sei se voltarão a vê-la, de modo que tirem os chapéus para a cumprimentar, agora que têm a oportunidade. - Alguns homens fizeram-no e os restantes continuaram a olhar para ela fixamente. - Nunca vi tantos imbecis juntos. Venha, menina - disse ele.Courtney sorriu levemente e foi atrás dele para um dos lados da casa. Ouviu um grande ruído de botas na zona de onde saiu e supôs que, se se voltasse, veria todos os vaqueiros inclinados sobre a varanda para a observar.- Você gostou, não é verdade? - disse ela a Dentes de Serra, que caminhava à frente dela.

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- diverte-me incomodar os rapazes. - Riu, encantado. - Mas não creio que as suas línguas se movam com tanta rapidez como os seus cérebros. Você é uma mulher muito bonita, menina. Durante um mês brincarão entre eles porque nenhum foi capaz de lhe dizer nada. - Chegaram à parte traseira da casa. - Chegámos. A qualquer momento aparecerá a Maggie.Dentes de Serra deteve-se em frente de uma casita que parecia pertencer à planície de Nova Inglaterra e não às planícies do Texas.Courtney ficou fascinada com a casa. Tinha uma cerca de estacas pontiagudas, um caminho bordeado de flores, persianas nas janelas e vasos com flores nos parapeitos. Pitoresca e bonita, estava fora de lugar atrás do enorme rancho texano. À frente tinha um relvado e, para a esquerda, via-se uma velha árvore. Ainda havia uma grade sobre o portal da entrada, coberto por uma vinha uma parreira.- Menina Harte?Courtney deixou de olhar para a casa e o homem ajudou-a a desmontar. Comprovou que não era muito alto, mas era robusto, mas os seus olhos cinza tinham um olhar bondoso.Uma porta fechou-se na parte posterior do rancho.- Deve ser a Maggie.Era. Caminhando apressadamente pelo terreno que separava as duas casas apareceu uma mulher pequena, envolta num xaile. A luz da casa grande permitiu a Courtney ver que a mulher tinha cabelos grisalhos, um corpo algo roliço e, quando se aproximou deles, um par de olhos verdes muito vivazes.- Quem é a minha visitante, Dentes de Serra?- Ela diz-te - respondeu ele. depois disse: - Quem a trouxe foi um amigo teu.- Sim? Quem?Courtney olhou para o homem e tranquilizou-se ao perceber que não ia dizer nada. Courtney respondeu:- Chandos. Pelo menos é assim que se faz chamar.Maggie repetiu o nome para si mesma, pensativamente, meneando a cabeça.- Não, não. Não me lembro desse nome. Mas são tantos os jovens que vão e vêm, e gosto de pensar que impressionei bem alguns. É agradável ser considerada uma amiga.- Mas Maggie - brincou Dentes de Serra -, qualquer pessoa diria que ninguém te quer no rancho.Courtney viu com prazer que a outra pessoa se ruborizava, que ela não era a única a quem isso sucedia. Maggie agradou-lhe de imediato. «Mas a dignidade - disse para si -, é a dignidade.»- Se não se lembra de Chandos, não posso impor a minha presença...- Palermices. e falo a sério, menina. Quando me falar dele e refrescar a minha memória, lembrar-me-ei. Nunca me esqueço de nenhuma pessoa, pois não, Dentes de Serra?- É verdade. - Ele riu-se. - Vou buscar o seu saco, menina - disse a Courtney.Courtney foi com ele para o sítio onde estavam os cavalos e sussurrou-lhe:- Posso falar dele? Não me disse... oh Deus!, não sei o que queria esconder aqui. Mas você sabe, não é verdade?- Sim, eu sei. E pode falar dele à Maggie. Ela sempre o defendeu.Essa afirmação despertou a curiosidade de Courtney e tentou continuar a falar, mas ele disse:- Vou acompanhá-la até onde estão os seus cavalos, menina. e espero... bom, espero que permaneça aqui durante algum tempo.Ela compreendeu o significado das suas palavras.

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- Chandos não vai regressar por minha causa.- Tem a certeza, menina?Levou os cavalos. Courtney ficou ali de pé, com a sua bolsa na mão, até que Maggie a foi buscar para a conduzir pelo caminho ladeado de flores até à casa.- Não parece muito feliz, pequena - observou Maggie amavelmente. - O homem que a trouxe até aqui, é importante para si?Courtney não pôde responder a verdade.- Foi o meu acompanhante. paguei-lhe para que me levasse a Waco, mas recusou o dinheiro. Também não me quis levar até lá. Em troca, trouxe-me para aqui, porque disse que você era uma amiga; que era a única pessoa em quem podia confiar neste lugar, e não queria que eu ficasse sozinha. Por Deus, parece uma brincadeira. Preocupava-se comigo e agora não entendo. - Aquele terrível nó na garganta voltava a aparecer. - Simplesmente me... me abandonou aqui. Senti-me tão...Desatou a chorar e, quando Maggie lhe ofereceu o seu ombro, Courtney apoiou-se nele. Era muito embaraçoso. Mas o sofrimento era muito grande e não o podia reprimir.Courtney sabia que não tinha direito a pedir nada a Chandos e sabia também que ele não era como ela acreditava. Tinha uma atitude vingativa que ela não podia compreender. Mas, apesar disso, e apesar de ser melhor para ela se não o voltasse a ver, sofria o seu abandono, a sua traição.Maggie fez sentar Courtney num sofá, num fino sofá Chippendale que depois Courtney admiraria e entregou-lhe um lenço bordado. Deixou Courtney sozinha durante uns instantes, enquanto acendia algumas lamparinas. Depois regressou para abraçar Courtney até que a jovem se tranquilizou.- Bom, bom - disse Maggie, trocando o lenço húmido por outro. - Sempre disse que faz muito bem chorar. Mas é algo que não se pode dizer a um homem, e aqui só há homens. É agradável poder ser maternal com uma mulher, para variar.- Lamento ter-me comportado desta maneira - desculpou-se Courtney.- Não, menina, não o lamentes. Quando uma pessoa precisa de chorar, deve fazê-lo. Sentes-te melhor?- Na realidade, não.Maggie deu-lhe uma palmadita na mão, sorrindo ternamente.- Ama-lo tanto?- Não - apressou-se a responder Courtney, com firmeza. Depois disse sem entusiasmo: - Oh, não sei. Amava, mas não posso continuar a amá-lo depois do que descobri esta noite: a selvajaria de que é capaz.- Por Deus, o que foi que te disse, querida? - murmurou Maggie.- A mim nada. Mas mutilou um homem e matou-o para se vingar.- Falou-te disso? - perguntou Maggie, surpreendida.- Já o sabia. Chandos só me confirmou que o tinha feito. E agora dirige-se para matar outro homem, talvez da mesma horrível maneira. Talvez esses homens mereçam a sua vingança. Não sei. Mas, matar com tanta... tanta crueldade.- Os homens fazem coisas terríveis, filha. Só Deus sabe porquê, mas fazem-nas. Pelo menos, a maior parte deles tem um motivo para o fazer. Ele tem?- Não tenho a certeza - disse Courtney em voz baixa, relatando o que sabia daquela matança de

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índios que se tinha dado há já muito tempo. - Sei que tinha amigos comanches - disse. - Pode ser que tenha vivido com eles. Mas, isso é razão para uma violência tão atroz?- Talvez tivesse uma esposa entre eles - sugeriu Maggie. - Muitos homens brancos têm esposas índias. E se a violaram antes de a matar, explicava-se a mutilação.Courtney suspirou. Não havia desejado pensar na existência de uma esposa, mas era provável que Maggie tivesse razão. Isso explicaria por que Chandos conhecia tão bem os índios. Naturalmente, Maggie só fazia conjecturas.- Na realidade pouco importa se posso perdoar o que fez, ou compreendê-lo - murmurou Courtney. - Não voltarei a ver o Chandos nunca mais.- E isso faz-te muito infeliz... Não, não digas que não, pequena. Devo admitir que tenho uma grande curiosidade por saber quem é esse jovem. Podes descrever-mo? Estou ansiosa por me lembrar.Courtney olhou fixamente as mãos, entrelaçadas sobre o seu regaço.- Chandos é um pistoleiro. E muito bom. Por isso me senti segura viajando com ele. É alto, moreno e muito bonito. Tem cabelos negros e olhos azuis. - Maggie não fez comentário algum e Courtney prosseguiu. - É calado. Não gosta de falar muito. É muito difícil obter dele qualquer informação.Maggie suspirou.- Acabas de descrever uma dezena de homens que vi chegar a este rancho e depois sair, minha querida.- Não sei que outra coisa posso dizer... Ah, Dentes de Serra disse que Chandos usava um nome indígena quando esteve aqui.- Bom, isso é mais explícito. Houve dois jovens com nomes indígenas. Um deles era mestiço... e sim, tinha olhos azuis.- Chandos poderia ser meio índio, ainda que diga que não o é.- Bem, se não o é, então... - Maggie fez uma pausa e franziu o rosto. - Porque não veio contigo?- Não quis. Disse que aqui havia pessoas que não queria ver. Acho que fez algo por aqui. Talvez a justiça o procure ou algo semelhante.- Disse algo mais, pequena? - perguntou Maggie com certa urgência na sua voz.Courtney sorriu timidamente.- Avisou-me que não dissesse que você era uma velha. Disse que, quando ele o fez, você se ofendeu.- Meu Deus! - exclamou Maggie.- Sabe quem é? - perguntou Courtney esperançada.- Sim, sim. Foi nesse dia que nos tornámos amigos. Não era fácil... relacionar-se com ele.- A justiça procura-o? - perguntou Courtney muito suavemente.Devia saber.- Não, a menos que te refiras à justiça de Fletcher. Foi-se embora zangado com ele, e Fletcher disse algumas coisas terríveis. Ambos as disseram. Mas isso foi há quatro anos, e Fletcher lamenta...- Quatro anos? - interrompeu Courtney. - Mas nessa época estava com os comanches.- Sim; tinha regressado para eles... - Maggie interrompeu-se e levou uma mão ao peito. - Meu Deus, esse ataque; deve ter sido... A sua mãe vivia com os comanches. E a sua irmã também. Ele adorava-a. Ambas devem estar mortas... Oh, pobre rapaz!

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Courtney empalideceu. A sua mãe? Uma irmã? Porque não lhe falou delas? Numa ocasião mencionou a sua irmã e disse que ela lhe chamava Chandos. Disse que usaria esse nome até que concluísse o que devia fazer... para que a sua irmã deixasse de chorar e dormisse em paz.Courtney olhou sem ver pela janela. Não tinha compreendido antes. Esses homens tinham matado a sua mãe e a sua irmã. Devia ter sofrido imenso. Ela mesma nunca conseguiu acreditar que o seu pai estivesse morto, mas tinha sofrido muito ao estar separada dele. Mas Chandos talvez tivesse visto os cadáveres...- Senhora, posso... podemos falar de outra coisa, por favor? - rogou Courtney, temendo começar a chorar novamente.- Claro - disse Maggie compreensivamente. - Por que não me dizes porque estás aqui?- Sim. - Courtney agarrou-se a esse tema. - Estou aqui para encontrar o meu pai. Chandos disse que você saberia se está a viver em Waco. Disse que você conhecia toda a gente. Oh Deus! Nem sequer me apresentei. Sou Courtney Harte.- Harte? Em Waco há um doutor Harte, mas...- É ele - exclamou Courtney, pondo-se de pé pela emoção. - Eu tinha a certeza. Está vivo! Está aqui! Eu sabia.Maggie meneou a cabeça, perplexa.- Não compreendo, pequena. Ella Harte disse a Sue Anne Gibbons, na ocasião do último almoço campestre paroquial, que a única filha do doutor Harte tinha morrido durante um ataque dos índios.Courtney olhou a mulher com assombro.- Pensou que eu tinha morrido?- Num incêndio que destruiu uma quinta - completou Maggie. - Disse que supôs que te tinhas refugiado na casa com a tua madrasta. Foi o que disse a Sue Anne.- Mas estávamos no armazém, dentro de um poço.Maggie meneou a cabeça, completamente confusa. Antes que pudesse dizer alguma coisa Courtney perguntou:- Quem é Ella?- A esposa do doutor Harte. Casaram-se há dois meses.Courtney voltou a sentar-se; o seu entusiasmo já não era tão grande. Não! Outra esposa! Não era justo. Jamais poderia tê-lo para ela, nem sequer durante pouco tempo? Tinha chegado com dois meses de atraso.Desanimada, exclamou à maneira de Chandos:-Maldição!

CAPÍTULO 40

A cozinha estava muito bem iluminada e quase vazia; só estava Dentes de Serra sentado à frente da mesa, bebendo um grande copo de leite e uma porção de tarte de cerejas. Quando a porta traseira se abriu e Maggie entrou, ele nem se mexeu. Conhecia os seus passos. Maggie tinha uma expressão de ansiedade no rosto.O homem chegou-se para trás na sua cadeira e olhou-a fixamente.- Vais-lhe dizer?Maggie olhou para ele.

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- Tu sabias. Não pensaste dizer-lhe?- Não. queria esperar até saber o que farias tu. Além disso - ele sorriu -, o rapaz fez-me jurar que me esqueceria de tê-lo visto. Foi muito persuasivo a esse respeito. Tu sabes como é.Maggie cruzou os braços, contemplando a porta que separava a cozinha do resto da casa...- Ainda está levantado?- Creio que sim. È cedo. Como está a jovem?- convenci-a a deitar-se. Sabias que á a filha do doutor Harte?- A sério? Bom, em parte tranquiliza-me. Pelo menos sei que permanecerá por aqui durante um tempo; aqui ou na povoação.- Não tenho a certeza disso - Suspirou Maggie. - A pequena ficou muito consternada ao saber que o seu pai tinha voltado a casar. É uma jovem muito infeliz.- Isso muda depressa quando o Kane regressar.- Achas que vai regressar? - perguntou Maggie, ansiosa.- Nunca nada lhe importou, Maggie; mas esta noite, eu vi que essa pequena é muito importante para ele. Tu também deves ter percebido; de contrário não pensavas se deves ou não dizer a Fletcher.- Esse não é o meu motivo - disse Maggie tristemente, em voz baixa. - Se fosse só isso, não o perturbaria, fazendo-o correr o risco de se desiludir. Mas a menina Harte disse-me que há quatro anos, um grupo de comanches foi morto no Kansas por homens brancos e, desde então, o pequeno tem andando à procura dos assassinos para se vingar.- Maldição! Então Meara está morta.- Parece que sim - respondeu Maggie. - Assassinada. E Fletcher tem o direito de saber.

Ouviram-se vozes que aumentavam de volume à medida que se aproximavam de casa. Courtney despertou. Então abriu-se violentamente a porta e Courtney sentou-se, cobrindo a sua camisa de dormir com as mantas. No umbral apareceu um homem enorme. Atrás dele estava Maggie, que o empurrou para um lado e entrou no quarto. Olhou atentamente para Courtney e depois voltou-se para o homem.- Vês o que fizeste? - zangou-se Maggie em voz alta, muito exasperada. - Atemorizaste a pobre pequena. Poderias ter esperado até amanhã.O homem entrou no quarto, e suave mas firmemente, pôs Maggie de lado. Mas o seu olhar estava fixo em Courtney, e a sua expressão era muito decidida.Era alto e musculado, com grandes ombros e braços grossos. Os seus olhos pardos eram expressivos e os seus cabelos castanhos tinham algumas madeixas grisalhas. O seu espesso bigode também tinha alguns cabelos grisalhos. Courtney pensou que seria um homem bonito se o seu aspecto não fosse tão severo.Courtney ergueu-se no sofá. A casa tinha somente um quarto, e ela tinha-se negado a usar a cama de Maggie.- Quem é você, senhor? - perguntou ela.O seu tom directo desconcertou-o. Até olhou para Maggie como se perguntasse se essa era a pobre rapariga atemorizada. Parecia pertencer à espécie de homem acostumado a que todos lhe obedecessem no mesmo instante. Seria o dono do Bar M?- Sou Fletcher Straton, menina Harte - disse ele com voz áspera. - Disseram-me que conhece muito bem o meu filho Kane.

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- Não, não o conheço - replicou Courtney. - Foi essa a razão por que entrou tão intempestivamente...- Você conhece-o pelo nome de Chandos.Ela entre cerrou os olhos.- Não creio. Ele mencionou-o pelo seu nome. Se fosse o seu pai, ter-me-ia dito, e não o fez.- Kane não me chama pai desde que Meara o levou - respondeu Fletcher. - Meara é a sua mãe; uma irlandesa de cabelos negros que não perdoa a ninguém. Ele tem os mesmos olhos. Por isso o reconheci quando apareceu por cá, dez anos depois de os ter dado a ambos como mortos.Estupefata, Courtney olhou para Maggie.- É verdade, pequena - disse Maggie, suavemente. - E eu não teria atraiçoado a tua confiança se não fosse porque ele tem o direito de saber. - olhou para as mãos. - Fletcher, não me deste a oportunidade de dizer tudo quanto tinha que dizer e vieste de imediato ver a menina Harte. Não é fácil dizer-te isto. Temo que Meara esteja morta; ela e os comanches com quem vivia. De acordo com o relato da menina Harte, parece que, quando Kane se foi embora daqui, regressou ao acampamento e encontrou-os mortos e, desde então, procura os brancos que os mataram.O homem perdeu a compostura. A dor transfigurou o seu rosto e de repente, pareceu muito mais velho. Mas depois de um instante, recuperou o controle de si mesmo e a sua expressão endureceu-se.- Kane disse-lhe que a sua mãe tinha morrido? - perguntou a Courtney.Ela queria dar-lhe alguma esperança. Não sabia muito bem porquê, mas tinha-o desejado. Perguntou-se porquê. A primeira impressão que esse homem lhe tinha causado era a de ser um homem duro e severo. Nem sequer gostava do seu próprio filho, mas...- Chandos jamais mencionou a sua mãe - disse ela sinceramente. - Soube que houve uma matança. Vi o Chandos cavalgando junto dos comanches sobreviventes que atacaram a quinta em que me alojava. Nesse dia, Chandos perdoou-me a vida; quase todos os outros morreram. Foi horrível o que fez com o rancheiro que tinha participado no assassinato dos índios. Mas se a sua mãe tinha sido vio... assassinada, posso compreender por que o fez. - Fez uma pausa e depois, cautelosamente, disse: - Mas se você me pedir provas, não as posso dar. Deve perguntar ao Chandos.- Onde está?- Não sei se o posso dizer.- Não pode, ou não quer dizer? - perguntou ele.Perante a sua agressividade, Courtney deixou de ter pena dele.- Não quero dizer. Não o conheço, senhor Straton. Só sei que Chandos não queria vê-lo a si. Portanto tanto, por que haveria de lhe dizer onde o pode encontrar?- Você é muito leal, não é? - grunhiu ele, pouco habituado a ver-se frustrado. - Mas quero recordar-lhe que você está a dormir debaixo do meu tecto.- Nesse caso, vou-me embora - replicou Courtney.Pôs-se em pé, envolvendo-se numa manta.- Sente-se, maldição.- Não o farei.No meio do tenso silencio, Maggie riu discretamente.- Creio que tens que mudar de tática, Fletcher. A jovem esteve na companhia do teu filho durante um mês. Tornou-se tão desafiante como ele; pelo menos no que diz respeito a ti.

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Fletcher olhou severamente para Maggie. Courtney também.- Imaginei que um homem como tu, Fletcher Straton, devia ter aprendido algo com os seus erros - arriscou Maggie com firmeza. - Não te aconteceu o mesmo, antes? Por acaso, já não te ouvi dizer centenas de vezes que se tivesses a oportunidade farias as coisas de outra maneira? Bom, talvez esta seja essa oportunidade, mas, pelo que vejo, cometerás os mesmos equívocos. Já cometeste um muito grande: em vez de perguntar à jovem, de lhe explicar que queres saber algo de Kane, estás a castigá-la. Porque haveria ela de falar contigo? Só está aqui para passar a noite debaixo do meu tecto. Está de passagem. Não depende de ti, Fletcher Porque haveria de se incomodar a falar contigo? Eu não o faria.Depois do seu raspanete, Maggie saiu de casa. O silêncio que se fez a seguir foi extremamente incómodo. Courtney voltou a sentar-se no sofá e arrependeu-se de se ter aborrecido. Apesar de tudo, este era o pai de Chandos. E cada um deles possuía informação acerca de Chandos, que o outro queria conhecer.- Desculpe - começou a dizer ela; depois sorriu porque Fletcher disse as mesmas palavras simultaneamente. - Talvez possamos voltar a começar, senhor Straton. Pode dizer-me porque é que o Chandos não quis nem aproximar-se deste lugar?- Chandos - grunhiu ele, contrariado. - Maldição, e perdoe-me, mas esse rapaz é capaz de usar qualquer nome, menos o que eu lhe dei. Quando esteve aqui, não respondia quando o chamava por Kane. Podia chamar de qualquer outra maneira, até, dizendo-lhe «oi, tu», mas quando o chamavam por Kane nem se mexia.- Não me peça que o chame por Kane - disse Courtney com firmeza. - Para mim, é Chandos, simplesmente Chandos.- Está bem, está bem - protestou suavemente Fletcher. - Mas não espere que eu o chame Chandos.- De acordo - sorriu Courtney.- A respeito da sua pergunta, não me surpreende que Kane não quisesse que eu soubesse que estava perto daqui. Há quatro anos, quando se foi embora, enviei quatro doa meus homens para que o obrigassem a regressar. Naturalmente, não o alcançaram. Durante três semanas brincou às escondidas com eles; suponho que depois, fartou-se e desapareceu. Sabia que eu tentaria retê-lo novamente. Provavelmente por isso não quis que ninguém soubesse que andava por aqui.- Você tentaria retê-lo?- Maldição, claro que o faria - disse Fletcher obstinadamente. - Mas - continuou com hesitação olhando para as mãos - não da mesma maneira. Desta vez pedia-lhe que ficasse aqui. Faria todo o possível por lhe demonstrar que seria diferente, não como antes.- Como era... antes?- Cometi erros atrás de erros - admitiu Fletcher tristemente. - Agora compreendo-o. Tratei-o como se fosse uma criança quando, aos dezoito anos já era um homem para os comanches. Tinha dezoito anos quando regressou. depois cometi a estupidez de tentar fazê-lo esquecer tudo quanto tinha aprendido com os comanches; eram coisas muito naturais para ele, pois esteve com eles durante muito tempo. permiti que me tirasse do sério. Não podia tolerar que recusasse tudo quanto eu lhe oferecia.- Você disse que durante dez anos o deu como morto. Ele viveu com os comanches durante esse tempo?

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- Sim, com a sua mãe. Ela abandonou-me. Não a culpo por isso. Mas não devia ter levado o rapaz. Ela sabia que eu o amava muito.- No se pode esperar que uma mãe abandone o seu filho.- Não, mas quando duas pessoas não se dão bem, há outras maneiras de se separar. Eu ter-lhe-ia dado tudo quanto me pedisse. Tê-la-ia instalado no lugar que ela escolhesse. Só lhe pediria para ver o Kane com frequência. Mas ela desapareceu. Nunca compreendi como o conseguiu, até que Kane regressou. Então soube onde se tinham escondido durante todos esses anos. No início não se esconderam. Foram capturados pelos kiowas e vendidos aos comanches. Um jovem comanche comprou-os a ambos. Casou-se com a Meara e adoptou o Kane.Ficou uns minutos pensativo, abanando a cabeça.- Quando Kane entrou a cavalgar na minha propriedade, com o seu cavalo e o seu aspecto audaz, idêntico a um índio, vestido de couro e essas malditas tranças que se negou a cortar, salvou-se milagrosamente que um dos meus homens lhe disparasse.Courtney não podia imaginar o jovem Chandos a entrar no Bar M com esse aspecto e a enfrentar um grupo de brancos desconhecidos. Mas, ao contrário dela, já nessa idade devia ser valente e desafiante. Como pôde sentir-se o seu pai, ao ver que o seu filho regressava convertido num selvagem? Compreendeu que se tivessem gerado problemas.De repente, lembrou-se do sonho de Chandos.- Ele chamava-o de «velho», senhor Straton?Fletcher grunhiu.- Só me chamava dessa maneira. Ele disse-lhe?- Não. Quando estávamos na pradaria uma serpente mordeu-o - explicou ela. À medida que recordava os detalhes, voltava a irritação. - O parvalhão nem sequer me chamou para que o ajudasse. Tínhamos tido uma discussão... Bom, a verdade é que nessa noite teve pesadelos e falou muito em sonhos. Uma das coisas que disse... - Deteve-se, pois não queria repetir as palavras exactas de Chandos. - Bom, não estava de acordo com você lhe cortasse o cabelo. Você tentou fazê-lo?Fletcher moveu-se, incómodo.- Foi o meu maior erro; por isso decidiu ir-se embora. Tínhamos tido outra discussão, uma entre mil, e enfureci-me de tal modo que ordenei aos meus homens que o encurralassem e lhe cortassem as tranças. Houve uma luta descomunal. Kane feriu três rapazes com a sua faca antes que Dentes de Serra a pudesse tirar. Depois ensinou-lhe a usar um revólver, mas, enquanto esteve aqui, Kane negou-se a fazê-lo; só usava aquela faca. As suas negativas exasperavam-me; recusava comportar-se como um homem branco. Só usava a sua roupa de couro e, em ocasiões, um casaco. Quando fazia frio, também uma jaqueta. Mas isso era tudo. Comprei-lhe dezenas de camisas, mas não as usou. Creio que o fazia para me irritar.- Mas porquê? Não queria ficar aqui?- Precisamente. - Fletcher suspirou profundamente, aborrecido pelo remorso. - Quando Kane chegou, pensei que ficaria. Acreditei que tinha desejado voltar. Por isso nunca pude compreender a hostilidade que me demonstrou desde o início. Era retraído, comia sozinho, excepto quando trabalhava nas colinas. e todos os dias trazia carne para a mesa, mesmo que tivesse que se levantar de madrugada para ir à caça. Nem sequer aceitava a minha comida. Era muito introvertido; não gostava de fazer amizades com os homens do rancho e muito menos comigo. Não se podia conversar com ele, a menos que um de nós se resignasse a monologar.

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Não me lembro de tê-lo visto a dirigir a palavra a alguém por sua própria iniciativa. E, no entanto, sei muito bem que estava cheio de perguntas, pois eu percebia-as nos seus olhos. Mas tinha uma paciência ilimitada. Esperava até receber informação, sem formular perguntas. Queria aprender tudo quanto estivéssemos dispostos a ensinar-lhe. E aprendeu. Ao fim de um ano, sabia fazer todas as tarefas do rancho. Essa foi outra razão por que pensei que tinha regressado por sua própria vontade.- E não era assim?- Não. Mas não me disse. Soube através de Maggie, dois anos depois da sua chegada. Nessa altura, confiava nela. De fato, foi a única pessoa que conseguiu saber algo acerca dele.- Por que veio?- Poderia dizer-se - arriscou Fletcher - que a sua mãe o obrigou, pois ele teria feito qualquer coisa para lhe agradar. Tinha chegado a uma idade em que um comanche goza de todos os privilégios de ser um homem, o que incluía casamento. Suponho que ela pensou que, antes de se estabelecer definitivamente naquele mundo, devia conhecer este, para não lamentar depois. Admiro Meara pela sua atitude – declarou Straton, mais para si mesmo do que para Courtney. – Pensou no rapaz e não nela. Pediu-lhe que permanecesse aqui durante cinco anos. Ele foi embora ao fim de três. Ela queria que usufruísse das comodidades que brinda o dinheiro, e não temo dizer-lhe que sou um homem muito rico. Mas ele não quis o meu dinheiro. Ela talvez pensasse que ele não teria problemas e que aproveitaria a oportunidade antes de tomar uma decisão. Mas já a tinha tomado antes de chegar. Depois de viver dez anos entre esses índios, Kane era um comanche, em todos os aspectos, menos o biológico. Nunca tentou adaptar-se a esta vida. Só tentou fazer tempo e de aprender quanto pôde de nós, os brancos. Bom, pelo menos a sua mente não recusou os conhecimentos que adquiriu. Talvez tivesse permanecido aqui durante esses cinco anos, se não tivesse surgido o tema das malditas tranças.- Chandos já não as usa - disse Courtney serenamente.- Não? Bom, já é alguma coisa. Também é verdade que já não tem o seu grupo de comanches.- Isso não és exactamente assim – contradisse-o Courtney e explicou brevemente a situação. – Não esteve sozinho na procura dos homens que atacaram o acampamento comanche. Na realidade, durante toda a nossa viagem pelo território índio, houve sempre algum comanche amigo por perto. Se não tivesse aceitado acompanhar-me até Waco, teria viajado com eles.- Por que a acompanhou, menina Harte? - perguntou Fletcher com grande curiosidade. - O Kane que eu conheço não o faria.- Não queria fazê-lo. Tentou convencer-me para que não viajasse. Em determinado momento desisti de o persuadir, mas ele mudou de ideia. Pensei que o tinha feito porque, de qualquer maneira, ele teria de vir ao Texas. Tinha-lhe oferecido todo o dinheiro que tinha para que me acompanhasse. Pensei que o acordo estava fechado, e esta noite, quando tentei pagar-lhe, aborreceu-se e disse que o dinheiro nada tinha a ver com a sua decisão. - Courtney encolheu os ombros e continuou: - Disse que não devia pressupor nada acerca dele nem tentar compreender os seus motivos. É verdade. Nem consigo compreender a razão de tudo quanto faz. É o homem mais meigo que conheço... e o mais selvagem. Pode ser carinhoso e protetor, para logo a seguir voltar-se contra mim e tentar que o odeie.- Carinhoso? Protector? Nunca pensei que se pudessem empregar essas palavras para descrever o Kane.- Quatro anos é muito tempo, senhor Straton. Por acaso você é o mesmo homem de há quatro

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anos?- Lamentavelmente, sou. Burros velhos não mudam.- Então, ainda quer converter o Chandos no que não é?- Não. Creio que aprendi a lição. É meu filho, mas é um homem com decisões próprias. Mas, maldição, você disse «meigo»?Courtney corou, mas recuperou o seu auto domínio. Praticamente, tinha confessado dados íntimos; só na intimidade podia ser meigo um homem como Chandos.- Disse que Chandos é o homem mais meigo que conheci, senhor Straton, mas demonstrou-o em muitas ocasiões. Geralmente é frio, duro, exasperante, parvo, perigoso e implacável. E também sem piedade. Além disso...- Compreendo – interrompeu-a Fletcher, rindo. - De modo que não mudou tanto assim. Mas, se tem tantos defeitos, menina, como se apaixonou por ele? - perguntou em voz baixa.Courtney pensou negar, mas para quê? Naturalmente sabia por Maggie que ela tinha admitido amar Chandos.- Asseguro-lhe que não tive alternativa – confiou-lhe Courtney, tensa. - Mas creio que você, Maggie e ainda Dentes de Serra, têm uma ideia errada. Aparentemente, crêem que a minha presença aqui fará regressar Chandos. Isso no vai acontecer. Disse que era carinhoso, não que me amava. Se alguma vez regressar, não será por mim.- De qualquer modo, gostaria que permanecesse aqui, menina Harte, na qualidade de convidada.- Na realidade, a minha intenção é estabelecer-me em Waco, senhor Straton.- Quis dizer aqui no rancho.Ela meneou a cabeça.- A Maggie não lhe disse que o meu pai vive em Waco? Vim para o Texas por causa dele. Vou à sua procura.- Sim, eu sei. O seu pai é Edward Harte. Mas isso não significa que queira viver com ele. Tem uma nova esposa. Tem a certeza que será feliz vivendo com eles?Ela desejou não ter falado nesse tema.- Não posso saber até ver o meu pai. Mas, de qualquer maneira, não poderia permanecer aqui.- Porque não? Agora já não somos desconhecidos. e temos algo em comum, menina Harte. Ambos amamos o meu filho.

CAPÍTULO 41

- Agora é uma povoação agradável e bastante grande - informou Dentes de Serra enquanto conduzia a carroça pela rua principal de Waco. - Antes da guerra era mais pequena, mas depressa se instalaram aqui muitos sulistas que queriam começar uma nova vida. Os vaqueiros param aqui quando vão para o Norte, e isso também contribuiu para o progresso deste lugar.- Não é outra povoação de gado, pois não? - perguntou Courtney com medo.- Como a do Kansas? Não, menina. - O homem riu. Os vaqueiros não se converteram em selvagens como aqueles que atravessam o território índio.Courtney sorriu. Naturalmente, o Texas devia de ser muito diferente do Kansas. Lembrou-se de como tinha ficado contente ao chegar a uma cidade, depois de atravessar mais de trezentos e vinte quilómetros de território selvagem. Como tinha apreciado do banho quente, da comida,

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da cama. Compreendeu por que é que os viajantes precisavam de celebrar e armar alvoroço. Teve a esperança que não fizessem o mesmo nesse sítio.Dezenas de homens estavam armados, mas na rua principal só viu uns poucos que tinham aspecto de pistoleiros.Pelo menos, Waco contava com um xerife para defender a lei. Rockley não. E, apesar de muitos homens andarem armados, também havia muitos que não. Nas calçadas viam-se também senhoras bem vestidas, acompanhadas por cavalheiros. Mesmo assim, Courtney viu alguns mexicanos, um par de índios, e até um chinês. Waco quase parecia uma cidade.- Ali está a casa do seu pai – indicou o seu acompanhante assinalando-a. - Também tem ali o seu consultório.Era muito diferente da casa que tinham tido em Chicago, mas era uma casa agradável, de dois andares, bem cuidada, com jardins floridos ao redor, e a cerca que delimitava o pequeno pátio. Estava situada na esquina de uma rua lateral. Na galeria havia poltronas e uma rede que pendia das traves. Courtney imaginou que devia de ser agradável sentar-se ali nas noites cálidas, pois tinha uma boa vista da rua principal e, ao mesmo tempo, tinha uma certa intimidade.- Como é a sua esposa? - perguntou Courtney com ansiedade.Quando se detiveram frente à casa, ele respondeu:- A menina Ela? É uma senhora muito agradável, pelo menos é o que todos dizem. É professora na escola. Chegou depois da guerra com o irmão. A menina Ella ajudava-o no seu escritório de advogado até que a professora da povoação regressou ao Oeste. Ofereceu-se para a substituir e desde então tem estado na escola.Courtney estava muito nervosa. Outra madrasta. Só conseguia pensar no insuportável que tinha sido a última. Mas nesta ocasião, seguramente o seu pai quis casar, e isso determinava uma grande diferença. Não se tinha casado por razões formais, de modo que provavelmente amara Ella.- E então, menina?O homem esperava que ela decidisse descer para a ajudar.- Desculpe - disse ela e agarrando a sua mão, desceu da carroça - estou um pouco nervosa. Faz muito tempo que não vejo o meu pai. E mudei muito nestes quatro anos. Como estou?- Está tão bonita que me casaria com você, apesar de ser um solteirão empedernido.- Isso quer dizer que estou bem?Ela sorriu-lhe.Ele riu. Agarrou a bagagem de Courtney que estava na parte posterior da carroça e assinalou com a sua cabeça em direcção aos cavalos, presos ao veículo.- Vou levar os seus cavalos à cavalariça. Sei que o seu pai guarda lá uma carroça.- Obrigado - disse Courtney e beijou-lhe a face. - E obrigado por me trazer à povoação. Vejo-o brevemente?- É muito provável - respondeu ele, sorrindo. - Certamente, Fletcher vai enviar-me, a mim e a outro dos homens para que a visitemos diariamente.- Para saber se o Chandos regressou?- Sim. Ou faz isso ou enviará alguém para vigiar a casa do seu pai. Creio que é capaz de o fazer.Courtney moveu tristemente a cabeça.- Será inútil. Gostava que ele o compreendesse.- Só pensa na ocasião de ver novamente o seu filho. Isso é tudo quanto vê. Até tem a esperança

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de que Kane se estabeleça permanentemente em algum sítio por sua causa. Daria qualquer coisa para o ter perto de sua casa, mesmo que não fosse no rancho, mas o suficientemente perto para o ver de vez em quando. Parece impossível, considerando a forma em que discutiam, mas Fletcher ama esse rapaz.- Chandos perguntou-me numa ocasião se eu viveria da maneira em que ele o faz, sem se estabelecer em nenhum lado durante mais de um par de dias. Não creio que mude o seu estilo de vida.- E como foi que falaram deste assunto, se é que posso perguntar?Ela corou.- perguntei-lhe se ele se casaria comigo. Não o fará.O homem surpreendeu-se mais de que Kane tivesse negado, mas que ela o tivesse pedido.- Quer dizer que a recusou?- Não. Só me perguntou se eu podia viver como ele.- Então recusou-o e ele?- Não. Disse-lhe que dessa maneira não se podia formar uma família. Ele concordou, e isso pôs fim à conversa.- Você poderia viver como ele? - perguntou atónito.Ela franziu o rosto.- Não sei. Costumava pensar que o mais importante é a segurança que brinda um lugar. Mas, nestes últimos dias comprovei que o lugar depende das pessoas que o integram, e não de outros factores. Ela sabia que estava a confiar os seus pensamentos íntimos a um homem que era praticamente um desconhecido, mas prosseguiu:- Com o Chandos sempre me senti segura, mesmo no meio do território índio. Mas quero ter filhos, e os filhos não podem andar constantemente de um sítio para outro. De modo que não sei.Courtney suspirou.- Os homens também costumam mudar de ideias a respeito de coisas importantes - sentenciou Dentes de Serra.«Alguns homens, talvez – pensou Courtney -, mas não o Chandos.»Quando o homem se foi, com determinação, tal como o tinha feito Chandos, Courtney dirigiu-se para a casa e bateu à porta. Abriu-se quase de imediato; uma mulher alta e magra olhou-a com surpresa.- Ella?- Deus, não! - disse a mulher, rindo. - Sou a senhora Manning, a empregada. Se quer ver a senhora Harte, está na escola.- Não... na realidade, vim para ver Edward Harte- Entre, mas deterá que esperar um pouco. Está no outro extremo da povoação, visitando um paciente.A senhora Manning conduziu Courtney até à sala de espera, onde haviam numerosas cadeiras. Courtney não se importou. Não queria dar explicações a essa mulher, e precisava de tempo para se tranquilizar antes de ver o seu pai. Afortunadamente, a sala estava vazia; de modo que permaneceu ali a sós, aguardando o regresso do médico.Foram os vinte minutos mais longos da sua vida. Estava inquieta. Arranjava constantemente os cabelos e o vestido verde. Punha-se de pé e caminhava de um lado para o outro; depois

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sentava-se noutra cadeira.Finalmente, ouviu que se abria a porta de entrada e a voz do seu pai chamando a senhora Manning para a avisar que estava de volta. Passou pela porta aberta, caminhou pelo vestíbulo que levava ao seu consultório.Courtney quis chamá-lo, mas não conseguiu falar.Um instante mais tarde, ele regressou e apareceu no umbral. Ela pôs-se de pé e olhou para ele; não conseguia pronunciar nem uma palavra. Ele olhou-a por sua vez. Talvez fossem os seus olhos. Os seus olhos não tinham mudado, e nesse momento estavam muito abertos, com uma expressão suplicante.- Meu Deus... Courtney?- Papá - exclamou a jovem.Ele correu para ela e Courtney mandou-se para os seus braços e, quando ele a abraçou, ela sentiu a maior alegria da sua vida. O seu pai estava a abraçá-la, como tantas vezes tinha sonhado.Depois de um longo tempo, Edward afastou-a de si e contemplou-a. Com as suas mãos, secou as lágrimas de Courtney. Também ele estava a chorar, e nesse momento Courtney supôs que ele realmente a amava. Sempre a tinha amado. Só as suas próprias dúvidas a tinham impedido saber. Tinha sido uma menina tonta; tão infeliz que não conseguiu ver o que estava à frente dos seus olhos.- Courtney? - murmurou ele. - Como é possível? Pensei que tinhas morrido.- Eu sei, papá.- Não te capturaram. Vi os índios quando se afastaram e só levavam o rancheiro.- Estava no armazém.- Mas eu procurei-te no armazém. Gritei até ficar afónico.- Não viste dentro do poço.Não havia recriminação na sua voz; simplesmente lho dizia.- Claro. Não era suficientemente grande para esconder... Meu Deus! Como?- O senhor Brower tinha cavado um grande poço escondido. Tinha-o feiro para a sua mulher. Quando começou o ataque, ele estava no armazém e disse-nos para nos escondermos lá. Sarah e eu desmaiámos. Talvez por isso não ouvimos os teus gritos.Ele demorou uns instantes a compreender o sucedido.- A Sarah também está viva, então?Courtney respondeu que sim com a cabeça.- E voltou a casar.Explicou-lhe que todos tinham pensado que ele tinha sido capturado pelos índios e que não teria sobrevivido. Disse-lhe que ela nunca perdeu a esperança de voltar a vê-lo e relatou-lhe rapidamente os acontecimentos dos últimos quatro anos, inclusivamente que tinha visto a sua fotografia num jornal velho.- Sarah pensou que eu estava louca, mas, sinceramente, creio que ela não queria acreditar que fosses tu. Ela gosta de estar casada com o Harry.- Eu também me casei novamente, Courtney.- Eu sei. Passei a noite no Bar M com a Margaret Rowley. Ela falou-me da tua esposa.Com ambas as mãos apoiadas sobre os ombros da sua filha, ele olhou pela janela.- Santo Deus! Tenho duas esposas. Tenho que fazer algo acerca disso.

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- E Sarah tem dois maridos - adicionou Courtney, sorrindo. - Mas tenho a certeza de que estará de acordo em que uma anulação é melhor que dois divórcios, não achas?- Espero que sim.- Papá - perguntou Courtney -, porque te foste embora da quinta? Estavas ferido. Porque não aguardaste que te auxiliassem?- Não conseguia suportar, querida. Pensava que tu tinhas morrido na casa incendiada. Tinha que me afastar dali. Sei que cometi um erro, mas nesse momento não conseguia pensar coerentemente. Nem sequer levei um cavalo; isso demonstra-te qual era o meu estado. Fui caminhando até ao rio e depois desmaiei. Fui encontrado por um padre e pela sua mulher. Quando recobrei a lucidez, estávamos dentro do território índio e comprovei que me levavam para o Texas.- Foi assim que chegaste a Waco?- Sim. Tentei esquecer. Refiz a minha vida. Há boas pessoas por aqui. - De repente, deteve-se e perguntou: - Por que pernoitaste no Bar M em vez de vir para a povoação?- Chandos deixou-me lá.- Chandos? Que espécie de nome é esse?«O nome que usarei até acabar de fazer o que me propus.»- É o nome que lhe deu a sua irmã. É o filho de Fletcher Straton; quer dizer, o filho que Straton perdeu. É difícil de te explicar o que se passa com Chandos, papá.- Diz-me como chegaste desde o Kansas.- Chandos trouxe-me.- Só ele? – exclamou ele, e ela assentiu. - Viajaste sozinha com ele?O sentido moral que o tinha levado a casar-se com a sua empregada tornou-se evidente na expressão escandalizada do seu rosto. Courtney surpreendeu-se ao comprovar que o seu pai se irritava.- Olha para mim, papá. Já não sou uma menina. Sou suficientemente adulta para tomar as minhas próprias decisões. E se decidi viajar sozinha com um homem, foi porque era a única maneira de chegar até aqui, já está feito - disse ela com serenidade -, o importante é que estou aqui.- Mas... estás bem?- Chandos protegeu-me. Não permitiu que nada de mal me acontecesse.- Não foi o que quis dizer.- Oh, papá - Suspirou Courtney.- Papá? - disse uma voz ansiosa que provinha da porta. - Edward, pensei que só tinhas tido uma filha.Courtney agradeceu intimamente a interrupção; era muito oportuna. Temeu que o seu pai adoptasse uma típica atitude paterna a respeito de Chandos. Mas já não era a criatura tímida de outros tempos. Não ia pedir desculpas por algo que não se arrependia. Claro que não era a melhor maneira de começar uma nova relação com o seu pai.De modo que, mesmo que estivesse preparada para não simpatizar com a senhora que estava de pé no umbral, aproximou-se dela e estendeu-lhe amavelmente a mão.- Você deve ser Ella - disse Courtney, sorrindo calidamente. - E é verdade; só tem uma filha; sou eu. Estou viva e sã, como pode ver. Mas deixarei que ele lhe explique. Deixei a minha bagagem lá fora. A senhora Manning pode indicar-me qual será o meu quarto?

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Estava a tentar iludir a surpreendida Ella e sair da sala quando o seu pai a deteve, com um tom de advertência:- Continuaremos com a nossa conversa mais tarde, Courtney.- Sim é inevitável... -Tentou que o seu tom parecesse alegre. - Mas queria instalar-me. E tenho a certeza que Ella não dispõe de muito tempo... ou já terminou o seu trabalho na escola por hoje?- Não, não; tenho que regressar.Courtney voltou a sorrir à confundida moça antes de abandonar a sala.Uma vez lá fora, apoiou-se contra a parede e fechou os olhos. Ouviu-os a conversar; o seu pai explicava a situação e ela disse que se sentia muito feliz por ele.Ella era uma mulher bonita e jovem. Courtney não tinha esperado que fosse tão jovem; teria só uns vinte e cinco anos. Os seus cabelos eram avermelhados, e os seus olhos de cor verde-claro. Ella não se parecia com nenhuma das professoras que tinha conhecido.Provavelmente o seu pai amava-a. E seguramente não precisava que Courtney alterasse as suas vidas.Suspirou e foi à procura da sua bagagem.

CAPÍTULO 42

Com uma habilidade que não se tinha considerado capaz, Courtney conseguiu atrasar toda a discussão relativa a Chandos durante vários dias. Manteve o seu pai distraído perguntando-lhe sobre a sua vida em Waco, sobre como tinha conhecido Ella e tudo o resto. Os pacientes ocupavam grande parte do seu tempo, de modo que só o via pelas tardes e à noite e, ainda assim, em muitas ocasiões ele devia sair para atender os seus enfermos.Chegou a conhecer melhor a Ella, e gostou. Era muito diferente da Sarah. Mas Ella também estava muito ocupada com a escola, e Courtney ficava sozinha durante grande parte dos dias.Em pouco tempo, começou a sofrer de tédio. Pensou em ocupar-se das tarefas que estavam nas mãos da senhora Manning. Sabia que era capaz de administrar uma casa. Mas uma manhã soube de como tinha sido a vida da senhora Manning e do feliz que era trabalhando para os Harte, de modo que não tocou no assunto. Mas Courtney tinha trabalhado durante muitos anos e não podia estar desocupada. Tinha que fazer algo.Durante uns dias ajudou o seu pai com os pacientes. Ele gostou da ajuda. Ela sempre tinha desejado participar no seu trabalho, mas não sabia como era cansativo. Courtney era demasiado sensível e sofria com a dor alheia. Quando comprovou que não conseguia enfrentar o espectáculo de uma criança incapacitada, deixou de trabalhar no consultório do seu pai.Dez dias depois de ter chegado, Courtney decidiu ir embora. Não só porque se sentia inútil ali. Fletcher Straton tinha acertado. A sensação de ser uma intrusa era-lhe muito incómoda. Edward e Ella tinham muito pouco tempo para estar sozinhos, e tinham de dividir o tempo com ela. Ainda se estavam a conhecer mutuamente e a presença de Courtney parecia às vezes inoportuna.O pior eram as noites. Courtney ouvia o seu pai e Ella conversando amavelmente no quarto ao lado do seu, e depois ouvia-os a fazer amor. De manhã, quando os via, ruborizava-se. Não conseguia suportar. E não podia evitar ouvi-los, nem sequer escondendo a cabeça debaixo da almofada. E só havia três quartos; a senhora, Manning ocupava o terceiro.Por isso decidiu ir embora, pelo menos essas foram as razões que Courtney se deu a si mesma.

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Mas o fato é que tinha muitas saudades de Chandos, que era muito infeliz e era muito difícil de esconder.Disse ao seu pai que iria visitar a Maggie durante uns dias, mas a sua verdadeira intenção era de pedir trabalho a Fletcher Straton. Certamente haveria alguma tarefa para ela num rancho tão grande.Quando chegou e falou com Fletcher, ele ficou encantado. A jovem supôs que iria ser assim, pois enviava todos os dias um homem para vigiar a sua casa.Devia reunir coragem para anunciar ao seu pai que não regressaria a sua casa. Sem dúvida, seria para ele uma decepção.Essa noite jantou com Fletcher e passou um tempo muito agradável. Ele tentou por todos os meios fazê-la sentir como se estivesse em sua casa. Maggie e Dentes de Serra jantaram com eles e todos sugeriram o que Courtney podia fazer no rancho. As sugestões incluíam elaborar um catálogo da biblioteca de Fletcher, decorar a casa grande e escolher os nomes dos bezerros recém-nascidos.Depois do jantar, dedicaram-se a conversar sobre as memorias que tinham. Maggie contou que Fletcher a tinha encontrado em Galveston. Durante muito tempo, tinha estado à procura de uma empregada e supôs que ela era a indicada. Mas ela não tinha intenções de permanecer no Texas; estava de passagem e ia caminho de New Hampshire para viver com a sua irmã.Fletcher prometeu-lhe que poderia administrar a casa a seu gosto, e ela sabia que não gozaria desse privilégio em casa da sua irmã, de modo que aceitou. Mas Fletcher afirmou que não tinha aceitado até que lhe prometeu dar uma casa exactamente igual à que ela tinha tido em Inglaterra. E cumpriu a sua promessa: fez trazer de Inglaterra essa mesma casa, com os móveis incluídos.Courtney foi dormir muito mais contente do que tinha estado durante vários dias. Necessitava de estar junto a essas pessoas que conheciam intimamente o Chandos. Bom, talvez não tão intimamente. Ele não permitia. Mas todos o queriam. E nenhum deles lhe diria que não era o homem indicado para ela, como seguramente lhe diria o seu pai se soubesse que estava apaixonada por um pistoleiro.Uma suave brisa moveu as cortinas da janela aberta. Courtney voltou-se na cama, esticando-se. De repente uma mão cobriu-lhe a boca. Um peso caiu sobre a cama, esmagando-a e agarrando-a pelos braços para que não se pudesse mover. E nesta ocasião ela não tinha o revólver debaixo da almofada. Acreditava estar em segurança e a salvo ali.- Que demónios estás a fazer aqui?O tom era brusco e zangado, mas foi o som mais doce que Courtney jamais ouvira. Tentou falar, mas ele não afastou a sua mão.- Quase matei o meu cavalo para chegar até aqui e descubro que não estás onde deverias estar. e há uns minutos estive a ponto de matar de um susto a pobre anciã, pensando que estarias a dormir com ela. Mas não, estás na maldita casa principal, que jurei não voltar a pisar. Devo estar louco. Que diabos fazes aqui?Courtney sacudiu a cabeça, tentando safar-se da mão de Chandos. Porque não a tirava da sua boca? Certamente sabia que ela não ia gritar; que era feliz ao vê-lo. Mas não, não sabia. Ela tinha fugido a correr. Ele tinha tentado que o odiasse e provavelmente pensava que o tinha conseguido. Então, por que estava ali?Ele apoiou a sua testa sobre a dela e suspirou. Tinha descarregado a sua cólera. «Que estava a

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fazer ali?», perguntou-se Courtney uma e outra vez.Como se tivesse lido os seus pensamentos, disse-lhe:- Não estava tranquilo. Tinha que vir ver se estavas bem, que tudo tinha sido como desejavas. Foi assim? Não, claro que não. De contrario não estarias aqui no Bar M, mas em casa do teu pai. Sei que está lá. Eu vi-o; vi a sua casa e vi a sua mulher. O que se passou, olhos de gato? Perturbou-te que ele tivesse uma esposa? Podes sacudir a tua cabeça.Ella não o fez. Não queria manter uma conversa unilateral. Mordeu-lhe a mão com força.Ele grunhiu, retirando a sua mão.- Mereceste, Chandos - disse Courtney. - Porque me sujeitas e me impedes de responder a todas essas perguntas? - Levantou-se e disse - Se só vieste para saber se estou bem, já podes ir. - Ele levantou-se da cama. - Não te atrevas a fazê-lo - disse ela, agarrando o braço.Não o fez. Acendeu um fósforo e ele encontrou a lamparina junto à cama. Durante esses instantes ela contemplou-o, extasiada. O seu aspecto era terrível; tinha a roupa coberta de pó e estava pálido. Não se tinha barbeado. O seu aspecto era o de um pistoleiro implacável e perigoso, mas para ela estava esplêndido.Ele olhou-a e Courtney foi invadida pela emoção. Ela usava uma camisa de dormir de algodão branco que tinha adquirido quando foi às compras com Ella. Contrastava com a suas pele dourada pelo sol, e os seus olhos eram apenas um pouco mais escuros que a sua pele. Os cabelos castanhos estavam soltos.- Como é possível que estejas... mais bonita?Ela tentou que ele não percebesse a sua confusão.- Talvez porque há muito tempo que não me vês.- Talvez.Nenhum dos dois se deteve a pensar que dez dias, não era muito tempo. Ele tinha sofrido tanto como ela. Esses dez dias tinham sido uma eternidade.- Pensei que nunca te voltaria a ver, Chandos - disse ela suavemente.- Sim, eu também pensei. – sentou-se na borda da cama, obrigando-a a deixar-lhe um espaço. - Tinha toda a intenção de ir ao México quando saí de San Antonio – informou-lhe ele. - Mas só consegui viajar durante um dia, e depois regressei.Ela tinha esperado que ele lhe declarasse o seu amor, mas estava aborrecido porque tinha regressado contra a sua vontade. a decepção irritou-a.- Porquê? - perguntou. – E se voltas a dizer que vieste só para ver se eu estava bem, juro que te bato.Ele quase sorriu.- Considerando a forma em que nos separámos, não pensei que aceitarias outra razão.- Faz-me um teste.- Não consegui deixar as coisas como estavam, olhos de gato - disse simplesmente, olhando-a nos olhos. - Pensei que poderia. Pensei que, se me odiasses, podia manter-me afastado de ti. Mas não foi assim. Não que a ti me diz respeito, nada me pode manter afastado.a esperança voltou.- E isso é assim tão mau? - perguntou ela docemente.- Não é? Não é possível que quisesses ver-me de novo.Ela sabia que ele esperava que o negasse, mas, depois do que a tinha feito sofrer, não ia facilitar-lhe as coisas.

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- Se pensaste isso, surpreende-me que tenhas tido a ousadia de regressar.Ele franziu o rosto.- A mim também. Mas já te disse que devo de estar louco. Especialmente por ter vindo procurar-te aqui... aqui!Fez um gesto que abarcava todo o Bar M.- Comportas-te como se este sítio fosse uma prisão - replicou ela. - Ninguém te vai obrigar a permanecer aqui, e o teu pai muito menos.Chandos ficou rígido. O seu rosto ficou sério.- Tu sabes?- Sim. E não sei porque ele me disse. Devias ter imaginado que eu saberia da existência do rebelde Kane Straton.- Não julgues segundo o que ouviste dizer, olhos de gato. Só ouviste a versão do velho.- Então diz-me a tua.Ele encolheu os ombros.- Pensou que possuía; que eu queria ter tudo isto e que aceitaria tudo quanto ele dizia. De alguma maneira castigou-me pelos pecados da minha mãe, porque preferiu viver com um comanche em vez de viver com ele. Descarregou o seu ódio e a sua amargura em mim e depois surpreendeu-se com o meu desprezo.Sacudiu a cabeça pensando na estupidez de tudo isso.- Tens a certeza que as coisas foram assim, Chandos? Não estavas contra ele, ainda antes de vir aqui? A tua mãe devia de estar ressentida com ele, porque não teve mais nenhuma alternativa senão abandoná-lo. Tu absorveste parte desse ressentimento. Apesar de tudo, eras só um menino. Além disso, o comportamento do teu pai foi, talvez, só uma reação frente à tua maneira de atuar com ele.- Não sabes o que dizes – interrompeu-a, exasperado.- Sei que te ama - declarou ela rotundamente - e que está arrependido dos erros que cometeu contigo. E sei que daria qualquer coisa por voltar a ter outra oportunidade contigo.- Outra oportunidade para me converter no que ele quer – desafiou-a ele olhando-a com cinismo.- Não. Aprendeu a lição. Por Deus, Chandos! Este é o teu lugar - disse ela, irritada. - Isso não significa nada para ti? Significa algo para mim. Por isso estou aqui.- Porquê? Porque pensaste que era o lugar onde te podias esconder de mim? Porque não me arriscaria a vir?Isso doeu-lhe.- Não – exclamou ela. - Porque foi aqui que me deixaste e, sinto-me mais perto de ti neste sítio.Ele não esperava essas palavras. A afirmação de Courtney fez desaparecer subitamente a sua raiva e ficou desarmado. Curiosamente, também se alegrou.- Olhos de gato... - disse com voz rouca.Tocou-lhe a face e acariciou os cabelos de Courtney. Inclinou-se para ela. Os seus lábios roçaram os de Courtney e foi como se se abrisse um dique. A paixão inundou-os, apagando tudo o resto.Instantes depois estavam nus e abraçados; os seus corpos agonizavam de impaciência. Chandos fez amor com uma fúria possessiva que jamais tinha empregado. Courtney demonstrou uma intensidade selvagem que nunca tinha manifestado.Falaram através dos seus corpos, dizendo-se o que não podiam dizer com palavras, oferecendo-

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se mutuamente todo o amor e o desejo que sempre tinha existido entre eles.Talvez de manhã tudo fosse uma recordação. Mas essa noite, Courtney era a mulher de Chandos.

CAPÍTULO 43

Lenta e cautelosamente, Courtney abriu a porta do seu quarto e olhou para dentro. Chandos ainda dormia e não era estranho. Desde que se tinha despedido dela, tinha dormido só trinta horas em dez dias.Fechou novamente a porta e continuou a contemplar Chandos durante uns instantes. Pensava deixá-lo dormir quanto quisesse. Também não ia dizer a ninguém que estava ali. Maggie sabia, mas não diria a Fletcher. Pensou que o velho tonto podia muito bem ter uma surpresa. Maggie tinha a certeza que Chandos não partiria de imediato.Courtney rezou para que fosse assim, mas não tinha tanta certeza como Maggie. Não tinha duvidas que Chandos ainda a desejava. Tinha-o demonstrado a noite anterior durante muito tempo e de todas as maneiras possíveis. Mas isso não queria dizer que a desejasse para sempre. Nem tampouco que não se iria embora, voltando a abandoná-la.No entanto, ele tinha regressado. e tinha-lhe confessado que não podia estar longe dela. Isso era o suficiente para que Courtney se sentisse muito feliz.Tinha colocado os alforges de Chandos num canto. Maggie tinha-os entregado pela manhã cedo. Depois olhou-se uma vez mais ao espelho. Ainda estava surpreendida do radiante que estava essa manhã. Era o amor o responsável pelo brilho do seus olhos? Não; o amor tinha os seus altos e baixos e ela sabia muito bem. Era a felicidade que lhe transmitia desejos de rir, cantar, e até de gritar. E essa felicidade inundava-a.Durante um tempo permaneceu junto à janela, contemplando Chandos, que dormia. Mas isso não era suficiente. Sabia que devia sair do quarto e procurar algo que a mantivesse ocupada. Mas não podia evitar o temor de, ao regressar, Chandos se tivesse ido embora. Era absurdo; desta vez ele não desapareceria sem lhe dizer pelo menos quando voltaria a vê-lo. Devia ter com ela essa mínima consideração. Não obstante, era o medo era o único do qual estava segura, de modo que não queria perdê-lo de vista.Aproximou-se lentamente da cama, tentando não perturbá-lo. Só queria estar junto dele. Depois de uns minutos, deitou-se com cuidado na cama. Ele não se moveu. Dormia profundamente; era evidente que estava exausto. Tão fatigado estava, que não tinha despertado nem sequer...Courtney tocou-lhe; os seus dedos percorreram suavemente os fortes músculos do peito de Chandos. Só estava coberto por um fino lençol, e Courtney podia perceber as formas do seu corpo. Quando ela lhe tocou, ele não se alterou. Estava profundamente adormecido e Courtney atreveu-se a deslizar os dedos pelos lados do seu corpo e pelas suas ancas.Depois conteve a respiração quando reparou que uma parte do seu corpo se movia. Chandos riu.- Não te detenhas agora, gatita.Courtney corou intensamente; a sua cor sobressaia contra o seu vestido amarelo.- Não estavas mesmo a dormir, pois não? - disse-lhe acusadoramente.- É o inconveniente dos hábitos de andar no terreno.

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Olhou-a com olhos sonolentos. Era incrivelmente atraente, mas Courtney, incómoda, pôs-se em pé.- Aqui estão as tuas coisas, se te quiseres barbear. A menos que queiras continuar a dormir... Não foi minha intenção incomodar-te. Podes continuar a dormir se quiseres. Ninguém sabe que estás aqui.- Por enquanto - disse ele, sentando-se na cama. - Mas brevemente verão o meu cavalo atrás da casa de Maggie.- A Maggie já tratou disso - anunciou ela sorrindo. – levou até à frente da varanda.- O quê?Courtney riu.- Quando o vi ali, não pude crer. Mas está a aguentar muito bem. Maggie decidiu comunicar a Fletcher que estás em casa. Disse que se algo suceder desta vez, terás decidir.Chandos grunhiu e passou a mão pelo queixo.- Creio que me vou barbear.Courtney assinalou-lhe os seus alforges, que estavam num canto; depois sentou-se na cama para o contemplar. - Vais ver o teu pai? - perguntou.- Não - respondeu ele rotundamente, vestindo um par de calças negras. Olhou-a severamente. - E não tentes compor as coisas, mulher. Não quero saber de nada com esse homem.- É um velho teimoso, duro e que grita muito, mas não é mau, Chandos.Ele olhou-a e ela suspirou, baixando os olhos.Depois de uns instantes olhou-o; estava a ensaboar o seu rosto junto ao lavatório. Hesitante, perguntou:- Encontraste o homem de San Antonio?Ele ficou tenso.- Encontrei. Tinha sido julgado e condenado à forca.- Então não o mataste?- Tirei-o da prisão - disse friamente. Secou o rosto, recordando. - Não foi difícil. Smith não tinha amigos em San Antonio, de modo que ninguém se preocupou com ele.Chandos voltou-se. Ela nunca tinha visto um olhar tão frio e duro nem ouvido tal ódio numa voz.- Parti-lhe os dois braços, entre outras coisas, e depois enforquei-o. Mas o canalha já estava morto. Devia suspeitar de algo. Talvez tivesse reconhecido o cavalo de Trask, não sei. Talvez não confiasse nos motivos que lhe dei para o libertar. Mas, quando parámos, atacou-me. Agarrou a minha faca e lutámos. Ele caiu sobre a faca e morreu em poucos segundos. Não era o suficiente - exclamou, angustiado. - Não era o suficiente, comparado com o que ele fez a Asa Branca.Courtney cruzou o quarto e abraçou-o. Ele demorou a abraçá-la por sua vez, mas finalmente fê-lo.- Asa Branca era a tua irmã?- Sim.Com uma voz que parecia vir de muito longe, ele relatou-lhe o que aconteceu naquele dia, quando regressou ao seu lugar e encontrou a sua mãe e irmã violadas e assassinadas. Antes de acabar, Courtney desatou a chorar. Finalmente, ele consolou-a a ela.- Não chores, olhos de gato. Nunca pude tolerar que chorasses. Além disso, todo acabou. Elas também já não choram. Agora podem dormir em paz.

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Beijou-a ternamente e voltou a beijá-la. Dessa maneira ambos se consolavam e esqueciam.

CAPÍTULO 44

Courtney levantou-se da cama nas primeiras horas da tarde. Chandos dormia novamente e, nesta ocasião, ela decidiu deixá-lo dormir. Ainda estava comovida pelo relato de Chandos, mas propôs-se não pensar mais nisso. Tinha acontecido há quatro anos atrás e ele tinha aprendido a viver com essa recordação, ainda que ela se perguntasse como o conseguia.Quando terminou de se vestir, ouviu que batiam à porta e olhou rapidamente para a cama. Chandos também tinha ouvido e abriu os olhos. No seu olhar havia uma advertência, ainda que desnecessária, pois ela não ia denunciar a sua presença.Ela encaminhou-se para a porta e apenas a abriu- Sim?- Tem uma visita, menina - disse uma das jovens mexicanas que ajudavam Maggie. - Um tal senhor Taylor. Está à sua espera na varanda com o senhor Straton e...- Taylor? - interrompeu Courtney bruscamente. – Você disse Taylor?- Sim.- Obrigado. - Courtney fechou a porta com fúria. - Reed Taylor. Não posso crer. Como se atreve a apresentar-se aqui depois do que fez? Ordenou que me sequestrassem... Esse... esse...- Courtney, vem cá - gritou Chandos ao vê-la sair encolerizada do quarto.Maldisse selvagemmente porque ela não lhe tinha prestado atenção e não podia sair para a deter nu como estava.Indignada, Courtney chegou à porta de entrada e abriu-a violentamente. Ali estava Reed, com o seu terno escuro e a sua camisa com laços, o chapéu na mão, imaculado como sempre. Reed sorriu-lhe.- Estás louco - exclamou ela, saindo para a varanda, sem reparar em mais ninguém. - Sabes que poderia fazer-te prender pelo que fizeste?- Vamos, Courtney querida, não creio que essa seja a maneira de me saudar depois de ter viajado até aqui para te encontrar.Ela pestanejou. Por Deus, tinha esquecido a mente tão estreita que tinha! Tudo quanto ela dizia sempre resistia na sua cabeça tosca.- Não me chames querida - disse ela, furiosa. - Nem sequer me chames Courtney. Não entendeste a minha mensagem ao ver que os teus homens não regressaram? Eu não queria que me encontrassem, Reed. Não tinhas o direito de enviar aqueles... aqueles assassinos para me procurar.Ele agarrou-a por um braço, afastando-a dos homens que estavam perto de ambos, observando a cena. Mas não baixou o tom da sua voz e não compreendeu que a estava a irritar cada vez mais.- Um desses homens regressou, Courtney.... moribundo. Esse pistoleiro com quem partiste tinha-lhe cortado a língua e uma mão. Meu Deus! Achas que podia deixar-te ali com esse demente depois do que fez?- Tenho a certeza que estás a exagerar - afirmou Courtney suavemente.- Sem dúvida - disse Chandos, que tinha ouvido as palavras de Reed. - Só lhe fiz um corte na língua quando me disse que tinha deixado a Courtney no acampamento para que um dos seus

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companheiros a violasse. e antes de o atar a uma árvore, parti-lhe os dedos da mão direita. Parece que era muito sensível à dor. Foi tudo o que fiz. Você também é, Taylor?Reed ignorou a pergunta e quis saber por sua vez:- O que faz ele aqui, Courtney?Courtney não respondeu. Olhava para Chandos, de pé no umbral, vestido só com as calças e o cinto. Sabia que estava a fazer um grande esforço para não desembainhar o revólver. Depois, pela primeira vez, percebeu a presença dos outros: os vaqueiros, Fletcher, que sorria olhando para Chandos e, atrás dele, viu o... seu pai. Deus! O seu pai tinha presenciado toda a cena!- Reed, por que não te vais embora? - sugeriu Courtney. Ele não a tinha soltado e o seu rosto tinha aquela expressão turva que ela conhecia muito bem. Era inútil, mas disse-lhe de todos os modos: - Vieste até aqui inutilmente. Não vou casar contigo e também não vou regressar ao Kansas. E se tentares obrigar-me, como o fizeste, chamarei a justiça.- Estás alterada - disse Reed laconicamente. - Se me deres a oportunidade de...- Já lhe deu, Taylor... a oportunidade de se ir embora - grunhiu Chandos, adiantando-se. - Agora terá que falar comigo. Tire as suas malditas mãos da minha mulher.Reed olhou-o, sem soltar o braço de Courtney.- Vai disparar sobre mim, pistoleiro? - disse, ironicamente. - Vai matar-me diante de todas estas testemunhas?Assinalou com a cabeça os presentes.- Não. - Sorrindo, Chandos desembainhou o seu revólver e entregou-o a Courtney. - Será rápido, olhos de gato - murmurou, dando um forte soco a Reed.Este caiu disparado para trás, e Courtney deu um passo em frente, mas Chandos agarrou-a pela cintura, impedindo-a que caísse pelos degraus da varanda, junto com Reed. depois pô-la de lado com um sorriso de desculpas e lançou-se sobre o homem caído.Courtney permaneceu no cima das escadas, observando os dois homens que se tentavam matar com os punhos. Não pensou em detê-los. Ainda estava emocionada porque Chandos se tinha referido a ela chamando-lhe «minha mulher». Tinha-o dito diante do seu pai e diante do pai dela. Deus! Tê-lo-ia dito a sério?Um braço agarrou-a pelos ombros e ela levantou os olhos. Mas o seu pai não olhava para ela; olhava para a luta.- Suponho que estás de acordo com o que disse esse jovem - disse como se não fosse nada.- Sim.Ouviu um golpe particularmente forte e voltou-se; Chandos tinha caído ao chão. Instintivamente Courtney deu um passo para a frente, mas ele já se tinha levantado e infligiu um forte golpe em Reed no abdómen. Começou a preocupar-se. Chandos era mais alto, mas Reed era muito robusto.- Este é o homem que te trouxe para o Texas? - perguntou Edward no mesmo tom que tinha empregado anteriormente.- Sim, sim.Estava pendente do combate.- Courtney, querida, olha para mim.Ela deixou de observar Chandos.- Sim, papá?- Ama-lo?

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- Oh, sim. Mais do que acreditei ser possível. – depois perguntou hesitante: - preocupa-te?- Não tenho a certeza - disse Edward. - É sempre tão... impetuoso?- Não, mas sempre me protege.- Bom, pelo menos isso favorece-o - disse o seu pai, suspirando.- Oh, papá, não o julgues até o conheceres. Só porque é um pistoleiro...- Há muitos homens que o são, querida. Eu sei.- E esteve só durante tanto tempo que não está acostumado a ser sociável ou amigável, de modo que não cometas o erro...- Também há muitos homens silenciosos, querida - disse ele.Ela sorriu timidamente.- Vais ser tolerante, não vais, papá?- Poderia não o ser? - Ele riu. - Não gostaria que esses punhos me batessem.- Ele não faria isso - assegurou Courtney, e depois compreendeu que era uma brincadeira.Os vaqueiros que tinham estado a observar o combate gritaram de entusiasmo. De imediato souberam de que lado deviam estar: Fletcher, apoiado na varanda, encorajava Chandos.Courtney procurou Chandos no meio de todos os que o felicitavam. Estava dobrado em dois, apertando o seu abdómen. O seu rosto também estava bastante magoado.- Parece que precisam dos meus serviços - disse Edward a Courtney na varanda.- Sim - admitiu Courtney, preocupada com Chandos.- Referia-me ao outro - disse Edward, a rir.- O quê? Não gastes o teu tempo - disse Courtney sem o menor sinal de compaixão. Reed jazia no chão, inconsciente. – Mereceu a tareia. Não imaginas o atrevido que é. Não aceita negativas.- Bom, espero que desta vez se dê por avisado, olhos de gato - expôs Chandos, caminhando para ela -. De contrario, teria que matar esse canalha, só porque é um indivíduo tosco e teimoso.- Chandos, senta-te - disse ela, acompanhando-o até à varanda.- Não comeces a dizer-me o que devo fazer, mulher.Ela obrigou-o a sentar-se nos degraus.- Por Deus, olha no estado em que estás. - Afastou o cabelo de Chandos da sua testa e esquadrinhou o seu rosto. - Papá, traz a tua maleta.- Papá? - Chandos voltou-se e fez uma careta. – Podias ter-me dito.Ela não pôde evitar um sorriso.- Ele gostou do combate.Chandos grunhiu.- O teu pai também.Ele voltou a maldizer e olhou para Fletcher, que estava dando ordens aos seus homens para que colocassem Taylor sobre o seu cavalo e o enviassem de regresso.- O que é isto? Uma maldita reunião familiar?Ela percebeu que ele estava mal-humorado só porque se sentia encurralado.- Podia ser, se tu o permitisses - sugeriu Courtney.- Vim unicamente por ti, mulher.- Sim?- Sabes que sim.De repente, ela adotou o mesmo tom dele.- Então, diz. Não te ouvi dizer, Chandos.

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Ele franziu o rosto. O pai de Chandos estava a poucos metros de distância, apoiado sobre a varanda. Ninguém tentou esconder o seu interesse pela conversa que Courtney e Chandos estavam a ter. Pior ainda, o pai dela também escutava atentamente.Chandos percebeu o olhar de todos eles fixos sobre ele, mas, principalmente, viu os olhos incendiados e decididos de Courtney. De repente, só lhe importou isso.- És minha mulher, olhos de gato. Sempre foste, desde a primeira vez que te vi.Não satisfeita com isso, ela insistiu:- Diz.Ele sorriu e obrigou-a a sentar-se sobre o seu regaço. Courtney permaneceu ali, rígida, expectante, até que finalmente, ele disse.- Amo-te. Era isso que querias ouvir? Amo-te tanto que estou perdido sem ti.- Oh, Chandos! - Comovida, ela abraçou-o pelo pescoço. - Amo-te...Ele interrompeu-a:- Será melhor que penses muito bem, olhos de gato, porque se me entregares o teu amor, não permitirei que deixes de me amar. Não posso viver preocupado se te faço feliz ou não. farei tudo o que puder, mas não poderás mudar de ideias. Compreendes o que te digo? Se vais ser minha mulher, jamais poderás abandonar-me.- Isso é válido para ambos? - perguntou indignada.Chandos riu e respondeu:- Claro.- Então, permite-me expor a minha lei. Já disseste que me amavas e não vou permitir que te retrates. E também eu farei tudo quanto puder para te fazer feliz. Mas, se no futuro mudares de ideia, aviso-te que não encontrarás onde te esconder, porque a primeira coisa que me vais ensinar é a rastrear. E a segunda, a disparar um revólver. Compreendes o que te estou a dizer, Chandos?- Sim, senhora - disse ele.- Bem. -Ela sorriu, algo ruborizada depois do seu ataque de ousadia. Inclinou-se para a frente, com os seus lábios muito perto dos de Chandos. - Porque te amo. Amo-te tanto que desejei morrer quando me deixaste. Não quero voltar a sentir-me assim, Chandos.- Eu também não - declarou ele apaixonadamente. Seguidamente beijou-a com profunda ternura. - Ainda sabes ronronar, gatita.- Chandos!Ele riu. Então ela teve consciência de que havia ali outras pessoas. Ele estava encantado com a forma como lhe brilhavam os olhos quando se envergonhava.- Tens a certeza, olhos de gato? - perguntou em voz baixa.- Sim.- E poderás viver como eu vivo?- Viverei como tu quiseres, desde que consiga transportar os meus filhos às costas.- Filhos!- Ainda não - murmurou furiosa e mortificada, olhando para o seu pai.Ele apertou-a contra o seu corpo, rindo. Nunca o tinha visto tão relaxado e feliz. Oh, como o amava!- Teremos filhos, não é? – continuou dizendo ele, pensativamente. - Talvez não fosse má ideia ter uma casa.

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Courtney olhou-o abismada.- Falas a sério?- Podia dedicar-me a dirigir um rancho. O velho ensinou-me tudo o que se refere a isso. Também depositou uma fortuna em meu nome no banco de Waco e jamais a usei. Com esse dinheiro podíamos adquirir um sítio agradável perto daqui. O velho ia gostar.Courtney foi a única que viu que os olhos de Chandos sorriam quando escutaram o gaguejar de Fletcher. Edward sorria quando desceu os degraus para se unir a eles.- Não acredito que necessite da minha maleta. Uma pessoa com esse sentido de humor não pode estar muito mal.- Tem razão, doutor.- Podes chamar-me Edward, já que brevemente serás meu genro.- Por agora, só preciso de tomar um banho e... falei sobre nos casarmos, olhos de gato?- Não, não o fizeste. - Ela sorriu ao ver a expressão do seu pai. - Oh, papá, está a brincar. Diz-lhe, Chandos. Chandos?Chandos afastou a mão de Courtney dos seus cabelos.- Vais mesmo obrigar-me a participar numa cerimónia de homens brancos, que não tomam em consideração os sentimentos? Declarei-me em frente de testemunhas. Tu também o fizeste. Já és minha esposa, olhos de gato.- O meu pai ficava muito feliz, Chandos - disse Courtney, simplesmente.- E tu?- Também.- Então suponho que estava a brincar - disse ternamente.Ela abraçou-o; era tão feliz que não resistiu. Em alguns aspectos era cruel e selvagem, mas também era o seu Chandos, amável quando era necessário. E amava-a. O fato de estar disposto a estabelecer-se num lugar fixo por causa dela provava-o, sem sombra de dúvidas.Courtney chegou-se para trás. Desejava que todos fossem tão felizes como ela, incluindo Fletcher.- Por que não dizes ao teu pai que estavas a brincar quando te referiste a ele?- Porque não foi assim. - Chandos voltou-se e olhou para Fletcher. - Poderás suportar a concorrência, velho?- Claro que sim - rugiu Fletcher.- Eu tinha a certeza - disse Chandos, sorrindo.Depois de um instante, Fletcher fez um gesto que foi quase um sorriso, algo completamente insólito nele.No entanto, transbordava de alegria. Nunca tinha visto o seu filho assim, tão cálido, tão aberto, tão... acessível. Era um começo. «Um maldito bom começo!», segundo ele diria.

FIM

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