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Coordenadoria de Programas Institucionais
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Prerrogativa do prazo em dobro nos Juizados Especiais Fazendários e o artigo
7°, da Lei n° 12.153/09
Em 22 de dezembro de 2009, foi promulgada a Lei
n° 12.153/09, que “dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no
âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”, prevendo
em seu artigo 7° o seguinte:
“Art. 7o Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato
processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição
de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada
com antecedência mínima de 30 (trinta) dias.”
Por aplicação subsidiária do artigo 2°, da Lei n°
9.099/95, não restam dúvidas de que também no Juizado Especial Fazendário “o
processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou
a transação”.
Todavia, alguns magistrados insistem em
interpretar equivocadamente os dispositivos em comento. Afirmam, de forma
distorcida (como será melhor explicado abaixo), que o artigo 7º, da Lei n° 12.153/09,
em homenagem aos princípios da economia e da celeridade processual, veda o
exercício da prerrogativa do prazo em dobro por Defensores Públicos, no Juizado
Especial Fazendário. No entanto, se os princípios norteadores do sistema dos
Juizados Especiais representassem o verdadeiro fundamento para a alegada
vedação, por que a Lei n° 9.099/95, que consagra os mesmos princípios, não previu
dispositivo idêntico?
A resposta a esse questionamento revela a
inconsistência e a impropriedade da interpretação que a jurisprudência vem
conferindo ao artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, principalmente porque essa norma não
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tem o condão de afastar a prerrogativa do prazo em dobro conferida a todos os
Defensores Públicos pela Lei Complementar n° 80/94 (artigos 44, inciso I, 89, inciso
I, e 128, inciso I), cujos princípios informadores são mais relevantes e mais
importantes por atenderem aos princípios da igualdade, da ampla defesa e do
contraditório, da legalidade e do acesso ao Judiciário, motivo pelo qual, na
ponderação dos valores jurídicos contrapostos, devem prevalecer as normas da
aludida Lei Complementar.
Em outras palavras, conclui-se que o legislador já
ponderou, em abstrato, os princípios e valores fundamentais em jogo (de um lado,
celeridade e economia processual; de outro, igualdade material, legalidade e acesso
à Justiça), e concluiu que, à luz de uma hierarquia axiológica, os princípios da
economia e da celeridade processual não podem ser prestigiados em detrimento dos
princípios fundamentais da igualdade material (devido processo legal substancial) e
do acesso à Justiça.
É claro, de nada adianta consagrar a celeridade e a
economia processual esmagando os princípios fundamentais, de alta e expressiva
densidade axiológica, da igualdade, da ampla defesa, do contraditório e do acesso à
Justiça. Seria um verdadeiro contrassenso oferecer instrumentos processuais
céleres que não pudessem ser auferidos por todos, de forma igualitária. Por certo,
não é este o objetivo de nossa Carta Maior, que eleva a Defensoria Pública
(vivificada pelas prerrogativas de seus membros) ao status de instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, expressão e instrumento do
regime democrático (artigo 134, da CRFB/88). Por isso, observando o seu
fundamento de validade, a Lei n° 9.099/95 vige em perfeita sintonia com a
prerrogativa do prazo em dobro conferida pela Lei Complementar n° 80/94 aos
membros da Defensoria Pública.
Passa-se, então, a uma análise mais detida das
normas em comento (artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, e artigo 128, inciso I, da Lei
Complementar n° 80/94), que estariam em suposta antinomia, ressaltando-se que
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uma das atribuições da Defensoria Pública é a de atuar perante os Juizados
Especiais (artigo 4°, inciso XIX, da Lei Complementar n° 80/94).
A primeira análise reside na finalidade e na
extensão da norma, uma vez que, tendo como supedâneo a celeridade processual,
a Lei n° 12.153/09 visou afastar a incidência de outras normas de mesma natureza e
hierarquia e que visavam prazos diferentes para pessoas jurídicas de direito público.
Assim, ao prever que não haverá prazo
diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de
direito público, o artigo 7° objetivou afastar a eficácia do artigo 188, do Código de
Processo Civil, in verbis:
“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro
para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”
Essa é a interpretação mais correta, senão
vejamos:
Ambas as normas (artigo 188, do Código de
Processo Civil, e artigo 7°, da Lei n° 12.153/09) têm cunho processual e estão
inseridas em lei ordinária.
A contagem diferenciada de prazos para a Fazenda
Pública e para o Ministério Público, enquanto entes públicos, está prevista apenas
na lei processual e não como prerrogativa de agentes públicos em lei orgânica das
respectivas instituições.
Com efeito, a Lei n° 8.625/93 e a Lei
Complementar Estadual n° 106/03, não preveem qualquer prerrogativa de contagem
diferenciada dos prazos para os membros do Ministério Público Estadual, exceto no
artigo 150, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n° 106/03 (prazo em
dobro para razões finais quando há mais de um indiciado). Pelo contrário: o artigo
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43, inciso IV, da Lei n° 8.625/93, e o artigo 118, inciso IV, da LCE 106/03, preveem o
dever de obedecer aos prazos processuais.
Da mesma forma, não há qualquer previsão legal
de semelhante prerrogativa para os Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (Lei
Complementar Estadual n° 15/80), para os Procuradores do Município do Rio de
Janeiro (Lei Municipal n° 54/2013) ou para os Advogados-Gerais da União (Lei
Complementar n° 73/93).
Como se observa, Ministério Público, Procuradorias
das Fazendas Públicas e Advocacia Geral da União, todos, têm prazo diferenciado
previsto apenas na lei processual civil e, portanto, outra lei de mesma hierarquia,
posterior e especial pode afastar destes Entes a contagem em quádruplo para
contestar e em dobro para recorrer. No entanto, não se pode promover a mesma
interpretação para os membros da Defensoria Pública, porque se trata de
prerrogativa inserida em lei complementar, cujo processo legislativo, por ser mais
rigoroso, confere-lhe hierarquia superior à lei ordinária.
Essa conclusão responde ao questionamento
formulado acima, pois a Lei n° 9.099/95, de principiologia idêntica, não previu norma
semelhante justamente porque as limitações subjetivas nela impostas afastam a
participação do Ministério Público, das Procuradorias e AGU nos processos de
competência dos Juizados Especiais Cíveis, mas não afastam a participação da
Defensoria Pública. Assim, ao editar a Lei n° 12.153/09, o legislador preocupou-se
com tal previsão porque visava justamente afastar a incidência da norma do artigo
188, do Código de Processo Civil, às pessoas jurídicas de direito público elencadas
em seu artigo 5°, inciso II, através do critério da especialidade, contudo, sem
desrespeitar a prerrogativa do prazo em dobro conferida aos Defensores Públicos.
Ademais, a Defensoria Pública não é pessoa
jurídica de direito público, mas instituição estatal que detém capacidade judiciária e
postulatória para atuar em nome próprio e em favor das partes hipossuficientes.
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Releva notar que o descumprimento de prazos pela
Fazenda Pública não acarreta prejuízos ao ente, já que em matéria de direitos
indisponíveis não se opera o fenômeno da revelia. Entretanto, em relação aos
assistidos da Defensoria Pública são oponíveis todas as preclusões advindas de sua
inércia na relação processual.
Sabedor do excesso de atendimentos
desempenhados pela Defensoria Pública é que o legislador reconhece a
necessidade de se conferir as prerrogativas de prazo em dobro e intimação pessoal.
Portanto, ao falar em pessoas jurídicas de direito
público, o artigo 7°, da Lei dos Juizados Especiais Fazendários, visou afastar
apenas as Procuradorias e o Ministério Público, enquanto entes públicos, mas,
jamais os agentes políticos que integram a Defensoria Pública:
“Os Defensores Públicos da União são, a despeito da disceptação teórica
existente, agentes (políticos) do Estado que irão exercer as funções
congregadas nos respectivos órgãos de atuação. Na realidade, a pessoa
jurídica não se confunde com o órgão que, por sua vez, também não se
confunde com a pessoa física do agente. É preciso muito cuidado para não se
incorrer neste atecnicismo. Assim, pois, tais prerrogativas funcionais são
inerentes à própria figura do Defensor Público da União, como direito
subjetivo de seu titular, mas não da pessoa jurídica que presenta em
juízo (o Estado-defensor, que deve prestar assistência jurídica integral e
gratuita aos necessitados, como ordena o artigo 5º, inciso LXXIV c/c artigo
134, ambos da Constituição). Não fosse desta forma seria tecnicamente
incorreto falarmos em "prerrogativas", que, na boa lição de HELY LOPES
MEIRELLES (apud MAZZILLI, Hugo Nigro, Regime Jurídico do Ministério
Público. Saraiva: 1993, p. 113), podem ser conceituadas como "atributos do
órgão ou do agente público, inerentes ao cargo ou à função que desempenha
na estrutura do Governo, na organização administrativa ou na carreira a que
pertence. São privilégios funcionais, normalmente conferidos aos agentes
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políticos ou mesmo aos altos funcionários, para correta execução das suas
atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em direito
subjetivo de seu titular, passível de proteção por via judicial, quando
negadas ou desrespeitadas por qualquer outra autoridade" (Holden
Macedo da Silva, “Prazos diferenciados para o Defensor Público da União nos
ritos dos juizados especiais federais?” disponível em
http://www.ibap.org/rdp/00/17.htm; g.n.).
Como dito acima, a prerrogativa da contagem em
dobro para a prática de todos os atos processuais pelos Defensores Públicos do
Estado está prevista na Lei Complementar n° 80/94, com a redação dada pela Lei
Complementar n° 132/09:
“Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado,
dentre outras que a lei local estabelecer:
I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com
vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou
instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;
(Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).”.
Ressalte-se que a prerrogativa de intimação
pessoal e da contagem em dobro dos prazos é tratada de modo absoluto pelo novo
Código de Processo Civil, ante o teor do artigo 186, não havendo nenhuma exceção
ali apontada.
Como se vê, trata-se de uma prerrogativa conferida
pela norma jurídica ao Defensor Público com o objetivo de permitir a prestação do
serviço público de assistência jurídica com qualidade e eficiência, em razão do
grande volume de trabalho e das peculiaridades do seu público-alvo, fatos
estes públicos e notórios.
Assim, além de “erigirem-se em direito subjetivo de
seu titular, passível de proteção por via judicial, quando negadas ou desrespeitadas
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por qualquer outra autoridade” (Hely Lopes Meirelles, In “Direito Administrativo
Brasileiro, SP, Malheiros, 1992, p. 74), as prerrogativas representam mais do que
um privilégio ou favor legal, mas uma verdadeira ação afirmativa do Estado ao
tratar desigualmente um desigual, municiando-o com mecanismos para que
não haja desequilíbrio no trato com a parte adversa da relação jurídica, seja ela
de direito material, seja ela de direito processual:
“DECISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL
PENAL. DEFICIÊNCIA DA ESTRUTURA MATERIAL DA DEFENSORIA
PÚBLICA: FUNDAMENTO IDÔNEO PARA O BENEFÍCIO LEGAL DE
CONTAGEM EM DOBRO DOS PRAZOS PROCESSUAIS. JULGADO
RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.
(...).
A temática de todas as prerrogativas processuais da Defensoria Pública ou
de quem faça suas vezes tem alicerce constitucional no princípio da igualdade
material a ser assegurado pela prestação jurisdicional adequada.
Nesse sentido, a cláusula matriz de todos os princípios processuais,
consubstanciada no “due processo of law”, da qual emana o dever estatal de
prestação jurisdicional adequada, tem como fim extraprocessual, em última
análise, garantir os direitos fundamentais vigentes.
Partindo da ideia de que os direitos fundamentais têm força normativa e
aplicação imediata, conforme o artigo 5º, parágrafo 2º da CF, o Estado, por
sua vez, indubitavelmente, é ou deveria ser um dos principais agentes de
promoção dos direitos fundamentais, mormente, na efetivação da igualdade
material.
Corroborando isso, poder-se-ia citar o artigo 1º, inciso III, combinado com
artigo 3º, inciso I, ambos da Constituição Federal, que estampam como
fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a
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dignidade da pessoa humana e a constituição de uma sociedade livre, justa e
solidária.
O “dever-poder” do Estado de promover, de tornar eficazes, socialmente,
os direitos fundamentais, em especial, o da igualdade material emana de toda
a Constituição Federal, como, por exemplo, no artigo 170, inciso V e VI da
CF, que impõe ao Estado o dever de defender o consumidor e proteger o
meio ambiente; e, ainda, dos artigos 196 e seguintes da CF, esculpindo o
dever estatal de prestar e garantir, saúde integral a todos; poder-se-ia citar,
ainda, deveres fundamentais em relação às crianças, aos idosos, aos
portadores de necessidade especiais, à família, etc. Conclusão: os direitos
fundamentais, cuja eficácia é imediata e a força é normativa, estão
espalhados por toda a Constituição Federal.
É nesse cenário que devem ser analisados, constitucionalmente, as
prerrogativas processuais da Defensoria Pública, ou seja, sob o alicerce do
princípio na isonomia material, pois se tem entendido que o tratamento
diferenciado da Defensoria Pública constitui fator de discrímen razoável,
dadas as situações em que a parte, o hipossuficiente, também, está a
merecer tratamento especial por sua condição social peculiar e pela
fragilidade institucional, ainda, das Defensorias Públicas, que lhes presta
assistência jurídica, em regra” (STF, RE 645.593/DF, rel. Min. Carmen Lúcia,
julg. 10/10/2011, In DJe 201, pp. 19/10/2011).
Em sua obra “Princípios Institucionais da
Defensoria Pública”, os eminentes Defensores Públicos Diogo Esteves e Franklyn
Roger Alves Silva citam o voto do Desembargador Synésio de Aquino, que, ao
relatar a Arguição de Inconstitucionalidade n° 4/1987, do Órgão Especial do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão datada de 13/09/1988, asseverou:
“O ideal de igualdade na distribuição da justiça e isonomia de condições
entre ricos e pobres somente poderá continuar a existir, em nosso
Estado, se os membros da Defensoria Pública não forem cerceados em
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suas prerrogativas e afastadas as dificuldades ao desempenho de suas
nobres funções” (g.n.).
E prosseguem:
“Diante do gigantesco volume de trabalho da Defensoria Pública, que
supera largamente o acervo de qualquer advogado particular, por mais
atarefado que seja, necessitam os Defensores Públicos de instrumentos
capazes de otimizar o seu regime de atuação, garantindo que a
assistência jurídica seja prestada de forma integral e eficaz para todos
que dela necessitam. Justamente por isso, o ordenamento jurídico confere
aos membros da Defensoria Pública uma séria de prerrogativas aptas a
neutralizar eventuais deficiências ou limitações advindas do acúmulo de
atribuições, permitindo que a defesa dos interesses dos menos favorecidos
seja realizada em igualdade de condições em relação ao ricos e poderosos”
(RJ, Forense, 2014, pp. 545/546; g.n.).
Nas palavras do Professor e Douto Desembargador
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ipsis litteris:
“ .... Houve quem dissesse ironicamente: a justiça, assim como o Hotel Ritz,
está aberta a todos. É preciso que nós asseguremos concretamente a
possibilidade do acesso, não ao Hotel Ritz, que, convenhamos, é
supérfluo, mas à justiça, que não é tão supérflua assim. Como prover essa
necessidade ? ....(...)..... Essas pessoas em geral não têm apenas um déficit
de ordem econômica, têm também muitas vezes um déficit de ordem
cultural e até inibições de natureza psicológica, que dificultam o contato
entre elas e os advogados profissionais liberais porventura designados para
representá-las ou para aconselhá-las. No Brasil, não necessitamos de por
em funcionamento a nossa imaginação; podemos avaliar, só com olhar em
volta, as enormes dificuldades que uma pessoa carente enfrenta para
simplesmente chegar até o escritório de um advogado. .....” (In “O Direito à
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Assistência Judiciária”, Revista de Direito da Defensoria Pública, Vol. 5,
1995, p.123 e 127).
Importante mencionar que a prerrogativa do prazo
em dobro funda-se não apenas no grande volume de trabalho e na modicidade
estrutural, mas, principalmente, no princípio da indeclinabilidade das causas, pelo
qual o Defensor Público não pode recusar o atendimento a um hipossuficiente,
exceto se evidente a ausência de interesse legítimo que possa ser juridicamente
tutelado.
Ora, tendo a obrigação de atender todos que
buscam o serviço de assistência jurídica integral e gratuita, sem distinção, ao
Defensor Público deve ser garantida a prerrogativa do prazo em dobro, sob pena de
praticar o ato processual a destempo e de impedir o acesso do assistido ao
Judiciário, o que contraria a Carta Magna, frisando-se que os prazos são, em sua
larga maioria, peremptórios e preclusivos.
Desta forma, a prerrogativa garante tanto o
princípio da isonomia, insculpido no artigo 5°, caput, quanto o princípio do amplo
acesso ao Judiciário, previsto no artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição da
República, a partir do momento em que, não tendo como controlar a demanda pelo
serviço e tendo prazos peremptórios a cumprir, o Defensor Público pode garantir ao
seu assistido que sua pretensão será apreciada pelo Poder Judiciário e com
paridade de armas.
Por outro lado, a matéria está reservada à lei
complementar, como previsto expressamente na Constituição da República:
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção
dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial,
dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
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necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua
organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial,
mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes
a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)” (g.n.).
Muito se discute acerca da hierarquia das leis
complementares e das leis ordinárias, se estariam no mesmo patamar ou não. Por
óbvio, LEIS COMPLEMENTARES E LEIS ORDINÁRIAS NÃO PODEM TER O
MESMO TRATAMENTO, DADA AS SUAS ESPECIFICIDADES, EM ESPECIAL, O
PROCESSO LEGISLATIVO, motivo pelo qual se deve comungar do entendimento
segundo o qual a lei complementar e a emenda constitucional encontram-se em
nível mais elevado ao da lei ordinária. Eis o pensamento de Alexandre de Moraes:
“O art. 59 da Constituição Federal traz as leis complementares como espécie
normativa diferenciada, com processo legislativo próprio e matéria reservada.
Miguel Reale coloca-as como um
‘tertium genus de leis, que não ostentam a rigidez dos preceitos
constitucionais, nem tampouco devem comportar a revogação (perda
da vigência) por força de qualquer lei ordinária superveniente’.
Assim, a razão de existência da lei complementar consubstancia-se no fato do
legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da
evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria
Constituição Federal, sob pena, de engessamento de futuras alterações; mas,
ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através de
um processo legislativo ordinário. O legislador constituinte pretendeu
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resguardar determinadas matérias de caráter infraconstitucional contra
alterações volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigidez que
impedisse a modificação de seu tratamento, assim que necessário.
Para tanto, a lei complementar se diferencia da lei ordinária em dois aspectos:
o material e o formal.
São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira é
material, uma vez que somente poderá ser objeto de lei complementar a
matéria taxativamente prevista na Constituição Federal, enquanto todas as
demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária. (...).
Discussão eternizada na doutrina, a eventual existência ou não de hierarquia
entre lei complementar e lei ordinária obteve de ambos os lados grandes
juristas e brilhantes argumentações.
Neste ponto, porém, filiamo-nos ao argumento de Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, por considerá-lo imbatível, pedindo venia para transcrevê-lo na íntegra:
‘É de se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium
genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei
ordinária (e os atos que têm a mesma força que esta – a lei delegada e
o decreto-lei) e a Constituição (e suas emendas). Não é só, porém, o
argumento de autoridade que apoia essa tese; a própria lógica o faz. A
lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a
maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma
minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz.
Essa maioria é assim um sinal certo da maior ponderação que o
constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente,
deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão
ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu
ponderação especial. Aliás, é princípio geral de Direito que,
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ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha
obedecido à mesma forma’,
assim continua,
‘...a lei ordinária, o decreto-lei e a lei delegada estão sujeitos à lei
complementar. Em consequência disso não prevalecem contra
elas, sendo inválidas as normas que a contradisserem’” (In “Direito
Constitucional”, SP, Atlas, 8ª ed., 2000, pp. 529-531; g.n.).
Ora, se a Constituição da República reservou à lei
complementar a organização da Defensoria Pública e se a Lei Complementar n°
80/94 prevê a prerrogativa do prazo em dobro para todos os Defensores Públicos,
não restam dúvidas de que a Lei Ordinária n° 12.153/09 jamais poderia revogar a
norma em simples critério temporal para afastamento da suposta (e inexistente)
antinomia, sob pena de incorrer no vicio insanável da inconstitucionalidade formal.
Indubitável, portanto, que a interpretação dada ao
artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, no sentido de que ele também se aplica aos
Defensores Públicos, fere o princípio da legalidade (artigo 5°, inciso II), face à
reserva da matéria afeta à lei complementar.
Na esteira desse raciocínio, mostra-se igualmente
inaplicável o Enunciado n° 03, Aprovado no XXIX FONAJE (MS 25 a 27 de maio de
2011):
“Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública no âmbito dos Juizados
Especiais da Fazenda Pública.”.
Esse Enunciado n° 03, do FONAJE, vem sendo
adotado por alguns magistrados fluminenses como fundamento para seus
provimentos monocráticos ou colegiados, todavia, verifica-se a dissidência na
interpretação do artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, por Turmas Recursais do Rio de
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Janeiro, de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios,
como se observa das ementas abaixo transcritas:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Intempestividade. No recurso de agravo, o
termo inicial para os dez dias assinados pelo artigo 522 do Código de
Processo Civil é a data da ciência inequívoca da decisão contra que se
investe. Precedentes deste Eg. TJRJ. Inexistência de prazo diferenciado para
a prática de qualquer ato no microssistema dos Juizados Especiais
Fazendários. Inteligência do artigo 7º da Lei 12.153/09. Regra que se aplica à
Defensoria Pública nos termos do enunciado nº 53 do FONAJEF- aplicável
analogicamente ao âmbito estadual- e 3º do FONAJE- Fazenda Pública.
Precedente da Eg. Turma Recursal vinculada ao Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo. Interposição que se faz tardia, uma vez que ultrapassa
o dies ad quem, considerando a data em que houve a intimação do decreto
liminar. Recurso manifestamente inadmissível que não segue.” (TJ-RJ, 1ª
Turma Recursal Fazendária, AI n° 0002007-38.2014.8.19.9000, rel. Juiz Luiz
Fernando de Andrade Pinto, julg. em 07/11/2014, pp. DJe de 01/12/2014).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão que nega seguimento a recurso, por
intempestividade. Autora patrocinada pela Defensoria Pública. Não existem
prazos diferenciados no sistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública
(Enunciado da Fazenda Pública n° 3, do FONAJE). Recurso a que se nega
provimento” (TJ-SP, 3ª Turma do Colégio Recursal de São Paulo, AI n°
0000877-86.2012.8.26.9000, rel. Juiz Fernão Borba Franco, julg. em
17/08/2012).
“RECURSO INOMINADO. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E
ESGOTO. AUTO DE INFRAÇÃO. REMOÇÃO DO HIDRÔMETRO.
COBRANÇA DE MULTA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA.
IMPOSSIBILIDADE. 1. O prazo para interposição de recurso inominado é de
dez dias, nos termos do art. 42 da Lei nº 9.099/95, aplicável subsidiariamente
à Lei nº 12.153/09. 2. Considerando a assistência por Defensor Público, com
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a prerrogativa da contagem do prazo em dobro, fulcro no artigo 128 da
Lei Complementar n.º 80/94, tempestiva a irresignação recursal. 3.
Mantida a multa imposta por violação de hidrômetro, notadamente pela
demonstração de aumento no consumo de água após sua imposição. 4.
Vedada a suspensão do fornecimento de água pelo não pagamento da multa,
que pode ser cobrada pelos meios ordinários, inexistindo notícia nos autos de
eventual inadimplemento das faturas mensais. DERAM PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.” (TJRS, Turma Recursal da
Fazenda Pública, Turmas Recursais, Recurso Cível nº 71004519161, Relator
Juiz Antônio Vinícius Amaro da Silveira, julg. em 31/07/2013, publicado no
Diário da Justiça do dia 09/08/2013; g.n.).
“JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. RECLAMAÇÃO.
PROCESSO CIVIL. DEFENSORIA PÚBLICA. GARANTIA DE PRAZO EM
DOBRO. ART. 128, I, LEI COMPLEMENTAR Nº 80/1994. RECLAMAÇÃO
PROVIDA. DECISÃO CASSADA.
1 - O art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela Lei
Complementar nº 132/2009, ao organizar a Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios, estabelece a prerrogativa do prazo em
dobro para as Defensorias Públicas. 2 - O art. 7º da Lei nº 12.153/2009
não se aplica à Defensoria Pública, mas às pessoas jurídicas de direito
público elencadas no art. 5º, II, da Lei nº 12.153/2009. 3 - Reclamação
conhecida e provida. 4 - Decisão cassada.” (TJDFT, 3ª Turma Recursal dos
Juizados Especiais do Distrito Federal, Proc. n° 20120020060360, Acórdão n°
585398, rel. Juiz Hector Valverde Santanna, julg. em 08/05/2012, In DJE de
11/05/2012, pag. 346).
Como se observa, as Turmas Recursais do Rio de
Janeiro e de São Paulo comungam do entendimento de que a Defensoria Pública
não tem a prerrogativa do prazo em dobro nos Juizados Especiais Fazendários, pois
no microssistema desses Juizados não haveria contagem diferenciada de prazos,
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adotando os Enunciados ns. 3 e 53, respectivamente do FONAJE e do FONAJEF.
Eis os argumentos dos eminentes relatores dos recursos acima indicados:
“Frise-se, aliás, que, no microssistema dos Juizados Especiais Fazendários,
não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato, a teor do que
dispõe o artigo 7º da Lei 12.153/09:
(...).
Esta disposição, a propósito, é repetida do artigo 9º da Lei 10.259/20011 que
estrutura os juizados especiais federais, motivo pelo qual é transponível, ao
âmbito estadual, a regência do que enuncia o verbete nº 53 do FONAJEF:
(...).
Tanto assim que o verbete nº 3 da Fazenda Pública, aprovado no XXIX
FONAJE, dispõe:
Enunciado 03 - Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública no
âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.
No contexto normativo próprio, a prerrogativa conferida aos advogados
públicos pela Lei 1060/50, bem como pela Lei Complementar 80/84, cede em
face da regência especial contida na suprarreferida Lei 12.153/09.” (rel. Juiz
Luiz Fernando de Andrade Pinto, AI n° 0002007-38.2014.8.19.9000, da 1ª
Turma Recursal Fazendária do Rio de Janeiro).
“Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso
inominado, por intempestividade. A autora sustenta a ilegalidade dessa
decisão, pois a Defensoria Pública tem prazo em dobro para recorrer, o que
não se observou no caso.
No entanto, isso não ocorre. O artigo 7º da Lei 12153/09 dispõe que "não
haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas
pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos,
devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com
antecedência mínima de trinta dias".
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O princípio, portanto, é o de que não existem prazos diferenciados no sistema
dos Juizados da Fazenda Pública.
Resta saber se isso também se aplica à Defensoria Pública, que possui
privilégio de prazo diferenciado nos processos comuns. A resposta é,
entretanto, negativa, porque contrário ao princípio da celeridade vigente nos
Juizados, como já se vem decidindo majoritariamente, tanto que editado o
Enunciado a seguir transcrito, relativo ao Juizado da Fazenda Pública:
"Enunciado 03 (novo) - Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública
no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.” (...)” (Juiz Fernão
Borba Franco, AI n° 0000877-86.2012.8.26.9000, da 3ª Turma Recursal
Fazendária de São Paulo).
Já a Turma Recursal da Fazenda Pública de Porto
Alegre/RS, ao julgar o recurso inominado n° 71004519161, conheceu do recurso
pelo preenchimento dos seus pressupostos recursais, assim afirmando o Juiz
Relator Antônio Vinícius Amaro da Silveira:
“Eminentes colegas, conheço do recurso inominado, pois preenchidos os
requisitos de admissibilidade.
Saliento, de início, que não há falar na intempestividade do recurso interposto
pela parte autora. Conforme art. 128 da Lei Complementar n. 80/94, a
Defensoria Pública possui a prerrogativa da contagem do prazo em
dobro.
Considerando a carga à Defensora Pública em 18.04.2013 (fls. 95/96), e a
contagem em dobro assegurada pela prerrogativa acima referida, o recurso
protocolado em 06.05.2013 configura-se como tempestivo. (g.n.)”
Não foi outro o fundamento adotado pela Turma
Recursal do Distrito Federal e Territórios, ao julgar o recurso inominado n°
20120020060360, pedindo-se vênia para replicar as palavras do Juiz Relator Hector
Valverde Santanna, a par da sua longa explanação:
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“Não obstante os fortes argumentos esposados pela r. decisão impugnada,
tais como o entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização de
Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais e a orientação dada pelo
Enunciado da Fazenda Pública nº 03 (FONAJE), salvo melhor juízo, penso
que o art. 7º da Lei nº 12.153/2009 não se aplica à Defensoria Pública.
O art. 7º da Lei nº 12.153/2009 estabelece que:
Art. 7º. Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato
processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a
interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação
ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias. (grifei)
Esse artigo, porém, não se destina à Defensoria Pública. A análise
sistemática da Lei nº 12.153/2009 demonstra que ele é dirigido às pessoas
jurídicas de direito público constantes no seu art. 5º: os Estados, o Distrito
Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e
empresas públicas a eles vinculadas.
A razão é que a Lei nº 12.153/2009, que visa regular os litígios envolvendo
essas pessoas jurídicas de direito público, já contendo as regras necessárias
à proteção dos interesses tutelados por tais entes, ponderou que seria
desnecessário conferir-lhes prazos diferenciados, ou seja, dotar a Fazenda
Pública de mais prerrogativas em detrimento do cidadão comum, esse já em
situação de clara desvantagem ao litigar contra o aparelho público.
A prerrogativa do prazo em dobro conferida à Defensoria Pública pela Lei
Complementar nº 80/1994 é de outra ordem, e visa proteger não a Fazenda
Pública, mas o cidadão economicamente hipossuficiente e que necessita dos
serviços de assistência judiciária gratuita.
São conhecidas as dificuldades estruturais e de pessoal que as defensorias
públicas enfrentam nesse importante mister de garantir o acesso à justiça aos
mais necessitados. Nesse caso, em última análise, percebe-se que a garantia
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do prazo em dobro não se destina à Defensoria Pública, mas ao cidadão por
ela representado.
Assim, a interpretação teleológica do art. 7º da Lei nº 12.153/2009 conduz à
conclusão de que ele não se aplica à Defensoria Pública.
Esclareça-se que a prerrogativa do prazo em dobro para a Defensoria Pública
também decorre de lei.
O art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela Lei
Complementar nº 132/2009, ao organizar a Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios, estabeleceu a prerrogativa do prazo em
dobro para as Defensorias Públicas:
Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado,
dentre outras que a lei local estabelecer: I – receber, inclusive quando
necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em
qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-
se-lhes em dobro todos os prazos; (Redação dada pela Lei Complementar
nº 132, de 2009). (grifei)
Não há violação ao princípio da celeridade dos Juizados Especiais. O objetivo
do princípio da celeridade é garantir o acesso à tutela jurisdicional. Quando a
lei conferiu o prazo em dobro à Defensoria Pública, sopesou os interesses
envolvidos: o de uma almejada justiça célere e eficiente, mas também o de
que seja garantido aos mais necessitados o verdadeiro acesso à justiça, à
ampla defesa, a todos os mecanismos jurídicos que lhe permitam a obtenção
da tutela jurisdicional plena.
Em última análise, no aparente conflito entre o art. 7º da Lei nº 12.153/2009 e
o art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994 está a ponderação entre a
garantia constitucional da celeridade processual e a garantia constitucional do
devido processo legal em sentido material (substantive due process).
No âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, da tensão entre os
princípios constitucionais da celeridade processual e do devido processo legal
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em sentido material (substantive due process), em que esse último busca
garantir não somente a regularidade formal do processo, mas a decisão
substancialmente razoável e correta, o aplicador do direito deve ponderar
sobre a idéia de que a concessão do prazo em dobro para a Defensoria
Pública prejuízo algum trará à parte representada por ela, pelo contrário,
atuará como mecanismo garantidor de seus direitos; tampouco trará prejuízo
à parte adversa, que nos Juizados Especiais da Fazenda Pública é o próprio
Estado.”
Em razão do demonstrado dissídio entre as Turmas
Recursais Fazendárias do Rio de Janeiro e as Turmas Recursais Fazendárias do
Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios, admissível o incidente de
uniformização de jurisprudência previsto pelo parágrafo 3° do artigo 18 da Lei n°
12.153/09, a ser conhecido e julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ao analisar os microssistemas dos Juizados
Especiais e o regramento recursal que lhes são pertinentes, o próprio Superior
Tribunal de Justiça nos orienta acerca do cabimento do incidente de uniformização
de jurisprudência na hipótese sob exame:
“PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NA
RECLAMAÇÃO. RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO DE
TURMA RECURSAL EM CAUSA DE INTERESSE DA FAZENDA PÚBLICA.
REGIME PRÓPRIO DE SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA PREVISTO PELOS
ARTS. 18 E 19 DA LEI 12.153/2009. NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO
PREVISTA NA RESOLUÇÃO 12/2009 DO STJ. PRECEDENTE DA
PRIMEIRA SEÇÃO.
1. Recebe-se pedido de reconsideração como agravo regimental em prestígio
aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da
fungibilidade recursal. Precedentes: AgRg no Ag 1.193.666/SP, Relator
Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ 8/2/2010; PET no Ag
1.033.281/MG, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 6/8/2009; e
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RCDESP nos EREsp 700.527/SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha,
Corte Especial, DJ de 8/6/2009.
2. A Primeira Seção pacificou a orientação de que havendo procedimento
legal específico de uniformização jurisprudencial no âmbito das Turmas
Recursais em causas de interesse da Fazenda Pública, o qual prevê meio
próprio de impugnação (Lei 12.153/2009, arts. 18 e 19), não é cabível o
ajuizamento da reclamação prevista na Resolução 12/2009 do STJ.
Precedentes: RCDESP na Rcl 8.978/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina,
Primeira Seção, DJe 31/05/2013; RCDESP na Rcl 11.125/SP, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/04/2013.
3. Agravo regimental não provido.” (STJ, 1ª Seção, RCD na Rcl 21569/SP, rel.
Min. Benedito Gonçalves, julg. em 26/11/2014, unânime, In DJe de
025/12/2014).
Ante todo o exposto, resta amplamente
demonstrada a inaplicabilidade da norma do artigo 7°, da Lei n° 12.543/09, posto
que os Defensores Públicos têm a prerrogativa institucional da intimação pessoal e
do prazo em dobro, inclusive nos Juizados Especiais Fazendários, como previsto na
Lei Complementar n° 80/94, bem como o dissídio jurisprudencial entre as Turmas
Recursais Fazendárias do Rio de Janeiro e as Turmas Recursais Fazendárias do
Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios, a permitir a instauração do
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 18, da Lei n°
12.153/09.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2015.
Texto elaborado por:
Vero Fernandes Baptista
Fábio Ferreira da Cunha
Thaísa Guerreiro de Souza
Franklyn Roger Alves Silva