coquetelaria com sabor de brasil 1° edição

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Mauricio Campos 1 Coquetelaria com Sabor de Brasil COQUETELARIA COM SABOR DE BRASIL Autor: Mauricio Campos 2015 1°Edição

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1. Mauricio Campos 1 CoquetelariacomSabordeBrasil COQUETELARIA COM SABOR DE BRASIL Autor: Mauricio Campos 2015 1Edio 2. Mauricio Campos 2 CoquetelariacomSabordeBrasil Mauricio Campos Bartender desde os 18 anos, teve a oportunidade de morar em todas as regies do Brasil, passando pelos estados de So Paulo (aonde nasceu), Santa Catarina, Paran, Gois, Tocantins e Cear. Durante 13 anos de viagens pelo Pas, passou por 22 estados e mais de 600 cidades. Hoje associado do movimento Slow Food e defensor assduo da profisso de Bartender no Pas. Em 2012, assumiu o compromisso de lutar pela Regularizao da Profisso de Bartender, em busca de melhorias nas condies de trabalho de centenas de milhares de profissionais do setor. E como forma de fortalecer o crescimento da profisso, j apoiou mais de 30 Torneios de Bar no Pas e 8 Bartenders Brasileiros em campeonatos em 15 pases. 3. Mauricio Campos 3 CoquetelariacomSabordeBrasil Coquetelaria Com Sabor de Brasil 4. Mauricio Campos 4 CoquetelariacomSabordeBrasil Viajantes (relatos sobre o Brasil, sculos XVI a XIX) Os viajantes foram, portanto, os grandes cronistas da vida brasileira dos sculos XVI a XIX, descrevendo em suas obras aspectos da terra, da gente, dos usos e costumes do Brasil. Todas as obras citadas no texto podem ser consultadas na Biblioteca Central Blanche Knopf da Fundao Joaquim Nabuco. A presena de viajantes estrangeiros e seus relatos publicados sobre o Brasil, datam do sculo XVI. Existem mais de 260 obras, em vrias lnguas, onde os autores falam dos habitantes, vida social, usos e costumes, fauna, flora e outros aspectos da antiga colnia portuguesa, principalmente durante o sculo XIX, depois que Dom Joo VI decretou abertura dos portos brasileiros, em 1808. Com abertura dos portos houve um incremento da navegao e o consequente aumento da presena estrangeira no pas. O primeiro a narrar a histria primitiva do pas foi Pero Vaz de Caminha, em carta que enviou a D. Manoel I, Rei de Portugal, quando encontrou a Terra de Santa Cruz. Ainda do sculo XVI so tambm os relatos de Hans Staden, Viagem ao Brasil (1557) e o de Jean de Lry, Viagem terra do Brasil, (1574). 5. Mauricio Campos 5 CoquetelariacomSabordeBrasil Genebra - 1586 6. Mauricio Campos 6 CoquetelariacomSabordeBrasil Dessa grande quantidade de estrangeiros, viajantes e aventureiros (ingleses, franceses, alems, portugueses), que escreveram suas impresses e crnicas sobre o Brasil, pode-se destacar alguns que estiveram no Nordeste Brasileiro e fizeram seus relatos sobre a regio. Uma das melhores narrativas sobre o Nordeste na primeira metade do sculo XIX, a do ingls Henry Koster, que escreveu o livro Travels in Brazil, publicado em Londres, em 1816. Em 1898, foi traduzido por Antnio C. de A. Pimenta e publicado na Revista do Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico Pernambucano. Porm, sua primeira edio em livro no Brasil de 1942, com traduo de Lus da Cmara Cascudo sob o ttulo Viagens ao Nordeste do Brasil. Como uma complementao ao relato de Koster, o francs Louis Franois de Tollenare escreveu, entre 1816 e 1818, um dirio onde aborda aspectos importantes da vida social e poltica, usos e costumes, festas populares, escravido, movimentos polticos e economia da sociedade da poca. As partes referentes aos estados de Pernambuco e da Bahia foram traduzidas por Alfredo de Carvalho e publicadas sob o ttulo de Notas dominicais, nas Revistas do Instituto Arqueolgico e Geogrfico Pernambucano, em 1904 (v.61), e do Instituto Histrico e Geogrfico da Bahia, em 1907 (v.14). Um outro relato importante o James Henderson, viajante e diplomata ingls que esteve no Brasil de 1819 a 1821 e escreveu o livro (ainda sem traduo para o portugus), A history of Brazil: comprising its geography, commerce, colonization, aboriginal inhabitants (Uma histria do Brasil: compreendendo sua geografia, comrcio, colonizao, habitantes aborgenes), publicado em Londres, em 1821. O alemo Johan Moritz Rugendas tem uma obra significativa para o estudo das caractersticas fsicas, hbitos e costumes da populao negra e ndia, assim como dos mulatos e mestios que formam hoje a chamada raa brasileira. O livro foi traduzido para a lngua portuguesa e publicado, em 1940, sob o ttulo Viagem pitoresca atravs do Brasil. Outro relato importante sobre o Brasil e o Nordeste do sculo XIX o da inglesa Maria Graham, que esteve por trs vezes no pas e escreveu o Dirio de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse pas durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823 (ttulo em portugus), publicado na Srie Brasiliana, v. 8, em 1956. Dois cientistas alemes, Johan Baptist von Spix e Karl Friedrich Philip von Martius, realizaram uma grande viagem pelo interior do Brasil, entre os anos de 1817 e 1820, percorrendo vrias provncias, seguindo atravs do rio So Francisco, por Minas Gerais e Bahia, passando pelo serto de 7. Mauricio Campos 7 CoquetelariacomSabordeBrasil Pernambuco, Piau e Maranho, analisando e fazendo anotaes sobre as populaes rurais. Suas anotaes foram traduzidas para o portugus e publicadas pela Imprensa Nacional, sob o ttulo Viagem pelo Brasil, em 1938. Richard Francis Burton foi um dos maiores viajantes ingleses do sculo XIX. Em 1865, foi nomeado cnsul britnico em Santos e, em 1867, conseguiu permisso para uma viagem pelo Brasil, que durou cinco meses. Visitou o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paulo Afonso, na Bahia, indo at Penedo, em Alagoas, seguindo pelo rio So Francisco, que denominou de Mississipi brasileiro. Suas observaes foram registradas no livro, Explorations of the highlands of the Brazil, publicado em Londres, em 1869 e traduzido para o portugus com o ttulo Viagens aos planaltos do Brasil (1941). As narrativas dos viajantes, reunidas em livros, impressos s vezes em mais de uma edio e em diversas lnguas, fizeram muito sucesso na poca, sendo disputados pelo pblico interessado em descries de povos e costumes exticos. A viagem que revelou a biodiversidade do Brasil ao Mundo. Durante trs anos, de 1817 a 1820, o naturalista alemo Carl von Martius percorreu 10 mil km no interior do Brasil, de So Paulo ao Amazonas, realizando um levantamento de plantas jamais superado no pas. Aps essa viagem, as descries das espcies coletadas foram reunidas na Flora brasiliensis, maior obra sobre a flora de um pas da histria da botnica. Essa foi a primeira indicao de que o Brasil apresentava uma das maiores diversidades de plantas do mundo. Carl von Martius 8. Mauricio Campos 8 CoquetelariacomSabordeBrasil Raimundo Paulo Barros Henriques Departamento de Ecologia, Universidade de Braslia O incio da viagem que revelaria a incomparvel diversidade da flora brasileira ao mundo no foi nada animador. Logo aps sair do Rio de Janeiro, a 8 de dezembro de 1817, Carl Friedrich Phillipp von Martius (1794-1868) ficou desolado. Em Santa Cruz, no caminho para So Paulo, as mulas assustaram- se, deixando para trs pessoas, mantimentos e equipamentos. Reunidos os animais, o grupo seguiu viagem. Naquele momento, Martius no imaginava as enormes dificuldades que enfrentaria em sua viagem de trs anos pelo interior do Brasil, nem que seu nome ficaria ligado em definitivo s pesquisas sobre plantas das regies tropical e subtropical das Amricas. Viajar pelo Brasil naquele tempo era uma empreitada de alto risco, que podia at levar morte, em ataques de grupos indgenas ou de animais estranhos. No era raro os viajantes contrarem graves doenas ainda desconhecidas, como malria ou febre amarela. Vrios naturalistas da poca sofreram com essas e outras doenas em suas expedies pela Amrica do Sul. O francs Aim Bonpland (1773-1858), que esteve na Amrica Central e na Amaznia venezuelana com o baro alemo Alexander von Humboldt (1769-1859), contraiu malria em 1800. Os viajantes eram pessoas de ambos os sexos, de classes sociais variadas, profisso e formao intelectual diversificada, que descreveram aspectos do Brasil, atravs de crnicas, relatos de viagem, correspondncia, memrias, dirios, lbuns de desenhos. O conjunto de obras deixadas por eles integra a chamada literatura de viagem e se constitui numa literatura de testemunhos, cujos registros e observaes ajudam a conhecer a realidade do Brasil da poca. Em alguns casos, o isolamento prolongado e o estresse decorrente das duras condies das viagens levavam a distrbios mentais, transitrios ou permanentes, como aconteceu com o diplomata e naturalista russo Georg von Langsdorff (1774-1852) no final de sua viagem ao Amazonas, entre 1826 e 1828. A viagem de Martius custaria a morte de dois de seus auxiliares. Alm disso, Martius e o zologo Johann Baptiste von Spix (1781-1826), que o acompanhava, tiveram malria e o segundo, debilitado, morreria apenas seis anos depois de retornar Alemanha. Efeito Humboldt difcil imaginar hoje, na era do ecoturismo para as mais remotas regies do planeta, quanta admirao e atrao causaram, nos europeus do incio do sculo 19, as palestras e livros do baro von Humboldt, que viajou pela Amrica Central e pelo noroeste da Amrica do Sul entre 1799 e 1804. Essa viagem, inicialmente planejada para ser no Brasil, no recebeu autorizao da corte portuguesa. A crescente necessidade de conhecimento sobre a Amrica colonial substituiu o explorador aventureiro pelo profissional de cincia da poca: o naturalista. O assunto ganhou importncia, virando questo de Estado. As cortes da Prssia (parte da atual Alemanha) e da Rssia enviaram naturalistas ao Brasil, aps a viagem de Martius. s vezes membros da nobreza europeia participavam pessoalmente das expedies, como o prncipe 9. Mauricio Campos 9 CoquetelariacomSabordeBrasil da Rennia (hoje tambm na Alemanha), Maximilian Wied-Neuwied (1782- 1867), que viajou do Rio de Janeiro Bahia de 1815 a 1817. O Brasil atraiu o interesse dos naturalistas europeus por razes polticas. Ao contrrio de alguns pases hispano-americanos, o Brasil obteve sua independncia sem conflitos, em parte por ter servido de exlio para a famlia real portuguesa, o que tornava a viagem mais segura. Outro motivo de interesse era o pouco conhecimento da natureza brasileira. Isso pode ser constatado pela carta enviada, a 12 de fevereiro de 1765, pelo pai da moderna classificao biolgica, o sueco Carl von Linn (ou Lineu, 1707-1778), ao italiano Domenico Vandelli (c.1735-1816), ento professor na Universidade de Coimbra, em Portugal: Oxal possas ir ao Brasil, terra onde nunca ningum andou, exceto Marcgrave..., mas em um tempo em que no estava acesa nenhuma luz da histria natural; agora tudo deve ser de novo descrito luz. Tu ests apto para isso, s solidssimo nas coisas da natureza, infatigvel na inquirio, habilssimo nos belos desenhos. Carl Martius nasceu em Erlangen, no reino da Baviera (parte da Alemanha). Seu pai, Ernst Martius (1756-1849), era farmacutico, professor da universidade local e scio fundador da Sociedade Botnica de Ratisbona. O tio Heinrich Martius (1781-1831) foi o autor de Prodromus florae mosquensis, sobre a flora da regio de Moscou. A casa de Ernst Martius era freqentada pelo botnico e zologo Johann Schreber (1739-1810), ex-aluno de Linn, que talvez tenha influenciado o interesse do jovem Carl pelas plantas. Este comeou a estudar medicina aos 16 anos, na Universidade de Erlangen, obtendo o grau de doutor em 1814, com uma dissertao sobre as plantas do Jardim Botnico da cidade. Nessa ocasio, o rei da Baviera, Maximiliano Jos I, enviou a Erlangen o botnico e entomologista Franz von Schrank (1747-1835) e o zologo Johann Baptiste von Spix para comprarem o herbrio de Schreber. Spix (que viajaria com Martius pelo Brasil) e Schrank ficaram to impressionados com o jovem Carl que o recomendaram para o Jardim Botnico da Academia de Cincias da Baviera, em Munique. Assim, ao final do curso, Martius foi para Munique, onde aperfeioou seus estudos botnicos. Como europeu, Martius certamente tinha grande curiosidade pela Amrica, devido leitura dos livros de Humboldt. Este citado com frequncia por Mar - tius no dirio de sua viagem pelo Brasil antes dessa viagem, as informaes sobre as plantas do Brasil eram escassas. A oportunidade para a vinda Amrica do Sul surgiu aps a invaso de Portugal pelo exrcito de Napoleo Bonaparte e a transferncia da famlia real portuguesa, e de toda a corte, para o Rio de Janeiro, onde chegaram no incio de 1808. Com a sede do imprio portugus no agora reino do Brasil, o regente D. Joo mudaria de posio quanto entrada de estrangeiros. Assim, nas negociaes para o casamento de D. Pedro de Alcntara (depois D. Pedro I) com a arquiduquesa da ustria, D. Carolina Josefa Leopoldina, foi includo o envio, pela Academia Real de Cincias da ustria, de uma misso cientfica e artstica ao Brasil. O rei da 10. Mauricio Campos 10 CoquetelariacomSabordeBrasil Baviera aproveitou a ocasio para integrar a essa misso tanto Martius, pela Academia de Cincias da Baviera, quanto Spix, pelo Museu Zoolgico de Munique (ver Misso austraca alem). A comitiva de D. Leopoldina partiu de Trieste, hoje na Itlia, em 10 de abril de 1817. Martius chegou ao Brasil em 15 de julho de 1817 e realizou suas primeiras observaes na cidade do Rio de Janeiro e arredores, em excurses ao Corcovado, ao Po de Acar e lagoa Rodrigo de Freitas, com von Langsdorff, cnsul da Rssia. Fez tambm uma curta viagem serra dos rgos, a cerca de 90 km do Rio de Janeiro, quando conheceu as duras condies que teria de enfrentar no pas. Seu espanto com a diversidade tropical est claro no primeiro relatrio da viagem ao rei da Baviera: Diante de tanta riqueza de formas, no temos mos e olhos suficientes para realizar nosso trabalho. Cada um de ns teria que ser pintor, empalhador, caador e herborista para poder representar e reunir toda esta riqueza. O interior do Brasil Martius tinha 23 anos quando iniciou a viagem pelo Brasil, com Spix e o pintor austraco Thomas Ender (1793-1875). Partiu com destino a So Paulo, a cavalo, com trs guias e uma tropa de mulas. Aps a travessia da mata atlntica na serra do Mar, eles surpreenderam se, ao chegar a Taubat, no vale do rio Paraba do Sul, na provncia paulista, com a mudana na aparncia da vegetao. A floresta densa que observavam desde a partida, com rvores altas, de copa fechada e galhos cobertos de outras plantas, deu lugar a uma vegetao aberta de campo, com rvores baixas de casca espessa, chamada de tabuleiro ou cerrado pela populao local. O grupo chegou cidade de So Paulo no final de dezembro, e dali retornou ao Rio de Janeiro. Spix e Martius foram para o interior, a 9 de janeiro de 1818, passando por Sorocaba e cruzando as serras ao norte de Atibaia, em direo provncia das Minas Gerais. Nessa altura, j tinham estabelecido a rotina de trabalho que seguiriam em toda a viagem. Eles cavalgavam das 6 h s 14 h, quando paravam em um abrigo de tropeiros ou em uma fazenda, descarregavam as mulas e faziam sua segunda refeio, com as aves ou mamferos caados durante a marcha do dia (na Amaznia, depois, canoas substituram os cavalos e essa refeio era baseada em peixes). Durante a manh realizavam as principais observaes e coletas de plantas e animais. Aps a parada das 14 h, faziam outras observaes e coletas nos arredores do local de repouso, preparavam e embalavam os espcimes coletados e atualizavam os registros e as anotaes no dirio de viagem. Em Minas Gerais seguiram at Ouro Preto e dali para Diamantina. Cruzaram o rio So Francisco e alcanaram o nordeste de Gois, chegando lagoa Feia, em Formosa, a apenas 70 km de onde hoje Braslia. Nesse percurso Martius encontrou de novo a vegetao de cerrado, s que em muito maior extenso. Depois voltaram ao So Francisco, mas em Januria, na Bahia. Ali Martius registrou um terceiro tipo de vegetao, a caatinga, com espcies mais adaptadas a perodos secos. Na caatinga, em duas ocasies, a escassez de gua traria grandes problemas para Martius e Spix. Na primeira, no serto baiano, atravessando a serra de Sincor, a forragem para os animais e a gua praticamente se esgotaram, 11. Mauricio Campos 11 CoquetelariacomSabordeBrasil obrigando-os a beber gua acumulada em cacimbas e bromlias. Ambos ficaram doentes, mas, socorridos por um tropeiro, chegaram a Salvador (BA) em novembro de 1818. Na segunda, aps partirem (em fevereiro de 1819) rumo ao Piau, ficaram sem gua no centro-oeste da Bahia, entre Coit e Rio do Peixe. Bebiam o orvalho depositado sobre lajes de pedra e a gua salobra de cacimbas, e adoeceram de novo, juntamente com alguns tropeiros. Apesar das dificuldades, Martius fez observaes e registros em seu dirio sobre a vegetao da caatinga. Reconheceu diferenas na vegetao dentro da prpria caatinga e associou claramente a mudana na vegetao do litoral para o interior com a reduo das chuvas nessa segunda regio, em funo da barreira natural que as chapadas, como as de Borborema, Araripe e Diamantina, representavam para os ventos ocenicos midos. Essa relao entre relevo, clima e vegetao s seria bem compreendida pelos meteorologistas mais de um sculo depois. Aps atravessar mais uma vez o So Francisco, na altura de Juazeiro, seguiram pelo oeste de Pernambuco, em direo ao Piau. Depois de passar por Oeiras, antiga capital da provncia do Piau, em maio, alcanaram o rio Parnaba, mas os dois amigos estavam to doentes e debilitados que no conseguiam cavalgar, sendo transportados em redes. J no Maranho, a 56 km de Caxias, Spix entrou em coma. Temendo pela vida do amigo, Martius, mesmo com febre, seguiu na frente da tropa, a cavalo, para buscar ajuda na cidade. Ao chegar cidade, entregou ao juiz as autorizaes reais para o trabalho na provncia e desmaiou, devido ao cansao e doena. Depois de um perodo de descanso em Caxias, ambos se recuperaram e partiram para So Lus. Atingiram essa cidade no incio de junho e, aps algumas excurses por rios prximos, seguiram de navio para Belm a 20 de julho. A meta almejada. com essa frase que Martius se refere, em seu dirio, terceira e ltima etapa da expedio. Ele desembarcou em Belm a 25 de julho de 1819 e comeou a viagem pelo rio Amazonas quase um ms depois. O desejo de conhecer a Amaznia era to grande que, antes de iniciar a subida do rio, ficou vrias noites sem conseguir dormir de ansiedade. Os dois viajantes fizeram uma incurso pelo rio Tocantins e depois subiram o rio Amazonas, passando por Manaus em outubro e aportando em Tef (Ega, na poca), no final de novembro. Dali, Spix subiu o rio Solimes at Tabatinga, na fronteira com Peru e Colmbia, enquanto Martius subiu o rio Japur at Araracoara, tambm na fronteira com a Colmbia. Eles se reencontrariam em Manaus, em maro de 1820. Durante essa viagem Martius fez as primeiras descries do uso de produtos vegetais locais, como a extrao e o preparo do ltex da seringueira (Hevea brasiliensis), do guaran (Paullinia cupana) e do cumaru (Dipterix odorata). Relatou tambm como os ndios usavam, para pescar, extratos de plantas que entorpecem, como o aau (Hura crepitans e Hura brasiliensis) e o timb (Paullinia pinnata), alm do cultivo e uso de epadu (Erythroxylum coca), de efeito alucingeno, pelas tribos do alto Solimes. Tais descries, com as informaes etnogrficas (sobre os hbitos e a cultura dos 12. Mauricio Campos 12 CoquetelariacomSabordeBrasil ndios) coletadas por Martius, o colocam como um precursor da etnobotnica, disciplina que surgiria mais de um sculo depois de sua viagem pelo Brasil. Percurso da Expedio de 1817 a 1820 Depois da viagem Os amigos partiram de Belm, na volta Europa, a 13 de junho de 1820. O relato da aventura, intitulado Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil), foi publicado em trs volumes, entre 1823 e 1831, com mapas do Brasil (os melhores da poca) indicando as regies percorridas e 40 estampas baseadas em desenhos originais de ambos. Esse relato foi um grande sucesso editorial e deu notoriedade a Martius, nomeado em 1826 professor da Universidade de Munique e em 1832 diretor do Jardim Botnico de Munique (onde trabalhou at sua morte). O trabalho realizado por Martius foi extraordinrio, mesmo para os padres atuais. Quando a viagem terminou, Martius havia percorrido 10 mil km, de norte a sul e de leste a oeste do Brasil. Comeando no Rio de Janeiro, ele atravessou So Paulo, Minas Gerais, parte de Gois, Bahia, Pernambuco, Cear, Piau, Maranho, Par e Amazonas, chegando fronteira colombiana. Coletou e registrou milhares de plantas, apontando muitas novas famlias, gneros e espcies dados divulgados em vrias publicaes, inclusive a monumental Flora brasiliensis. Martius ainda preparou o primeiro mapa fitogeogrfico do Brasil, que no difere muito do ltimo mapa de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. 13. Mauricio Campos 13 CoquetelariacomSabordeBrasil Biodiversidade Brasileira Ao retornar Alemanha, Martius levou cerca de 10 mil plantas e, a partir de 1823, comeou a publicar seus resultados botnicos sobre os espcimes coletados na viagem. Seu trabalho inicial foi dedicado especialmente descrio de novas famlias, gneros e espcies. Entre as espcies descobertas por Martius esto o aa (Euterpe oleracea), o palmito (Euterpe edulis) e o babau (Orbygnia speciosa). Em seguida, encorajado pelo prncipe von Metternich, planeja a Flora brasiliensis. O primeiro fascculo dessa obra gigantesca, publicado em 1840, descreve as unidades fitogeogrficas do Brasil, com ilustraes sobre os diferentes tipos de vegetao, baseadas em desenhos de Ender e do prprio Martius. A Flora teve apoio financeiro do imperador da ustria (Ferdinando Jos I), do novo rei da Baviera (Ludovico I) e, a partir de 1850, do imperador brasileiro D. Pedro II. A subveno brasileira no foi retirada com a proclamao da Repblica, em 1889, mantendo- se at a publicao do ltimo volume, em 1906. A Flora brasiliensis o maior projeto de catalogao de uma flora da histria da botnica. Foi organizada em 140 fascculos, com 40 partes distintas agrupadas em 15 volumes. Trabalharam na obra 60 dos maiores botnicos da poca. Nela so descritas 22.767 espcies de plantas, das quais 5.689 eram novas para a cincia. A publicao completa demorou 67 anos, e s terminou 48 anos aps a morte de Martius. A obra foi tambm a primeira estimativa da biodiversidade brasileira. O Brasil, hoje, considerado o pas mais rico em plantas do mundo, com cerca de 35 mil espcies conhecidas, mas estimativas apontam um nmero real entre 40 mil e 100 mil espcies vegetais. Na Flora brasiliensis as 22.767 espcies foram inventariadas em 67 anos, o que corresponde a 340 espcies por ano. J as espcies acrescentadas ao inventrio da flora brasileira desde o final da publicao da obra, em 1906, at a ltima compilao de espcies de plantas do Brasil (realizada em 2001 pelo botnico Rafal Govaerts, do Jardim Botnico Real, em Kew, na Inglaterra) somam 12 mil, em 95 anos a uma taxa, portanto, de 126 espcies por ano. Isso indica que o trabalho realizado na Flora brasiliensis por Martius e outros autores foi 2,8 vezes mais eficiente que o feito depois. Mesmo considerando que o acmulo histrico de conhecimento sobre a flora torna cada vez mais difcil encontrar espcies novas, essa eficincia pode ser creditada em grande parte ao modelo de planejamento, coleta e registro do naturalista alemo, adequado para inventariar a fauna de regies tropicais e subtropicais. Apesar de todos os recursos tecnolgicos atuais, como computadores e fotografias digitais, os botnicos do Brasil e das regies tropicais ainda tm muito o que aprender com Martius. 14. Mauricio Campos 14 CoquetelariacomSabordeBrasil Frutas Brasileiras por Albert Eckhout 15. Mauricio Campos 15 CoquetelariacomSabordeBrasil Mais de um sculo depois de sua proibio, o livro Cultura e opulncia aguou a curiosidade de historiadores. Afinal, quem foi Antonil? Quando o reitor do Colgio dos Jesutas da Bahia, o padre Joo Antnio Andreoni usando o pseudnimo de Andr Joo Antonil , mandou para Lisboa o manuscrito da obra que havia acabado de escrever, Cultura e opulncia do Brasil por suas drogas e minas, mal podia imaginar o que o destino lhe reservava. No mesmo ms em que saiu do prelo da Oficina Real Deslandiana, em maro de 1711, a obra foi destruda por ordem real. Rarssimos exemplares escaparam das chamas. Mas que razes havia por trs dessa deciso? Como qualquer outro livro, o de Antonil tambm havia sido submetido ao exame dos censores, que deveriam reprov-lo caso seu contedo estivesse em desacordo com a moral, a religio e os costumes vigentes. O curioso saber o que poderia haver de to condenvel em uma obra que tratava apenas de assuntos econmicos, como rezava seu ttulo completo:Cultura e Opulncia do Brasil por suas drogas e minas, com vrias notcias curiosas do modo de fazer o acar, plantar e beneficiar o tabaco, tirar ouro das minas e descobrir as da prata; e dos grandes emolumentos que esta Conquista da Amrica meridional d ao Reino de Portugal com estes e outros gneros e contratos reais. E mais: ela havia sido oferecida aos que desejam ver glorificado nos altares ao venervel Padre Jos de Anchieta, sacerdote da Companhia de Jesus, missionrio apostlico e novo taumaturgo do Brasil. 16. Mauricio Campos 16 CoquetelariacomSabordeBrasil O livro foi submetido s censuras obrigatrias entre 8 de novembro de 1710 e 6 de maro de 1711, e acabou sendo aprovado. Os censores do Santo Ofcio declararam que a obra no continha coisa que seja contra nossa Santa F ou bons costumes e que era muito merecedora da licena que pede. O frade e censor Paulo de So Boaventura chegou a proferir a seguinte concluso: Porque por este meio sabero os que quiserem passar ao Estado do Brasil o muito que custam as culturas do acar, tabaco e ouro, que so mais doces de possuir no Reino que de cavar no Brasil. Por isso se pode estampar com letra de ouro. O censor do Desembargo do Pao, frade Manuel Guilherme, no teve a menor dvida em conceder seu parecer favorvel: Vi o livro que V. Majestade foi servido remeter-me, seu autor Andr Joo Antonil. E sobre no achar nele coisa que encontre o real servio de V. Majestade, me parece ser muito til para o comrcio, porque despertar as diligncias e incitar a que se procurem to fceis interesses. Mas o livro ainda teve que passar por outra verificao que no era habitual: a do Conselho Ultramarino, cujos membros tinham competncia para examinar e resolver todos os problemas relativos aos domnios do Ultramar. Em 17 de maro de 1711, representaram ao rei o perigo que havia em divulgar, entre outras coisas () todos os caminhos que h para as minas de ouro descobertas, e recomendaram muito que se no faam pblicas nem possam chegar notcia das naes estranhas pelos graves prejuzos que disso podem resultar conservao daquele Estado, da qual depende em grande parte a deste Reino e a de toda a Monarquia. Para isso, era fundamental que o rei ordenasse que este livro se recolha logo e se no deixe correr. Trs dias depois, D. Joo V assinou a ordem para que se recolhesse o livro. Durante quase um sculo, no se falou mais de Cultura e Opulncia do Brasil. At que, em 1800, frei Jos Mariano da Conceio Velloso, diretor da CasaLiterriadoArcodoCego criada por D. Rodrigo de Souza Coutinho, ento ministro da Marinha e Domnios Ultramarinos , encontrou um exemplar do livro. Ele acabou tomando a iniciativa de publicar a parte da obra dedicada cana-de-acar, que se integrava perfeitamente no seu programa de edies pedaggicas atitude que, efetivamente, revogou o antigo veto. Muitos anos se passariam at que fossem feitas reedies completas de Cultura e opulncia do Brasil e resolvidos os dois enigmas levantados pela obra: os motivos de sua destruio e a personalidade do autor que usava o pseudnimo de Antonil. Os historiadores se debruaram sobre este assunto a partir do final do sculo XIX e ao longo do XX, emitindo hipteses umas slidas, outras fantasiosas , at que eu mesma descobrisse nos arquivos portugueses os dois documentos de maro de 1711 que esclareceram definitivamente os motivos da destruio da obra: a consulta do Conselho Ultramarino e a ordem dada pelo prprio rei, acima citadas. O responsvel pela descoberta do pseudnimo do autor foi o historiador brasileiro Capistrano de Abreu (1853-1927), que se deu conta de que Andr Joo Antonil era o anagrama quase perfeito de Joo Antnio Andreoni, jesuta italiano que havia ocupado cargos importantes na Bahia entre os sculos XVII e XVIII. 17. Mauricio Campos 17 CoquetelariacomSabordeBrasil O padre Serafim Leite (1890-1969), incansvel investigador da histria dos jesutas no Brasil, chegou a levantar dados biogrficos sobre o autor de Cultura e opulncia no Brasil. Segundo a pesquisa do religioso, Andreoni nasceu no dia 8 de fevereiro de 1667 em Lucca (Toscana) e se formou em Direito pela Universidade de Peruggia. Assim que foi admitido na Companhia de Jesus em Roma, em 20 de maio de 1667, conheceu o padre Antnio Vieira, relacionamento que incutiu nele o desejo de vir para o Brasil, em janeiro de 1681. J na Bahia, em agosto de 1683, o padre Andreoni assumiu o ensino de vrias disciplinas no Colgio dos Jesutas. Foi nomeado Provincial em 1705 e por duas vezes reitor do Colgio da Bahia. Excelente jurista, foi confessor de dois governadores gerais o marqus das Minas e D. Joo de Lencastre e gozou da inteira confiana do arcebispo D. Sebastio Monteiro de Vide. Muito estimado na Corte de Lisboa, obteve a suspenso de cartas rgias que proibiam os religiosos estrangeiros de desempenhar cargos importantes e obrigavam os jesutas italianos concentrados no Colgio da Bahia a serem dispersados. Morreu na Bahia no dia 13 de maro de 1716, aos 67 anos. Foi justamente Serafim Leite quem colocou o motivo da apreenso do livro na devida conjuntura histrica,associando-a s disputas pelas minas de ouro no comeo do sculo XVIII e aos ataques que o Brasil sofreu naquela poca por parte dos espanhis (ocupao da Colnia do Sacramento, 1705) e dos franceses (ataque ao Rio de Janeiro por Duguay-Trouin, 1710), justificando os receios dos membros do Conselho Ultramarino. Passados trezentos anos da sua primeira edio, Cultura e opulncia do Brasil continua a cativar historiadores e leitores que simplesmente se interessam pela histria e pela literatura do Brasil. At porque, alm de tudo o que revela, o livro tambm uma obra literria, principalmente na parte dedicada ao acar, na qual, em puro estilo barroco, Antonil evoca o martrio da cana-de-acar e as vicissitudes da sua transformao num produto que torna por muitas vezes a ser vendido e revendido, preso, confiscado e arrastado, () to seguro de ser comprado e vendido entre cristos como arriscado a ser levado para Argel entre mouros. E ainda assim, sempre doce e vencedor de amarguras. Cultura e opulncia do Brasil uma obra fundamental cuja leitura atenta, nas linhas e entrelinhas, revela muitos aspectos da vida daqueles homens que estavam imersos na conjuntura econmica do comeo do sculo XVIII. No seio de uma sociedade baseada no trabalho escravo, eles contriburam, custa do dinheiro de uns e do suor e do sofrimento de outros, para a riqueza de um imprio cobiado e ameaado por potncias estrangeiras. Andre Mansuy-Diniz Silva professora aposentada da Universidade de Paris III, autora da verso comentada com estudo crtico de Andr Joo Antonil, Cultura e opulncia do Brasil por suas drogas e minas. (Paris: IHEAL, 1968; EDUSP, 2007). 18. Mauricio Campos 18 CoquetelariacomSabordeBrasil Historia Naturalis Brasiliae (em portugus: Histria Natural do Brasil), escrito originalmente em latim, o primeiro livro mdico que trata do Brasil, publicado em 1648, de autoria do holands Guilherme Piso em que este se utiliza, ainda, de observaes feitas pelos alemes George Marcgraf e H. Gralitzio e ainda de Joo de Laet. A obra foi dedicada ao Conde Maurcio de Nassau. Embora trate a todo momento do Brasil, os autores em verdade se referem faixa litornea do Nordeste, ocupada pela Companhia das ndias Ocidentais. Foi editado, como consta de seu frontispcio, em: Lugdun. Batavorum : Apud Franciscum Hackium ; et Amstelodami: Apud Lud. Elzevirium1 - nome latino da prestigiada editora, ainda existente, Elsevier. 19. Mauricio Campos 19 CoquetelariacomSabordeBrasil A obra consta de volume nico, medindo no original 40 centmetros de altura e seu ttulo completo, com subttulo, : "Historia naturalis Brasiliae : in qua non tantum plantae et animalia, sed et indigenarum morbi, ingenia et mores describuntur et iconibus supra quingentas illustrantur". Sobre o trabalho de Piso, registrou o mdico e pesquisador brasileiro Juliano Moreira: "Esta obra, evidentemente magistral, reexaminada com afinco, evidencia, a cada perquirio, excelncias novas e, por isso, ainda hoje uma das mais ldimas glrias da literatura mdica holandesa. A Pies devemos uma descrio, exata e minudente, das endemias ento reinantes no Brasil e dos meios de trat-las. Observou a bouba, o ttano, paralisias vrias, a disenteria, a hemeralopia, o maculo. Descreveu a ipeca e sua qualidade emeto-catrtica, das quais j se utilizavam os aborgenes muito antes do clebre mdico Adriano Helvetius, av do notvel filsofo francs Cludio Adriano Helvetius haver recebido de Lus XIV mil luses de ouro, ttulos e honrarias, por haver descoberto exatamente aquelas mesmas virtudes teraputicas. De 1688 data o Tratado de Helvetius intitulado Remde contre le cours du ventre." A obra foi vertida para o portugus, em duas edies separadas pela Companhia Editora Nacional - ambas prefaciadas por Afonso de E. Taunay - em 1942 e em 1948. Ficou o primeiro livro para a parte da obra de Georg Margraf, com traduo feita por Jos Procpio de Magalhes, e a segunda, traduzida por Alexandre Correia, dedicada ao trabalho de Guilherme Piso, esta ltima dedicada ao cinquentrio do Museu Paulista, e coincidente com o terceiro centenrio da primeira publicao. Misso ao Brasil Frans Post, paisagem do Brasil Holands. Guilherme Piso, filho de um msico que chegou a frequentar o curso mdico e no o concluiu, estudara medicina em Leida (sua cidade natal) e depois em Caen, onde formou-se aos 22 anos de idade. Mudou-se para Amsterdam em 1633. No integrava a misso nassoviana ao Brasil - como observou Juliano Moreira: as atas da Companhia das ndias de 1636 no citam o seu nome; com Nassau viera o mdico Willem Van Milaenen, que morrera logo aps a chegada. Moreira informa ainda que "em carta datada de 25 de agosto de 1637, o conselho administrativo em Pernambuco pedia lhe fosse enviado, o 20. Mauricio Campos 20 CoquetelariacomSabordeBrasil mais breve possvel, outro mdico hbil e experimentado." Foi somente aps isso que Piso saiu da Holanda, numa data que no pode ser precisada - contando ele com 26 ou 27 anos. O conde Maurcio de Nassau, que trouxe a primeira misso exclusivamente cientfica Amrica. A pretenso do nobre holands era levar a termo o conhecimento tcnico da colnia brasileira. A respeito disto Juliano Moreira escreveu: "...no s de lucros pecunirios para a Companhia das ndias Ocidentais cogitava o conde Joo Maurcio. A to magnnimo governador deve o Brasil a vinda s suas plagas setentrionais de uma pliade de homens do mais evidente valor." Deste modo Piso viu-se chefiando a primeira misso exclusivamente cientfica europeia no Novo Mundo. Possivelmente viera junto ao botnico Marcgraf e ao astrnomo Henrique Chalitz (que, porm, morreu durante a viagem, aos 30 anos). De sua permanncia no Brasil Holands colheu Piso as informaes para o De Medicina Brasiliensi, a primeira parte da Historia Naturalis, e Marcgraf o material do seu Histori Rerum Naturalium Brasili, segunda parte da obra. O nome de Piso ficaria associado ao de Marcgrave, assim como o de Martius liga-se ao de Spix. Voltou Holanda em 1645 junto a Nassau, de quem continuou amigo - embora algumas verses antigas dessem conta de que o mdico particular do conde com este se desentendera ainda no Brasil (a exemplo de Frei Manuel do Salvador na obra Valeroso Lucideno). De volta ptria tornou a matricular-se no curso mdico em Leida, a fim de inteirar-se das novidades cientficas ocorridas durante sua estada brasileira. Marcgraf morrera em Angola, em 1644, antes da publicao da obra. Ainda no Brasil ocorre a disseno entre Piso e Marcgraf. Este ltimo tornara- se ligado diretamente a Nassau, em 1641, e no mais um subordinado 21. Mauricio Campos 21 CoquetelariacomSabordeBrasil daquele. O botnico, ento, passa a registrar suas anotaes por meio de um sistema de criptografia particular, cuja chave provavelmente deixou sob a guarda de Nassau; bigrafos associam este sistema justamente preocupao de que Piso usasse indevidamente sua produo intelectual - posto ser Piso "ainda pior zologo do que botnico", como disse Gudger. A disputa, mesmo aps a morte de Marcgraf, resultaria em duas edies da obra, e acusaes de plgio a Piso, como se ver adiante. Primeiras edies: disputas A obra teve uma primeira edio na qual no tomou parte Guilherme Piso, e foi dirigida por Joo de Laet. Desagradando-se desta, Piso promoveu, dez anos depois da primeira, uma segunda edio, com novo ttulo, mas que revelou-se um trabalho inferior ao primeiro. A disputa entre Marcgraf e Piso restara ainda sem o devido esclarecimento. Mesmo em enciclopdias posteriores, como a Rees's Cyclopaedia de 1819, consignava que no estava claro qual deles era o superior, qual o subordinado. Segundo Alfredo de Carvalho, (em domnio pblico): "Piso, sobrecarregado de trabalhos, confiou a empresa de por em ordem os originais de Marcgrave a Joo de Laet. Este, por sua vez, entregou os papeis relativos astronomia e geodsia a Golius. Mas, organizao e classificao dos manuscritos se opunha quase invencvel dificuldade a cifra composta por Marcgrave, precavidamente em poca de tamanha pilhagem de trabalho intelectual. A grande custo logrou o editor descobrir a chave do sistema criptogrfico e traduzir as notas do cauteloso sbio; estando, porm, escritas em pequenas folhas de papel, sem numerao, no foi menos penoso o trabalho de coorden-las. Conseguindo isto, e havendo tambm Piso fornecido o seu contingente, pde enfim, em 1648, aparecer o livro, em volume in-flio. Conquanto no ttulo figurem os nomes de Piso, Marcgrave e Laet, j o notou Driesen (o bigrafo de Maurcio de Nassau) foi Marcgrave sempre considerado o principal autor e sob o seu nome citado o livro. Em 1658, Piso, acusando Laet de precipitao e desleixo, promoveu segunda edio da obra que, entretanto, no contedo e na forma, difere da primeira a ponto de ser reputada livro novo. Ambas as publicaes encerram, contudo, a smula, completa e fidedigna, dos produtos naturais do Brasil, e as sua importncia cientfica subiu de vulto com o fato de, nos cento e sessenta anos seguintes, no ter mais aparecido nenhum outro trabalho similar. Igualmente abrangem a quase totalidade dos estudos de Marcgrave at hoje dados luz." 22. Mauricio Campos 22 CoquetelariacomSabordeBrasil A edio de Joo de Laet Informa Taunay que o prncipe Joo Mauricio de Nassau enviara a Joo (ou Johannes) de Laet os originais tanto de Piso quanto de Marcgraf. Antes mesmo de sua partida, confiara Nassau a Laet e a Alberto Conrado Burg sua inteno em trazer ao Brasil uma misso de fins cientficos. Carvalho adiciona que "parece duvidoso, por vrios motivos, que Piso haja tomado muita parte no preparo da edio da "Histria Natural do Brasil", em 1648. Declara Lichtenstein que na ausncia dele Piso, acompanhara Laet a impresso de toda a obra. Haja ou no colaborado em tal trabalho, descontentou-se Piso, e, muito como sabemos, acusando Joo de Laet de fazer obra apressada e descuidada." De Laet tambm recebeu manuscritos de Marcgraf que estavam em um seu ba, alm daqueles remetidos por Nassau. Sobre isto, consignou: "Tendo-me sido entregues assim imperfeitos e desordenados os seus comentrios, pelo ilustre conde Joo Maurcio (com cujo auxlio, favor e gastos isto havia feito), de modo imediato surgiu no pequena dificuldade pois o autor, temendo que algum lhe vindicasse os trabalhos, se por acaso algo lhe sucedesse antes de poder d-los luz pblica, escreveu grande parte dos mesmos, e o que era de mais importncia, com certos sinais por ele inventados, que primeiramente deveriam ser interpretados e transcritos, conforme um alfabeto deixado em segredo (...)" Apesar da acusao de descuido feita por Piso, Franozo acentua que a participao de De Laet foi alm do material enviado. Era ele diretor da Companhia das ndias Ocidentais, e j publicara em 1625 o livro Niuewe Werelt ofte beschrijvinghe van West-Indien ("O Novo Mundo ou descrio das ndias Ocidentais"). Seu prprio relato na parte da obra de Marcgraf diz que mandara produzir desenhos para ilustrar as descries sem os mesmos, a partir de exemplares secos contidos no acervo do botnico e, ainda, a partir de exemplares que mandara providenciar para tal fim. 23. Mauricio Campos 23 CoquetelariacomSabordeBrasil A "segunda edio" de Piso Exemplar da edio De India Utriusque.... Insatisfeito, como se disse, da edio levada a termo por De Laet, Piso prepara uma segunda, dez anos mais tarde. Em 1658 publica, assim, o seu De India utriusque re naturali et medica - objetivando melhorar a obra anterior, anexando ali o Tractatus Topographicus de Marcgraf e colaborao de Jacobus Bontius , de quem se tornara amigo ainda durante os anos de estudo na faculdade. Mesclou o trabalho do Historia Naturalis Brasiliae s suas prprias anotaes das ervas medicinais, e adicionou captulos sobre uma certa Mantissa aromatica que lhe valeram o epteto de "supersticioso", na verdade uma reedio de obra do tio de sua esposa, sobre a qual Juliano Moreira taxativo: "Bem dispensvel, alis, seria a reedio de tal livro..." E. W. Gudger, bigrafo de Margraf, sobre esta edio, opinou: "No somente no se trata da melhoria do trabalho de Marcgraf como ainda, e em vrios pontos, -lhe incontestavelmente inferior (...) Segundo parece, no conseguiu ele obter os desenhos originais a serem ento descritos, aqueles que haviam sido a fonte das ilustraes da primeira edio. Assim se apresentam copiados da edio de 1648, ou inspirados por descries, mal colocadas no texto, ou inteiramente omitidas do dizer de Lichtenstein. Em suma, tal edio pouco ou mesmo nada, acresce ao renome de Piso". J alvo de acusaes de plagiar o trabalho de Marcgraf, Piso consigna, na pgina 107, uma mensagem onde expressa: "Certas figuras e anotaes emprestei-as ao meu timo e diligentssimo companheiro Markgravio, resultantes de observaes feitas em nossas viagens. E isto quero advertir, no v algum malvolo murmurar que ilustrei os meus escritos com figuras alheias furtadas". 24. Mauricio Campos 24 CoquetelariacomSabordeBrasil ndice geral da obra, onde se v as autorias atribudas a Piso, Marcgraf e Laet. A obra dividida em duas partes principais, e ainda conta com um apndice por Joo De Laet. A primeira, de nome De Medicina Brasiliensi, foi da autoria de Guilherme Piso. A subdiviso, em quatro livros, foca os seguintes temas: 1. Do ar, das guas e dos lugares. 2. Das doenas endmicas. 3. Dos venenos e seus antdotos. 4. Das propriedades dos smplices. A segunda parte, de nome Histori Rerum Naturalium Brasili, composta por oito livros, de autoria de George Marcgraf. Os livros abordam os seguintes temas: 1, 2 e 3 - botnica 4 - peixes 5 - pssaros 6 - quadrpedes e serpentes 7 - insetos 8 - regio do Nordeste brasileiro e suas gentes 25. Mauricio Campos 25 CoquetelariacomSabordeBrasil Dedicatria Embora oferecido a Nassau, ao prncipe Guilherme de Orange, que autorizou a publicao, a quem se dedica a obra. A ele Piso dirige-se: Vs sois as nossas delcias; guiados pelos vossos maiores, constitumos aquela Provncia, para onde o ter navegado j foi grande feito; e aqueles mares, que s eram ameaas de ferro e morte, assim os navegaremos, para que no somente nos ela enriquea com talentos de ouro e precisssimas mercadorias, mas ainda fornea uma slida subsistncia vida dos nossos corpos. Nos prolegmenos dirigidos ao leitor Piso remonta aos trabalhos de seu colega Markgraf, informando que este colaborara extensamente na observao, nas horas livres, da natureza; J Gralitzio, matemtico, realizara as observaes geogrficas, astronmicas e de Histria Natural - tendo ambos j falecido poca da publicao. A Histria Natural, ou Cincias Naturais, que era como ento se chamavam aquelas que tm por objetivo o estudo da natureza em torno do homem, sendo este includo apenas na condio de animal natural (englobando-se a a fsica, a qumica, a astronomia, a geologia e a biologia) tambm contou com a colaborao de Joo de Laet, tambm falecido. Piso ressalta: E para que se consagrassem s cinzas do defunto os prmios devidos, quis que a sua obra pstuma no se misturasse, mas se acrescentasse aos meus tratados. Livro I - Trata dos ares, das guas e dos lugares do Brasil O Brasil, por certo a prestantssima parte de toda a Amrica, considerado de perto, excele principalmente pelo seu agradvel e saudvel temperamento, a ponto de contender, em justa competio, com a Europa e a sia, na clemncia dos ares e das guas. Os elogios sade da terra atingem por vezes o imaginrio europeu de um ideal que, de outra forma, no justificaria a conquista daquele territrio e todos os gastos ento empreendidos para sua manuteno - fazendo clara aluso a propriedades revigorantes e rejuvenescedoras: os habitantes atingem cedo a puberdade e envelhecem tarde; por isso ultrapassam os cem anos, gozando de verde e longeva velhice, no s os brasis como tambm os prprios europeus Noticia a ausncia do outono e do primavera, a ausncia de terremotos. Registra a tentativa frustrada da escravizao do elemento indgena, e alguns dos seus hbitos - totalmente estranhos e diferentes dos demais povos: 26. Mauricio Campos 26 CoquetelariacomSabordeBrasil So mui dados dana e bebida e ignoram tempos determinados para comer () O canibalismo tido como prtica corriqueira, e a morte proporcionada aos doentes foi assim registrada, quando falhas todas as mezinhas: ()por consenso unnime, como lhe desesperando da sade, matam- no ferozmente com clavas de madeira, congratulando-se todos com ele e ele consigo mesmo, por lhe ter sido dado morrer virilmente, subtraindo-se assim a todos os sofrimentos. E disto se jactam contentes, mesmo no momento da morte. Com aplauso no menor, que contra o cadver de um parente, assanham-se contra o do inimigo vencido () Dentre recomendaes apropriadas ao clima, como evitar dormir sem antes forrar o estmago, e a ingesto de frutas ctricas, abundantes na terra, fez passar "o provrbio: no entra o mdico nas casas em cujo vestbulo se vem de manh numerosas cascas de laranjas.". Fala dos alimentos, do clima, das guas, peixes e outros alimentos, e de como proceder para manter a sade na sua ingesto, nesta regio ainda desconhecida para a maioria dos europeus. Livro II - Que trata das molstias endmicas e comuns no Brasil Verso da obra com frontispcio colorido. Principia rendendo-se s artes medicinais dos nativos: "pois, como o devemos confessar, os rudimentos de muitas artes redundaram para ns dos prprios brutos (aos quais a natureza, bondosa me, no quis privar sobretudo da arte natural de curar doenas)". 27. Mauricio Campos 27 CoquetelariacomSabordeBrasil Possui 22 captulos, que so: 1. Das febres; 2. Das doenas dos olhos; 3. Do espasmo; 4. Do estupor; 5. Dos catarros; 6. Do prolapso da cartilagem mucronada; 7. Das obstrues das vsceras naturais; 8. Da opilao do fgado e do bao; 9. Da hidropisia; 10.Das lombrigas; 11.Dos fluxos do ventre; 12.Do tenesmo; 13.Da clera; 14.Da disenteria; 15.Do fluxo heptico dos intestinos; 16.Da lcera e da inflamao do nus; 17.Das doenas comuns s mulheres e s crianas; 18.Das doenas contagiosas; 19.Do mal venreo; 20.Das feridas e das lceras; 21.Das ppulas e da impetigo; 22.Dos males externos. Cada um desses males so apreciados em sua evoluo, reaes orgnicas, tratamentos e efeitos. Cumpre observar que o ltimo dos captulos trata precipuamente de um mal at ento exclusivamente brasileiro, o bicho-do-p (Tunga penetrans), espcie de pulga que ataca "sobretudo e de preferncia os que andam descalos e perambulam por lugares arenosos". Fala, ainda, dos marimbondos e dos moscites, espcie de mosquitos que o autor registra ter sido tal feita atacado que "as nossas faces incharam e se encheram de bexigas e rubor, que no pudemos ser reconhecidos dos amigos". Livro III - Trata dos venenos e seus antdotos Principia a parte ilustrada da obra, com nove figuras. Falando dos venenos, Piso registra seu uso como meio de eliminar desafetos - algo que ilustra, 28. Mauricio Campos 28 CoquetelariacomSabordeBrasil curiosamente, como uma das armas com as quais combatia o escravo ao cativeiro, pelo autocdio: Os escravos, trazidos da frica para aqui, quando no conseguiram cumprir o horrvel voto de pr termo vida dos senhores, no podendo mais padecer o jugo durssimo da escravido, da fome e de outros sofrimentos, recorrem a esta nica via para a liberdade, a ningum vedada. Com o veneno que se encontra em toda parte, lanam mos atrozes contra si prprios, contentes de renunciarem vida e retriburem a vindita a senhores severos mais que de justia. Analisa a toxicidade da mandioca e outras plantas, e prope para que a cada substncia venenosa corresponda um antdoto ou contra-veneno. Registra ainda que alguns animais so no Brasil tidos por venenosos, ao passo em que no o eram noutras, como por exemplo os sapos e rs. Relaciona diversas espcies de serpentes, de cada uma registrando a nomenclatura pela qual eram conhecidas entre os portugueses e os indgenas, preferindo estas quelas. assim, por exemplo, que registra, sobre a jararaca: Curta, esta serpente raro excede o comprimento de meio cvado () Suas picadas venenosas no apresentam menores sintomas que as das demais serpentes, exceptos os de consumirem a vida lenta e sorrateiramente. A prpria serpe, depois que infligiu a ferida, extirpando- se-lhe a pele, a cauda, a cabea e as entranhas, e cozida em gua de de raiz de Iurupeba, com sal, leo, alho-porro, endro e temperos semelhantes, comida pelos que picou, e lhes costuma ser de grande ajuda. Mas convm mais que tudo o Caatia, chamada com razo Erva das cobras; ministrada externa e internamente, facilmente cura das mordidas desta e de outras serpentes(). O sapo-cururu, um dos animais mais venenosos, segundo Piso Curiosa descrio faz da gua-viva ou caravela, que chama pelo nome indgena Moucicu, de cujas queimaduras registra ter sido vitimado, curando-a com estrato da castanha de caju. 29. Mauricio Campos 29 CoquetelariacomSabordeBrasil Dos animais mais venenosos que registra est o do sapo-cururu (imagem), consignando a crena comum de que o mesmo tem rgos excretores de veneno: Entre os venenos dotados de mxima virtude deletria est o sapo Cururu, monstruoso e intumescido () e que inficiona de qualquer modo: ou externamente, pela urina ou pela saliva, o que muito pior, ingerindo-se-lhe o sangue e sobretudo o fel. Segundo ele, deste sapo extrado poderoso veneno ministrado s ocultas pelos "perversssimos brbaros". Trata, enfim, de plantas, peixes e insetos venenosos, bem como de seus possveis antdotos e tratamentos. Livro IV - Que trata das faculdades dos smplices Tambm ricamente ilustrada, esta seo da obra dedicada s culturas propcias s terras brasileiras e, maior riqueza de ento, grande destaque d ao acar. Hoje aqui se vem muitos engenhos deste gnero, tanto de portugueses quanto de holandeses. Nem h outros produtos desta terra que redundem mais lucros e ganhos para os traficantes. Pois outrora o acar de todo o Brasil atingia a um milho de arrobas, cada ano levado para a Europa e vendido com certssimo proveito. O engenho moendo a cana-de-acar Descreve largamente o cultivo e preparo do acar, a partir do caldo da cana. Esta a parte mais ampla do livro, contendo ao todo 104 captulos e 110 figuras. Aprecia todas as principais plantas de uso interessante, algumas com nomenclatura cientfica da poca ou terminologia em lngua indgena (algumas consignadas de modo errneo ou com erros tipogrficos): mandioca, mel silvestre (sic), copaba, cabureba, acaj, icicariba, ietaba, palmeiras, aroeira, urucu, umbu, murici, anans, etc., esto dentre as espcies apreciadas. Sobre o manac, por exemplo, registrou que suas razes tm uso medicinal, embora restrito a pessoas bastante robustas, por seu efeito violento. Mas aprecia sua funo ornamental: 30. Mauricio Campos 30 CoquetelariacomSabordeBrasil Deita flores pequenas, das quais umas ostentam um lustroso azulado, e outras, nveo (o que tanto mais belo quanto mais raro). V-se belamente florida e mui viosa no ms de janeiro, e, mula do narciso, rescende toda a floresta com a sua fragrncia. Auguste de Saint-Hilaire, viajante exemplar Lorelai Kury Pesquisadora e professora da Casa de Oswaldo Cruz e professora do Departamento de Histria da UERJ A historiografia brasileira tem como uma de suas principais fontes a literatura de viagens do sculo XIX. Os livros dos inmeros viajantes que estiveram aqui no sculo passado tm sido usados no apenas como manancial de informaes sobre o Brasil de nossos antepassados, mas, por vezes, tambm como inspirao para as grandes linhas interpretativas de nossa histria. Muito citados, os textos dos viajantes do sculo XIX so, no entanto, muito pouco estudados em seus contextos europeus e mesmo em sua repercusso no Brasil da poca. Seus relatos so apenas genericamente tratados como fazendo parte de um olhar de fora, como se todo estrangeiro fosse igual. O famoso viajante Auguste de Saint-Hilaire , na verdade, um desconhecido entre ns. Poucos detalhes de sua vida e de sua obra foram estudados. Na Frana atual, ele um personagem esquecido, o que no aconteceu em sua poca, quando ocupou posio de prestgio no meio cientifico parisiense e francs. Saint-Hilaire buscou fazer de sua viagem ao Brasil, realizada entre 1816 e 1822, um modelo no que diz respeito forma como os cientistas da Europa civilizada deveriam se relacionar com os demais pases do globo. Alm 31. Mauricio Campos 31 CoquetelariacomSabordeBrasil disso, o botnico quis atuar como um viajante-naturalista exemplar e usar suas credenciais cientficas somadas a suas relaes familiares na Frana da Restaurao - para garantir boa situao quando de retorno Frana. So conhecidas as mudanas ocorridas nas viagens-cientficas desde fins do sculo XVIII, quando as cincias tendem a se tornar indispensveis administrao dos Estados europeus, alm de contriburem simbolicamente para sua legitimao. Naturalistas, qumicos e fsicos so constantemente consultados sobre a construo de pontes, a qualidade da gua e dos alimentos, a melhor e mais barata maneira de fabricar plvora, plantas e animais teis passveis de serem naturalizados, etc. Os viajantes naturalistas muitas vezes financiados pelo Estado constituem elos teis na cadeia que liga as colnias e os lugares ditos exticos aos museus e jardins botnicos europeus. A cincia vista ento como um dos principais sinais distintivos dos povos do estado de civilizao. Assim, a cincia chamada a desempenhar uma funo simblica e a atuar como agente que torne mais eficaz a administrao de homens e coisas. Torna-se portanto compreensvel a retrica utilitarista que cerca as cincias no momento mesmo em que ela se especializa e se distancia dos diletantes e dos amadores. A separao que hoje em dia fazemos entre cincia terica e cincia aplicada no era operante no incio do sculo XIX. Saint-Hilaire, por exemplo, era ao mesmo tempo um homem ligado aos aspectos filosficos da histria natural e aos aspectos prticos de sua especialidade. Para ele, esses dois lados da cincia se complementam. A vertente romntica da histria natural, fundada, entre outros, por Humboldt e adotada Saint-Hilaire, tambm uma cincia prtica, voltada para a satisfao das necessidades das populaes europias e para o fortalecimento material e simblico da nao que representavam. Talvez a melhor definio da atitude cientfica desses naturalistas seja a de filantropia, respeitando o significado que o termo tinha na poca. Filantropia na lngua francesa um neologismo do sculo XVIII para designar uma virtude que consideravam natural do ser humano, que o amor por seu prximo. A filantropia uma laicizao do sentimento da caridade. Quanto caridade, trata-se do amor por Deus que leva ao ato de fazer bem aos outros; j a filantropia diz respeito humanidade. Nesta ltima, as aes dos indivduos em favor da sociedade so consideradas como um sentimento natural, pois a felicidade pessoal s pode ser assegurada quando reina a prosperidade social. A filantropia um valor aos olhos da elite europia de fins do sculo XVIII e do sculo XIX, qualquer que seja sua orientao poltica. Ela age como um pano de fundo a justificar as ambies nacionais e pessoais, j que os interesses privados eram vistos como coletivos. O sentimento filantrpico deveria nortear as aes do europeu civilizado. em nome do progresso e do bem da humanidade que se d a expanso colonialista do sculo XIX e no com a evocao do lucro privado capitalista. Afinal, a reciprocidade tem sido sempre a ideologia do capitalismo sobre si mesmo, como lembra analista atual. Os viajantes europeus que visitam os pases ditos selvagens ou menos civilizados, 32. Mauricio Campos 32 CoquetelariacomSabordeBrasil como o caso do Brasil, sentem-se portadores de uma espcie de misso. Sentem-se como irmos mais velhos dos outros povos, a quem devem ajudar e aconselhar. Para eles, seus interesses so o interesse da humanidade inteira. A cincia o instrumento maior que permite o exerccio da misso do viajante, pois permitiria conhecer as leis da natureza e auxiliaria a vida dos homens. O botnico especializado e bem formado poderia contribuir de diversas maneiras para o bem da humanidade e para o progresso de sua nao. Em primeiro lugar, suas reflexes sobre a distribuio das plantas sobre o planeta esclarecem a todos sobre a ordem que reina no universo, tenha esta ordem origem divina ou no. Em seguida, os conhecimentos da botnica e da agricultura (botnica aplicada) fornecem ao homem a possibilidade de alterar a ordem planetria, se for de seu interesse. Ele pode tirar plantas de sua terra natal e naturaliz-las em outro pas. Para tanto, necessrio que se conhea o terreno apropriado para cultiv-la, o clima mais adaptado, a melhor exposio luz, etc. Outra possibilidade na qual se acreditava na poca era a aclimatao. Muitas tcnicas foram desenvolvidas para tentar aos poucos fazer com que as plantas pudessem viver em climas muito diferentes de seu pas natal. O botnico tambm poderia ser til ao reconhecer em um pas estranho as propriedades de plantas que ele nunca vira antes. Na poca da viagem de Saint-Hilaire, a diviso do reino vegetal em famlias naturais, segundo o mtodo proposto por Jussieu, permitiria reconhecer parentescos morfolgicos em plantas de pases diferentes. A famlia de uma planta um possvel indicador de suas propriedades. Um exemplo muito citado na poca, o fato dos naturalistas das grandes expedies martimas poderem reconhecer plantas anti-escorbticas numa ilha totalmente desconhecida. Desse modo, segundo os padres da poca, o conhecimento universal de um viajante- naturalista poderia dizer mais sobre as plantas de um pas que desconhece do que os conhecimentos empricos de seus habitantes. Desse modo, a viagem cientfica , no Iluminismo tardio, uma atividade que ultrapassa as fronteiras do que qualificamos hoje em dia como puramente cientfico. A anlise das narrativas de viagem de Auguste de Saint-Hilaire e a documentao relativa a sua estadia no Brasil indicam a adequao de empreitada aos critrios de cientificidade e de utilidade vigentes nos meios oficiais e acadmicos de incio do sculo XIX. Dentre os pontos que podem ser desenvolvidos a partir de investigaes sobre sua viagem, gostaria de chamar ateno para a vinculao de Saint-Hilaire aos discursos e prticas justificados pela filantropia e a concomitante afirmao de critrios internos ao meio cientfico para consolidao de sua carreira. Auguste de Saint-Hilaire nasceu em Orleans em 1779 e morreu na mesma cidade, em 1853. Oriundo de famlia nobre, passou alguns anos de sua juventude na Alemanha, o que permitiu que adquirisse familiaridade com a lngua e a cultura alems. De retorno Frana, dedicou-se histria natural, publicando diversos artigos em revistas especializadas. Em 1816, na ocasio de sua partida para o Brasil, Saint-Hilaire j tinha trinta e sete anos e possua conhecimentos botnicos extensos, tendo publicado sobre a flora francesa, particularmente sobre a anatomia dos frutos. Nessa poca, 33. Mauricio Campos 33 CoquetelariacomSabordeBrasil tinha contatos com Antoine-Laurent de Jussieu, do Museu de histria natural de Paris, era amigo de Karl-Sigismund Kunth, preparador de Humboldt e ligara-se ao mesmerista Joseph-Philippe-Franois Deleuze, ajudante-naturalista e futuro bibliotecrio do Museu. Era correspondente do importante botnico suo Augustin-Pyramus de Candolle. Era prximo tambm de Flix Dunal, de Montpellier. Enfim, estava integrado ao meio cientfico europeu. Seu principal bigrafo e amigo, Alfred Moquin-Tandon atribui s relaes com os sbios de Montpellier a causa do esprito filosfico perceptvel em seus ltimos escritos. Atualmente, Saint-Hilaire citado entre os representantes da botnica filosfica, sobretudo por causa de sua Leons de botanique comprenant principalement la morphologie vgtale..., publicadas em 1840, onde ele reivindica a influncia de Goethe e de Candolle. Ele foi, alis, um dos relatores escolhidos pela Academia de Cincias de Paris para analisar a traduo que Martins fez das obras de histria natural de Goethe, em 1837. Auguste de Saint-Hilaire veio para o Brasil em 1816, acompanhando a misso extraordinria do duque de Luxemburgo, cujo objetivo era resolver o conflito que opunha Portugal e Frana quanto posse da Guiana, passado o perodo napolenico. Suas demandas para acompanhar a embaixada do diplomata amigo de sua famlia - foram sempre apoiadas por pessoas bem posicionadas e seguidas de carta de recomendao do chanceler Dambray. Entretanto, o ministro do Interior o conde de Vaublanc apela desde o incio ao Museu de histria natural para julgar a importncia de sua participao na misso. Os professores do Museu confirmam a utilidade potencial das investigao de Saint-Hilaire e informam o ministro quanto a seus conhecimentos de histria natural, sobretudo em botnica.7 Respaldado pelo parecer dos naturalistas da instituio, o ministro permite que parta na qualidade de viajante naturalista enviado pelo governo e concede a ele, inicialmente, a soma de trs mil francos por ano, aumentada logo em seguida para seis mil. O botnico, por sua vez, deveria buscar instrues junto aos professores do Museu e enviar para l toda correspondncia cientfica e objetos de histria natural que coletasse. Uma vez no Brasil, Saint-Hilaire procede da maneira indicada pelo ministro, porm, como se tratava de algum com conhecimentos reconhecidos em botnica, ele mesmo decidia em ltima instncia sobre o destino de suas pesquisas e coletas. Ele enfatiza, alis, em suas cartas e depois em seus relatos de viagem que no se limitava a recolher plantas e envi-las ao Museu de Paris. Ao contrrio, as analisava e tomava suas notas in situ, quando ainda estavam frescas e no secas em herbrios. Por isso, pediu a seu amigo Deleuze, do Museu, que guardasse os envios de plantas que fazia, pois ele mesmo era a pessoa mais indicada para analisar as colees que formara. Quanto ao resto animais, minerais e sementes estavam disposio dos naturalistas da instituio. O Museu de histria natural de Paris seguia de perto as viagens em curso. Os relatrios e notcias sobre os objetos recebidos ocupavam uma parte importante do tempo das assemblias dos professores. A Instruction pour les voyageurs, publicada diversas vezes pela instituio a partir de 1818, organizada provavelmente por Andr Thouin, informa sobre os viajantes em 34. Mauricio Campos 34 CoquetelariacomSabordeBrasil misso e atualizada a cada edio. Nessa publicao a referncia quanto viagem de Saint-Hilaire ao Brasil, em 1818, otimista: ele enviar para o Museu uma multido de objetos novos. J no texto de 1824 Saint-Hilaire retornara em 1822 est indicada a riqussima coleo que o viajante acabara de levar para Paris. A viagem de Saint-Hilaire tambm foi objeto de comentrio na Academia de Cincias de Paris. O ilustre Antoine-Laurent de Jussieu foi o relator, que tratou dos resultados da expedio como a realizao precisa e competente de um trabalho cientfico: Uma estadia de seis anos no Brasil, uma grande extenso de terreno percorrida, em diversos sentidos e sob diversos climas, numerosas colees em animais, vegetais e minerais, descries exatas feitas nos prprios lugares, observaes gerais sobre os climas, os lugares, os costumes dos habitantes, as produes naturais de cada localidade, a natureza dos terrenos e o tipo de cultura apropriada a cada um; tais so os resultados da viagem do Sr. Saint- Hilaire. Ainda no mesmo relatrio, Jussieu sublinha o fato do botnico redigido um dirio exato de seus trabalhos e recomenda a publicao de suas observaes botnicas, pois o viajante tem nesta cincia conhecimentos positivos e extensos. No ano seguinte, Saint-Hilaire publica o livro Plantes usuelles des Brasiliens (sic) e foi o clebre Alexander von Humboldt quem leu um relatrio verbal na Academia de Cincias de Paris. Aqui igualmente h insistncia na qualidade da formao do viajante. Depois de louvar as valiosas colees que ele levara para a Frana, Humboldt acrescenta: Mas, o que concede verdadeiro valor a objetos to numerosos, o que distingue o viajante cientista do simples coletor, so as observaes preciosas que ele fez nos prprios stios, para fazer avanar o estudo das famlias naturais, a geografia das plantas e dos animais, o conhecimento das variedades se solo e o estado de seu cultivo. Deste modo, o viajante Saint-Hilaire parece corresponder ao novo perfil viajantenaturalista idealizado no meio cientfico parisiense: pesquisa in loco, especializao, capacidade de produzir informaes balizadas, publicao dos resultados. A qualidade da formao cientfica do viajante uma condio prvia para que ele realize que o se espera dele: fazer com que sua misso seja til. Nada deveria ser mais distante do aristocrtico diletante do grand tour do que esses filantropos muitos dos quais aristocratas que no acreditavam viajar para si, mas em nome do progresso da cincia, do bem-estar da humanidade e da glria da nao. Um conhecido texto de fins do sculo XVIII classifica em quatro categorias os objetos que devem merecer a ateno do viajante, de acordo com seu grau de utilidade. Em primeiro lugar, aquilo que concerne imediatamente ao bem-estar da espcie humana e tende, assim, para a felicidade geral. Em seguida, os objetos cujo conhecimento pode aumentar a prosperidade de seu prprio pas e, em conseqncia, se 35. Mauricio Campos 35 CoquetelariacomSabordeBrasil relacionam parcialmente com o bem da humanidade. Em terceiro lugar, os objetos que podem levar a um aperfeioamento de si mesmo, e, por ltimo, os conhecimentos de ornamento, que se podem adquirir sem negligenciar o estudo daquilo que realmente importante. Em 1811, antes, portanto, de sua viagem, Saint-Hilaire j havia refletido sobre as relaes da botnica com a sociedade, em artigo intitulado Rponse aux reproches que les gens du monde font ltude de la botanique (Resposta s crticas que a sociedade faz ao estudo da botnica). A primeira das crticas as quais ele responde a acusao de que a botnica seria apenas uma cincia de palavras. Segundo ele, alguns homens que ficaram para a posteridade livraram o estudo dos vegetais da barbrie em que se encontrava, envolto em uma nomenclatura confusa e condenado a ser um apndice da medicina. A botnica, ento, comeara a ser cultivada por si mesma e ganhou a moda. Muitas das pessoas que passaram a se dedicar a este estudo restringiram-se nomenclatura, embora esta cincia, afirma, muito mais do que isto para um esprito filosfico. A nomenclatura, escreve, necessria para o reconhecimento dos objetos dos quais falamos, mas o verdadeiro sbio pode ter a memria fraca e localizar perfeitamente as plantas na cadeia dos seres. Um botnico, continua, pode desconhecer o nome de cada parte de uma planta e, porm, descrever com exatido os fenmenos da vegetao e a vida das plantas da germinao reproduo. Saint-Hilaire evoca os maiores viajantes como exemplos do que seria para ele o verdadeiro botnico. Ele pergunta: possvel acreditar que os Commerson, os Dombey, os Desfontaines deixassem sua ptria, renunciassem ao que tinham de mais amado, que tenham penetrado nos contos mais selvagens e enfrentado todos os perigos para obter a satisfao pueril de acrescentar novos nomes a algumas listas ridas? A resposta a esta pergunta retrica , evidentemente, negativa. Para ele, as viagens so indispensveis para encontrar-se o plano segundo o qual o Criador semeara os animais e as plantas no mundo. Se h uma ordem, uma espcie de rede dos seres cujos ns mais afastados ainda tm algum ponto de contato, a natureza, por no amar a uniformidade, teria colocado simetricamente as famlias das plantas nas diversas partes do globo. Entretanto, as plantas so tal como dois irmos que se amam ternamente e so afastados um do outro, mas continuam sempre unidos, apesar de sua separao, pelos laos da mais doce simpatia. O viajante-naturalista teria por misso reconhecer as afinidades que unem os vegetais. A segunda crtica contra a botnica respondida por Saint-Hilaire a da inutilidade. O naturalista argumenta em favor da importncia da botnica para a medicina, para a agricultura e as artes em geral. Retomando idias desenvolvidas antes por Augustin-Pyramus de Candolle14, ele afirma que o naturalista pode ajudar o mdico porque sabe que os vegetais organizados de forma semelhante possuem frequentemente as mesmas propriedades; em caso de falta de uma espcie conhecida, ele pode indicar uma substituta. Para a agricultura, igualmente, a pesquisa da organizao das plantas e de suas relaes pode ajudar na busca de novos mtodos de cultivo ou um vegetal 36. Mauricio Campos 36 CoquetelariacomSabordeBrasil apropriado a um terreno ingrato. Mais uma vez as viagens e a diversidade dos seres no planeta aparecem como argumentos centrais no texto. Ao falar do trabalho do botnico, diz: Se aps ter longamente estudado as plantas de seu pas ele percorrer lugares longnquos, a analogia o conduzir a descobrir os vegetais teis que crescero bem em sua ptria e, ao mesmo tempo, vai inspir-lo com felizes idias quanto aos meios de cultiv-los e de os aclimatar. Este texto de 1811, que reproduz alguns lugares comuns em meio aos naturalistas franceses, importa aqui pois atribui grande importncia s viagens e avana questes que sero tratadas por ele novamente, anos depois. Sua viagem parece ter sido desejada com ardor, pois j em 1811 dizia: Quais no devem ser os transportes de um botnico, quando chega a uma dessas localidades situadas nos trpicos, onde a natureza parece ter concentrado suas foras para exibir tudo o que a vegetao possui de mais rico e variado. Sua viagem ao Brasil foi, efetivamente, de tal forma expressiva em sua vida que grande maioria de suas publicaes resultado dela. Seu priplo tropical serve tambm de argumento na demanda de votos para sua admisso na Academia de Cincias de Paris, para onde foi eleito em 1830. Em carta endereada a Blainville, datada de janeiro de 1830, ele apresenta sua carreira de seguinte maneira: Vinte e cinco anos consagrados botnica, duas grandes obras comeadas; uma longa seqncia de memrias, das quais muitas submetidas Academia; seis anos de viagens no Brasil, na Repblica Cisplatina e nas misses, os dois primeiro volumes dessas viagens atualmente no prelo: estes so, Sr., meus ttulos cadeira vaga. Durante o ano de 1828, Saint-Hilaire j evocara sua viagem quando pediu ao ministrio do Interior que lhe concedesse uma penso por servios prestados cincia. O ministrio concede de incio uma soma de 300 francos por ano, montante que o viajante acha insuficiente. Em seguida, com algumas cartas de apoio redigidas por pessoas influentes, dentre as quais o duque de Luxemburgo, Saint-Hilaire recebe do governo 1000 francos por ano. os argumentos avanados dizem respeito a sua longa viagem e aos problemas de sade ocasionados por sua estadia no Brasil, o que o tinha impedido de dedicar aos negcios necessrios administrao de sua fortuna. Assim, a imagem que o botnico d de si mesmo a de um mrtir que teria comprometido sua sade em nome da cincia e da ptria. Ser til ptria e cincia o objetivo auto-proclamado de sua viagem. Como foi sublinhado acima, as competncias cientficas de Saint-Hilaire foram condies prviaspara sua participao na misso diplomtica que viria ao Brasil. Faltava ainda justificar a importncia das pesquisas especficas a serem feitos nessa parte da Amrica do Sul. Os professores do Museu de histria natural e tambm o prprio viajante falam sobretudo da relativa ignorncia do 37. Mauricio Campos 37 CoquetelariacomSabordeBrasil que chamavam de as produes brasileiras, e evocavam a possibilidade de transplantar e aclimatar as plantas desse pas na Frana e em suas colnias. Em carta ao ministro, enviada pelos professores, os argumentos so os seguintes: Sabemos que ele [o Brasil] produz, entre outros, um grande nmero de plantas prprias para tintura, mas importante para as artes e o comrcio que elas sejam melhor conhecidas. A facilidade com que as rvores europias se aclimataram na parte meridional do Brasil d o direito de esperar que l encontraremos vegetais teis fceis de introduzir em nossas provncias. Em carta enviada a um amigo influente, provavelmente um familiar, Saint- Hilaire avana mais argumentos quanto utilidade imediata de suas possveis pesquisas no Brasil: Sabes, por exemplo, que nossos colonos da Guiana vendem seu algodo aos portugueses, que estes o tingem na provncia do Par, e que em seguida o revendem a ns. As plantas do Par encontrar-se-iam provavelmente na Guiana, que sua vizinha, ou, ao menos, de se esperar que a poderiam ser introduzidas sem esforo. [...] No sou presunoso a ponto de prometer arrancar-lhes este segredo to bem guardado at o presente, mas ao menos farei o que depender de mim. A correspondncia e os textos de Saint-Hilaire que ele tinha grande liberdade de ao e que, em princpio, sua misso era de forma geral formar colees de plantas. Ele insistia, entretanto, no fato de no ser um mero coletor e de analisar as plantas recm-colhidas. Alm disso, ele sempre buscou dar relevo ao aspecto utilitrio da viagem, afirmando, certa vez: Dediquei-me principalmente s espcies que so utilizadas pelos habitantes. Saint-Hilaire realiza de modo particular as aspiraes utilitrias comuns sua poca. Ele insiste com freqncia, como no texto de 1811 acima citado, na idia de que a botnica uma cincia til ao esprito. Em seu livro sobre as plantas do Brasil e do Paraguai, de 1824, por exemplo, ele define da seguinte maneira os objetivos de sua viagem: Todas as espcies que coletei foram analisadas nos lugares da coleta; coligi informaes que poderiam esclarecer sua histria, e dediquei-me sobretudo ao estudo das relaes que elevam a botnica ao nvel das cincias as mais filosficas. A anlise das atividades que Saint-Hilaire realizou no Brasil faz crer que o naturalista buscou tornar sua viagem ao mesmo tempo filosfica e til Frana e humanidade, de acordo com as crenas e com o vocabulrio da poca. Na realidade, no h contradio entre os dois objetivos, eles so compatveis e mesmo complementares. Os sentimentos patriticos do botnico manifestam-se diversas vezes. Ele estabeleceu, por exemplo, contato com o consul francs no Brasil, Sr. Maller, e o ajuda a enviar plantas para a Martinica. Ele participa igualmente do envio que 38. Mauricio Campos 38 CoquetelariacomSabordeBrasil Frei Leandro do Sacramento faz para a Martinica e para Caiena. Assim, so 21 caixas de plantas vivas originrias dos arredores do Rio de Janeiro que seguem para as colnias francesas. Sempre pensando na Frana, ele fica contente quando percorre as regies do Sul, de clima mais temperado. Ele reconhece algumas plantas de seu pas e encontra alguns vegetais que poderiam ser aclimatados na Frana, como o caso da araucria. Ele faz diversos envios de sementes desta rvore para o Museu de Paris, para estar seguro que um deles chegaria a seu destino. Impossvel no pensar em algumas linhas escritas por ele anos antes. Tudo leva a crer que Saint-Hilaire no teve surpresas durante sua estadia no Brasil: ele conhecia os relatos dos viajantes que percorreram o mundo todo, inclusive a Amrica do Sul, e se apega ao savoir-faire estabelecido. Em passagem redigida em 1811, ele descreve sentimentos que poderiam ser seus cinco anos mais tarde: Penetrando nas florestas antigas da Amrica setentrional, os dois Michaux s pensavam na Frana e se expunham a todos os perigos para conseguir-lhe novas riquezas. Seus relatos de viagem, publicados a partir de 1830, tambm transmitem a sensao de que sua formao anterior o teria capacitado a agir com frieza e objetividade, sem se ater aos detalhes suprfluos e sem perder as boas oportunidades que surgiam. Da tradio dos viajantes o botnico reteve tambm outra caracterstica: a crena na permuta filantrpica. A biopirataria exercida pelo viajante francs vista por ele mesmo como algo plenamente justificvel, j que se trata de uma troca e no de um roubo. Do Brasil ele levaria para a Frana sementes, vegetais teis, um herbrio, animais, informaes sobre a geografia e a histria do pas, etc. Mas, sendo til aos franceses, ele estaria ao mesmo tempo sendo til aos brasileiros. Conhecimentos apenas empricos passariam a fazer parte do universo da cincia. com esse objetivo que ele publica os livros Histoire des plantes les plus remarquables du Brsil e du Paraguay (1824) e Plantes usuelles des Brasiliens (sic) (1824-1828). Em obra posterior, de 1840, ele faz um balano de sua vida, e afirma: Talvez eu no tenha sido intil aos meus semelhantes, quando submeti aos princpios rigorosos da cincia o exame das plantas que os brasileiros empregam para o alvio de seus males. Desse modo, o sentimento de filantropia que permeava as atividades dos viajantes-naturalistas parte de uma distino inicial bsica: pases civilizados com cincia e pases no totalmente civilizados com prticas empricas tradicionais. Emnome da transformao da natureza em objeto cientfico, as fronteiras nacionais deviam ser abolidas. A cincia torna-se universal. Seu desenvolvimento considerado til humanidade como um todo e no apenas ptria de cada cientista. Argumento semelhante fora usado anos antes por um homnimo do viajante que veio ao Brasil, tienne Geoffroy Saint-Hilaire, em misso cientfica a Portugal, durante a invaso francesa. Sobre os ricos herbrios que encontrou no Museu dAjuda, afirma: 39. Mauricio Campos 39 CoquetelariacomSabordeBrasil Todos so virgens; no se deram ao trabalho de abri-los: no resultaram em nenhuma planta, em nenhuma idia botnica. Classificados e estudados na Frana esses herbrios que eram inteis em Portugal poderiam ser teis aos prprios naturalistas portugueses. Estes passariam a ter uma propriedade cientfica, quando anteriormente possuam apenas ervas. no sentido dessa troca filantrpica que podemos compreender a atitude dos naturalistas diante dos saberes das populaes dos locais que visitavam. Por onde passava, Auguste de Saint-Hilaire recolhia informaes sobre o uso de plantas na medicina, na alimentao e na indstria. No havia, no entanto, uma adoo imediata dos produtos considerados teis. As plantas e seu emprego deveriam ser cuidadosamente observados e analisados, se preciso com a ajuda de qumicos e mdicos. Assim, a Frana participaria dessa troca internacional com a cincia e o Brasil com a natureza e as prticas empricas tradicionais. Alm disso, a Frana forneceria produtos que poderiam ser aclimatados aqui. Graas a seus domnios coloniais e s trocas que os museus e jardins botnicos franceses realizam com o mundo inteiro, Saint-Hilaire podia dispor de produtos teis, que cresciam naturalmente em lugares de clima semelhante ao do Brasil. Nos relatos de suas viagens e em sua correspondncia, o naturalista narra diversos episdios que demonstram os servios que acredita ter prestado aos brasileiros. Conta, por exemplo, que conquistou a amizade do conde da Barca, ao descobrir uma planta (que ele no diz qual ) que poderia ser comercializada pelo Brasil. Ele estudou outras plantas, como a quina brasileira, que, embora no fosse a verdadeira quina do Peru, poderia ser empregada utilmente na medicina. Conta tambm que foi chamado a opinar sobre a razo da diferena de gosto entre o mate do Paraguai e o mate do Brasil. Concluiu que se tratava da mesma espcie vegetal. O gosto da bebida variava, portanto, de acordo com a maneira de prepar-la.27 Alm disso, Saint-Hilaire escreve do Brasil ao Museu de histria natural de Paris e pede que enviem de l sementes de vegetais teis principalmente legumes, frutas e plantas de ornamento que poderiam ser aclimatados no Brasil. As referncias de Saint-Hilaire humanidade no devem ser tomadas somente como recursos de retrica. A filantropia se organizou em grupos e sociedades espalhados pela Europa e pelo Brasil, dos quais diversos cientistas, nobres, burgueses e polticos fizeram parte. Saint-Hilaire era prximo de Deleuze, bibliotecrio do Museu de Paris, mesmerista e ativo militante da Sociedade Filantrpica. O botnico deCandolle, seu correspondente, tambm era filantropo militante, assim como o duque de Luxemburgo, amigo de sua famlia. O homem a ser ajudado pela filantropia tanto pode ser o pobre das ruas de Paris, o escravo africano, o ndio americano ou aqueles que buscavam construir uma nao civilizada nos trpicos. Se para Saint-Hilaire a botnica deveria ser cultivada por ela mesma, no deixava de ser uma cincia estreitamente vinculada ao bem-estar material das sociedades. A importncia que cada nao atribui s cincias naturais j , segundo ele, um indicador de seu nvel de civilizao. A estadia do naturalista no Brasil foi importante para suas aspiraes filosficas. A aplicao do mtodo 40. Mauricio Campos 40 CoquetelariacomSabordeBrasil natural, com a finalidade de descobrir o plano do Criador exigia dos botnicos o conhecimento de todas as plantas disseminadas pelo planeta. Da o desejo do viajante de que logo at a menor gramnea desse pas imenso fosse descrita. As viagens incluam tambm a realizao de atividades prticas, tornadas possveis graas ao conhecimento da forma dos vegetais e da relao de parentesco existente entre as espcies. Desse modo, Saint-Hilaire realizou de forma clara o que j se tornava uma tradio. Todas essa caractersticas fazem parte de mesma arte a de viajar e dizem respeito ao mesmo personagem: o viajante-naturalista. 41. Mauricio Campos 41 CoquetelariacomSabordeBrasil A CONTRIBUIO RABE PARA O BRASIL Um esboo acerca da influncia rabe no Brasil Colnia Rafael Saraiva Lapuente Dentre vrias contribuies de povos diferentes para a formao cultural do Brasil, um deles, embora muito presente, muitas vezes acaba passando despercebido: os atributos rabes no Brasil colonial. Desde aspectos relacionados arquitetura, passando pelos engenhos aucareiros, culinria, vocabulrio e at na religio os rabes estiveram presentes na construo da identidade brasileira. Assim sendo, o presente trabalho se embasar em explanar as caractersticas mouras presentes no Brasil Colnia e que, de uma maneira geral, ainda permanecem presentes na sociedade brasileira. A partir da leitura e pesquisa de historiadores, socilogos e antroplogos relacionados a essa temtica, revelou-se que a contribuio dos rabes foi extremamente proeminente para o Brasil, sendo determinantes para firmar aspectos que hoje so ponderados como peculiares do pas. Por fim, percebe-se que escassos so os estudos que focalizam essa questo de maneira aprofundada, fato que contribui para a solidificao do pensamento de que a constituio tnica e cultural brasileira se embasa apenas no trip Portugus cristo, indgena nativo e africano da dispora, ficando de fora uma cultura to rica, duradoura e aguda para a composio do Brasil enquanto povo e nao. A histria da cultura brasileira tem como marco a miscigenao cultural e tnica. Nativos, portugueses e escravos africanos caracterizaram uma verdadeira mistura durante o perodo colonial. Um dos povos que contribuiu para a criao de uma identidade nacional no s para o Brasil, como tambm para Portugal, foram os mouros, povo de origem rabe que ocupou a Pennsula Ibrica. Os mouros eram um povo de origem rabe que desde o sculo VIII ocuparam a Pennsula Ibrica. De acordo com A. do Carmo Reis (apud PORTUGAL, 2011, p.6) foi uma crise polticoreligiosa da monarquia visigoda que proporcionou a conquista muulmana da Ibria. Aconteceu que, aps a morte do rei Vitiza, o Conclio elegeu o cavaleiro Rodrigo para a sucesso ao trono, escolha que no foi acatada pelos filhos do monarca defunto (...) que (...) solicitaram a ajuda rabe Atravs dessa ajuda solicitada aos rabes, que no incio do sculo VIII, um exrcito rabe chefiado pelo general Tarik invadiu a Pennsula Ibrica e, rapidamente, se apoderou de quase todo o territrio, vencendo Rodrigo na Batalha de Guadalete (PORTUGAL, 2011, p.6) 42. Mauricio Campos 42 CoquetelariacomSabordeBrasil A dominao rabe na Pennsula Ibrica vai durar oito sculos. A Reconquista da Pennsula Ibrica s foi consolidada em 1492 com a tomada do reino de Granada. No final do sculo XV, os cristos uniram foras e encurralaram os muulmanos no territrio da Pennsula Ibrica. Os Reis Catlicos formaram uma aliana de grande capacidade e que conseguiu alcanar um objetivo de longa data para o Cristianismo. Ainda assim, os cristos concederam aos muulmanos alguns privilgios para conseguir reaver todo o territrio que antes possuam. O processo de Reconquista culminou com a retomada da Pennsula Ibrica e tambm forneceu as condies necessrias para a unificao da Espanha como Estado Nacional no mesmo ano de 1492. (JNIOR, 2011, grifos do autor). 43. Mauricio Campos 43 CoquetelariacomSabordeBrasil No meio da guerra de reconquista, surge o condado portucalense, no sculo XI. Ainda no sculo XII, o condado torna-se independente de Leo e Castela. A expulso dos rabes se completa em 1492, como demonstra a imagem abaixo: Gilberto Freyre evidencia a influncia moura no Brasil j no incio da colonizao. 44. Mauricio Campos 44 CoquetelariacomSabordeBrasil Segundo ele, para o Brasil provvel que tenham vindo, entre os primeiros povoadores, numerosos indivduos de origem moura e morabes1 (2006, p. 296) A partir da presena, constituda de oito sculos, dos rabes na Pennsula Ibrica, e sua consequente influncia cultural para com os cristos, vrios laos culturais acabaram se enraizando nos pases cristianizados que naquela regio se constituiriam com a vitria na guerra de reconquista. Alguns desses vnculos vieram com os colonizadores Amrica, e, com obviedade, a Amrica portuguesa assim como a Amrica espanhola -, no ficaria ausente a essa influncia. Os rabes mouros trouxeram uma srie de inovaes oriundas do Oriente para a Pennsula Ibrica. A aridez dos solos desrticos capacitou-os como mestres nas tcnicas agrcolas e de irrigao, importando para a Europa o moinho dgua, av do engenho colonial, e l semeando o algodo, a laranjeira, a criao do bicho-da- seda, o cultivo do arroz e da to brasileira cana-de-acar. (TRUZZI, 2009, p.19) Darcy Ribeiro (p. 273-279), na obra O Povo Brasileiro, evidencia a importncia rabe para os engenhos aucareiros, fundamentais para dar a Amrica Portuguesa um sentido econmico para a colonizao. Os portugueses, que j haviam experimentado a plantao de cana e a produo de acar em pequena escala, com tecnologia rabe, nas ilhas da Madeira e dos Aores, se habilitaram para estender astronomicamente essa produo nas novas terras, montando para isso todo um vasto sistema de recrutamento de maodeobra(sic).[...] Importante papel ter representado, igualmente, o carter mourisco e mestio dos povos ibricos. Efetivamente, forados pela longa dominao rabe, os lusitanos se fzeram(sic) herdeiros de sua cultura tcnica, fundamentalmente para a navegao, para a produo de acar e para a incorporao de negros escravos fora de trabalho. O portugus quinhentista, sendo de fato um euroafricano no plano cultural e racial, afeito ao convvio com povos morenos, estava mais preparado que quaisquer outros tanto para contingenciar os indgenas americanos ao trabalho espordico, quanto para aliciar as multides de trabalhadores negros que tornariam praticvel o sistema produtivo da plantao. Na tecnologia moura para os engenhos, citada superficialmente por Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre (2006, p. 289) aprofunda as contribuies rabes nesse quesito, que foram de extrema importncia para o desenvolvimento da economia aucareira no Brasil Colonial: Se foram os cruzados que trouxeram s Espanhas (sic) o moinho de vento, aplicado em certas partes da amrica nas ndias Ocidentais, por exemplo indstria do acar, foram os mouros que introduziram em Portugal o moinho de gua, ou azenha, av do engenho colonial brasileiro de moer cana pelo 45. Mauricio Campos 45 CoquetelariacomSabordeBrasil impulso de queda de gua sobre uma grande roda de madeira. Joo Lcio de Azevedo salienta que a prpria oliveira parece ter tornado melhor utilizada em Portugal depois da vinda dos mouros. Explica Joo Lcio: a nomenclatura proveniente do latim para as rvores oliveira, olival, olivedo de origem rabe no produto azeitona, azeite leva a pensar em um maior aproveitamento dessa espcie vegetal no perodo muulmano. 46. Mauricio Campos 46 CoquetelariacomSabordeBrasil AMAZNIA A Amaznia a maior floresta tropical que ainda existe no mundo. A floresta tropical cobre apenas 7% da superfcie do nosso planeta, no entanto, contm mais de 50% das espcies da terra. Contudo, a floresta amaznica est sendo derrubada cada vez mais rapidamente. Na Amaznia, as 15 espcies mais valorizadas pelas populaes rurais e urbanas j esto sendo extradas para a produo de madeira. Se a taxa de desmatamento e a incidncia de fogo continuarem altas, a mata vai acabar to rpido que os nossos netos e bisnetos no vo conhec-la. 47. Mauricio Campos 47 CoquetelariacomSabordeBrasil 48. Mauricio Campos 48 CoquetelariacomSabordeBrasil NOTA: bom lembrar que quase metade do territrio terrestre rido. E de toda a gua do Planeta, s 0,3% est disponvel para o consumo humano. O Brasil apresenta 14% do recurso hdrico mundial, sendo que 80% da gua doce se encontra na regio amaznica, mas que