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Resumo O objetivo da pesquisa consistiu em sistematizar princípios metodológicos para uma proposta de aprendizagem dos fundamentos da escritura cênica, através de experimentos de análise, adaptação e encenação de textos teatrais. A observação de processos de criação de diretores de teatro abertos à participação do grupo na escritura cênica (José Celso Martinez Correa e Antônio Araújo); a observação de uma das práticas de ensino de direção teatral na Universidade de São Paulo e de dramaturgia no Institut del Teatre de Barcelona; a realização de oficinas de iniciação à encenação com jovens e adultos e com professores em formação em Natal, São Paulo e Rio de Janeiro, sedimentaram a proposta aqui apresentada. O primeiro capítulo se inicia com a revisão das relações entre encenação e pedagogia para ressaltar a importância da dramaturgia na formação do professor e no ensino de teatro na escola. Propomos também a criação de um banco de textos sobre teatro que possa servir de suporte para as práticas de leitura e encenação. No segundo capítulo o texto teatral é abordado a partir da noção de jogo e, em seguida, são apresentados os papéis de dramaturgo e de diretor visando a ampliar as funções do aluno - professor em formação ou iniciante - na criação teatral. O trabalho dramatúrgico que articula procedimentos de análise, estudo teórico, criação de imagens e jogos teatrais a partir de fragmentos e, depois, de textos completos é o tema do terceiro capítulo. A experimentação de diferentes procedimentos de criação utilizados por diretores e grupos expressivos para a compreensão da cena contemporânea é tratada no quarto e último capítulo, quando situamos critérios de seleção e formas de abordagem de dossiês de encenações modelares. Os resultados obtidos contribuem para o aperfeiçoamento da formação de docentes e pesquisadores da pedagogia do teatro no contexto brasileiro atual, contribuindo para o debate sobre as propostas metodológicas que integrem o estudo teórico com a prática da encenação durante a Licenciatura. O estudo pode interessar também a diretores que valorizem o desenvolvimento de discursos teatrais coletivos e que tenham a dramaturgia como ponto de partida.

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Page 1: CÓPIA RESUMO final - Escola de Comunicações e Artes · de docentes e pesquisadores da pedagogia do teatro no contexto brasileiro atual, ... CAP. 2. Uma abordagem ... 3.3.2. A teoria

Resumo

O objetivo da pesquisa consistiu em sistematizar princípiosmetodológicos para uma proposta de aprendizagem dos fundamentosda escritura cênica, através de experimentos de análise, adaptação eencenação de textos teatrais.

A observação de processos de criação de diretores de teatro abertos àparticipação do grupo na escritura cênica (José Celso Martinez Correae Antônio Araújo); a observação de uma das práticas de ensino dedireção teatral na Universidade de São Paulo e de dramaturgia noInstitut del Teatre de Barcelona; a realização de oficinas de iniciação àencenação com jovens e adultos e com professores em formação emNatal, São Paulo e Rio de Janeiro, sedimentaram a proposta aquiapresentada.

O primeiro capítulo se inicia com a revisão das relações entreencenação e pedagogia para ressaltar a importância da dramaturgiana formação do professor e no ensino de teatro na escola. Propomostambém a criação de um banco de textos sobre teatro que possaservir de suporte para as práticas de leitura e encenação. No segundocapítulo o texto teatral é abordado a partir da noção de jogo e, emseguida, são apresentados os papéis de dramaturgo e de diretorvisando a ampliar as funções do aluno - professor em formação ouiniciante - na criação teatral. O trabalho dramatúrgico que articulaprocedimentos de análise, estudo teórico, criação de imagens e jogosteatrais a partir de fragmentos e, depois, de textos completos é otema do terceiro capítulo. A experimentação de diferentesprocedimentos de criação utilizados por diretores e grupos expressivospara a compreensão da cena contemporânea é tratada no quarto eúltimo capítulo, quando situamos critérios de seleção e formas deabordagem de dossiês de encenações modelares.

Os resultados obtidos contribuem para o aperfeiçoamento da formaçãode docentes e pesquisadores da pedagogia do teatro no contextobrasileiro atual, contribuindo para o debate sobre as propostasmetodológicas que integrem o estudo teórico com a prática daencenação durante a Licenciatura. O estudo pode interessar também adiretores que valorizem o desenvolvimento de discursos teatraiscoletivos e que tenham a dramaturgia como ponto de partida.

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Índice

Capítulo 1. O texto como ponto de partida de experimentos coletivosde aprendizagem e criação..............................................................1

1.1. A encenação através de experimentos coletivos.......................2

1.1.1.Relações entre pedagogia e encenação.........................3

1.1.2. A pedagogia na encenação brasileira...........................5

1.2. A abordagem de José Celso Martinez Corrêano Teatro Oficina..............................................................10

1.2.1. A devoração dos clássicos antigos e modernos:a atitude antropofágica na apropriação de textos..........11

1.2.2. O experimento artístico e pedagógico de “Os Sertões”...12

1.3. Para além do modelo dramático tradicional: o texto teatralcomo ponto de partida da ampliação do repertório.................18

1.3.1. A Dramaturgia na sala de aula....................................20

1.4. A integração entre teoria e prática da dramaturgia:Conexões entre criação e análises dos textos.........................21

1.4.1. A organização de bancos de textos teatrais..................23

1.4.2. A devoração dos clássicos antigos e modernos:uma das várias propostas de seleção dos textos..........28

1.4.3. Bancos de texto sobre teatro:teoria, crítica e história.............................................29

1.4.4. Apropriação lúdica de textos sobre teatro....................32

1.4.5. O texto teatral como uma pedagógicaprovocação ao grupo...............................................35

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CAP. 2. Uma abordagem lúdica dos textos: o jogo teatral entre os atores, odiretor e o dramaturgo

2.1. A abordagem lúdica como eixo metodológico:o aluno como ator............................................................40

2.1.1. O jogo teatral com textos.........................................40

2.1.2. A criação de imagens...............................................45

2.1.3. O revezamento de papéis pelos atores.......................48

2.2. A ampliação das funções no jogo teatral:o aluno nos papéis de ator, diretor e dramaturgo..................49

2.2.1. O trabalho dramatúrgico em sala de aula....................50

2.2.2. A encenação textocentrista: em busca das indicaçõescênicas do autor...............................................................56

2.2.3. A retomada do jogo teatral como eixo da encenação....61

2.3. Godot em jogo: um experimento de recriação do texto............62

2.4. Avaliação diagnóstica: os alunos como atores,dramaturgos e diretores....................................................71

2.5. O revezamento de funções criativas......................................72

Cap. 3. A análise do texto: jogo, leitura e contextualização.............75

3.1. O aquecimento para a leitura: o jogo a partir de imagense recortes do texto teatral ................................................76

3.2. A análise de fragmentos dramatúrgicos: avaliação diagnósticae ampliação do repertório.................................................79

3.2.1. Análise estrutural do fragmento.................................79

3.2.2. A seleção do fragmento............................................81

3.2.3. A leitura detida do fragmento....................................81

3.2.4. Visão de conjunto....................................................83

3.3. A análise do texto teatral na íntegra......................................85

3.3.1. A análise seqüencial das ações..................................85

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3.3.2. A teoria e a criação de imagens durante a leitura..........87

3.3.3. O debate das atitudes e das relações dos personagens:o jogo em torno das questões éticas e políticas..............89

3.4 A redação da fábula...............................................................91

3.5.Análise do texto teatral no modelo narrativo de justaposição........95

3.5.1. Um experimento a partir de Hamlet-Máquinade Heiner Muller..................................................................95

3.5.2. A criação de imagens durante a leitura........................102

3.6. Análise de outras obras do mesmo autor...............................103

3.7. A análise de textos de outros autores referentesao mesmo assunto ou enredo do texto-base..........................106

3.8. Uma abordagem para a análise dramatúrgicaem sala de aula: leitura, contextualização e jogo com o texto....108

Capítulo 4: Experimentos a partir da análise de dossiêsde encenação modelares ..................................................................109

4.1. A criação de banco de dados sobre encenações modelares..........110

4.2. Poéticas cênicas como ponto de partida: investigandoos objetivos possíveis da encenação....................................119

4.2.1. Objetivos na encenação rapsódica:a historicização em Brecht...................................................119

4.2.2. Objetivos na encenação: a abordagem do textopor Robert Wilson e Gerald Thomas.......................................121

4.3. A análises de encenações modelares do texto em foco................131

4.3.1.Questões norteadoras para a seleçãoe análise do material.................................................131

4.3.2. Uma encenação modelar do textocomo ponto de partida...............................................133

4.4. Multiplicidade de óticas de um mesmo procedimento..................138

4.5. O desenvolvimento de quadros cênicos e os encontroscom o público..............................................................................140

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Introdução

Como aprender a ler, criar e ensinar a cena teatral contemporânea que vaialém do modelo dramático? Como abordar de forma integrada a teoria e aprática da dramaturgia e da encenação em sala de aula? Como desenvolverexperimentos1 de encenação e recriação dramatúrgica centrados numaabordagem lúdica e crítica do texto teatral? Estas questões são o ponto departida desta investigação e dizem respeito ao professor de teatro emformação, tendo em vista o seu trabalho futuro com alunos da disciplina“Teatro” no ensino fundamental e médio ou com participantes de oficinas eoutros processos de ação cultural.

Sendo assim, o trabalho pretende responder essas questões através daproposição de princípios para uma abordagem metodológica que possacontribuir para o redimensionamento da área de encenação nos cursos deLicenciatura, com ênfase nas relações entre a análise do texto dramático esuas possibilidades de adaptação e recriação cênica, com vistas a incrementara fundamentação e a prática dos futuros professores nesse campo deconhecimento.

No que diz respeito à formação universitária em teatro neste princípio deséculo, novos desafios se apresentam tendo em vista a reforma radical naestrutura do ensino superior que está em curso em várias universidades. Asnovas diretrizes curriculares para o ensino superior de artes do Ministério daEducação2, amplamente discutidas pela comunidade acadêmica, recomendama criação da Licenciatura em Teatro, cujo profissional deve receber, ao concluiro curso, o diploma de “Professor de Teatro”.3 Neste sentido, a reforma doscursos de licenciatura deverá levar em conta que o professor de Teatro devedominar os conteúdos específicos da linguagem artística, o que incluinecessariamente a capacidade de articular conteúdos estéticos e históricos àprática competente da linguagem.

Participando da discussão que resultou no projeto do novo curso de formaçãode professores em Artes Cênicas do Departamento de Artes da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte, onde atuamos, partimos do princípio de queuma nova concepção de ensino de teatro poderia ser implementada, tendo

1 Utilizamos este termo no sentido resumido por Koudela : “Brecht utiliza os termos Erlebnis(experiência) e Experiment (experimento). (...) A diferenciação estabelecida por Brecht para oconceito de aprendizagem insinua uma visão crítica do princípio pedagógico learning by doing,que se limita a expor o aluno a uma situação de aprendizagem, sem que haja umaproblematização do objeto a ser aprendido. Brecht refere-se a elementos de comentário quedevem ser introduzidos na experiência. Ou seja, a reflexão deve conduzir o processo deaprendizagem, transformado, então, em experimento.” ( Koudela, 1996, p.103 ).2 MEC. Diretrizes Curriculares para o ensino do Teatro e da Dança, em nível de graduação”.Brasília:SESu-CEEARTES, 1998.

3 A esse respeito, veja-se Santana, Arão.Teatro e formação de professores, São Luís, EDFMA,2000.

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como parâmetro um aprendizado que busque aliar o exercício do fazer, doapreciar e do criticar teatro, com as respectivas conexões históricas eestéticas.

Outra premissa que é consenso entre os professores da Licenciatura naquelauniversidade é que as áreas de jogo e interpretação, cenografia, teoria,história, dramaturgia e direção possam, sempre que possível, convergir paraexperimentos de encenação. A noção de prática teatral que adotamos nãoprioriza a área referente ao ator; consideramos fundamental que o professorem formação possa praticar também a realização de concepções cenográficas,projetos de sonoplastia, de iluminação, o dramaturgismo – desde a adaptaçãoaté a redação de textos teatrais – e a direção teatral, em diferentesmodalidades de processos.

A encenação na pedagogia

Partimos da premissa de que o professor de teatro deve desenvolver suacapacidade de encenar para poder ter condições de coordenar processos queestimulem os alunos nesta tarefa. Se o grupo de alunos tiver a necessidadede se expressar cenicamente para um público, o professor deve saber orientá-lo, desde a definição do tema e do tipo de linguagem cênica a ser adotada,até o acontecimento teatral. Portanto, durante sua formação, o professordeve passar necessariamente pela experiência de condução de processos deencenação, tendo a oportunidade de refletir sobre sua prática à luz dasprincipais contribuições, tanto de encenadores que fundamentam a cenacontemporânea, quanto de autores voltados para o ensino do teatro.

Neste enfoque, o futuro professor de teatro deve desenvolver, não apenassua competência pedagógica, como também sua competência artística. Alémde saber estimular o aprendizado do fazer teatral em iniciantes – dominandouma abordagem metodológica que lhe permita a socialização dessa linguagem– o professor necessita praticar e refletir procedimentos de elaboração dodiscurso cênico que possibilitem a participação criativa e crítica dos seusalunos.

Neste contexto, a encenação – enquanto produto cênico resultante daaprendizagem do teatro – não é pensada somente sob a forma de espetáculoem cartaz em edifícios teatrais, mas abrange diferentes modalidades deeventos cênicos, tais como a representação de curta duração, a performance4,o ato artístico coletivo5, escolhidos pelo professor ou pelos participantes, deacordo com as possibilidades e as necessidades de cada grupo.

4 “Utilizamos o termo no sentido de eventos fora dos padrões convencionais do espetáculoteatral, que podem associar idéias, artes visuais, teatro, dança, música, vídeo, poesia,geralmente, utilizando espaços não destinados ao teatro e, muitas vezes, envolvendo o públicoem um ritual cênico, no qual tende a se tornar participante, em detrimento de sua posição deassistente”. (Cohen, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço deexperimentação, São Paulo, Perspectiva, Edusp, 1989. pp. 28-30)

5 Atos organizados em torno do jogo teatral com textos da peça didática brechtiana, que noBrasil tem no trabalho de Ingrid Koudela sua principal referência. São rituais sociais nos quais

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Sabemos que a aprendizagem da encenação se configura como um processolongo, de práticas complementadas pela leitura de textos de espetáculos, queextrapola os limites de um curso de graduação. Consideramos, porém, que oconhecimento dos princípios estéticos e metodológicos de encenadores comoBrecht, Meyerhold, Stanislavski, Peter Brook, Robert Wilson, Antunes Filho,José Celso Martinez e Antônio Araújo, por exemplo, se torna imprescindível naformação do professor, no sentido de possibilitar uma contextualização de suaprática no multifacetado panorama da cena contemporânea.

No ofício de professor, porém, não basta saber encenar. Se entendermos quea elaboração do discurso cênico deve acontecer de forma coletiva, com osparticipantes podendo colaborar efetivamente nas decisões relativas àdramaturgia, surge a preocupação de articular o seu posicionamento artísticocom os desejos estéticos do grupo. Assim, na construção do texto espetacularou texto cênico, entendido como “a relação de todos os sistemas significantesusados na representação e cujo arranjo e interação formam a encenação”6,interrogamo-nos sobre como proceder na condução de um trabalho sem cairnos extremos da criação coletiva ou da centralização das decisões na figurade um diretor e/ou dramaturgo. Faz-se necessária a busca de procedimentosque permitam um equilíbrio entre três possibilidades de autoria do discurso aser posto em cena, ou seja, que possam equacionar a criação do ator, dodiretor e do texto na tessitura do acontecimento teatral.

No âmbito da formação do professor de teatro, defendemos que a encenaçãopode ser vista como um experimento coletivo de investigação artística sobre anatureza humana, no qual os atores e demais participantes colaboramcriticamente na construção do texto espetacular. Neste tipo de encenação quese desenvolve através de oficinas, faz-se necessário que o coordenador domineum conjunto de competências pedagógicas que viabilizem a condução dogrupo, desde a escolha do tema até a efetivação do acontecimento cênico esua análise.

A visão do professor como encenador, entendido como o coordenador deexperimentos colaborativos de construção da narrativa cênica é fundamentalem nossa pesquisa, pois ilumina o perfil do profissional para cuja prática eformação pretendemos contribuir. Neste enfoque, o objetivo do professor deteatro é o exercício de uma didática não depositária, no sentido atribuído porPaulo Freire: partir do respeito ao universo do grupo, estimulando a apreensãode novos enfoques e práticas, pois é através do diálogo que o indivíduoconstrói o conhecimento e avalia seu aprendizado.

Esta abordagem do aluno e do professor como pesquisadores tem seufundamento teatral na posições de diversos encenadores, como Bertolt Brecht

jogadores e público se misturam, permutando os papéis e se apropriando ludicamente do texto,que funciona como modelo de ação para ser recriado pelos jogadores. (KOUDELA, IngridDormien. “Texto e Jogo”. São Paulo, Perspectiva, 1996.

6 PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999, p. 409.

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e Peter Brook, quando afirmam que o encenador não deve entender por ensaioa submissão àquilo que já está estabelecido anteriormente, mas como umaexperimentação de diferentes possibilidades de configuração das cenas. Cabeao coordenador descartar as soluções fáceis e desvendar crises que promovamnovas descobertas, sem receio de reconhecer que nem sempre conhece asolução dos problemas que surgem. A confiança que os participantesdepositam nele é resultante do fato de que ele é capaz de decifrar aquilo quenão é a solução. Sendo assim, o encenador deve utilizar os mais variadosestímulos, provocando a multiplicidade de pontos de vista, estimulando novasexperiências e a atitude de pesquisa dos participantes.

Desse ponto de vista, o professor de teatro na escola e na ação cultural temcomo objetivo o desenvolvimento de um conjunto de competênciaspedagógicas e artísticas, tais como:

- saber expressar seu posicionamento artístico com relação ao teatrocontemporâneo;

- reconhecer as principais referências históricas e teóricas da suaprática;

- saber elaborar projetos de intervenção cultural e de pedagogia doteatro;

- coordenar o aprendizado da leitura do espetáculo contemporâneo;

- conduzir o grupo de iniciantes e/ou atores desde a escolha do tema atéa efetivação do acontecimento cênico, sem perder o aspecto lúdico doprocesso:

- saber avaliar e redigir textos que sistematizem sua prática.

Sendo assim, consideramos que uma das opções para a formação do professorde teatro é a perspectiva do professor como encenador, entendido aqui comoaquele que busca realizar o ato cênico sem quebrar a continuidade da oficina,mantendo o caráter coletivo do trabalho e o respeito ao grupo. O objetivocentral de sua prática não é montar espetáculos, mas sim, o desenvolvimentodo grupo na leitura e na criação da cena em moldes contemporâneos. Aoprofessor cabe ser capaz de propor e coordenar experimentos de encenaçãonos quais os grupos participem como co-autores do discurso cênico.

Repensando a encenação na licenciatura

Os princípios sistematizados durante o mestrado nortearam nossaargumentação na defesa do redimensionamento do papel da encenação noâmbito dos novos cursos de Licenciatura e a criação do Laboratório deEncenação7, na UFRN. Este espaço acadêmico destina-se à pesquisa de

7 Trata-se de um projeto que criamos junto ao Departamento de Artes da UFRN, cuja estruturafísica envolve um pequeno teatro, um banco de figurinos e adereços, sala de reuniões e ensaios.

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abordagens da encenação centradas na noção de jogo, tendo em vista amelhoria da formação do professor de teatro. Nossa principal atividade é arealização de experimentos coordenados pelos alunos de licenciatura, quebuscam integrar as oficinas de caráter pedagógico e a representação.Podemos sintetizar o encaminhamento adotado da seguinte forma: ao longodos três últimos semestres do curso, durante as disciplinas “Encenação 1”,“Encenação 2” e “Encenação 3” - os alunos planejam, realizam e avaliamoficinas que resultam em acontecimentos teatrais em diferentes contextos:escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio, grupos de teatrojá estabelecidos, bailarinos, grupos de idosos, dentre outros. Este percurso éregistrado e analisado em um trabalho escrito, que fundamenta e analisa opercurso da encenação.

A maioria das montagens vem sendo desenvolvida através do jogo teatral comdiferentes espécies de textos: narrativos (romances, contos, literatura decordel), literatura oral (romances cantados, músicas, provérbios) oudramáticos. Até o presente momento foram realizadas diversas mostras queapresentaram ao público da cidade do Natal mais de vinte encenações, cujadramaturgia foi elaborada através de jogos com textos de autores como Kafka,Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Bráulio Tavares, Nelson Rodrigues, BertoltBrecht, Shakespeare e Fernando Arrabal, dentre outros.

Como complemento desta prática o professor em formação deve escrever umtexto monográfico relatando seu projeto artístico, os procedimentos utilizados,citando seus fundamentos na teoria da encenação e na pedagogia do teatroreferentes à abordagem utilizada. É interessante notar que uma parcelasignificativa dos alunos tem prosseguido com seus trabalhos para além doslimites da disciplina, seja através da apresentação de suas conclusões emcongressos de iniciação científica, seja, em menor escala, sob a forma detemporadas de espetáculos em teatro, ou mesmo na participação em festivais.

Apesar das dificuldades, consideramos que a iniciativa do Laboratório temcontribuído para uma mudança de enfoque em relação ao perfil do professor aser formado em nosso curso. A assertiva - o professor de teatro deve saberencenar – passou a fazer parte do cotidiano acadêmico na UFRN, a partir dadivulgação dessa prática. Ressaltamos o fato de a maioria dos alunos quepassou pelo Laboratório ter conquistado os primeiros lugares em concursopúblico da Prefeitura de Natal, em 2003, e muitos deles assumirem que estãoampliando, com sucesso, a abordagem da encenação como experimento emsuas respectivas salas de aula, ou em oficinas extraclasse.

Pretendemos continuar a busca de abordagens metodológicas da encenaçãocomo experimento, baseadas no diálogo entre o professor e a análisedramatúrgica do ator. Neste enfoque, encenar e aprender constituem ummesmo caminho8.

8 Expressão utilizada por Monique Borie para analisar a natureza pedagógica da prática teatralde Grotowski e Eugenio Barba (1987, p. 127)

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Um pressuposto é o de que os elementos constituintes da escritura cênica – otexto, o espaço, as imagens, a música - possuem múltiplas possibilidades esignificados a serem exploradas pelo grupo que se interessa em jogá-losteatralmente. Este pressuposto de utilização de diferentes elementos cênicospode ser um eixo para a elaboração de encenações através do jogo, durante aformação do professor. Outro pressuposto é que se faz necessário integrar ostextos de natureza teórica às imagens da história da encenação e à prática dojogo teatral.

Sendo assim, tendo em vista a carência, na bibliografia disponível no Brasil, deabordagens metodológicas de encenação voltadas para o professor de teatro,consideramos que a sistematização de princípios e procedimentos aquiapontada poderá dar uma contribuição ao trabalho destes professores, assimcomo dos diretores interessados em elaborar discursos cênicos polifônicos.

A pedagogia da Encenação e da Dramaturgia: para além do enfoque daatuação com textos.

É importante propor uma seleção de jogos teatrais e procedimentos de análisedramatúrgica que possibilitem o exercício artístico-pedagógico dos principaisprocedimentos cênico-narrativos, articuladores da dramaturgiacontemporânea. Em outras palavras, propor uma abordagem que privilegie nãoa atuação, mas o pensamento do aluno na discussão dos rumos do textocênico. Interessa-nos o educando como leitor, como fruidor do espetáculo oudo acontecimento teatral. Propomos uma forma de aprendizagem doselementos básicos da cena contemporânea através de uma prática que articuleprocedimentos lúdicos com o estudo de textos teatrais e teóricos.

Em geral, a maioria dos autores no Brasil que pensam a pedagogia do teatrocom iniciantes e leigos9 propõe atividades onde todos devem, se possível,atuar num mesmo encontro, inclusive como forma de equilibrar asparticipações. Não é comum, – nem é visto como uma atividade corriqueira napedagogia do teatro atual – que um aluno passe, por exemplo, várias aulasseguidas sem atuar, exercendo outras atividades ou apenas assistindo.Para além do “todo mundo pode atuar”, propomos o “todo mundo podeencenar”, pensar discursos cênicos sobre o mundo, articular estéticas,administrar o uso dos componentes da cena (instrumentos cênicos), tomarpartido estético, filosófico sobre o discurso da cena vista ou produzida.

Repensar a dramaturgia na formação do professor e na escola

Como podemos encenar sem conhecer os principais instrumentos utilizados naescritura cênica contemporânea? Por exemplo, como nós professores podemosarticular um espetáculo contemporâneo que não dependa de um textopreviamente escrito, sem aprender as técnicas fundamentais de composição de

9 Assim procedem Augusto Boal, Ingrid Koudela, Maria Lucia S. B. Pupo, Joana Lopes, BeatrizCabral, Joaquim Gama, Arão S. Paranaguá, dentre outros.

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roteiro durante nossa formação? Como ajudar os atores a editar as açõesimprovisadas a partir dos textos dramatúrgicos? Como fazer isto se nãodispomos de noções elementares das diferentes modalidades de discursoteatral?

Em nossa experiência, percebemos que a prática da retomada do jogo teatral,tendo em vista seu desenvolvimento eficaz, exige do professor e do ator-alunonoções básicas de dramaturgia da cena - noções de ritmo, de unidade, desuperobjetivos, de leitura semiótica, de reconhecimento das ferramentasnarrativas da arte teatral. No Brasil, nem o diretor, nem o ator, nem oprofessor costuma possuir essa base em sua formação.

A dramaturgia e a encenação nunca foram valorizadas nos currículos doscursos de Licenciatura no Brasil. A maioria dos professores em atuação e, pelovisto, a maioria dos futuros formandos vai ter que enfrentar essa carência, poisas reformas do currículo, em andamento, (até onde conhecemos), nãodedicam tempo suficiente para o exercício da dramaturgia no programa deensino do futuro professor. Muitos desconhecem a dramaturgia brasileira. Aevolução da cena no país não é examinada. Como se não bastasse, asdisciplinas dedicadas ao teatro brasileiro são insuficientes, possuem menosprestígio e carga horária do que seria desejável.

Quando nos questionamos sobre como se deve organizar o processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos e práticas da encenação na formação doprofessor, percebemos uma lacuna na bibliografia sobre o tema. Tambémpudemos perceber, a partir da análise de Santana (2000) sobre os cursos deformação de professores no Brasil, que a carga horária dedicada à disciplinaEncenação e Dramaturgia ou literatura dramática é infinitamente menor que acarga horária dedicada às práticas nas quais os alunos jogam ou atuam emespetáculos.

Da mesma forma, desconhecemos trabalhos que abordem maneiras de tratar otexto teatral em sala de aula, não só na forma de fragmentos como tambémpor inteiro - como ponto de partida de aprendizagem dos procedimentosdramatúrgicos e de encenação, sem perder a noção de jogo e uma atitudefreireana, que prioriza a construção do conhecimento pelo aluno.

A prática da análise sistemática e da criação de texto não é valorizada naformação do diretor, ao contrário de escolas como o Instituto de Teatro deBarcelona. Sendo assim, no presente trabalho, observamos e analisamos osprincipais procedimentos de aprendizagem da escritura do texto, realizadosnos atelliers de Dramaturgia do curso de direção do Instituto Teatral deBarcelona, tendo em vista a formulação de procedimentos intertextuais deaprendizagem dos fundamentos da dramaturgia contemporânea.

Torna-se necessário recuperar a importância da dramaturgia como umcomponente tão importante quanto a atuação no exercício e no jogo, seja emsala de aula ou na prática do ator. Acreditamos que exercícios de comoescrever para a cena, como imaginar narrativas e diálogos, como ler e adaptar

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os clássicos e como reescrever cenas ou diálogos a partir de improvisos sãoimportantes conquistas da pedagogia do teatro que podem ser incorporadas aotrabalho com iniciantes.

Este trabalho pode contribuir – ainda que modestamente – para opreenchimento de algumas das lacunas existentes na formação do professor.Buscamos sistematizar procedimentos que proporcionem o aprendizado dosfundamentos e das principais metodologias das modalidades de encenação,especialmente aquelas que permitem a participação de todos na elaboração dotexto cênico.

A nossa participação como assistente de direção de Antonio Araújo naelaboração do espetáculo Apocalipse 1,11 durante o ano de 1999 foiimportante para ampliar as nossas perspectivas em relação às práticas quevalorizem a participação dos atores e dramaturgos na construção do discursoteatral.

Partimos da observação do processo de montagem do espetáculo, Os Sertões,O homem, do Grupo Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêea. Nossoobjetivo foi averiguar quais são os princípios gerais do diretor quando ele sepropõe a encenar textos de autores como Bertolt Brecht, Eurípedes, NelsonRodrigues, Oswald de Andrade e quais procedimentos utilizados por essediretor estimulam a participação dos atores e dos demais participantes natessitura das ações cênicas que compõem a dramaturgia híbrida do grupo.Escolhemos este grupo por ele representar um dos coletivos teatrais maissignificativos da história da cena brasileira e, especificamente, pela propostade apropriação antropofágica desse diretor em relação aos clássicos, que nosinspira na formulação da proposta em tela. A imersão no universo dos ensaiosdo referido grupo e o diálogo que tivemos a oportunidade de manter com essediretor10 e com alguns dos atores e membros da equipe técnica, ao longo doexperimento, foi importante para consolidar a influência da práticadramatúrgica realizada pelo grupo na formulação dos procedimentos aquisistematizados, pensando sua utilização com professores e devidamenteadaptados aos grupos.

Após a revisão bibliográfica sobre os temas, a segunda fase da pesquisa foidedicada à formulação e realização de duas oficinas teatrais para iniciantesem teatro com idade acima de 16 anos, na Casa de Cultura do bairro deInterlagos, no âmbito do projeto Teatro Vocacional da Secretaria Municipal deCultura de São Paulo, durante o período de junho a dezembro de 2003 e demarço a dezembro de 2004. Nosso objetivo, naquele momento, foi

10 Esse diálogo ocorreu entre os ensaios, em reuniões sobre o encaminhamento da dramaturgia,e na entrevista concedida em 30 de março de 2006, na qual o diretor José Celso Martinez Corrêaexpôs sua visão sobre a aprendizagem de importantes textos clássicos brasileiros na escola e naprática teatral. A realização de uma mesa redonda sobre a relação criativa entre o diretor e osdemais membros do grupo, no evento Ilhas de Desordem, - que coordenamos em conjunto como prof. Marcelo Denny, no Departamento de Artes da Escola de Comunicações e Artes da USP,-também foi esclarecedora para complementar o estudo sobre esse diretor.

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experimentar e refletir a respeito das possibilidades do jogo com textosteatrais como eixo metodológico de uma oficina dedicada à experimentaçãopor iniciantes do revezamento das funções de dramaturgo, diretor e ator emprocessos coletivos de análise e encenação de textos teatrais.

Neste sentido, consideramos de fundamental importância a formulação depropostas de encenação que evidenciem o jogo teatral11 como modalidade deaprendizagem do Teatro, desde o início do processo até a encenaçãopropriamente dita. Neste trabalho investigamos até que ponto podemosviabilizar a elaboração de análises, adaptações, encenações e recriações dotexto teatral através de uma prática centrada em uma atitude lúdica,colaborando assim para a discussão pedagógica que visa transcenderdicotomias como aprendizagem/apresentação ou processo/produto. Na fasede realização das oficinas optamos por uma abordagem metodológicacentrada na pesquisa–ação, nos moldes formulados por Tiollent (1998). Nestetipo de abordagem existe uma explícita interação entre o pesquisador e aspessoas implicadas na situação investigada.

Na fase das oficinas os resultados dependeram, em parte, da forma como sedeu a inserção do pesquisador no universo da pesquisa, ou seja, aintervenção direta, através de diálogo concreto ‘in loco’, com os participantesdas oficinas teatrais, formulado e coordenado por este autor. Sendo assim,não tivemos qualquer intenção de neutralidade ou de pretender umaqualidade de observador em separado de nosso objeto, ao mesmo tempo emque tentamos dar prioridade ao planejamento e à avaliação contínua acercada viabilidade dos caminhos propostos durante o percurso da pesquisa. Acompreensão dos fenômenos ocorreu na perspectiva da cotidianidade, ouseja, documentamos esse percurso na medida em que ocorriam as ações dopesquisador junto ao grupo. A análise dos dados levantados se completouposteriormente, valendo-se do registro escrito das avaliações através deprotocolos, do registro fotográfico, de gravações em fita cassete e em vídeo.

Por outro lado, pensamos em avançar no que se refere à modalidade departicipação do educando através da redação de textos teatrais. Partimos dopressuposto de que as modalidades de estudo do texto contemporâneo são umrico instrumental teórico que poderia estar acessível aos iniciantes de teatro ouao ator e diretor que não deseje se transformar em um crítico profissional, massim deter as referências que lhes permitam dialogar em sua prática.Desconhecemos até o presente momento, no Brasil, um curso de licenciaturaou bacharelado em Teatro que possua em sua estrutura curricular disciplinasobrigatórias que funcionem nos moldes das oficinas de escritura dramáticadesenvolvidas por Sarrazac e Danan na Université Paris III ou no Institut DelTeatre de Barcelona.

Por isso, no contexto da presente investigação, foi fundamental conhecer oInstitut Del Teatre de Barcelona, para se aprender como lá se ensinadramaturgia nas “Oficinas de Escritura do Texto Teatral” e nas disciplinas

11 Cf. Koudela (1997), Pupo (1997) e Spolin (1999).

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“Dramaturgia I e II”, ambas pertencentes ao currículo dos atores e dosdiretores em formação. Os procedimentos didáticos utilizados pelos professoresobservados contribuíram para formulação da proposta pedagógica resultantedesta pesquisa, no que concerne às proposições que enfocam o aluno comodramaturgo, no sentido de adaptador e escritor de textos teatrais.

Iniciamos o primeiro capítulo com uma revisão bibliográfica sobre as relaçõesentre encenação e pedagogia teatral contemporânea, situando nosso enfoquena destacada abordagem antropofágica de José Celso Martinez Corrêa. Emseguida, propomos a valorização da dramaturgia como um dos eixos possíveispara a realização de experimentos de aprendizagem e criação, situandonossos critérios para a seleção e a proposição dos textos teatrais peloprofessor. Propomos ainda a criação de bancos de dados teóricos que possamservir de material didático para incrementar as avaliações das práticas deleitura e encenação.

No segundo capítulo defendemos uma abordagem lúdica do texto teatral,situando-a nos autores que se dedicam às relações entre texto e jogo napedagogia do teatro. Em seguida, destacamos o princípio metodológico deampliação das funções criativas do aluno, tanto para o professor emformação, quanto para o iniciante. Descrevemos aqui as características geraisdos papéis de dramaturgo e diretor que propomos para o diálogo com osatores. Para ilustrar esta proposta utilizamos exemplos de um experimento noqual foram recriadas cenas de Esperando Godot de Samuel Beckett.

No terceiro capítulo são apresentados os princípios de nossa proposta parauma abordagem lúdica de leitura e análise do texto teatral em sala de aula.De início, situamos a análise e o jogo com fragmentos de textos teatrais comoforma de ampliar o repertório do grupo. Depois, abordamos a análise do textoteatral na íntegra, destacando as práticas de redação da fábula, análiseseqüencial das ações e criação de imagens no caso de textos que se atenhamà noção de fábula. Para a análise do texto que não se apóia na noção defábula utilizamos uma análise de Hamlet máquina, de Müller, de modo adiscorrer sobre o uso de recortes teóricos, o uso da crítica e da história noauxílio à leitura, complementando a criação de imagens e de roteiros de açõescênicas pelos alunos.

O quarto capítulo trata das questões da encenação e se inicia com aapresentação do princípio metodológico de experimentação de diferentesprocedimentos de encenação do texto teatral utilizados por diretores e grupossignificativos para a compreensão da cena contemporânea. Após situar oscritérios para seleção de encenações modelares são abordados diferentespontos de partida para a experimentação do grupo: a) análise de recortesteóricos, com os objetivos de encenação referentes a poéticas cênicasdistintas, como as de Robert Wilson e Brecht; b) a análise comparativa dediversas abordagens de um mesmo procedimento, como o exemplo daprojeção de imagens; c) análise de registros de uma encenação modelar dotexto, ilustrada pelos exercícios de adaptação, re-escritura e encenação quepodem ser realizados a partir de materiais sobre o espetáculo Ham-let, do

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grupo Oficina. O capítulo se encerra com a abordagem da fase na qual osgrupos decidem quais princípios e procedimentos analisados serão utilizadosna formulação das encenações e na redação das adaptações de textos.

O leitor desta tese terá a oportunidade de constatar que alguns dos tópicosapontados são retomados em diferentes capítulos. Como aqui se trata deexpor linearmente modalidades de trabalho que não ocorrem dessa maneira,salientamos que em cada um dos capítulos é lançada uma luz mais diretasobre determinado aspecto da proposta.

Docentes e estudantes dos cursos superiores de licenciatura em teatroconstituem o público privilegiado desta tese. Esperamos que a pesquisa possacontribuir para o debate de propostas metodológicas no que diz respeito aopapel da dramaturgia no âmbito da aprendizagem da encenação na formaçãodo professor. Por extensão, nosso estudo pode vir a contribuir também notrabalho de professores que já se dedicam ao ensino do teatro na escola e àsoficinas de ação cultural, dentre outras modalidades de inserção.

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Capítulo 1. O texto como ponto de partida deexperimentos coletivos de aprendizagem e criação.

Como aprender a ler e a criar a cena teatral contemporânea que vai alémdo modelo dramático? Esta questão é o ponto de partida de nosso trabalhoe diz respeito ao professor de teatro em formação, tendo em vista seutrabalho futuro com alunos da disciplina Teatro no ensino fundamental emédio - a partir da 5ª série - ou com participantes de um processo de açãocultural. A proposta que sintetizamos nesta pesquisa articula dois princípiosfundamentais na tentativa de solucionar esta questão: o jogo de encenaçãocolaborativa - com a vivência de diferentes funções criativas pelo mesmoindivíduo - e a análise hipertextual da dramaturgia, que visa integrar oexercício da criação cênica com a apropriação da teoria e da história doteatro.

Partimos de alguns princípios que podem contribuir como uma das opçõesmetodológicas para o professor de teatro interessado em fazer de um textoteatral o início de um experimento de aprendizagem da encenação. Sãoeles:

- O exercício de diferentes procedimentos dramatúrgicos, contextualizados,de forma a ilustrar o panorama das diversas opções de escritura teatral;

- A necessidade de o participante se apropriar de um elenco de opçõesformais, antes de tomar decisões em relação aos objetivos e às opçõesdramatúrgicas na criação de uma cena;

- A abordagem colaborativa de escritura cênica na qual cada participanteexperimenta diferentes funções na criação de pequenas formas, naencenação de fragmentos. Os participantes podem exercitar o processocolaborativo em rodízio que estamos desenvolvendo nessa pesquisa. Nossaintenção é que a criação de cenas resulte do confronto de diferentesautorias e que os participantes experimentem variadas funções criativas.

- Uma primeira fase de contato direto dos atores com a textualidade, semmediação do professor ou da teoria ou da história, é fundamental paragerar material cênico próprio do grupo, ver como os participantes reagemao tema e à estrutura do texto, sem racionalizações prévias nem mediaçãoteórica do professor. Nesta etapa da abordagem consideramos importante aprática de jogos de apropriação de textos, como defendidos por Koudela,Pupo, Ryngaert e Steinweg.

- É importante valorizar o conhecimento sistematizado nas áreas deHistória, Teoria e Crítica do Teatro como conteúdos do ensino de teatro naescola.

Nosso primeiro objetivo é desvelar as possibilidades de jogos do grupo emrelação ao texto escolhido como ponto de partida. Depois do levantamentode imagens e idéias sobre o que fazer a partir do texto, pode-seexperimentar e discutir alguns dos principais procedimentos de criação dacena teatral contemporânea, caracterizada pela diversidade temática e

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formal, pelo uso de espaços não previamente destinados ao teatro, assimcomo, a apropriação lúdica ou estranhada (Meyerhold/Brecht) da caixacênica (à italiana) e a mistura de linguagens: teatro, performance, vídeo,música.

Neste sentido, os alunos podem detectar a presença no texto, dosprocedimentos cênicos dramáticos, épicos e pós-dramáticos. Nesta nossavalorização da análise dramatúrgica como prática pedagógica cominiciantes é fundamental que o professor não apenas emita suas própriasopiniões, mas que ele possa atuar como provocador do debate de idéiascontraditórias sobre o mesmo tema, texto, ou procedimento. Ao mesmotempo em que coordena a leitura coletiva dos textos teatrais, ele apresentae comenta citações de encenadores e estudiosos acerca da passagemdestacada.

1.1. A encenação através de experimentos coletivos

O objetivo deste tópico é situar o leitor na tradição teatral em que seinscreve este trabalho. Nosso foco é dirigido para alguns dos maissignificativos encenadores pedagogos que almejam a autonomia artística ea renovação da linguagem teatral.

Interessaram-nos os diretores que realizaram percursos de construção dotexto espetacular permeados pela contribuição dos atores, seja na definiçãoe na elaboração dos superobjetivos da montagem, seja na abordagem dostextos ou no levantamento e na definição das soluções com aquelesdiretores cujos métodos valorizam a opinião dos demais participantes naescritura cênica.

O principal critério de seleção foi o da realização de encenações cujosprocessos de criação ultrapassaram a abordagem técnica do que podemoschamar de composição das ações1, quando os atores se dedicam a elaboraras suas partituras.

Priorizamos aqueles diretores que, além de criarem espetáculos,procuraram compartilhar seus processos, tentaram registrar e ampliar aspossibilidades cênicas, sistematizando e divulgando os seus conhecimentos.Este critério valoriza o papel do encenador no que se refere à ação cultural,ou seja, na proposição de ações que modifiquem o panorama do teatro enão apenas no âmbito de sua produção autoral.

1 No sentido do ator como “compositor de ações” físicas e vocais, segundo os principaisautores da pedagogia do ator (Aslan, 1994). Em recente trabalho, Bonfitto concluiu que sãotrês os aspectos centrais do trabalho do “ator-compositor”: ”a ação física, seu eixo; aspráticas improvisacionais e os seres ficcionais”. Esse autor ressalta a importância da açãocomo instrumento central, uma espécie de “fio condutor” do trabalho do atorcontemporâneo para ”fazer das diferentes teorias ou técnicas de interpretação, pontos deum mesmo fio, engrenagem de um mesmo eixo, faces de um mesmo sólido”. (Bonfitto,Matteo. O ator-compositor. São Paulo, Perspectiva, 2002, p.140).

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1.1.1. Relações entre pedagogia e encenação

A pedagogia do teatro e a encenação, quando caminham juntas com oenfoque da pesquisa, são responsáveis pelo avanço do teatro enquanto atocultural e linguagem artística. Quando analisamos a história percebemosque muitas das principais formulações da encenação foram conseqüênciade processos que uniram investigação artística e aprendizagem. Foram asexperimentações de encenadores junto aos grupos permanentes e emdeterminados centros de pesquisa, oficinas e escolas, as responsáveis porgrande parte da revolução teatral promovida pela encenação no século XX.

Segundo este enfoque a pesquisa, a pedagogia e a encenação podem serencaradas como três faces freqüentemente integradas ao fenômeno teatral.Referindo-se a encenadores como Stanislavski e Meyerhold, FabrízioCruciani destaca o caráter pedagógico dos grandes renovadores da cenamoderna:

“As práticas e poéticas dos grandes mestres conduziram a uma espéciediferente de teatro. O elemento essencial: a pedagogia, a procura pelaformação de um novo ser humano num teatro e sociedade diferentes erenovados, a procura por um modo de trabalho que possa manter umaqualidade original e cujos valores não são medidos pelo êxito dosespetáculos, mas sim, pelas tensões culturais que o teatro provoca edefine.”2

Para Picon-Vallin, a pedagogia interioriza a ligação entre os atores e oencenador:

"O processo pedagógico, comunicação de uma experiência e de um saberadvindo de uma reflexão sobre esta experiência, visa primeiramenteassegurar a coesão profunda, a unidade dos atores em torno de umencenador".3

Em 1905 inicia-se uma nova etapa para a pedagogia do teatro, quandoStanislavski cria o Teatro-Estudio, convidando Meyerhold para preparar osjovens atores. Em 1912, Stanislavski já ministrava um curso completo,viabilizando sua proposta de uma escola vinculada à pesquisa de um grupode vanguarda que não desejava transmitir um saber acumulado, masencontrar respostas e caminhos novos. Meyerhold foi um dos primeiros aescrever sobre a competência pedagógica de um encenador de teatro, logoapós assistir os ensaios de Stanislavski, referindo-se ao diretor como ummetteur-en-scène-professeur.

2 Cruciani, Fabrizio. “Aprendizagem:exemplos ocidentais”. In: BARBA, Eugênio e SAVARESE,Nicola. A Arte secreta do Ator, Dicionário de Antropologia Teatral. Campinas, São Paulo,Hucitec/ Unicamp, 1995, pp.26-29., p. 26.

3 Picon-Vallin, Bétrice. "Stanislavsk et Meyerhold, metteurs en scène-pédagogues” In: Lemetteur en scène en pedagogue, L’ Art du théâtre n.8, Actes Sud/Théâtre National deChaillot, 1987. p. 106.

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Meyerhold concretizou a ampliação da perspectiva pedagógica doencenador moderno quando manteve o seu próprio estúdio (1913-1917).Em 1918 ele criou cursos para encenadores e cenógrafos, e em 1921inaugurou as “oficinas de encenação” e um “laboratório de técnicas doator”. O ator Garine escreveu que nos atelliers todo mundo aprendia, "osprofessores e os alunos".

Além destes dois “pais fundadores” da pedagogia teatral do Ocidente,podemos destacar os nomes de Vakthangov, Michel Checkhov, JacquesCopeau, Bertolt Brecht, Jerzy Grotowski, Viola Spolin, Ariane Mnouchkine,Eugenio Barba, Peter Brook. Para eles, a pedagogia não é uma atividade"paralela" à prática cênica, mas sim, uma necessidade inerente à suaatuação. Cada espetáculo destes diretores impõe problemas diferentes,gerando um programa de trabalho particular, considerado como umelemento capaz de reformular a linguagem cênica.

Por outro lado, a pedagogia para a cena é vista como uma pedagogia paraa vida, devendo extrapolar o aprendizado da linguagem teatral. ParaDantchenko, “um autêntico encenador deve ser um pedagogo”, ao passoque para Stanislavski, o ator deve ser um "homem ideal", a saber:

"O estúdio impõe regras de trabalho, uma ética profissional, o senso deresponsabilidade no grupo diante do teatro, diante do público, diante daépoca. Ele exige qualidades humanas, um espírito de equipe em torno deum modo de vida em comum (...)"4

Depois da fundação do Vieux-Colombier, o encenador francês JacquesCopeau não cessou de considerar o fazer teatral como uma escola, nosentido da necessidade de uma exploração intensa, resultante de umadisciplina educativa. Em 1919 ele afirma que “a idéia da Escola e a idéia doTeatro não são mais que uma só e única idéia”, ressaltando nestapedagogia a importância do jogo:

“A educação do senso dramático vai estar fundada essencialmente sobre ojogo (no sentido lúdico) - portanto o instinto está ainda vivaz como nojovem aprendiz - e sobre a improvisação que rende ao comediante a leveza,a elasticidade, o verdadeiro caminho espontâneo da palavra e do gesto, overdadeiro sentimento do movimento, o verdadeiro contato com o público, ainspiração, o fogo e a audácia do farsante”.5

Durante todo o século XX, e principalmente após a década de 1960,surgiram grupos interessados em uma prática do teatro para além doartesanato bem feito de espetáculos de entretenimento. Concordamos comEugênio Barba quando afirma que as verdadeiras experiências teatrais quesubsistirão no futuro e irão influenciar o teatro estão ligadas ao processopedagógico:

4 Stanislaviski, 1989, p. 110.

5 Copeau cit. in Ertel, Èvelyne. “Commencer par le commencement” In: L’ art du théâtren.8: Le metteur en scène en pédagogue. Paris, Actes Sud/ Chaillot Théâtre National, abril de1988. p. 119.

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“A pedagogia como um ato criativo é uma realização da necessidade de criaruma cultura teatral, uma dimensão do teatro cujos espetáculos somentesatisfazem parcialmente, e que a imaginação traduz em tensão vital. É porisso que no princípio do século vinte o teatro existiu primariamente porintermédio da pedagogia (antes que isso se tornasse enaltecido, organizadoe didático) e porque a pedagogia pode ser vista como uma linha direta nacontinuidade da maioria das experiências teatrais significantes da época.” 6

No âmbito de nossa abordagem, interessa-nos uma integração entreencenação e pedagogia do teatro. Nesse sentido, referindo-se ao trabalhode Grotowski e Barba, Monique Borie afirma que:

“(...) é impossível distinguir o encenador do pedagogo. O pedagogo quedirige a aprendizagem técnica e o encenador que elabora com o grupo umespetáculo são a mesma pessoa. A osmose é total entre os processos detreinamento e os processos de criação” (..) Não existe um vai e vem outensão entre duas funções, de circulação entre dois papéis. A encenação nasua essência é fundada sobre a relação pedagógica. Mas, esta relaçãopedagógica define de algum modo o próprio ato de fazer teatro, tantoquanto a preparação para esse ato.” 7

1.1.2. A pedagogia na encenação brasileira

No Brasil, parte da renovação da cena ocorrida no século XX começa cominiciativas como o Teatro-Escola dirigido por Renato Vianna, que introduziuna cena brasileira a figura do encenador8.

No início dos anos 20, Renato Vianna deflagra sua luta utópica pelarenovação dos processos artísticos e do sistema ético no teatro, com olançamento da sua peça “A Batalha da Quimera”. A história do teatrobrasileiro ainda não valorizou o suficiente a figura desse artista como sendoa primeira manifestação brasileira da arte do encenador. Na pesquisa aindanão publicada “A Batalha da Quimera – Renato Vianna e o modernismocênico brasileiro“, Sebastião Milaré defende a tese de que foi Vianna opioneiro da encenação brasileira. Segundo ele, para a maioria dos autores,parece suficiente citar o espetáculo “A Última Encarnação do Fausto”,(1922), com a participação dos modernistas Heitor Villa-Lobos e Ronald deCarvalho, como sendo apenas uma tentativa de se fazer “teatro síntese”representando uma contestação à velha escola teatral através da subversãodos valores cênicos, sem perceberem a raiz profunda da tentativa demodernização do teatro realizada por Renato Vianna.

Sobre esse tema, Paschoal Carlos-Magno, no prefácio do volume I da obracompleta de Renato Vianna, afirma que aquele diretor teve a “supremaaudácia, a esplêndida coragem de traduzir na cena silêncios, valorizando-oscom gestos” e ele “procurou inicialmente, sublinhando o drama de

6 Barba in Cruciani, op.cit., p. 28.

7 Borie, op.cit., p.128.

8 Milaré, Sebastião. “Apontamentos cronológicos do desenvolvimento da encenação noBrasil”. IN: Sete palcos, revista da cena lusófona. Lisboa, 1998.

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situações e palavras, usar de recursos luminosos e sonoros” e, paraescândalo dos seus contemporâneos, ousou “representar de costas para opúblico tentando esquecer-se deste na procura da verdade na arte”.9 Milarévai de encontro a críticos do relevo de Sábato Magaldi, Gustavo Doria,Bárbara Heliodora que apenas mencionam de passagem o significadohistórico de “A Última Encarnação do Fausto”, como tentativa demodernização dos nossos palcos, mas não cogitam consignar-lhe o título de“modernista cênico”.

Vianna reconheceu a importância da renovação pedagógica como agentepropulsor na mudança da estética adotada nos palcos, tendo sido tambémpioneiro ao inaugurar em 5 de outubro de 1934, o Teatro “Escola”. Estainstituição vinculada a um núcleo cênico de pesquisa deveria se apresentarpelo Brasil e pretendia “formar o artista teatral, dando-lhe umapersonalidade à altura da sua missão, - uma das mais nobres e difíceis, -pelo sacrifício que impõe e pela cultura moral e intelectual que exige”10.Suas palavras, na época da inauguração da Escola, ainda nos soam comoatuais:

“Há quinze anos venho sofrendo pela consolidação de um teatro de artenacional. (...) O duelo travado tem sido tremendo e desigual: de um lado,eu e meus ideais de cultura popular por intermédio de um teatro de arte aonível da dignidade humana; do outro, os negocistas inescrupulosos, oshistriões, os açougueiros da arte, os caftens dos intelectuais invertidos epolíticos ignorantes que eles conseguem hipnotizar, respectiva ousimultaneamente, à sua bolsa e à sua lábia para exploração dos instintosbaixos da turba, transformando o teatro numa feira de corrupções eimbecilidades.“11

Ao realizar seus intentos no palco, assumindo o papel de encenador,levando vários profissionais de primeira linha a experimentar novos códigosinterpretativos, e também como professor e criador de projetospedagógicos, Renato Vianna, efetivamente, renovou o teatro do seu tempo,preparando-o para a definitiva modernização dos conceitos teatrais e deseus processos cênicos que eclodirá no Brasil 60 anos mais tarde.

Outro exemplo de pioneirismo foi Paschoal Carlos Magno, amigo ecompanheiro de lutas de Vianna. Ele deu continuidade àquele ideal comocriador do Teatro do Estudante do Brasil e os Festivais Nacionais de Teatrodo Estudante, que continham uma preocupação pedagógica intrínseca,voltadas para a renovação da linguagem cênica. Seu trabalho teve granderepercussão no país como estímulo à criação de uma cultura de teatro degrupo permanente.

Foram estas noções de teatro de pesquisa, do ator como estudante e danecessidade de romper com a forma de teatro convencional - quecomeçaram a ser difundidas por pioneiros como Vianna e Paschoal -

9 Paschoal Carlos Magno, artigo publicado sob o título “Jesus bate às portas, no Regina”, noCorreio da Manhã, RJ, 15/01/1948 (cit. in Milaré s.d., p.2.).

10 Viana cit. in Milaré, Sebastião. Renato Vianna. São Paulo, (texto inédito, s/d), p.197.

11 Renato Vianna, cit. in Milaré, op. cit, p.198.

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influenciaram diversos grupos no país, tais como Os comediantes. Nadécada de 1940, com a intenção de valorizar o surgimento de umadramaturgia moderna, este grupo convida Ziembinski para dirigir amontagem de “Vestido de Noiva”, espetáculo que se tornou um marcofundamental na renovação do palco brasileiro.

Na década de 1950, com a vinda dos diretores italianos, podemos destacara atuação de Ruggero Jacobbi como exemplo importante para o surgimentode um modelo pedagógico de natureza crítica, alicerçado num pensamentodialético que influenciará nomes importantes da chamada “primeira geraçãode diretores brasileiros”, conforme críticos do calibre de Sábato Magaldi eDécio de Almeida Prado. Sobre essa atuação destacamos o depoimento deAntunes Filho:

“Acho que, se naquele momento irrompeu o diretor brasileiro, (...) a forçavetora de tudo isso foi Ruggero Jacobbi aqui em São Paulo, (...) (ele)escrevia sempre a respeito de se criar um teatro brasileiro, com autores ediretores brasileiros, porque havia uma desconfiança geral quanto ao diretorbrasileiro.(...) Ele já falava de Brecht, muito antes de Paris; era homem quefalava de Brecht pra gente, um homem que falava do teatro político, umhomem que falava de todos os problemas do teatro”.12

Ruggero difunde a concepção de direção teatral como sendo uma “operaçãocrítica“, cujo objetivo é “sintetizar um fato de cultura com uma realizaçãoartística”. Acreditando na estreita relação entre teoria e prática,desenvolveu projetos pedagógicos como o Curso de Estudos Teatrais, emPorto Alegre, no qual selecionava o repertório a ser montado, tendo emvista o estudo de três categorias fundamentais da expressão cênica: atragédia, a comédia e o drama13. Fernando Peixoto, um de seus alunosmais dedicados, realça suas qualidades de pesquisador e pedagogo:

“Incansável batalhador do campo das idéias e da política (Ruggero)participou da fundação do teatro de Arena de São Paulo, empenhou-se nabatalha por uma dramaturgia nacional e para espaço para os encenadoresbrasileiros, com uma lucidez crítica permanente, dinâmica, instigante, umagenerosidade estimulante, uma capacidade espantosa de despertar oentusiasmo pelo trabalho criativo permanente, tornando-se pouco-a-poucoum dos mais profundos conhecedores do processo cultural nacional eintegrando-se ao mesmo, a partir de uma postura marxista, comocompanheiro e amigo de todos os que se entregaram à luta cotidiana poruma sociedade culturalmente livre e soberana.” 14

Na aula inaugural do Curso de Arte Dramática da Universidade do RioGrande do Sul, em 1958, Ruggero defende uma pedagogia aberta àinvestigação do novo e ao seu risco:

12 Antunes Filho, cit. in Raulino, op.cit., p.262.

13 Raulino, op.cit., pp.182 e 184.

14 Fernando Peixoto, cit. in Raulino, op.cit, p.263.

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“A única atitude respeitável para o teatro de hoje consiste em pôr à prova,até o extremo limite de nossas energias, tudo o que sentimos vibrar de vidahumana, de protesto, de revolta. Qualquer tentativa de acorrentar essaexigência de liberdade a teses e programas rígidos deve ser consideradauma ameaça grave. Até mesmo a ambigüidade é importante e necessária”.(…)15.

Ruggero salienta a necessidade de um equilíbrio entre o aprendizado deuma tradição teatral e a atitude investigativa voltada para novaspossibilidades da linguagem cênica, equilíbrio este que continua em pautaquando pensamos na pedagogia do teatro hoje em dia:

“Um teatro fundado sobre o passado é regressivo, estatizante, nostálgico e,enfim, se encontra num beco sem saída. Um teatro que pensa só no futuroé veleidade: é facilmente superado pela teoria e pela prática revolucionária.Só colocando-se no cruzamento onde se cruzam os tempos e seinterseccionam, realizando uma síntese violenta através da escrituradramatúrgica e cênica, o ato teatral se torna verdadeiramente história: istoé, deixa de ser positivistamente antropológico e utopicamente revoltoso, oubanalmente crônica e se torna um ato total, que descobre a própriaEssência e revela a própria necessidade frente aos outros meios decomunicação”.16

A partir de 1960 muitos foram os diretores que se sobressaíram devido àssuas preocupações pedagógicas. A seguir nomeamos os principais artistas egrupos que influenciaram a renovação da cena brasileira, desenvolvendopráticas nas quais os atores também participavam efetivamente como co-autores do discurso cênico. Deste grupo de diretores os mais significativospara a formulação da proposta em tela foram José Celso Martinez Correa eAugusto Boal, cujas abordagens destacaremos nos a seguir e no segundocapítulo.

Na década de 60 o ator e professor Eugenio Kusnet, junto ao grupoOficina17, orientou o aprendizado de sua versão do sistema desenvolvido noTeatro de Arte de Moscou. Da mesma forma, a contribuição de AugustoBoal foi fundamental para divulgar no país tanto o entendimentoamericano, via Actors Studio, do sistema de Stanislavski, quanto o teatroépico de Brecht. De Boal destacamos ainda a participação na organizaçãodo Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena, exemplo bem sucedidode iniciativas pedagógicas que promoveram mudanças artísticas.

De 1970 em diante, podemos destacar o movimento nacional de teatroamador, que alavancou a noção de teatro como ação cultural e política. Ainfluência de César Vieira e o grupo “Teatro União e Olho Vivo” Ilo Krugli eo Vento forte, Amir Haddad e o “Tá na rua”, os cursos e espetáculos noTeatro Ipanema de Rubens Correa e Ivan Albuquerque (RJ). Uma

15 Jacobi cit. in Raolino, Berenice. Ruggero Jacobbi: presença italiana no teatrobrasileiro.São Paulo, Perspectiva, 2002, p.274.

16 Jacobbi cit. in Raulino, op.cit., p.271.

17 Cf. Corrêa, 1998, p. 39.

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pedagogia para o atuador/performático foi desenvolvida por Hamilton VazPereira à frente do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (RJ). Os cursos deNaum Alves de Souza deram origem ao grupo Pod Minoga (SP), dentreoutros.

Na década de 80 o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo consolida-se,assim como os Festivais e o intercambio nacional com o ProjetoMambembão18, surgindo grupos cuja atuação modificou o contexto culturaldas cidades fora do eixo Rio-SP: “Galpão”(MG), “Alegria Alegria“ e“Estandarte”(RN), “Imbuaça (SE), Ponto de Partida (MG), dentre tantosoutros. Surgiram então novos centros de formação, tais como o depesquisa e pedagogia organizado em Porto Alegre pelo grupo Oi Nós AquiTraveiz, e o Lume, núcleo de pesquisa fundado por Luís Otávio Burnier naUniversidade de Campinas. Um curso de Antunes Filho gerou o espetáculoe o grupo Macunaíma. O Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do SESC de SãoPaulo é criado sob a coordenação de Antunes e desde então vem realizandoobras resultantes de longos processos de aprendizagem, tendo como metaa busca de um ator renovado.

Na década de 90 surgem novos grupos que se dedicam a diferentes formasde participação dos atores na dramaturgia, tais como a Cia do Latão, OsParlapatões e a Cia dos Atores dirigida por Henrique Diaz, dentre outros.Por outro lado os mestres se renovam. Antunes Filho desenvolve o projetoPrêt-à-porter no qual os atores também escrevem e discutem adramaturgia, como parte integrante de sua formação. É um grupo deatores liderado por Marcelo Drumond que viabiliza o ressurgimento doteatro Oficina de José Celso, equipe cada vez mais aberta à influência dosseus membros na recriação dos textos.

Dos grupos surgidos no final do século XX, ressaltamos a influência doTeatro da Vertigem coordenado por Antonio Araújo, como uma contribuiçãosignificativa na formulação de nossa abordagem. O método “colaborativo”de construção dramatúrgica, centrado no diálogo entre atores, escritor ediretor abriu perspectivas inovadoras no panorama teatral brasileiro,conforme atestam diferentes obras e dissertações sobre o assunto.

Deste grupo, destacamos o experimento que gerou o espetáculo Apocalipse1,1119, do qual participamos como assistente de direção, durante o ano de1999. A análise desta experiência resultou fundamental para odesenvolvimento de nossa proposta para o exercício dos papéis de diretor edramaturgo por iniciantes e professores, que será descrita no capítulo dois.

18 Projeto da FUNARTE, órgão do governo federal que selecionava grupos de teatro fora doeixo das grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, produzindo temporadas de seusespetáculos nessas cidades.

19 No espetáculo Apocalipse 1,11, o público percorre o espaço de um presídio desativado, noBrasil. A peça estreou em janeiro de 2000, como conseqüência de um projeto artístico epedagógico coordenado pelo diretor Antônio Araújo e seu grupo de atores do Teatro daVertigem, sendo considerada pela imprensa como a conclusão da “trilogia teatral dadécada”.(Cf. Teatro da Vertigem.Trilogia Bíblica.(organização de Arthur Nestroviski).SãoPaulo, Publifolha, 2002.)

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O processo começou com workshops de improvisação a partir do tema“apocalipse brasileiro”. Deste material, o autor criou um protótipo de texto,que serviu de ponto de partida para o processo colaborativo de construçãodas cenas e reconstrução simultânea do texto (cinco horas, cinco dias nasemana, durante dez meses). Neste período, o autor desta tese participouna função de assistente do diretor e como membro da equipe do autor,Fernando Bonassi. A metade dos ensaios com os atores foi voltada parapráticas de improvisação de novas cenas e de retomada dos jogos teatrais.

O que nos interessa neste experimento do Teatro da Vertigem é o alto graude participação, não só dos atores, como também dos assistentes dedireção, dramaturgistas, cenógrafos, iluminadores, na criação do discursoteatral. Na condição de assistente de direção de Antonio Araújo tivemos aoportunidade de nos apropriar, através da prática, dos principaisprocedimentos da abordagem do ator-criador que propõe ações dramáticas,textos, que inventa personagens para dialogar com o diretor e odramaturgo. O segundo aspecto que valorizamos no experimento, nessafase do processo, diz respeito à abertura, para pessoas que não pertencemao grupo, poderem acompanhar e, por vezes, influir de forma colaborativana complexa construção do texto teatral em andamento.

Diferentes oficinas de ensino de teatro funcionaram paralelas à pesquisados atores: duas delas com apenados do presídio do Carandiru20, umaturma de iniciação à interpretação, coordenada pelos atores e outra dedramaturgia, coordenada pelo autor. Na Oficina Cultural Oswald deAndrade, no período entre abril e dezembro de 1999, foram realizadasdiversas oficinas abertas à comunidade21, integradas aos ensaios deinterpretação, cenografia, iluminação, produção e encenação.

A análise dessa prática, através da revisão bibliográfica, da sistematizaçãode anotações feitas durante a montagem, de entrevistas com participantesdas oficinas de direção e de diferentes reuniões com o encenador, permitiua consolidação de nossa proposta na modalidade de processo colaborativoem rodízio, para criação de discursos cênicos com iniciantes, queapresentaremos no segundo capítulo.

1.2. A abordagem de José Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina

José Celso Martinez Corrêa é considerado um encenador que deu respostasbrasileiras a alguns dos principais movimentos e tendências estéticas dacena moderna e contemporânea ocidental22. A trajetória do seu grupo éuma parte fundamental na organização de qualquer curso que priorize alinguagem da encenação brasileira. Se observarmos o seu programa de

20 Na época, o maior presídio da América Latina, com mais de sete mil apenados.

21 Algumas delas, como a de direção, com acesso através de entrevistas e testes. Outraspermitiram o ingresso de iniciantes, sejam jovens atores ou técnicos em cenografia eiluminação.

22 Baseamo-nos em autores como Sábato Magaldi, Décio de Almeida Prado, David Jorge,Armando Sérgio, Mauro Meiches, Sílvia Fernandes, Luiz Fernando Ramos, dentre outros.

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montagens, podemos compará-lo ao de uma escola de teatro, abordando erecriando as propostas de autores como Stanislavski, Brecht, Oswald deAndrade, Artaud, Grotowski, para ficarmos com os exemplos clássicos,além de ter avançado e canibalizado a estética “pós-moderna”. Este diretorinvestigou possibilidades da encenação não-dramática para, em seguida,encontrar uma abordagem dramatúrgica que sintetizasse as propostas deBrecht, Artaud e Oswald: o "Te-Ato" com texto clássico brasileiro, em “OsSertões”.

1.2.1. A devoração dos clássicos antigos e modernos: a atitudeantropofágica na apropriação de textos

Da prática de José Celso como encenador, um importante referencial quefundamenta nossa abordagem dos textos antigos e modernos é aantropofagia cultural inicialmente defendida por Oswald de Andrade23.Estimulamos o desenvolvimento de uma “atitude canibal” do futuroprofessor em relação aos mestres da tradição e da cena contemporâneateatral, tendo em vista a apropriação crítica tanto de proposições estéticaspara a cena, quanto de procedimentos de encenação que possam seradaptados para a sala de aula.

Propomos então que esta “atitude canibal” possa permear todo o processode criação dos experimentos conduzidos pelos alunos, desde a seleção eutilização do espaço, à concepção cenográfica e dramatúrgica daencenação. A Antropofagia é entendida em nosso trabalho, não comomovimento artístico, forma fixa ou modelo, mas como uma atitude:

“(...) A antropofagia deveria ser definida como uma atitude em relação àmiríade de modelos culturais originários da experiência colonial brasileira(...), o denominador comum das criações antropofágicas é o uso livre detodos os modelos culturais disponíveis, não importando a sua origem” 24.

Apesar de o desenvolvimento da história nos impedir de permanecerconcordando com algumas idéias defendidas pela vanguarda artística naprimeira metade do século XX – como a crença no socialismo comoproposta viável de mudança no sistema, a visão idealizada quanto à purezado índio, ou a necessidade de exportação da cultura pau-brasil – aantropofagia cultural propõe uma atitude ao mesmo tempo não-reverente enão-xenófoba para com o produto cultural estranho ao nosso universo.

Esta atitude de abertura ao confronto crítico e lúdico ainda nos parecemuito atual e particularmente recomendável em contextos como o Brasil,que, reiterando Gerald Thomas, possui uma nacionalidade cuja idéia demundo é “quase pré-colombiana, vendo o mundo de longe, celebrando seusencantos com uma mistura de idolatria e superstição25”.

23 ANDRADE, Oswald. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. (Obras Completas, vol. 6)Rio de Janeiro, Civil ização Brasileira, 1972.

24 GEORGE, David. Teatro e antropofagia. São Paulo, Global, 1985, p. 87.

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Deste ponto de vista, o termo canibal tenta abarcar o indivíduo que olha aobra cultural alheia com interesse, estranhamento o desejo de apropriaçãocrítica, sem a intenção de imitar, nem sentimento de inferioridade. Umcanibal sabe escolher o melhor referencial artístico de outro contexto,capturá-lo, desconstruí-lo e rearranjá-lo conforme a dinâmica da suaprópria cultura. Ele se opõe ao colonizado e ao tradicionalista. O primeiro éaquele indivíduo que absorve o elemento cultural produzido noutros lugarescomo um modelo a ser seguido ou simplesmente admirado com respeito. Aabordagem tradicionalista compreende aqueles que defendem a não-contaminação entre culturas, e a conservação das formas tradicionais dopassado recente, ou do folclore.

A idéia da antropofagia, como a compreendemos, é um enfoque aberto enão dogmático dos problemas da dependência cultural, que não endossa aretórica nacionalista de autores como Ariano Suassuna, mas que semantém crítica em relação aos códigos estéticos tanto estrangeiros, quantobrasileiros, que se limitam à cópia.

De acordo com o tema ou a questão que origina o experimento deencenação a ser conduzido pelo aluno, apresentamos e estimulamos apesquisa de diferentes elementos – textos, imagens, músicas, concepçõescenográficas - que possam servir de ponto de partida ou de retomada dejogos teatrais. Nesta proposta, a escolha do material a ser canibalizado nãopode prescindir de qualidade estética, seja ele nacional ou estrangeiro, eque também seja representativo no universo das principais obras dahumanidade.

1.2.2. O experimento artístico e pedagógico de “Os Sertões”

O projeto “Os Sertões” compreende a criação de diversos espetáculos noperíodo entre 2001 e 2005 pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona, dirigidos porJosé Celso Martinez Correia.

Dentro da trajetória dos quarenta e sete anos do grupo, até hoje, esseprojeto se destaca pela realização de oficinas pedagógicas sistematizadas,abertas a atores de outros grupos e iniciantes, cujas pesquisascontribuíram para a criação dos espetáculos. O encenador resume a gêneseda montagem de “OS SERTÕES” de Euclides da Cunha:

“Essa história começa nos anos 70 (...). Na Grécia, os cineastas Zé Celso eCelso Lucas leram a Terra e juraram perante os deuses de lá, filmarem “OsSertões”.(...) Início dos anos 80, no antigo teatro enquanto se projetava oatual, antes da demolição, Zé Celso, Catherine Hirsh, Surubim, EdgarFerreira, Zuria, Pascoal da Conceição, Luciana Domscke e outros artistasenveredaram pela leitura do livro. No final da década, durante a campanha

25 THOMAS, Gerald. “Menino você esteve com ele?” In: Fernandes, Silvia e Guinsburg,Jacó.(orgs.) Um encenador de si mesmo: Gerald Thomas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996,p.162.

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eleitoral da primeira eleição direta para presidente, o teatro estava emconstrução, e o livro tornou-se o objeto de força da luta do Oficina.”26

Em 2000 José Celso decidiu retomar “Os Sertões”, “premido pelascircunstâncias de um embate, tipo David contra Golias (a ameaça de umshopping center, incorporado por um poderoso grupo econômico, de lacrara estreita caixa do teatro Oficina)”27. Inicia uma série de leituras, cujaênfase didática na compreensão do texto fica evidente na primeira fase,fase esta superada depois de meses de leitura com apoio do dicionário: “Ia-se lendo cuidadosamente e parando, cada vez que uma palavra estranhasurgia, para consultar o dicionário.”28

A abertura do processo de criação para alunos, atores e iniciantes.

Este trabalho de leitura interna preparou o grupo para o “tratamento dolivro”, ou seja, o exercício da tradução do texto narrativo de Euclides daCunha para a cena, tarefa iniciada durante as oficinas pedagógicasrealizadas na Oficina Cultural Três Rios (atual Oswald de Andrade). Nelas,José Celso Martinez Corrêa, Tom Zé, músicos e atores jovens e iniciantestransformaram o episódio “A Terra” em musical e encerraram a fase detrabalhos com a adaptação das cenas de “O Homem”.

“Na oficina Três Rios, apenas com seus corpos, um bastão, planejamentos eseus pouquíssimos elementos, jovens reproduziam o que Zé Celso chamoude ‘maquete de música, encenação para um espetáculo’ (...) Imagensfotográficas arranhadas dão uma idéia do excelente resultado dos exercíciosque, inspirados pela força do texto, os alunos foram aos poucosarquitetando” 29.

É interessante notar, no depoimento de Lenerson Polonini30, 22 anos, alunodas oficinas de direção oferecidas pelo grupo na Oficina Cultural Três Riosque, em seguida, irá dedicar-se à carreira de diretor de teatro profissional,como o contato com a abordagem de José Celso influenciou a construçãode uma atitude político-estética em relação ao fazer e pensar teatro sem,no entanto, direcionar sua linguagem cênica:

“Mais do que aprender técnicas de direção de forma didática e organizada, oque obviamente não aconteceu, aprendemos e refletimos num ‘continuum’entre leitura, improvisação, avaliação. Sinto que nas oficinas de direção dos‘Sertões’ aprendi, antes de mais nada, a desenvolver uma atitude deseriedade em relação ao fazer teatro, de dedicação integral, radical,

26 José Celso M. Corrêa em página do grupo na Internet: www.teatroficina.com.br

27 Ramos, Luis Fernando.“Dossiê Os Sertões”, Revista Sala Preta, São Paulo, Escola deComunicações e Artes, USP, 2002, pp.137-138.

28 Ramos, op. cit., p.137.

29 Vargas, Maria Tereza. “Dossiê Os Sertões”, Revista Sala Preta, São Paulo, Departamentode Artes Cênicas da Escola de Comunicações da USP, 2002, p.141.

30 Jovem diretor paulista que há alguns anos pesquisa a estética teatral do dramaturgo eencenador Samuel Beckett, através de diferentes montagens das suas peças com a Cia Novade Teatro Moderno.

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apaixonada, exigente. Zé Celso me ajudou a estruturar questões antes nãopensadas como ‘Qual o sentido de encenar este texto?’ ‘Como atualizar aquestão do texto para o Brasil de hoje, como fazê-la ter sentido para umaplatéia contemporânea?’ Estudar para ensaiar, criar, voltar ao estudo, lermuito, entender o que se está dizendo, como se está dizendo, para depoispoder improvisar. Aprendi também a respeitar o ator, e os demaisparticipantes, também como proponentes da cena, como alguém que nãoapenas interpreta mas também propõe músicas, ações. Aprendi, no TeatroOficina, que a total liberdade é possível, quando se é rigoroso e se trabalhamuito, sem se contentar com as primeiras soluções” 31.

A experimentação nas oficinas gerou a invenção de uma abordagem cênicado texto de Euclides da Cunha, como escreveu o diretor:

”Nesta adaptação, que nos serviu como referência para o trabalho atual, aCampanha de Canudos se funde com a história dos presidentes (de Getúlioàs eleições diretas) e, com a transformação do Teatro OFICINA (de 1961 atésua reconstrução).” 32

Este fato aumentou o nosso interesse na montagem específica desteepisódio do romance de Euclides da Cunha, que tivemos a oportunidade deacompanhar, no período entre maio e novembro de 2003. Anos antes, odiretor havia registrado o seu entusiasmo com essas oficinas naqueleperíodo inicial:

“Em 16 de agosto de 2000 ­ aniversário do Teatro Oficina ­ iniciamos aleitura do livro com os atores da Companhia. Em outubro, com o Projeto deResidência Externa da Oficina Cultural Oswald Andrade, cerca de 100pessoas divididas em oficinas de: atuação, direção, direção de arte, vídeo,dramaturgia, programação visual e iluminação, se reuniram no TeatroOficina. Foram seis meses de trabalho, em que lemos o livro em coro edemos um novo tratamento para a Terra que foi apresentada no dia 23 dedezembro.(...)

Em 2001 trabalhamos ‘o Homem’. Suas cenas foram levadas nos dias 1º e 7de Maio, por atores junto aos integrantes do Movimento de Moradores semTeto, para as ruas: Abolição, a Praça da Sé e o pátio do Colégio. Ato queencerrou o ciclo de oficinas.(...)

A primeira parte de A Luta, (expedições 1, 2 e 3), foi apresentada noFestival Internacional de São José do Rio Preto, no dia 25 de julho, e emSão Paulo, no dia 16 de agosto de 2001, em comemoração aos 40 anos doTeatro Oficina. Os estudos prosseguiram durante os meses de setembro eoutubro, encerrando o ano com a realização do debate público: “As relaçõesentre a guerra de canudos e a do Afeganistão.“33

31 Polonini, Lenerson. (Entrevista ao autor, dezembro de 2004).

32 Corrêa, José Celso Martinez. “Os quatro tempos dos quarenta anos do Oficina”. Sítio doTeatro Oficina na Internet: www.teatroficina.com.br

33 Corrêa, idem, ibidem.

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Nos planos de José Celso pudemos perceber a influência da pedagogiabrechtiana34 na mistura de atores e público, quando ele planejavadeterminados encontros-happenings em torno de trechos literários, eventosque se inspiraram na proposição do ato artístico coletivo de Brecht35.Segundo esta proposta utópica de um teatro do futuro sem separação entreatores e a audiência, os textos poéticos (fragmentos ou peças curtas) sãojogados, no sentido do Theaterspiel, ou seja, podem ser recriados conformeas necessidades e o contexto:

“Estamos, a partir de 2 de maio, em campanha com o ENCONTRO COM OSSERTÕES, em dez casas de cultura da Secretaria Municipal de Cultura,procurando encontrar pessoas cujas vidas revelem a herança cultural deCanudos e descobrir juntos Os Sertões hoje, fazendo deste livro nosso canalde comunicação e expressão. Leremos uma cena do livro e com ospresentes encenaremos misturando os atuadores do Oficina com osoficineiros das Casas de Cultura. Merda!” 36

Outro momento de pedagogia com iniciantes foi a consolidação do “ProjetoBexigão”, que visa a educação de dezenas de crianças e adolescentes dobairro do Bexiga. No Manifesto Bexigão, em janeiro de 2002, o encenadorincorpora em seu discurso uma preocupação pedagógica explícita:

“Que se crie uma infra-estrutura pública na restauração de muitos espaços ena conquista de equipamentos para que se desenvolva um trabalho de arte,educação de artes populares e eruditas. Que o Bexiga seja todo ocupadocom Oficinas, Uzynas Uzonas, Estúdios, Sítios de Arte, como umauniversidade popular onde todo o saber da gaia (sic) ciência das periferiasvenha se encontrar nesta periferia (...).” 37

Através do apoio da Lei de Fomento da Prefeitura Municipal de São Paulo edo patrocínio de pessoas como o jogador de futebol Raí, as oficinasaconteceram, desta vez na própria sede do grupo, em 2002 e 2003:preparação corporal, circo, atuação, canto, leitura. Crianças e adolescentesintegrantes dessas oficinas entraram no espetáculo, participando como um“coro de gado” e “coro dos sem-terra”.

A participação do grupo na dramaturgia

Em segundo lugar interessa-nos o método de criação da dramaturgia em“Os Sertões”, desenvolvida como um work in progress, mantendo, de certaforma o espírito inicial das oficinas, no sentido de permitir a proposição decenas aos participantes: atores, músicos, diretores de arte e coreografia,cenotécnicos, iluminadores, que trabalham juntos nos ensaios demontagem.

34 Cf. Koudela (1997)

35 Conforme abordagem descrita por Koudela (1991;1997).

36 Corrêa, idem,ibidem.

37 Corrêa, idem,ibidem.

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Após a primeira fase de leituras e improvisações, a edição de uma novaversão do texto, feita no escritório, pelo diretor-autor e seus auxiliaresdramaturgistas, é o ponto de partida de um novo processo: a montagem,onde podem ser ainda incorporadas cenas, quadros coreográficos, músicas,sugeridas ou criadas pelos atores, técnicos, diretores e, por vezes, alunos.

Foi muito interessante poder acompanhar os ensaios de levantamento decenas do espetáculo “O homem”. Durante ensaios diários de mais de setehoras, quase sempre juntos, atores, músicos, artistas e técnicos dacenografia e da iluminação improvisaram suas cenas após o novo textoescrito. Por exemplo, diversas vezes os atores trouxeram propostas decomposições musicais para trechos do texto que foram pacientementeescutadas pelos músicos e demais atores, sofreram interferências dodiretor e do dramaturgo, foram recriadas pelo maestro e seus músicos e,após três horas de tentativas, avaliações grupais e retomadas direcionadaspelo encenador, se transformaram em um “quadro”, onde se misturaram anarrativa épica, o song (número musical e narrativo de influênciabrechtiana) e os elementos da tradição do samba ou do maracatu, assimcomo jogos dramáticos populares brasileiros.

A preparação pré-expressiva e a atitude do ator brincante

O terceiro aspecto da abordagem de José Celso que nos parece importantepara o professor é seu enfoque sobre o ator jogador ou o ator-brincante, orespeito à tradição popular brasileira, da atuação épica e carnavalizada.

No que se refere à preparação do ator, chama-nos a atenção o princípio deprocurar iniciar cada encontro por práticas que conduzam à transição deatores e demais participantes do “estado de prosa” para o “estado depoesia”, tais como danças circulares, cirandas, danças e cantos coletivos. Odiretor defende que o ator precisa, antes de mais nada, estar pleno deenergia, em atitude de jogo com os colegas e o público, em relação àsvezes, direta, ora como personagem ora como narrador, ora como o próprioator. Trata-se da mesma preocupação de autores como Michel Chechovquando fala da necessidade de o aquecimento promover a sensação depoder do ator sobre o espaço, assim como de “irradiar” energia, colocandotodos em sintonia, em conexão de jogo.

O diferencial é que a busca desse estado, segundo este nosso recorte daprática da Oficina, pode vir através de canções e danças de nossa tradição,assim como de outras práticas grupais de celebração em grupo, como osrituais de espelho coletivo.

Ao analisar essas práticas de preparação para o “te-ato”, sistematizamosalguns procedimentos experimentados na oficina de encenação cominiciantes realizada em Interlagos, no âmbito do projeto Teatro Vocacional,que trataremos nos capítulos 3 e 4. Naquela oficina, por exemplo, pudemosperceber como aquele tipo de ritual, de dança e canto coletivo, pode passara ser significativo no contexto da vida dos participantes, também por setornar uma manifestação de identidade cultural, de uma troca de energia,de uma alegria de jogo, lúdica, prazerosa.

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Destacamos ainda a forma de avaliação das cenas. Enfoques como oscritérios de avaliação da atuação que diferenciam da atuação“ensimesmada, narcisista, egocêntrica” da atuação “poética, em conexãocom os demais”, por exemplo, podem ser referência na prática doprofessor.

A primeira fase de nossa abordagem metodológica voltada para apreparação do grupo incorpora e adapta procedimentos de aquecimento deelenco. Na segunda fase utilizamos procedimentos de criação do textocênico de natureza antropofágica, como a colagem, a paródia, a citação, aintertextualidade, o uso de diferentes linguagens, a performance, alinguagem cênica popular da tradição: um ator pode criar uma cena a partirda dança de um Orixá, por exemplo. Quanto à linguagem épica ecarnavalizada de interpretação do ator utilizada por José Celso,consideramos que esta pode ser uma das modalidades de atuaçãofundamental para a análise de alguns espetáculos contemporâneos. Trata-se, a nosso ver, de uma das referências de atuação que formam o corpusde conteúdos fundamentais sobre teatro brasileiro na formação do cidadão.

Em síntese, a pedagogia aconteceu de forma explícita, nas oficinasintegradas de dramaturgia, atuação e direção, realizadas na Casa deCultura Oswald de Andrade. A apropriação sistemática do texto de Euclidesda Cunha e o levantamento das cenas através das improvisações edesenhos foram realizados a partir do estudo interdisciplinar da narrativaliterária. A partir da criação das oficinas do “Projeto Bexigão”, abertas aosadolescentes do bairro, ocorreu a inclusão de alunos de interpretação emdeterminadas cenas do espetáculo.

Enfim, entendemos que tanto o diretor de teatro profissional quanto oprofessor de teatro devam conhecer esta tradição e as principaismodalidades de procedimentos38 de criação da cena brasileiracontemporânea que permitem a descentralização da autoria da encenação.

A encenação como ilha de desordem: aprendizagem e criação num mesmocaminho

Estas experiências de encenação destacadas anteriormente podem servistas como “ilhas de desordem” que, segundo a metáfora utilizada porHeiner Müller, seriam as ilhas que proporcionam a mudança, isto é, aquelasexceções “revolucionárias” num mar de teatro convencional e comercial,baseado em fórmulas consagradas e voltado para a produção deespetáculos de entretenimento ou à manutenção de tradições cênicas:

“Tenho esperança no teatro em pequenos grupos. Como possibilidade deproduzir espaços para a fantasia, espaços livres para a fantasia - contra

38 Utilizamos neste trabalho a noção de procedimento teatral de Pavis, que denomina tantoos recursos de criação dramatúrgica como os de encenação: ”O procedimento teatral é umatécnica de encenação, de jogo cênico ou de escritura dramática da qual o artista se servepara elaborar o objeto estético e que conserva, na percepção que temos dele, seu caráterartificial e construído. (Pavis, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo, Perspectiva, 1999.p.306).

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esse imperialismo de ocupação da fantasia e liquidação por clichês pré-fabricados e modelo da mídia. Serão apenas pequenos grupos que no futuropossibilitarão a experiência estética e serão capazes de formular umaqualidade política, ilhas de desordem no mar da nossa sociedadecapitalista.” 39

Enfim, foram as “ilhas de desordem”, da tradição do teatro ocidental, quenos inspiraram na formulação desta proposta de aprendizagem dosfundamentos da encenação contemporânea. Não pretendemos encontrarprincípios para uma teoria geral da encenação, intento que sabemos vãodiante da diversidade de métodos e estilos, mas adotamos um ponto devista para fundar nosso enfoque de realização de experimentos artísticos epedagógicos de análise, encenação, adaptação e recriação de um textoteatral.

1.3. Para além do modelo dramático tradicional: o textoteatral como ponto de partida da ampliação do repertório

Consideramos fundamental que o professor de teatro possa contribuir paraque os alunos sejam capazes de se situar diante da diversidade de opçõesdramatúrgicas que vão além do modelo dramático40. A competência parareconhecer as modalidades da cena teatral e a utilização dos procedimentosde criação são mais importantes, em nosso enfoque, do que a evolução doaluno como ator. Deste ângulo, o que interessa em relação à formação doser humano é a educação do espectador crítico e do inventor de cenas quevão alem do modelo dramático. Consideramos importante odesenvolvimento de sua capacidade de leitura da cena na função de platéia– como propõem Spolin, Koudela e Pupo, conforme veremos no capítulodois. Neste item, propomos como complemento à vivência do jogo nasfunções de ator e platéia, que o aluno possa conhecer textos teatraisimportantes para a sua formação como espectador e cidadão.

O condicionamento formal da cena aparentemente espontânea do jogador,muitas vezes não é discutido. Entendemos que um professor que objetivaapenas desenvolver o discurso teatral que o grupo já possui está, semquerer, abandonando-o ao seu próprio repertório de formas da encenação,possibilidades literárias e temáticas. Sem conhecer as principais referênciasestéticas do teatro, é “natural” que um grupo simplesmente reproduza aforma de representação à qual está condicionado.

39 Muller, Heiner. Guerra sem batalha: uma vida entre duas ditaduras.(tradução de KarolaZimber) Estação Liberdade,1997, p.57.

40 Nesta tese, utilizamos o termo dramático para designar tanto uma modalidade deconstrução do texto teatral quanto de encenação, na perspectiva resumida por Pavis: ”Odramático é um princípio de construção do texto dramático e da representação teatral quedá conta da tensão das cenas e dos episódios da fábula rumo a um desenlace (catástrofe ousolução cômica), e que sugere que o espectador é cativado pela ação. O teatro dramático(que BRECHT oporá à forma épica) é o da dramaturgia clássica, do realismo e donaturalismo da peça-bem-feita: ele se tornou a forma canônica do teatro ocidental desde acélebre definição de tragédia pela Poética de ARISTÓTELES: imitação de uma ação decaráter elevado e completo, de uma certa extensão [...],imitação que é feita pelaspersonagens em ação e não através de um relato, e que, provocando piedade e terror, operaa purgação própria de tais emoções”.(Pavis, op.cit., p.110.)

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Torna-se necessário, por exemplo, relativizar o sistema de jogos teatraispropostos por Viola Spolin. Quando o professor utiliza o jogo teatral e adotacritérios de avaliação de Spolin, como dizer ao ator “procure mostrar e nãocontar” está utilizando e cobrando dos atores critérios inerentes ao modelode representação cênica do realismo. Nesta proposta, consideramos que oprofessor pode contextualizar esteticamente estes critérios, assumindoquando está experimentando um jogo realista, mas ressaltando nasavaliações que existem muitas outras formas de configurar cenicamente amesma ação escolhida pelo grupo. É importante apresentar um leque deopções, para que o grupo experimente um jogo teatral necessariamenteépico, com a instrução que visa a inserção de narrador(es) ou de coro(s),cuja função seja “contar” (Cf. Pupo e Koudela). Além do contar e domostrar, a cena pode abstrair, pode trazer uma visão onírica, abstrata,“não-figurativa,” do mundo representado. Um exemplo da imposição deuma modalidade de representação se deu em um experimento num bairropopular de Natal. Ao pedir que os alunos improvisassem uma situação quegostariam de abordar no futuro espetáculo de um grupo que sairia daescola, eles começaram a improvisar sem nenhuma ação no palco, apenascom alguns gestos comedidos, reforçando um jogo de narrações em versosrimados. Não havia ação dramática, apenas narração. Na posição decoordenador, utilizamos as instruções de Spolin: “Não mostre, conte”, e emdeterminado momento a dupla de atores parou e disse: “O senhor querparar de atrapalhar nossa invenção?” Percebemos naquele momento queestávamos impondo a forma dramática tradicional, buscando a identificaçãodo espectador com os personagens mostrados. Enfim, cada exercício decriação dos alunos, nesta proposta, deve ser comentado pelo professor, queestimula o grupo a situar a opção adotada no contexto das demaismodalidades de encenação e opções dramatúrgicas.

Sabemos que a maioria dos principais autores da pedagogia do ator, desdeStanislavski, propõe que no seu trabalho de preparação o ator tenha comoum dos objetivos a tomada de consciência acerca dos clichês e dos padrõesde comportamento que lhe são automáticos. Se acreditamos, como opsicanalista Wilhelm Reich, que os movimentos e comportamentoshumanos são limitados por “couraças” - bloqueios musculares resultantesde sucessivas repressões em nossa formação – o ator precisa “dissolver”essas “couraças” através de um trabalho físico que vise a exploração denovas possibilidades de movimentos. Assim como Grotowiski, Barba e Boalpropõem que o ator, em primeiro lugar, busque o descondicionamentomuscular em relação às técnicas cotidianas (o comportamento automáticodo ator) e às extracotidianas (as técnicas e formas corporais e vocais dopalco) que surgem naturalmente no jogo de improvisação do ator,defendemos o descondicionamento estético do participante que atua emexperimentos de dramaturgia. Ou seja, os pedagogos concordam que épreciso ir além do padrão de comportamento cênico “automático” do ator,para que o mesmo possa encontrar novas formas corporais e vocais,enriquecendo a elaboração dos personagens.

No que se refere ao trabalho com iniciantes, propomos que o coordenadorpromova a conscientização do grupo, dos seus modelos “espontâneos” deencenação, ou seja, a forma como improvisam ou concebem cenas

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espontaneamente. Muitas vezes percebemos que os grupos, por exemplo,são moldados pelas referências de narrativa cênica da televisão e docinema realista hegemônico, e quando muito, da sua experiência anteriorcomo público de teatro, na maioria das vezes limitada, no Brasil, por váriosproblemas de ordem econômica, social e educacional, dentre outros, quedificultam o acesso às manifestações teatrais. A partir deste diagnóstico, ocoordenador pode propor a investigação coletiva de outras formas deespetáculo.

1.3.1. A Dramaturgia na sala de aula

Outro aspecto limitador é o fato de a literatura dramática ter sidopraticamente excluída da escola brasileira. Na formação dos professores deLíngua Portuguesa e de Literatura, a disciplina teatro é, em geral, poucovalorizada, e por vezes oferecida como matéria “optativa”. Na formação doprofessor de teatro o mesmo acontece. Sem aprender a ler o texto teatralcontemporâneo, por exemplo, como pode o professor ajudar o seu alunonesta tarefa? Reiteramos que, ao se ignorar a dramaturgia comoimportante patrimônio da herança cultural ocidental, nosso sistemaeducativo, via de regra, sonega a mediação entre literatura teatral e ocidadão.

Entendemos que a formação do professor deve recuperar o ensino deDramaturgia. O saber nesta área muitas vezes se limita à história e aosprincipais modelos da literatura dramática. A ênfase é em geral dada naprática da atuação. Desta forma, a maioria dos alunos na licenciaturadesconhece os fundamentos das grandes poéticas do texto teatraluniversal, tais como, Shakespeare, Moliére, Brecht, Beckett, e nacional,dentre os quais Nelson Rodrigues, Oswald de Andrade, Jorge Andrade,assim como os dramaturgos contemporâneos Fernando Bonassi, MárioBortolotto, Newton Moreno, dentre outros.

A dramaturgia e a encenação foram raramente valorizadas nos currículosdos cursos de Licenciatura no Brasil. A maioria dos professores em atuaçãoe, pelo visto, a maioria dos futuros formandos vai ter que enfrentar essacarência, pois as reformas do currículo, em andamento, (até ondeconhecemos), não dedicam tempo suficiente para o exercício dadramaturgia no programa de ensino do futuro professor. Muitosdesconhecem a dramaturgia brasileira. A evolução da cena no país não évista. Como se não bastasse, as disciplinas dedicadas ao teatro brasileirosão insuficientes, possuem menos prestígio e carga horária do que seriadesejável.

Partimos do princípio de que o educando, aluno do ensino fundamental ouiniciante que participa de uma oficina, deve ter acesso aos maisimportantes textos da dramaturgia mundial e aos modelos fundamentaispara compreensão da cena contemporânea brasileira. Fundamentamo-nosem autores, como Jean-Pierre Ryngaert, que defendem a importância dotexto teatral como parte da herança artística da humanidade, patrimônioeste ao qual o aluno da disciplina Teatro deveria ter acesso.

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Concordamos com Pavis que a análise do espetáculo não pode mais estarvinculada a uma visão filológica, pela qual a encenação deve ser estudadaem função das operações em relação ao texto. Esta posição é importantequando tratamos da disciplina e da análise dos espetáculos. Nossa pesquisaconsidera esta visão uma contribuição importante para a análise da cenacontemporânea, que não deve ser descartada.

Na aula de teatro, valorizamos os modelos dramatúrgicos fundamentaispara compreensão da cena contemporânea. Se concordarmos que é precisorecuperar a noção de dramaturgia como algo a ser aprendido, devemospensar formas de reativar a presença do texto teatral em sala de aula semperder o caráter lúdico e a perspectiva de construção do conhecimento pelopróprio aluno. Esses pressupostos metodológicos fundamentais sãoresultantes dos estudos que relacionam o jogo teatral e a abordagem detextos, conforme veremos no capítulo dois.

Nos experimentos que coordenamos com professores em formação naUFRN percebemos que, em geral, falta conhecimento em dramaturgia, nosentido de os alunos terem condição de analisar, identificar e se apropriardos procedimentos teatrais utilizados pelos dramaturgos. Da mesma forma,quando os alunos foram desafiados a criar roteiros que articulassem ascenas resultantes de suas improvisações, pudemos notar a tendência paraa utilização dos recursos inerentes às narrativas cênicas veiculadas pelocinema e pela televisão. Em geral, os conhecimentos em dramaturgia selimitavam às leituras de algumas peças, em disciplinas voltadas para ahistória do teatro ou “Literatura dramática”, porém esse contato com otexto teatral se dava, quase sempre, como uma leitura desvinculada daprática da encenação. Por isso, muitos professores em formação têmdificuldade de ler e estudar um texto teatral sendo, por vezes, incapaz dedesvelar suas múltiplas possibilidades de adaptação cênica.

O estudo da dramaturgia exige o domínio dos fundamentos da análisebrechtiana e das “noções fundamentais” sistematizadas por Ryngaert em“Ler o Teatro Contemporâneo”, por exemplo. Essas noções constituemconteúdos imprescindíveis na formação do professor, pois são ferramentasinspiradoras de leitura da cena.

Com este trabalho, apresentamos uma das formas possíveis de recuperar aimportância da dramaturgia como um componente tão importante quanto aatuação em sala de aula. Exercícios de escrever para a cena, comoimaginar narrativas e diálogos, ler e adaptar os clássicos, reescrever cenas,reescrever diálogos a partir dos improvisos, dentre outros, são importantesconquistas que podem ser incorporadas ao trabalho com iniciantes.

1.4. A integração entre teoria e prática da dramaturgia:conexões entre criação e análise dos textos

Com a rede mundial de computadores, podemos ter uma nova relaçãoprofessor-aluno, pois este instrumento permite que os alunos compartilhemdo mesmo universo de informação, o que nos leva a pensar em novosparadigmas de aquisição dos conhecimentos e de constituição de saberescomo afirma Pierre Lévy:

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”(...) a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dosconhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios.Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizageme o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletivados grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será centrada noacompanhamento e na gestão de aprendizagens: o incitamento à troca dossaberes, a mediação relacional e simbólica (...).” 41

Em nossa proposta, a Internet é a extensão dos bancos de dados didáticostrazidos para a sala de aula. Pode-se também atualizar o debate sobredeterminados conteúdos teóricos ou as possibilidades de encaminhamentode experimentos de encenação, quando for possível, através de uma listade discussão na Internet. Outra hipótese válida é o professor ter o seupróprio hipertexto em formato digital da disciplina. Neste caso, o professorlistar seus principais contatos teatrais, relacionando seus verbetes aosendereços eletrônicos dos principais endereços eletrônicos sobre teatro. Porexemplo: páginas dedicadas ao teatro-educação, o centro de pesquisateatral coordenado por Brook, em Paris, o CPT de Antunes Filho, o site doTeatro Oficina, etc.

Em nosso enfoque, as principais conexões entre o fazer, a história e ateoria do teatro podem ser realizadas a partir da técnica de criação deimagens42 e de jogo teatral, na tessitura de pequenas encenações comfragmentos de textos, tendo como suporte das avaliações de jogo e/ouponto de partida e a leitura de textos.

Protocolo digital e banco de dados coletivo

Em conformidade com as premissas gerais da linha de pesquisa empedagogia do teatro da qual fazemos parte, adotamos a prática na qualprotocolo de cada encontro é realizado por qualquer um dos participantesdo grupo. Um rodízio é estimulado pelo professor. O aluno que estiverassumindo o papel de redator do protocolo possui a seguinte tarefa:registrar em um recorte de análise dramatúrgica as conquistas edescobertas do grupo, naquele dia, relativas a temas, personagens, idéiasde enredo, e atitudes em relação ao texto. Essas conquistas e materiaislevantados são lembrados por todos ao final de uma rodada de jogos e decriação de imagens. O recorte que registra as conquistas da análisedramatúrgica ou do jogo de encenação, pertence ao Banco de dados doexperimento.

Uma possibilidade de uso na Internet é uma “web question”. O professore/ou os alunos podem criar um diário coletivo – um blog - na Internet, quepossa articular professores e participantes. Através desse instrumento, osparticipantes do experimento são convidados a escrever um protocolocoletivo, enviando seus comentários, fragmentos, fluxo de idéias,sugestões, citações, dicas, dúvidas. Ao longo do processo, são

41 Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, p.171.

42 Boal, Augusto. Jogos Para Atores e Não Atores. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1998pp.5-10.

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encaminhadas questões artísticas e pedagógicas. Em nosso experimento aparti de Hamlet avaliamos que o protocolo digital, através da redaçãocoletiva de um ‘blog’ pode ser um instrumento excelente para democratizaras informações, o planejamento dos encontros e as sugestões de inclusãode textos no roteiro.

1.4.1. A organização de bancos de textos teatrais

Neste tópico pretendemos identificar o recorte adotado no amplo leque deopções dramatúrgicas disponíveis. Denominamos “Textos em Jogo” o bancode dados didático que estruturamos, que é composto de fragmentos e detextos completos relacionados com citações teóricas e históricas referentesaos procedimentos de escritura teatral escolhida. Estas seleções fazemsentido em função dos grupos de professores em formação e de iniciantescom os quais trabalhamos, de sua faixa etária e do nível de conhecimentoem teatro. Cada professor, evidentemente, organiza seu banco de textos eatribui um nome conforme suas necessidades específicas. Lembramos aoleitor que estamos apresentando princípios metodológicos e não um modelofechado a ser seguido, ou um método universal, pois concordamos comPeter Brook que “não há segredos”, nem fórmulas prontas para se encenar,tudo vai depender de diferentes fatores, do grupo, da época e dos nossosobjetivos artísticos.43

Uma premissa fundamental é a da necessidade de composição de dois tiposde bancos de textos teatrais modelares. O primeiro é uma coleção geral defragmentos de autores diversos, que visam ilustrar diferentes propostasdramatúrgicas, com temas diversos, apresentados ao grupo como forma deampliar seu repertório e, ao mesmo tempo, continuar o desvelamento dosconhecimentos do grupo sobre dramaturgia.

O segundo é o banco de textos específico de cada experimento, compostode textos completos e de fragmentos. Após a decisão sobre qual texto seráo eixo articulador dos procedimentos da segunda fase do experimento, umnovo banco de textos é formado, desta vez, para reuni-los em torno domesmo tema, ou que tenham igual enredo como ponto de partida, o quefacilita uma análise comparativa entre diferentes abordagensdramatúrgicas.

O texto-base é aquele que serve de matriz narrativa - que foi escolhido emfunção de sua temática ou de seus procedimentos e possui diferentesversões cênicas dos principais encenadores. Ele é material para aapropriação crítica e a re-escritura do grupo. Um texto-base serve para ogrupo exercitar sua fragmentação e remontagem, e comparar sua estruturacom as de diferentes versões contemporâneas. O segundo tipo é o textosecundário, é o texto teatral que adaptou ou desconstruiu a fábula dotexto-base.

Os dois tipos de texto são organizados em bancos de dados pelo professorpara servirem de objeto de análise, criação de imagens e re-escritura por

43 Brook, 1999, pp. 85-102.

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parte dos alunos. Na fase final do experimento (analisada no capítulo 4), osgrupos propõem roteiros de encenação para um dos textos ou para novostextos teatrais baseados na adaptação, na colagem, e/ou reescritura, dosdiferentes fragmentos analisados.

O texto teatral dramático convencional ou “aristotélico”, na definição deBrecht - entendido como uma composição de diálogos organizada em cenase atos que mostram o desenvolvimento linear de uma fábula - é abordadanesta proposta como fonte de temas ou fábulas, como fazia Brecht com asnarrativas e textos antigos. Este tipo de texto é utilizado como base paraser comparado com outras versões da mesma fábula, a ser fragmentado,sofrer epicização nos moldes brechtianos, ou ser completamente re-escrito.

A leitura de textos clássicos do drama moderno é uma das formas depromover com os alunos o questionamento da forma dramática. Oquestionamento é a respeito da ideologia que subjaz por detrás dasnarrativas, na forma cênica centrada nos diálogos entre personagens e nodesenvolvimento linear e sem comentários da trama. Esta forma dramáticaconvencional ainda é a forma hegemônica, presença constante no cotidianodos alunos. Este questionamento, incrementado pelos dramaturgos eencenadores a partir de 1880, foi divulgado e redimensionado por Brecht econtinua a ser retomado por inúmeros dramaturgos contemporâneos:

“(...) a partir do momento em que se torna mais importante falar de umafábrica, da coletividade de seus operários ou de seus empregados, dasrelações entre o Estado e o capital, o Estado e o trabalho, etc., a partir domomento em que se torna mais importante falar disto do que colocar emcena um operário e um patrão ou alguns patrões que se entrechocam, talrelação inter-individual se torna um pouco irrisória: a forma dramática não ésuficiente. Ou ainda, se adoto um ponto de vista simbólico e não maisnaturalista, a partir do momento em que Maeterlinck pensa que é maisimportante dar conta da relação entre cada pessoa, cada ser humano com atotalidade do cosmos, com a morte, com as forças invisíveis que tramamnossas vidas, a forma dramática é questionada.” 44

O universo dos textos teatrais que denominamos nesta proposta declássicos do drama moderno é constituído a partir da abordagem darapsodização do Drama construída por Sarrazac (1981). Sabemos que otermo rapsodo (rhapsode, em francês) designa aqueles que iam de vila emvila cantar poemas e, sobretudo, trechos detalhados da Ilíada e daOdisséia. Sarrazac parte da noção etimológica do termo (rhaptein, que emgrego, significa cozer) para definir o escritor-rapsodo, como aquele que“junta o que previamente despedaçou e, no mesmo instante, despedaça oque acabou de unir”, ressaltando que esta metáfora antiga não deixará denos surpreender com as suas ressonâncias modernas.45

44 Sarrazac, Jean-Pierre. “L írruption du roman au théatre”. (tradução não publicada dePaulo Roberto Massaro e Denise Radanovic) Théâtres en Bretagne, n. 9, avril, 1996, pp. II-VII.

45 Sarrazac, Jean-Pierre. L`avenir du drame. Lausanne, Éditions de l’Aire, 1981, p.37.

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Pretendemos estimular o desenvolvimento do rapsodo que existe em cadaum, o contador de estórias, que assume uma voz narrativa, isto é,posicionar-se levando em consideração os diferentes pontos de vista sobreo mundo. Valorizamos, porém que o aluno seja também capaz defragmentar sua fonte narrativa – nesta proposta, o texto teatral - econectar os trechos que lhe interessam, renovando a significação do textoem função dos seus objetivos de comunicação com o espectador do seucontexto.

Sarrazac assume o uso da expressão drama moderno, apesar deste termoDrama ser considerado ultrapassado por alguns estudiosos, comoLehmann:

“A tal objeção retorquirei que o conceito de drama tende, hoje, a assumirum significado e uma extensão que não conheceu no passado (...) Nemtranscendente aos gêneros, nem gênero em si mesmo, o drama modernorepresenta, a meu ver, uma das formas mais livres e mais concretas daescrita moderna. (...) descrever a anatomia paradoxal desta forma híbridada modernidade. Uma modernidade que, aliás, se apóia na tradição. Pelomenos na parte mais ativa desta tradição: naquelas obras consideradasmenores de forma sempre, mais ou menos maldita e rejeitada pelasdramaturgias dominantes. Porque, precisamente, elas violaram o tabu dohibridismo.”46.

Deste ângulo, o panorama do drama moderno é enfocado como um lugarde permanente ebulição, constituído por um arquipélago de peças cujasformas narrativas competem com a percepção de que o ser humano urbanoatual possui da vida; como uma colcha de retalhos (patchwork) deacontecimentos e sensações.

“O modelo dramático fundado sobre um conflito interpessoal mais ou menosunificado, deixou de dar globalmente conta da existência moderna. E isso,desde os finais do século XIX e cada vez mais claramente com o passar dasdécadas. (...) O devir rapsódico aparece, assim, como a resposta acertadaesta explosão de mundo. A montagem das formas, dos tons, todo estetrabalho fragmentário de desconstrução/reconstrução (descoser/coser) emtorno das formas teatrais, pára-teatrais (nomeadamente, o diálogofilosófico) e extra-teatrais (romance novela, ensaio, escrita epistolar, diria,relato de experiências de vida...) praticado por escritores tão diferentescomo Brecht, Müller, Duras, Koltés, apresenta características de uma intensarapsodização das escritas teatrais.47

O conceito de devir rapsódico do drama propõe uma alternativa à noção de“epicização” defendida por Szondi:

“Quanto à epicização do teatro, tão freqüentemente verificada na prática,levanta várias objeções de ordem teórica. A principal objeção é o fato de oteatro épico ser geralmente apresentado – inclusivamente por Szondi –como o produto de uma (r)evolução, como um resultado de um progressoem matéria de dramaturgia. O processo dialético de uma superação da criseda forma dramática disfarçando mal a perspectiva teleológica de uma

46 Sarrazac, op.cit., p.28.

47 Sarrazac, op.cit., p. 230.

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dialética apologética do Novo - a grande forma épica do teatro - emdetrimento da Antiga - o teatro dramático considerado moribundo.” 48

Sendo assim, incorporamos nesta proposta pedagógica as características daobra teatral rapsódica delimitadas por Sarrazac49. Elas compõem o quadrode critérios para a seleção dos textos clássicos do drama moderno quepropomos:

a) Recusa do modelo das unidades aristotélicas e escolha da irregularidade;

b) Caleidoscópio dos modos dramático, épico e lírico;

c) Reviravolta constante do alto e do baixo, do trágico e do cômico;

d) Junção de formas teatrais e extrateatrais, formando o mosaico de umaescrita, resultante de uma montagem dinâmica;

e) Passagem de uma voz narradora e interrogante50, desdobramento deuma subjetividade alternadamente dramática e épica (ou visionária)

Neste enfoque assumimos, como um objetivo pedagógico, odesenvolvimento da capacidade do aluno de detectar na escrita teatral umapulsão rapsódica, ou seja, de perceber os instrumentos dramatúrgicos queprovocam um jogo múltiplo de aposições e oposições: dos modos(dramático, lírico, épico e mesmo argumentativo dos tons) ou dos gênerosliterários (farsesco e trágico, grotesco e patético, etc.) Do ponto de vistahistórico, assumir a noção de pulsão rapsódica é voltar à idéia de “atalho,de contrabando” através do qual a herança do drama medieval e barrocochegou até nós.51

Comparação entre textos clássicos e suas versões rapsódicas e recriaçõescontemporâneas

Nesta proposta, sempre que possível, valorizamos a utilização de textosprovenientes do drama convencional ao lado de adaptações e recriaçõesrapsódicas, para que os alunos possam comparar as suas estruturas emrelação ao tratamento da fábula. Na fase de análise dos textos,pretendemos estimular os alunos para que possam ser capazes de pensaras mutações da forma dramática do texto-base (ex: Hamlet deShakespeare) em termos de devir rapsódico, ou seja, como os dramaturgos“fazem fugir o sistema dramático” até, nos casos mais radicais, exauri-loquase que por completo, como aconteceu com Macbeth de Shakespeare noespetáculo OBS, do grupo catalão La Fura del Baus.

48 Sarrazac, op.cit., p.226.

49 Sarrazac, op.cit., p.229-230.

50 Voz esta que, segundo Sarrazac, não podemos reduzi-la ao sujeito épico szondiano.(Sarrazac, op.cit., pp.229-230).

51 Sarrazac, op.cit., p.227.

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Deste ponto de vista, os textos clássicos modernos são encarados em salade aula como um espaço de tensões, de linhas de fuga, detransbordamentos do modo dramático pelo épico e/ou pelo lírico, um livrejogo de contrários52 que os alunos são convidados a desvendar, mediadospelo confronto com textos sobre teatro e fragmentos de outros textosteatrais, provocado pelo professor.

Deste ponto de vista, a dramaturgia de Brecht é fundamental numa coleçãode fragmentos modelares que possam ir para escola, pois muitos dos seusquadros cênicos são modelares para esclarecer o efeito de estranhamento.Este procedimento desenvolvido por Brecht, como já defendeu IngridKoudela, deve ser apropriado pelos alunos de teatro. Ao ler o quadro dospalhaços ou aquele em que o protagonista é convencido a assumir apersonalidade de um soldado do exército invasor, recortado do texto “UmHomem é um Homem”, por exemplo, os alunos podem perceber como oestranhamento se dá, como um ato estético, mas também político, namedida em que descreve os processos representados como processosbizarros, transformando a atitude aprovadora do espectador, baseada naidentificação, numa atitude crítica. Nossa intenção é que a análisedramatúrgica em sala de aula possa estimular a compreensão dos alunosde que, para Brecht, este procedimento não se prende a uma novapercepção ou a um efeito cômico, mas a uma desalienação ideológica quese efetua simultaneamente em vários níveis da representação teatral: nafábula, no cenário, na gestualidade, na dicção, na atuação, na relação como público, na utilização da narração e de canções.

Da mesma forma, consideramos importante que o professor selecionetextos nos quais os diálogos não sejam imprescindíveis como geradores deteatro, como acontece nos monólogos de “A missão” de Müller.

“A noção contemporânea de fragmento surge de uma escritura que está emperfeita contradição com o drama absoluto. Este tipo de texto teatral éconstruído na perspectiva de um olhar único, de um princípio organizador,onde cada parte engendra necessariamente a seguinte. O fragmento, aocontrário, induz a pluralidade, a ruptura, a multiplicação dos pontos devista, a heterogeneidade.”53

A escrita teatral por fragmentos é uma tendência arquitetural das obrascontemporâneas. Segundo Ryngaert, os efeitos decorrentes da justaposiçãodas partes são buscados por autores muito diferentes, com objetivos atémesmo opostos, que valorizam:

“(...) as arestas vivas que marcam as separações e entalham o relato comvazios narrativos preenchidos à sua maneira pelo efeito de montagem quepropõe uma ordenação ou que, ao contrário, revela as fendas, produz um

52 Sarrazac, p.229.

52 Lescot, David; Ryngaert, Jean-Pierre. “Fragment/Fragmentation/Tranche de vie” inSARRAZAC, Jean-Pierre (org.) Poétique du drame moderne et contemporain, lexique d’unerecherche. Études Théâtrales, n.22, Centre d’études théâtrales/Institut d’ études théâtrales-Paris III, 2001, P.51.

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efeito de quebra-cabeça ou de caos cuja eventual reconstituição é deixada,em parte, à iniciativa do leitor”.54

A intertextualidade55 é um procedimento valorizado na cena contemporâneafundamental em nossa abordagem, como critério de seleção dos textos.Esta abordagem intertextual, porém, não é um exercício formal isolado emsi mesmo. Preocupa-se, além disso, em tomar uma atitude crítica para como legado cultural. Neste ponto, identificamo-nos com Heiner Müller, quandoafirma:

“(...) cada texto novo se relaciona com numerosos textos anteriores deoutros autores; ele também modifica o modo com que os olhamos. Minharelação com assuntos e textos antigos é também uma relação com um‘depois’. É por assim dizer, um diálogo com os mortos.” 56

Muitas obras de Heiner Müller, por exemplo, nos oferecem o que ele próprioprefere chamar de materiais teatrais, constituídos por verdadeiros blocosmaciços compactos de texto sem pontuação nem emissor definido, o queainda hoje perturba os mais conservadores. Uma característica é aretomada de fábulas e da História, num cruzamento de citações, exigindodo leitor o acesso a outros textos.

1.4.2. A devoração dos clássicos antigos e modernos: uma dasvárias propostas de seleção dos textos

Quais as fontes de textos ideais nos ajudam a aprender a cenacontemporânea? O fato de este banco de dados didático que propomos apartir da noção da existência de obras clássicas, entendida por aquelestextos e encenações que deveriam estar em classe, ser composto deobjetos passíveis de apropriação crítica pelos alunos, nos remete à questãopolêmica da seleção das obras. Não temos a pretensão de propor ummodelo único que sirva de parâmetro curricular geral. Mas na medida emque nossa proposta não abre mão de textos sobre teatro que fundamentemo professor e sua mediação com os alunos, somos obrigados a admitir que,evidentemente, o professor não tem uma escolha tão ampla. Quais obrasselecionar? O que destacar para compor o universo teatral do currículobásico do ensino fundamental e médio?

54 Ryngaert, 1998, p. 86.

55 A intertextualidade é a irrupção de um texto no outro. As relações existentes de textopara texto são de ordens diversas e estabelecem os limites da intertextualidade: “Fora daintertextualidade, a obra literária seria muito simplesmente incompreensível, tal qual apalavra de uma língua desconhecida. De fato, só se aprende o sentido e a estrutura de umaobra literária se a relacionarmos com seus arquétipos - por sua vez abstraídos de longasséries de textos, de que constituem, por assim dizer, uma constante. (...) Face aos modelosarquetípicos, a obra literária entra sempre numa realização, de transformação ou de setransgressão.”(Jenny Laurent citado por Machado, 1998, p.1) A intertextualidade se revelaatravés da transformação e assimilação de vários textos, operada por um textocentralizador, que detém o comando do sentido.

56 Müller citado por Ryngaert, op.cit., p. 193.

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Se considerarmos o fato de as obras terem provocado uma quantidadeconsiderável de análises críticas e das respectivas encenações como critériode seleção, esse amplo leque disponível se reduz. Nem todos os textosteatrais interessantes do ponto de vista temático e formal serviram deexemplo em métodos de análise de textos teatrais, ou em estudos sobre aredação de roteiros de cinema e vídeo. Menor ainda é o número de textoscríticos de fácil acesso ao professor, apesar da revolução ocasionada pelosbancos de dados e da Internet.

Durante a fase de pesquisa bibliográfica, encontramos as mais variadascoletâneas de textos, que a nosso ver poderiam fornecer ao professortextos modelares. Dentre elas, destacamos aquelas que possuem recortesde peças teatrais acompanhados por análises, na perspectiva iniciada porVinaver, conforme abordamos no capítulo três. Sendo assim, priorizamos osdiferentes textos clássicos da modernidade que foram objeto de estudo nãosó na coleção organizada por Vinaver como também, e principalmente, portrabalhos de Ryngaert publicados no Brasil. Valorizamos também a seleçãodos fragmentos numa perspectiva histórica, como a adotada por Ryngaert eDanan. Se priorizarmos os textos da literatura teatral ocidental quepossuem análises de fragmentos modelares, podemos contar com textos deautores como: Koltés, Novarina, A. Jarry, Beckett, Ionesco, Arrabal, Brecht,Heiner Müller, Vinaver, Pinter, Büchner e Pirandello, dentre outros.

Quanto aos textos que representam a modernidade cênica brasileira,desconhecemos, até o presente momento, publicações que tragam análisesde recortes dramatúrgicos selecionados. O professor interessado emapresentar modelos dramatúrgicos nacionais para serem apropriados erecriados, portanto, pode se guiar pelos estudos sobre dramaturgia deautores como Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, Silvia Fernandes,Tânia Brandão, Iná Camargo Costa, Luís Fernando Ramos, dentre tantosoutros. Publicações cujos artigos por vezes abordam análises de peças -tais como Revista Percevejo e Revista Sala Preta - podem complementar aorientação desta seleção. Dos principais dramaturgos brasileiros quepossuem um material analítico capaz de orientar o professor, podemoscitar: Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, OduvaldoViana Filho, Plínio Marcos, Alcione Araújo, Luis Alberto de Abreu, FernandoBonassi, Newton Moreno, dentre tantos outros.

1.4.3. Bancos de texto sobre teatro: Teoria, Crítica e História

No que se refere à seleção e organização dos textos que podem compor obanco de dados a ser criado pelo professor, a pesquisa revelou apraticidade da estruturação de fichários e/ou pastas. Sendo assim, nestaproposta, cada professor concebe sua coletânea de textos da História, daEstética, da Análise de Espetáculos. Podem ser pequenos textos ou mesmofrases, com referências e citações dos principais autores, distribuídas porcategorias como: formatos cênicos (espetáculo, performance,acontecimentos cênicos) temas, modalidades de dramaturgia e encenação,ou instrumentos cênico-narrativos como Fragmentação, Gestus, Citação,Estranhamento.

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Com relação ao recorte na Teoria e na História do Teatro consideramos doisaspectos principais: a relativização das classificações e o enfoque dosprocedimentos cênico-narrativos.

Nossa abordagem não pretende colocar ordem em um panorama teatral emmovimento. Procuramos um enfoque não redutor, que escape da tentaçãode classificar os artistas em categorias simplificadoras, “didáticas”.

Uma grande novidade no teatro do século XX, é que as teorias produzidasoutrora por intelectuais e dramaturgos foram ofuscadas pela influência dasreflexões produzidas pelos praticantes de teatro, os encenadores, a partirde 1880. Em primeira instância, poderíamos destacar Craig, Antoine, Appia,Stanislavski, Meyerhold, Piscator, Brecht, Artaud, Grotowski, Kantor,Beckett, Barba, Brook, Julian Beck, Bob Wilson, Richard Schechner, eHeiner Müller. Nos últimos trinta anos ocorreu no panorama teatral a“pulverização dos modelos”, constituindo o marco de uma época, mastambém um limite, pois se torna quase impossível falar de um modeloteórico isoladamente:

“Nossa época se afirma pluralista. As doutrinas mais antagônicas passamsimultaneamente pela prova do palco. Além disso, a mestiçagem torna-seuma tentação permanente de nossos diretores. E que eles encontram, nacombinação de vários modelos, o espaço de uma liberdade e de umarenovação.”57

A imagem do caleidoscópio utilizada por Roubine para transparecer umesquema teórico global da cena contemporânea nos parece muitoadequada para ser trabalhada durante a aprendizagem dos fundamentos dalinguagem cênica. O caleidoscópio, como sabemos, se caracteriza pelasinfinitas possibilidades combinatórias de seus elementos, assumindodiversas formas, numa eterna renovação. 58

No Brasil, temos uma grande diversidade cênica. Se ampliarmos o conceitode encenação para abranger também práticas espetaculares que não seenquadram no modelo eurocêntrico de espetáculo teatral, tais comomanifestações como a dança dramática do “Boi de Reis”, por exemplo,podemos olhar o panorama brasileiro em sua complexidade.

Para Roubine, o sincretismo que parece prevalecer atualmente éconseqüência de um espírito de liberdade e tolerância: “Cada um tem odireito de fazer o que quer, e de roubar seu mel onde acha que vaiencontrá-lo. O público, aberto e acolhedor, julgará a peça.”59 Enfim, caso setente definir um modelo contemporâneo, irá se falar de cruzamentos, demestiçagens, em suma, de um teatro no plural, que conjuga elementosheterogêneos.

57 Roubine, Jean-Jacques. Introdução as grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro, ZaharEditores, 2003, p.140.

58 Roubine, op. cit., p.141

59 Roubine, op. cit., p.201.

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Do ponto de vista do nosso interesse em formular princípios pedagógicos,não faria sentido que a consciência desta realidade múltipla nos conduzisseao “indiferentismo teórico”, um dos “efeitos perversos da evolução”. Naspalavras de Roubine não devemos concordar com o “cinismo”, ou com o“relativismo” de certa crítica dita pós-moderna, alardeando o fim da teoria:

“Teorizar, já se disse, é reivindicar, excomungar, combater. Mas para queteorizar quando todo mundo se vê amparado por uma legitimidade deprincípio (...)”60

Do ponto de vista do professor de teatro, é recomendável evitar o enfoqueque Pavis denomina de “impressionismo crítico”, ou seja, nasupervalorização da subjetividade, na avaliação da cena e na ausência dequalquer parâmetro de leitura e análise do espetáculo, assim como naresponsabilização no espectador por toda a produção dos sentidos da obra.Essas são “tentações” fortes, não apenas devido ao ecletismo estético danumerosa tipologia de manifestações espetaculares, como também dianteda multiplicidade de instrumentos de análise da obra cênica: Semiótica,Estética da Recepção, Antropologia Cultural, dentre outras.

Diante da confusão de enfoques e tipologias que nunca dão conta dacomplexidade das formas atuais, fica fácil querer abolir qualquer iniciativade sistematizar princípios organizacionais da encenação, o queinviabilizaria, por tabela, qualquer iniciativa pedagógica destesinstrumentos.

“Mas, como teorizar a partir do momento em que coabitam pacificamente asideologias mais diversas, em que elas contaminam-se umas às outrasrelativizando-se reciprocamente?” 61

O fim dos modelos teóricos exige olhares não dogmáticos, faz caducardivisões estanques e categorizações absolutas. Portanto, a partir doenfoque da análise de espetáculos de Pavis - para o qual, hoje em dia, nãofaz sentido a defesa de uma única estratégia de analisar os espetáculos -consideramos que o professor deve confrontar o educando com diferentesenfoques do fenômeno teatral.62

Outro critério de seleção de citações de textos sobre teatro é o enfoque nosprocedimentos de criação da cena. O que nos interessa na teoria são trêsmodalidades de texto: os que explicam os objetivos inerentes à escritura,os que descrevem os procedimentos criativos e aqueles que contextualizamo texto teatral no campo da história ou da estética do teatro.

60 Roubine, op. cit., p.202

61 Roubine, op.cit., p.140.

62 Pavis, Patrice. A análise dos espetáculos . São Paulo, Perspectiva, 2003.

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A conexão entre a análise do texto teatral e a leitura de citações teóricas

O coordenador pode selecionar um verbete do “Dicionário de Teatro” dePavis, como foi sugerido por Koudela63, no caso, para complementar aavaliação do jogo teatral, seguindo a linha de Spolin, que recomenda nofinal de Improvisation for the theatre, ao apresentar os seus termos, umaseleção de verbetes relativos, em sua maioria, aos elementos técnicos daarte do ator64:

“Ensinar é necessariamente um processo repetitivo, para que o alunoincorpore o material apresentado. Os termos que se seguem estão definidostendo isto em mente, na esperança de que seja mais um instrumentodentro do processo de aprendizagem.”65

Sendo assim, nesta pesquisa optamos por testar o uso de textos sobreteatro como complemento da prática cênica dos educandos. A leitura derecortes de textos sobre teatro após a análise do texto teatral e a práticado jogo desenvolve uma gradual apropriação de conceitos importantes paraa prática teatral contemporânea, tais como: estranhamento, identificação,antropofagia, partitura cênica, superobjetivo, espaço vazio, dentre outros.

1.4.4. Apropriação lúdica de textos sobre teatro

A mediação dos saberes teóricos e históricos na leitura do texto e daencenação pode ser feita de forma lúdica e integrada à prática. A escritateatral se liga não somente a outros tipos de escrita, mas a todas aspráticas artísticas, portanto, desejamos introduzir como práticacomplementar à análise estrutural do texto, que detalharemos no capítulotrês, a contextualização da dramaturgia:

“Nunca estamos em contato direto com o texto, mas com o conhecimentoque temos dele; tal conhecimento se alimenta de todos os saberespossíveis. Sem teoria nem metalinguagem, ela (a análise) acede apenas, namelhor das hipóteses, a uma ilusão de uma coisa que se auto definiria semproduzir qualquer conhecimento novo.” 66

Ao invés de repetir mecanicamente a definição de conceitos transmitidospelo professor, consideramos produtivo que os alunos sejam estimulados autilizar os instrumentos cênico-narrativos, através de procedimentoslúdicos, para só depois identificá-los no texto. Notamos que este caminhopromove intenso envolvimento, pois na tentativa de resolução dosproblemas cênicos propostos pelo coordenador, os alunos são instigados autilizar o recurso em foco, o que agiliza a aprendizagem.

63 Koudela in Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin.(tradução de Ingrid Koudela) SãoPaulo, Perspectiva, 2001.64 Tais como “emoção”, “energia”, “foco”, “instrução”, “marcação não-direcional”.

65 Spolin, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo, Perspectiva, 1978, p.335.

66 Pavis, op. cit. 2003, p. 208.

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A abordagem da diversidade cênica

Na perspectiva assumida no início deste capítulo, a noção de pesquisa e deexperimentos coletivos de escritura cênica não é invenção recente nahistória da encenação. Ela coincide com a invenção da pedagogia do teatromoderno e a difusão e a valorização social da atitude de investigação, emdetrimento das visões místicas e da transmissão de saberes engessados,imutáveis.

Portanto, intentamos uma prática de aprendizagem da escritura cênica queprovoque sempre, e de forma imbricada, discussões de natureza estética epolítica. A ênfase na avaliação das atitudes políticas inerentes às relaçõesentre os homens, como propõem autores da pedagogia do teatro, comoKoudela (através do jogo teatral com fragmentos de textos de Brecht), écomplementada pela discussão sobre as opções estéticas e de organizaçãosimbólica adotadas, com ênfase na relação com o texto escrito, comoenfatizam Maria Lúcia S. B. Pupo e J. P. Ryngaert.

Se a forma de elaborar a encenação deve ser contextualizada, os rumos aserem seguidos pelo grupo na adaptação cênica do texto poderiam, a nossover, ser discutidos após a leitura de diferentes posições teóricas. Umprocedimento que funcionou no presente trabalho é o uso de citações dosprincipais encenadores, que defendam soluções diferentes para os mesmosproblemas cênicos.

Este é um princípio que orienta a formulação da atitude de pesquisa quepropomos como meta a ser construída em nossa abordagem. Não existe,portanto, um modelo único de teatro a ser ensinado, mas diferentespossibilidades. Esta afirmação parece óbvia, mas, na prática da pedagogiado teatro, muitas vezes o esclarecimento da opção tomada em relação aosmúltiplos enfoques possíveis do fazer teatral não é relativizada peloprofessor.

A definição do ponto de vista pelo qual se olha o teatro gera uma discussãointeressante que deve passar, e ser retomada sempre, não só peloiniciante, como por todo e qualquer ser humano envolvido com estaprática. Em nossa abordagem recomendamos alguns procedimentos, comoo debate através da leitura de citações teóricas e verbetes. Responder aesta questão é tomar uma atitude diante de um leque de opções. Para osprincipais encenadores que ajudaram a mudar os rumos da história doteatro, a resposta dada por seus antecessores a esta pergunta tão simplesnão pareceu óbvia, nem fácil, e muito menos, definitiva.

O debate dos saberes teatrais do grupo

São vários os procedimentos possíveis a partir destas fichas de citação depensamentos norteadores da cena contemporânea. Podemos utilizá-lasdepois de um exercício de avaliação diagnóstica, distribuindo fichas comobjetivos antagônicos, como os de Brecht e Dantchenko, por exemplo, apósa avaliação estética da linguagem adotada na cena improvisada, via jogoteatral, ou concebida previamente pelos subgrupos. Cada um dos que estãona platéia, pode ler o fragmento de texto teórico, relacionando-o com o que

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acabou de ver apresentado e se posicionar criticamente diante destaafirmativa citada, através das seguintes instruções: “Você concorda comeste pensar sobre o teatro? Você já conhecia esta visão da prática teatral?Qual espetáculo você conhece que poderia servir de modelo para esteenfoque?”

O debate sobre objetivos teatrais

O que é e para que serve o teatro? O que queremos em relação ao público?Para quê fazer teatro? Não existem respostas únicas. Cada grupo,dependendo de cada contexto e para qual espectador se dirige, encontrauma forma adequada para efetivar o seu acontecimento cênico. Portanto,interessa-nos, antes de tudo, e sendo mais importante do que oaprendizado de técnicas teatrais específicas, que o iniciante na arte teatralpossa, através da aprendizagem e do exercício da encenação, desenvolvero seu senso crítico e artístico como leitor e também como um interventorna sua realidade social.

Propomos que uma das categorias possíveis de organização dos dadosteóricos e das obras teatrais pelo professor em seu fichário-base seja:“Objetivos do Teatro”. “A seleção de textos teatrais e registros deencenações que possam ilustrar diferentes pontos de vista sobre o sentidoda prática teatral - Definições e objetivos diversos da cenacontemporânea”. Trata-se da seleção de fichas que contêm citações dosprincipais pensadores do teatro que ainda valem para representar a maioriadas tendências cênicas atuais.

Desde o primeiro instante, propomos que as diferentes visões do fenômenoteatral sejam abordadas concomitantemente, e o debate se instaure,permitindo sempre uma discussão de diferentes pontos de vista,enfatizando a importância de pensar teatro, hoje em dia, sem as amarrasdo olhar dogmático. O debate sobre o texto teatral é complementado pelaleitura de recortes de texto teóricos, que ajudam o grupo a apropriar-se denoções importantes para a leitura do texto clássico moderno econtemporâneo.

Os experimentos realizados comprovaram a necessidade de os alunosentrarem em contato direto com os textos escritos pelos encenadores,complementando a leitura do registro - fotográfico ou em vídeo - dasimagens cênicas.

Esta abordagem intertextual que relaciona exercícios de criação,informações históricas, e reflexões teóricas utiliza o princípio de jogodialético, da leitura, ou seja, sempre que possível, de fichas que tragamexpressões contraditórias, evidenciando o caráter relativo dos pontos devista e estimulando a discussão. A ficha anterior, portanto, foi apresentadana ocasião com o seguinte contraponto de Heiner Müller: “Não se podeescrever apenas fragmentos. Isso não é possível. Mas é preciso reagir ahistórias que encontram sua conclusão no palco.” 67

67 Müller, cit. In Koudela, Ingrid. Heiner Müller o espanto no teatro.São Paulo, Perspectiva,2003, p.111.

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Podemos, além de complementar o estudo de um texto teatral ou aavaliação do jogo, utilizar as fichas teóricas como ponto de partida de jogoteatral, assim como elemento estimulador de um debate. É o que ocorrequando dividimos a cena em grupos, segundo as opiniões contraditóriassobre o mesmo tema e pedimos para que os participantes encontremargumentos e os defendam através de um discurso que vai aos poucos seapropriando dos conceitos. Cada participante defende a sua idéia, adiscussão busca determinar os prós e os contra de cada abordagem, umasíntese possível. Nestes momentos o grupo discute teoria de forma aplicadaà prática de jogo.

O debate de temas e questões

Para debater ou gerar material cênico centrado no tema “traição política” eno âmbito do experimento com a modalidade épica de espetáculo, certa veztrouxemos para um grupo de alunos de uma oficina três tipos de textos:poético (um fragmento de “A Missão” de H. Müller e outro de “Arena contaZumbi”, de Guarnieri e Boal), histórico (um trecho sobre a traição realizadapelos revolucionários da França criticando o abandono do povo logo emseguida à conquista do poder; um trecho de artigo recente criticando ospolíticos que mudam radicalmente de discurso logo após as eleições), umacharge de Angeli, um trecho do filme “Zumbi” de Cacá Diegues, paracomporem o nosso fichário coletivo sobre o tema. Estes diferentes tipos detexto são considerados motivos que inspiram jogos, imagens, adaptações,atualizações, dentre outros procedimentos.

1.5. O texto teatral como uma pedagógica provocação aogrupo

Proposição pelo professor ou seleção coletiva do texto teatral? A respostapara esta questão dependerá da avaliação que o professor fizer sobre ogrupo. Durante esta pesquisa percebemos que muitas vezes é maisinteressante do ponto de vista pedagógico que o texto seja proposto peloprofessor. Também é importante que selecionemos um outro texto teatralcom tema semelhante, porém com estrutura diversa, para servir de leituracomplementar, tendo em vista o principio metodológico da ampliação dorepertório teatral. Propomos a seleção, de, no mínimo, um texto teatral deoutro autor, o mais distanciado possível do texto base, para enriquecer aanálise comparativa. No caso de Hamlet de Shakespeare, por exemplo,decidimos que o texto a ser confrontado seria Hamlet máquina, de HeinerMüller, opondo desta forma uma abordagem de desconstrução da fábula aomodelo linear do drama clássico.

Em relação à busca de um material textual que seja “incendiário” para ocontexto da encenação, Müller defende uma atitude que poderíamosdenominar de antropofágica, termo caro ao encenador e dramaturgo JoséCelso Martinez Corrêa. Para Müller, a atualização do texto de Brecht passapor estripar o texto clássico, sem nenhuma reverência:

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“Por outro lado acredito, que mesmo as peças tardias de Brecht contêmbastante material incendiário, quero dizer, incendiário também politicamentepara nós aqui. Apenas acredito que elas deveriam ser estripadas. Énecessário que essas pecas de Brecht sejam estripadas e retiradas de suacanonização. Ou seja, é preciso encená-las de uma forma totalmentediferente daquilo que Brecht fez, daquilo que Wekwerth fez... é precisoencontrar outras abordagens para que os textos possam operar novamente.Tal como é feito, os textos já não operam mais, são meros textos de ópera emonumentos. Eles não operam”.68

Para que os textos a serem escolhidos para compor um experimentopossam “operar novamente”, é preciso buscar a potencialidade “incendiária”deles. Este critério nos parece muito valioso para ser discutido com ogrupo:

“Eu acho que deve haver uma relação contraditória, uma relação de conflitoentre o palco e a platéia. Porque eu acho monótono quando lá embaixoexiste apenas um público que concorda. E também não leva a nada quandolá embaixo está sentado um público que apenas discorda. A diferença talvezesteja no fato de que, para Brecht, ainda se tratava de AuflKarung,(esclarecimento) no teatro. Eu acho que isto acabou, pois agora isso éassumido (ou deveria ser assumido) por outra mídia. E o teatro não podemais assumir a função de Auflklaren (esclarecer). No teatro trata-se agora,ao menos para mim, de envolver as pessoas em processos, torná-lasparticipantes.” 69

Ao se referir, naquele momento, à sua última obra, A Batalha, o pensadoralemão apresenta seu desejo de que as pessoas do público se perguntemcomo teriam se comportado na situação dos personagens e, desta forma,atinassem para o fato de que “também são fascistas em potencial, quandose afigura uma situação como essa”. E conclui, com esperança, na funçãode desordem do teatro como fantasia social 70: “Isto eu julgo positivo”.

Outra visão mülleriana que nos parece muito apropriada para sercompartilhada e debatida com iniciantes é a de que o teatro deve tratar dequestões e levantar perguntas que não são colocadas e respondidas pelaimprensa. Concordamos que se o teatro não colocar outras perguntas,deixa de ter função social e política. Por outro lado, existe uma série deperguntas que não são tratadas pela imprensa e, nesses casos, o teatro“tem de assumir as tarefas que caberiam à imprensa“.

Não é a natureza política da mensagem do texto a ser escolhido quedetermina a criação de “ilhas de desordem,”71 do ponto de vista da ação

68 Müller, Heiner. “Diálogo com Bernard Umbrecht.” In Koudela, op.cit., 2003, p.112

69 Müller, Heiner. “Diálogo com Bernard Umbrecht.” In Koudela, op.cit., 2003, p.106.

70 Como preconizou Wolfgang Heise, citado por Müller in Koudela, Ingrid, op.cit., p.107.

71 Müller, dramaturgo que buscava a “arte como perturbação do consenso e comoinstrumento de subversão”, utiliza a expressão “ilha de desordem” ao se referir ao potencialpolítico do teatro em pequenos grupos, no contexto do Terceiro Mundo. Koudela destacaque, “de um lado, objeto de colonização, exploração e refugo, lugar de caos e desordem, oTerceiro Mundo é visto por ele como fermento do novo - ‘ilhas de desordem’, espécie de

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cultural provocada tanto pelo processo, quanto pelo resultado; é oacontecimento cênico em si. Por exemplo, um espetáculo de texto idealista,que fale de esperança, mas realizado no contexto de uma prisão ou de umhospital, pode ser muito mais importante socialmente do que a repetiçãoda cartilha marxista para uma platéia de estudantes da elite intelectual.

Portanto, a escolha de textos reconhecidos por sua natureza deargumentação dialética, como os de Brecht, não garante uma produção quepossa provocar a reflexão crítica sobre as relações humanas, seja nopúblico que irá assisti-la ou naqueles que a realizam. A abordagem deLehmann, quando defende que é a forma escolhida para dar corpo à cenaque possui uma ação política determinante, e não necessariamente asmensagens do texto, também é fundamental. Do mesmo modo, aperspectiva de Müller nos ajuda a compreender que na conjuntura atual,não se trata mais de esclarecer politicamente o público, mas de envolvê-loem processos, através de formas novas que provoquem o “espanto”, quenos forcem a olhar o mundo de ângulos diferentes daqueles impingidospela mídia.

Por vezes a seleção dos materiais dramatúrgicos pode ser resultante deconsensos entre o grupo e o professor; em outros momentos defendemosque o professor apresente textos que desafiem o grupo a pensar o mundo eteatro de forma diferente, que amplie sua visão do mundo e suasreferências estéticas.

Citamos como exemplo um experimento com um grupo de teatro formadopor adolescentes de um colégio estadual de um subúrbio da cidade doNatal, que tinham “uma excelente auto-estima” no sentido teatral.Questionados pelo novo coordenador da oficina sobre sua prática, sentiam-se muito à vontade, pois consideravam então o que faziam no palco comosendo um “ótimo teatro”. No entanto, eles não conheciam outrasreferências artísticas da cidade e muito menos da história ou da cenacontemporânea. Não eram acostumados a ver teatro, fato que foi agravado,pois não fazia parte da ação da professora anterior a mediação deespetáculos. Desta forma, o grupo já possuía cinco anos de prática deteatro improvisacional, criando espetáculos com dramaturgia coletiva,falando em cena com sotaque, imitando a estética do programa televisivo‘Malhação’.

Foi quando a professora em formação, ao constatar esta realidade em suaavaliação diagnóstica, questionou: Qual a ilha de desordem que podemosprovocar neste contexto? Se o grupo imita a forma de falar de outra regiãode forma acrítica, como um modelo de elegância, faz teatro como exibiçãode seus corpos, qual atitude do coordenador do experimento poderiaprovocar uma desordem nesta situação? Foi necessário algo que osinstigasse a ver a realidade que os cerca; que repensassem sua identidade;que percebessem a necessidade de qualidade literária nas palavrasproferidas em cena, e no bem escrever; que o texto poético faz parte daarte teatral.

tumores benignos em que, forçando o convívio com camadas diversificadas de história ecultura, preparam o solo para mudança.” (Müller cit in Koudela, op.cit., p.31).

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A escolha do texto seguinte a ser trabalhado recaiu sobre aquele queestabelecesse fácil comunicação com o público que interessava ao grupo.Pensamos em textos que provocassem a revisão da auto-imagem dosalunos, que os levassem a refletir a existência da sua própria significaçãocomo ser nordestino. Neste sentido, estimulamos a professora a propor amontagem de a comédia A Pena e a Lei de Ariano Suassuna. O confrontocom a leitura e o estudo sobre outras formas de encenar a partir dessetexto, abriu novas perspectivas àquele grupo potiguar.

Outro exemplo é o experimento realizado pelo professor em formação FábioDantas. Ao se deparar com uma turma de adolescentes do ensino médionuma escola particular, sua avaliação diagnóstica detectou alto índice deindividualismo, dificuldade de trabalhar em grupo e pouca sensibilidade emrelação aos problemas sociais brasileiros. Segundo o desejo do grupo, elesiriam encenar algum texto que falasse de sexo, namoro. Ao serquestionado sobre o seu papel crítico na formação do grupo, o professorrespondeu que na verdade gostaria de impor um outro tema, impingindo odebate acerca de valores humanitários e éticos, tais como a solidariedade eo sentido de projeto coletivo. Continuando nossa orientação, sugerimos aoestagiário que nesse caso evitasse a decisão coletiva e propusesse, comoseleção de material didático que cabe ao professor de uma disciplinaescolar, um determinado texto. Indicamos alguns autores, como Oswald deAndrade, Bertolt Brecht e Heiner Müller, salientando porém que a peça“Aquele que diz sim, Aquele que diz não” de Brecht poderia ser muitoapropriada. O professor levou o texto para sala de aula como um desafio aogrupo. Ao final do processo, o professor avaliou que o trabalho com a peçagerou uma série de discussões interessantes sobre atitudes e sobreprincípios éticos. O grupo encenou fragmentos deste texto, mas, o maisimportante foi o estímulo que o material brechtiano proporcionou para queo grupo realizasse um significativo avanço em sua visão crítica.

Por ocasião do experimento em foco neste capítulo, quando pensamos napossibilidade de escolher Hamlet, já conhecíamos a possibilidade de análisecomparativa de diferentes versões da narrativa, como as de Shakespeare,Heiner Müller, Brecht, Berkoff, Stoppard, por exemplo, pode ser muitoenriquecedora para a apropriação dos operadores de leitura da cenacontemporânea.

A utilização de Hamlet neste experimento, por ser um dos textos maisexplorados pelos grandes diretores, garante uma variada gama de pontosde vista da critica dos encenadores e dos teóricos.

O texto de Shakespeare também permite abordar uma multiplicidade detemas, desde a noção de cena dramática, à função da tragédia; desde atécnica de inclusão do elemento cômico em meio a cenas de tensão comoforma de equilibrar a composição de roteiros cênicos de distanciamentocrítico e da tensão provocada pela narrativa trágica, bem como pelo gestual(a pantomima na cena dos comediantes) e, até mesmo, discutir a técnicado ator, a partir do famoso “conselho aos atores” proferido peloprotagonista.

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Poderíamos dizer que, do ponto de vista temático, o texto de Shakespearetrata da questão da consciência humana, da decisão entre acomodar-se aocontexto e usufruir regalias ou tomar uma atitude contra a injustiça, lutarpelo que se acredita, mesmo arriscando perder tudo. Este enfoqueespecífico do “ser ou não ser” nos interessa muito, tendo em vista aavaliação diagnóstica que fizemos dos participantes de nossa oficina. Qual,onde, quando e com quem?

Nosso interesse com Hamlet foi reconhecer os procedimentos de escrituratextual do bardo inglês e acercar-se da opção teatral do príncipedinamarquês. Isto se dá, nos limites desta pesquisa, como caminhonecessário para a apropriação crítica de outros tipos de abordagemnarrativa: a épica e a não-dramática. Nesta proposta abordamos o textodramático como preparação para se fazer comparações entre diferentesversões dramatúrgicas do personagem. Objetivamos o que para nós éfundamental: o conhecimento e a discussão a respeito dos instrumentosnarrativo-cênicos e épicos ou, – como prefere Sarrazac, – rapsódicos,inerentes aos modelos narrativos de justaposição ou de pós-cena não-dramática. No caso, este interesse nos levou a Hamlet-máquina de HeinnerMüller e a outras versões do personagem.

Uma das grandes vantagens do trabalho em torno dos arquétipos literáriosda dramaturgia teatral é que podemos realizar comparações entrediferentes formas teatrais. É produtivo, do ponto de vista didático, conheceruma narrativa e ao analisar uma adaptação e/ou recriação desta narrativa,perceber as formas e atitudes do adaptador em relação ao original.

A presente investigação comprovou que o estudo de textos consideradosmodelares permite diferentes abordagens cênicas e textuais, na medida emque se constitui de material utilizado e encenado por uma grande variedadede montagens. Esta diversidade de propostas dos principais encenadorespermite um enfoque multiforme, diversificado sobre o evento teatral.

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CAP. 2. Uma abordagem lúdica dos textos: o jogoteatral entre os atores, o diretor e o dramaturgo

Neste capítulo apresentamos o princípio metodológico da ampliação dasfunções criativas do educando, que propomos para a formação do professorde teatro, tendo em vista sua utilização com alunos da disciplina teatro naescola de ensino fundamental e médio. Propomos a vivência de diferentespapéis pelo mesmo indivíduo – dramaturgo, diretor e ator – em experimentosde jogo, análise e encenação a partir de fragmentos de textos teatrais.

Apresentaremos um resumo das propostas de abordagem lúdica deaprendizagem e criação do teatro que fundamentam a noção de jogo teatral.Como já vimos na introdução, nossa abordagem se inscreve na linha depesquisa pedagógica do teatro da Universidade de São Paulo, tendo sua basenas investigações de Koudela e Pupo. Como complemento deste enfoque,adotamos alguns dos princípios de Augusto Boal.

De forma complementar, neste capítulo iniciamos a descrição dos principaisobjetivos e regras dos procedimentos que estimulam os alunos nodesempenho das funções de dramaturgo e de diretor, que serãodesenvolvidos nos capítulos 3 e 4. Estes procedimentos foramsistematizamos a partir da observação das oficinas de escritura teatral naformação do dramaturgo no Institut del Teatre de Barcelona, dos resultadosobtidos nas análises dos processos de criação observados e dos experimentosque coordenamos.

2.1. A abordagem lúdica como eixo metodológico: o aluno comoator

2.1.1. O jogo teatral com textos

Visando sistematizar procedimentos que articulem a aprendizagem e odesenvolvimento da dramaturgia e da encenação, adotamos como eixometodológico central os princípios defendidos pela linha de pesquisa empedagogia do teatro da Escola de Comunicações e Artes da Universidade deSão Paulo, Brasil. Sendo assim, o enfoque de caráter lúdico do teatro e aabordagem dos fragmentos de textos que utilizamos, são uma continuidadedas investigações de Ingrid Koudela e Maria Lúcia Pupo, na medida em quenossa formulação parte de elementos do theater games de Viola Spolin, dojeu dramatique de Jean-Pierre Ryngaert e do theater spiel de Bertolt Brecht.

Em nossa abordagem do jogo teatral podemos dividir os principais pontos dasavaliações, da seguinte forma:

a) O enfoque na corpo, e na ação física: utilizamos perguntas do tipo: Comovocês se sentiram fisicamente? Havia verdade física na ação dos jogadores eenvolvimento físico com a ação? Quais as relações entre a forma, ocomportamento físico e os sentimentos e pensamentos?

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b) A resolução do problema de jogo: questionamos se o grupo conseguiuresolver o foco do jogo teatral apresentado antes e durante a improvisação.São exemplos: o relacionamento com um espaço imaginário, a configuraçãode uma ação cênica, a representação de um personagem;

c) A atitude e gestus: comentários críticos sobre a elaboração do gesto oumesmo do gestus social. Às vezes, se faz necessário também questionar oposicionamento político do grupo em relação ao tema, procurando confrontá-lo com outras atitudes possíveis;

d) Através das entradas possíveis para a avaliação “gosto, critico eproponho” cada indivíduo deve se posicionar com uma argumentaçãojustificada suscitada pelo uso destes três verbos, sugerindo alterações nojogo.

O jogo teatral com texto literário

Os procedimentos de jogo teatral com textos literários não-dramáticosutilizados são inspirados diretamente na prática teatral desenvolvida porMaria Lúcia Pupo (2005). Esta proposta parte da discussão sobre o papel dotexto não-dramático e a estética dos fragmentos no teatro contemporâneo,analisada e implementada por autores como Anne Ubersfeld, Jean-PierreSarrazac, Michel Vinaver, e busca integrar os princípios de jogo com textoinerentes à abordagem do jeu dramatique de autores como Richard Monod, J.P. Ryngaert, Gisèle Barret, J. C. Landier, Jean Baune e Bernard Grosjean,dentre outros, com o sistema de jogos teatrais de Viola Spolin.

Desta forma, a apropriação do texto não-dramático se dá de formaconcomitante à formulação de problemas de natureza teatral, gerandopontos de concentração para atuação em cena, os focos do jogo. Outroaspecto importante é a abordagem sensorial da fisicalização e as instruçõesdadas pelo coordenador durante o jogo, centradas no foco previamentedefinido.

Outro procedimento fundamental é o jogo teatral com texto narrativo emmãos, no qual é feita a leitura durante as ações do jogo, seja durante aanálise dramatúrgica, conforme detalharemos no Cap. 3, seja quandoexperimentamos jogos que alteram o sentido original dos textos.

A abordagem de jogo com texto narrativo desenvolvida por Pupo1, nosparece imprescindível, quando pretendemos abordar de forma lúdica ostextos teatrais contemporâneos, particularmente aqueles que se valem demonólogos, coros e outras formas textuais rapsódicas, como por exemplo, osfragmentos sintéticos de Heinner Müller, cuja escrita se constitui de blocos depalavras, sem pontuação dividindo as frases, nem referência concreta doemissor do discurso. Em um de nossos experimentos com iniciantes, quandopropusemos o jogo com um trecho do monólogo do elevador de “A Missão”,

1 Pupo, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo. Entre o Mediterrâneo e o Atlântico, uma aventurateatral. São Paulo, 2005, p.24.

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por exemplo, foi muito interessante ver como cada grupo se apropriava dotexto dividindo-o entre os personagens inventados de diferentes maneiras.

Outro procedimento de jogo com texto narrativo que adotamos é o seguinte:os jogadores se dividem em subgrupos e planejam a estrutura de um jogo.Uma regra é que o jogo deve ter pelo menos um narrador, que deve optarentre as diversas posições possíveis de um narrador durante o jogo, dentroou fora da área de atuação. Os subgrupos recortam do trecho entregue peloprofessor, o fragmento que interessa a todos e escolhem o espaço físico ondeacontecerá o jogo. Antes de interagir no espaço, o grupo combina quem vaifalar e quando. Em geral, após as rodadas, observamos que os jogos deapropriação lúdica de recortes facilitam a ampliação do repertório de imagensem relação ao texto. A improvisação feita sem estes jogos de apropriaçãolúdica de recortes do texto2 tende a isolar o jogador em seu própriorepertório de gestos e movimentos, o que nos parece limitar as possibilidadeslúdicas.

Jogos teatrais com diferentes atitudes e posições do narrador são muito úteisnas fases de exploração de textos e de levantamento de temas.

Às vezes propomos um jogo teatral em determinado espaço, com o objetivode recuperar a atitude lúdica, de provocar uma ruptura no repertório deformas cênicas do grupo, instigando novos modos, ou estabelecemos umfragmento de espaço anteriormente planejado, tendo em vista os confrontos:temático, complementar ou contraditório com o texto3. A instrução é aseguinte: “Recortem uma parte pequena do texto. Para vocês qual trecho dotexto, teatralmente, contém a imagem mais interessante? Qual é essaimagem?"

O jogo com textos teatrais

Alguns dos procedimentos formulados pela vanguarda do início do século XXinspiraram autores da pedagogia teatral para uma abordagem lúdica detextos dramáticos, como é o caso de Jean-Pierre Ryngaert:

“As experiências a partir de um texto teatral existente permitem provocar acapacidade de jogo e de imaginação a partir de um objeto muito diferente dasexperiências pessoais diversas vezes evocadas.”4

A abordagem deste autor sobre o uso de curtos diálogos dramáticos comoponto de partida de jogo nos inspirou a formulação de práticas como as querealizamos com material advindo de Esperando Godot, de Samuel Beckett oude Hamlet de Shakespeare. Na seleção dos fragmentos buscamos sempretrechos que possibilitem bastante espaço para o jogo e a imaginação. Nasfases iniciais dos experimentos, no preparo das fotocópias entregues aosatores, procuramos neutralizar as indicações cênicas, apagando as

2 Pupo, op.cit., pp. 25-30.

3 Ryngaert, Jean Pierre. Jouer, représenter. Paris, Cedic, 1985 e Pupo, op.cit.

4 Ryngaert, op.cit., p.108.

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didascálias que fornecem pistas sobre o contexto original da peça ou a formade atuação dos personagens.

Após uma leitura silenciosa, em subgrupos, os atores lêem os textos em vozalta, para que se familiarizem com eles. Depois dos jogos de apropriação detextos, cada dupla possui um determinado tempo estabelecido pelo professorpara improvisar, com o texto em mãos, a partir de um determinado espaçopor eles escolhido. Ao final do tempo de preparação, todos os subgruposapresentam uma proposta de leitura no espaço. Estas proposições sãocomentadas e comparadas, destacando-se as questões sobre as direçõesapontadas pela escolha do texto e pelas soluções cênicas adotadas. Nasegunda fase do procedimento, novas instruções são dadas no sentido depropor alterações concretas nos jogos no que diz respeito ao uso do espaço,ao acréscimo de novas ações físicas para determinadas réplicas, à troca depapéis, às alterações no ritmo e às mudanças no estilo de jogo.5

O theaterspiel de Brecht

A integração dos principais aspectos do theaterspiel de Bertolt Brecht com anoção de jogo teatral de Spolin resultante da abordagem de Koudela temimportância fundamental para a formulação de instruções e de focos deavaliação dos jogos neste trabalho. A ênfase na consciência, na possibilidadede citação e na re-elaboração dos gestos, a análise e o questionamento dasatitudes e das relações sociais e a discussão do contexto histórico e social dealgumas das ações representadas, foram alguns dos elementos inspirados nojogo com a peça didática (Lehrstück). O instrumento didático de origembrechtiana que mais utilizamos é o estranhamento, que visa aodescondicionamento e à liberação da automatização das percepções,estimulando a inclusão de elementos contraditórios nos jogos.

Na proposta que apresentamos nesta tese, a noção de construção do gestussocial6 e o enfoque nas relações entre os diferentes papéis sociais são umadas formas de abordagem de recortes do texto teatral que procuramosestimular. Outra perspectiva interessante é o foco em papéis querepresentem modelos associais, nos quais o comportamento serve comoprovocação de uma discussão tendo em vista um novo olhar diante domundo7, no sentido de estranhar o que é aparentemente natural, assim como

5 Ryngaert, op. cit, p. 107.

6 Gestus é o termo latino para gesto e é entendido neste trabalho como uma maneiracaracterística de usar o corpo para configurar uma atitude para com o outro, conceito queBrecht formula em sua teoria do gestus social: “Ao espectador é conferida oportunidade parauma crítica do comportamento humano segundo uma perspectiva social e a cena árepresentada como uma cena histórica. O espectador deverá passar a ter possibilidade deestabelecer comparações no domínio do comportamento humano.De um prisma estético istosignifica que o gesto social dos atores adquire especial importância. A arte tem, pois, decultivar o ‘gesto’.(gesto que possua, evidentemente, significado social, e não que ilustre eexprima.)O princípio da mímica é assim, a bem dizer, substituído pelo princípio do gesto”(Brecht, Bertolt. Estudos sobre teatro. Lisboa, Portugália Editora (s/d), p.297.)

7 “As peças didáticas oferecem como modelo de imitação modelos ‘associais mas altamentequalificados’, segundo Brecht.(...) Ao experimentar, no jogo, o comportamento negativo, ‘osimpulsos associais’(...) o atuante experimenta a contradição proposta pelo ‘modelo de ação’

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de uma análise das diversas possibilidades de ação para a transformação darealidade. Valorizamos na abordagem brechtiana da peça didática a noção dotexto teatral como um modelo de ação:

“- modelo: como um exercício artístico coletivo que tem por foco a investigação dasrelações dos homens entre os homens”.- modelo como um texto que é objeto de imitação crítica.”8

O modelo de ação visa incrementar o procedimento de estranhamento darealidade. Dessa maneira, o texto está aberto à improvisação do jogador,pois cada grupo atualiza o tema, as ações e os papéis de acordo com seupróprio contexto, na medida em que trechos de invenção própria e de tipoatual podem ser introduzidos.9

Nossa abordagem da peça didática está fundamentada na apropriação dotexto de Brecht através do jogo teatral, desenvolvida por Ingrid Koudela. Oprincípio do jogo visa a uma representação não só simbólica e discursiva,como também sensorial, da realidade, sendo a educação dos sentidos a viapela qual se processa o estranhamento:

“O descondicionamento de ações que se tornaram rotina e de hábitos de percepçãoque se tornaram automatizados é a condição da qual depende a aprendizagemfutura. Neste sentido, o sistema de jogos teatrais pode trazer grande contribuiçãopara o exercício da peça didática. A educação da sensorialidade, aliada aosprocedimentos com o jogo, promove o campo dentro do qual texto poderá serintroduzido”.10

A aproximação destas duas modalidades de jogos teatrais, o theaterspiel deBrecht e o theatre games de Spolin, é uma das inspirações de nossa práticalúdica com textos, ampliando nossos focos de avaliação de jogo teatral. Nestesentido, trata-se de uma atuação que visa discutir também as relaçõessociais, ou seja, que não abre mão do enfoque político das ações entre oshomens.

Em nossa proposta de aprendizagem da dramaturgia, baseamo-nos nesteestudo das atitudes e relações humanas através do jogo com fragmentosdesenvolvido por Koudela (1996) a partir de Brecht e H. Müller. Nestaproposta, na fase de avaliação diagnóstica dos interesses do grupo, aoselecionarmos trechos de textos teatrais para confrontá-los com os alunos,utilizamos diversos procedimentos de apropriação e recriação lúdicasistematizados por Koudela.

(texto) refletindo sobre ela.” (Koudela, Brecht, um jogo de aprendizagem. São Paulo,Perspectiva/EDUSP, 1991, p.37).

8 Koudela, Ingrid.Texto e Jogo. São Paulo, Perspectiva, 1996, p.15.

9 Koudela, Ingrid. Brecht, um jogo de aprendizagem. São Paulo, Perspectiva,1991, p.16.

10Koudela, op. cit, p.158.

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2.1.2. A criação de imagens

O trabalho com imagens corporais no espaço como instrumento deinvestigação de novas formas, ações e relações cênicas, e não comoreprodução de modelos ou fórmulas pré-existentes, surgiu a partir daspesquisas dos principais encenadores do século XX.

Como sabemos, Meyerhold foi um dos primeiros encenadores a enfatizar aelaboração consciente de gestos pelo ator, atitudes e deslocamentos comfoco na plasticidade corporal. Para ele, se a forma está adequada, então ostons e sentimentos também estão certos, porque eles são determinadospelas posturas físicas. Deste autor adaptamos o instrumento metodológicodas posições-poses (rakurz) como ponto de partida de imagens coletivas,ações físicas e jogos teatrais. O rakurz é uma imagem corporal semmovimento exterior, que indica a atitude cristalizada e fundamental de umpersonagem. Meyerhold buscava o rakurz mais preciso para cada situação,assim como, o escritor busca a palavra exata. Segundo ele, devemosencontrar a posição física que revele os verdadeiros breques no movimentogestual.11 Esta noção de imagem fixa como instrumento cênico foidesenvolvida por Brecht em sua formulação para o estudo da observação econfiguração do gestus social dos personagens. A montagem e remontagemde gestus é um recurso pedagógico potente, na medida em que concretiza nopalco as atitudes e as relações dos papéis, conforme apontaram Steinweg eKoudela em seus estudos sobre o jogo com a peça didática brechtiana.

Além do uso pedagógico do gestus em Brecht, nossos procedimentos para acriação de imagem se baseiam em uma das técnicas do teatro-imagem deAugusto Boal. Estas técnicas, apesar de terem se tornado cada vez maisintrospectivas e terapêuticas, ”podem ser igualmente úteis para ensaiarespetáculos”.12 Apesar de considerar esta última possibilidade, a intençãoprimeira de Boal é proporcionar formas do espectador atuar como interventordireto na cena, através da composição da imagem com os corpos dos demaisparticipantes. Para Boal, o participante de uma oficina deve ser estimulado aexpressar sua opinião sobre determinado problema social: os participantes serevezam, modificando em parte ou totalmente o posicionamento dos atoresem cena. O importante, segundo Boal, é chegar a um denominador comum:um modelo que, na opinião geral, seja a representação mais adequada doproblema colocado. Após a configuração da imagem mais adequada parasintetizar o problema social, os atores são estimulados a modificar o conjuntode “estátuas” que, nesta segunda etapa, deve representar a solução doproblema social em foco, ou seja, a superação do conflito identificado na“imagem real” através de uma “imagem ideal”. Após a construção dessasduas imagens – a real e a ideal - Boal solicita a um outro participante quedemonstre, através de uma nova imagem – a “imagem de trânsito” - comose poderia alcançar a resolução do respectivo conflito social.

11 Meyerhold cit. in Pavis, Patrice. Dicionário do teatro, Perspectiva, 1999, p.187.

12 Boal, Augusto. O Arco Íris do desejo.Rio de Janeiro,Civilização Brasileira,1996, p.232.

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Um exemplo destas técnicas de Boal que utilizamos é o instrumento daimagem cinética, que tem como foco a configuração de um desenho dosmovimentos das ações “purificados, simplificados e magnificados naquilo queeles têm de essencial”. Ela é a imagem do movimento e do significado.13 Boalilustra sua proposta com o seguinte exemplo:

“João Paulo I morreu muito pouco tempo depois de João XXIII. Vendo-se cadafoto em separado, pode-se ver o papa respectivo - as duas juntas mostram amorte papal.” 14

Apesar de defendermos que o professor em formação possa se apropriardeste enfoque de Boal para o Teatro-Imagem - assim como de outrastécnicas do Teatro do Oprimido, como o Teatro-Fórum – em nossa propostaelas não são um fim em si mesmo, sendo consideradas dentro de um painelamplo de procedimentos que o professor pode se valer para, na fase inicialdo experimento, desvelar os interesses do grupo. Desta maneira como Boalpropõe a criação de imagens, valorizamos esta prática como forma dedesvelar os possíveis temas que nortearão a escolha futura de textos teatraisque serão abordados, da mesma forma que o jogo teatral de Spolin poderevelar os conteúdos significativos para o grupo antes do encontro com aliteratura.

Do ponto de vista do professor interessado em ensinar o conteúdo específicodo teatro na escola, porém, não basta discutir e averiguar formas desuperação de relações de opressão que afligem os participantes. Portanto,quando pensamos a preparação para a docência do teatro com adolescentes,a criação de imagens em nossa abordagem adquire objetivos distintos.

Em um primeiro nível, este procedimento é usado para estimular aproposição de idéias dramatúrgicas pelos alunos quando estes jogam ospapéis de atores. Trata-se de uma forma que agiliza sobremaneira asugestão de diversas soluções para um mesmo problema de configuraçãocênica. Esta perspectiva de uma dramaturgia dos atores iniciantes atravésdas imagens concebidas com o posicionamento dos próprios corpos noespaço, foi aprofundada por nós durante a pesquisa anterior, cujos resultadosforam publicados (Martins, 2004). Por exemplo, quando trabalhamos comalunos utilizamos instruções como: “A partir deste espaço, inscrevam nelepersonagens através de imagens fixas. Antes de decidirem, experimentemvárias possibilidades de ação e atitude física, através de pequenasimprovisações que durem alguns segundos. Escolham a imagem corporalmais significativa e retomem-na, definindo um foco externo no espaço e umdesejo em relação a este foco. Iniciem a ação e parem na posição que vocêssentirem ser a posição mais fortemente determinante, a imagem que melhorretrata o movimento interior e exterior do personagem”.

13 Boal, Augusto. O Arco Íris do desejo. Civilização Brasileira, pp. 265-266.

14 Boal, op. cit., p. 266.

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Imagens cênicas no espaço vazio

Nossa abordagem para estimular a capacidade de investigação de problemascênicos por atores iniciantes começa sempre pela criação de imagenscomplementares, ou seja, aquelas cujos elementos se complementam,formando um quadro que transmite um conceito, uma ação, uma atmosfera,ou um espaço, dentre outras possibilidades. São imagens nãonecessariamente realistas, mas que possuem um reduzido grau de polissemiae que visam comunicar informações claras, objetivas e sem ambigüidadesque possam dificultar a leitura da imagem teatral.

Um segundo tipo de imagem utilizado é a imagem dialética que estimulamosnos momentos seguintes à confecção de imagens complementares. O foco éa criação de imagens que contenham em sua composição elementoscontraditórios entre si. O uso deste termo dentro do trabalho foifundamentado no conceito de imagem dialética utilizado por Röhl, ao sereferir ao trabalho do autor e encenador Heinner Müller:

“O fato de a dialética não se localizar mais no diálogo, como arte deargumentação/persuasão, mas na imagem dialética/poética, significa umafastamento de Brecht não só em direção a Benjamim, como também a Kafka- uma opção pela abertura via metáfora, polissemia.” 15

Um primeiro nível de exploração diz respeito à elaboração de imagens denatureza cênica no espaço como ele é, ainda sem transformação simbólica,aproveitando a atmosfera do próprio ambiente. Os atores escolhem o seufragmento de espaço16. Cada um então se coloca, assumindo uma posição eum gesto definido, que aos poucos é complementado pelos demais. Aimagem é questionada com instruções, com o foco na fisicalidade: “Tentemconfigurar de forma mais clara o gesto que está fixado nesta imagem. "Apósa criação de imagens coerentes com o espaço como ele é, repetimos oprocedimento determinando a sua transformação simbólica.

Nas duas abordagens de elaboração de imagens, os procedimentos podemevoluir para o foco nas ações físicas quando pedimos que as imagens criemvida. Nestes momentos a ação improvisada é interrompida pelo coordenadorcom instruções como: “procurem definir melhor a ação cênica”. A ação éentão retomada e depois novamente interrompida: “Procurem concluir a açãoe encaminhem-se para a configuração de imagem final”.

A imagem, tomada como a condensação da atitude de um personagem,realizada através da suspensão do movimento corporal no espaço, é objetode vários procedimentos, principalmente quando utilizada como indutora dosjogos teatrais.

15 RÖHL, Ruth. O Teatro de Heiner Müller, São Paulo, Perspectiva, 1997, p.154.

16 Estas modalidades foram desenvolvidas em nosso experimento “1999” (Cf. Martins, MarcosBulhões. Encenação em Jogo. São Paulo, Hucitec, 2004).

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2.1.3. O revezamento de papéis pelos atores

Outro princípio metodológico brechtiano que adaptamos para o jogo teatraldos atores é o rodízio de personagens, papéis e outras funções de cena,como contra-regras, narradores e curingas. A primeira grande influência naencenação contemporânea em relação ao rodízio de papéis entre os atoresdurante um experimento teatral é difundida a partir da prática de ensaios deBrecht com seus atores do Berliner Ensemble. Brecht experimentou estatécnica como forma de instaurar o estudo coletivo dos gestus entre ospersonagens durante o período dos ensaios, apesar de isto não acontecer nosseus espetáculos. De qualquer forma, salientamos em nossa abordagem ainfluência desta atitude brechtiana de investigação de diferentes formas deconfiguração de uma cena pelo atores. No entanto, na peça “A Decisão”, naqual se narra distanciadamente o que no passado ocorreu com uma patrulhade soldados; a morte de um companheiro é mostrada diante dos juízes; o“tempo presente” é a narração do fato acontecido. Neste texto, Brecht reiteraconstantemente o recurso da desvinculação entre ator e personagem.Podemos ler o texto como uma das formas de exemplificar um tipoestranhado de efetuar a troca de papéis.

A noção de rodízio de papéis entre os atores foi difundida no Brasil porAugusto Boal, a partir da montagem de Arena Conta Zumbi, no qual váriosatores representavam o protagonista ao longo do espetáculo. Em seusescritos teóricos, Boal denominou esta técnica de “desvinculação do ator-personagem”:

“Cada ator foi obrigado a interpretar a totalidade da peça e não apenas umdos participantes dos conflitos expostos. Fazendo-se com que todos os atoresrepresentassem os mesmos personagens, conseguia-se o segundo objetivotécnico dessa primeira experiência: todos os atores agrupavam-se em umaúnica perspectiva de narradores. O espetáculo deixava de ser realizadosegundo o ponto de vista de cada personagem e passava, narrativamente, aser contado por toda uma equipe, segundo critérios coletivos”.17

Do nosso ponto de vista é necessário que o professor em formação tenhacondições de estimular a proposição da análise comparativa de diferentesversões para a mesma cena ou personagem. Quando se trata dosprotagonistas de peças dramáticas consideradas clássicas, valorizamos aproposição do revezamento, também pelo fato de socializar a vivência dessassituações-chave pelos alunos. Ao analisar, criar imagens e jogar teatralmenteum recorte do Pacto do diabo com Fausto, por exemplo, consideramosfundamental que os alunos possam vivenciar tanto a perspectiva deMefistófeles quanto a de Fausto, assim como a de um narrador que o grupotenha decidido introduzir na cena. Portanto, assim como Brecht, valorizamoso revezamento no decorrer do processo, mas não necessariamente temos derespeitar o modelo de espetáculo proposto por Boal. Para este enfoque, atroca de papéis na encenação é apenas uma das possibilidades existentes.

17 Boal, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Civilização Brasileira, Rio deJaneiro, 1977, p. 189.

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2.2. A ampliação das funções no jogo teatral: o aluno nospapéis de ator, diretor e dramaturgo.

Neste tópico o objetivo é apresentar nosso enfoque para ampliação dasfunções criativas do educando, seja ele o professor em formação ou inicianteem teatro. Sob este ponto de vista, enfatizamos a criação, a aprendizagem ea análise da escritura cênica através da vivência de diferentes papéis –dramaturgo, diretor e ator – em procedimentos de encenação, adaptação erecriação do texto teatral escolhido como foco central de experimentos deaprendizagem.

Sendo assim, destacaremos neste momento a definição e os principaisobjetivos e regras que sistematizamos visando a proposição destes papéis noâmbito do ensino do teatro. Esta proposição é fruto do estudo deprocedimentos de ensino de dramaturgia no Institut del Teatre de Barcelonano âmbito da formação do dramaturgo, assim como dos resultados obtidosnas análises dos processos de criação observados (Teatro da Vertigem eTeatro Oficina), dos experimentos que coordenamos na licenciatura emTeatro da UFRN e das oficinas realizadas durante esta pesquisa.

A avaliação de nossa experiência com os professores em formação nos levouao desenvolvimento de princípios metodológicos que ampliam as funções doaluno em uma aula de teatro. Sob esta visão, além de ator, dramaturgo ecrítico, funções estas que estão integradas na atuação e na avaliação do jogoteatral defendido por autores como Spolin, Pupo e Koudela, entendemos queo aluno pode ser estimulado a exercer, de forma colaborativa, funçõesartísticas que juntas, tecem a narrativa cênica.

Entre os extremos da criação coletiva, onde os alunos decidem em grupo oencaminhamento das suas cenas e jogos, e a encenação centralizada nafigura do diretor-professor, propomos o desenvolvimento de procedimentosque possam estimular os atores, não só como dramaturgos (para queimprovisem, selecionem, editem, e escrevam roteiros e textos), mas tambémcomo diretores (que concebem cenas individualmente - redigindo roteiroscênicos, moldando os corpos dos atores e demais elementos, no espaço, emimagens fixas ou mesmo, conduzindo ensaios de cenas).

Em geral, os professores de teatro procuram dinamizar procedimentos nosquais todos os alunos são estimulados a atuar, entrando no jogo, numamesma aula. Propomos uma mudança de enfoque: do aluno visto comosendo um ator-criador para o do aluno que é convidado, constantemente, apensar também como um encenador e dramaturgo, no sentido do poeta dacena (Artaud) do “artista do teatro do futuro” (Craig) entendido como umregente de narrativas teatrais. Na perspectiva de alguém que também pensao roteiro, discute a estrutura dramatúrgica, combina com os colegas a formade criação coletiva, ou mesmo como um contador de estórias, ou rapsodo,como prefere Sarrazac.

Neste enfoque a avaliação prioriza não a forma de atuação no jogo – se oaluno mostrou ou não o personagem com competência, por exemplo – mas aelaboração do discurso cênico, da narrativa, do conceito de encenação, sua

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adequação com a forma estética adotada, o superobjetivo da cena emrelação ao efeito no público que se pretende encontrar.

Defendemos como princípio metodológico que os jogos de encenação em salade aula sejam elaborados através do exercício da troca, do encontro deopiniões, de sensibilidades e de formas diferentes. Além das especificidadesde cada papel desempenhado no coletivo teatral, os participantes de umexperimento de encenação podem e devem discutir o encaminhamento dadramaturgia.

Valorizamos, portanto, a criação de silêncios e escutas necessários antes daconquista do consenso, a busca de harmonia na diversidade que o fazerteatral pode proporcionar. Enfatizamos a abordagem colaborativa, o exercíciode tentativas de um discurso coletivo não centralizado, que reúne esforços dediferentes olhares, de diferentes pontos de vista.

2.2.1. O trabalho dramatúrgico em sala de aula

No capítulo 1, salientamos que diversas modalidades de encenar permitem osmais variados níveis de contribuição do ator no trabalho dramatúrgicocontemporâneo. Estas diferentes modalidades de processos colaborativos deconstrução do texto cênico, termo caro a encenadores como Antônio Araújo,merecem uma consideração especial no aprendizado da encenação.Consideramos muito importante que o educando possa vivenciar processosde natureza colaborativa.

A palavra dramaturgia traz consigo uma gama ampla de possibilidades dedefinições. Em nossa abordagem defendemos que alguns destes diferentesenfoques que dizem respeito ao panorama cênico contemporâneo devemfazer parte dos conteúdos do ensino de teatro na escola, se pensarmos aconstrução de conhecimentos tendo em vista um espectador crítico.

Foi através do filósofo e professor de estética Lessing que se deu oaparecimento do conceito de dramaturgia e o nascimento da profissão dedramaturgo18 (dramaturgista, em espanhol, dramaturg em alemão). Eledefendeu a necessidade de uma forma concreta de representação de acordocom uma análise. Muitos outros autores dramáticos compartilharam dessapreocupação em sua época, mas tudo indica que foi Lessing o primeiro aabordá-la sistematicamente. Em 1769, após passar dois anos publicandofascículos, o pensador alemão publica na íntegra sua “Dramaturgia deHamburgo”, obra que foi amplamente difundida e editada não só na área daLingüística na Alemanha como também alcançou traduções em dezenas depaíses, tornando-se um clássico da teoria teatral. Lessing propôs a análiserigorosa de textos teatrais à luz das concepções aristotélicas. Para este autora representação é uma parte necessária da poesia dramática. A arte darepresentação merece nossa atenção ao mesmo tempo em que a arte dacomposição deve ter suas próprias regras.19

18 Este marco inicial é consenso em boa parte dos principais críticos que influenciam a teoriateatral no Brasil, tais como Anatol Rosenfeld, Bernard Dort, Peter Szondi, Patrice Pavis, AnneUbersfeld e J-J. Roubine.

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Ao longo do século XIX o preconceito contra o que não é literário no teatroainda se impunha fortemente e o âmbito da dramaturgia ficou circunscrito àanálise dos textos. Neste enfoque, que prioriza a natureza literária,dramaturgia significa a poética da arte dramática que procura estabelecer osprincípios da construção da obra, seja indutivamente a partir de exemplosconcretos, seja dedutivamente, a partir de um sistema de princípiosabstratos. Esta noção pressupõe um conjunto de regras especificamenteteatrais cujo conhecimento é indispensável para escrever uma peça eanalisá-la corretamente. O objeto da dramaturgia é, desse ângulo, aliteratura teatral. Esta dramaturgia clássica que examina exclusivamente otrabalho do autor e a estrutura narrativa da obra é, na maioria das vezes,descartada pela crítica teatral.

Percebemos muitas vezes em nossa prática que esta concepção clássica dadramaturgia, — como sendo um sinônimo do texto escrito ou o estudo dotexto literário — pode estar presente nos discursos de nossos alunos. Oenfoque literário pode ser uma estratégia interessante em determinada faseda abordagem do texto, porém, a nosso ver, esta abordagem pode serrelativizada, encarada apenas como um instrumento de análise provisório.

O segundo enfoque historicamente importante e que utilizamos também,como uma ferramenta de abordagem do texto em sala de aula é o enfoquebrechtiano, que contribuiu muito para a difusão de uma noção dedramaturgia como sendo a estrutura, ao mesmo tempo, ideológica e formalda peça. Brecht difundiu sobremaneira a noção de dramaturgia como práticatotalizante do texto encenado. Para ele, estudar a dramaturgia de umespetáculo é, portanto, descrever a sua fábula ‘em relevo’, isto é, na suarepresentação concreta, especificar o modo teatral de mostrar e narrar umacontecimento.

Um outro sentido do termo dramaturgia é aquele que a considera comosendo a atividade própria do dramaturgo, encarada como a instalação dosmateriais textuais e cênicos, destacando os significados complexos do textoao escolher uma interpretação particular, em orientar o espetáculo no sentidoescolhido:

“Dramaturgia designa então o conjunto das escolhas estéticas e ideológicasque a equipe de realização, desde o encenador até o ator, foi levada a fazer.Este trabalho abrange a elaboração e a representação da fábula, a escolha doespaço cênico, a montagem, a interpretarão do ator, a representaçãoilusionista ou distanciada do espectador. Em resumo, a dramaturgia sepergunta como são dispostos os materiais da fábula no espaço textual ecênico e de acordo com qual temporalidade. A dramaturgia, no seu sentidomais recente tende, portanto, a ultrapassar o âmbito de um estudo do textodramático para englobar texto e realização cênica.”20

19 Lessing,Gotthold Ephraim. Dramaturgia de Hamburgo. (tradução de Manuela Nunes).Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

20 Pavis, 1999, p.114.

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Compreender como as idéias sobre o homem e sobre o mundo são enfocadasem texto e cena. Examinar como a cena se articula com o mundo. Estudar asrelações entre ideologia e estética da cena. Estas são as diretrizes principaisda dramaturgia contemporânea, segundo autores como Sarrazac, Szondi ePavis:

“Ao escolher ler e montar o texto de acordo com um ou vários pontos de vistacoerentes, o dramaturgo esclarece a historicidade do texto, sua ancoragem ouseu desvinculamento da história dos homens, a defasagem entre a situaçãodramática e o nosso universo de referência. Ao interpretar a peça, —conforme este ou aquele gênero literário — produzem-se fábulas epersonagens muito divergentes, de sorte que o seletor genérico dá ao textouma configuração particular a cada vez. Todas essas escolhas permitemsituar, senão explicitar, as ambigüidades (estruturais e históricas), os nãoditos (dizíveis e indizíveis) e os pontos cegos (dificuldades de leitura queresistem a todas as hipóteses)”.21

Na perspectiva do ensino de teatro com iniciantes, consideramos importanteo enfoque da dramaturgia como teoria de representatividade do mundo.Deste ponto de vista, o objetivo final da escritura é representar o mundo.Através do trabalho dramatúrgico efetuamos o ajuste entre texto e cena,decidimos de que forma interpretar o texto, como lhe dar um impulso cênicoque o esclareça para uma determinada época e para um determinadopúblico. A relação com o público é o vínculo que determina e especifica todosos outros.

De outro ponto de vista, uma parte significativa da dramaturgiacontemporânea deseja ir além da representação do mundo. Neste enfoque,não se procura mais, então, elaborar uma ideologia coerente e uma formaadequada e, freqüentemente, uma mesma representação recorrente adiversas dramaturgias. Não se fundamenta mais o espetáculo apenas naidentificação e no estranhamento:

“Portanto,a noção de opções dramatúrgicas está mais adequada às tendênciasatuais do que àquela de uma dramaturgia considerada como um conjuntoglobal e estruturado de princípios estético-ideológicos homogêneos. 22”

Roubine por sua vez realça que o conselheiro em dramaturgia do encenadorproporá não tanto textos, mas “soluções textuais” aos problemas que seapresentam, dando forma àquilo que é esboçado no trabalho de improvisaçãoou de ensaios, ou ainda, transformando tal texto adotado como ponto departida, “não mais ao sabor de sua inspiração, mas atendendo anecessidades precisas do encenador e de seus intérpretes”.23

Em nossa abordagem os alunos – na licenciatura, na escola e nas oficinascom iniciantes - são convidados a realizar o trabalho dramatúrgico, nadireção apontada por Bernard Dort:

21 Pavis, idem, ibidem.

22 Pavis, op.cit., p.115, (grifo nosso).

23 Roubine, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral:1880-1980. Rio de Janeiro,ZaharEditores, 1882, p.72. (grifo nosso).

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“Que é este trabalho dramatúrgico senão uma reflexão crítica sobre a passagem dofato literário para o fato teatral?”24

Sendo assim, neste trabalho, referimo-nos ao autor de peças teatrais, com otermo escritor teatral. O termo dramaturgo será utilizado não para quem criapeças originais, mais para aquele que assume em um conjunto teatral atarefa de:

a. Propor peças ou os recortes de textos a serem montados.

b. Adaptar ou modificar o texto (montagem, colagem, supressões, repetições).

c. “Destacar articulações de sentido e inserir a interpretação num projeto global(social, político, etc.)”

d. “intervir, de tempos em tempos, durante os ensaios, como um observador críticocujo olhar é mais ‘fresco’ do que aquele do encenador, confrontado cotidianamentecom o trabalho cênico. O dramaturgo é então o primeiro crítico interno do espetáculoem elaboração.”

e. Assegurar a ligação com um público potencial.25

Na atualidade, o papel do dramaturgo é o de ajudar o diretor na pesquisa dospossíveis sentidos da obra, tanto na fase preparatória quanto na realizaçãoconcreta da interpretação do ator, na busca pela coerência de objetivos naencenação e no encaminhamento da recepção por parte do público.

Este enfoque do dramaturgo como um participante integrado ao processo deconstrução da cena, — não só como leitor, selecionador, adaptador e escritorde textos, como também de assessor crítico do diretor — fundamenta anossa formulação de jogo teatral do dramaturgo. Ao propor que o aprendizde teatro assuma o papel do dramaturgo, em sistema de rodízio,pretendemos valorizar esse trabalho como prática de teatro.

Com esta meta, os participantes de nossos experimentos opinam e discutemem grupo a passagem da escritura literária - narrativa, poética e dramática -para a escritura cênica: da materialidade das palavras no papel ao modo depor em cena em imagens e em carne os personagens, o lugar e a ação,entendendo a escritura cênica como a designação, por metáfora, da práticada encenação:

“A escritura cênica nada mais é do que a encenação quando assumida por umcriador que controla o conjunto de sistemas cênicos, inclusive o texto, eorganiza suas interações, de modo que a representação não é o subprodutodo texto, mas o fundamento do sentido teatral”.26

24 Dort, cit. in Pavis, op.cit., p.115.

25 Adaptação nossa de descrição de Pavis, op. cit. 1999.

26 Pavis, 1999, p. 132.

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Neste sentido, se na maioria das vezes a análise dramatúrgica ocorre tantoantes, quanto depois da encenação, pelo dramaturgo e pelo diretor, emnossa abordagem optamos por uma participação bem maior dos atoresenvolvidos. Além de pensar e discutir as cenas nas quais participam, osalunos são convidados a se manifestar sobre o todo da escritura cênica,influenciando e contribuindo para as instruções do aluno que joga o papel dodiretor.

Os alunos que jogam o papel do dramaturgo são estimulados ao exame darealidade representada nos jogos teatrais através de questões como: Qual omelhor uso do espaço? Que tipo de personagem ou papel? Qual a nossaatitude diante deste conteúdo? Como ler o enredo? Interessa-nos o enredo?Qual o vínculo do resultado de jogo com a contemporaneidade? Comoestranhar este texto? Que ação o tornaria mais convincente?

A proposição de questões como essas é fundamental no encaminhamento detoda a abordagem, tendo em vista o levantamento constante de diferentesopções de leitura e adaptação do texto. Desta forma, os alunos sãoinstigados a não aceitar a primeira solução que surge no jogo ou nasavaliações, o que estimula a evolução de uma atitude questionadora, tantoda cena quanto das visões de mundo.

Em nossas avaliações, tentamos sempre destacar as ambigüidades da obra,assim como, estimular os atores para que clarificassem aspectos da fábula,por vezes, tomando partido por uma concepção particular de abordagem dotexto e, em outras ocasiões, tendo que exercitar o diálogo em grupo visandoà síntese de uma proposta. Sempre que for pertinente, não abrimos mão dechecar o teor ideológico e o contexto originário dos fragmentos de texto,expondo na roda de debates nossas observações sobre os vínculos entre aindividualidade e a vida social que atravessam determinadas personagens.Como afirma Pavis, a análise dramatúrgica deve ultrapassar a leiturasemiológica dos sistemas cênicos, visto que sempre perguntamos,

“(...) de maneira pragmática, o que o espectador receberá da representação ecomo o teatro desemboca na realidade ideológica e estética do grupo. Elaconcilia e integra, numa perspectiva global, uma visão semiológica (estética)de signos da representação e uma pesquisa sociológica sobre a produção e arecepção destes mesmos signos (sociocrática).”27

Nesta perspectiva, os alunos que jogam o papel do dramaturgo sãoestimulados em nossa abordagem a escolherem os recortes de textos emfunção de sua atualidade ou de uma utilidade determinada. Eles combinamos trechos selecionados para uma mesma montagem, adaptam ou modificamo texto através de montagens, colagens, supressões e repetições defragmentos.

Entendemos que o professor de teatro deve ser capaz de estimular os alunosem sua capacidade de articular um discurso cênico através de um trabalho

27 Pavis, op. cit., p.116.

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dramatúrgico. Esta é uma condição para que o aluno possa aprimorar oaprendizado da atuação cênica e interferir, em diversos níveis, na escriturada cena. Trata-se de estimulá-los para a composição de uma partitura defocos de jogo teatral, concebida neste trabalho como sendo a sistematização,por escrito, de uma seqüência de focos que os atores levam em conta paramobilizar as ações que conduzem a cena de forma lúdica, elaboradacoletivamente: podem ser imagens projetadas pelo ator no espaço, umaseqüência de ações físicas e vocais ou a relação com pontos determinadosnos espaços, mudanças de luz, percepção e manipulação de objetos. Oaspecto complementar a esta redação de partituras que vão orientar o jogodos atores é o encaminhamento de uma tomada de posição sobre o mundoatravés da seleção e da atitude em relação ao texto escrito.

Neste enfoque é necessário incrementar a aprendizagem da linguagemteatral pelo iniciante, indo além de sua habilidade na representação depersonagens. Nesta perspectiva, o professor pode estimular o ator a assumirtambém a função de dramaturgo. Utilizamos este termo em seu sentidotécnico contemporâneo, proveniente da tradução do termo alemãodramaturg. Assim, enfocar o ator como dramaturgo tem em vista enfatizar asua capacidade de interferir nas decisões quanto à pesquisa, à adaptação e àredação de diferentes tipos de texto.

O participante que joga o papel do diretor coordena os ensaios e debates doseu subgrupo. Como a função do diretor será detalhada ao longo da tese,dependendo das fases de abordagem do texto, apresentaremos, a seguir, suaatividade em nossa proposta, dividida em duas modalidades distintas:

- Estimular, coordenar e editar – juntamente com o dramaturgo - a criaçãode imagens e o jogo teatral dos atores com o texto. Neste caso, o diretor dáas instruções de retomada de jogo, após escutar todos os pontos de vistasobre cada problema de configuração na narrativa cênica. São utilizadas duasmodalidades de regra: a) O grupo deve buscar um consenso, não umavotação onde a maioria decide; b) Quando não há consenso, ou no caso deexercícios individuais de concepção da encenação, o aluno que joga o papelde diretor decide o encaminhamento do jogo.

- Conceber individualmente desenhos, e coordenar a montagem de imagense de jogos teatrais. Podemos apresentar, por exemplo, um fragmento dotexto A peça didática de Baden Baden sobre acordo, para que o aluno diretortraga um roteiro dividido pelo número de acontecimentos e ações presentesno recorte. As concepções podem ser objeto de debate e, sempre quepossível, de jogo de criação de imagens através da moldagem dos corpos dosatores no espaço, da proposição de objetos, iluminação, concepção deespaço, dentre outros, para posterior avaliação coletiva.

A imagem é uma forma de tornar ágil e eficiente a comunicação do diretorcom os atores; evitando racionalismos e longas explicações abstratas.Através das imagens, a proposição do diretor pode contribuir para amanutenção de uma atmosfera de jogo para a procura de diferentes versõespara a cena.

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2.2.2. A encenação textocentrista: em busca das indicações cênicasdo autor

Uma modalidade de leitura possível e importante em nossa proposta, é a dotexto como matéria-prima para a prática da ação teatral. O procedimento quedenominamos neste trabalho de encenação textocentrista28 foi sistematizadoa partir da observação da prática de ensino de direção de Antonio Araújo, nocurso de bacharelado em Direção Teatral da Escola de Comunicações e Artesda Universidade de São Paulo. Essencialmente, Araújo pede que, antes deexperimentar sua visão de texto, o diretor em formação tente encená-lo,seguindo o máximo possível o que considera as intenções do autor. Esteexercício que Araújo denomina de “textocêntrico” integra uma série de outrosprocedimentos que este diretor e professor propõe aos seus alunos nasupracitada disciplina:

- a encenação centrada no diretor (que não deve respeitar as indicaçõescênicas contidas no texto);

- a encenação centrada no ator (abordagem colaborativa que parte daproposição dos atores, observada por um aluno na função de dramaturgo –proveniente da disciplina de curso de cinema da mesma escola – quetrabalha em parceria com o diretor em formação).

Vale salientar que sempre tivemos fortes ressalvas diante da idéia desteexercício de “respeito” ao que supomos ser as intenções do autor, sejadurante nosso trabalho de formação, seja em oficinas com iniciantes. Semprequestionamos as pretensões de transmissão de modelos inerentes ao ensinode teatro tradicional. Antes da guinada metodológica implementada peladifusão entre os professores que trabalham com teatro na escola, da noçãode jogo e de dramaturgia elaborada pelo próprio aluno, com ou sem auxíliode recortes de textos (Spolin, Koudela, Pupo), sabemos que quando oprofessor de tendência pedagógica tradicional levava um texto para seranalisado ou memorizado pelos alunos, na função única de atores dirigidospelo professor durante a preparação para o espetáculo de final de ano,estava implícito um modelo prévio a ser seguido, – uma forma de encenar, ado professor, entendida como unívoca, – que por vezes pretendia uma visãode “fidelidade” a uma suposta estrutura clássica, que deveria ser respeitada etida como única forma de pensar aquele material.

Na medida em que este trabalho se insere na linha de pesquisa centrada nanoção de jogo, pensávamos no início da investigação que a tentativa deobedecer às indicações cênicas e à estrutura dramatúrgica dos textos,mesmo que limitada a uma fase de preparação para futuras adaptações erecriações pelos alunos, pudesse limitar ou atrapalhar futuras descobertasdos alunos. No entanto, a experimentação com iniciantes do exercíciotextocentrista que realizamos a partir de uma cena de textos como Hamlet eGodot nos revelou que esta prática é extremamente interessante para

28 Termo usado por Pavis para designar e criticar uma visão das relações entre texto e cena,contrapondo-se à visão “cenocentrista”. (Pavis, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo,Perspectiva, 2003, pp.189-193.)

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estimular a aprendizagem da dramaturgia. Segundo a avaliação dosparticipantes, ao tentarem descobrir a forma como o escritor pensou aconcretização de seu texto em cena, eles puderam entender a peça commuito mais propriedade, sentiram-se mais instrumentalizados para asoperações rapsódicas que fizeram em seguida, montando sua própriasversões dramatúrgicas.

Não pretendemos propor um jogo de encenação que seja “escravo” do texto,pois concordamos com autores como Ubersfeld que esta noção de respeito àsindicações cênicas presentes no texto precisa ser utilizada com extremaprecaução:

“Ser fiel à letra do texto significa uma infidelidade no sentido que o realizadordeverá interpretá-la para o público a que se dirige. Uma representação queseja a fiel reprodução de outra, digamos que faz trinta anos, por não nostrazer de volta o tempo, não emite talvez mais que uma mensagem: eu souuma representação de trinta anos atrás, perdendo-se os sentidos que o textopossa ter hoje para nós. Brecht representado como no Berliner Ensemble,antes de sua morte, (...) não teria mais significação que a arqueológica”.29

É desta perspectiva que se vê a encenação como um ato que não é nemtradução nem ilustração do texto, mas uma realização – no mesmo sentidoem que podemos falar da execução de uma obra musical – em que podemospropor aos alunos, para este exercício específico de criação de imagens e dejogo, após os jogos iniciais de apropriação e antes dos exercícios deadaptação, a busca pela maior fidelidade possível às indicações do autor.

Não pretendemos, portanto, propor o jogo da fidelidade ao texto numaperspectiva de reconstrução arqueológica, mantendo a ilusão de que elecontenha todos os signos da representação, quer dizer, os indicadores deespacialidade, de temporalidade ou de movimento dos personagens que otexto encerra. Esses indicadores são úteis, orientam uma parte darepresentação que busca a referida fidelidade, mas somente em parte.Sabemos que sempre existem elementos decisivos para a encenação – açõesvocais e físicas dos atores, espaço, cenografia – que, por mais descritivasque sejam as rubricas, não são contempladas na escritura textual. Apergunta formulada por Ubersfeld: “Que fazer em relação às indicaçõesausentes, porém necessárias? – foi sempre uma constante por parte dosalunos que se defrontaram com este procedimento de concepção cênica oujogo que se propõe fiel ao texto”. Em nosso caso, uma regra básica é quetudo aquilo que o texto não direcione seja decidido através da edição pelodiretor, após ouvir a sugestão de todos e, em separado, confabular com odramaturgo.

Seja no âmbito da formação de diretores supracitada, ou quando propusemoseste jogo com cenas de Godot, com professores em formação na UFRN e deHamlet com iniciantes durante o experimento em Interlagos - observamosque o desafio de ser fiel ao texto resultou, em todos os casos, em uma formade o aluno poder aprender a decifrar as indicações cênicas do texto,prestando muito mais atenção às didascálias, apropriando-se muito mais da

29 Ubersfeld, Anne. L’ école du spectateur. Lire lê théâtre 2. Les Éditions sociales, Paris, 1981,p.12. (tradução do autor).

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importância desses signos presentes no texto, que indicam aespetacularidade pretendida pelo escritor, embora incompletos einsuficientes. Principalmente nas peças dramáticas modernas econtemporâneas, como bem demonstrou Ramos30, as indicações de ações egestos, mudanças de luz e de espaço não são meros indícios de umarepresentação datada, muitas vezes ignorada de antemão pelos jovensávidos por encenar novas possibilidades de encenação do texto. Essasindicações – de ação gestual, ritmo, jogo de diferentes planos espaciais,presença da música, etc., fazem parte da poética do dramaturgo estudado,auxiliam os alunos a perceber as diferenças entre o seu enfoque e a propostainicial do autor. Sendo assim, percebemos que a leitura de diferentesmaneiras de escritura das rubricas, assim como a forma dialógica, o uso denarrador e coro, etc, ampliam as referências cênicas dos alunos,instrumentalizando a redação do próprio aluno de futuras recriações. Aanálise das diferenças entre as versões textocentristas estimula o debatesobre a impossibilidade de afirmação de um modelo e das relações entretexto e cena.

Com essas ressalvas, consideramos que do ponto de vista pedagógico esteenfoque do texto pode ser usado produtivamente. Trata-se de olhar para otexto como sendo uma partitura de ações, não só executadas pelos atores,como também pela música, pela luz, etc.

A discussão das especificidades do texto teatral é um eixo norteador deavaliação com os alunos, acostumados ao exercício da análise literária deromances e contos, na disciplina da língua portuguesa. Destacar asdiferenças entre o mundo da literatura e o do teatro, neste trabalho é umfoco de análise imprescindível. Podemos estimular os alunos a perceberem osom, a música, o movimento, os aspectos dinâmicos, que devem serdescobertos na profundidade do texto, e que ainda não podem ser detectadospor métodos de leitura e de análise estritamente literários. Trata-se de umaanálise em busca da dimensão cênica presente nas escrituras textuais.

Enfocamos este procedimento, porém, na perspectiva do jogo teatral. Araújo,na formação de diretores profissionais, não induz a metodologia que o alunodiretor deve utilizar para configurar sua cena. Nossa proposta, na medida emque pensamos a formação do professor, que pode vir a trabalhar com atores,mas deve ser capaz de lidar com jovens iniciantes na escola, não pode abrirmão da atitude lúdica na encenação. Deixar em aberto a forma como osalunos diretores trabalham com seus atores em cada subgrupo não seria umaatitude responsável, pois poderia abrir caminho para todo tipo de relaçãoautoritária entre o diretor e seus “comandados”. Portanto, em nossosexperimentos percebemos que uma auto-regulação do grupo acontecesempre que as regras que limitam os poderes daquele que joga o papel dodiretor estiveram claras e foram retomadas pelo professor ao longo dosencontros. Para evitar a relação autoritária entre os alunos é fundamental aretomada das regras e limites durante o jogo (side-coaching), com asinstruções sendo dadas sem que o movimento de improvisação se

30 Ramos, Luiz Fernando Ramos. O parto de Godot: e outras encenações imaginárias: a rubricacomo poética da cena. São Paulo, Hucitec, 1999.

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interrompa, como recomenda Spolin. Consideramos importantes as regrasbásicas abaixo mencionadas.

Sobre a definição do papel de cada ator: O aluno diretor combina com oaluno que joga o papel do dramaturgo a distribuição dos papéis. Durante osexperimentos percebemos que, quando a definição dos papéis fica por contade um debate amplo no subgrupo, este tende a se demorar e, muitas vezes,surgem polêmicas. O fato de os atores não opinarem, de acordo com a nossaanálise, aumenta a chance da definição dos papéis não causar celeuma, tornao grupo de atores mais coeso. Se algum ator não aceitar o papel atribuído e ogrupo não resolver a questão internamente, o professor intervém, comomediador. Neste momento é interessante perceber se a seleção não estásendo utilizada como forma de agressão por parte do dirigente (um papelfeminino para um ator, ou o contrário, para uma adolescente).

Sobre a condução dos atores pelo diretor: Decidido o elenco e as funções decada um, é o diretor quem indica o momento da entrada e da saída de cenados atores. Ele deve ser democrático, no sentido de não impor ordens edirigir suas instruções aos atores sem perder a atmosfera lúdica. Amanutenção desta relação deve ser acordada entre as partes e reavaliadaconstantemente. Na definição de novos focos para a criação de imagens ejogos teatrais, o aluno-diretor deve sempre sugerir e nunca impor. Nasavaliações internas, o diretor não deve emitir julgamentos de valor sobre osatores, nem usar adjetivos para definir a maneira como os colegas estãodesempenhando suas funções, mas ater-se aos focos de jogo pré-definidos.

Sobre o encaminhamento dos jogos de encenação: as decisões sobre asmudanças nas ações vocais e gestuais, na visualidade e no uso do espaço, nailuminação e no ritmo devem ser discutidas entre o diretor e o dramaturgo,após ouvir a opinião dos atores. Essas opiniões não são julgadas nem sebusca votar na mais “acertada”. Após a explanação sucinta dos atores,dramaturgo e diretor discutem suas impressões e devem buscar o consenso.Ao diretor, porém, cabe a última palavra, evitando assim polêmicasdesnecessárias.

Nesta perspectiva, o roteiro das ações resultante da decupagem do textointegral é tomado como uma partitura de focos de jogo teatral. O diretoridentifica a ação no roteiro e pergunta aos atores quais são os desejos decada personagem. Os atores se pronunciam individualmente. Esses desejossão checados pelo diretor e pelo dramaturgo, buscando o consenso nos seusobjetivos, que serão os próximos focos. Os atores jogam, primeiro sem textona mão, apenas com as intenções – os desejos dos seus personagens. Aimprovisação tem duração limitada. Os atores relêem o texto buscando asações e entonações que o autor dá a entender ou recomenda explicitamente.Novo debate sobre os objetivos de cada um no jogo é criado.

Nova retomada de jogo é realizada. Os atores improvisam com suaspalavras, incorporando frases do texto original. Um novo jogo é feito com otexto na mão, tentando manter as ações físicas que haviam encontrado semo texto. Este processo de leitura e improvisação é repetido, seguido sempreda leitura do texto, até que gradualmente ele é incorporado pelos atores. O

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objetivo é que na última rodada de jogo somente o texto do dramaturgo sejapronunciado em cena.

Os grupos assistem as cenas dos outros participantes. Nas avaliaçõesrecomenda-se que os grupos não sejam cobrados por se manterem “fiéis” aotexto. O professor esclarece então, que este exercício foi uma provocaçãopara que eles discutissem as relações entre o texto e a cena. O importante ésaber que os diferentes resultados desta tentativa de cumprir as rubricas doautor são uma conseqüência da impossibilidade de se reproduzir à risca oconteúdo do texto. Ao comparar as diversas versões, os alunos percebemmais claramente as diferenças entre a representação e a peça. Nestemomento, cabe ao professor estabelecer o debate sobre o fato de queinexiste uma interpretação “fiel à idéia do autor”, e que toda encenação énecessariamente uma adaptação. É importante valorizar cada forma desuperação das lacunas encontradas pelos alunos no texto.

Valorizamos a apropriação dos elementos de composição dramatúrgica. Oque interessa, essencialmente, é a seguinte regra básica: a cena em imagensou o jogo teatral a ser elaborado pelos subgrupos deve manter o texto naseqüência proposta pelo autor, sem cortes, manter as indicações cênicas dasdidascálias, procurando configurar imagens que estejam coerentes com ogênero do texto, dentre outros.

Do ponto de vista da contextualização do procedimento na história daencenação, este procedimento é realizado antes que o grupo possa lerrecortes teóricos que exemplifiquem esta abordagem stanislaviskiana daencenação, centrada no movimento pendular entre a improvisação das ações,e as diversas voltas à leitura do texto. Em nosso experimento, por exemplo,usamos um trecho da carta do diretor russo aos seus atores, escrita em1938, pouco tempo antes de morrer, explicando a seqüência deprocedimentos que ele indicava para a montagem de Otelo.31

Outro ponto de partida para este experimento textocentrista é o roteiroorganizado e desenhado pelo aluno-diretor para uma cena do texto. Osdiretores trazem sua proposta imaginada fora do espaço da aula e podemapresentar sua concepção e, quando oportuno, desenvolver estas imagenscom os atores.

Nas oficinas realizadas, detectamos que ao ler e encenar o texto, os alunospodem ser estimulados a estabelecer relações entre o texto estudado e osconteúdos de história e técnica do teatro. Descobrir através das rubricas e deoutros indicadores, a encenação imaginária do escritor (Ramos,1999), podese transformar num jogo de investigação que envolve os alunos como acomposição dos pedaços de um quebra-cabeça, e isso depende da formacomo a tarefa é colocada ao grupo pelo professor. Reiteramos que umaatitude lúdica é fundamental durante este tipo de exercício. Nas avaliaçõesdestas encenações textocentristas, é importante que os critérios sejamestabelecidos de antemão. Valorizamos questões como: o grupo conseguiuser fiel às indicações explicitadas no texto? Alguma ação ou elemento destoa

31 Stanislavski, Constantin. A Criação de um Papel. (4ª edição) Civilização Brasileira, Rio deJaneiro, 1990 pp.263-286.

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da proposição do escritor? Quais as lacunas dessas indicações? De que formaela foram resolvidas pelo grupo?

O exercício textocêntrico é um dos indutores para que o aluno se aproprie decaracterísiticas importantes da obra do autor, mas só tem sentido nestaproposta quando for circunscrito ao jogo com um ou dois fragmentos, deforma a poder ser comparado com a adaptação e a recriação feita emseguida pelo mesmo grupo.

Por um lado, o texto é visto como um objeto poético e histórico, um bem danossa tradição cultural que traz narrativas e mitos significativos para o serhumano, e isto se comprova na medida em que esses textos estão sendoconstantemente reencenados ao longo dos últimos anos. Por outro, comomodelo dramatúrgico a ser apropriado criticamente pelo grupo, que pode vir,se quiser, a incorporar seus procedimentos em sua redação e seu jogo.

2.2.3. A retomada do jogo teatral como eixo da encenação

Na maioria das práticas do jogo teatral com texto, os fragmentos são o pontode partida, e a retomada de jogo ocorre isenta da proposição de novosmateriais textuais por parte do coordenador. Assim procedem autores comoJean-Pierre Ryngaert, Reiner Steinweg, Ingrid Koudela, Maria Lúcia Pupo,Jean Baune e Bernard Grosjean.

A partir do nosso envolvimento com as abordagens citadas, mas sobretudo,querendo propor novos enfoques, em nossa pesquisa anterior32 sugerimosaos alunos que iniciassem pelo jogo teatral sem texto, e somente a partir deseus resultados selecionassem fragmentos que pudessem servir deelementos a serem propostos pelo encenador ao longo das sucessivasretomadas do jogo. Desta forma, o novo texto funciona como elemento deruptura com aquela encontrada pelo grupo, instigando-o a novas elaboraçõesda cena. O confronto gradual do grupo de atores com diferentes recortes detextos de autores diversos, ao longo das retomadas de jogo, demonstrou serum caminho viável para a elaboração de diferentes dramaturgias. Napesquisa anterior, todos os alunos participavam como atores e a decisão paraa retomada dos jogos teatrais era tomada através do consenso, comoacontece nos processos de criação coletiva. Este percurso resultou numanova dramaturgia que surgiu através da colagem de fragmentos diversos,provenientes de vários tipos de texto (literário, teatral, jornalístico,filosófico).

Desta vez, nossa intenção é outra. Pretendemos estimular o grupo para odiálogo criativo tendo um único texto como base de cada experimento, postopelo professor como um desafio pedagógico. O exercício textocentrista quetratamos no tópico anterior é apenas uma preparação para a nossa metafinal, que é a encenação de uma adaptação do texto feita pelo grupo.

Na presente investigação, enfocamos os alunos que assumem diferentespapéis em cada subgrupo como co-autores dos jogos de encenações. A

32 Martins, op.cit., 2004.

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escolha deste texto-base se dá após a fase de análise e jogo de diversosfragmentos, conforme veremos no próximo capitulo. A operação de recriaçãodramatúrgica será resultado de diferentes experimentos. Na busca dacondição de criador, os alunos ampliam seu repertório expressivo para podercriar não só a forma de representar personagens, como também participar daanálise dramatúrgica nos papéis de ator, dramaturgo e diretor, através daredação, da pesquisa, do recorte e da montagem de fragmentos de textos.

Nesta abordagem dos textos, todos opinam sobre a organização do discursocênico a ser lido pelo público. É o dramaturgo que sistematiza as conquistasde cada encontro em protocolos, diários ou fichas dramatúrgicas, anotaçõesessas que serão retomadas na fase em que cada grupo decidirá a montagemde seu respectivo quadro cênico.

Através do jogo os participantes compõem as ações numa síntese realizadadurante as improvisações e repensada nas avaliações que levam àsretomadas de jogo. O aluno que assume o papel de dramaturgo é convidadoa pensar a estrutura, o tamanho, a quantidade, a concisão, a qualidade, afuncionalidade, o tempo, a clareza, a intertextualidade, o teor ideológico e asimagens poéticas dos textos.

Nesta proposta, a análise dramatúrgica deve ser realizada também emmomentos distintos das aulas ou encontros, através da discussão sobretemas, da pesquisa e proposição de textos literários, da adaptação de textosnarrativos para a forma dialógica e da redação de roteiros. Além deimprovisar suas falas ou opinar sobre textos elaborados por um escritor, osatores discutem e propõem materiais textuais em um trabalho de mesa queos envolve como co-autores da escritura cênica.

Em cada subgrupo, o aluno que joga o papel do dramaturgo é o responsávelpor coordenar a pesquisa e a administração do banco coletivo de textospoéticos, que abordaremos no Cap. 3. Ele recebe de todos os participantes aspropostas de roteiros e alterações (fragmentos para inclusões no roteirocênico), atualizando as mudanças na dramaturgia. Quando não for possível oconsenso, dá a última palavra na edição final do texto. Pode ainda anotar aspalavras proferidas em improvisos, as concepções e colagens propostas.

Resumiremos a seguir os principais procedimentos de trabalho dramatúrgicoque estamos propondo em nossa abordagem metodológica. Estasistematização provém de nossos experimentos com iniciantes e da análisedos procedimentos de ensino de dramaturgia que observamos no Institut delTeatre de Barcelona.

2.3. Godot em jogo: um experimento de recriação do texto

Esta proposta foi pensada pela coordenação e pelos alunos da Licenciaturaem Educação Artística - Artes Cênicas, a partir de experimentos deencenação com fragmentos do texto de “Esperando Godot”, de SamuelBeckett, realizada no âmbito do Laboratório de Encenação Teatral da UFRN. Oprimeiro experimento se deu em 1997, quando o texto foi apresentado peloprofessor para gerar uma discussão estética e existencial, pois serviu de

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contraponto à falta de esperança em relação ao futuro profissional,demonstrada pela turma concluinte naquele ano.

O segundo experimento aconteceu em 2001, durante a disciplina “Encenação3”, na qual os professores em formação planejam e conduzem oficinas quedevem resultar em uma encenação, sintetizando o diálogo criativo entre ocoordenador, o grupo e pelo menos um escritor literário, partindo da seguintequestão: “O que lhes interessa investigar sobre o ser humano?”

A aluna Naize Araújo, reunindo uma dupla de senhoras com mais de sessentae cinco anos, que havia passado a juventude em um sítio em Mulungu (RN),levantou os seguintes temas, através de jogos teatrais (Spolin, 1999): aespera, a natureza da morte, o medo do vazio, a esperança dos excluídos, apassagem do tempo. Nos jogos, esses conteúdos surgiram através deimagens e brincadeiras repletas de humor negro, quando as duas senhorasreviviam danças, jogos, desafios através de provérbios e piadas, poemas ecanções, revelando um repertório de literatura oral que sobrevive namemória da juventude, do tempo em que as duas irmãs brincavam à sombrade uma quixabeira, na margem de uma estrada do interior, numa região desalinas, de paisagens desérticas.

Com a intenção de gerar um contraponto poético e filosófico aos jogoscriados e tendo em vista a temática escolhida, apresentamos o texto deBeckett. A aluna-diretora aceitou o desafio e passou a estimular o jogo comfragmentos do texto dramático, redimensionando o sentido dasimprovisações. As personagens se transformaram em duas artistas datradição popular que se encontravam na miséria, mendigas de rua, sonhandocom a redenção, com a descoberta de seus talentos por um salvador. Atravésdo jogo teatral, as palavras de Beckett se mesclaram gradualmente aoimproviso e aos textos poéticos relembrados. O espetáculo “Godot,experimento N.1” foi apresentado na mostra de alunos da UFRN, naprogramação cultural do II Congresso da ABRACE (Salvador, 2001) e noFestival Universidade em Cena, (USP, 2002).

Em seguida, a abordagem de jogo com Godot foi experimentada em doiscursos de extensão que ministramos entre abril e agosto de 2002, no mesmoLaboratório de Encenação Teatral acima referido.

Nossa proposta consistiu em realizar um experimento de encenação a partirde um tema central: as situações de espera crônica no mundocontemporâneo, partindo do confronto entre o jogo dos atores e a poética dotexto Esperando Godot de Samuel Beckett. No primeiro encontro colocamosalgumas justificativas para a escolha do texto:

1.- Permite diferentes possibilidades de composição de ações físicas esituações dramáticas;

2.- Vladimir e Estragon formam uma dupla de personagens cujos diálogospodem ser aplicados aos mais diferentes contextos.

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3. Aborda dois temas que consideramos interessantes para serem debatidosem classe com o grupo: a passividade diante da espera (os protagonistas) ea exploração de um homem pelo outro (Pozzo e Lucky).

Perguntamos ao grupo se eles aceitavam a empreitada de recriaçãodramatúrgica da dupla original proposta por Beckett, a partir de umainvestigação direcionada para a observação daqueles diferentes tipos deseres humanos envolvidos em situações de longa espera, de passividade, defalta de domínio e iniciativa sobre sua própria vida. Isto implicaria naelaboração de cenas criadas a partir da observação da realidade. Nossa metafinal seria um duplo exercício: por um lado, os atores teriam contato com amontagem respeitosa às indicações cênicas contidas nas rubricas de Beckett.E, por outro, eles acompanhariam diferentes modalidades de abordagem dotexto dramático.

A partir desse levantamento discutimos a pertinência das duplas, tendo emvista a articulação de um discurso cênico coerente com as discussõesprovenientes da temática levantada pelos jogos. Pensamos coletivamente umroteiro que contivesse seis diferentes duplas, além daquela proposta porBeckett. Uma vez definidas as duplas e o roteiro, cada ator dedicou-se ainvestigar o seu personagem, tanto na oficina, quanto na observaçãoexterna. Esta definição seguiu não só as necessidades dramatúrgicasinerentes ao roteiro, como também procurou contemplar diferentespossibilidades de estilo de interpretação teatral dos alunos.

Nos encontros, a apresentação de quadros cênicos revelava a influência dasobservações externas sobre a criação, tais como: citação de gestos, utilizaçãode objetos, músicas, e até mesmo fragmentos de textos narrativos, canções,frases colhidas em diferentes espaços.

Um procedimento que comprovou ser muito eficiente do ponto de vistapedagógico foi a avaliação coletiva dos jogos e imagens. Podemos realizardebates em torno dos problemas de configuração cênica que aqueles queexercem o papel dos diretores estão tendo na montagem de sua cena. Osdemais jogadores também comentam, complementando ou discordando daopinião dos diretores. Também se analisa o texto teatral.

Os alunos que jogam os papéis de diretores e dramaturgos propõem osrecortes do texto para suas duplas e mostram as contribuições dos atores. Naaula seguinte o material trazido pelos diretores e atores é testado em jogoscom texto em mãos. Após as duplas experimentarem algumas possibilidades,os diretores definem, em conjunto com os dramaturgos, a redação de umasíntese de partitura de focos que irá nortear a retomada das imagens e jogosteatrais. Esta partitura é jogada, às vezes, sem o olhar externo ao grupo,outras com os demais grupos formando uma platéia.

Em nova reunião de planejamento de encenação as sínteses apresentadassão discutidas. Algumas perguntas servem de norte à avaliação: “Do quesentimos falta na cena?”; “Há contradição nas interpretações?”; “O quequeremos dizer, provocar ou mostrar que se concretiza em cena?”; Dequantas formas poderíamos resolver esta cena?”

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Os alunos podem experimentar o jogo centrado na diversidade de açõesfísicas com os fragmentos de textos, levantando diferentes possibilidadespara as cenas que podem ser incorporadas na síntese dramatúrgica, emforma de jogo, de criação de imagens ou a redação de texto que transcreve oresultado dos jogos.

A distribuição das duplas deve ser coerente com a temática e o tipo delinguagem cênica que cada grupo define para aprofundar. Interessa-nos aevolução de um posicionamento político-estético dos alunos, a discussão deuma atitude diante do mundo que possa responder ao seu desejo deinvestigação do ser humano:

“Como tínhamos um grande interesse em discutir religião optei como diretorapela dupla de religiosas fundamentalistas. A pergunta que moveu estapesquisa foi a seguinte: Até que ponto as religiões não são as maiorescausadoras das guerras que existem no mundo, dos grandes conflitos; aexemplo de Israel e Palestina? Ao contrário do que seria óbvio, não é a paz,nem a união o ponto de interseção entre as diferentes correntes religiosas.(...) Tantos conflitos em cima da palavra de Deus. (...) O mercado da religiãocresce de forma assustadora, a cada dia. Hoje, emissoras e mais emissoras derádio e tv têm sua programação dedicada exclusivamente à religião. Umaincrível competição por espaço, por fiéis e, principalmente, por dinheiro.Assistindo um desses canais outrora, quando já estava pesquisando materialpara a cena das fundamentalistas religiosas, pude presenciar o momento emque uma pastora dizia: “10% é muito pouco para Jesus, dê 50% do seusalário para agradar Jesus, para ter seu espaço ao lado dele”. Pareceinacreditável, mas é a realidade dos dias atuais.” 33

Resolvido o universo temático, os diretores, dramaturgos e atores pesquisampor conta própria elementos que possam subsidiar, com novos estímulos, ojogo dos atores:

“Começamos então uma pesquisa na Internet em sites de igrejasprotestantes, buscamos salmos, cantos, depoimentos, fotos e uma série demateriais que pudessem enriquecer o trabalho. As atrizes também tiveram umpapel fundamental na construção da cena, isto porque o curso que estávamosfazendo tinha a proposta de colocar o ator também como dramaturgo do textocênico, fazer o ator pesquisar, ler, compreender o todo, o super-objetivo, econtribuir na sua construção.” 34

Após a definição da temática e o levantamento de outros textos queinteressam a cada um dos subgrupos, propomos a questão: de quantasformas podemos configurar nossa cena? Sugerimos a experimentação de umleque de opções de estilos de atuação e de contextos dramatúrgicos para arecriação da dupla becketiana.

Sendo assim, cada dupla é estimulada a desenvolver uma forma diferente deabordagem do texto, desde aquela que tinha como regra a recriação dospersonagens sem alterar o conteúdo nem a seqüência dos diálogos propostos

33 Protocolo de aluna Renata Carozza.

34 Protocolo, idem, ibidem.

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pelo dramaturgo irlandês, até aquela que poderia realizar o mais ousadoprocedimento de recorte e colagem, acrescentando novos recortes aosfragmentos de Beckett:

“Nas primeiras semanas, a meta era estruturar a dramaturgia. Levávamosentão, nossa proposta de texto que era discutida pelo grupo, cada diretorexpunha seus argumentos, pelos quais havia escolhido aquele recorte e nós oavaliávamos. Na primeira reunião, o professor sugeriu que eu utilizasseapenas o essencial do texto de Beckett, pela quantidade de material que haviapara trabalhar (salmos, cantos,...) na tentativa de construir uma dramaturgiaem que se entrelaçassem o texto clássico e o texto proveniente de pesquisas.Foi, sem dúvida, um desafio que aceitei no mesmo momento.”35

Ao longo de quatro semanas, cada dupla em conjunto com seu diretor,provocada constantemente por novas instruções do coordenador, foi tecendoaos poucos o seu texto cênico. Este vai e vem dramatúrgico, algumas vezesfoi incômodo, como aponta uma das diretoras:

“As atrizes foram até as igrejas, participaram dos cultos e trouxeram para osensaios muito material para trabalharmos. (...) Até conseguir fechar adramaturgia houve várias discussões e alguma resistência por parte dasatrizes”. 36

Em nossos experimentos, nem sempre a ida aos locais foi possível,confortável ou produtiva, mas, no final, todos os participantes avaliarampositivamente o método utilizado.

Para ilustrar parte desse resultado de entrelaçamento de textos colhidos naliteratura oral e em outras fontes não dramáticas com a poética de Beckett,utilizaremos novo recorte do relatório da direção da cena das “beatasfundamentalistas”. Neste caso, foram escolhidos, sob nossa orientação, doistrechos aleatórios de “Godot”, para iniciar e finalizar o roteiro desta cena.

Os recortes escolhidos como ponto de partida de jogo foram os seguintes:

Momento inicial.

“V – Vamos fazer o quatro para ver como vai nosso equilíbrio

E – O quatro?

V – (Vladimir faz o quatro, titubeando) Agora é sua vez.

E – (Estragon faz o quatro, com os olhos fechados) Será que Deus está mevendo?

V – Você tem que fechar os olhos?

E – Deus tenha piedade de mim.

V – E de mim.

35 Idem, ibidem.

36 Idem, ibidem.

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E – Deus tenha piedade de mim.

V - De mim.”

Momento final.

“E – É Godot (silêncio).

V – Não era ele.

E – E o que a gente faz agora?

V – A gente espera.”37

Com estes dois fragmentos em mãos, as participantes iniciaram seu trabalhopara levantar possibilidades de ações dramáticas que iriam configurar osjogos de passatempo dos personagens à espera de Godot. Após colheremtextos nas visitas aos cultos e reuniões religiosas, novas falas foramincorporadas ao “jogo da disputa” entre as duas personagens radicais que,após diversas retomadas de jogo teatral, foram assim editadas:

“(Gogo se joga ao chão de forma trágica)

G – Senhor, tenha piedade de mim! (mostrando os pés e fingindo muita dor)

D – E de mim, Senhor? E de mim? (abrindo a blusa e mostrando o marca-passo no peito)

G – Opera Senhor, opera! (Fingindo contato celestial em transe milagroso)Glóooooria Senhor, glóooria! O Senhor seja louvado!

(Didi corre na direção da Bíblia)

D - Santa Rita de Cássia, São Pedro, Santa Terezinha! (abre a Bíblia e desafiaGogo para um duelo de Salmos) Salmo 2 Versículo 3, porque tumultuam asnações, tramam os povos em vãs conspirações...

(Enquanto Gogo tenta abrir o fecho da Bíblia, Didi continua atacando).

D – Salmo 80, Versículo 2, Exultai em Deus nosso protetor, aclamai o Deus deJacob.

G – Salmo 3, Versículo 7, página 606 Levanta-te senhor, salva-me Deus meu,pois feristes no queixo todos os meus inimigos, quebre os dentes de todos ospecadores!

(Cada vez mais exaltada)

D – Salmo 90, versículo 2 ao 16: Tu que habitas sob a proteção do altíssimo...

G – Até quando ó Deus, blasfemará o inimigo?

37 Beckett, Samuel.Esperando Godot. São Paulo, Editora Abril, 1976.

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(Didi pula e começa a cantar, de forma insana, uma música de louvor. Gogorebate com o exorcismo cantado.)

G – O sangue de Jesus é poderoso! A doença sai, o demônio sai, porque é osangue de Jesus que pode mais!

(A disputa é cantada e dançada num crescendo. As duas são interrompidaspela visão de alguém que se aproxima).” 38

Para encerrar a cena, após a decepção causada pela falta de Godot, elascaem lentamente em pranto silencioso até formarem o quadro da esperainicial, complementado pelo texto de Beckett.

Podemos ressaltar alguns problemas, como a resistência dos atoresenvolvidos com a elaboração da dramaturgia devido à regra básica de nossojogo de encenação, que garante a última palavra sobre a edição do textocênico ao aluno-diretor, conforme relatou a professora em formação quedirigiu a cena em seu protocolo:

“Devo destacar que tive alguns problemas com a minha dupla, provenientedesta metodologia. (...) Notei que no decorrer do processo os caminhos foramlevando para a “sensibilidade”, que não admite que mexam em seu trabalho,pois faz parte de uma criação profunda e não pode ser alterado pelo serhumano. Quando ia editar o que era proposto por elas, havia uma resistênciamuito grande, e isto prejudicava, logicamente, o trabalho como um todo.” 39

Como vimos, mesmo que a regra seja colocada de forma clara no início doprocesso, é natural um envolvimento mais intenso entre ator e texto que, àsvezes, dificulta o abandono de descobertas, sejam elas movimentaçõescênicas, ações físicas, textos, canções ou simples gestos: “Os atores, comodramaturgos, são essenciais para um melhor resultado, contudo, oresponsável pela edição destes materiais é o diretor. É ele que vai dar apalavra final, porque estará pensando no todo e no superobjetivo daencenação”.

Ao final de cada encontro, quando possível, havia uma retomada de jogo decada uma delas. A encenação vai tomando corpo e vida com todas as cenassendo preparadas ao mesmo tempo, possibilitando uma visão de conjunto eincrementando a discussão sobre encenação.

A noção de retomada de jogo direciona toda a fase de síntese, iniciada após aefetivação dos roteiros dramatúrgicos de cada cena, sob a forma departituras de focos, entendidas como uma seqüência de imagens projetadasno espaço, integradas a ações físicas, textos mentalizados e vetoresindicativos de relação com espaço, com outros personagens e objetos.Começamos então a propor novas instruções visando o aprimoramento daspartituras escolhidas:

“Quando uma das atrizes tentava resolver o problema de uma interpretaçãosuperficial e exibicionista de uma prostituta, o diretor da cena dava instruções

38 Protocolo da aluna diretora.39 Protocolo do aluno Márcio Rodrigues.

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do tipo: ‘Imagine que a personagem esteja exausta fisicamente, após umanoitada intensa. São 8 horas da manhã e ela mal consegue andar de tãocansada’. Com essa instrução, o andar sensual foi substituído por umcaminhar mais adequado à cena”.40

Outro exemplo deste tipo de instrução pode ser destacado em outroprotocolo, evidenciando o papel importante desempenhado pelos alunos queassumem a direção no aperfeiçoamento das cenas:

“Pedi que testassem um jogo mais rápido e em ritmo crescente na hora doinsulto. Também propus ao ator que no meio da discussão começasse achutar, como na imagem que me veio do filme ‘Laranja Mecânica’. Seria comose a bolsa fosse um mendigo ou o próprio índio Pataxó onde buscávamosinspiração (por ele ter sido queimado enquanto dormia numa parada deônibus em Brasília, por adolescentes filhos de juízes e de outras pessoasimportantes) (...) Também pedi para testarem uma atmosfera mais sensual,na cena das pazes propondo um abraço e que, ao invés de incendiarem aesperança (o inseto) pisassem nela.”41

São realizados diversos ensaios abertos ao público externo ao processo,antes da estréia. Eles são úteis para que todos possam ter noção doselementos que se mostraram pertinentes em cena. Percebemos em nossostrabalhos que esta experiência é muito interessante por dois motivos:primeiro porque uma parte dos atores nunca havia se apresentado para umaquantidade considerável de público, em segundo, porque no final de cadaensaio aberto, a platéia argumenta, posicionando-se em relação ao queconsiderava interessante.

Noutro protocolo podemos perceber que a boa recepção do público nãoimpediu os grupos de realizarem autocríticas sobre os inúmeros problemascênicos que ainda poderiam ser resolvidos:

“Isso não significa que o espetáculo fosse algo perfeito, havia muitas falhas,algumas, inclusive, consideráveis. Mas era teatro vivo e a platéiaimediatamente se identificava. A cena das fundamentalistas religiosas provocaeuforia na platéia, era um tiro” de comédia e todos adoravam. Quanto à cenaque dirigi tenho uma crítica. Acho que poderia até ser engraçada, masdiscordo quando ela acaba virando comédia. Na primeira versão, creio que acena perdeu algumas características que são evidentes e fundamentais nestetexto de Beckett, as quais pretendemos recuperar com a inclusão de novosfragmentos da peça no final da cena, acentuando o tom trágico. São elas: ovazio, a angústia, o sofrimento, a agonia. Acabei não alcançando o super-objetivo, o que de certa forma me deixou um pouco frustrada como diretora.Caso o trabalho seja retomado, esta cena será repensada.” 42

No que se refere ao aprendizado da interpretação teatral, a maioria dosparticipantes avaliou como positiva a ênfase na análise dramatúrgica do ator,

40 Idem, ibidem.

41 Protocolo da aluna Nara Kelly.

42 Protocolo do aluno João Júnior.

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conforme ressalta o protocolo de avaliação escrito pelo ator iniciante, PedroCosta:

“Hoje aprendi a gostar mais e a participar mais de processo de criaçãoteatral, não apenas como mero ator, que recebe suas falas e marcaçõesprontas, mas como alguém que observa (workshops), participa, trazpropostas, interfere e cria”.

Em suma, as modalidades de adaptação43 do texto que propomos para osalunos nos papéis de dramaturgo e de diretor são as seguintes:

- Adaptação que mantém a seqüência das ações:

a) As ações dramáticas são transpostas para outro contexto.

b) Alteração do tempo e do espaço da narrativa proposta pelo texto. Adaptaro texto para a realidade brasileira.44;

c) Neutralização: retirada de todas as referências sobre a época e o local dosepisódios, buscando a atemporalidade do texto.

-Adaptação que altera a fábula original:

a) Modificações ocasionais na fábula: quando a redação e a encenação dotexto seguem o seu modelo da construção fabular, subvertendo-o em algumapassagem, porém sem alterar essencialmente a narrativa.

b) Modificações do sentido final do texto, subversão das intenções do autor:quando a adaptação cênica altera o final, quando cria efeitos paródicos,quando ironiza o texto, ou interpreta-os no mesmo palco, de diferentesformas, tornando relativo o seu conteúdo.

c) Ampliação da fábula: redação de prólogos, epílogos e cenas implícitas,que não foram desenvolvidas pelo dramaturgo estudado.

- Montagem de fragmentos do texto para a formação de um quadro cênico.Dentre todas as diferentes formas de montagem dramatúrgica destacamosem nossa proposta as seguintes modalidades:

a) restrita ao universo do texto;

b) restrita ao universo das obras do autor;

43 Utilizamos o termo fábula no sentido de estrutura da narrativa dramática que é objeto deuma reconstituição por parte de toda a equipe teatral, como defende Brecht no “PequenoOrganon”: tudo depende da fábula, cerne da obra teatral. São os acontecimentos que ocorrementre os homens que constituem para o homem matéria de discussão e de crítica, e quepodem ser por ele modificados.” (Brecht, Bertolt. Estudos sobre teatro, Lisboa, Portugália, s/d.pp.204-205).

44 Na perspectiva de recriação de textos que vai da adaptação de alguns termos à recriaçãocompleta do final, por exemplo, como fez Augusto Boal no Teatro de Arena. (Boal, 1977,pp.180-183).

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c) aberta a todo tipo de procedimento intertextual, por exemplo, às citaçõesde elementos alheios à peça teatral em estudo, tais como imagens, textos,cenas da história do teatro, soluções cênicas dos principais encenadoresprofissionais.

Destacamos ainda a necessidade de elaboração de fichas por todos osparticipantes convocados para propor quais os trechos do texto dramatúrgicoestudado interessam ao grupo, tendo em vista os objetivos em relação aopúblico. Um exemplo de instrução é: “Traga sua proposta de recortes dotexto, citando a numeração das páginas, na seqüência em que você gostariade ver estas cenas ou fragmentos desenvolvidos em nosso roteiro”. Tanto aspropostas podem ser debatidas em sala e aula por todos, com a edição finaldo dramaturgo, como em certos momentos ele pode receber as sugestões detodos e editar individualmente uma proposta. Da mesma forma o diretorexperimenta tanto suas concepções trazidas de casa, quanto aquelasresultantes da edição das propostas de todos.

2.4. Avaliação diagnóstica: os alunos como atores, dramaturgose diretores

As práticas de jogo teatral são os procedimentos que valorizamos no início daavaliação diagnóstica que propomos para a fase inicial dos experimentos,tendo em vista o levantamento dos interesses temáticos e do repertórioteatral do grupo.

No que se refere ao aluno no papel de ator, além do jogo e da criação deimagens, utilizamos uma adaptação da prática de workshops que observamosno processo criativo do Teatro da Vertigem45 . Fora do espaço da sala deaula, o ator cria e produz de forma livre, sem nenhuma indicação prévia, umacena que será interpretada por ele, podendo contar com a figuração decolegas – neste caso, ele deve prepará-los com antecedência, determinandoo que eles farão em cena. Convidado a pensar como rapsodo, o ator planejasua cena dentro do limite de tempo pré-determinado pelo professor. Ele deveconceber além de sua atuação, a existência de som, luz, cenografia e asrelações espaciais entre a cena e o público.

Testamos a eficácia pedagógica de duas variações deste procedimento. Aprimeira é quando determinamos que a fonte de inspiração deva ser,necessariamente, uma pessoa escolhida na cidade para ser observada peloaluno, prestando atenção em seus movimentos e atitudes, imaginando o queele deseja e pensa, o que sonham, possíveis conflitos. São três questõesgeradoras: O que te interessa investigar sobre o ser humano? Sobre quem teinteressa falar? Quais as relações entre as pessoas que considerasinteressante para ser tratada em cena? A segunda variante é focada nalinguagem e a questão geradora é: quais as formas do fazer teatral que teinteressam? Após apresentação das cenas preparadas, os proponentesexpõem o que pretenderam em relação ao público e qual foi a fonte queinspirou a sua cena.

45 (Cf. Teatro da Vertigem, Trilogia Bíblica, São Paulo, Publifolha, 2002)

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As mesmas questões são postas para os alunos que estiverem jogando opapel dos diretores e dramaturgos, nesta primeira fase. Os diretores sãoconvidados a trazer roteiros cênicos (story-boards) – ou estórias emquadrinhos, quando o grupo não tiver referência do que seja este tipo deroteiro – que descrevam, no máximo, cinco ações cada um, com ou semdesenhos esquemáticos ilustrando-as. Os dramaturgos têm a missão deredigir no espaço máximo de uma folha de papel, um texto que descreva umpersonagem imaginário concepção de personagem feita por adolescente)e/ou uma cena teatral para ser lida, com o limite máximo de 10 falas. Aimagem é outro elemento importante neste momento. Em cada subgrupo odiretor e o dramaturgo são convidados a trazer para o encontro seguintefotografias que eles considerem interessantes para gerar sua transposiçãopara a cena, ou como proposição temática.

No encontro seguinte, o trabalho é coordenado, com controle de tempo, peloprofessor. Em primeiro lugar, são apresentados os workshops dos atores.Quando trabalhamos com iniciantes, para evitar a bloqueio e a timidezevitamos esta exposição fora do jogo teatral, pois ela bloqueia o processocriativo. Após a apresentação das cenas preparadas pelos atores, sobcoordenação direta do professor – os subgrupos são distribuídos pela sala –isto agiliza o processo, evitando que os grupos, ainda no início dos jogos,percam tempo. Sob o comando do diretor, os dramaturgos lêem seus textos.Os diretores apresentam seus roteiros e montam com os atores as cincoimagens que trouxeram. Por último, as fotos são mostradas e comentam-seos temas, as ações, as imagens e os personagens levantados.

Cada subgrupo volta para seu espaço e deve agora pensar numa propostaconsensual de criação de cinco imagens fixas que serão apresentadas aogrupo. As imagens são apresentadas e os grupos anotam em fichasdramatúrgicas os elementos que eles consideram mais significativos. Estasíntese é lida para todo o grupo antes da avaliação final da aula.

2.5. O revezamento de funções criativas

Nossa intenção é que a resultante dos experimentos possa ter váriosdiretores diferentes. O ideal é que cada aluno, professor em formação ouestudante, possa participar pelo menos de uma cena como ator, noutra comodiretor e noutra como dramaturgo. Nem sempre o rodízio completo épossível, mas o que importa é que os participantes não se apeguem a umaúnica perspectiva, que possam, dentro dos subgrupos, revezar a posição depoder. O poder de dar a última palavra que define as retomadas de jogo éuma deliberação que necessita ser experimentada por todos.

Como vimos, consideramos fundamental que ocorra o rodízio, não apenasentre os atores, durante a exploração dos ensaios, se possível, mostrandodiferentes versões de um mesmo personagem em cena, como também orevezamento entre diretores e dramaturgos. Cada aluno pode ser estimuladoa exercer diferentes funções criativas, evitando-se um único ponto de vista.Intentamos colocar em prática um enfoque coletivo da tessitura do textoespetacular, no qual não se confunde a prática do teatro com o exercício daatuação. Os experimentos demonstraram que a troca constante de posição –dentro e fora da cena, não só como espectador, como também, como

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proponente de textos e imagens – permite ao aluno a vivência ampliada doteatro.

Concluindo esse capítulo, podemos afirmar que na determinação de umenfoque lúdico do texto, nossa intenção é contribuir para o crescimento doraio de ação da abordagem de jogo teatral. Valorizamos a mobilização deoutras habilidades, para além dos recursos do aluno como ator eimprovisador de dramaturgias coletivas a partir de fragmentos de textoliterário, como propõe Pupo, ou modelo-de-ação brechtiano, como defendeKoudela.

Essa abordagem do jogo teatral elaborada no Brasil, juntamente com o teatroimagem, de Boal, fundamenta nossa proposta de busca de uma atitude, aomesmo tempo lúdica e crítica46, como uma prática contínua, a qual constitui oeixo metodológico que emoldura os procedimentos de escritura e encenação.

Se partilhamos as tendências educacionais que enfatizam a autonomia docidadão (Paulo Freire, 2000), que se caracterizam por práticas geradas porquestões que são compartilhadas por alunos e professor, propomos quetodos se envolvam com os problemas de análise e adaptação cênica dostextos. As perguntas intentam estimular a atitude de investigação do alunosobre os temas e procedimentos, manter o clima de experimento dentro efora da sala de aula, quando os alunos devem pesquisar ou elaborar materialque precisa ser trazido para a classe, tais como trilhas sonoras, roteiros deações, cenas dramáticas redigidas, roteiros, material para a improvisaçãosobre as formas de argumentação dialética dos problemas analisados e delevar em conta, sempre, diferentes ângulos de visão sobre um mesmoobjeto, diferentes respostas para a mesma pergunta.

Na perspectiva da autonomia do educando, as funções de diretor edramaturgo devem ser revezadas entre os membros de um grupo, nomínimo, uma vez em cada experimento. A intenção é dar chance para odebate sobre, pelo menos, duas propostas diferentes de encenação domesmo texto. Portanto não vemos sentido no posicionamento fixo dos alunosem uma única função criativa.

Se por um lado as questões geradoras são definidas pelo professor,consideramos imprescindível que, ao final de cada encontro, cada alunopossa, em sua avaliação por escrito, escrever termos que sintetizam osprocedimentos de escritura cênica e/ou textual analisados, em palavrassoltas numa folha de papel e em seguida redigir perguntas que a aula tenhalhe provocado. Essa série de novas questões passa a fazer parte do materialde trabalho dramatúrgico. O produto final do experimento, que abordaremosno capítulo quatro, será uma mostra com os quadros cênicos produzidos porcada subgrupo, porém, nesta primeira fase, priorizamos a diversidade demétodos de produção da cena, de formas de adaptação e recriação da cena,ecletismo de tipos de texto, e as diferentes maneiras de encenar a partir deum texto teatral. Após a fase analisada neste trabalho, a mesma turma queproduziu uma grande variedade de modalidades de encenação, decide como

46 No sentido de desenvolver uma argumentação dialética sobre os problemas analisados e delevar em conta sempre diferentes ângulos de visão sobre um mesmo objeto, diferentesrespostas para a mesma pergunta.

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irá continuar encenando o texto na fase seguinte – na licenciatura, nadisciplina Encenação II, no segundo semestre – seja com a encenaçãocomposta de quadros independentes e com linguagens cênicas diferentes,seja optando por realizar uma montagem de dois ou mais modos, – ou aindaoptando por encenar em estilo único do início ao fim.

Apesar de priorizarmos o rodízio das funções criativas, outras modalidades,tais como a criação coletiva47 não são descartadas, caso seja essa umanecessidade inerente ao processo, desde que considerada como uma fase eque o exercício da troca de funções criativas possa ser realizado em seguida.

No próximo capítulo abordaremos o complemento deste jogo de múltiplasfunções teatrais, ou seja, a análise do texto teatral através da conexão entreleitura de dados teóricos, a criação de imagens cênicas e a análise dostextos.

47 Conforme definição utilizada por Fernandes (Fernandes, Sílvia. Grupos Teatrais: anos 70.Campinas, UNICAMP, 2000.)

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Cap. 3. A análise do texto: jogo, leitura e contextuali-zação

Apresentaremos neste capítulo os princípios de nossa proposta para análisedramatúrgica como atividade complementar à experimentação cênica no en-sino de teatro.

Iniciamos por discorrer sobre uma forma possível de preparação do grupopara leitura do texto em moldes lúdicos, usando como exemplo o jogo comrecortes de Esperando Godot, já citado no capítulo anterior. Para a fase deanálise de fragmentos de diferentes autores que que nesta proposta antece-de a definição de um texto a ser estudado na íntegra, destacamos nossa a-propriação do método de Michel Vinaver. Em seguida, dedicamo-nos à análi-se do texto por completo, fundamentada em R. Monod e David Ball. Por fim,abordamos o estudo de Hamlet-Máquina de Heiner Muller, para ilustrar o es-tudo de um texto que foge ao modelo dramático. Este estudo ocorreu duran-te uma das oficinas realizadas no bairro de Interlagos, na cidade de São Pau-lo, já anunciadas na introdução. Nela, utilizamos Hamlet como ponto de par-tida para a criação de variados quadros cênicos que se utilizaram também derecortes de diferentes textos. Concluímos resumindo os passos da análisedramatúrgica proposta.

Partimos dos seguintes princípios:

- A análise de diferentes procedimentos dramatúrgicos de forma a ilustrar opanorama das diversas opções de escritura teatral.

- A necessidade de o participante se apropriar de um elenco de opções for-mais, antes de tomar decisões em relação aos objetivos e às opçõesdramatúrgicas na criação de uma cena.

- É importante articular o conhecimento sistematizado nas áreas de História,de Teoria e Crítica do Teatro com a prática da leitura e do jogo com textos.

Após desvelar as possibilidades de jogos com os textos, nosso primeiro obje-tivo é que os alunos possam detectar a presença nas obras, dos procedimen-tos de escritura. Nesta valorização da análise dramatúrgica como prática pe-dagógica é fundamental que os alunos não apenas emitam suas próprias opi-niões, mas que possam debater idéias contraditórias sobre o mesmo tema,texto, ou procedimento. Ao mesmo tempo em que coordena a leitura coletivados textos teatrais o professor pode apresentar e comentar citações de ence-nadores e estudiosos que elucidem as estratégias do autor.

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3.1. O aquecimento para a leitura: o jogo a partir de imagens erecortes do texto teatral

Como vimos no capítulo anterior, adotamos a proposição de abordagem lúdi-ca de textos de autores como Steinweg, Koudela e Pupo como sendo o me-lhor ponto de partida para a aproximação didática do texto integral, com ini-ciantes. Esta abordagem pode ser feita sem qualquer informação prévia so-bre o texto. Portanto, propomos que recortes de frases selecionadas – orapelo professor, ora pelos alunos –possam ser objeto de criação de imagens ejogos teatrais. Consideramos fundamental um contato direto com a materia-lidade do texto, sem contextualização histórica do autor, das suas intenções,do enredo ou da proposta na qual se insere o fragmento. A apropriação lúdi-ca permite que os alunos possam imaginar as mais variadas situações e ima-gens a partir do contato direto com a materialidade do texto, gerando res-postas cênicas que dizem respeito aos conhecimentos teatrais do grupo antesda ampliação do repertório que pretendemos realizar através do confrontocom a teoria, com os dados históricos e os procedimentos de encenação queselecionamos nesta pesquisa.

As oficinas realizadas comprovaram que é interessante que o professor apre-sente descrições de cenas extraídas da peça. A intenção é desvendar os con-teúdos resultantes da criação de imagens e jogos do grupo, permitindo umaavaliação diagnóstica dos interesses e temáticas significativas e dos procedi-mentos cênicos utilizados antes do confronto com o texto. Sendo assim, oprofessor redige em poucas linhas uma descrição simplificada das cenas es-colhidas, procurando não caracterizar lugar, época, neutralizando o contexto,buscando uma descrição atemporal.

Quando trabalhamos com Esperando Godot, por exemplo, duas situações deBeckett foram apresentadas:

Situação 1. A espera: A situação de uma longa espera, que não se soluciona.Duas (ou mais) pessoas - de qualquer raça, sexo, cor ou idade, profissão,classe social, religião - esperam numa beira de estrada. Elas esperam por Go-dot, nome que pode se referir a qualquer pessoa ou evento e cujo significadojamais é revelado. Elas fazem alguma coisa para passar o tempo. Por ummomento elas pensam em desistir de esperar, mas logo se acomodam nova-mente. Elas esperam porque decidiram esperar.

Situação 2. A submissão: Um ser humano caminha carregando a bagagem e acadeira de outro, bem vestido e gordo, que anda folgadamente logo atrás,fumando um charuto, mantendo-o preso a uma corda amarrada ao pescoço edando-lhe ordens. A corda, porém, não impede a fuga do oprimido.

Em seguida coordenamos uma conversa sobre a primeira situação: o atualcrescimento do número de pessoas “suspensas no tempo”, fora do movimen-to dinâmico da estrada, do mundo do trabalho e da cultura, ou por que estãodesempregadas ou por que se drogam, dentre outros motivos. O debate an-tecipa a criação de imagens, iniciando um levantamento prévio de idéias.

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A partir do acordo entre os participantes, iniciamos uma fase de exploraçãodo tema através do jogo teatral. Várias sugestões de personagens foramsurgindo: pessoas que esperam a cura, por um grande amor, pelo dia dojuízo final, ou por melhores condições de vida, dentre outros.

A segunda situação também proporcionou configurações cênicas variadas.Realizamos o debate a partir da questão: “Qual a situação de opressão esubmissão que interessa ao grupo?” As imagens surgidas dentro do gruposão comparadas com a descrição da cena desenvolvida por Beckett:

“Entram Pozzo e Lucky. Pozzo conduz Lucky através de uma corda passadaem seu pescoço. A corda dever ser longa o suficiente para permitir que Luckychegue até o centro do palco antes que o público possa ver Pozzo. Lucky car-rega uma pesada valise, uma cadeira dobradiça, uma cesta de piquenique eum sobretudo nos braços. Pozzo carrega um chicote”.

Em todas as etapas do processo os encontros eram divididos em três fases:preparação, exploração e síntese. No primeiro momento, a ênfase maior foidada à exploração de diferentes possibilidades de configuração dos persona-gens. Cada um dos atores experimentou vários tipos de papel social quandodividíamos a turma em diversas duplas de “Didi’s” e “Gogo’s”, que se alter-navam. A instrução central dos jogos era: “Os personagens podem estar emqualquer situação, pertencer a qualquer classe social, em qualquer espaço,com qualquer companhia, desde que estejam presos um ao outro. O que es-tes personagens fazem enquanto esperam? Qual a relação que existe entreeles?” Diversas modalidades de jogo foram utilizadas nesta fase, incluindo aimprovisação sem o olhar externo, o jogo a partir do espaço, de objetos, deestímulos sonoros e com fragmentos de textos extraídos da peça.

Na busca de sintetizar um roteiro provisório são realizados diversos jogosque resultam na redação de um roteiro. De volta ao debate interno, duplas ediretores decidem o que vão modificar na partitura de focos e jogam nova-mente, para nova avaliação.

Do ponto de vista pedagógico consideramos interessante que a aproximaçãocom a materialidade do texto seja gradual, permitindo desta forma que se-jam ressaltadas, nesse momento, as imagens cênicas resultantes do primeirocontato com o universo do texto. Um procedimento que valorizamos em nos-sa proposta é uma adaptação do jogo de apropriação que Pupo(2005) utilizacom o texto narrativo, no qual os jogadores escolhem frases aleatórias dotexto para serem proferidas em direção a outro jogador, assumindo nestemomento um gesto específico, tomando uma atitude diferente para cadafragmento escolhido. Em nosso enfoque utilizamos frases recolhidas da peçapelo professor, que são selecionadas por sua natureza ambígua, pela evidên-cia de duplo sentido, pois a intenção é justapor frases retiradas de cenas di-ferentes, como na seguinte seleção de réplicas de Godot:

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é demais para um homem só

eu sonhei que era feliz

uma paisagem lunar

o senhor precisa dos ossos

isso passa o tempo será que vale a pena

um dia nascemos um dia morremos o mesmo dia

Durante esta pesquisa observamos que as possibilidades de jogo teatral au-mentam quando o professor, além de destacar frases de momentos distintosda peça que será lida em seguida, pode preparar o texto: são retiradas asvírgulas e os pontos de interrogação ou exclamação das falas dos persona-gens - como nos blocos de palavras de Heiner Müller. Esta retirada de sinaistorna os recortes mais neutros. Desta forma, no decorrer dos jogos as falastornam-se mais abertas aos múltiplos sentidos, conforme o leitor as entoeseguindo a divisão e a intenção que decidir. Em nossa abordagem, não sãotodos os alunos que jogam com os recortes ao mesmo tempo. A brincadeirade criar gestos e atitudes diferentes para cada fala emitida é observada pelosdiretores e dramaturgos, que registram por escrito as melhores idéias. Desdeo início dessa aproximação com o texto, é estimulada uma atitude de inves-tigação, tendo em vista o desenvolvimento de versões diferentes para ospersonagens, espaços e acontecimentos previstos pelo autor.

Percebemos em nossos experimentos que esta introdução é importante, poisrevela, de início, as múltiplas propostas de utilização cênica daquele tipo deescritura e estimula a curiosidade dos alunos à leitura e à análise dramatúr-gica do texto na íntegra, a fase seguinte que propomos como um trabalho deleitura de mesa lúdico. As imagens cênicas que o grupo considerar mais inte-ressantes neste primeiro contato sem intermediação de outros materiais di-dáticos podem ser anotadas pelos alunos em fichas do Banco de dados doexperimento voltadas para o registro de idéias/opções dramatúrgicas de en-cenação. As primeiras idéias e cenas advindas desta apropriação lúdica sãoconsideradas nesta proposta como material que pode ser retomado na fasede adaptação e encenação do texto.

Quando propomos um aquecimento lúdico que antecipe a leitura de mesa, ofazemos também visando a motivação para um olhar sobre o texto que nãoseja reverencial, como faziam os professores da escola de tendência pedagó-gica tradicional, ao tratar o texto teatral como uma “obra prima” que deveriaser estudada, respeitada, decorada e encenada conforme as “intenções doautor”. Se na fase de análise que estamos propondo, nossa meta é conhecera estrutura do texto, esta leitura deve ser considerada como uma fase ne-cessária para dar condições ao aluno de formular uma perspectiva própria de

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recriação dramatúrgica fundamentada em um estudo coerente sobre o mate-rial, e não como um exercício aleatório de fragmentação e montagem.

Podemos pensar na adaptação do princípio lúdico à leitura. Com os alunossentados em seus lugares, ou em pé, como o jogo em que um se dirige aooutro, assume uma atitude ou gestus e emite a frase para o colega (Pupo,2005), assumindo um ponto de vista e uma atitude em relação àquela répli-ca. Durante uma oficina com professores de teatro do Rio de Janeiro fomosquestionados sobre a ocorrência, em determinados contextos escolares, dafalta de espaço para a movimentação em classe. Pensamos então, na se-guinte adaptação: a leitura com todos sentados em suas cadeiras, com focono texto escrito, sem movimentação alguma, apenas dando à ação vocal di-ferentes entonações. Todos podem repetir em coro a entonação dada, e re-petir a ação vocal.

3.2. A análise de fragmentos dramatúrgicos: avaliação diagnós-tica e ampliação do repertório

Como vimos na introdução, o princípio que norteia esta proposta é o da am-pliação do repertório de temas e procedimentos teatrais do grupo através doconfronto com um elenco diversificado de opções dramatúrgicas. Sendo as-sim, torna-se prioritário o planejamento do professor para que os grupos a-nalisem diferentes tipos de fragmentos teatrais, e possam comparar diferen-tes formas de escritura teatral.

3.2.1. Análise estrutural do fragmento

A principal referência para a análise estrutural do fragmento de texto teatralque propomos é aquela desenvolvida por Michel Vinaver1. Ele elaborou seumétodo através de suas proposições de autor dramático, de animador de ofi-cinas de escritura e de teórico da forma dramática. Como pedagogo da escri-tura teatral, Vinaver é figura de destaque no panorama francês, pois sua a-bordagem influenciou teóricos e artistas como Sarrazac, Ryngaert, J. Danan.Tendo em vista que este método se encontra atualmente inédito no Brasil,anexamos à tese a síntese que fizemos, a partir da tradução feita por Ramos,dos referidos glossários.

Em nosso enfoque, a proposta de análise de Vinaver é uma ferramenta im-portante, como procedimento que viabiliza a exploração de diversos tipos detextos teatrais visando a ampliação do repertório do grupo, na fase anterior àdefinição do texto, que será lido na íntegra posteriomente.

Vinaver parte da proposição de que o modo de funcionamento dramatúrgicose revela por uma exploração da superfície da palavra. Para ele, a análise de

1 Neste item, a tradução das citações de Vinaver foi realizada pelo autor, em conjunto comPhillipe Combes, acrescentada de trechos inéditos traduzidos por Luis Fernando Ramos. (C.f.Vinaver, Michel. Écritures dramatiques, Actes Sud, 1993.)

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uma pequena amostra retirada do tecido da obra permite determinar o modode funcionamento do conjunto da peça como um todo e fornece todas osmeios necessários para a compreensão da obra em sua totalidade. Este en-foque de Vinaver para a análise do fragmento dramatúrgico tem as seguintescaracterísticas:

-Parte do caráter específico da escritura teatral;

-Liga a dramaturgia à literatura de maneira geral e reafirma sua espe-cificidade;

-Põe em contato, diretamente e imediatamente, com a estrutura dotexto, sem necessitar antecedentes;

-Não pressupõe a adesão a uma teoria, ou a elaboração de uma meta-linguagem;

-Sem abordar a questão da encenação, serve tanto ao leitor como aosoperadores e permite ver o texto como objeto teatral, porque propõeum passo em direção à montagem, principalmente no que se concen-tra no exame detalhado de um fragmento;

-Não se prende à questão da primazia do texto ou do espetáculo;

-Aplica-se a qualquer dramaturgia de qualquer época;

-O uso de suas ferramentas aproxima a dramaturgia clássica da con-temporânea;

-Ele não desemboca numa tipologia dos textos de teatro, mas permitetraçar uma topografia no interior da qual uma obra encontra sua posi-ção singular;

-Alimenta um sentimento de aventura, porque não se define por ante-cipação. Não é autoritário. Propõe um equipamento que estimula adescoberta;

-Não deve ser utilizado num espírito cientificista, mas de forma lúdica.As ferramentas propostas são suficientemente imprecisas para desen-corajar a construção de um sistema. Nem por isso deixa de ser peda-gógica no sentido de estimular o rigor e a precisão. Não se coadunacom a utilização prematura de idéias gerais.2

2 C.f. Vinaver, op.cit.,1993.

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3.2.2. A seleção do fragmento

Segundo Vinaver, a escolha de um fragmento para a leitura detida encampade cinco a dez por cento da peça (dois terços das peças que selecionou inclu-em fragmentos com menos de cinqüenta falas). Salientamos de antemãouma diferença de enfoque no que diz respeito à seleção dos fragmentos aserem analisados. Esse escritor e professor considera a possibilidade de umaseleção aleatória dos recortes de textos:

“Os fragmentos podem ser também do começo da peça, ou de qualquer outrotrecho que pareça característico da peça toda (um terço dos fragmentos sele-cionados nas peças do volume são de inícios de peças). Não existe um critérioespecífico para orientar a escolha do fragmento podendo mesmo ser deixadaao acaso.”3

Em nossa abordagem, tendo em vista os objetivos do ensino de teatro naescola, não podemos concordar com esta abertura ampla de critérios de se-leção. Ao nosso ver, esta deve seguir também outros critérios, tais como:significar parte do texto que exemplifique um recurso dramatúrgico (presen-ça do narrador, de coro, de cena metateatral) e, de preferência, contenhauma imagem ou tema relevante do ponto de vista pedagógico. Ao invés doprofessor escolher aleatoriamente uma cena de textos, é muito mais produti-vo que os trechos tragam imagens complexas, contraditórias, que digamrespeito aos temas que vêm sendo discutidos ou que o professor considereimportante para serem confrontados aos alunos.

O fragmento cortado inteligentemente conserva uma ligação orgânica com atotalidade da obra. Vinaver sublinha isto em seu método de leitura ralentada.A análise do fragmento se justifica como acesso à dinâmica de escritura daobra inteira.

Nesta pesquisa, em oficinas com jovens iniciantes experimentamos uma se-qüência simples de passos que podem nortear a abordagem do professor, apartir da seguinte síntese que fizemos dos procedimentos de Vinaver.

3.2.3. A leitura detida do fragmento

A divisão do fragmento em segmentos tem como objetivo facilitar sua apre-ensão. Decide-se que um segmento termina e que outro começa quando há,por exemplo, uma mudança de sujeito, ou de tom, ou de intensidade, ou deinterlocutores no diálogo.

A leitura detida ou ralentada acontece com o exame de cada fala e começapela questão: qual é a situação original? Estando definida esta situação con-sidera-se por ordem: os acontecimentos, as informações, os temas, de modo

3 Vinaver, Michel. Écritures dramatiques. Paris, Actes Sud, 1993. (tradução de Luís FernandoRamos).

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a isolar no texto o que é propriamente ação. O essencial da leitura detidaconsiste em apontar as ações de uma fala à outra, ou mesmo no interior deuma fala. Quer dizer, a ação no nível molecular do texto. Trata-se de micro-ações produzidas pelas palavras de uma fala, ou, se calhar, pelas rubricas.Procura-se determinar então: O que acontece de uma fala à outra e no inte-rior desta fala? Por qual meio isso acontece, através de qual figura textual?Que ligações funcionais ocorrem entre a micro-ação de um lado, e os aconte-cimentos, informações e temas do outro?

A leitura detida compreende paradas para reexames. Cumprido o percurso decada segmento e depois do fragmento, pára-se e tenta-se, olhando global-mente, considerar retrospectivamente como a sucessão de micro-ações ana-lisadas contribuiu no avanço da ação ao nível dos detalhes e do conjunto.

Sabemos que analisar uma cena é, antes de tudo, tentar se fazer perguntaseficazes. Na perspectiva de Vinaver, separamos as informações que a cenacomporta e que permitem identificar a situação da palavra, mesmo quandonão se conhece o resto da obra. Apresentamos a seguir uma síntese dasquestões propostas para situar e analisar um fragmento, no âmbito dos ex-perimentos realizados durante esta pesquisa:

- Qual é o espaço onde se dá a ação? Em que tempo? Quem está em ce-na? Existe um único espaço, ou diversos espaços superpostos? Como oespaço cênico dá conta das dimensões espaciais? Que distâncias existementre os personagens em função de suas relações? Existe contato físicoentre personagens?

- Qual é a posição do espectador? Quais as informações que o leitor de-tém? O leitor sabe mais sobre a situação que os protagonistas? Ele é con-siderado por quem está em cena ou sua presença é ignorada, como sehouvesse uma quarta parede entre a cena e o publico? São utilizados a-partes, trocadilhos, alusões ao mundo fora de cena? O espectador se i-dentifica ou estranha o personagem ou os papéis?

- Quem fala com quem? Por quê? Os personagens se conhecem? Qual é osexo, a idade, a classe social de cada um, o sistema de relações? Qual é otratamento utilizado entre eles - formal ou informal? O que cada umquer? O que ele arrisca, o que ele tem a ganhar e a perder? Trata-se deum momento íntimo entre dois personagens? Existe liberdade de expres-são, repressão, ou cuidado com as palavras? Há cooperação ou conflito?

- Os personagens falam a verdade? Suas alegações são informações crí-veis ou se há enganação, manipulação?

- Como se passa do início ao fim? Qual é a imagem inicial? Em que ritmocomeça a cena? Quem está aí? Quem entra? O que fazem? O espaço éfamiliar ou estranho às personagens?

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- O que dizer sobre a ação e a relação da palavra com a ação? A palavraserve para transmitir informações ou ela muda a situação? Há um confli-to? Quais os obstáculos aos desejos dos personagens? Do seu ponto devista alguém ganha nesse conflito? Quais as ações físicas descritas peloautor? Qual é a ação da fala, o que ela provoca? Quais são os assuntosque podemos destacar da conversação, da narração ou da ação ou dasimagens em cena?

- Como circula a palavra? Quem fala mais, toma a iniciativa da palavra?Como se faz a troca de falas? Há continuidade, bifurcações, rupturas, si-lêncio? Os personagens se escutam?

3.2.4. Visão de conjunto

Partindo das descobertas feitas ao longo da leitura ralentada do fragmento,resta tentar uma visão de conjunto do modo de funcionamento da obra emsua inteireza. Para fazer isso Vinaver leva em conta a posição do texto anali-sado diante de um certo número de eixos dramatúrgicos, do que resulta umquadro gráfico que revela o perfil geral da obra, que não apenas esclareceseu singular modo de funcionamento, mas ainda permite medir suas conver-gências e sua situação frente a qualquer outra obra dramática em particular,e conseqüentemente frente ao universo de obras do teatro.

Para dar suporte à sua proposta, Vinaver apresenta dois glossários. O primei-ro é dedicado ao que ele denomina de “palavras-ferramentas”, ou seja, asnoções fundamentais que podem nortear a leitura do fragmento. O segundosistematiza as “figuras textuais” que este autor elege e nomeia, dividindo-asem quatro categorias. Consideramos estes dois glossários sintetizados porVinaver também como possibilidades de material teórico a ser levado para asala de aula, servindo inclusive para basear as anotações dos alunos em re-lação aos conteúdos trabalhados em classe.

Em nossa investigação, percebemos que é recomendável que as noções teó-ricas não sejam colocadas, no início, sob a forma de informação, mas que osalunos possam se apropriar das “palavras-ferramenta” e das “figuras textu-ais” estabelecidos por Vinaver, através de procedimentos lúdicos que envol-vam, de preferência a movimentação corporal dos alunos na resolução dosproblemas cênicos, através do jogo e da criação de imagens.

Com relação ao estabelecimento dos quadros propostos para configurar gra-ficamente esta visão de conjunto através de eixos dramatúrgicos, não nosestenderemos mais nesta leitura de Vinaver. Tendo em vista a utilização desuas propostas com iniciantes, consideramos que este enfoque pode ser sim-plificado e, neste sentido, encontramos na versão de Grosjean e Dulibineuma redação mais apropriada. Como podemos observar no resumo a seguir,esses autores utilizam esta forma de análise de modo parcial. Eles estudamcoletivamente uma cena, réplica por réplica, colocando no quadro negro a

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análise em seis colunas justapostas, num quadro que sintetiza os eixos pro-postos por Vinaver:

1. Númeração das falas: f1, f2, etc

2. Informações: anotam-se todas as informações transmitidas pela fala.

3. Acontecimentos: contrariamente à informação, que pode ser duvidosa,o acontecimento é certo.

4. Temas: anotamos ou notamos o conteúdo da conversação.

5. Figuras textuais: as figuras textuais servem para nomear as relaçõesque envolvem as falas entre si. Os alunos identificam facilmente as estru-turas fundamentais como, por exemplo, o duo e o duelo, o interrogatórioe o coro; eles podem, assim, se apropriar das noções de narrativa, profis-são de fé, solilóquio, direcionamento ao público, etc.

6. Conclusões: relação da fala com a ação: “a palavra é ação ou instru-mento da ação; a ação é centrada; a ação é engrenagem (“peça–máquina”); ou “larvée” (peça-paisagem); a situação de partida tem uminteresse forte ou fraco; as informações são densas ou mínimas; as idéiase os personagens são pesados ou leves, o espectador é privilegiado ounão; a cena é dotada de um passado e de um futuro, ou somente existeo momento presente; existe ficção ou ambigüidade.”4

Ressaltamos que esta abordagem de Vinaver não se limita à análise estrutu-ral do fragmento. Em seguida, este autor dedica-se a recomendações para“uma leitura em velocidade normal da obra inteira, verificando-se, comple-tando-se, ajustando-se e corrigindo-se, se for o caso, os resultados da análi-se do fragmento.” Ele defende que também seja realizada uma contextuali-zação do trecho e do texto analisado:

“Até esse momento o exame da obra se fez em suspensão de todo o contex-to. Finalmente, leva-se em conta os principais dados históricos, sócio-econômicos, culturais e biográficos, permitindo-se assim situar a obra no seuambiente de origem e apreciar alguns de seus outros aspectos, que não tex-tuais ou dramatúrgicos.” (...) “Nada impede que, neste momento, se faça umjulgamento do valor da peça, medindo-se este valor na correspondência entreos efeitos provocados, o prazer que nos provoca, a intensidade do interesseque desperta e sobre os meios que ela põe em ação no final: o pensamento, aemoção, a carga poética, o riso e a sedução.” 5

4 Grosjean, Bernard e Lulibine, Chantal. Coups de théâtre en classe entière, au college et aulycée.CRDP, Académie de Créteil, 2004, p.195.

5 Vinaver, op.cit,1993.p.89.

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Desde a perspectiva desta investigação, esta abordagem de Vinaver não éum modelo rígido, mas um guia de exploração nos momentos nos quais utili-zamos o fragmento como ponto de partida de aprendizagem. Sua importân-cia reside principalmente no fato de ele permitir abordar o texto teatral semmediação teórica pré-existente, baseando-se unicamente no material textual.Salientamos ainda que, diferentemente do mestre francês, nossa intençãonão é a compreensão da obra através do fragmento, nem apenas como in-trodução da análise do texto na íntegra. A diferença entre nossa abordageme a proposta francesa é que utilizamos a análise de diversos fragmentos, umem cada aula, como forma de viabilizar o contato dos alunos com diversostemas e tipos de textos. Analisar fragmentos, após um primeiro contato deexperimentação lúdica ou mesmo com ponto de partida de cada encontro, é,em nosso enfoque, apenas uma fase de preparação para o confronto do gru-po com um texto na íntegra, na perspectiva do exercício futuro de encena-ções e/ou de re-escritura de trechos da peça escolhida.

Na avaliação de nossos experimentos em Interlagos, os alunos confirmaramque a análise e o jogo com fragmentos de autores representantes de diver-sas formas de rapsodização da narrativa cênica (Oswald de Andrade, Bec-kett, Brecht, David Iven e H. Müller) comparados a textos baseados no diálo-go dramático (O palhaço nú de Alcione Araújo e o próprio Hamlet) não sóampliou o repertório de temas inicialmente apresentado como de interessedo grupo, como permitiu a apropriação, via leitura, de procedimentos rapsó-dicos de escritura teatral que, até então, não tinham sido explorados por a-quele grupo. Procedimentos estes como: presença de coro e narrador, cenasimultânea, procedimentos metalingüísticos, transposição do dramático parao monólogo, desconstrução do personagem dramático, como o Hamlet-máquina de Müller ou os macacos que tentam escrever uma obra prima, emPalavras, Palavras, Palavras de David Iven, dentre outros. Após a leitura e acriação cênica a partir dos fragmentos de natureza diversa, fase que duroumetade da oficina, o grupo tinha muito mais condições de realizar sua apro-priação rapsódica do texto escolhido para ser aprofundado.

3.3. A análise do texto teatral na íntegra:

3.3.1. A análise seqüencial das ações

Passada a fase de análise de fragmentos diversos, o foco passa a ser a leitu-ra das ações de um texto teatral na íntegra. É sabido que existem diferentesmétodos de análise para os diferentes tipos de textos teatrais. No que se re-fere ao texto dramático, por exemplo, citamos a existência de outros méto-dos, tais como, a análise dramatúrgica de Yves Lavandier6, a de Barrientos7,

6 Esse autor é uma das bases do trabalho de professores de dramaturgia no Institut del Teatrede Barcelona como Lluis H. Fors, e Carles Batle. (Cf. Lavandier, Yves. “Análisis de las obras”La dramaturgia: los mecanismos del relato: cine, ópera, radio, televisión, cómic, EdicionesInternacionales Universitarias, Madrid, 2003..

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a de Michel Vinaver, de Rynagert e o de Ubersfeld, dentre outros. Assumi-mos, portanto, que estaremos adotando o enfoque específico, de um dos di-versos autores, David Ball, pelo fato de seu texto estar publicado em portu-guês e termos comprovado sua eficácia com grupos a partir de 16 anos, ini-ciantes em teatro.

Encontramos no guia para leitura de peças teatrais de Davi Ball,8 “Para Tráse Para Frente”, uma proposta centrada na leitura seqüencial das ações, deorigem stanislaviskiana, porém, numa linguagem acessível tanto aos profes-sores em formação quanto aos adolescentes na escola.9 Salientamos que foieste linguajar simplificado que levou a profª. Nanci Fernandes a traduzi-lopara o Português, para ser utilizado na disciplina “Introdução ao teatro” queministrava na Escola de Arte Dramática de São Paulo.10 Sendo assim, utili-zamos esse linguajar como base. Não pretendemos descrever nem adotar ométodo de leitura de Ball, de forma absoluta. Partimos da noção deste autorde que não existe uma única interpretação correta de uma peça; mas, técni-cas eficazes de leitura contribuem para a apreciação da obra.

A tese central de Ball é que a análise seqüencial de ações é mais vantajosaquando feita para trás: do fim da peça para o começo. Sua melhor garantia écompreender porque cada coisa acontece. Uma ação é constituída de doiseventos, um detonador e um monte. Cada monte se torna um detonador daação seguinte, de modo que as ações são como dominós, tombando cada umsobre o próximo. A análise seqüencial implica seguir a peça do começo aofim, dominó por dominó:

“Faça uma experiência: coloque de pé uma peça de dominó; e atrás, coloqueoutras. Empurre a primeira peça para diante, e ela, se estiver colocada corre-tamente, derrubará a segunda. Uma peça se assemelha e uma série de domi-nós. Um evento detona o segundo e assim por diante. De início, ler uma peçadesse modo é difícil como aprender a desengrenar a primeira marcha de umacarro. Na realidade, não é nada fácil aprender a sair de primeira.(...) Trabalhenele para trás, dominó por dominó, fala por fala, ação por ação, evento tom-bado por evento tombado. Chegue até o verdadeiro começo de sua a-ção(...).”11

7 Barrientos, José Luis García. Cómo se comenta una obra de teatro: ensayo de méto-do.Madrid, Editorial Síntesis, 2003.

8 Ball, David. Para Trás e Para Frente. Um guia para leitura de peças teatrais.(tradução deLeila Coury). Perspectiva, São Paulo, 1999.

9 c.f. Nanci Fernandes in Ball, p.10.

10 Em função do curso de formação de atores para jovens, de nível escolar médio, fundado porAlfredo Mesquita, Nanci utilizou sua tradução nos últimos quinze anos de sua carreira de maisde 40 anos dedicados ao ensino de teatro, na qual perseguiu a questão “É possível ensinar aoator a Ver e a Entender teatro?”

11 Ball, op. cit., p.34.

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Um segundo enfoque de Ball que incorporamos nesta proposta é o de esti-mular, num primeiro momento, uma análise do funcionamento do texto tea-tral, antes da discussão sobre os temas. Esta medida evita que uma raciona-lização sobre a temática termine por nublar as possibilidades de levantamen-to de imagens geradas pelo confronto direto do aluno com a obra.

“O tema é um conceito abstrato que se torna concreto pela ação da peça. Otema é um produto, emerge das ações do texto (...). Examine a peça, embusca do tema, depois que você estiver totalmente familiarizado com os ele-mentos constitutivos da peça. (...) Um tema de Hamlet é a vingança. Issonão significa que o objetivo da peça seja estudar, ou examinar, ou explorar avingança. Significa, apenas, que a vingança é um conceito abstrato que setorna concreto com a ação da peça. (...) “Se você simplesmente refletir sobreas motivações que impelem Hamlet, depois que o fantasma lhe relatou suaterrível história, no ato 1 cena 5, você não pode ignorar o tema da vingança.Ele emerge por si mesmo.”12

Neste sentido, enquanto fazemos a leitura analítica, pedimos aos alunos queelaborem, cada um, uma lista de temas. Comentamos que algumas peçastêm vários temas, embora nem todos sejam da mesma importância. A listaserá o guia aos conceitos abstratos de que trata a peça. Procuramos evitarque na análise nos deixemos enredar nos temas e entremos em discussõesabstratas, que fujam de uma leitura das ações que visam, neste momento,decifrar a dinâmica das ações do texto:

“No afã de chegar ao tema, não provoque um curto circuito na caminhada daobra de arte, ignorando-lhe a essência para chegar ao tema, verrumando-acomo se ele fosse uma carapaça, uma barreira a ser eliminada entre o públicoe a peça encenada. O tema é comunicado pela teatralidade, e não a despeitodela.”13

Sendo assim, do método de Ball adotamos os seus termos técnicos e a suanoção de leitura do texto como forma de demarcar a seqüência dos detona-dores das ações. Também nos interessa a proposta de redação de uma lista-gem das ações e dos temas de forma paralela à leitura, a ser feita pelo alu-no. Pensamos também que seu livro disponibiliza uma excelente fonte decitações, de linguagem simples e direta, e útil, – tanto na formação do pro-fessor, como com iniciantes a partir de 16 anos – conforme tratamos em ofi-cina, em Interlagos.

3.3.2. A teoria e a criação de imagens durante a leitura

Nossa abordagem se diferencia do enfoque de Ball na medida em que pro-pomos não apenas um exercício da leitura convencional, com os alunos sen-tados e imaginando as ações, mas pretendemos integrar a esta leitura a cria-ção de imagens pelos corpos de parte dos alunos que assumem o papel de

12 Ball, op. cit., p.34.

13 Ball, idem, ibidem.

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atores, em sistema rodízio, trocando sempre de grupos que representam asimagens. Trata-se de buscar a fisicalização das ações que podem ser perce-bidas a partir da leitura.

Valorizamos neste momento, que recortes de textos sobre teatro que tratamde questões de metodologia da leitura sejam lidos em sala de aula e comen-tados pelo professor. Como complemento da leitura, esses textos críticos po-dem esclarecer conceitos relativos à natureza das ações dramáticas, tais co-mo, a dupla natureza da ação, a noção de “detonador” e de “monte”, de “es-tase” e “intrusão”, a analogia do roteiro de ações com uma fileira de domi-nós. Estas noções relacionadas a aspectos concretos examinados na peça emfoco, são apresentadas pelo professor para que o aluno se aproprie tambémdos conceitos e características dos procedimentos de decupagem de um tex-to teatral. Por exemplo, podemos ler o Capítulo 1 do livro de Ball em conjun-to, cada membro do grupo lê um parágrafo dedicado ao conceito de “Ação”,citada como uma “entidade muito especial” na análise:

“A ação ocorre, quando ocorre algo que faz com que, ou permite que, umaoutra coisa aconteça. A ação são duas coisas acontecendo, uma conduzindo àoutra; alguma coisa causa a ação e permite que a outra coisa aconteça. Se eudisser como vai? É metade de uma ação. A outra metade é a sua fala. ”Bem,obrigado”. A primeira metade conduz à segunda; as duas compõem uma a-ção.“14

A intenção é que os alunos descubram por conta própria a existência desseselementos no texto, e não pela transmissão da informação pelo professor.Portanto, é desejável que não seja o professor quem determina a decupagemdo texto, como acontece com um diretor tradicional, mas que os alunos des-cobram as divisões entre os movimentos cênicos. Intentamos a construçãodo conhecimento pelo aluno, através das tentativas de acerto e erro. O pro-fessor interfere para questionar os erros evidentes e apontar as possibilida-des de separação das ações, evidenciar que o grupo poderia dividir nesta ounoutra parte a ação, dependendo do ponto de vista da encenação imagináriade cada um. E ajudar o grupo a decidir-se por uma forma de dividir. São osalunos que tentam sempre responder aos problemas, tais como descobrironde começa uma ação e onde se inicia a outra.

A leitura do texto em classe pode se transformar em um jogo cujo foco é:como dividir o texto em ações? Como tecer uma seqüência de imagens queconfigurem as ações propostas pelo autor? Como traçar uma roteiro de focospara futuros jogos teatrais? Como decidir coletivamente as mudanças entreuma ação e outra? A instrução pode ser: “Vamos ler em conjunto, na se-qüência. Quando alguém perceber que mudou a ação, levanta a mão”. Nomomento da interrupção, o coordenador destaca quantos alunos concorda-ram e quantos discordaram desta divisão. Em que momento detectamos umdetonador da nova ação, em que momento da fala o personagem decidiu fa-zer outra coisa, ou mudou de idéia?” O professor relativiza o fato que não

14 Ball, op. cit.,p.35.

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existe uma precisão absoluta a ser encontrada, mas que tudo depende daescolha das ferramentas que nos auxiliam na tarefa de divisão do texto. Ca-da aluno é estimulado a complementar sua leitura fora da sala de aula, sem-pre com instruções que remetem o aluno para a listagem das ações contidasno texto. Após a divisão coletiva, todos possuem a mesma seqüência de a-ções, que será o norteador da redação da fábula, que abordaremos posteri-ormente.

Uma possibilidade de trabalho a partir desta listagem que denominamos ro-teiro de ações é o seguinte: Cada subgrupo gera diferentes imagens. O dire-tor lê o título da ação; cada vez um dos atores propõe uma imagem, assu-mindo no espaço uma posição fixa que deixe claro quem é e o que está fa-zendo. O ator proponente vai ao espaço, assume uma posição e paralisa aimagem. Os outros vão em seguida, um a um, complementando o quadro. Odramaturgo propõe a sua versão, por último, o aluno que joga o papel dodiretor molda a sua versão. O subgrupo discute as imagens surgidas e assu-me uma posição diante do material.

Como sintetizar a leitura do texto em poucas imagens? Cada grupo, após aleitura integral do texto, pode realizar uma seqüência de imagens cênicas. Aintenção é ter uma noção dos grandes movimentos que compõem a obra,configurar as principais imagens cênicas que o grupo deduziu. Avaliamos amaneira como o grupo decidiu configurar cada parte da obra, o recorte ado-tado. ”Por que escolheram esta imagem? Porque para vocês estas imagenssintetizam o acontecimento mais interessante desta parte?” O coordenadorestimula a comparação das diferenças de percepção e de interesse em cadaum.

3.3.3. O debate das atitudes e das relações dos personagens: o jogoem torno das questões éticas e políticas

Um outro princípio é o de que abordagens lúdicas promovem o levantamentode informações contidas no texto e, principalmente, das questões éticas, po-líticas e existências presentes na peça. O coordenador pode criar jogos ondeos alunos interpretem papéis que precisam dominar as questões do texto. Astemáticas inerentes ao texto, em vez de serem tratadas sob a forma de ex-planação do professor ou via seminários, podem ser apropriadas pelo alunoatravés de jogos. Envolvido com seu papel no jogo, o aluno volta a ler o tex-to pra encontrar as informações de que necessita para cumprir sua tarefa.

A leitura de textos sobre história, informações sobre a cultura de determina-do contexto de uma peça, para subsidiar a defesa e o ataque de personagensprotagonistas de textos clássicos, como Antígona, Medéia, Hamlet, GalileuGalilei, em jogos da análise dramatúrgica dos objetivos, conflitos e questõeséticas dos personagens conforme procedimentos desenvolvidos com sucessocom adolescentes, em escola secundária de Barcelona, pelo professor HansenFors, os quais adaptamos e sistematizamos a seguir.

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Todos os alunos são convidados a ler texto em casa (por exemplo, Antígona).O professor na aula seguinte introduz o jogo que denominamos de Julgamen-to dos protagonistas, anunciando: ”Vamos fazer um julgamento do persona-gem Antígona e outro de Creonte.” A turma é dividida em quatro grupos. Noprimeiro dia de jogo os grupos se reúnem para criar argumentos de ataque edefesa de dois personagens antagônicos em uma peça teatral; argumentosque contenham o embate entre dois personagens contraditórios e complexose que apresentem justificativas para suas atitudes.

Na primeira rodada do jogo, no segundo dia, o grupo A apresenta a defesado personagem escolhido e o grupo B se encarregará de atacá-lo. Nesta pri-meira versão os grupos C e D fazem o papel dos jurados. Julga-se um perso-nagem como Creonte. Na terceira aula, dedicada ao julgamento de Antígona,acontece outra rodada do jogo, desta vez trocando os papéis. O grupo C de-fende, o grupo D ataca, enquanto A e B fazem o papel de jurados.15 Forsdestaca que “é melhor fazer primeiro o julgamento mais fácil, dos persona-gens menos contraditórios, para o grupo se acostumar com o procedimento”.No caso da peça em foco, recomenda-se iniciar pelo julgamento de Creonte.

Ao analisar o procedimento de Fors, identificamos como um princípio interes-sante o fato de o professor assumir o papel do juiz, como um mediador atu-ando dentro do jogo. Na adaptação desse procedimento utilizamos aberta-mente a noção de coringa, desenvolvida por Augusto Boal em sua propostade Teatro-Fórum, procedimento este que pode ser estudado pelo professorinteressado na adaptação de jogos a partir de julgamentos. No papel do juiz,impõe um ritmo ao jogo, determina o tempo de duração das falas, permitin-do que todos participem de forma equânime. Vale salientar que ele possuimais informações sobre o texto que os alunos e, portanto, o juiz pode inter-vir, aceitando ou não os argumentos da acusação e da defesa.

Toda a sala de aula se transforma num tribunal, com a divisão explícita dosquatro grupos. Desenvolve-se o ritual de entrada, convocação de advogado,réu e defesa, o professor assume o papel, uma atitude física, tom de voz eestimula a ação sempre com perguntas que provocam: “Antígona é uma ma-nipuladora? Porque ir contra as leis? Creonte tem que ser responsável depoisde uma guerra civil? Antígona agiu corretamente? Creonte foi justo?” Os alu-nos podem ler também outras obras teatrais clássicas. Neste tipo de jogo,voltado para a análise do texto, os argumentos somente podem vir do autor,no caso Sófocles.Trata-se de um julgamento legal e ético. Os grupos devempensar não somente na preparação de seus argumentos, como também pre-ver os dos outros grupos e como atacá-los. No enfoque de Fors, eles têm queanalisar, sem a ajuda de professores eruditos, as matrizes e a complexidadeda obra, descobrir numa frase, ou mesmo numa palavra, que aquilo pode sera chave para uma defesa, a chave de um momento de possibilidade de juízo.Todos os participantes dos grupos de ataque e de defesa têm que intervirpelo menos uma vez. O professor introduz a sessão: “Cidadãos de Tebas,

15 Hansen, em entrevista ao autor (Barcelona, 8 de fevereiro de 2006).

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estamos aqui para julgar, depois deste terrível acontecimento, se Creonteagiu bem ou mal. Por favor, o presidente dos jurados recolha os votos contrae a favor.” Após anos de prática deste jogo com iniciantes em teatro, Forsobserva que nunca houve um julgamento unânime, o que é um dado interes-sante, demonstrando a riqueza de argumentação que aflora neste clima dejogo e que envolve emocionalmente a todos: “Quando o jogo funciona, emgeral, os alunos, enquanto discutem seus argumentos chegam a subir nascadeiras, de tão empolgados que ficam com a situação do jogo“. Esse profes-sor observa que o envolvimento dos alunos, em geral, gera a descoberta deinformações importantes no texto. Na seção que citamos como exemplo, dosquinze alunos que julgaram, dez condenaram e cinco aceitaram seus atos.

Antes do início da seção, os jurados votam, seguindo o que pensam do acu-sado, a partir de sua leitura individual. O juiz guarda os papéis com os votos.O juiz cede a palavra ao ataque e à defesa. Ele sempre recoloca o fato paraque o ataque e a defesa se dirijam aos jurados. Os grupos podem preparar aapresentação de testemunhas, representadas por alunos do mesmo grupo,que neste momento assumem a voz do outro personagem. Os argumentosnão podem ser inventados; devem ser fiéis à lógica apontada pelo texto. Aofinal do julgamento se comparam os votos do júri, antes e depois, avaliandose houve alguma mudança. O professor anuncia: “depois desta uma hora dejuízo, farei a mesma pergunta ao júri, para ver se somente com o que sepassou aqui neste julgamento vossa opinião foi alterada.” Com a diferençados votos se observa se ganhou a defesa ou a acusação.

Este procedimento estimula os alunos a manter uma discussão mais apuradasobre as questões éticas presentes no texto e torna atrativa a leitura dadramaturgia extra-classe. Neste sentido, ele é extremamente válido comoforma de superar os entraves normalmente presentes no exercício da leitura.

3.4. A redação da fábula

A apropriação pelos alunos da seqüência narrativa inerente ao texto teatralescolhido é imprescindível nesta abordagem, pois viabiliza a comparação fu-tura dos diferentes procedimentos de rapsodização que a fábula sofrerá notratamento dado por outros dramaturgos e encenadores. Encontramos noprocedimento de redação da fábula, desenvolvido por Richard Monod,16 e re-tomado por autores como Grosjean e Dulibine17 uma forma de estimular aaprendizagem de diferentes opções de tratamento teatral de uma estória.Trata-se de isolar o material narrativo do seu agenciamento dramático, se-guindo as seis regras de constituição e redação de uma fábula que foram es-tabelecidas por Monod:

16 Monod, Richard. Les textes de théâtre, Cedic, Paris, 1977.

17 Grosjean e Lulibine, op cit., 2004.

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“- Precisar as durações, datas, lugares, deslocamentos indicados pelo texto eenunciar todos os acontecimentos e as ações (a distinguir dos sentimentos edos discursos: assim, ser ciumento não pode ser levado em conta, a não serque o ciúme provoque as ações)”.

- Enunciar, da forma mais neutra possível, as ações sucessivas dos persona-gens (...); evitar todo efeito de estilo, todo comentário ou julgamento, perma-necer o mais neutro e o menos interpretativo possível.

- Para autenticar os enunciados, indicar entre parênteses a referência precisa,por exemplo, número de cena ou de verso dentro da peça mencionada ou dasmenções (se a informação é reiterada) desta ou daquela ação.

- Reconstituir absolutamente a ordem cronológica; distinguir a fábula anterior,da ação durante a peça (“E eis o que aconteceu...”); evitar a conjugação doverbo no pretérito mais que perfeito para manter uma cronologia estrita; es-crever nos tempos convencionais da narrativa: pretérito perfeito e imperfeito.

- Marcar com um sinal gráfico (cor, itálico) o que está em cena (ações repre-sentadas sob os olhos do espectador) e o fora de cena (ações contadas pelospersonagens ou pelo mensageiro).

- Não confundir fábula e resumo, sendo este muitas vezes entulhado de peripé-cias ou silenciando sobre elementos narrativos julgados secundários.” 18

Esse procedimento permite fazer mais facilmente a leitura da peça na suaintegralidade pelos alunos, por que eles são colocados numa postura ativa.Afirmando logo no início seu caráter parcelado e sua estrutura de quebra-cabeça, torna-se um enigma a resolver, com seus múltiplos índices: a leiturase transforma em um jogo de investigação. Pedindo aos alunos para se cen-tralizarem nas informações concretas, tais como elas são destiladas no texto;nós os conduzimos na construção do conceito de ação (distinguindo-o doconceito de discurso ou de sentimento), precisando os dados espaciais etemporais (o quadro da narrativa), distinguindo o que se passa dentro e forade cena.

Os alunos tomam consciência da estratégia de dramatização do autor, distin-guindo os momentos da fábula que ele escolheu para dramatizar sob a formade cenas desenvolvidas, a escolha dos momentos onde ele insere os dadosdentro do texto das falas e então, dos efeitos que extrai daquilo, espetacula-res, reiterados ou discretos. Assim, somos levados a ver concretamente emquais momentos o leitor-espectador está em vantagem em relação aos per-sonagens; porque ele detém uma informação que os personagens ainda nãotêm, o que lhe garante, por exemplo, a eficácia da ironia trágica.

Quais ações reter? No estabelecimento da fábula são inúmeras as dificulda-des, mas abrem perspectivas de atuação por parte do professor, pois os tex-

18 Monod, Richard. “Les six règles de constitution et de rédaction de la fable”, Op.cit.p.110.

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tos produzidos pelos alunos constituem interessante objeto de reflexão e dedebate. O texto necessita em geral de um comentário paralelo daqueles queo redigem.

Estabelecer a fábula mostra aos alunos que a questão da verdade é constan-te no teatro, através das mentiras, das manipulações, mas também, sim-plesmente, pela coexistência dos pontos de vista dos humanos. Em caso deincerteza flagrante, Monod e Grosjean-Dulibine recomendam inserir pontosde interrogação na redação da fábula: eles manifestam a destreza do autorpara “esvaziar” seu texto e para oferecer várias possibilidades de encenação.A redação da fábula provoca perguntas que suscitam a interpretação e a re-presentação. Somos tentados a escrever a fábula para estabelecer ligaçõesentre os acontecimentos, tentando dar, a todo custo, explicações lógicas ar-riscando fechar o sentido, onde ele deveria abrir as possibilidades para umaencenação eventual.

Quando os alunos redigem a fábula, a instruções centrais podem ser: escre-ver integralmente a fábula do texto ou de um personagem de sua escolha,respeitando as regras dadas. Anotar, numa folha à parte, as dificuldades en-contradas e as dúvidas. Complementar redigindo um comentário sobre o queesse exercício permitiu descobrir na peça.

Os critérios de avaliação que sintetizamos são:

a) quantidade e qualidade das informações (respeito à cronologia, semmaiores esquecimentos);

b) qualidade da redação;

c) intensidade da reflexão levada em paralelo (análise das dificuldadesda tarefa);

d) inventário das descobertas feitas sobre a obra.

As peças consideradas nesta abordagem como clássicos do drama modernoapresentam outras questões ao trabalho de mediação do professor. Muitasvezes elas embaralham a cronologia ou elas impedem o estabelecimento deuma causalidade clara, o funcionamento de uma racionalidade. Nelas, então,achamos mais fábulas embrionárias, micro-fábulas escondidas atrás do atri-to, do acidental e do derrisório. Nestes casos, bem antes de ser um produtoperfeito e acabado, a fábula representa antes de tudo um estado de interro-gação, até de vigilância frente a um texto. A partir daí, pouco importa se pa-rece impossível fazer a fábula desde que se guarde, em relação à peça, esteestado de espírito, de procura à luz do texto que objetiva, finalmente, domi-nar nele o maior número de elementos.

Nossos experimentos mostraram que quando a forma da escritura teatralsustenta claramente um projeto ideológico, como acontece com os textos de

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Brecht, percebemos a necessidade de propor a redação de duas fábulas.Quando as cenas descrevem concomitantemente duas narrativas que se dife-renciam entre si, de acordo com o ponto de vista do papel social de quemnarra, a redação de duas fábulas comprovou-se um procedimento eficaz.

Na abordagem de textos como A peça didática de Baden, Baden ou O acordoe Mãe Coragem, também comprovamos que o estabelecimento da fábula im-põe, para a compreensão dessa pequena estória, que se faça uma lembrançainicial da grande História, contextualizando a narrativa cênica. Nos textosépicos, o microcosmo se refere incessantemente aos dados do macrocosmoque deveria ser conhecido ou revelado.

No que se refere à análise dos textos que não se sustentam pela fábula, per-cebemos nesta pesquisa a importância de o professor se basear na tradiçãodos estudos teatrais acerca das teatralidades contemporâneas. O enfoque dadramaturgia da imagem de Sánchez19, a descrição da cena – seqüência demoléculas de ação, de Silvia Fernandes para a cena de Thomas, a análise deestruturas rizomáticas em Müller, por Toro e R. Hohl, a sistematização deCohen para seus próprios roteiros, são alguns exemplos de estudos que auxi-liam o professor de teatro a encontrar instrumentos para analisar este tipode texto cuja fábula escapa da ordenação lógica. Os principais pesquisadoresdo texto teatral contemporâneo não se voltam mais para as operações derepresentação de uma fábula, mas buscam a descrição dos eventos em ter-mos de seqüências de ações isoladas ou justapostas, na redação dos elemen-tos que formam as estruturas rizomáticas inerentes aos blocos de textos co-mo os de Müller, ou mesmo de uma evolução dramatúrgica das imagens quesó pode ser transcrita em termos de roteiros de ação (story-boards).

Portanto, para dar conta do texto que foge do modelo dramático nos experi-mentos desta pesquisa, testamos de forma produtiva dois procedimentos: aelaboração de listagens de ações cênicas e a confecção de roteiros. Nestesroteiros, os alunos são convidados a conectar seus desenhos com o resumode ações ou a citação de textos mais importantes, promovendo a visualiza-ção da cena. Os experimentos demonstraram que a construção de imagenspropostas nos textos como Hamlet-Máquina, Palavras, palavras de David I-ven, através da corporalidade dos atores, são excelente estímulo para a vi-sualização e a compreensão do texto não-dramático.

Percebemos nesta pesquisa que a criação de imagens, a lista de aconteci-mentos e a confecção de roteiros cênicos, enriquecem a capacidade do alunode entender as operações realizadas pelo escritor, em relação à narrativaescolhida. O professor pode ressaltar as opções adotadas, se preferiu contara estória em desenvolvimento linear, se a fragmentou, se alterou de lugar osacontecimentos através do uso de ‘flash-backs’. Constatamos ainda que osalunos sentem um real prazer de descobrir e sintetizar as fábulas, conscien-

19 Sánchez, José A. Dramaturgias de la imagen. Cuenca,Ediciones de la Universidad de Castil-la-La Mancha,2002.

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tes de terem desvendado, por si mesmos, um caminho de compreensão daobra.

O estabelecimento da fábula é, em nossa proposta, fundamental para o exer-cício de comparação das soluções cênicas que abordaremos no Cap. 4.Quando analisamos o texto de Hamlet, por exemplo, destacamos uma per-gunta que gerou polêmica quando debatemos as fábulas produzidas pelosalunos: “Deve-se acreditar no espectro que conta para Hamlet horrores sobresua mãe e sobre o seu amante? E o espectro existe, além do inconsciente deHamlet? Vamos mostrar um fantasma ou ele é irrepresentável? Essas per-guntas são determinantes para a encenação deste texto”. Somente tendo-seapropriado da linha narrativa adotada no texto teatral em foco, é que o alunopoderá detectar as transformações realizadas pelos encenadores.

3.5. Análise do texto teatral no modelo narrativo de justaposi-ção

Como vimos no capítulo 1, o estudo do texto dramático em nossa proposta,visa servir de base à sua comparação com os textos contemporâneos e comopreparação para o exercício comparativo de diferentes possibilidades de en-cenação, que abordaremos no próximo capítulo. Sendo assim, após a análisedo texto-base escolhido como eixo do experimento, propomos que o gruposeja confrontado com um texto que exemplifique uma versão dramatúrgicadiametralmente oposta àquela do primeiro texto.

O fato do texto teatral pertencente ao modelo narrativo de justaposição nãodispor de uma fábula evidente que possa ser traduzida em um roteiro de a-ções que se desenvolvem linearmente – ou através de quadros independen-tes, como nos textos brechtianos – torna sem sentido a abordagem da reda-ção da fábula e da listagem de ações dramáticas. Nossa meta pode ser, nes-tes casos, não mais a decupagem de ações dramáticas, mas a configuraçãode um roteiro das situações e das imagens por blocos de movimentos cêni-cos, muitas vezes isolados entre si e sem conexão aparente.

Portanto, após a primeira abordagem lúdica de apropriação de fragmentos,percebemos em nossos experimentos com iniciantes e professores em for-mação, que a análise deste tipo de textualidade é mais eficiente do ponto devista didático quando o professor adota, após a apropriação lúdica de frag-mentos do aluno com a peça, a leitura de análises críticas daquele autor es-pecífico como suporte da leitura de mesa e da criação de imagens. Percebe-mos que é imprescindível, quando pensamos no trabalho com iniciantes, quea contextualização histórica e estética do texto possa servir de ferramenta decompreensão da leitura.

3.5.1. Um experimento a partir de Hamlet-Máquina de Heiner Müller

No caso do experimento a partir de Hamlet realizado nesta pesquisa, a leitu-ra e a decupagem das ações e seus respectivos detonadores, presentes no

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texto de Shakespeare, nos moldes orientados por David Ball, permitiu aogrupo traçar uma linha narrativa dramática modelar. Para estudar, via leiturado texto, os principais procedimentos rapsódicos utilizados na cena contem-porânea, escolhemos como contraponto à peça dramática inglesa, o textoHamlet-Máquina, de Heiner Müller. Esta escolha é coerente com nosso crité-rio de seleção que visa trazer para a sala de aula textos contemporâneos cu-jos autores não perderam o interesse de provocar o “espanto” que pode ge-rar uma reflexão filosófica e política no público, considerados pós-modernosde resistência20. São textos que abdicam do desejo de “esclarecimento” polí-tico do público, mas que não abrem mão de provocar a reflexão sobre as re-lações sociais, as relações entre a micro e a macro História. Do ponto de vis-ta estrutural a análise deste texto permite que os alunos possam comparar,por exemplo, o diálogo dramático tradicional com blocos de monólogos querevelam uma montagem de fragmentos provenientes do desmembramentode textos de origens e gêneros os mais variados.

O debate sobre os objetivos dramatúrgicos

Nesta proposta de análise, após os jogos de apropriação e da primeira leituracoletiva do texto, é aconselhável que o professor já possa introduzir o debatesobre as metas do dramaturgo em relação ao público. Após um primeiro le-vantamento dos objetivos, detectados pelos alunos, o professor apresentarecortes de textos sobre teatro que os elucidam.

Por exemplo, na introdução do autor Heiner Müller em nosso experimento,iniciamos propondo um debate que interessava muito ao poeta e encenadoralemão: o que seria um fazer teatro politicamente influente hoje em dia? Al-guns responderam afirmando seu interesse de fazer um espetáculo que pu-desse “esclarecer politicamente o público”. Este desejo foi questionado poroutros, que afirmaram que o verdadeiro ato político seria a ação de criar emconjunto, a tentativa de formar um novo grupo, de terem uma organizaçãoprópria, de poder continuar sem a coordenação do professor das oficinas enão o conteúdo da peça escolhida, mas o fato de conseguirem apresentarsua versão pessoal do Hamlet, apontando para a possibilidade de formaçãode um novo grupo no bairro.

Neste momento, com a intenção de aprofundar o debate sobre a poética doautor, é aconselhável apresentar dois tipos diferentes de recortes: os escritosde estudiosos que situam o autor numa perspectiva histórica e política, e as

20 Utilizamos este termo na perspectiva de autores como Johannes Birringer, destacada porRöhl: “Mesmo Birringer, embora condene o pós-moderno, ao falar em “trocas vazias” (...)ainda assim vê com bons olhos experimentos cênicos e ‘energias transgressivas da perfor-mance pós-moderna’ que exijam co-produção do espectador. Por isso Birringer defende umpós-moderno de resistência, que vê atualizado por Beuys, Fassbinder,Pina Bauch e ¨Müller,artistas que em sua opinião mostram as contradições da cultura tecnológica e abrem a consci-ência do espectador para mudanças sociais.” (Cf. Röhl, 1997, pp.162-163 e Birringer, Johan-nes. Theatre, theory, postmodernism. Bloomington and Indianápolis, Indiana University Press,1991).

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declarações do próprio autor, retiradas de entrevistas, prólogos, publicadosnas edições do texto ou na Internet. Por exemplo, na oficina em foco selecio-namos, para situar Müller, um artigo de Lehmann, pois tínhamos a intençãode questionar aquele grupo com um outro tipo de visão sobre a eficácia deum teatro político hoje:

(...) O teatro tem pouca chance de ter, de fato, um efeito político simples-mente a partir da utilização dessa informação cotidiana, diária, sobre o políti-co. Acreditamos que a coisa mais importante é como trabalhar essas informa-ções. Política é o modo de como você trabalha a percepção dessas questões.E são essas várias formas de percepção do político que variam. A questão jáera, para Brecht, para Heiner Müller e para todos que trabalharam com o tea-tro político: como você muda a forma das percepções das questões políticas,e influi nessa forma de percepção? “Para o teatro, o que é importante é aforma de mudar essa percepção, a forma como se vai conseguir alterar essasfórmulas de percepção que estão dadas.” 21

Um exercício que gerou fértil debate sobre o uso do recurso de historicizaçãoem Müller foi a leitura e a decupagem de ações, imagens e recursos cênicos.Salientamos que as ações, neste tipo de texto, podem ser provenientes doscorpos e das vozes dos atores, da luz, do som, dos movimentos de cenogra-fia, das palavras e imagens projetadas. Apresentamos a seguir um exemplodesta decupagem em ações cênicas de texto não-dramático em um fragmen-to no qual Müller concentra alguns dos elementos característicos de sua poé-tica:

“INTÉRPRETE DE HAMLET

Não sou Hamlet. Não represento mais nenhum papel. Minhas palavras já nãome dizem mais nada. Atrás de mim monta-se a cena. (...) Não entro mais (oscontra-regras, sem que o intérprete de Hamlet se aperceba, instalam uma ge-ladeira e três aparelhos de televisão. Ruído de frigorífico. Três programas semsom).”22

O professor interrompe a leitura e pergunta sobre qual recurso foi usado peloautor no trecho. Após o pronunciamento dos alunos, estimulados por novasperguntas do professor, este destaca o recurso da desconstrução do perso-nagem dramático que elucide o procedimento. A leitura é retomada:

“A montagem cênica é um monumento. Representa em grandiloqüência cên-tupla, um homem que fez história. (...) O monumento jaz no chão, (...) A pe-dra é habitada. Nos espaçosos orifícios do nariz e das orelhas, nas dobras dapele e do uniforme da estátua, aninha-se a população miserável da metrópo-le.”23

21 Lehmann, Hans-thyes. “Teatro pós-dramático e teatro político” (tradução de Raquel Imani-shi) in Revista Sala Preta N.3. ECA-USP, São Paulo, 2003, p.14.

22 Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”. in Müller, 1987, p.29.

23 Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”.in Müller, 1987, p.29.

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Segunda pausa na leitura. Destacamos o recurso da imagem dialética: con-ceito descrito em citação de Ruth Röhl. Retomada da criação de imagens.Voltamos a ler o texto:

“À derrubada do monumento segue-se, depois de um tempo apropriado, a re-belião. O meu drama se ainda tivesse lugar, realizar-se-ia na época da revol-ta. A rebelião começa como um passeio. (...) aqui e ali um carro é virado.(...) quando o cortejo se aproxima da sede do governo, é barrado por umcordão de policiais. Formam-se grupos, de onde emergem oradores. Na saca-da de um edifício governamental, aparece um homem com um fraque mal ta-lhado e começa igualmente a discursar. Mal a primeira pedra o acerta, tam-bém ele se esconde atrás da porta de dois batentes de vidro blindado. O apelopor mais liberdade transforma-se por um grito pela derrubada do governo.Começa-se a desarmar os policiais, toma-se de assalto dois ou três edifícios,uma prisão, uma delegacia de polícia, uma agência da polícia secreta, pendu-ram-se pelos pés uma dúzia de homens fortes do poder, o governo põe tropasna rua, tanques.”24

Novo debate sobre o recurso utilizado. O professor pode apresentar o verbe-te citação de Pavis(1999), assim como texto histórico que situa os alunos emrelação ao período da escritura, 1977, no auge da guerra fria, com a ditaduracomunista instaurada na Alemanha Oriental. Comentamos o corte abruptoprovocado pela inserção da imagem de revolta contemporânea, narrada peloator que até pouco tempo atrás havia encarnado e “desconstruído” Hamlet.

Outro fragmento de texto teórico ampliou o debate sobre a importância queMüller atribui ao princípio de atualidade definido por Roubine25:

“Quando Hamletmaschine foi representada em Nova York, em 1986, naUniversidade de Columbia, foi interessante para mim, na encenação de RobertWilson, a ligação direta de teatro com realidade, como na época de Shakes-peare, e isso pelo simples fato de muitas pessoas chegarem de metrô, o quetrouxe algumas vezes problemas. Giordano Bruno descreve o caminho para oGlobe Theater através da Londres escura. Como se é assaltado em cada se-gunda esquina, como se cai num buraco de obra em cada terceira, e assimpor diante. Uma situação muito parecida com a de New York na época e coma situação de hoje em Berlim. Neste sentido o teatro tem uma grande oportu-nidade.” 26

Continuando a leitura, os alunos destacam a maneira como a imagem realis-ta narrada pelo Hamlet “desmontado” por Müller começa a ser invadida porelementos da linguagem do sonho, até que a fala se torna uma mescla decomentário racional e delírio:

24 Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”.in Müller, 1987, pp.29-30.

25 Roubine, op. cit, 2003.

26 Müller, op.cit, 1997, p.195-196.

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“O meu lugar, caso o meu drama se tivesse realizado, seria dos dois lados dafrente, entre as frentes, acima delas. Encontro-me no cheiro de suor das mul-tidões e jogo pedras em policiais, soldados, tanques, vidros à prova de bala.(...) Agitado pelo medo e pelo desprezo, vejo-me na multidão que se aproxi-ma, minha boca espumando, agitando o meu punho contra mim mesmo. Pen-duro pelos pés minha carne uniformizada. Sou o soldado na torre blindada,minha cabeça está vazia debaixo do elmo, o grito sufocado pelas correntes.Sou a máquina de escrever. Apronto o laço quando os líderes forem enforca-dos, puxo o banquinho de apoio, quebro o meu pescoço. Sou o meu prisionei-ro. Alimento com os meus dados o computador. Os meus papéis são saliva eescarrador, faca e ferida, dente e garganta, pescoço e corda. Sou o banco dedados sangrando na multidão.“ 27

Às declarações do autor, quanto às adaptações de textos clássicos, podemoscontrapor recortes de textos da análise literária, como por exemplo, os frag-mentos que utilizamos em classe, de alguns comentários de Ruth Röhl, ex-tremamente úteis para ampliar o entendimento do texto, por exemplo:

“Na peça Hamletmaschine pode-se pensar apenas em três personagens -Hamlet, Ofélia e o ator que interpreta Hamlet - e, num coletivo, coro (cena2), uma vez que todos os personagens referidos na cena 1 são frutos da lem-brança de Hamlet, assumindo a leitura emotiva deste: assassino (Cláudio) eviúva (Gertrudes), fantasma do pai, Horácio, Polônio, Ofélia sensual, Horácio,Polônio, Ofélia amiga. Nas demais cenas, as atuações de outros personagensestão indicadas apenas nas didascálias. Não se pode, portanto, falar de Dra-matis personae no sentido clássico de representação e expressão do conflitodramático via diálogo: o conflito é revivido através da memória de Hamlet ede uma Ofélia lúcida, que toma para si o destino secular da mulher (...)” 28

Algumas observações de análises críticas podem ser simplificadas pelo pro-fessor. Utilizamos em geral a citação do texto original, e em seguida expla-namos uma síntese, escrita no quadro em frases e expressões-chave. EmInterlagos, por exemplo, como mote para o debate, utilizamos algumas idéi-as retiradas do estudo de Ruth Röhl, em que essa estudiosa destaca o traba-lho de redução do modelo operado por Müller, na medida em que mostra emsua versão, “apenas o esqueleto da peça de Shakespeare”. Enfatizamos quea redução do modelo ao seu esqueleto, segundo Röhl, dá ao público especta-dor instrumentos para a leitura, para que possa refletir sobre o modelo derealidade apresentado.

Sobre a prática de deixar em aberto a conclusão do texto, ou seja, a opçãoclara pela ambigüidade e o choque de manter dois finais opostos que convi-vem na mesma imagem, uma forte intenção política presente na versão deMüller, lemos e debatemos também este fragmento:

27 Müller, op. cit, p. 30.

28 Röhl, Ruth. O teatro de Heiner Müller. Perspectiva, São Paulo,1997, p.58.

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“A questão é verificar como é vazada a intenção política. Através dos perso-nagens Hamlet e Ofélia. Hamlet-machine oferece dois modelos de realidadeem coexistência tensa: um deles retoma a solução barroca da história-destino, o autor resiste pela voz (de Electra) que se faz ouvir sem ser articu-lada por Ofélia. A opção por dois modelos indica renúncia a um modelo únicoou à síntese enquanto modelo global de adoção do sentido, ou seja, renúnciaa uma mensagem ideológica clara e diretamente vazada.”29

A observação seguinte de Röhl suscitou uma reflexão interessante pois ogrupo questionou se vale a pena fragmentar e rechear de citações em dema-sia a narrativa de Hamlet, tendo em vista que o seu público-alvo, a comuni-dade de Interlagos, em sua maioria, não conhecia o modelo de Shakespea-re, ou seja, a teoria nos leva a questionar os seus objetivos em relação aopúblico:

“Todavia, a intenção codificadora precisa ser reconhecida pelo receptor. Nocaso de Hamlet-Maschine, para que se possa atualizar a implicação política, épreciso que o receptor tenha conhecimento do código original da peça e per-ceba a forma original da peça (Hamlet) e a forma paródica da representa-ção.”30

No que se refere às relações do texto com a História, situamos que a partirde 1979 a peça teve várias montagens na República Federal da Alemanha,mas, além da supracitada encenação de Robert Wilson, destacamos a ence-nação realizada pelo autor, logo após a abertura do muro de Berlim, emmarço de 1990, na qual Müller insere a montagem de seu texto dentro daencenação integral do original de Shakespeare. Comentamos que a monta-gem foi a resposta do dramaturgo aos acontecimentos políticos de então ecausou certa polêmica, pois configurava Hamlet como a metáfora da incapa-cidade de ação dos intelectuais de esquerda na época, diante da unificaçãoalemã.

Ao ler em sala de aula o texto intitulado “Hamletmaschine, 1977”, de Müller,explicamos ao grupo um pouco da situação política a que o autor se refere.Com esse debate, nosso objetivo foi compartilhar a idéia de que o tema deHamlet interessou esse autor como metáfora de acontecimentos e pessoasreais. Chamamos a atenção do grupo para a proposta mülleriana de adaptaros textos clássicos estripando-os, traindo-os, apresentando esqueletos dasnarrativas e enxertando-os de citações de imagens e textos contemporâneos,que se referem ao mundo em que vive o público, ao seu tempo histórico.

Também chamamos a atenção para a opção formal de Müller, de não escre-ver diálogos, motivado por uma sensação de falta de diálogo no campo davida política, no momento de sua escritura. O trecho do texto teórico nos le-

29 Röhl, Ruth.O teatro de Heiner Müller.Perspectiva, São Paulo,1997, p.86.

30 Röhl, Ruth. op.cit, 1997, p.87.

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vou a discutir as relações da forma, da estrutura da peça, feita de “blocos demonólogos”, com os objetivos políticos do autor:

“Não havia mais diálogo. Queria incluir diálogos, não era possível. Não haviadiálogo. Apenas blocos de monólogos. E o todo encolheu, ficou reduzido a essetexto. Também o tema Budapeste 1956 não resultou mais em diálogo (...)” 31

Nossa análise dramatúrgica também chamou a atenção para a maneira comoesse autor, na tentativa de relacionar o texto clássico com a vida contempo-rânea, busca criar ruídos na percepção da platéia, enxertando sua versão deHamlet com frases retiradas de outros contextos, incluindo, por exemplo,frases retiradas da leitura de uma revista semanal, no caso, a revista Life:

“(...) A frase final (da peça) é de Susan Atkins, membro da sua “family”, umadas assassinas de Sharon Stone, famosa por seus ‘scaring phone calls’, telefo-nemas aterrorizantes. Um deles foi citado na Life. Este eu tinha lido por acasona Bulgária. Na Bulgária eu dependia mesmo do acaso, no que se referia à lei-tura. A frase era: ‘quando eu andar com facas de açougueiro pelos seus dormi-tórios, vocês saberão a verdade’. “ 32

Ao preparar o dossiê de textos sobre teatro, o coordenador escolhe, lendo asanálises dos especialistas nos textos, quais os instrumentos cênicos narrati-vos são os mais significativos naquele autor, e seleciona aqueles que consi-dera imprescindíveis para serem debatidos e experimentados com seus alu-nos. Em nosso experimento, a análise dos principais instrumentos cênico-narrativos iniciou-se pelo recurso da citação. Ao lermos a análise que RuthRöhl faz da peça, destacamos duas espécies de citação: a de textos e a deimagens contemporâneas, que são inseridas na narrativa, sem nenhumapreparação, criando uma ruptura nos acontecimentos anteriores, com as i-magens que se referem aos personagens, algumas ações e mesmo algumresquício do texto de Shakespeare. Comentamos como a citação na escriturade Müller é posta sem ajuste, cortando a imagem anterior sem explicaçõesou causalidade.

Após a leitura do texto, perguntamos ao grupo: “Qual foi a cena que evocouuma imagem que você considera como sendo uma imagem forte e pertinen-te, que pudesse estar em uma versão do texto a ser encenada pelo grupo?.”Nessa abordagem, não pedimos aos alunos justificativas pela seleção de de-terminada imagem. Não é necessário que o aluno tenha que racionalizar deimediato a sua escolha. A imagem é considerada como um material poético,que pode estimular novos experimentos no futuro, sendo por isso registradaem fichas que compõem o banco de dados coletivo.

31 Müller, op.cit.p.214.

32 Müller, op.cit., 214-215.

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3.5.2. A criação de imagens durante a leitura

Comprovamos que o procedimento de criação de imagens durante a leituradeste tipo de texto é imprescindível, quando trabalhamos com alunos quenão estão acostumados a textualidades desta natureza. Valorizamos, portan-to o procedimento similar ao que utilizamos com a configuração no espaçodas ações dos textos que se alicerçam na fábula. A diferença é que a divisãoda leitura em segmentos tem como foco não mais a mudança das ações quepercebemos nas falas dos personagens (diálogos, narrações), mas, nestescasos, o foco pode ser a mudança na configuração das imagens e/ou das si-tuações cênicas. Durante a leitura dos blocos de monólogos de Müller, feitapelos alunos que se revezam, um outro grupo de alunos pode tentar configu-rar as cenas no espaço da sala leitura do texto. Como neste caso o texto nãodiscrimina o que é fala do que é narrado ou tem indicação cênica, os atoresse colocam no espaço em imagens fixas.

A criação gradual de imagens cênicas estáticas na medida em que os alunosque revezam o papel de narradores dizem o texto, demonstrou ser um recur-so importante para que a potência do resultado teatral na justaposição deelementos contraditórios dentro de uma mesma situação não se perdesse naleitura convencional. Consideramos importante que para uma mesma se-qüência do texto sejam efetivadas diferentes formas de configuração no es-paço. Juntamente com o professor, os alunos avaliam em que medida as i-magens podem ser retocadas para tentar configurar em cena, o mais próxi-mo possível, as descrições identificadas no texto.

Por exemplo, uma questão levantada foi: com quais imagens cênicas Müllerencerra o seu texto? Após a criação dessas imagens por dois subgrupos dife-rentes, o grupo percebeu que no final proposto existem duas imagens fortesdescritas no texto. A penúltima é quando o ator veste o costume e a máscarade Hamlet, entra na armadura, racha com a machadinha as cabeças de Marx,Lênin, Mao Tse Tung, cabeças estas pertencentes aos corpos de três mulhe-res nuas, seguido da queda de neve. Na última rubrica que indica o espaçodo mar profundo, com peixes, cadáveres e ruínas passando, Müller encerraseu texto através da voz feminina:

“OFÉLIA

(Enquanto dois homens, com batas de médico, a enrolam de baixo para cima,na cadeira de rodas, em faixas de gaze)

“Aqui fala Electra. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Para as me-trópoles do mundo. Em nome das vítimas rejeito todo o sangue que recebi.Transformo o leite dos meus peitos em veneno mortal. Renego o mundo quepari. (...) Abaixo a felicidade da submissão. Viva o ódio, o desprezo, a insur-reição, a morte. Quando ela atravessar os vossos dormitórios com facas decarniceiro, conhecereis a verdade”.

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(Os homens saem. Ofélia permanece em cena, imóvel nas ataduras).”33

Somente após a narração do texto concomitante com as imagens configura-das pelos atores o grupo pode perceber a dimensão cênica do texto em foco,especialmente o procedimento de Müller em deixar o seu final em aberto,justapondo duas cenas que não se complementam diretamente, tornando oseu final muito mais ambíguo do que parecia a todos, antes da realização dasimagens.

3.6. Análise de outras obras do mesmo autor

A comparação da peça em foco com outras obras do mesmo autor é uma re-comendação dos principais autores que sistematizaram modalidades de in-trodução à análise dramatúrgica, tais como Vinaver (1993), Grosjean, Dulibi-ne (2004), David Ball (1999), e Lavandier (1997).

O que nos diferencia desses autores é que valorizamos uma forma de olharesses textos que complementam a leitura principal. Não se trata apenas deampliar a compreensão do texto-base, conforme propõem os estudiosos su-pracitados. Valorizamos a construção de um enfoque rapsódico, do montador(bricoleur), que recorta o texto em função de uma futura montagem, quepode - ou não - vir a utilizar este material textual. Nessa proposta é precisoestimular a análise dramatúrgica dos alunos numa atitude de apropriaçãoantropofágica, como mencionamos no capítulo 1. Este olhar canibal, que po-de decompor para recompor qualquer material textual, deve ser estimuladopelo professor durante toda a fase de análise.

No caso da análise de textos que não se sustentam no desenvolvimento deuma intriga no sentido tradicional, percebemos nesta investigação que a aná-lise de outras obras do mesmo autor é fundamental quando se trata de a-prendizagem da literatura teatral por alunos que não tiveram contato anteri-or com a escritura cênica inerente ao modelo narrativo de justaposição. Des-ta forma, no contexto da formação de professores, valorizamos a evoluçãoda capacidade de seleção e mediação, por análise comparativa, da naturezados recursos de escritura empregados. O contato com o mesmo recurso sen-do empregado em imagens e situações diferentes demonstrou ser um proce-dimento que amplia e agiliza sobremaneira a compreensão do texto.

Defendemos também a leitura de análises modelares de outras obras do au-tor que está sendo enfocado. Conforme salientamos no cap. 1 é interessanteque o professor possa contar com um banco de textos com comentários mo-delares e declarações do autor sobre os procedimentos, pois esses recortesiluminam a compreensão da peça.

33 Müller. Heiner. ”Hamlet-Máquina”. O Teatro de Heiner Müller, 1987, p.32.

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Os critérios de escolha destes textos paralelos são três:

a). Que o outro texto ou fragmento possa servir de exemplo da poética dodramaturgo, possibilitando o exame de, pelo menos, um instrumento cênico-narrativo utilizado, o que em nossa abordagem significa dizer que o referidofragmento deve preferencialmente ter uma análise teórica de fácil acesso,que ajude o professor a mediar a aprendizagem do recurso em foco;

b). A presença de temas correlatos ao texto analisado;

c). A proximidade do tema com a realidade contemporânea e, se possível,com um dos temas aflorados nas improvisações do grupo.

O professor pode buscar comentários sobre outros textos do mesmo drama-turgo que esclarecem recursos cênicos importantes. É o caso da utilização de“protocolos de sonho” como material de escritura em Müller. Por exemplo,para contextualizar Hamletmaschine, escolhemos o fragmento que denomi-namos “Monólogo do elevador” extraído da peça A Missão, juntamente comuma entrevista do autor e uma análise da referida peça feita por Röhl.

Valorizamos a leitura de recortes de análises que abordam a maneira deconstrução do texto. Na medida em que a dramaturgia que foge o mododramático não pode ser esquadrinhada por um modelo analítico absoluto,consideramos importante que o professor em formação possa se acostumarcom esta prática de destacar, na fala dos autores e nos comentários dos crí-ticos, os termos que se referem aos procedimentos de escritura do texto. Porexemplo, Müller assume a necessidade de vivenciar determinadas experiên-cias, para encontrar a forma ideal de materialização de uma idéia. Na escri-tura de A Missão esse dramaturgo aproveitou o registro de um sonho:

“Só pude escrever a peça depois de uma estada no México e em Porto Rico.Antes eu não tinha a dramaturgia necessária. No México achei a forma. A se-gunda parte do texto do elevador na peça é o protocolo de um sonho, o sonhoresultante de uma caminhada noturna de uma aldeia afastada até a rodoviaprincipal em direção à cidade do México, passando por um caminho rural en-tre campos de cactáceas, sem lua, nenhum táxi. Às vezes surgiam vultos co-mo nos quadros de Goya, que passavam por nós, algumas vezes com lanter-nas de pilha, também com velas. Uma viagem do medo pelo Terceiro Mun-do”.34

Neste momento, valeu a pena apresentar ao grupo o recorte do texto abor-dado, onde destacamos as passagens que possuem relação com o comentá-rio no texto teórico, passagens estas que concentram um exemplo interes-sante. Além de poder comentar a visão paranóica de um intelectual alemãoperdido em alguma aldeia no terceiro mundo, presente no recorte, podemospedir que os alunos destaquem aquelas passagens nas quais o leitor pode

34 Müller, 1997, p.217.

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aferir os conteúdos anotados no sonho do autor após a referida vivência nointerior do Peru:

“Como explicar a minha presença nessa terra de ninguém. (...) a única coisaque se move é um cachorro que remexe um monte de lixo fumegante. Hesiteimuito tempo. Os homens se afastam da parede de cartazes e atravessam arua em diagonal, na minha direção, a princípio sem olhar par mim. Vejo orosto deles perto de mim, um deles preto, olhos brancos, olhar indefinido: osolhos não têm pupilas. A cabeça do outro é de prata cinzenta. Um longo,tranqüilo olhar”. “Olhos cuja cor não consigo determinar; um vermelho cintilaneles. Pelos dedos da mão direita, que pende pesada e que igualmente pareceser de prata, corre um tremor, as veias brilham através do metal. Depois oprateado passa por trás de mim, seguido do preto. Meu medo se dissipa e ce-de lugar à decepção: não mereço nem mesmo uma facada, nem ser estrangu-lado com mãos de metal.”35

A leitura ilustra o procedimento de inserção do “protocolo de um sonho”, emum texto que até o presente momento tratava de personagens relacionadosao fato histórico do envio de revolucionários franceses que pretendiam liber-tar o Haiti, no século XVIII. Ou seja, o pesadelo que começa com a entradado personagem em um elevador moderno efetua um corte abrupto no uni-verso fictício apresentado até então. Este salto no tempo tem a ver com umatextualidade de característica onírica, que Roubine aborda como uma dastendências da cena, e que pode ser comentada pelo professor como uma dasvertentes mais significativas da cena atual, a partir de outra declaração dodramaturgo:

“A estrutura narrativa dos sonhos sempre me interessou, essa falta de cone-xão, o abandono das relações causais. Os contrastes criam velocidade. Todo oesforço de escrever pretende alcançar a qualidade dos nossos próprios so-nhos, também a independência da interpretação.”

Nesta fase de comparação com outros textos, valorizamos também o examedas coincidências. Por exemplo, abordamos o fato de “A missão”, assim comoa peça sobre Hamlet, ser uma adaptação de narrativas de outro autor, nocaso, um conto de Ana Seghers.

Nas oficinas percebemos que os procedimentos analisados em outros textosdo mesmo autor podem ser de grande utilidade na fase seguinte dedicada àencenação. Após cada encontro, é recomendável que o professor faça umlevantamento dos temas e recursos mais interessantes. Quais os procedi-mentos que poderíamos utilizar em uma adaptação do texto? Os alunos quejogam o papel de dramaturgos, naquele momento, anotam as soluções con-sideradas relevantes para serem testadas posteriormente. Em Interlagos osparticipantes discutiram, por exemplo, que este “monólogo do elevador”, po-deria inspirar uma cena a ser explorada pelo grupo. Uma das idéias configu-

35 Müller, Heiner. ”A Missão”. O Teatro de Heiner Müller, 1987, p.49-50.

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rou um pesadelo do personagem Hamlet, na periferia de uma metrópole lati-no-americana.

Consideramos que a abordagem intertextual da cena, presente em muitosencenadores contemporâneos, pode ser assumida desde o início. Para com-plementar a busca de procedimentos, o professor propõe também que o gru-po possa ler os textos prestando atenção aos recortes possíveis que poderi-am ser citados em sua adaptação posterior. Neste caso, ao final dos encon-tros, os participantes podem propor frases, fragmentos, ou mesmo cenasinteiras que poderiam ser contempladas através, por exemplo, de inserçãode cena metateatral, que introduzisse uma célula narrativa alheia ao univer-so ficcional do texto-base. Nessa perspectiva intertextual, os subgrupos deci-dem, por consenso, as sugestões que são anotadas nas fichas pelos alunos-dramaturgos.

3.7. A análise de textos de outros autores referentes ao mesmoassunto ou enredo do texto-base

A comparação entre diferentes tratamentos cênicos dados à mesma persona-gem ou situação dramática presentes nos textos teatrais, foi um procedimen-to elaborado em função dos problemas da pesquisa. Seus resultados forambastante positivos no que se refere ao aprendizado de dramaturgia.

Quando dois textos teatrais diferentes se valem da mesma fábula, um dosaspectos a ser comparado é a atitude do dramaturgo na adaptação cultural.Por exemplo, após decidir por Medéia, tendo em vista a pertinência de suatemática e/ou de sua forma dramatúrgica – e/ou quando pretendemos estu-dar instrumentos epicizantes de escritura como o Coro, por exemplo, - po-demos examinar também algumas adaptações que operaram o abrasileira-mento de forma radical, como Gota d´Água de Chico Buarque e Medeamate-rial, a versão não dramática de Müller.

Para debater diferentes possibilidades de textos nos quais a música possuiimportante papel estruturante, por exemplo, são várias as opções de peçasque retomam estórias e temas de espetáculos bem sucedidos. Em nossobanco didático escolhemos obras como a Ópera dos Mendigos (The Beggar’sOpera, 1728) de John Gay, pelo fato de podermos compará-la com a Óperados Três Vinténs (Die Dreigroschenoper, 1928) de Brecht, com seus três fi-nais diferentes, considerada um modelo de teatro épico. Sempre que possí-vel, é oportuno encontrar um exemplo nacional de apropriação da mesmafábula. Neste caso, escolhemos a Ópera do Malandro (1978), de Chico Buar-que, que transpôs a estória contada por Brecht para o submundo do crime doRio de Janeiro. A leitura de análises críticas como o trabalho de Sartigen36

sobre a recepção da obra de Brecht no Brasil fornece informações importan-tes para embasar este tipo de exercício comparativo.

36 Sartigen, Kathrin. Brecht no Teatro Brasileiro.(Tradução de José Pedro Antunes).São Paulo,Hucitec, 1998.

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Quando enfocamos Hamlet, após a apropriação da dramaturgia elizabetana,propusemos a comparação com as seguintes peças:

Saxo Grammaticus: O primitivo Hamlet (“Historia Danica”, latim, 1200, versãofrancesa por Belleforest em “Histoires Tragiques” de 1576)

Heiner Müller: Hamlet-máquina, Berlim, 1977.

Brecht : “Hamlet e o barqueiro” (cena de “A Compra do Cobre” e trechos do “Diá-rio de Trabalho”37)

Tom Stoppard: “Guildenstern e Rosencratz estão mortos” (1968) (Comédia)

Steve Berkoff: “Mal secreto: a vida amorosa de Ofélia” (cartas entre Hamlet esua amada)

Cia do Latão: Última versão do texto de “Ensaio para o Latão”, SP (inédito)

IVES, David. “Palavras, Palavras, Palavras” in Tudo no Timing: sete comédias emum ato, Rio de Janeiro, 7 Letras, 1999. (pp.7-18)”

Nessa oficina, privilegiamos a comparação de três modalidades de escritura:cenas baseadas no diálogo dramático entre Ofélia e Hamlet; a sucessão demonólogos (cartas imaginárias entre os personagens) de Steve Berkoff; comos materiais textuais em blocos independentes de Müller, nos quais não sedistinguem com exatidão as didascálias das falas. A maioria dos participantesavaliou que o exercício tinha sido de grande valia para esclarecer as relaçõesentre a forma adotada nos textos e o efeito produzido no leitor, bem comoapresentou diferentes atitudes relativas à mesma fábula. Nas avaliações, ogrupo revelou que a leitura de novas formas de redação abriu o leque de op-ções para imaginar diferentes adaptações da estória.

O texto Palavras, Palavras, Palavras, por exemplo, foi um bom exemplo depeça-paisagem, na definição de Vinaver (1993), ou seja, de texto que nãodesenvolve as ações, mas apresenta uma situação metafórica que questionao público de forma aberta, sem fechar o sentido, sem apresentar mensagensou mesmo questões unívocas. Neste momento, iniciamos pelo jogo teatral apartir da leitura do texto teórico que resumia a imagem cênica central da pe-ça:

“(...) um pesquisador da Universidade de Columbia, está determinado a pro-var que três macacos trancafiados numa jaula com máquinas de escrever sãocapazes de produzir, cedo ou tarde, Hamlet. (...) Entre uma banana e outra,Milton, Swift e Kafka especulam sobre as dificuldades da criação literária, so-

37 Brecht, Bertolt. “Diário de trabalho, volume I:1938-1941”; org. de Werner Hecht; RJ, Roc-co, 2002.

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bre o pós-modernismo e capitalismo, citando, sem que se dêem conta de tre-chos de clássicos da literatura.”38

Pudemos comentar o fato de esta peça citar de forma irônica o tema Hamlet,mas não possuir mais nenhuma relação com o modelo escrito por Shakespe-are. Os jogos teatrais que realizamos a partir desta situação proposta porIves e de seus fragmentos, resultaram em um quadro cênico que chegou aser apresentado diversas vezes, mas que depois foi descartado quando ogrupo definiu as cenas que realmente fariam parte do roteiro final. Segundoa avaliação dos participantes desta oficina, a análise, a criação de imagens ede jogos a partir de diferentes dramaturgias em torno de foi essencial paraampliar as possibilidades de adaptação do texto-base, inspirando, conformeveremos no próximo capítulo, o uso de instrumentos cênicos que eram des-conhecidos para o grupo até então.

3.8. Uma abordagem para a análise dramatúrgica em sala deaula: leitura, contextualização e jogo com o texto.

Após a análise dramatúrgica podemos apresentar e discutir com os alunos, oresumo das fases da primeira etapa desta abordagem metodológica. Os alu-nos podem anotar as metas em seus cadernos, como um roteiro geral dasfases percorridas até aquele momento. Neste nosso enfoque, o planejamentode um experimento em torno de um texto teatral deve ser discutido com to-dos, fazendo do aluno um parceiro na investigação, consciente das fases doprocesso. O resumo da fase dedicada à análise dos textos é o seguinte:

1. Avaliação diagnóstica: procedimentos de jogo e debate que revelem quaisos temas, personagens e maneiras de encenar dos grupos

2. Ampliação do repertório: exploração de fragmentos diversos

3. Seleção de texto teatral que servirá de eixo para a segunda fase do expe-rimento.

4. Análise dramatúrgica e experimentação lúdica do texto teatral seleciona-do.

5. Leitura, análise e experimentação de textos teatrais com mesmo tema ounarrativa.

Após a conclusão da análise dramatúrgica do texto teatral escolhido, os ex-perimentos realizados nos levam a recomendar que o professor revele sem-pre que possível o seu planejamento, colocando-o em questão, ouvindo su-gestões dos alunos, aceitando-as ou não, dependendo dos seus objetivospedagógicos.

38 Ana Bernsteisn, in Ives, David, Tudo no Timing, 7 comedias em 1 ato. Viveiros de CastroRJ,1999.

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Capítulo 4: Experimentos a partir da análise de dossiêsde encenação modelares

De quantas formas podemos encenar o texto teatral? Na aula de Teatro, comoos alunos podem se apropriar das contribuições dos principais encenadores pa-ra se desenvolverem dentro desta linguagem artística?

Para que os alunos possam ampliar seu repertório formal, e visando comple-mentar a análise e o jogo de textos que abordamos nos capítulos 2 e 3, pro-pomos duas práticas em torno de dossiês que reúnam materiais referentes aencenações modelares: a análise de registros e reflexões sobre espetáculos e aexperimentação dos procedimentos de adaptação e montagem do texto utiliza-dos por diretores cujas poéticas cênicas sirvam de referência para o cidadão serelacionar com a diversidade teatral contemporânea.

Apresentamos neste capítulo os princípios relativos à fase de nossa propostaque parte da experimentação dos procedimentos de criação, provenientes daanálise de dossiês de encenações modelares. Interessa-nos como conteúdoinerente da disciplina Teatro, a contribuição artística dos grandes diretores, noque diz respeito à formulação de atitudes político-estéticas e à invenção de ins-trumentos cênico-narrativos.

Reiteramos que nossa intenção não é apresentar receitas, mas sistematizar osprincípios que norteiam a formulação e a abordagem lúdica de dossiês de ence-nações modelares, como outra forma de ampliar o repertório teatral dos educan-dos. Os exemplos utilizados para ilustrar os princípios metodológicos dizemrespeito ao experimento que realizamos tendo Hamlet como ponto de partida naoficina com iniciantes em São Paulo, já enfocado no capitulo anterior, quandonos referimos à analise de Hamlet máquina.

Iniciamos por situar os objetivos e os critérios de seleção para a formulação dedossiês de encenações modelares. Tendo em vista a realização de experimen-tos de encenação com fragmentos do texto teatral analisado, em seguida, sãoabordadas diferentes entradas para a utilização didática desses dossiês, a sa-ber:

- Poéticas cênicas modelares: o ponto de partida pode ser a leitura de textossobre teatro que descrevam os objetivos e procedimentos de criação referentesa poéticas cênicas distintas, como as de Robert Wilson e Brecht;

- Registros e análises de uma encenação do texto: o ponto de partida pode sera experimentação de procedimentos assim como a análise de fotos, vídeos etextos da teoria e crítica referente a uma encenação modelar realizada a partirdo texto teatral que estiver sendo estudado pelo grupo. Como exemplo, desta-camos alguns dos exercícios que podem ser formulados a partir da leitura demateriais sobre o espetáculo Ham-let, do grupo Oficina.

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- Multiplicidade de óticas de um mesmo procedimento: o ponto de partida podeser a análise comparativa de fotografias e registros em vídeo de espetáculos,assim como a leitura de declarações de diretores, que ilustrem distintas formasde utilização de um mesmo procedimento de criação cênica. Como exemplo,apresentamos uma síntese do enfoque que utilizamos com o recurso projeçãode imagens.

O capítulo se encerra com nossos comentários sobre a fase final desta propostana qual após os grupos terem ampliado o repertório teatral deles - através doexame e do jogo com textos teatrais, assim como os procedimentos com osmateriais retirados dos dossiês - decidem quais princípios e procedimentos ex-perimentados serão utilizados no desenvolvimento dos quadros cênicos queserão apresentados em público.

4.1. A criação de banco de dados sobre encenações modelares

Na medida em que objetivamos a aprendizagem da escritura cênica na escola,através de jogos com textos teatrais, consideramos que não faria sentido exa-minar em sala de aula somente os materiais textuais, tendo em vista que a a-prendizagem da dramaturgia, se assumirmos o ponto de vista de Pavis e deoutros autores1, não está dissociada de sua representação concreta no palco:

“Nesta acepção, a dramaturgia abrange tanto o texto de origem quanto os mei-os cênicos empregados pela encenação. Estudar a dramaturgia de um espetácu-lo é, portanto, descrever a sua fábula ’em relevo’, isto é, na sua representaçãoconcreta, especificar o modo teatral de mostrar e narrar um acontecimento.” 2

A montagem de textos e ações (gestuais, vocais, sonoras, cenográficas) emdramaturgia é reconhecida como “a força produtiva que recorta e espaça o tex-to pelos autores que apostam no espaçamento dos quadros”. Sarrazac salientaque os defensores do organicismo, do vitalismo e do fluxo dramático, comoLuckacs, podem definir a montagem como mutilação e a dramaturgia em qua-dros como um sistema descosido e estático. No entanto, contrapõe-se a estacrítica um exemplo que poderia servir de ponto de partida para a reflexão emsala de aula: a possibilidade de se encenar um texto através da montagem dequadros.3 Ele propõe que se pense na relação dinâmica entre os quadros quecompõem a via crucis como uma lição de montagem:

“Algumas peças atuais, — onde é notável a influência do Stationendrama ex-pressionista ou, recuando mais no tempo do teatro medieval — têm, aliás, al-guma relação com uma dramaturgia em estações: caminho da cruz, Paixão, pe-

1 Ubersfeld, Roubine, Lehmann, Fernandes, Cohen, Ramos.

2 Pavis, 1999, p.113.

3 Este exemplo já nos foi útil durante o experimento de encenação analisado na pesquisa demestrado (C.F. Martins, 2004).

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regrinação ou cruzada. Estas formas são ainda habitadas de forma ímpia, talcomo no Ulisses de Joyce se reconhece a estrutura da missa.” 4

Nesta proposta é desejável que inicialmente o professor pergunte aos alunosqual poderia ser a atitude do grupo diante do texto que adotamos como pontode partida do experimento, ou seja, qual seria a opção ou as opções de monta-gem a partir desse material.

Se concordarmos com Hegel que a forma é um reservatório de conteúdo e asformas antigas deixam transpirar as velhas ideologias, essa premissa pode nor-tear esta fase de análise das encenações de um mesmo texto. O enfoque histó-rico das categorias estéticas, como defendeu Brecht, faz-nos perceber que emteatro não basta dizer coisas novas. É preciso, também, dizê-las de outra for-ma. Parafraseando o mestre alemão, ser contemporâneo na escrita e na ence-nação não é contentar-se em registrar as mudanças na sociedade, é tambémintervir na conversão das formas.

Este raciocínio do conteúdo contido na forma nos leva a formular a seguinteinstrução: de quantas formas podemos converter este texto? Quais seriam asconcepções cênicas e adaptações dramatúrgicas do grupo? Como cada alunoencenaria? Utilizando quais partes do texto em foco? Para responder a estaquestão utilizamos, em ordem que dependerá de cada grupo, os seguintes pro-cedimentos de criação cênica que apresentamos no capítulo dois: criação deimagens improvisadas pelos atores, jogos teatrais, redação de estruturas geraisde roteiros, roteiros cênicos (story-boards), preparação e apresentação deworkshops (performances individuais dos atores), desenho e fisicalização deimagens cênicas dos alunos diretores.

Neste sentido, a análise comparativa de encenações modelares de um mesmotexto é uma das formas de estimular a ampliação do repertório de instrumentoscênicos do educando. Nossos experimentos comprovaram que estudar a formacomo diferentes artistas operam sobre um mesmo material, seja ele um textoclássico – da Antigüidade, ou da Modernidade - ou contemporâneo, estimula oeducando a estabelecer comparações entre as diferentes versões cênicas, am-pliando sua capacidade de leitura, seu potencial como espectador crítico e decriador da cena.

”(...) quando vê representar uma peça contemporânea, o espectador já não secontenta em reconhecer um estilo e reter uma história; ele entra, também, nainteligência da montagem.”5

Como desenvolver a capacidade de perceber esta inteligência da montagem?Deste ponto de vista, após os alunos terem analisado e experimentado ludica-

4 Sarrazac, op.cit, 1981. p.80.

5 Sarrazac, idem, p.76.

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mente o texto teatral selecionado, apropriando-se da fábula e do modo de es-truturação original (ou, no caso de texto não-dramático, do roteiro de situa-ções, imagens ou acontecimentos), consideramos importante conhecer algunsdos principais procedimentos de encenação do teatro contemporâneo. Nesteenfoque, o desenvolvimento da capacidade de análise e de criação dramatúrgi-ca do educando é incrementado toda vez que este se apropria de uma premissaou procedimento desenvolvido pelos grandes diretores.

Após o levantamento de imagens cênicas, de concepções, de jogos teatraisque o grupo propõe a partir do texto em estudo, conforme vimos no capitulo 2no exemplo de recriação de cenas de Esperando Godot, assim como dos co-nhecimentos e referências cênicas (teatro, televisão, dança, cinema, vídeo-arte) que o professor percebeu como parte do repertório teatral do grupo, de-fendemos a apresentação, pelo professor, de outras referências. Sendo assim,é recomendável que ele selecione princípios e procedimentos de encenaçãoque poderiam ser apresentados para ampliar o leque de opções dos grupos.

A questão em foco neste momento é: Quais os princípios artísticos e procedi-mentos cênicos importantes para a compreensão do teatro contemporâneo quenão surgiram na adaptação cênica do texto em foco realizada espontaneamen-te pelo grupo? A resposta pode nortear a seleção das encenações modelares,que servirão de modelo a ser apropriado e recriado pelos alunos.

Na criação de banco de dados didáticos defendemos a formatação de dossiêscontendo análises agrupadas em torno de algumas encenações modelares deespetáculos – referências históricas sobre outras encenações – monografias,análises, diferentes registros: fotos, roteiros, planos de direção e vídeos, comoexemplos de encenações que podem servir de referência histórica e estéticapara cada grupo e contexto.

Quais seriam então os critérios para a seleção dentre os múltiplos processosde criação da história recente? O que podemos levantar como princípio geralde escolha dos exemplos a serem confrontados com os alunos?

Em primeiro lugar, a diversidade de formas, temas e processos. Parece maisinteressante poder utilizar uma encenação de cada tipo, para ilustrar a diversi-dade, do que apresentar muitos exemplos de um mesmo tipo, sem revelar aopção da tipologia adotada, ou a divisão por categorias de leitura. Não nos in-teressa nesta fase o aprofundamento em uma determinada forma de encenar,mas a configuração de um leque de opções, isto é, a apropriação crítica, porparte do grupo, do maior número possível de ferramentas de criação e leiturada cena.

Tendo em vista estimular a ampliação do repertório teatral dos educandos e odebate de diferentes visões de mundo, esta proposta de realização de jogosde encenação com recortes de textos tem como critério de seleção das ence-nações o enfoque nos procedimentos de encenação.

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Nesta perspectiva, além das formas rapsódicas ou épicas da encenação, valo-rizamos nesta proposta a aprendizagem da cena não-dramática, na visão deHans-Thyes Lehmann (2002), que pode ser visto como equivalente ao modelonarrativo da justaposição. Para autores como Sílvia Fernandes (1996), o mo-delo da justaposição se caracteriza por uma escritura que possui outra narra-tividade, apoiada não mais no contar ou apresentar uma estória para o públi-co, seja de forma linear ou não, mas sim, nas associações, nas justaposições,conexões em rede, na não-causalidade que altera o paradigma aristotélico dasações, da fabulação, de linha dramática, influenciado pelas novas formas nar-rativas e tecnológicas como o cinema e a vídeo-arte, nas quais se operaciona-liza o fragmento, a colagem, a simultaneidade. Renato Cohen por sua vez co-menta que a cena teatral hoje, pode incorporar a não-seqüencialidade, a es-critura disjuntiva, numa cena de simultaneidades, sincronias, superposições,enfatizando ainda a natureza híbrida dos procedimentos utilizados na elabora-ção deste tipo de cena:

“O contemporâneo contempla o múltiplo, a fusão, a diluição de gêneros: trági-co, lírico, épico, dramático; epifania, crueldade e paródia convivem na mesmacena. Bob Wilson, Thomas, Enrique Diaz alinham, sem medo, os diversos pro-cedimentos cênico-narrativos.” 6

Como vimos no capítulo anterior, consideramos que este enfoque do teatropós-dramático7 de Lehmann pode ser uma modalidade de análise muito útil,quando analisamos os procedimentos de encenação, na perspectiva de se va-lorizar a potência de ação política da forma teatral. Trata-se de adoção deformas novas para chamar a atenção e alterar a percepção do público:

“É claro que no teatro pós-dramático também aparecem conflitos, os caracte-res, as idéias e os conflitos de idéias, a colisão enfim. Esses elementos, contu-do, ocorrem de uma outra forma, que não a que era articulada pelo drama.(...) o teatro se constituiu a partir dessa série de elementos que são: pessoas,espaço e tempo. (...) o que aconteceu com a modernidade foi que essa formade teatro, ou todos esses elementos que estavam relacionados, explodiu. “Essasérie de elementos que formava o teatro ganhou uma autonomia”. (...) “Umasérie de formas teatrais que a gente costumava ver como coisas muito experi-mentais, são compostas por elementos tradicionais, coisas que já existiam noteatro. Ou seja, o teatro pós-dramático não é a destruição do teatro, mas umanova etapa que, com esse distanciamento, pode ser percebido como uma etapadentro da história do teatro, que tem um desenvolvimento.” 8

A expressão pós-moderno de resistência, já destacada no capitulo 3, é umaoutra forma de denominar a cena não-dramática que consideramos fundamen-tal na formação do professor. Deste ponto de vista é interessante garantir que

6 Cohen, 1998, p. XXVII

7 Outros textos modelares para discutir esta forma narrativa: “Urubu-Rei” “O Arquiteto e o Im-perador da Assíria”, “Cemitério de Automóveis” “O Balcão”.

8 Lehmann, Hans-Thyes. “Teatro pós-dramático e teatro político” (tradução de Raquel Imanishi)in Revista Sala Preta N.3. ECA-USP, São Paulo, 2003, p.11.

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o aprendizado de recursos como a justaposição dos elementos cênicos, porexemplo, possa ser exemplificado não apenas como exercício da cena que a-bre mão de uma visão crítica sobre as relações humanas, mesmo que a inter-pretação do sentido seja feita de forma distinta por cada espectador. Portanto,recomendamos que o professor em formação não abra mão de experimentar aelaboração de cenas que provoquem o espanto no público, através de ima-gens dialéticas (Röhl,1997), que pretende o impacto sensorial proposto porArtaud e as intenções do estranhamento em Brecht.

Outra abordagem destaca o “teatro da memória”, expressão de Peter Idenpara o teatro que estabelece um diálogo crítico com a história e a literatura;que “aguça os sentidos e o intelecto para as paroxias que caracterizam o nos-so mundo”; que “aja contra o esquecimento e a perda da história (...) e reco-nheça que sua produção teatral sofre irrevogavelmente a pressão da mídia edo pensamento normativo, ditado por interesses econômicos” 9

Nesta perspectiva, quando nos dedicamos ao estudo dos recursos cênicosnão-dramáticos podemos adotar esta atitude de liberdade no uso, sem limites,dos mais diversos instrumentos. Portanto, podemos enfocar os principais ins-trumentos cênico-narrativos do novo teatro, segundo Lehmann: fragmentossintéticos, imagens dialéticas, números de teatro-dança, acontecimentos, per-formances. Percebemos nas avaliações dos participantes que este tipo de fazerteatral traz novas perspectivas para o debate sobre a relação do indivíduo coma história e a sociedade.

De forma didática, sem pretender estabelecer categorias absolutas – apenaspara dar o exemplo de uma das formas possíveis do professor situar os proce-dimentos com seus alunos – apresentamos a seguir a síntese das modalidadesde procedimentos enfocados nas oficinas realizadas:

- Procedimentos dramáticos quando a encenação visa a identificação do es-pectador com a representação, através da narração de fábulas com início,meio e fim, mesmo que não necessariamente nessa ordem. Um exemplo utili-zado no supracitado experimento foi The Tragedy of Hamlet de Peter Brook.

- Procedimentos rapsódicos: quando a fábula é revelada através da narração,do uso de coro (ou personagens imbuídos de alto teor de coralidade -“coralité”, segundo análise dos elementos do drama moderno de Sarrazac10,narradores, solilóquios, sem abrir mão do fenômeno identificação do especta-dor. Ex: Mahbarata e Tierno Bokar de Peter Brook; Gilgamesh e Medéia deAntunes Filho.

- Procedimentos dialéticos-brechtianos: quando a encenação narra a fábula deforma épica, porém com o objetivo de provocar o estranhamento, o distanci-

9 Iden cit. in Rohl, 1977, cit, p.163.

10 Sarrazac (2001).

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amento crítico do espectador, em função de um olhar novo sobre as relaçõesentre os homens. Os recursos rapsódicos utilizados de forma brechtiana visamo choque e o espanto, provocam ruídos e introduzem comentários na narraçãoda fábula e provocam o efeito da ambigüidade, deixando, por exemplo, o finalda estória para a conclusão do público; estimulam o espectador a tomar umaatitude crítica, na posição de co-autor na definição da fábula.

- Procedimentos pós-dramáticos: quando a encenação deseja provocar a emo-ção e a imaginação do espectador, mas não visa a narração – identificada ouestranhada – de uma fábula. Ela não se propõe a contar nenhuma estória, nãoquer atingir a sensibilidade do espectador para as formas abstratas, as ima-gens do inconsciente humano, da imaginação dos poetas. O espectador nãorecebe um discurso fechado; trata-se de uma obra aberta que recusa conclu-sões, dizer uma mensagem, mesmo o discurso dialético e ambíguo. Estimulano público a sua ação criadora de sentidos, a capacidade de abstração, a frui-ção de formas simbólicas e não de formas miméticas. Trata-se por exemplo dacena simbolista de R. Wilson, Kantor, a performance de Günter Brus, RenatoCohen e Marcelo Gabriel, a cena pós-moderna de resistência de H. Müller ePina Bausch. A cena híbrida, centrada na colagem de diferentes tipos de cenasou eventos que pertencem a modelos cênico-narrativos diversos. Trata-se damescla de cenas épicas, dramáticas, líricas, musicais, coreográficas, perfor-mance, ritual, jogo dramático popular, como acontece nos últimos trabalhosdo grupo Oficina. Também diz respeito aos acontecimentos11 nos quais o es-pectador não assiste a obra, mas encontra-se dentro de uma ambiência, deum espaço teatral, integrando um ritual cênico que pode ser alterado confor-me sua participação. Outros exemplos de encenação pós-dramática são: Ha-mlet as monologue de Robert Wilson, M.O.R.T.E. de Thomas, Elsinor de RobertLepage e acontecimentos como OBS do La Fura Del Baus, que utilizoua recor-tes da peça Macbeth.

Respeitamos a premissa de que não existem modelos fixos para a formataçãodeste tipo de banco de dados e cada coordenador pode selecionar dados sobreas encenações que julgar importantes para auxiliar a compreensão do educan-do acerca da tradição teatral que está por trás das formas cênicas atuais, de-pendendo de seu contexto.

Do ponto de vista do produto, ou seja, de escolha das encenações-referênciadestacamos o critério da qualidade em todas as três linhas de força da narrati-va contemporânea: um material textual com qualidade literária autônoma;uma sonoplastia criativa, original; uma cenografia que “não envelheceu”, eque ainda seja referência. De preferência, que tenha sido inédita no país, ouque tenha tido influência em alguma mudança no contexto teatral, mesmo quemuitos anos depois de criada.

11 “Algumas formas atuais de teatro (o happening, a festa popular, o teatro invisívelde Boal(...), a performance buscam a versão mais pura da realidade ligada aoacontecimento(...).” (Pavis, 1999, p.7).

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Por exemplo, no experimento com o tema Hamlet, estudamos as diferentesmodalidades de procedimentos utilizados por alguns dos principais encenado-res sobre o texto de Shakespeare. Nesta fase o foco central foi a exploraçãodos temas a partir do confronto do grupo com o “Material Hamlet”, o dossiêque passamos a organizar juntos. Visamos a experimentação com diferentestipos de textos e abordagens cênicas. Esta exploração teve como ponto departida o banco de dados criado pelo coordenador e pelos alunos, denominadode “Material Hamlet”, que pode ser ampliado gradualmente pelas contribuiçõesdos professores e participantes das oficinas.

Consideramos fundamental que os exemplos destaquem o trabalho de encena-dores que sejam influentes no teatro ocidental, e, principalmente, no teatrobrasileiro. Sempre que possível, priorizamos textos que possuam encenaçõescujas formas sejam provenientes do nosso contexto cultural. No experimentoem Interlagos, selecionamos de início o espetáculo Ham-let do Teatro Oficina.Em seguida, escolhemos uma encenação que visa a identificação do especta-dor com a ação representada - e que ainda seja reconhecida como válida, nes-te caso, o Hamlet que Peter Brook montou em 2000. As abordagens do espa-ço, da relação com espectadores, do uso da música e das formas de atuaçãodevem ser, por princípio, diversos entre si. Neste experimento, selecionamosdesde as encenações que se valem da historicização do texto clássico, como ade Michel Bogdanov, até as versões pós-dramáticas que se afastam quase porcompleto do original, como as de Robert Wilson e Gerald Thomas.

Através da pesquisa na Internet, em livros de História do Teatro e periódicos,o professor seleciona textos, imagens e material áudio-visual, articulando obanco de dados que é o ponto de partida do experimento e será ampliado pelainvestigação dos alunos. Deste estudo inicial, o professor, auxiliado pelo traba-lho dos analistas, formula procedimentos que possam ilustrar os recursos cêni-cos utilizados pelos grandes poetas da cena contemporânea.

A proposta de organização de um dossiê pelo professor, que será ampliadoposteriormente pelos alunos, nos faz pensar, inicialmente, em dois problemas:o perigo de o material selecionado ser tratado numa abordagem “intelectualis-ta”, “conteudista”, que supervaloriza a aquisição de informações em detrimentoda prática de criação cênica do aluno, assim como a possibilidade de direcio-namento político-estético e metodológico do professor. Essa preocupação nosremete às questões: Em que momento seria ideal apresentar o material aogrupo? Como não fazer das referências, na história da encenação, instrumentosde manipulação e indução estética?

Nos experimentos realizados testamos duas formas básicas de apresentaçãodo material selecionado: antes e depois do exercício de criação do grupo. A a-nálise nos conduziu a um princípio pedagógico importante nesta proposta. Édesejável que a experimentação dos procedimentos cênico-narrativos aconte-ça, em primeiro momento, antes do contato dos alunos com o material selecio-nado. Após esta etapa, podemos propor uma nova etapa com a instrução:“Vamos investigar outros procedimentos cênicos que já foram adotados por

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artistas diante deste mesmo texto? ”O grupo analisa o material artístico e re-toma seu próprio exercício, considerando as imagens e soluções cênicas dosartistas em foco como indutores de criação de imagens, jogos teatrais, concep-ções cênicas, re-escritura de textos.

Para não direcionar a criação, para não fazer do material selecionado um vetorde tomada de partido estético pelos dos alunos, antes de tudo, o material deveservir para ampliar o repertório, para os alunos perceberem como os artistasresolveram problemas de configuração cênica que já foram examinados poreles na prática de criação de imagens, concepção e redação de cenas ou dejogos teatrais. Antes de o grupo entrar em contato com os registros – fotogra-fias, textos, roteiros, análises críticas, vídeo - de uma encenação consideradamodelar pelo professor, consideramos importante que experimente o(s) proce-dimento(s) destacado(s). Sem a influência das imagens que demonstram assoluções cênicas encontradas pelo diretor, os alunos podem descobrir por simesmos a forma como o grupo reage ao texto e ao procedimento, de acordocom seus próprios interesses específicos.

A coleta e a conexão das informações

O primeiro passo é selecionar os textos sobre teatro. Encontrar um texto críti-co (e/ou um programa em vídeo?) ou registro (programas, sites) que possuaum mínimo de comentários sobre o evento cênico para nortear a proposiçãode procedimentos. O professor procura pelo título do texto em foco na Inter-net, em sites de jornais, dos principais grupos, sociedades de autores, gruposde estudos em teatro, enciclopédias virtuais sobre teatro brasileiro e universal,páginas dedicadas ao espetáculo, aos textos, aos encenadores. Também nabiblioteca, nos cadernos de cultura e seções de teatro dos jornais e revistas. Aseleção de, pelo menos, uma análise critica que sirva de modelo.

O segundo momento é a decupagem do texto(s) crítico(s) ou de registro - adivisão em trechos enumerados e nomeados - que passam a compor fichasteóricas. Cada procedimento destacado vai inspirar a seleção ou a criação deprocedimentos de dramaturgia e encenação.

Consideramos como princípio norteador da seqüência dos procedimentos, osentido do simples para o complexo, do mínimo de informações para o máxi-mo de informações. Portanto, uma que consideramos desejável de apresenta-ção dos indutores ao grupo, neste enfoque, é a seguinte:

A partir da narração dos procedimentos de criação cênica pelo professor ocor-re a criação de novas possibilidades de encenação de fragmentos selecionadosA experimentação do grupo pode se dar antes ou depois da leitura de recortesteóricos da Crítica, História, Filosofia, Estética, Antropologia, que descrevem edefendem o procedimento.

Após experimentar sua abordagem dos procedimentos, os alunos entram emcontato com diferentes formas de registro da encenação selecionada: Audição

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de trilha sonora; Análise de imagens cênicas (fotografias, desenhos cenográfi-cos) de trechos descrevendo ações, imagens (fotos), cenas em vídeo. Os alu-nos recriam as cenas analisadas.

Na perspectiva de exemplificar uma estruturação possível dos bancos de da-dos, apresentamos a seguir um esboço geral que elaboramos, composto dasseguintes partes:

1. Banco de Dados Poéticos: Seleção de fragmentos de textos da peçade Samuel Beckett em fichas que podem servir de ponto de partida paranovos jogos teatrais. Seleção de fotografias e imagens relacionadas aouniverso da obra.

2. Banco de textos sobre teatro: Seleção de artigos e estudos literários,da história e da teoria do espetáculo.

3. Registros de Encenações: Fotografias de diferentes espetáculos, tex-tos da recepção crítica das diferentes montagens da peça, protocolos dealunos.

4. Banco de Procedimentos: Seleção de pequenos textos que descrevemos procedimentos utilizados nos experimentos, destacando as instruçõesque permitem a participação dos atores na elaboração do texto cênico.

5. Conexões: Seleção de endereços eletrônicos e lista bibliográfica cujoacesso pode ampliar a compreensão do texto.

A vantagem do professor em organizar o material em fichários ou pastas é aperspectiva hipertextual deste formato, no sentido de dispor os materiais deforma não linear, sem uma seqüência de ordenação rígida dos elementos qe ocompoem. Os fichários reúnem o material em um único espaço, dividido porseções – textos manipulação, temos uma noção do todo do material. Em nos-sos experimentos, levamos para sala de aula os fichários em os textos estãosempre disponíveis; mesmo os que foram utilizados em aulas passadas, po-dem ser retomados, etc....

Levamos em consideração que numa fase posterior, após o grupo exercitar oprocedimento cênico selecionado pelo professor, a pesquisa revelou o interessepedagógico de que o dossiê poético e teórico sobre as encenações fosse alimen-tado e compartilhado por todos os participantes e não organizado somente peloprofessor. O grupo pode realizar sua pesquisa na Internet sobre as encenaçõesmodelares; o banco de dados iniciado pelo professor passa a ser ampliado pelogrupo. Os encontros focalizam encenações especificas, com cronograma acessívela todos. Em cada aula se situam os procedimentos cênicos e o encenador emquestão. Utilizamos a versão do banco de dados em fichário e, se possível, umaversão hipertextual na Internet.

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4.2. Poéticas cênicas como ponto de partida: investigando os ob-jetivos possíveis da encenação.

Analisar registros e críticas sobre a obra de encenadores importantes é umadas formas de utilização possível dos dossiês didáticos que estamos propondocomo ponto de partida para a retomada de jogos e concepções cêni-cas.Valorizamos assim o uso de recortes de textos sobre teatro que sintetizema concepção cênica e a reflexão de encenadores, historiadores e críticos.

No capítulo anterior abordamos o uso de recortes de textos sobre teatro querepresentam correntes significativas do pensamento teatral contemporâneo(citações de dramaturgos, encenadores e pesquisadores) como forma de auxi-liar a análise dramatúrgica. Naquela fase os recortes são lidos pelo grupo apósum primeiro contato com a obra.

Nesta fase da proposta a leitura das declarações de artistas e estudiosos deteatro pode ser feita antes do contato com os registros de encenações. As ci-tações servem como estímulo para que os grupos tentem descobrir diferentesformas de encenar os fragmentos que eles escolheram do texto teatral. É im-portante que novas possibilidades de configuração possam ser encontradaspor conta própria. Este pressuposto evita que o contato prematuro com essematerial possa induzir a concepção cênica dos grupos.

Em seguida, quando o grupo estiver analisando fotografias ou registros emvídeo das soluções encontradas pelos artistas, novos textos sobre teatro serãobuscados pelos alunos ou apresentados pelo professor.

Para ilustrar duas das principais modalidades de encenação de um texto tea-tral que abordamos em nossos experimentos, apresentaremos a seguir umresumo do uso que fizemos deste tipo de material referente ao enfoque dehistorização de Brecht e da abordagem de Robert Wilson e Gerald Thomas.

4.2.1. Objetivos na encenação rapsódica: a historicização em Brecht

Uma das questões que se apresentam diante do desafio de encenar é a deci-são do grupo entre o enfoque atemporal e a historicização do texto. Conside-ramos a historicização como uma abordagem do texto indispensável na forma-ção do professor, por ser ainda uma abordagem recorrente na cena contempo-rânea, e por permitir aos alunos diferentes questionamentos do ponto de vistasocial, histórico e ético.

Para Brecht, historicizar é mostrar os acontecimentos e os homens sob seuaspecto histórico, efêmero. Para estudar esta abordagem, podemos utilizarregistros e análises de montagens que mantêm a fábula do texto original, re-significando-a através da inserção de elementos cênicos que historicizam otexto. Esta categoria da historicização, utilizada por Brecht é retomada porPavis em sua classificação sobre a encenação dos clássicos. Estes dois autorespodem fornecer recortes teóricos a serem lidos em classe:

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“Historicizar implica julgar um determinado sistema social do ponto de vista deoutro sistema social. Os pontos de vista em questão resultam do desenvolvi-mento da sociedade.”12

“Historicização: Levar em conta a defasagem entre a época da ficção represen-tada, aquela de sua composição, e a nossa; acentuar essa defasagem e indicaras razões históricas nos três níveis de leitura, isto é, historicizar. Este tipo deencenação restaura, mais ou menos explicitamente, os pressupostos ideológi-cos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da construção estética dotexto e de sua representação.13

Para Brecht, é necessário resgatar o frescor original da obra clássica, o caráterque possuía outrora, “surpreendente, novo e criador e que era uma de suascaracterísticas essenciais”14. Neste enfoque, a recuperação do “espírito comba-tivo dos clássicos” não significa a imposição formalista de efeitos cênicos “no-vos e sensacionais, até então nunca vistos” no texto. Do artigo “A obra clássi-ca intimida” podemos destacar outros recortes nos quais, este autor defendeuma atitude contrária ao “respeito hipócrita servil e falso” em relação aos tex-tos considerados clássicos:

“Temos de objetivar o conteúdo ideológico original da obra e aprender o seusignificado nacional e, simultaneamente, internacional; para isso, há que estu-dar não só a conjuntura histórica em que a obra se insere, como também a ati-tude e as particularidades características do autor clássico em questão. (...) Agrandeza das obras clássicas reside na sua grandeza humana, e não numagrandeza de fachada. No domínio da representação, a tradição por muito tem-po ‘cultivada’ dos teatros da corte, afastou-se, nos teatros desta nova burgue-sia decadente, cada vez mais, de uma autêntica grandeza humana, e as expe-riências dos formalistas apenas contribuíram para tal afastamento (...) Criou-seuma falsa grandeza que era apenas um vazio. (...) Se nos deixarmos intimidarpor uma concepção falsa, superficial, decadente e tacanha do classicismo, nãolograremos jamais uma representação viva e humana das grandes obras.”15

Após a leitura da descrição acima, podemos exercitar a criação de cenas pelosalunos, seja através da redação de rubricas, do desenho de concepções, dacriação de imagens ou de jogos teatrais que tragam elementos cênicos queconfigurem a historicização do texto-base de cada experimento. A instruçãopode ser: “como poderíamos utilizar recortes da peça para ambientá-la de talforma que a platéia possa sentir a sua atualização histórica?”

12 Brecht, “Segundo apêndice à teoria do Messingkauf”. In Diário de Trabalho. Rocco, Rio deJaneiro, 2002. p. 99.

13 “Tipologia das encenações: a encenação dos clássicos”, Pavis 1999, p.126.

14 Brecht, Bertolt. “A obra clássica intimida”. In Escritos sobre o Teatro, (s/d), pp.154.

15 Brecht, Bertolt. “A obra clássica intimida”. In Escritos sobre o Teatro, pp.154-156.

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Após o debate sobre os objetivos de uma abordagem brechtiana e tendo emvista uma apresentação de exemplos de atualização do texto clássico atravésda encenação, o professor apresenta algumas montagens modelares. Um doseixos que Roubine apresenta para entendermos a cena contemporânea, oprincípio de atualidade, pode servir de introdução aos exemplos:

“O princípio de atualidade talvez seja em primeiro lugar a necessidade de mos-trar, com os recursos do teatro, o encadeamento das causas e efeitos chama-dos História, mas também sua repercussão na vida mais cotidiana e mais anô-nima.”16

Após a apresentação das idéias geradas entre os alunos, o professor apresen-ta o texto descritivo supracitado. O debate é seguido da instrução que geraimagens, novos jogos e adaptações do textos: “Além de incluir ou adaptar ex-pressões utilizadas pelo escritor, de quantas formas podemos sobrepor ações,objetos, sons e imagens ao texto original, como forma de efetivar sua histori-cização?”

4.2.2. Objetivos na encenação: a abordagem do texto por Robert Wil-son e Gerald Thomas

Quando pensamos na formação do cidadão e do professor de teatro, se levar-mos em conta a preparação do aluno como espectador da cena contemporâ-nea, consideramos fundamental o estudo do enfoque de Robert Wilson, artistaextremamente influente na cena ocidental a partir da década de 1970, consi-derado um dos autores mais importantes da cena contemporânea. Por exem-plo, tendo Hamlet como base Wilson realizou um monólogo no qual fragmen-tou o texto de Shakespeare para compor um solo que ilustra bem a modalida-de da cena não-dramática.

Após assistirmos um recorte de cinco minutos do registro em vídeo de um es-petáculo modelar do diretor, como por exemplo, Einstein on the beach, inicia-mos o debate das intenções da poética cênica de Wilson, a partir de questõescomo: “Qual o desejo de Bob Wilson em relação ao espectador?” e “Que recur-sos cênicos utiliza em relação ao texto teatral?” A análise das encenações po-de ser incrementada a partir da leitura de recortes de pesquisadores comoRoubine:

“A descoberta da memória, ou antes, de todas as memórias, constituiu prova-velmente um dos traços marcantes do modelo contemporâneo. (...) Mas amemória do teatro contemporâneo não é apenas um trabalho em cima de prá-ticas esquecidas ou exóticas. Mobiliza também as lembranças vividas-sonhadaspelo indivíduo. (...) Reminiscências do diretor que, a exemplo do escritor, “fazteatro” de seu passado mais secreto.(...) Essa memória individual não é her-mética nem fechada sobre si mesma. É impregnada de uma memória coletiva.Existe aí, potencialmente, espaço para um encontro e uma fusão entre o palco

16 Roubine, 2003, p.190.

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e o público, a memória do ator e do diretor é também sob certos aspectos, aminha, a sua....” 17

Complementando a leitura de estudos, podemos selecionar fragmentos de de-clarações de Wilson que apontam sua postura e seguem defendendo a eman-cipação do espaço, dos movimentos, da luz e do som em relação ao texto:

“(...) em teatro todos os elementos têm igual importância. Uma cadeira podefazer o papel de um ator; a luz pode, igualmente, encarregar-se do papel doator; se convertem em ativos co-intérpretes em uma representação cênica: são“atores”. O que se vê em teatro, pode ajudar ao público a escutar. Isto é, emresumo, o mais importante em teatro: poder escutar. Com isto não quero dizer‘escutar o texto’, senão que os intérpretes se escutem uns aos outros no palco,e o diretor aos intérpretes. As pessoas, por certo, não ouvem somente com osouvidos, senão que, acima de tudo, ouvem com os olhos, com as mãos, os pés,com o corpo.” 18

Outros fragmentos de declarações em entrevistas podem ser utilizados comoilustração dos objetivos centrais da poética cênica de Wilson, poética esta, e-xaminada através de leituras, vídeos, fotos e exercícios de redação de textos ecriação cênica, servindo como tema norteador das aulas de teatro. QuandoWilson comenta a influência sofrida pelo teatro oriental, ressalta o fato de que,por exemplo, o público já conhece as estórias; o que fascina é o modo de con-tá-las e não a novidade no enredo ou a mensagem do que se narra:

“(...) não importa tanto que estas estórias (do teatro Nô japonês) sejam narra-das, porém como são narradas; por tal razão, cabe estar horas inteiras olhandoum desses velhos e famosos atores, mesmo quando por acaso se limita a ficarsentado e cantando ou, simplesmente, cruze o palco com muita lentidão. A es-tória narrada está em seu corpo, em sua voz, em sua expressão gestual. Escu-tando-se uns aos outros, esses atores ajudam o público a ver. (...) Minhas re-presentações teatrais devem produzir-se na mente do espectador; por isso eunão pretendo gerar interpretações de textos, mas sim, um material icônico (vi-sual e acústico), que opera contra a ilustração do texto, e oferece ao especta-dor a possibilidade de descobrir suas próprias associações.” 19

O seguinte trecho, no qual Robert Wilson cita outro exercício de sua professo-ra, serviu de base para formularmos o procedimento “criação de imagem cêni-ca central”:

“Ela entrava em classe e dizia: ‘alunos, vocês têm agora três minutos para pro-jetar uma cidade. Prontos? Já!’ E eu me via obrigado a fazer que me ocorresseuma grande idéia, uma idéia fundamental. Creio que isto vale também para o

17 Roubine, 2003, p. 193.

18 Wilson, Robert. “Oír com el cuerpo, hablar com el cuerpo”.(entrevista à Holger Teschke), Re-vista de la Asociación de Directores de Escena de Espana, pp. 70-71, Madrid, outubro de 1998,p. 265. (tradução do autor).

19 Wilson, op.cit. p. 66.

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teatro: primeiro faz falta ter uma idéia básica... e logo podem somar-se um mi-lhão de idéias que comentam ou questionam, ou o que seja.” 20

A leitura em classe do relato de Robert Wilson sobre escolha de uma imagemcentral e o método de livre associação de imagens pode complementar o su-pracitado procedimento:

“Assim começam a surgir as imagens e eu não sei em que direção se desenvol-ve isso. Não quero sabê-lo com antecipação; quero ver como surge. Quandotento adiantar o final, previamente, então eu me bloqueio por mim mesmo; en-tão não sai nada de novo. E o que eu tento é não interpretar. Essa não é a mi-nha missão. Da mesma forma que a definitiva representação cênica surge namente do espectador, este deve buscar sua própria interpretação.”

O comentário de textos críticos e a análise de fotos do espetáculo criado porRobert Wilson21 podem nos levar ao debate de recursos interessantes quandopensamos as possibilidades de operações rapsódicas sobre um texto dramáti-co. A montagem operada por Wilson e o dramaturgo Wolfgang Wiens sobre otexto de Hamlet está centrada na transposição da forma dialógica para a vozrapsódica do monólogo.

Wilson utiliza reiteradamente neste espetáculo o recurso de flash back22, o quenos estimula à discussão sobre esta possibilidade: fragmentar o texto, esco-lher quadros independentes e transformá-los, do plano mimético da narrativapara o do livre campo da memória, ou seja, misturando-os sem obedecer umalógica linear.

Conforme sublinha Schmitt, o monólogo começa pela situação da última cenado texto dramático, “alguns segundos antes da morte de Hamlet e nos restituiuma vida, de emoções, um destino em flash-back, os tempos da obra nostempos do espetáculo.” Para Balaudé, o encenador consegue isolar Hamlet “àmaneira de Mallarmé”, no interior de um mundo que não será mais que a pro-jeção de sua memória. A cena traduz a concepção na imagem de um artistasozinho sobre o palco, que joga obsessivamente com as palavras e os gestossurgidos da memória de Hamlet, agitando os fantasmas da alteridade”.23Osdois críticos citados concordam que a dramaturgia não pretende transmitir aestória, com objetivo de totalização, de unidade narrativa.

Outro recurso potente que caracteriza o estilo cênico de Wilson é o uso daamplificação eletrônica da voz do ator, por vezes manipulada, ou emitida forade cena, confrontando a voz ao vivo com a voz previamente gravada. O mi-

20 Wilson, op. cit., p. 266. (tradução do autor).

21 Criado em Houston, 1995.

22 Schmitt, Olivier. “Wilson dialogue au sommet”. Le monde, 14 de setembro de 1995.

23 Balaudé, In Shakespeare, La Scène et ses miroirs. Théâtre Aujourd´hui N. 6,CNDP,1998,.p.142. (tradução do autor)

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crofone em cena permite todas as variações melódicas e rítmicas, todas asmodulações entre o sussurro e o grito, amplia sobremaneira a interferênciadas ações vocais sobre o público. Podemos exercitar a concepção e redação decenas nas quais os alunos imaginem a emissão das palavras (ou o canto) dosatores nesta perspectiva do texto como base de uma partitura sonora.

Um procedimento inspirado na poética de Wilson que utilizamos em nossa ofi-cina, foi pedir ao ator que jogava o papel de Hamlet para “dizer seus textos aomicrofone, procurando brincar, não levar a sério demais, não torná-lo sisudo,mostrar que está jogando o papel, quase que narrando o papel, sem se envol-ver dramaticamente. Um dos participantes de nosso experimento, por exem-plo, pensou a gravação do monólogo “ser ou não ser” como um rap. Propuse-mos que este poderia ser sussurrado, no microfone, “à maneira de Bob Wil-son”, como os participantes brincavam. Este recurso acabou sendo usado noespetáculo, com “Hamlet” dizendo os monólogos diante um microfone, ao ladoda cena, tocando contra-baixo em conjunto com o piano executado ao vivopelo “Narrador/Horácio”.

O modelo de desempenho do ator no teatro de Bob Wilson, é famoso por suaabordagem anti-psicológica:

“(...) jamais eu disse a um ator alguma coisa sobre psicologia, digo direções, tons,musicalidades, deslocamento, imagens, atitudes, não me preocupo com o que opersonagem pensa, o público deve ter a liberdade de imaginar e pensar.” 24

O critico teatral Oliver Schmitt elogiou o desempenho brincalhão de R. Wilson,numa atuação “que joga com as tradições, os papéis, os sexos e as idades davida.” Sobre a iluminação, que para este diretor discípulo de Craig, é partesignificativa de sua criação, o critico observa que esta decupava não só o es-paço da cena como também o corpo do ator, criando atmosferas por vezes“fantasmagóricas e oníricas”.

Um procedimento a partir do estudo da encenação de R. Wilson possível é a-quele no qual os alunos imaginam a transformação de cenas dramáticas emmonólogos, seja escrevendo ou desenhando concepções cênicas, criando ima-gens com os atores. Nessa operação, chamamos a atenção dos grupos para ofato da adoção de um ponto de vista único, quando no texto original existe apreocupação com a ótica dos outros personagens.Sendo assim, os alunos po-dem escrever suas versões de texto e/ou seu roteiro cênico do ponto de vistade um único personagem.

Procedimento de monólogo da memória pessoal. A partir da instrução: “esco-lha um personagem, imagine quais as cenas que passam pela sua cabeça delenos últimos momentos de vida”. Do texto dramático, quais você manteria co-mo cenas desse ato da memória? Poderia haver alguma cena que não foi mos-trada por Shakespeare? Quais seriam? Por quê? Podemos trazer cópias ou pe-

24 Wilson. op.cit., p.267.

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dir aos alunos que selecionem cenas do texto, copiar, numerar e recortar asfalas, dispondo-as de várias formas sobre sua mesa de estudo, embaralhando-as, lendo-as em ordens distintas da de Shakespeare, percebendo quais asmudanças em nossa percepção.

Que novas imagens surgem desse choque inusitado de falas provenientes decenas diversas que se cruzam? Quais imagens esse efeito provoca na leitura?Diferentes respostas são analisadas, até que o aluno decida pela seqüênciaque achar mais interessante. Ele pode colar os fragmentos sobre uma folha depapel e preencher o espaço entre os fragmentos com outros textos, rubricasde Shakespeare, ou mesmo de outro autor, como se fosse a memória do per-sonagem que o aluno escolheu destacar, sem limites nem lógica pré-estabelecida. Transformando o texto em um fluxo de pensamento, no livrecurso dos saltos da memória humana, buscando o ritmo às vezes desconexo,às vezes com fragmentos dramáticos, reconhecíveis, às vezes apenas com i-magens e sons.

Os textos produzidos são lidos enquanto os atores criam imagens, inicialmen-te, sem planejamento prévio, operando com o acaso, com a noção de “obra doacaso total” defendida por Gerald Thomas, depois com planejamento coletivo,escolhendo, sintetizando imagens, formulando uma partitura. Em seguida, odiretor e o dramaturgo moldam os atores na seqüência de suas propostas deimagens. O preenchimento do espaço, ou o espaçamento do texto dramático,como prefere Sarrazac, pode ser feito também por indicações de músicas,movimentos cenográficos, efeitos de luz, projeção de imagens, projeção detextos.

As propostas individuais são apresentadas em cada subgrupo; todos decidemquais versões irão apresentar, em leitura ou leitura com criação de imagens,para os demais grupos. Se for o espectador quem reorganiza a fábula que foidecomposta e remontada, quais são as impressões da platéia? Esse foco naavaliação, não sobre o que entendemos daquilo que foi mostrado, mas sobre oque foi percebido formas, o ritmo, as luzes, os desenhos na movimentaçãodos corpos sobre a cena, nos parece muito importante, tendo em vista debatesobre a existência da cena teatral pós-dramática.

Um outro pressuposto é a valorização da competência do aluno em relacionarum tipo de poética cênica pertencente a um diretor estrangeiro com exemplosnacionais. Por exemplo, a formulação de Silvia Fernandes comprova as rela-ções entre o trabalho de Thomas e a estética de Robert Wilson. Um recorteteórico de Bernard Dort, inserido na referida análise, pode complementar aobservação de fotos e, quando possível, de vídeos de espetáculo:

“O mais importante é que Bob Wilson seja contra a interpretação. Todos os e-lementos de seu teatro são iguais. O texto, a luz, a coreografia, tudo tem amesma importância (...) com Bob Wilson, a interpretação é um trabalho que oespectador deve fazer.” 25

25 Dort, Bernard, cit. in Fernandes, op.cit., p.294-295.

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Fernandes salienta que Bernard Dort, ao aproximar Wilson de Brecht, revelaum aspecto da encenação contemporânea geralmente negligenciado, que é aação política da desconstrução dos textos e a subversão das convenções cêni-cas consideradas clássicas:

“Trata-se exatamente da desconstrução dos códigos ideológicos, feita atravésde vários mecanismos. A repetição, a progressão, a variação ou o contraste, aeliminação do contexto original dos eventos, o exame minucioso dos compo-nentes da imagem através da câmera lenta, a decodificação do gesto em par-tes menores, todas essas experiências perceptivas se relacionam à desintegra-ção do discurso ideológico, atacado em sua coerência totalitária”.

(...) quando o encenador alemão pregava o distanciamento das situações fami-liares através do famoso efeito V, o que pretendia era, exatamente, que o es-pectador estranhasse realidades dadas como naturais, e as enxergasse comoconstruções ideológicas, destinadas a manter determinado status quo. O queBrecht colocava sobre o foco de seu teatro épico era o discurso social coletivo eobjetivo. Ora, o que se pode ver com clareza, e que Heiner Müller enfatiza emseus comentários sobre Robert Wilson, é que a desconstrução do imaginário deuma época também é uma tarefa política. E é isso que o teatro de Thomas seaplica em fazer: contrariar as formas do imaginário de sua época revelando a-través de associações de imagens e idéias, novas possibilidades de leitura des-se imaginário.(...).O teatro de Thomas interroga sua época pela invenção dediscursos paralelos ao imaginário social, alternativas de leitura da realidade.” 26

Podemos comentar com os alunos o uso do procedimento da fragmentação,não exatamente como Brecht queria, pois na maioria de suas peças27 ele acre-ditava no poder da fábula, fragmentada, estranhada. Concordando com Leh-mann, podemos afirmar que o teatro brechtiano ainda se encontra no modelonarrativo da unidade.28 Como Brecht, Thomas esfacela a narrativa em qua-dros, mas não se importa mais com a unidade, nem acredita na força das es-tórias, mas na forma renovada e própria de contá-las. De todo modo, o resul-tado é um espectador que não somente assimila a narrativa dada, mas quetem que ter trabalho intelectual: dar sentido a cenas por vezes ambíguas, designificado aberto, em quadros ou “moléculas” que não se complementam:

“A desintegração da cena em moléculas permite que o espetáculo incorpore acrítica à própria escritura. (...) O meio que a encenação encontra para demolir

26 Fernandes, op. cit., pp. 295-296.(grifos nossos).

27 Exceto em algumas de suas peças didáticas, como por exemplo, Fatzer. (C.f. Koudela, 1996).

28 Segundo Lehmann, a teoria de Brecht contém uma tese “fundamentalmente tradicionalista”,na medida em que este dramaturgo não abre mão da estória a ser contada: “a partir da fábula,é impossível compreender a parte mais significativa do novo teatro dos anos 1960-1990, nemmesmo a forma textual assumida pela literatura teatral (Beckett, Handke,Strauss, Müller).Oteatro pós-dramático é um teatro pós-brechtiano. (...) o novo teatro abandona o estilo político,a tendência dogmática e a ênfase do racional no teatro de Brecht.” (Lehmann, H. T. Le théâtrepostdramatique. L´Arche, Paris, 2002, p.44.)

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a ideologia é atacar, em primeiro lugar, a si própria, demonstrando seu meca-nismo construtivo e mostrando, com isso, que toda linguagem, mesmo aquelasque se pretendem totalizadoras, são apenas linguagens, construções imaginá-rias que camuflam seus processos construtivos.”29

O recorte acima é apresentado em conjunto com o desenvolvimento do racio-cínio de Fernandes, que resume nas duas passagens abaixo a poética cênicade Thomas:

“Sem território fixo, com o espaço que se subleva à intenção da luz, com a mú-sica impactante que norteia os sentidos, com os retalhos de personagens arras-tados pelo ator, com o narrador que é também encenador e, como ele, se recu-sa à narrativa, com os corpos de leitmotive seccionando a cena em minúsculasveias de sentido, com o movimento construtivo em progresso, que leva o espe-táculo seguinte a negar o anterior, a encenação de Thomas transforma o es-pectador em parceiro de um jogo libertário, feito sem regras fixas. Compõe umanteparo subversivo ao desejo, demasiado humano, de totalização.”30

Deste estudo de Fernandes o professor pode também selecionar algumas des-crições de cenas e fotografias. Na página oficial de Thomas, na rede mundialde computadores,31 é possível escolher e assistir um vídeo de quatro minutos,no qual podemos nos basear para comentar as opções não realistas do cená-rio, concebido como um espaço de sonho e não como reprodução da vida ex-terior. A audição das músicas no referido vídeo é outra informação importante,em termos de aproximação sensorial com a obra do encenador. Vários exercí-cios de análise e de criação cênica podem ser formulados pelo professor a par-tir das músicas ou das fotografias publicadas.

Em outro recorte dessa análise, encontramos uma observação que sintetiza aatitude geral de Thomas em relação ao texto de Shakespeare. Para Fernandes,o teatro de Thomas interroga sua época pela invenção de discursos paralelosao imaginário social, alternativas de leitura da realidade, a encenação pedindoemprestado ao dramaturgo “fios narrativos ou conjunto de leitmotive”, justa-pondo a eles comentários críticos, mordazes ou poéticos, como se exibisse aoespectador “um mecanismo de pensar o mundo e, principalmente, um impulsode liberdade”. 32

Podemos utilizar uma descrição de cena inserida no texto teórico como pontode partida para a criação de imagens e jogos teatrais. Por exemplo, para de-bater sobre o procedimento cênico de justaposição de comentário ao que sepassa em cena, podemos utilizar a descrição do quadro denominado “Samba”,que conclui o referido espetáculo de Thomas. Nele, o diretor e dramaturgo in-

29 Fernandes, op. cit., p. 296.

30 Fernandes, op. cit., p.297. (grifos nossos)

31 www.geraldthomas.uol.com.br

32 Fernandes, op. cit., p. 296.

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seriu um manifesto deslocado, sem conexão direta com as cenas anteriores.Podemos usar também esta descrição de cena para chamar a atenção sobre orecurso de quebra da relação entre platéia e palco:

“Samba

“Você repete várias vezes:

“- Estou cego de verdade.”

A luz baixa lentamente para concentrar-se no arco da ponte. À medida que fa-la, a palavra verdade vai recebendo uma entonação aguda, sincopada, ritmadacomo um repique de tamborim. A voz sambando no armário funciona como umsinal para a entrada de percussão forte de bateria, que invade o espaço sonoro,leva ‘Você’ até o proscênio e cadencia seu texto/manifesto:

“- Estou cego de verdade, estou cego de verdade, estou cego de verdade.Quem faria isto comigo? Os de cima? Os de baixo? (...) Nossa obra, a obra doacaso total. Clamo. Que me acordem se eu estiver dormindo. Concordo! Minhaangústia, meu espírito. (...) Convoco! Uma nova geração de criadores. Que (...)ouçam os lamentos das cidades. Que se estrangulem mas achem a geometriade um parangolé brasileiro. Que chova sobre nossa poesia! As palavras são a-bafadas pelo som crescente da bateria que invade o palco e devolve “Você” àplatéia.” 33

Se possível, após assistir e analisar o vídeo “baixado” da Internet, podemosiniciar pela escuta da música, para dar uma idéia da atmosfera onírica provo-cada pelo efeito de repetição em sua estrutura rítmica e preparar a leitura dotexto, mostrando a quebra que significa a entrada da bateria do samba no fi-nal do espetáculo. O corte brusco e o efeito de brasilidade e vitalidade realiza-do pela inesperada entrada dos percussionistas com o samba, justapõem umaenergia vibrante e animadora ao texto de natureza intelectual, de visão frag-mentada e pessimista. Um final com ambigüidade, característica que pode serdelimitada como eixo norteador da aula de teatro. Um recorte da conclusãodeste estudo de Fernandes pode ser apresentado como indutor de novos de-bates:

“(...) a encenação responde ao desejo dos espectadores de fantasmar livre-mente e coloca a sua disposição ”imagens de qualidade”. O espaço que se mo-ve impedindo a estabilidade discursiva, o corpo que ostenta o estereótipo e adesconstrução, os enunciadores múltiplos que se distribuem no palco, todosimpedem o fechamento da interpretação.” 34

Neste sentido, um procedimento possível é a criação de imagem cênica ambí-gua. Como na cena supracitada, que mistura música animada ao texto pessi-mista, o grupo deve criar uma cena que parodie uma cena especifica do texto

33 Fernandes, op. cit., p.245.

34 Fernandes, op. cit. (checar página).

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base, de Shakespeare, cujo texto cênico seja ambíguo. Cabe ao espectadordecidir o sentido e reconstruí-lo em sua imaginação.

Em seguida, o professor pode apresentar outro recorte do registro da encena-ção de M.O.R.T.E., ou um trecho da filmagem do espetáculo, para que os alu-nos possam confrontar os resultados de sua criação com os encontrados peloartista.

Quando pesquisamos sobre a paródia de Hamlet efetuada por Thomas, porexemplo, encontramos trechos que contextualizam historicamente um proce-dimento muito valorizado na cena atual, a “disjunção”, caracterizado pela e-missão de vozes separadas dos corpos dos atores, a dublagem, dentre outros.A criação de imagens a partir da teoria é o procedimento que formulamos aseguir:

Criação de imagens complementares

A intenção é discutirmos na avaliação das concepções cênicas e jogos realiza-dos pelos alunos que uma das possibilidades de encenação do texto teatralseria a utilização do princípio que muitos autores denominam de disjunção35

entre texto e cena. Podemos iniciar pedindo aos grupos que escolham um tre-cho do texto e dividindo os atores em dois grupos. Acrescentamos a instruçãoreferente ao primeiro nível de disjunção: “Enquanto a metade dos atores lê otexto fora do espaço de jogo, os demais criam imagens complementares.”

Disjunção através de imagens não complementares

Podemos experimentar depois, com o mesmo texto, a criação de imagens pa-ródicas (que parodiam o texto), opostas (que mostram o contrário do que otexto diz) e, numa quarta versão, a criação de imagens desconexas (que ca-minham de forma paralela ao texto, sem ilustrá-lo).

Após os jogos, poderíamos utilizar como complemento da avaliação, um textoteórico, a ser lido preferencialmente pelos alunos, como por exemplo, estetrecho de Flora Sussekind que, citando Peter Szondi36, situa a origem históricada disjunção na prática cênica:

“(...) é possível tomar como paradigmática a tentativa de Lugné-Poe ao dirigir“La Gardienne”, de Henri Régnier, em 1894, de separar a movimentação cênicadas vozes dos intérpretes. Procurando, para isso, esconder do público, no fossoda orquestra, os atores que diziam o texto de Régnier e, ao mesmo tempo,deixar à mostra no palco, apenas um outro grupo que, por trás de uma cortinatransparente, se dedicava exclusivamente a uma pantomima muda.”37

35 Cf. Fernandes, Coehn, Ramos, Lehman.

36 Szondi, Peter. “Sept Leçons sur Hérodiade”, in Poésies et poétiques de la modernité, PressesUniversitaires de Lille, 1982, pp.130.

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Após a contextualização histórica da origem do recurso da disjunção no movi-mento simbolista do século XIX, o segundo passo de nossa abordagem é situ-ar o recurso no âmbito da encenação brasileira. Nesse sentido podemos utili-zar um outro trecho do mesmo artigo de Sussekind:

“A disjunção – não é difícil perceber – é um dos princípios básicos do métodoteatral de Gerald Thomas. De que são exemplos evidentes, o coração arranca-do de “Ela” (Fernanda Montenegro) — e devorado em seguida, por sua duplica-ta mais jovem — e a cabeça separada do corpo da “jovem ela” (Fernanda Tor-res), em The Flash and the Crash Days; ou a mesa, sobre a qual se esperariaque Carmem dançasse, colocada, todavia, acima de sua cabeça, suspensa noar, enquanto ela dança em Carmem com Filtro; (...).”38

A utilização de fotos das cenas referidas para ilustrar o texto teórico é ideal,sejam elas conseguidas através da publicação de Silvia Fernandes “GeraldThomas em cena”, ou na página de Gerald Thomas na Internet.

O professor, inspirado por esta leitura da teoria do teatro, pode estimular emsuas instruções seguintes, por exemplo, a “separação entre voz e corpo, fala eemissão, entre o som ou o ritmo da voz e a figura que parece produzi-los.”39

Percebemos que, experimentar a criação de diferentes imagens a partir dotexto dito fora da área de jogo (em off), com foco na dissociação entre a açãocênica e a palavra, abre caminho para o debate sobre as possibilidades de a-propriação pós-moderna ou pós-dramática do texto teatral.

Com Hamlet, por exemplo, após o debate sobre as imagens citadas, foramlevantadas hipóteses distintas de se utilizar o recurso da disjunção. Pensamospor exemplo, num quadro onde o texto do monólogo conhecido como “ser ounão ser” seria dito de forma tranqüila, em gravação “em off”, para que o textopudesse ser entendido em sua plenitude. Enquanto isso, o ator que joga o pa-pel do príncipe giraria no ar, pendurado por uma corda na vara de cenário doteatro, de cabeça para baixo, girando sobre o público, que estaria sentado emum círculo de cadeiras sobre o palco.

No jogo de encenações imaginárias, um dos participantes propôs que iniciás-semos o referido monólogo narrado fora de cena, justaposto à imagem da ca-beça de Hamlet numa bandeja, posta sobre a mesa no centro da roda formadapelo público, criando uma moldura cênica aos quadros que seriam apresenta-dos. Em seguida, parodiando assim, explicitamente, várias imagens conheci-das, seja a cena de Gerald Thomas supracitada ou, como observou um dos

37 Süssekind, Flora. “A imaginação monológica” in Fernandes, Silvia; Guinsburg, J. Um encena-dor de si mesmo: Gerald Thomas. Perspectiva, SP, 1996.

38 Sussekind, “A imaginação monológica” in Fernandes, S. Guinsburg. Um encenador de simesmo: Gerald Thomas 1996, p.284.

39 Sussekind, in Fernandes, op.cit., p.285.

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participantes, a foto da capa de um disco do grupo “Secos e Molhados” na dé-cada de 1970.

4.3. A análises de encenações modelares do texto em foco

4.3.1.Questões norteadoras para a seleção e análise do material

Apresentamos neste tópico as questões norteadoras que formulamos a partirde um questionário de análise de espetáculos de Pavis40, para a análise de re-gistros de encenações modelares do texto em foco. Este questionário foi tes-tado no decorrer desta pesquisa com professores em formação e alunos inici-antes a partir dos 16 anos, e pode ser adaptado pelos professores em forma-ção, de acordo com seus grupos. O questionário pode ser aplicado na leitura edecupagem de textos críticos, programas do espetáculo, fotografias e cenasregistradas em vídeo.

As questões norteadoras da análise de dossiês são suficientemente amplas eabertas e constituem as matrizes dos procedimentos que sistematizamos parao levantamento das propostas de adaptação cênica do texto.

-Qual o efeito da cena na percepção do público: identificação, diversão, estra-nhamento, espanto, incompreensão? Nesta primeira aproximação com o ma-terial, apenas com o impacto da imagem, podemos propor um exercício deimaginação de superobjetivos para aquela montagem. O professor pergunta eos alunos escrevem ou dizem: Na sua opinião, porque a encenação concreti-zou esta imagem?

-Qual a atitude em relação ao texto, do ponto de vista cultural: representaçãomimética da cultura alheia (outro período histórico, temas e personagens deoutra cultura), “neutralização”, regionalização, ou apropriação críti-ca/antropofágica? Reconhece-se a sua nacionalidade? Qual a relação da ima-gem com os elementos culturais brasileiros? A cena imita uma cultura estran-geira de forma respeitosa e mimética, faz uma paródia, toma uma posturacrítica em relação ao mundo estrangeiro ou adapta um conteúdo estrangeiroao contexto brasileiro?

-Arquitetura e relação cena/público: cena frontal, semi-arena, arena total, es-petáculo processional, teatro ambiental ou espetáculo em espaço específico?Onde está situado o público neste acontecimento teatral? Qual a relação espa-cial entre o público e a cena? A platéia vê a cena de frente, em torno dela ouno mesmo espaço dos atores? Ocupa-se um espaço teatral, a praça pública ou

40Pavis, 1999, pp. 317-318.

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um espaço social ou natural específico? Ela se situa fisicamente estável, nomesmo lugar ou precisa se deslocar para ver as cenas?

-Qual a relação ficcional entre o texto e a cena? Existe uma “quarta parede”entre os atores e o público? Os espectadores estão dispostos em locais espa-lhados no meio do espaço cênico? Quais são os ângulos de visão do público? Oposicionamento espacial obriga os espectadores, não apenas a assistir, mas, aestarem envolvidos, dentro da ação?

- Modo narrativo: Qual a leitura do texto por essa encenação? Que escolhasdramatúrgicas são feitas? Qual a organização da fábula ou como se estruturao evento cênico? A cena mostra uma única situação ou existem ações simultâ-neas?

- Tempo: Qual é a dimensão temporal da cena? A temporalidade, atualização,ou outros períodos históricos? Convivência elementos pertencentes a diferen-tes períodos históricos? reconstituição histórica, atualização, ou cruzamentostemporais?

- Espaço: Qual é a opção tomada em relação ao espaço e visualidade: espaçovazio, cenografia de espetáculos, instalação cênica ou vinculação a espaçosespecíficos? Qual é a tratamento dado ao espaço e à composição da visualida-de – o conjunto formado pela cenografia, os figurinos, a iluminação, os adere-ços e os objetos? O que vemos em cena é a reprodução ou estilização de umespaço real, trata-se de um lugar onírico (de aspecto irreal, de sonho) ou mis-turam-se diferentes tipos de espaços? Quais as opções cenográficas adotadas?

- Desempenho dos atores: representação dramática, atuação rapsódica, estili-zação (gestualidade extra-cotidiana), Representação, performatividade, ouecletismo? A atuação parece ser realista, épica (alguém está narrando dentroou fora de cena? Existe coro? Trata-se de um quadro musical, coreográfico? Oator se dirige ao público diretamente, quebra-se a quarta parede?

- A palavra: a dimensão literária do evento cênico: unidade, montagem dequadros cênicos ou justaposição? Qual o tratamento dado à palavra? Ela estápresente também visualmente em cena (letreiros, equipamentos eletrônicos,cartazes, impressos)? Quando é emitida, é por atores em cena, voz em off, aovivo, amplificada por microfones? Ela é emitida de forma natural, estilizada,cantada, descontraída ou incompreensível?

- A musicalidade: a estrutura de sons e silêncios. Qual a musicalidade adota-da? Há música presente? Se há, ela é gravada, ao vivo, fora ou dentro de ce-

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na? Qual a sua relação com a fábula e com a dicção dos atores? Em que mo-mento a música interage com a ação dos atores, da luz, dos objetos? Optou-se pelo uso amplificado de ruídos urbanos ou naturais?

- Ritmo: qual o ritmo das cenas? Ele é contínuo ou descontínuo? Qual o ritmoda troca de diálogos, a relação entre a duração real e a duração vivenciada?

Como o objetivo de debater as diferentes possibilidades de adaptação tempo-ral, por exemplo, pedimos aos diretores, dramaturgos e atores que respondamatravés da formulação de concepções, imagens e/ou jogos teatrais, a seguinteinstrução: Escolha cada grupo uma cena ou uma conjunção de diferentes tre-chos de cenas ou mesmo frases, que possam ser montadas em uma mesmasituação cênica que possa ser transposta para outro tempo que não aqueledescrito pelo autor do texto. Cada grupo analisa diferentes imagens, debate eopta por uma determinada hipótese de adaptação do texto.

Reiteramos a importância que damos ao fato de o professor estimular a atitu-de de investigador da cena, como propõe Brook e Brecht, a pergunta -“Dequantas formas podemos configurar a encenação de um ou mais fragmentosdesse texto?”, cerne da proposta em tela, pode ter no questionário sintetizadoacima um ponto de partida para a adaptação de cada professor ao seu contex-to específico.

Após a proposição de cenas, textos e jogos a partir das questões, o grupo en-tra em contato com diferentes indutores – recortes de textos sobre tea-tro,imagens, registros em vídeos - que indicam as opções adotadas em ence-nações modelares, clássicos da modernidade cênica. Após a análise, o grupoexperimenta os procedimentos enfocados e, em seguida, retoma sua escrituracênica.

Este movimento pendular entre o jogo do grupo com recortes do texto e adescoberta de diferentes formas adotadas pelos diretores para resolver osmesmos problemas de configuração cênica é uma premissa fundamental nestaproposta.

4.3.2. Uma encenação modelar do texto como ponto de partida: um ex-perimento com o material sobre Ham-let do Teatro Oficina

Do ponto de vista didático, consideramos fundamental a seleção, para comporo dossiê didático, de pelo menos um acontecimento cênico referente ao textoescolhido que configure uma referência nacional significativa para a cena con-temporânea. Esta investigação comprovou que, ao enfocar uma apropriaçãonacional do texto teatral em foco, os alunos podem comparar, dentre outrosaspectos, a influência dos diferentes contextos culturais e históricos. A intenção

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é não perder de vista o debate em sala de aula sobre a necessidade – ou não -de adaptarmos o texto teatral para o universo cultural brasileiro.

Qual encenação nacional escolher? Dois critérios foram considerados: a impor-tância histórica e o uso de procedimentos não-dramáticos. Em nosso experi-mento com Hamlet, de todas as montagens do texto as quais tivemos acesso -desde a protagonizada por Sérgio Cardoso, ou a encenação de Márcio Auréliocom cenografia de J. C. Serroni, até aquela dirigida por Ulisses Cruz recente-mente, com Diogo Vilela no papel-título – a realizada por José Celso MartinezCorrea se destacou por sua importância histórica, pois marca o renascimentode um dos mais importantes conjuntos teatrais brasileiros, incluindo a reaber-tura de seu espaço, e influenciou, direta ou indiretamente, muitos grupos deteatro. A força do espetáculo Ham-let, como obra de arte cênica, foi reconheci-da por diversos críticos (Labaki, Sá, Garcia, Fernandes, Ramos) como uma en-cenação de grande envergadura artística.

Ao analisarmos as opções de escritura cênica adotadas na versão de Hamlet doTeatro Oficina, iniciamos pelo acesso à Enciclopédia de Teatro Brasileiro naInternet. No verbete “Ham-let” descobrimos a referência a uma análise críticadeste espetáculo realizada por Silvana Garcia. A análise de alguns dos princi-pais instrumentos cênicos utilizados pelo grupo, o que nos levou a tomá-lo co-mo texto-base que fundamentaria a seleção e invenção de procedimentos aserem experimentados pelos alunos. Qualidades como linguagem acessível ecapacidade de descrição de imagem podem servir de parâmetro na escolha deanálises do espetáculo pelo professor. De início, podemos fragmentar o textocrítico em recortes divididos por temas, que se transformam em recortes utili-zados em sala de aula, complementando a avaliação das cenas produzidas pe-los alunos.

A seguir, apresentaremos exemplos dos recortes que fizemos desta análise deSilvana Garcia, seguidos dos respectivos procedimentos utilizados no experi-mento realizado em Interlagos.A seleção dos recortes da referida análise foiinspirada nas questões do tópico anterior.Destacaremso a seguir, a título deexemplo, alguns destes recortes e a utilização que fizemos em sala de aula.

Quando analisamos o programa do espetáculo iniciamos pela fotografia deHam-let na capa. Olhando apenas a metade superior da imagem vemos umator compenetrado lendo um livro, símbolo do respeito ao clássico. Quando o-lhamos a parte de baixo percebemos que este Hamlet com as calças arriadas, oque torna a imagem ambígua e que, de certa forma, sintetiza a dupla atitudedo grupo em relação a Shakespeare: respeito e deboche. Esta imagem de Ha-mlet foge completamente ao modelo dramático configurado pelo cinema anglo-saxônico, traz à tona uma atitude complexa, revela a dupla operação de atuali-zação do texto, épica e irreverente.

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Procedimentos metalingüísitcos

Recorte:

“Faz-se tênue, assim, a moldura ficcional, abrindo passo para os procedimentosmetalingüísticos: quando Hamlet, recusando-se a falar com a mãe, sai pela por-ta do teatro, o ator que faz Cláudio insta a platéia, convocando o ator que fazHamlet a retomar a peça, ao comando de "Fica! Fica"; quando o príncipe fala deum céu estrelado, aponta para o alto e o teto se abre efetivamente mostrando océu; durante o relato da morte de Ofélia, um ator abre a torneira e faz jorraruma cascata sobre o tanque, no qual a jovem mergulha para a morte.”

Um procedimento possível é grado pela seguinte instrução: De quantas formase com quais intenções em relação aos espectadores podemos sair da molduraficcional proposta pelo autor? De quantas formas podemos sair da linha narrati-va da fábula? Teste com os recursos épicos: comentários através da inserçãode narrador(es) ou coro, criação de “apartes”, ou recursos pós-dramáticos, co-mo o jogo cênico popular com participação da platéia.

A musicalização da cena dramática

Outra característica do modelo de encenação em foco é a inserção de músicacomo comentário ou contraponto, a criação de “songs” (no sentido brechtianodo termo), a transformação de diálogos em números musicais.

Recorte:

“Nas cinco horas do espetáculo que se seguem, mantém-se esse mesmo ritmo.Música e canto fazem a pontuação da ação podendo comentá-la, contrapor-se aela, sugerir relações entre texto e personagens, dar ritmo e criar clima. Essavariedade de funções é facilitada pela conjugação de trilha gravada com músicaao vivo e pela enorme gama de estilos e ritmos empregados: cantos indígenas,canto lírico, blues, bossa-nova, samba, rock, rap, etc.”

“(...) O canto também se insere estruturalmente na cena, conduzindo o espetá-culo em direção à opereta: inúmeros trechos do texto são transformados em á-rias.”41

Procedimentos:

- Musicalização do texto-base: o grupo é convidado a escolher trechos do textoque poderiam ser transformados em números musicais. O aluno pode trazermúsica que poderia funcionar como trilha sonora. Improvisação com texto emmãos, com ou sem instrumentos acompanhando. Leitura rítmica, jogo alteran-do possibilidades de emissão vocal, criação de base rítmica para declamação dotexto sobre a música; criação de melodia para trechos do texto.

41 Garcia. Silvana.op.cit.

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- Citação de música como base da cena, como base de nova música, paródia.Um grupo cria musicalidade para um trecho, enquanto outro grupo corporificaimagens para cada passagem.

Citações: de outros textos, de imagens, intertextualidade explícita

O recorte do texto crítico é o comentário sobre o uso de citação de uma grava-ção de uma transmissão radiofônica, como aquela efetuada pelo grupo na cenametateatral presente no texto de Shakespeare: “(...) É ao som do relato domassacre do Carandiru que os atores ambulantes encenam a pantomima trági-ca.” Citação de poesia de Oswald de Andrade: “tupy or not tupy”.

Podemos questionar com os alunos: Como podemos utilizar uma cena do textode Shakespeare para, através da citação de outro elemento (áudio, vídeo, ce-na, som cores simultâneas, coro, ação cenográfica, justaposição de música),dizer alguma coisa sobre o país em que vivemos, como se respondêssemos apergunta o que falar do Brasil, hoje? O que nos estimula o pensamento acercadesta nação?

Procedimento: cada aluno seleciona fragmentos em textos literários, teóricos efilosóficos que correspondam aos desejos de expressão pessoal. A instruçãopode ser: “O que vocês gostariam de dizer ao público, mas que não está notexto base? Tragam propostas de textos...” os recortes podem servir de pontode partida pra musicalização do poema (“da música à coreografia”) númerosmusicais podem ser inseridos em cena improvisada, no meio do texto, podemser projetados, como texto, podem ser ditos em off ...

A ênfase no Gestus Social

Redução da complexidade dramática: ênfase nos papéis sociais, na caricatura:

“As personagens, por sua vez, são aparadas em seus volumes e tornam-se pla-nas, caricaturas de folhetim. A Rainha ostenta uma leveza quase infantil —“Fragilidade, teu nome é mulher!”;

(...) Pintadas em seus traços mais caricaturais, mas confrontadas com um textode alta poesia e transcendência, as personagens parecem debater-se em des-conforto. O efeito é de marcado estranhamento,(...).42

Procedimento: Criação do gestus de personagens: leitura de verbete gestus emPavis. Aquecimento, roda de espelho, trocando de guia, cada um apresenta umgestus de um personagem que escolheu. Escolhe uma frase para justapor aogestus, aquela que revele atitude social do papel. Todos imitam o guia. Em se-guida, cada subgrupo escolhe os personagens que podem transformar em pa-péis sociais, discutem internamente, testam a criação de gestus, apresentando,em seguida, a síntese elaborada aos demais grupos.

42 Garcia, op. cit.

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Avaliação: “quem eles mostraram”? Do ponto de vista dos papéis sociais, quaisos personagens que nos interessam? Por exemplo, em Interlagos destacamos orei Cláudio, Polônio, a Ofélia frágil e acuada como possibilidade de ser confron-tada com uma concepção contemporânea de mulher. Também se discutiu muitoa possibilidade de explorarmos a figura de Fortimbrás como representante dochefe militar imperialista.

Redimensionamento de personagens

Recortes:

“A expansão do tempo-espaço da fábula também libera as personagens no queconcerne a suas entradas em cena”. Ofélia, por exemplo, invade a área de jogomesmo quando não está prevista a sua presença - junto ao cadáver ainda quen-te do pai - ou permanece nela quando, a rigor, já não mais deveria estar ali,como seus passeios entre os protagonistas, após sua própria morte; uma estra-nha figura de preto acompanha o enterro de Ofélia e misteriosamente desapare-ce da cena e da peça.”

“(...) Hamlet perde seu caráter melancólico e ganha cinismo e agressividade.” 43

Procedimento: “Que personagens vocês gostariam de ressaltar, ampliar, redi-mensionar, tendo em vista a complexidade da vida de hoje?” Em Interlagos, apersonagem da Ofélia também foi alvo de inúmeras críticas (não havia condi-ções, segundo o grupo, de mostrar as vozes femininas da forma clássica, porisso, eles inventaram a presença de duas Ofélias, que seguem até o fim do es-petáculo, como presenças, espectros, e a inclusão de uma cena baseada emHeiner Müller, que mostrasse Ofélia revoltada, forte, uma imagem que fossealém daquela Ofélia frágil, passiva e obediente. A opção de Zé Celso de ressus-citar Ofélia no final de seu espetáculo, numa cena de parto, simbolizando a re-novação da vida, seguida de um ritual com chocalhos com o público, cria em“Ham-let” um final diametralmente oposto ao de Shakespeare, com sua mon-tanha de corpos e a entrada de um soldado, a apoteose militar do som dos ca-nhões para o enterro dos nobres. Nessa oficina, o grupo resolveu terminar comum “grito de guerra”, assumindo-se como “moldura narrativa” e propõe a cele-bração com o público.

Quando o professor inicia seu trabalho em classe pela análise de um banco dedados de uma encenação modelar, o término da leitura dos pontos destacadospelo professor no material selecionado nos remete à seguinte questão: Quaisos procedimentos de encenação que não foram abordados nesta análise, masque poderiam ser experimentados para ampliar o repertório teatral do grupo?Esta situação é o momento apropriado para acessarmos outras montagens quepartiram do mesmo texto, do banco de encenações modelares que propomos.

No caso dos experimentos com o texto de Hamlet, além da encenação de JoséCelso, selecionamos e traduzimos textos e imagens. Neste exemplo, podería-

43 idem

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mos complementar esta análise com o exame de outras encenações modelaresdo mesmo texto, tais como as versões de Robert Wilson (Hamlet as monolo-gue) e Gerald Thomas (M.O.R.T.E), já citadas, assim como as de Lioubimov(1977), Heiner Müller (1990), Peter Brook (2000),) e Patrice Cheréau (1989) eRobert Lepage (1995), dentre outros.

4.4. Multiplicidade de óticas de um mesmo procedimento

A abordagem do uso do vídeo pelo grupo Oficina nos estimulou a propor a in-vestigação da pertinência - ou não - do uso de recursos tecnológicos que in-crementassem algum quadro cênico, ou mesmo, todos eles, configurando umaunidade formal à montagem de cenas distintas. O professor pode propor a se-guinte questão aos alunos: de quantas formas poderíamos utilizar a projeçãode imagens em nossa encenação do texto? Podemos situar a noção de projeçãode imagens através de sombras chinesas, fotos, vídeo (monitores de televisãocom vídeo-cassete ou DVD player, ou mesmo data-show) para a encenação deuma cena do texto de Shakespeare?

Após o exame coletivo das propostas dos alunos, todos pesquisam outras en-cenações que tenham se utilizado deste recurso. Todos podem trazer para aleitura em sala de aula, trechos de entrevista de diretores importantes queutilizem a projeção de imagens, que esclarecem as diferentes motivações paraeste uso.

Consideramos fundamental que o professor possa situar a origem histórica dosrecursos cênicos analisados. O uso de imagens projetadas em telas, por e-xemplo, pode ter sua origem situada historicamente na montagem de Piscator,diretor que nos anos 1920 ambicionava dotar a cena de uma “qualidade do-cumental”. A reflexão sobre as intenções de Piscator de vencer os estreitoslimites da ação no cenário e do destino individual mostrando as massas e osprogressos históricos, aprofunda a análise em foco. Neste enfoque, vale a pe-na discutir com os alunos que, para Piscator, a imagem amplificava a intimi-dade de uma situação dramática com um enxerto de história, trazendo ao pal-co recortes do mundo em transformação. O uso rapsódico do cinema e da fo-tografia na cena teatral pode ser ilustrado por fotos e pelo seguinte trecho de“A Função do Filme”:

“O filme-comentário acompanha a ação como um coro. Diebold o compara pre-cisamente com o antigo coro. Dirige-se diretamente ao espectador, lhe fala(“por favor não nos levem a mal, sempre começamos pelo princípio”, prelúdio).Chama a atenção do espectador sobre algumas mudanças importantes da ação(“o Czar se coloca à frente de seus exércitos”). Crítica, acusa, traz dados im-portantes, sim, às vezes provoca diretamente a agitação. (...). O filme permitea condensação da cena até um grau de concentração real, mostrando (ao es-pectador) o futuro das pessoas implicadas na ação, o filme condensa as cenas

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em seu conteúdo real. (fuzilamento da família do Czar em filme na cena daconjuração).” 44

Outras encenações modelares podem ser evocadas para ampliar o estudo dorecurso em foco. Por exemplo, a encenação de “Mercador de Veneza” por Pe-ter Sellars45. A análise da imagem pode ser complementada pela leitura dodepoimento deste encenador sobre a função coral proporcionada pelo uso devídeo e de microfones:

“O sentido de que nossas experiências são profundamente mediadas deve sermostrado, usado e criticado, tudo ao mesmo tempo”. (...) A mídia é quem con-trola o voto na América. Isto é o que devemos atingir – como o que devemoslidar agora. Em muitas de minhas produções, estou conscientemente dizendo:“Espera um minuto, qual é a posição da mídia em sua vida”? Quantas informa-ções diretas você está recebendo? E quantas vezes você está recebendo de umponto de vista diferente? (...) Desde o primeiro instante do espetáculo a platéiatem de perceber que estão vendo atores, mas que também estão vendo atoresde um outro ponto de vista. Logo, devemos nos dar conta de que a todo omomento neste mundo nós estamos na presença de pontos de vistas múltiplos,e falar continuamente a respeito do assunto partindo de um só ponto de vista éinadequado.”46

Quando analisamos imagens do espetáculo Elsinor47, um solo com trechos doHamlet encenado por Robert Lepage em 1995, informamos aos alunos que oencenador canadense acredita no valor da tecnologia utilizada como possibili-dade lúdica e não como instrumento de ilusão. Para o encenador canadense, oteatro não deve perder a noção de que deve ser, antes de tudo, prazeroso, umdivertimento para a inteligência e o espírito do ser humano. A tecnologia, nes-te enfoque, é usada sem pretensões ilusionistas, nem espetaculares, mas co-mo um elemento poético:

“Le feu, c'est de la technologie... Le théâtre, c'est du feu et de la noirceur. Avecles feux de la rampe, on crée des ombres. Le projet, c'est d'entretenir le feu surscène. La technologie n'est pas là pour refroidir l'artiste, mais pour lui ouvrir denouvelles possibilités. L'intérêt de la technologie, c'est que ça permet ou empê-che une forme d'art de se métisser. La frontière entre le spectacle vivant et l'arten conserve (film, vidéo) est de plus en plus étroite. La télé s'en va vers unethéâtralité, vers un sens du direct que la technologie est amenée à transformeren poésie.” 48

44 Piscator, E. “Nuevas tecnologias em la escena”. In Revista ADE, Madrid, 1999.(tradução doautor).

45 Maurin, Fréderic (org.). Peter Sellars. CNRS, Paris, 2003, p.360.

46 Sellars, Peter. In Delgado, Maria; Heritage, Paul.(orgs.) Diálogos no palco. Rio de Janeiro,Francisco Alves, 1999, pp. 440-441.

47 Fouquet, Ludovic. Robert Lepage, l´horizon en images. Québec, L´instant même, 2005.

48 Lepage, Robert. “Le créateur se penche sur I'avenir du théâtre” (entrevista feita por Jean St-Hilaire) Le Soleil, Québec, 22 de janeiro de 2000.

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O questionamento do grupo em relação à possibilidade de usar esse recursoem nosso experimento gerou diferentes propostas, escritas ou debatidas. Apóso comentário a partir de fotografias49 sobre a projeção de imagens em vídeopré-gravado e ao vivo dentro do espetáculo Elsinor, ampliou a discussão.

Após o debate com textos sobre teatro e a análise das imagens de diferentesabordagens multimídia de textos, o grupo é convidado a conceber cenas quese utilizem da projeção de imagens. Se tivéssemos acesso ao equipamentonecessário, qual seria sua proposta para a inserção de imagens – pré-gravadas, ao vivo, ou ambas? - e para o uso de microfones? Se houver dispo-nibilidade técnica, podemos realizar experimentos com os equipamentos. Emnossa oficina com Hamlet, na fase de elaboração de roteiros, foram discutidasdiferentes propostas tendo em vista que a abordagem multimídia interessouao grupo. Percebemos a importância do questionamento constante do motivoda utilização de determinado recurso, alertando o grupo sempre para o perigoda utilização aleatória que não contribui para a encenação. Ao final de nossamontagem, os alunos decidiram utilizar o recurso do vídeo como forma deprojetar a imagem ao vivo do “Horácio/narrador” e dos solilóquios do protago-nista, assim como possibilitou a projeção da cena do afogamento de “Ofélia”.

4.5. O desenvolvimento de quadros cênicos e os encontros com opúblico

Após a experimentação de diferentes procedimentos cênicos, realiza-se uma“oficina de super-objetivo e roteiro”. A partir de perguntas-chave, o grupo dis-cute as diretrizes e objetivos da encenação: O que queremos do teatro? O quenos interessa como artistas, pensando no público? O que queremos destacardos bancos de dados? Da mesma forma, revendo as concepções de cenas jálevantadas até agora, como cada um pensa um roteiro cênico? Depois da pro-posição individual de roteiros, da exposição e da discussão, o grupo é convida-do a chegar a um roteiro, não pela democracia da maioria de votos, mas, pelaargumentação e recriação até alcançar um consenso.

Após o debate de diferentes roteiros, o grupo formula a primeira versão de umroteiro, em conjunto. O objetivo não é alcançar uma unidade de estilo. A regrado nosso jogo é que este primeiro roteiro seja considerado um ponto de partidaa ser modificado, pois esta deve ser apenas a primeira proposta do grupo. Todoroteiro passa por diferentes versões; trata-se do processo natural de concep-ção, teste em cena, revisão, novos testes.

A noção de fase das apresentações50, a nosso ver, substitui a idéia de apresen-tação final de oficina, na medida em que parte do princípio de que a estréia é o

49 Lepage In Irvin, Polly.(org.) Directing for the stage, Rotovision, London,2003. pp.60-71.

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início de uma nova etapa que deve ser desenvolvida, pois o roteiro da encena-ção deve, em princípio, ser reavaliado conforme o posicionamento e as reaçõesdo público. Reiteramos, sempre que possível, que podem ser seguidas de deba-tes com o público, após cada evento, para aqueles interessados. Em Interlagos,o grupo alterou bastante a escritura cênica dos quadros, após a análise da ob-servação da platéia.

Assumido por todos como uma criação cênica em processo - work-in-progress51

- o espetáculo é sempre alterado a partir das avaliações advindas dos encon-tros e reações do público. Após diversos encontros dedicados à experimenta-ção, é recomendável que se realize uma nova oficina de roteiro, que possa ge-rar uma atualização das escolhas dramatúrgicas.

Nestes experimentos percebemos como é importante que o aluno possa se e-xercitar na leitura de textos não-dramáticos e na analise de material sobre acena contemporânea para que ele saiba, ao menos, compreender a existênciadeste tipo de teatro, no sentido da educação do espectador. No segundo mo-mento, se, depois de experimentar, ele realmente não se interessar mais, aísim, será uma escolha com maior grau de consciência e de autonomia na lin-guagem teatral.

A organização de dossiês em torno de encenações modelares de um mesmotexto revelou um caminho de aprendizagem contínua para o coordenador, queao pesquisar seu material didático amplia sua visão do teatro. Salientamos ofato de que o professor não detém o conhecimento prévio que será transmiti-do aos participantes, ele investiga junto com os alunos... Sendo assim, namediação dos iniciantes o professor deve se apropriar das descobertas intelec-tuais dos pesquisadores.

A experimentação de diferentes formas de concretizar uma mesma cena apartir de modelos de encenação comprovou ser interessante caminho de am-pliação do repertório de objetivos e procedimentos.

Consideramos fundamental que o professor em formação possa transpor parao papel e sistematizar a adaptação dramatúrgica que ele produz individual-mente, assim como sua participação na busca pelo consenso acerca de umtexto assinado por todos os membros do subgrupo. Este registro do resultadodos jogos e das concepções do grupo revela a diferença entre a adaptação dogrupo e o texto que serviu de base para a experimentação. Percebemos nasavaliações dos participantes que o fato de ter que registrar no papel a cenacriada, gera um novo debate acerca de sua estruturação e estimula a consci-ência do educando em relação à natureza da adaptação dramatúrgica.

50 Em nossa experimentação a partir de ”Hamlet” houve uma temporada de apresentações noteatro do “CEU-Centro de Educação Unificado - Cidade Dutra”, na zona sul de São Paulo, entreinício de novembro e dezembro de 2004.

51 Na perspectiva de Cohen (1998).

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Portanto, propomos variações em torno do seguinte exercício: todos são con-vocados como dramaturgos para redigir sua versão da cena e trazer uma pri-meira versão para a aula seguinte. As proposições individuais são lidas emcada subgrupo, que elabora coletivamente uma versão que resultou do con-senso. As versões individuais são anexadas ao seu relatório da disciplina, pro-tocolo no qual ele relaciona leituras da teoria com o que fizeram na prática.

Outra possibilidade é que o professor possa conectar os dados que reuniu comos procedimentos que realizou, - cada aluno poderia contribuir para escreveros procedimentos utilizados e distinguir as formas de conectar esses dadosteóricos e artísticos sobre encenações modelares de um texto. Esse Banco dedados poderia servir de ponto de partida de novos experimentos em outroscontextos, como fizemos ao levar o material reunido em Natal para a oficinade São Paulo.

O Banco de dados que organizamos sobre Esperando Godot, por exemplo,serviu de ponto de partida para criação de imagens e jogos teatrais na primei-ra fase do quarto experimento que realizamos, no âmbito de um projeto deação cultural no bairro de Interlagos, São Paulo. A revelação da temática e daspersonagens que interessavam ao grupo também resultou em uma montagemde quadros com versões da dupla de Beckett. Desta vez, com um grupo departicipantes que iniciavam no fazer teatral, esta abordagem de jogo comfragmentos de Esperando Godot se revelou muito eficaz pedagogicamente.

É importante frisar que nesta proposta os diálogos e as narrações são desen-volvidos através de diversas retomadas de jogo teatral, que ocorrem após ava-liações isoladas, editadas pelo diretor em novas instruções. A atitude lúdica naresolução, muitas vezes, com forte influência das intuições advindas do estarem jogo, é importante que seja mantida, tendo em vista que o professor emformação deverá ser capaz de conduzir iniciantes e não profissionais. São essasinstruções que comandam a transformação na narrativa cênica de cada sub-grupo, essa dramaturgia em progressão ocorre durante vários ensaios, portan-to consideramos ideal quando a disciplina de um semestre é voltada somentepara esta fase de processamento da estrutura dramatúrgica e passa para a faseseguinte, que é dedicada a ensaios abertos, debates e retomadas de imagens ejogos.

Podemos ressaltar alguns problemas, como a resistência dos atores à regrabásica que garante a última palavra sobre a edição do texto cênico ao aluno-diretor. Nem sempre a ida aos locais foi possível, confortável ou produtiva,mas no final, todos os participantes avaliaram positivamente o método utiliza-do. Percebemos que é natural um envolvimento mais intenso entre ator e tex-to e que, às vezes, isso dificulta o abandono de descobertas, sejam elas mo-vimentações cênicas, ações físicas, textos, canções ou gestos.

O revezamento das funções, pelo fato de alunos-diretores atuarem como ato-res em outras cenas, foi avaliado positivamente por alguns, na medida em queesse duplo papel lhes permitia observar o processo através de outro prisma,

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ampliando assim, sua compreensão das dificuldades do ator desenvolvendodessa forma sua habilidade na condução de grupos.

Salientamos que a prática descrita neste capitulo não substitui um projeto deencenação de um espetáculo, quando o professor possui condições de tempo eespaço para tal empreitada, constituindo uma fase de preparação, de avalia-ção diagnóstica e ampliação do repertório teatral.

Discussão do planejamento do experimento

Da mesma forma que na conclusão da primeira parte da proposta metodológica,nesta segunda parte dedicada à encenação podemos apresentar e discutir comos alunos, o percurso percorrido:

1. Experimentação de procedimentos do banco de dados sobre encenaçãocontemporânea.

2. Criação de dossiês de encenações modelares do texto em foco.

3. A recriação dramatúrgica a partir dos dossiês.

4. Definição de quadros cênicos de cada subgrupo.

5. Concepção e debate de roteiro geral para a apresentação dos quadros.

6. Apresentações, novas avaliações e retomadas de jogo.

7. Escritura da dramaturgia individual e coletiva.

O que importa é que este caminho leve necessariamente a um consenso, a umroteiro que revele uma unidade, um espetáculo no sentido tradicional do ter-mo. Ao final desta fase, o grupo apresenta seus quadros, testando diferentesreações do público. Os alunos que jogaram o papel de diretores e dramaturgose atores podem perceber como cada caminho adotado levou a relações diver-sas. Somente após este primeiro teste - encontro com o público - é que o gru-po poderá optar, por um caminho de encenação ou pela junção de diferentesabordagens, na constituição de uma dramaturgia de natureza híbrida. O quese mostrou extremamente válido foi a experimentação de diversidade drama-túrgica e cênica. Esta prática contribuiu, segundo a avaliação dos alunos queparticiparam dos experimentos, para uma visão de teatro que vá além do mo-delo dramático de representação das ações do homem, modelo este instaura-do e reiterado diariamente no cotidiano da maioria dos nossos alunos.

O formato hipertextual é interessante porque podemos partir de qualquer umde seus elementos - textos sobre teatro, registros de encenação, textos tea-trais, peças clássicas, exemplos de textualidades contemporâneas, recortes detexto literário, descrição de procedimentos de criação, imagens, trilhas sono-ras e vídeos – permitindo ao professor e aos alunos a mesma liberdade antro-

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pofágica de diretores como José Celso, cuja formação artística se funda emreflexões de artistas de teatro tão distintos quanto Bertolt Brecht, Oswald deAndrade, Antonin Artaud e o grupo Living Theatre. Podemos lançar mão dequaisquer componentes desses dossiês didáticos, dependendo da relação quese estabeleça conforme o planejamento que não abre mão do estudo das poé-ticas cênicas modelares tais como Brecht, Artaud, Wilson, La Fura, MarceloGabriel, Marina Abramovich – mas também da avaliação do grupo pelo profes-sor.

Do ponto de vista da formação do professor, o estudo teórico e a criação tea-tral utilizando os procedimentos de encenação rapsódicos, brechtianos e pós-dramáticos, constituem práticas fundamentais, se concordamos com a premis-sa na qual o professor deve ser capaz de mediar a leitura e estimular a criaçãodos alunos para além do modo dramático. Nesta pesquisa, os depoimentosdos participantes ressaltaram a ampliação do repertório efetuada pelo exercí-cio de um leque de opções de encenação a partir de um mesmo texto, antesdo grupo definir um projeto de encenação do fragmento selecionado. Perce-bemos que este tipo de prática contribui para a evolução da capacidade deleitura e criação da cena dos alunos iniciantes e de professores em formação.

Por outro lado, foi perceptível também o alargamento da visão de mundo dosgrupos, estimulada pelos inúmeros debates, ocorridos nas avaliações após osjogos e das análises dos registros e estudos sobre as encenações modelares.O contato dos alunos com diferentes posicionamentos éticos, políticos e poéti-cos dos diretores e grupos estudados mostrou-se um recurso pedagógico efi-caz no sentido da educação do espectador crítico, mas também de um serhumano mais aberto ao diálogo, o acostumar-se com o lidar com distintas i-déias na busca de um consenso, de valores como a diversidade e o respeito aopensamento do outro.

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Considerações finais

Como ensinar a ler e a criar a cena contemporânea que vai além do modelodramático? Como desenvolver a aprendizagem da dramaturgia tendo otexto teatral como ponto de partida de experimentos de aprendizagem ecriação, no âmbito da formação do professor de ensino de teatro na escola?Como vimos, essas questões permearam toda a nossa investigação.

Iniciamos nosso trabalho pelo estudo de processos colaborativos de criaçãona encenação que ocorreu através da revisão bibliográfica e da análise doacompanhamento do processo de escritura cênica de Os Sertões - ohomem, assim como da análise da participação do autor como assistentedo diretor teatral em Apocalipse 1,11. A partir de diversos experimentoscênicos com jovens e adolescentes iniciantes em teatro no bairro deInterlagos, na periferia de São Paulo e em Natal, Rio Grande do Norte,foram testados diferentes procedimentos. Neles os alunos assumiram ospapéis de dramaturgo e de diretor, analisando e encenando fragmentos deautores como Shakespeare, Brecht, Oswald de Andrade, Alcione Araújo,Samuel Beckett e Heiner Müller, dentre outros.

A análise destes experimentos foi ampliada por estágio de observação doensino de dramaturgia no Institut Del Teatre de Barcelona, que aprofundoua sistematização de uma abordagem de natureza colaborativa do jogoteatral em sala de aula. Nela, além de atuar e ser espectador crítico, oaluno pode assumir o papel do dramaturgo, para leitura, análise e escriturade textos teatrais e do diretor, coordenando e editando jogos deencenação. O revezamento no jogo dos principais papéis colaborativos -ator, dramaturgo e diretor - permite que cada aluno possa ler e criar cenasem diferentes perspectivas em relação aos textos.

Como suporte para análise dramatúrgica de textos teatrais antigos emodernos, assim como das principais referências da textualidadecontemporânea, os experimentos confirmaram a viabilidade da propostade abordagem de diversos bancos de dados teóricos provenientes dediferentes saberes teatrais: história, estética, teoria da encenação, críticateatral, filosofia e sociologia do teatro.

A pesquisa não apresenta um modelo fixo de seleção e organização dostextos teóricos, pois isto depende de cada professor de teatro e de seuscontextos pedagógicos, mas aponta alguns princípios para a seleção earticulação de dados, tendo em vista um enfoque: a ampliação dorepertório temático, filosófico, dramatúrgico e metodológico do aluno.

O texto teatral, enfocado nesta pesquisa como eixo metodológico para acompreensão e o exercício da cena, tem seu lugar na formação doprofessor e no planejamento da disciplina Teatro na escola fundamental emédia, a partir da 5ª série. Escolhemos textos que tivessem uma fortunacrítica considerável, de preferência com análises contraditórias entre si.Neste trabalho o texto é considerado em duas vertentes:

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1) O texto como objeto literário, histórico, antropológico, que serve demodelo para a recriação dramatúrgica e estimula a capacidade deargumentação dialética sobre a natureza das relações humanas: como obrapertencente ao patrimônio artístico universal e nacional, um produtocultural, um elemento integrante do acervo literário, como um reservatóriopoético e mitológico de uma sociedade. O texto é um objeto cuja leituracontribui para a apropriação das narrativas fundamentais que compõem oimaginário, a memória coletiva de uma sociedade.

2) O texto teatral como modelo dramatúrgico, a ser apropriado de formacrítica e reconstruído, como forma de aprendizagem dos procedimentoscênicos e dramatúrgicos. Sendo assim, valorizamos nesta abordagem apoética dos textos teatrais que apresentam recursos dramatúrgicos quenão pertencem ao modelo do drama da tradição aristotélica. Nosso foco é oaprendizado dos procedimentos rapsódicos (Sarrazac) e dos procedimentospós-dramáticos (Lehmann); portanto selecionamos textos em função desua capacidade de ilustrar as opções dramatúrgicas do escritor.

Como esta investigação teve como resultado uma proposta pedagógica quese fundamenta num balanço constante entre a experimentação lúdica e oacesso a fontes artísticas e teóricas, isto tornou necessário refletir sobre aordem em que esses aspectos se sucedem. Esta preocupação se resume naseguinte pergunta: Como dosar informação e experimentação? Durante osexperimentos tivemos a preocupação de evitar um enfoque “intelectualista”ou “conteudista” do ensino, que priorizasse a transmissão de informaçõesem detrimento da invenção cênica do aluno. O ideal é que as soluçõescênicas dos artistas profissionais sejam debatidas depois de os alunosterem feito suas propostas. Isso é significativo, pois evita os efeitosnefastos de um acúmulo de informações antes de os alunos se disporem aexperimentar.

Os desafios implícitos nessa proposta dizem respeito, principalmente, ànecessidade de se repensar a formação continuada do professor de teatro.Nosso objetivo último é contribuir para o professor que está em sala deaula, mas as avaliações dos professores de teatro com os quaistrabalhamos no decorrer desta pesquisa apontaram que as deficiências doscurrículos das licenciaturas precisam ser resolvidas no que diz respeito àdramaturgia moderna e contemporânea, e mesmo à encenaçãocontemporânea, pois o paradigma vigente na mentalidade de quase todosaindaé o modelo dramático, a referência cênica majoritária, hegemônica nosmeios de massa como a televisão e o cinema.

Durante a pesquisa, a dificuldade de encontrar textos teatrais pós-dramáticos publicados nos conduziu à investigação de textos fora daliteratura teatral. Um texto da teoria do teatro, como a tese de doutoradode Silvia Fernandes, cuja descrição da escritura cênica de M.O.R.T.E. deGerald Thomas permitiu-nos citar uma referência brasileira de uma paródiae uma desconstrução contemporânea de Hamlet constituiu exemplovalioso.

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Neste sentido interessa-nos também o texto do registro de encenação, ou oroteiro cênico (story-board) pós-dramático, que muitas vezes incluiimagens, (imagem de roteiro de Actions do La Fura del Baus), poispercebemos em nossos experimentos que, ao se perguntar aos alunos porroteiros pós-dramáticos, eles não tinham idéia de como seria a forma deregistro no papel de suas concepções, falta de referência esta quedificultava sua expressão. Percebemos ainda, que ao lidar com roteiros deCohen, ou com vídeos e leitura de rubricas do texto de “Apocalipse 1,11”,por exemplo, discutíamos a noção de teatro processional, de acontecimentocênico, de teatro ambiental (“Enviroment theather” de Richard Schechner).A leitura das rubricas em textos teatrais contemporâneos resultantes deencenações, como “Apocalipse, 1,11”, por exemplo, demonstrou a eficáciadesse tipo de exercício para a ampliação da capacidade de expressão doeducando na linguagem cênica.

Nesta investigação pudemos perceber o valor pedagógico da prática doprofessor de ler críticas de teatro publicadas em jornais, objetivandoselecionar recortes que possam ser utilizados em sala de aula, constituindomaterial que irá compor as referências contemporâneas em seus bancos dedados em dramaturgia, de preferência exemplificadas com modelosextraídos de três universos distintos: dramaturgia universal, brasileira elocal.

Como já dissemos anteriormente, a intenção deste trabalho não éapresentar receitas, mas sistematizar os procedimentos que serviram a umgrupo específico. Refletimos sobre o fato de cada contexto e grupodirecionar a formulação de procedimentos diferentes pelo professor. Poroutro lado, um diferencial desta proposta pedagógica em relação àbibliografia publicada sobre o tema é a defesa da formulação pelo professorde um banco de dados teóricos e artísticos básico, que reúna material emdiversas modalidades de escritura cênica.

Nossa análise confirma que é desejável que estes bancos de dados possamestar configurados sob a forma de fichários ou pastas. O professor deteatro pode decidir por outras classificações diferentes da que adotamos,pois não se trata de propor um modelo único. Recomendamos que, nomínimo, duas modalidades distintas de encenação sejam abordadas emcada experimento, permitindo a análise comparativa das soluçõesadotadas.

O fato dos dados teóricos - recortes de entrevistas, livros, artigos, materialda Internet, verbetes de enciclopédias e dicionários, dentre outros – seremrelacionados em sala de aula a imagens e aos procedimentos que compõemo mesmo fichário e/ou hipertexto digital, foi destacado nas avaliações denossos experimentos, pois isto facilita o cotidiano do professor de teatro,que geralmente enfrenta o desafio de dar conta de inúmeras classes porsemana. A composição desse material didático do professor sob a forma dehipertexto que conecta os materiais artísticos e os textos teóricos entre si,em caráter de obra aberta, mutante, sempre renovável que traduza adiversidade da cena contemporânea, comprovou ser um instrumentodidático eficaz.

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A tese sugere, como uma das possibilidades de seu desdobramento, areflexão mais aprofundada sobre a documentação e o registro dasmanifestações do fenômeno teatral. São itens que poderão serdesenvolvidos em próximos trabalhos: a densidade dos suportes (textos,vídeos, fotos, gravações sonoras); a divulgação e o acesso a essadocumentação; a importância da organização e da preservação dessesmateriais, dentre outros.

A pesquisa valorizou, no que diz respeito ao amplo panorama da cena pós-dramática, aquela dramaturgia que Birringer denomina de pós-modernosde resistência, como vimos no terceiro capítulo.

A investigação revelou que as principais conexões entre o fazer, a história ea teoria do teatro podem ser realizadas através do equilíbrio entre umaprática cênica - criação de imagens, jogo teatral, redação de textos teatrais– e da análise dramatúrgica da cena contemporânea (textos teatrais edossiês sobre encenações).

Um outro objetivo pedagógico norteador desta pesquisa é aquele que visa odesenvolvimento de uma atitude de pesquisa do educando, na medida emque não existe um único modelo de teatro a ser ensinado, mas diversaspossibilidades. Os experimentos comprovaram que mais importante que oaprendizado de técnicas teatrais específicas, é que o iniciante na arteteatral possa, através da aprendizagem e do exercício da encenação,desenvolver o senso crítico e artístico como leitor e também como uminterventor na sua realidade social.

O fato de cada subgrupo organizar os seus próprios bancos de dadosteóricos e poéticos sob a forma de fichários, a nosso ver, tambémincrementa o aprendizado. O fichário materializa as conquistas no campoda teoria (citações de pesquisadores acadêmicos, dramaturgos eencenadores) que esclarecem premissas e procedimentos e no campo dadramaturgia (recortes de textos teatrais, registros de encenação).

Ao longo das duas oficinas, a prática do jogo propiciou gradualmente aintegração dos grupos, minimizando as diferenças de experiência de palcoentre os membros. Esta harmonização interna foi importante, na medidaem que tínhamos uma equipe heterogênea. Tendo em vista estacaracterística do grupo, procuramos tomar alguns cuidados no sentido depromover um aumento contínuo e gradativo das dificuldades em nossasinstruções de jogo. De uma forma geral, um grau satisfatório de coerênciafoi atingido na formulação das propostas.

Neste percurso foram três as questões que consideramos fundamentais: a)a aprendizagem dos procedimentos dramatrugicos e de encenação atravésde jogo, da análise e da recriação do texto teatral; b) a organização dodiscurso artístico – o teor das questões que estaríamos trazendo à tona ecomunicando ao público-; c) a discussão sobre as modalidades deformulação dessas questões, ou seja, os problemas dos dispositivosutilizados na encenação. Em nossa prática, estes vetores caminharam aomesmo tempo.

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Tendo em vista o aprendizado da leitura da cena teatral por parte dosalunos, enfatizamos a recepção do discurso tecido através dos jogos deencenação ao longo de toda a nossa trajetória. Esta leitura estética tevecomo instrumento principal a noção de dramaturgia como sendo a forma deentrelaçar os principais elementos da linguagem da encenação: o gesto e apalavra do ator em sua relação com a música, os objetos, o espaço e opúblico.

Nas oficinas realizadas com iniciantes, o primeiro momento dos encontros,ou seja, a fase de preparação, constituiu-se em um trabalho no nível pré-expressivo, procurando a mobilização do ator para um estado de prontidãoe disponibilidade para o jogo. Havia a necessidade de desarmar oscondicionamentos que determinam formas estereotipadas de atuação. Estafase foi mais que um simples aquecimento para o jogo, transformando-seem uma investigação pessoal e coletiva no nível pré-expressivo do ator.Com base no experimento, fomos percebendo, aos poucos, que a ênfase naação física serve não só para os profissionais do palco, como também paraaqueles que estejam se introduzindo no campo da atuação e nãopretendam se profissionalizar como artistas. Os exercícios voltados paraeste nível ampliaram bastante o referencial de imagens e movimentos dosjogadores, rompendo algumas barreiras expressivas, tanto físicas comovocais, ampliando o repertório gestual e dando mais elementos para ojogador utilizar em sua síntese durante o jogo.

A fase de exploração foi conduzida através de instruções que evitavam umaúnica resposta correta, estimulando sempre várias tentativas de resolução,que eram encaradas como possibilidades estéticas. Elas foram formuladas apartir dos problemas de configuração teatral que surgiam do contato comos textos teatrais e, posteriormente, com diferentes materiais queregistram encenações. A grande vantagem destas instruções foi a deoferecer um leque amplo de opções e desenvolver um distanciamentocrítico do aluno com as suas próprias proposições. O procedimento maiseficaz nesta fase foi a criação de imagens, sendo também bastanteprodutivo o cruzamento dos enfoques da complementaridade e doestranhamento. Este procedimento foi importante pela riqueza de pontosde partida dos jogos.

Na fase dedicada à síntese, o procedimento primordial foi o jogo teatral apartir dos textos teatrais. Sempre que foi possível tentamos obter umaelaboração cênica em cada aula, no sentido de manter a dinâmica do jogoteatral em permanente exercício. Procuramos não nos acomodar aosprimeiros resultados. A adaptação dramatúrgica que cada subgruporealizou com recortes dos textos-base (Godot e Hamlet) só foi definidaapós várias retomadas, quando os grupos decidiam os novos focos de jogo,de acordo com os critérios discutidos coletivamente e editados pelo diretor.

Nos encontros e oficinas que tivemos com os professores em formação emNatal e no Rio de Janeiro, a abordagem que relaciona analise de textosteatrais e artísticos ao jogo entre atores, diretores e dramaturgos permitiuque os alunos se apropriassem da discussão sobre a metodologia utilizada.Foi importante discutir ao longo das avaliações das cenas exploradas onosso enfoque do caráter lúdico do processo teatral, situando-o no campo

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da encenação e, por outro lado, enquanto continuidade às investigações deIngrid Koudela e Maria Lúcia Pupo.

De uma forma geral, os grupos que participaram das oficinas ultrapassaramos limites de seu próprio universo imaginário, defrontando-se com opensamento do outro, através do jogo teatral com fragmentos de textosteatrais. Os alunos foram convidados a construir sentidos, experimentandodiversas formas de apropriação lúdica e antropofágica da dramaturgia, oque instigou os participantes a pensarem dimensões menos óbvias darealidade.

Os textos selecionados apresentaram também importantes problemas deconfiguração cênica. Procuramos sempre encarar as soluções encontradasno jogo como sendo algumas das múltiplas opções de encenação. Asavaliações se detiveram não só na análise da ficção elaborada, masexaminaram também a forma do que efetivamente podíamos perceber emcena. Após os experimentos textocentristas, consideramos fundamentalestimular os grupos a formularem outros níveis de enunciação, que sesobrepusessem aos já existentes no texto original.

O texto teatral e os materiais que registram e analisam encenaçõesmodelares funcionaram como elementos de ruptura com a formaencontrada pelos grupos, instigando-os a novas elaborações da cena.

Pudemos observar que a prática da adaptação de textos através dacolagem desenvolveu a capacidade de discriminação, de seleção deinformações, da articulação de significados, da compreensão e daelaboração de metáforas, do poder de transformação simbólica dosparticipantes. Dentre as vantagens deste enfoque, pudemos destacar oaparecimento de várias proposições para a solução dos problemas cênicos,o envolvimento intenso do aluno com a articulação do discurso produzidopelo grupo, a ampliação dos enfoques e o crescente distanciamento críticodo ator em relação ao personagem. Foram significativos os instrumentos dediscussão coletiva da encenação formulados por nós no sentido daagilização do debate, evitando desvios desnecessários, encurtandocaminhos e situações de constrangimento.

A modalidade de formulação, edição e escritura individual em subgruposde roteiro e de cenas teatrais foi uma das vertentes que consideramosprodutiva. O trajeto da experiência - jogos de apropriação, leituras eanálises dos textos, os jogos de encenação até a escritura da adaptação dotexto - foi intercalado com a redação individual de concepções cênicas oudescrições detalhadas das cenas. Esta prática da redação de textos foimuito interessante, aproximando o aluno da idéia de concisão como critériopara o recorte.

Os experimentos realizados, conforme havíamos percebido também emnossa pesquisa anterior, constataram que um dos efeitos negativosprovenientes da participação do aluno na elaboração da dramaturgia é osentimento de posse que pode emergir em relação ao papel. Em certoscasos a dimensão de autoria faz com que ele se identifique com apropriedade do personagem. Após um certo tempo de experimentação,

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alguns atores podem se incomodar com alguma mudança na distribuição depapéis, mesmo quando esta evidencia a necessidade estética da troca,tendo em vista a representação como um todo. Neste momento, éimportante que o professor estimule o posicionamento do aluno enquantodramaturgo, no sentido de sua participação como co-autor do texto,enfoque que exige um maior distanciamento crítico. Em nossa experiência,quando não havia consenso, a decisão final sobre a distribuição dos papéiscabia ao aluno que jogava o papel do diretor, e foi importante expor ediscutir os critérios no grupo, para esclarecer dúvidas e evitar malentendidos.

Nas oficinas os atores discutiram a encenação e a dramaturgia de formaentrelaçada através das pequenas formas de montagem. Quando os atoresaceitavam as instruções dos alunos que jogavam o papel dos diretores parao estabelecimento de novos focos, alterações ou cortes, estavamsubstituindo o mito da inspiração imediata e do frescor original da primeiraimprovisação, por uma prática sistemática de transformação da versãoinicial. Este enfoque lúdico da cena enquanto texto cênico orgânico, vivo, eportanto mutável, não foi evidente no início.

Podemos resumir assim as etapas do percurso que propomos para arealização de experimentos a partir dos textos teatrais:

1. Avaliação diagnóstica: procedimentos de jogo e debate que revelemquais os temas, personagens e maneiras de encenar dos grupos: Quais sãoas referências do grupo sobre textos teatrais? Quais conhecem, ouviramfalar, leram? Aquecimento para leitura: realização de jogos teatrais a partirda descrição de imagens e, em seguida, de frases destacadas do texto.Esta fase inicial foi abordada no capitulo dois e retomada na introdução docapitulo três.

2. Ampliação do repertório: exploração de fragmentos diversos: proposiçãopelo professor de recortes de textos teatrais com temáticas e linguagensdiversas daquelas apresentadas pelo grupo. Abordagem que articula acriação de imagens e jogos teatrais com a análise dramatúrgica defragmentos e a leitura de textos da teoria, da história e da crítica. Esta fasefoi descrita no capitulo três, assim como os itens 3, 4 e 5 expostos aseguir.

3. Seleção de texto teatral que servirá de eixo para a segunda fase doexperimento. Dois são os critérios possíveis para nortear essa redação: otexto responde aos anseios temáticos e cênicos da maioria do grupo ou,pelo contrário, confronta-os com temas e técnicas dramatúrgicas quesejam significativos para a prática pedagógica.

4. Análise dramatúrgica e experimentação lúdica do texto teatralselecionado. Leitura do texto auxiliada por textos teóricos e históricos.Criação de imagens e Jogos Teatrais para apropriação do texto. Criação deimagens buscando configurar no espaço as indicações do autor. Redação dafábula ou, no caso de textos pós-dramáticos, da seqüência de imagens esituações propostas pelo autor.

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5. Leitura, análise e experimentação de textos teatrais com mesmo temaou narrativa, que possam exemplificar diferentes adaptações do textoescolhido como eixo norteador.

6. Experimentos textocentristas de encenação: imagens e jogos teatrais nabusca pela configuração cênica das indicações cênicas escritas pelo autorde uma ou mais cenas da peça em foco, conforme vimos no capítulo 1.

7. Experimentação de procedimentos do banco de dados sobre encenaçãocontemporânea. Antes da análise de registros de encenações do mesmotexto, os alunos adaptam e recriam fragmentos da peça a partir de recortesteóricos selecionados pelo professor, recortes esses que explicitamprincípios e procedimentos, mas não apresentam soluções cênicas para apeça que está sendo objeto central de estudo do grupo. Os princípios destafase e das seguintes, foram ilustrados no capítulo 4.

8. Criação de dossiês de encenações modelares do texto em foco: Pesquisade alunos e professor, tendo em vista a seleção de material que registra eanalisa montagens modelares: textos teóricos (críticas publicadas, textohistóricos, programas, páginas da internet), imagens (fotografias,concepções cenográficas), registros do espetáculo em vídeo, registro decenas por escrito.

9. A recriação dramatúrgica a partir dos dossiês: Retomada da redação decenas e dos jogos de encenação, experimentando os instrumentosobservados nos modelos.

10. Definição de quadros cênicos de cada subgrupo: Apresentação internade imagens, concepções de personagens, esquemas gerais para odesenvolvimento de roteiros em processo colaborativo. Os alunos serevezam nos papéis de atores, diretores e dramaturgos. Cada subgrupoopta por utilizar um ou por misturar vários procedimentos “canibalizados”dos encenadores profissionais selecionados previamente pelo professorcomo referência da cena não dramática. Textos teatrais são produzidospelos dramaturgos, lidos, sofrem avaliação coletiva. Discussão sobre oroteiro de adaptação dramatúrgica e de criação de cenas que configuremdiferentes abordagens do mesmo texto. Diretor e dramaturgo discutem adefinição final. O diretor, quando não há consenso, define as instruções queconduzirão a tessituras das ações e do texto no espaço.

11. Concepção e debate de roteiro geral para a apresentação dos quadros.

12. Apresentações, novas avaliações e retomadas de jogo que geramredefinições na escritura cênica, novas apresentações, avaliação final detodas as procedimentos experimentados.

13. Escritura da dramaturgia individual e coletiva. Todos são convocadoscomo dramaturgos para redigir sua versão da cena. As proposiçõesindividuais são lidas em cada subgrupo, que elabora coletivamente umaversão resultante do consenso. As versões individuais, no caso do professorem formação, são anexadas ao relatório da disciplina, protocolo no qual elerelaciona leituras da teoria com o que foi feito na prática.

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Os experimentos analisados resultaram na elaboração de um esboço deprojeto de hipertexto didático, que se compõe de banco de dados, emformato digital, por nós denominado Material Hamlet. Este banco de dadosreúne o material selecionado ao longo desta pesquisa, em torno dos textose as encenações que tiveram como ponto de partida o Hamlet deShakespeare. Os dados selecionados nesta pesquisa bibliográfica e osprocedimentos sistematizados para uma abordagem didática dos textos eimagens podem ser utilizados como ponto de partida ou de retomada dejogos teatrais, tanto na formação do professor quanto na sala de aulaescolar, com grupos a partir da adolescência. Para cada modalidade deencenação estudada relacionamos dados teóricos, poéticos e históricos,com procedimentos didáticos resultantes da investigação. O hipertextopode servir como ponto de partida ou de apoio didático para os professoresinteressados e permite o acesso a todas os documentos, inclusive trechosde cenas de encenações de Hamlet de artistas do porte de Peter Brook eJosé Celso.

Avaliamos que uma falha da pesquisa foi não termos aprofundado, duranteas oficinas com iniciantes e os professores em formação, as possibilidadespedagógicas do uso da Internet como Banco de dados ilimitado sobreteatro. O diário coletivo - blog - que criamos durante o experimento a partirde Hamlet, por exemplo, não foi desenvolvido a contento, pois osparticipantes da referida oficina não tiveram tempo nem condições deacesso para incrementá-lo como havíamos pensado inicialmente.Pretendíamos utilizar o blog como instrumento de democratização dasopiniões de todos sobre a evolução das propostas de roteiro, mas faltaramtempo e acesso aos equipamentos. Um outro desenvolvimento possível dainvestigação é tentar averiguar o uso da Internet como hipertexto didáticona formação do professor e na educação escolar.

Um prolongamento possível desta investigação seria utilizar as imagens dosdiversos DVD’s de espetáculos filmados pelo grupo como eixo do materialdidático para disciplinas sobre a encenação contemporânea na formação doprofessor. Consideramos o enfoque da abordagem antropofágica do grupoOficina como uma das contribuições mais interessantes do teatro brasileiropara ser usada como modelo em sala de aula. Pretendemos brevementesistematizar nos procedimentos didáticos o uso de imagens e dedocumentos relacionados com a montagem de clássicos da tradiçãodramática (Bacantes, Hamlet), da modernidade brasileira (Boca de Ouro) euniversal (Galileu Galilei, Na selva das cidades, As criadas), assim comoexemplificar uma encenação de dramaturgia contemporânea (pós-modernade resistência).

O desenvolvimento de um material didático específico que auxilie oprofessor em formação a analisar a coleção de espetáculos gravados emDVD que está sendo publicada de forma inédita no país parece-nos umdesenvolvimento natural desta pesquisa. Outras poéticas cênicas brasileirasnos parecem exemplares e poderiam gerar hipertextos didáticos, tais como,as encenações de Antunes Filho de clássicos da modernidade brasileira (aspeças de Nelson Rodrigues; Vereda da Salvação, de Jorge Andrade), dentreoutros.

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Comprovou-se que a proposta sistematizada que parte de jogos com texto,— dando passagem à análise lúdica, experimentos de encenação e re-escritura dos textos, — é eficaz como fase preparatória, anterior aodelineamento dos objetivos, dos materiais textuais e das formas cênicasque será examinada com maior profundidade no contexto da disciplina“Encenação” na licenciatura, na fase seguinte, quando os gruposdesenvolvem os acontecimentos cênicos que serão levados ao público.

Consideramos que esta fase dedicada ao estudo do texto teatral, naperspectiva de ampliar o leque de opções dos professores em formação emrelação às modalidades de dramaturgia e de encenação, é uma contribuiçãoaos estudos metodológicos da Pedagogia do Teatro. Experimentando acriação de quadros cênicos (no sentido do quadro épico, de cenasindependentes) realizados com diferentes textos e procedimentos, osalunos ampliam suas possibilidades como autores do discurso cênico,relativizam a “moldura dramática”, podendo optar depois e não criarautomaticamente cenas dramáticas com “espontaneidade”, numa aparenteliberdade criativa. O confronto com diferentes tipos de textos teatraisprovou ser eficaz para desenvolver a capacidade do educando deultrapassar, na sua criação cênica, o modelo dramático veiculado pelatelevisão e pelo cinema hegemônico. A comparação entre os diferentestratamentos dramatúrgicos dados a uma mesma fábula estimulou adescoberta dos alunos de novas perspectivas para o seu jogo teatral, e oaumento do seu vocabulário teatral.

Comprovamos também que a abordagem de diferentes bancos de dadosreais e virtuais é facilitada pela composição de um fichário didático doprofessor: uma forma de hipertexto, onde cada ficha de procedimento searticula com fichas teóricas e obras teatrais. Este instrumento facilita oplanejamento, no qual alunos e professores pesquisam os materiais quepodem ser utilizados em sala de aula, tendo em vista o experimento quetodos pensaram. Nesta proposta, ao planejar cada aula, o professor podeter como princípio a contextualização dos experimentos criativos do grupo,através do debate a partir da leitura de diferentes textos teóricos,fotografias, vídeos e espetáculos.

Tendo em vista o objetivo de desenvolver a autonomia do educando comoespectador e criador do teatro, numa perspectiva baseada em Paulo Freire,esta pesquisa confirmou a necessidade do planejamento coletivo das aulas.Desde o início os alunos têm a noção clara de que, antes de cada subgrupodefinir o tema, as referências dramatúrgicas e de encenação, haverá umafase de exploração de um amplo leque de opções, dos textos e dasmúltiplas formas de adaptá-los e encená-los. Podemos apresentar e discutircom os alunos, na conclusão do experimento, o resumo das fases destaabordagem metodológica, como um roteiro que dá uma idéia geral datotalidade do experimento. Para que o educando se aproprie dametodologia adotada, o professor estimula a análise do percurso realizado.Ao longo do experimento, os participantes podem perceber cada encontrocomo parte integrante de um processo maior, quer seja ele composto dealgumas aulas, semanas, ou semestre ou mesmo o ano letivo (ou aduração da oficina de teatro).

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O procedimento de divisão dos subgrupos em quatro funções criativasdistintas é uma contribuição aos estudos metodológicos nesta área, poisamplia as perspectivas do jogo teatral, anteriormente com os papéis deator e espectador.

A investigação proporcionou a sistematização de alguns pré-requisitos parao professor ter condições de realizar esta mediação entre os saberesteóricos e práticos a respeito da dramaturgia contemporânea.

Os resultados apontam princípios que constituem eixos para formação doprofessor. Eles são fruto de anos na tentativa de resolver o problema dainserção da teoria e da dramaturgia no ensino de encenação. A análise dosprocessos de criação e ensino e das oficinas realizadas comprovou aeficácia desta proposta, tendo em vista aproximar o estudo teórico daprática.

Nosso experimento com a oficina básica de encenação em Interlagospermite-nos considerar a proposta em foco defensável para o trabalho comalunos a partir dos 16 anos. Porém obtivemos relatos de professores do Riode Janeiro que estão utilizando de forma positiva os princípios destaproposta com alunos a partir de 11 e 12 anos. Outro desenvolvimentopossível desta pesquisa seria a aplicação sistemática dos princípios aquiapresentados no contexto escolar.

Temos uma preocupação específica que é o ensino médio, mas a propostaque organizamos é um conjunto de princípios de trabalho para se repensara estrutura curricular da Licenciatura, revalorizando a presença daencenação e da dramaturgia e, em especial, as modalidades que nãopertencem ao modelo dramático, tendo em vista que o indivíduo formadonesta ótica possa ter condição de utilizar esses princípios e procedimentosde acordo com os desafios de sua tarefa com a faixa etária e asnecessidades de cada grupo.

Os experimentos realizados permitem responder sobre qual momento éinteressante para o grupo ter acesso à informação: antes ou depois derealizar seu próprio jogo? Esta questão é resolvida nesta proposta atravésde um movimento pendular entre a criação teatral do aluno e o confrontocom os materiais artísticos e teóricos. Inicialmente é preciso desvelar assoluções cênicas do próprio grupo, através do jogo e da criação deimagens, concepção e redação de roteiros e cenas e, em seguida, oprofessor apresenta os textos teatrais que serão o ponto de partida dejogos de apropriação e recriação destes textos, gerando imagens, jogosteatrais, adaptações dramatúrgicas e cenas. O novo confronto do grupocom o material externo é o momento da análise de registros de encenaçõesmodelares, o que vai gerar novo momento de criação de jogos. A avaliaçãodesta exploração de jogos a partir de textos e de dossiês de encenaçãopromove um novo momento de criação do grupo que é a redação deroteiros cênicos e/ou textos nos quais os alunos sintetizam as informaçõesrecebidas e criam sua própria proposta de encenação imaginaria do textoescolhido, com a frase: ”Esta é a forma como eu encenaria hoje, estetexto”.

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Nosso propósito inicial era a proposição de uma tipologia modelar paraestruturação dos dossiês de encenação. Intentamos então, utilizar asprincipais classificações da análise de espetáculos contemporâneos atravésde autores como Roubine, Pavis, Lehmann e Abirached, mas, nenhumadelas foi satisfatória, uma vez que apresentam tipologias de caráterdistinto. Nem mesmo a coincidência da divisão em 3 principais modalidadesestabelecidas por Lehmann e Abirached e recomendada por Pavisconstituem um modelo eficaz do ponto de vista de uso prático em sala deaula. Portanto, abandonamos a idéia de propor uma tipologia modelar paradivisão das encenações. Sendo assim, sugerimos que o critério norteadorseja a resposta à seguinte questão: Quais são as encenações modelares dotexto teatral selecionado como eixo do experimento que servem deexemplo para a aprendizagem dos instrumentos cênico-narrativosrapsódicos e pós-dramáticos?

Os capítulos 3 e 4 lidam com o mesmo problema: a ampliação do repertórioteatral do aluno. No decorrer da pesquisa as dificuldades encontradastrouxeram à tona a importância da variedade e da qualidade dadocumentação sobre fenômeno teatral e a valorização dos diferentessuportes do trabalho.

A pesquisa revelou que quando as encenações modelares são o ponto departida escolhido, é interessante seguir esta seqüência: no primeiromomento o grupo experimenta o procedimento extraído da encenaçãomodelar, sem ter conhecimento da solução utilizada pelo diretor. Numsegundo momento, as soluções encontradas pelo diretor são objeto deanálise e de avaliação que fundamentam o exercício de recriação eadaptação por parte dos alunos. Essa apropriação das soluções decorrentesda poética cênica analisada exige que o aluno assuma uma posição, umponto de vista. Enfim, que ele saiba dizer quais são os instrumentoscênicos que lhe interessam, ou seja, que ele possa justificar sua escolhaquanto às opções de encenação do texto. Quando testamos a seqüênciacontrária percebemos que existe o risco de se perder o frescor dos jogosteatrais e as soluções cênicas espontâneas dos alunos, caso as informaçõessejam assimiladas pelo aluno antes do tempo.

É importante levar o aluno a cotejar a fonte literária e o texto resultante daexperimentação cênica; cotejamento é interessante desde que ele se dêantes do confronto com as imagens da encenação em foco. No caso dotexto como “Os Sertões - o homem”, o professor pode acessar no site dogrupo e imprimir trechos que sirvam de ponto de partida de jogos. Nocotejamento entre trechos da adaptação realizada pelo grupo e osrespectivos recortes no texto literário de Euclides da Cunha, percebemos asdiferenças entre o texto literário que lhe deu origem e a solução cênicaencontrada pelos artistas. É estimulante analisar como as rubricas demovimentação de atores estão misturadas ao corpo do texto e, a poéticade Euclides se mescla aos novos versos citados (de canções indígenas,paródias de sambas e marchinhas) ou inventados (como no rap “tarjanegra”) por Zé Celso e o grupo, permitindo que os alunos vislumbrem umamodalidade pós-dramática de dramaturgia.

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Um outro desdobramento possível desta investigação é a ampliação,quando possível, das funções a serem exercidas pelos alunos incorporandoos papéis de sonoplasta e o de cenógrafo. O cenógrafo em nosso jogo deencenação poderia ser o responsável por propor os elementos quecompõem a visualidade (cenário, figurino, objetos, iluminação) e asrelações espaciais entre cena e público. Correspondente, em Cinema, ao“Diretor de Arte”. O cenógrafo pesquisa imagens que possam servir dereferência para a criação de objetos, adereços e figurinos, cenários, odesenho da luz. Propõe diferentes utilizações do espaço, das relações cena-público, assim como, ponto de partida e retomada de jogos: objetos,ambiências (produz concepções e as registra em desenhos esquemáticos –não precisa saber desenhar). O aluno que jogar o papel de sonoplastaouve as sugestões de todos e concebe a narrativa sonora da cena. Propõemúsicas, ruídos, silêncios, estruturas rítmicas, como ponto de partida ouretomada das cenas, além das seguintes tarefas:

-Percepção, registro gráfico e proposição da estrutura rítmica das cenas.

-Seleção de músicas e sons para composição de trilha complementar.

-Seleção, adaptação, paródia, composição de músicas para estranhamentoda cena.

-Proposição de songs brechtianos, números musicais.

-Proposição de música como choque pós-dramático: a narrativa sonoracomo contraponto não-lógico.

Na medida em que em nossos experimentos trabalhamos com os trêspapéis que consideramos básicos - atores, dramaturgo e diretor - os papéisdo sonoplasta e do cenógrafo foram exercidos pelo diretor, que decidia,após ouvir e debater com o dramaturgo, o encaminhamento do jogo comos atores. Vale salientar que muitos alunos que, inicialmente, eram“ouvintes” vinham às oficinas acompanhar os respectivos namorados ouparentes, terminaram por participar, assumindo outras funções criativas etécnicas.

A presente tese apresentou argumentos contrários à visão de que oprofessor de teatro não precisa necessariamente desenvolver suacapacidade de encenar e de compreender as opções dramatúrgicasdisponíveis na contemporaneidade. Este trabalho defende que o professorem formação só será capaz de responder aos desafios da mediação da cenanão-dramática e da ampliação do repertório teatral dos educandos - numaperspectiva aberta à diversidade da cena contemporânea e não limitada aorepertório do grupo ou a um tipo de encenação que o professor induz, aonão contextualizar na tradição da prática cênica os seus procedimentos.

Para compreender a dimensão desta proposta foram significativas asavaliações realizadas pelos professores que venceram o desafio decoordenar encenações que se utilizaram de recortes de textos dereconhecida qualidade literária durante a sua formação. Durante ainvestigação, pudemos reencontrar alguns ex-alunos, em sua maioria

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formados há mais de dois anos, no curso de especialização em ensino deteatro que ministramos em conjunto com o professor e encenador AntônioAraújo na UFRN em 2004. Após a experiência de ensinar teatro na escola,os ex-alunos declararam que o fato de terem jogado os papéis de diretor ede dramaturgo, de se confrontarem com o desafio de criar sínteses teatraisapós o trabalho com textos modelares e de terem de estudar e debatertextos sobre teatro, estimulou talentos até então não desenvolvidos.Podemos resumir essas habilidades da seguinte forma: a) competênciapara encontrar um grupo de iniciantes fora do contexto universitário e depropor uma oficina; b) habilidade para reunir e manter um grupo depessoas em torno de um projeto de encenação; c) condições de assumirum posicionamento artístico em relação a um determinado público – e nãosimplesmente fazer teatro como uma expressão pessoal e “espontânea”,desconectada de uma tentativa de comunicação com uma platéiaespecifica; d) habilidade para elaborar criticamente o seu discurso teatral,comprometido com o fazer teatral que questione a natureza das relaçõeshumanas; e) capacidade de situar sua prática cênica na tradição da históriada encenação e da dramaturgia; f) conhecimento dos recursos rapsódicosde encenação de um texto, ampliando o leque de opções de procedimentosda escritura cênica.

Nessa avaliação os professores destacaram ainda que sentiram muitadificuldade no primeiro dos três semestres desta disciplina, devido à faltade preparação para a condução da encenação nas disciplinas anteriores, namedida em que só tinham praticado teatro através do jogo no papel deator. Por outro lado, eles não estavam acostumados com a prática daleitura de textos sobre teatro, em função do debate em sala de aula, deidéias contraditórias sobre o mesmo tema e da confecção de um estudomonográfico sobre um determinado encenador. Como ponto negativo foiressaltado naquele momento, que ainda havia uma forte dicotomia entre aleitura e o debate destes textos e a elaboração da cena através de jogos.Neste sentido, a realização da presente pesquisa é um avanço, pois oproblema de como integrar a apropriação desses conteúdos com a práticacênica encontrou, nas modalidades de uso desses recortes de textos sobreteatro em moldes lúdicos como indutores de jogos e debates apresentadasneste trabalho, uma forma possível de solução.

No que diz respeito ao desenvolvimento de práticas no contexto escolar,esses professores apontaram que, na maioria das vezes, não é possívelrealizar experimentos nos moldes vivenciados na formação, tendo em vistaa falta de espaço físico e a restrita carga horária, problemas históricos dasdisciplinas artísticas. Se não é possível, no âmbito da disciplina Teatro,instaurar processos de encenação “ideais”- aulas semanais de no mínimotrês horas de duração em salas-ambiente, etc.- os professores apontaramque a experiência de ter que encenar e se confrontar com fragmentos detextos teatrais que tiveram em experimentos como aquele que fizemos comEsperando Godot de Beckett, deram condições para que eles pudessemadaptar os princípios da proposta do aluno como diretor e dramaturgo àcriação de quadros cênicos com duração de tempo bastante limitada, comopor exemplo na instrução revelada em um dos relatórios, utilizada comuma turma da 6ª série do ensino fundamental: “Cada subgrupo tem comometa desenvolver cinco imagens cênicas fixas, que constituam um quadro

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cênico a ser desenvolvido na aula seguinte.” Neste exemplo, os subgruposdesenvolveram cenas ao longo de um ou dois semestres, em torno domesmo texto teatral, cujo resultado é apresentado não como umespetáculo ou produto acabado, mas como uma mostra dos resultados deuma investigação coletiva sobre o teatro. Muitos desses professores têmaplicado a noção de retomada de jogo que salientamos no capítulo 2, comoeixo de desenvolvimento gradual de cenas que são redimensionadas apartir de novos indutores propostos pelo professor e pelos alunos nospapéis de diretor e dramaturgo.

A experimentação de diversas possibilidades de conexões entre a prática decriação cênica dos alunos a partir da análise dramatúrgica com a leitura detextos sobre teatro comprovou ser uma das formas que o professor deteatro pode se valer para superar a dicotomia entre prática e teoria na suaformação. Antes desta investigação, com o objetivo de estimular aaprendizagem da reflexão dos principais encenadores, propúnhamos que osprofessores em formação realizassem um estudo monográfico sobre asidéias centrais e a prática de um determinado diretor - Meyerhold, Brecht,Brook, Kantor,Antunes Filho, José Celso, Antônio Araújo, Pina Bausch - quedeveria resultar em uma reflexão a ser redigida como parte de sue relatóriofinal das três disciplinas voltadas para a área de “Encenação 1”. Sendoassim, ao final das três disciplinas voltadas para encenação do referidocurso, cada aluno deveria coordenar um experimento que resultasse emacontecimentos cênicos abertos ao público externo da Universidade.

A proposição de uma prática sistemática de coordenação de experimentospelos alunos da Licenciatura se contrapõe à noção de que esses educandosdevem, nas disciplinas de encenação, participar de montagens na função deator, montagens que, em geral são dirigidas pelo professor das referidasdisciplinas. Da mesma forma, até o presente momento, a proposta em telase opõe à reduzida carga horária voltada para o estudo de fundamentos daencenação e da dramaturgia pelo futuro professor. Vale a pena reiteraraqui que atualmente, mesmo nas licenciaturas pertencentes auniversidades que se destacam na área da pós-graduação em pedagogia doteatro, como aquela da Universidade de São Paulo, somente uma únicadisciplina nesta área é obrigatória na estrutura curricular. Este é umexemplo de como ainda é difícil, no âmbito da universidade brasileira, criarcondições que permitam o desenvolvimento deste tipo de aprendizado.

Além de sedimentar a proposta da vivência dos papéis de diretor queexperimentamos no laboratório da UFRN desde 2000, consideramos umacontribuição significativa à síntese apresentada dos princípios de análisedramatúrgica para a formação e na escola.

A investigação traz avanços no que diz respeito à reflexão sobre apossibilidade do professor propor materiais – textos, imagens, fotografias -que registram e analisam a encenação contemporânea como indutores paraa “canibalização” de reflexões e soluções cênicas dos principaisencenadores, nos moldes antropofágicos descritos no capitulo 1.

Os resultados proporcionaram também o redimensionamento de nossavisão acerca das fases do processo de ensino-aprendizagem dos

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fundamentos da linguagem da encenação no âmbito do novo curso deLicenciatura em Teatro, que substituiu o curso de Licenciatura em EducaçãoArtística, Habilitação em Artes Cênicas na UFRN e que terá inicio em 2007.

Salientamos que a visão para o redimensionamento do papel dadramaturgia na formação do professor proporcionada pela pesquisa foiconsiderada, em parte, na constituição da estrutura curricular dessa novalicenciatura.

Neste sentido, o projeto do referido curso incorporou a concepçãodefendida nesta tese de que a prática cênica durante a formação doprofessor pode ocorrer de forma mais equilibrada entre atuação, encenaçãoe dramaturgia. A valorização de disciplinas voltadas, não apenas para aárea da encenação, como também para a área da dramaturgia, sem perdera dimensão da vivência do futuro professor no jogo como ator, é, desteponto de vista um avanço em termos de concepção do currículo nessa áreada Universidade. Um resultado concreto dessa discussão se deu nomomento da definição de abertura de vagas para os concursos realizadosno decorrer do presente ano, quando o grupo de professores formadores daUFRN decidiu pela contratação de novos professores, equilibrando onúmero de vagas nas áreas de interpretação e dramaturgia, fato inéditonaquela instituição. Sendo assim, se no curso anterior, por exemplo, oaluno só se envolvia com experimentos de encenação levados a público nosúltimos semestres e a única preparação referente à área de dramaturgia serestringia a uma disciplina isolada, com a entrada de um professorespecialista em dramaturgia, está prevista a criação de novas disciplinasnesta área.

Após essa análise, defendemos uma nova seqüência para a evolução daspráticas em encenação durante a licenciatura. É recomendável que o alunopossa experimentar práticas de jogos com textos teatrais, com fragmentosde textos, conforme apontamos no capítulo dois. Uma abordagem lúdicados textos teatrais e literários, com ênfase na proposição metodológica deKoudela, Pupo e Boal, pode servir de eixo para a introdução dessaspráticas. O segundo momento se daria a partir da escolha de um únicotexto pelo grupo, que seria objeto de análise e fragmentação, tendo emvista a elaboração de diferentes quadros cênicos. Nesta fase os alunospassam a jogar papéis específicos. No terceiro momento, após aexperimentação do leque de opções de encenação, cada subgrupo definiriaquais princípios e procedimentos seriam adotados, constituindo então umprojeto de encenação que seria desenvolvido até o encontro com umpúblico específico. Na quarta fase, os alunos devem escolher um grupo forada universidade, formular e realizar um projeto de oficina de teatro quedeve resultar em um acontecimento cênico que será apresentado tambémao público de alunos e professores do curso. Em todas as três fases, osexperimentos são analisados em relatórios nos quais os alunos devem tecerrelações entre a teoria e a prática.

Sendo assim, os estudos e experimentos serviram para organização deprincípios metodológicos para a aprendizagem dos procedimentos decriação da cena teatral. Na busca de responder a pergunta inicial,apresentamos nesta proposta uma opção ao professor: enfocar a

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aprendizagem da encenação e da dramaturgia através de experimentosque articulem a análise dramatúrgica com os bancos de dados e a vivênciados papéis de ator, dramaturgo e diretor em encenações a partir defragmentos de textos teatrais.

Consideramos que esta pesquisa cumpriu seus objetivos, sistematizandoalguns princípios metodológicos para a aprendizagem da linguagem cênicapor iniciantes, a partir de obras teatrais utilizadas como ponto de partidapara experimentos de análise, encenação e escritura de textos.

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