cooperaÇÃo complexa - fronteira limite do capital

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  FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA COOPERAÇÃO COMPLEXA  ______________________ FRONTEIRA LIMITE DO CAPITAL  ___________________  FORTALEZA - CEARÁ AGOSTO - 2004

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FRANCISCO TEIXEIRA, COOPERAÇÃO COMPLEXA, MARXISMO, CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA, CAPITALISMO CONTEMPORÂNEOP

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FRANCISCO JOS SOARES TEIXEIRA

FRANCISCO JOS SOARES TEIXEIRA

COOPERAO COMPLEXA

__________________________________________

FRONTEIRA LIMITE DO CAPITAL

________________________________________________________

FORTALEZA - CEAR

AGOSTO - 2004

SUMRIO

__________________________________________________________________

CONVITE COOPERAO COMPLEXA

NOTAS INTRODUTRIAS

__________________________________________________________________

CAPTULO I

_______________________________________________________________

LEITURAS DE O CAPITAL

__________________________________________________________________

1. DA ECONOMIA POLTICA

2. CONTRA MARX

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CAPTULO II

________________________________________________________

O CAPITALISMO AINDA O MESMO?

________________________________________________________

1. INTRODUO: PONTOS NOS IS

2. FORMA VALOR: RAZO E HISTRIA

2.1. NOVA FASE DO CAPITALISMO?

2.2. QUE FAZER COM A TEORIA DO VALOR?

________________________________________________________CAPTULO III

________________________________________________________

TRABALHO E VALOR HOJE

________________________________________________________

1. O CAPITAL E SUAS FORMAS DE PRODUO DE MERCADORIAS

1.1. INTRODUO: FIOS DA MEADA

1.2. OS MTODOS DE PRODUO DA MAIS-VALIA: CONTRADIO EM PROCESSO

2. COOPERAO COMPLEXA: FORMA LIMITE DO CAPITAL

2.1. LIMITES E SUPERAO DA GRANDE INDSTRIA

2.2. EVIDNCIAS EMPRICAS

__________________________________________________________________

CAPTULO IV

__________________________________________________________________

O CAPITAL E A CONSTRUO DA OBEDINCIA DE CLASSE

FORMAS HISTRICAS DE EXISTNCIA DA COOPERAO COMPLEXA

__________________________________________________________________

1. A CONSCINCIA DA RECONCILIAO

2. DESCONSTRUO DA LUTA DE CLASSE, CONSTRUO DA OBEDINCIA

3. FORMAS HISTRICAS DE EXISTNCIA DA COOPERAO COMPLEXA

3.1. SOCIEDADE DE "FBRICAS DE CONSENSOS"

3.2. SOCIEDADE DE "RODUTORES INDEPENDENTES"

3.3. SOCIEDADE DE "FBRICAS"SEM MUROS

_______________________________________________________________

CONVITE COOPERAO COMPLEXA

NOTAS INTRODUTRIAS

_________________________________________________________________

KGKG

________________________________________________________

CAPTULO I

_________________________________________________

LEITURAS DE O CAPITAL

__________________________________________________________________

1. DA ECONOMIA POLTICA

__________________________________________________________________

Em suas Lies Sobre a Histria da Filosofia, Hegel lembra que o conhecimento da gerao do seu tempo no surgiu de improviso, como se brotasse por si s do solo do presente. Muito pelo contrrio, diz ele, o que homem hoje na cincia, e especialmente na filosofia, deve tradio.

Mas ateno! Acrescenta Hegel. Essa herana no uma dvida passiva. O que herdado das geraes anteriores reduzido, pelas geraes do presente, condio de matria-prima para produo de novos e mais elevados conhecimentos. Nisso consiste a atividade intelectual de qualquer poca: apropriar-se do conhecimento produzido pelas geraes passadas, desenvolv-lo e elev-lo a um plano superior.

dessa perspectiva que se pode compreender a relao de Marx com a Economia Poltica Clssica [EPC]. Deve a esta cincia no s quase todas as categorias que compem a arquitetnica categorial de O Capital , mas tambm se apropria do meticuloso trabalho analtico que esta cincia realiza para rastrear a conexo interna das formas aparentes da riqueza mercantil.

Mas antes de continuar com a investigao dessa relao, oportuno explicitar como os economistas clssicos descobriram a conexo interna que liga as diferentes formas de riqueza capitalista. Sem esta mediao explicativa, no se pode compreender, em todas as suas conseqncias, a dvida de Marx com aquela cincia. Por isso, recomenda-se ao leitor, pelo menos aquele no afeito economia poltica, esperar um pouco, at que se tenham todas as mediaes necessrias para entender a relao de o autor de O Capital com a EPC.

Se assim, ento, em que consiste a reduo analtica operada pela EPC? A resposta que se encontra em Marx a de que se trata de um trabalho crtico, porque permite dissolver, ainda que parcialmente, a forma alienante em que aparece a riqueza capitalista. Alienante, pois a riqueza se manifesta numa forma que parece dissociada do processo de produo. Tal como de fato concebem os agentes da produo capitalista, que vem as diferentes formas de riquezas como se fossem produtos de fontes diversas; pois percebem a terra, o capital e o trabalho como fontes independentes de renda: a terra porque gera renda; o capital, lucros e juros; o trabalho, salrio. como se a produo do excedente casse do cu; no fosse produto de uma apropriao de trabalho alheio no-pago.

Ora, a EPC no quer ser a voz da conscincia prtica dos agentes de produo em suas atividades cotidiana. Ela se recusa a ser prisioneira da aparncia do modo de produo capitalista.

Que o digam Smith e Ricardo, expoentes maiores dessa cincia. Partindo da superfcie imediata em que aparecem as principais formas de riqueza (salrio, lucro, renda da terra e juros), fixas e independentes entre si, eles descobrem que todas essas formas tm uma nica e mesma fonte: o trabalho enquanto substncia criadora do valor. Mostram, assim, que as rendas do industrial, do proprietrio de terra e do prestamista provm todas do trabalho excedente realizado pelos trabalhadores empregados na produo do valor. Descobrem, portanto, o que est oculto por trs das formas aparentes de riqueza: o trabalho como nica fonte do valor.

Mas preciso dar prova, fundada em argumentos desenvolvidos pelos prprios economistas clssicos, de como eles demonstraram o nexo causal que liga as diferentes formas de riqueza.

Recorrendo ao testemunho de Smith, ele antecipa, no final do captulo IV do Livro Primeiro, os passos mediante os quais intenta descobrir aquela conexo oculta. Mais ou menos assim: depois de haver investigado, nos captulos precedentes, as causas do aprimoramento das foras produtivas e a natureza da riqueza capitalista, pergunta quais so as regras que determinam o valor relativo ou valor de troca das mercadorias, para ento se propor a mostrar: [1] qual o critrio ou medida real desse valor de troca; [2] quais so as diferentes partes em que constituem esse preo real e, finalmente, [3] quais so as diversas circunstncias que fazem esses componentes subirem acima ou descerem abaixo do preo natural ou normal.

Planejado o caminho que o levaria a descobrir fisiologia interna do sistema, Smith deixa o mundo fenomnico das trocas mercantis e se dirigi para o corao da produo, onde a vai descobrir a essncia do valor: o trabalho humano. Tarefa nada fcil, como ele mesmo o diz. Por isso, desafia seriamente a pacincia do leitor para, com ele, atravessar a superfcie imediata dos fenmenos econmicos, e acompanh-lo at essncia do sistema, para a descobrir a substncia oculta (o trabalho) que subjaz por trs das formas aparentes da riqueza capitalista (salrio, lucro, juro e renda da terra).

um caminho longo e tedioso. No por menos que Smith desafia seriamente a pacincia do leitor para acompanh-lo nesta jornada, que comea (captulo V) com uma investigao da formao do preo real (preo em trabalho) e do preo nominal das mercadorias (preo em dinheiro). uma anlise que comea afirmando que o preo real das mercadorias determinado pela quantidade de trabalho necessrio sua produo. Entretanto, alguns pargrafos depois, afirma que mais natural e fcil estimar o valor das mercadorias em ouro e prata. Acontece que o valor destes metais varia. Logo, no so uma boa medida do valor de troca das mercadorias. Smith resolve, ento, substituir estes metais pelo trigo, que valor do salrio de subsistncia do trabalhador. Embora o valor do trigo varie, como o valor de qualquer outra mercadoria, o autor da Riqueza das Naes conclui, depois de longos e tortuosos vai-e-vens, que o trabalho, no a sua quantidade, mas o valor do trabalho (o salrio), expresso em trigo, a nica medida universal do valor das mercadorias.

Acontece que essa anlise meramente descritiva. Ela no permite mostrar como se chega fonte do valor, ao trabalho. A soluo vem no captulo seguinte (captulo VI) , quando Smith resolve lanar mo de uma hiptese que descreve um mundo ideal, onde a liberdade, a igualdade e a propriedade reinam de forma absoluta. Liberdade! Pois os agentes da produo so livres para sair de uma atividade e entrar noutra sem nenhuma restrio. Igualdade! Pois todos so proprietrios, que trocam equivalentes por equivalentes. Vivem num mundo [1] onde no existe propriedade privada da terra nem acmulo de capital em mos de particulares. Nestas circunstncias, o valor do que produzem se determina pela quantidade de trabalho necessria produo de cada mercadoria; [2] sendo assim, a remunerao que cada produtor recebe proporcional ao valor de sua mercadoria, pois na inexistncia de classes sociais, o valor do produto igual ao valor do trabalho despendido em sua produo; [3] nestas condies, ningum estaria disposto a abrir mo do produto do seu trabalho se, em troca, no recebesse outro de igual valor; [4] conseqentemente, a troca se faz obedecendo ao princpio de equivalncia; permutam-se valores de iguais magnitudes.

Se nesse mundo ideal o trabalho a fonte de valor, deve continuar sendo no mundo real. S necessrio, agora, fazer a passagem desse mundo ideal para o mundo real, para o mundo concreto em que vivem os homens.

Infelizmente, Smith no consegue realizar, com sucesso, essa passagem. Tropea em srias dificuldades, que o levam a cair em contradio contnua. Descobre que a troca entre capital e trabalho no obedece ao princpio da equivalncia. Ora, se este princpio no se aplica troca entre capital e trabalho, como ento continuar sustentando que as mercadorias se trocam na proporo do tempo de trabalho nelas incorporado?

No tendo como resolver essa questo, Smith passa a usar duas definies de valor. Numa, argi que o valor das mercadorias proporcional s quantidades de trabalho nelas inseridas; noutra, sustenta que o valor das mercadorias determinado por sua capacidade de comandarem trabalho vivo.

Ora, quem afirma que o valor de um objeto determinado pelo quantum de trabalho necessrio sua produo e, depois, sustenta que o valor deste objeto determinado pela quantidade de trabalho que pode comprar ou comandar; quem assim procede, entra em contradio. E o que pior: fazer da quantidade de trabalho vivo comandada a medida do valor das mercadorias significa fazer do valor do trabalho (do salrio) a medida dos valores. Por isso, ele termina por encerrar a teoria do valor num crculo vicioso: o valor determinando o valor.

ento que Ricardo entra em cena para afirmar, em alto e bom som, que o valor das mercadorias determinado pelas quantidades de trabalho nelas inseridas. Suprime, assim, o conceito de valor comandado, segundo o qual o valor das mercadorias determinado pela quantidade de trabalho vivo que comandam. Assim procedendo, Ricardo no s elimina as contradies de Smith, como tambm livra a teoria do valor daquele crculo vicioso, h pouco referido.

Afirmando o princpio de que a quantidade de trabalho despendida na produo a nica medida do valor, Ricardo se pe a investigar at que ponto as diversas formas de riqueza concordam diretamente com aquele princpio, ou dele se desviam. Infelizmente, sua anlise no de todo bem sucedida. Primeiramente porque, ao definir o valor do trabalho (da fora de trabalho), pressupe que o tempo de trabalho contido nos meios de subsistncia do trabalhador igual ao tempo de trabalho dirio que ele realiza. Por isto, ele no tem como explicar a origem da mais-valia.

Com se isso no bastasse, Ricardo termina, tambm, por cometer certas contradies. Isto acontece quando ele passa a investigar, nas sees III e IV, do captulo I, dos seus Princpios de Economia Poltica, os efeitos da acumulao do capital sobre a lei do valor. A descobre que capitais com magnitudes iguais, que deveriam receber o mesmo montante de lucro, tm lucros diferenciados.

Ora, isso contra a lei da concorrncia que estabelece uma taxa geral de lucro para toda a economia, pela qual todos os capitais devem ser remunerados. Se assim, dois capitais, de igual magnitude, no teriam porque receber lucros diferentes. Mas recebem. Mesmo que estes dois capitais movimentem, em sua produo, as mesmas quantidades de trabalho, se tiverem composies diversas, sero remunerados diferentemente.

Ricardo explica por qu. Um capital, que emprega uma grande quantidade de maquinaria, tem um prazo de retorno dos seus investimentos mais demorado do que um outro que emprega pouca ou quase nenhuma mquina. Neste caso, continua sua explicao, o capital que tem prazo de retorno mais demorado deve receber um lucro maior do que aquele que tem menor prazo. uma recompensa pelo prazo de espera. Neste caso, conclui Ricardo, o princpio de que a quantidade de trabalho empregada na produo das mercadorias regula seu valor relativo consideravelmente modificado pelo emprego de maquinaria e outros capitais fixo.

Concluso: Ricardo no pde sustentar, do comeo ao fim de sua teoria, que a quantidade de trabalho empregada na produo o nico princpio que regula o valor de troca. Sua crtica a Adam Smith no , portanto, de toda conseqente. Ele s resolveu a contradio de Smith, porque eliminou um dos dois conceitos de valor adotados por aquele autor. Procede assim porque entendia que o problema que levou Adam Smith a se contradizer era de ordem lgica: sua teoria do valor feria o princpio de no-contradio. Realmente, como visto h pouco, Smith ora afirma que o valor , ora afirma que o valor no determinado pelo quantidade de trabalho. Ora, quem afirma e nega, ao mesmo tempo, se contradiz.

Mas Smith s cometeu essa contradio aparente porque no soube distinguir a mercadoria trabalho das demais mercadorias. A primeira trabalho vivo, a segunda, trabalho materializado. Para esta, vige a lei do valor, segundo a qual as mercadorias devem ser trocadas entre si segundo quantidades iguais de trabalho nelas incorporado. Entretanto, esta lei no vige para o caso da mercadoria trabalho. A troca entre esta mercadoria e as demais no obedece ao princpio da equivalncia. Pois, neste caso, troca-se mais trabalho vivo por menos trabalho materializado.

Por que no distinguiu essas duas mercadorias, Smith no conseguiu explicar porque a lei do valor vige para a troca das mercadorias em geral e no para a troca da mercadoria trabalho vivo. Muito menos Ricardo. E o que pior: ele termina por cometer as mesmas incoerncias que reprova em Smith. Com efeito, ele determina o valor do trabalho, no pela quantidade de trabalho necessrio para produzir a fora de trabalho, mas sim pela quantidade aplicada para produzir o salrio do trabalhador. Assim, o valor do trabalho determinado pelo valor do salrio.

ento que Marx entra em cena. Apropriando-se do sistema categorial da EPC, desmonta-o e o remonta numa nova ordem de exposio, de modo a levar esta cincia a implodir as contradies em que estavam encerrados os seus conceitos. Nesta re-apresentao, Marx exige que a economia clssica preste contas de suas descobertas cientficas e confesse as razes de suas debilidades e limitaes tericas. Sua postura lembra Descartes que, ao pr o ctico contra a parede, obriga-o a confessar que a dvida tem limite; limite determinado pela imploso da prpria dvida.

Assim procede Marx com os conceitos da economia poltica. Em sua re-exposio categorial, ele obriga estes conceitos a exaurir suas potencialidade explicativas, levando-os a se converterem em seus opostos, como a dvida ctica, nas mos de Descartes, se transforma em certeza.

Marx s precisava encontrar um ponto nevrlgico, dentro do sistema categorial da EPC, a partir de onde ele pudesse operar uma interverso no significado de toda estrutura conceitual desta cincia. Ou seja, Marx tinha apenas que encontrar a causa do problema central em torno do qual se debateram os economistas clssicos, Smith e Ricardo.

Para o leitor que acompanhou o texto com ateno, essa causa j conhecida. Como visto h pouco, todos os economistas clssicos incorreram no mesmo erro: identificaram a mais-valia com suas formas imediatas de existncia (lucro, juro e renda da terra). Por isso, no entenderam a natureza da troca entre capital e trabalho. No puderam, ento, explicar que essa troca no anula a lei do valor; apenas modificada em seu resultados.

Essa identificao da mais-valia com suas formas fenomnicas de existncia prova que a EPC tomou de emprstimo vida cotidiana, sem maior crtica, todas as suas categorias. Realmente, para explicar a produo e a distribuio da riqueza social, entre as trs grandes classes sociais, essa cincia divide com o senso comum a idia de que a propriedade produto do trabalho pessoal, do esforo individual. Se assim, a desigualdade social da riqueza s se explicaria pelo fato de certos indivduos, no passado, terem trabalhado mais do que outros e, assim, puderam acumular maior riqueza.

Ora, se a propriedade fruto do esforo pessoal de cada indivduo, algum que usa sua propriedade para contratar trabalhadores tem o direito de exigir uma recompensa pelo seu trabalho passado. Neste caso, essa recompensa (a mais-valia) no teria nenhum carter de explorao. O lucro estaria, assim, moralmente mais do que justificado.

da mesmo que parte Marx para demonstrar que a mais-vaia a forma capitalista da explorao. Ele no contrape EPC uma teoria simplesmente diferente para explicar a origem da propriedade capitalista e suas leis inerentes de apropriao e distribuio da riqueza. Divide com esta cincia o pressuposto de que o direito de propriedade se funda sobre o trabalho prprio. E tinha que valer esse pressuposto, pois, sendo todos indivduos considerados proprietrios, cada um s pode se apropriar da propriedade alheia, mediante a alienao da sua prpria propriedade.

Num mundo assim, em que todos os indivduos s existem enquanto proprietrios de mercadorias, ningum estaria disposto a abrir mo de sua mercadoria se em troca no receber outra de igual valor. Sem essa pressuposio da igualdade dos valores permutados, a troca, enquanto relao social dominante, no se sustentaria. Os prprios indivduos no aceitariam viver numa sociedade se soubesse, de antemo, que a troca no obedece o princpio da equivalncia. No aceirariam, pois, viver numa sociedade em que o meio de apropriao da riqueza fosse o logro generalizado de todos contra todos. Da o drama de Smith, quando descobre que a troca entre capital e trabalho no obedece a este princpio.

Marx sabe disso mais do que ningum. Tanto verdade que tinha conscincia da dupla dimenso de sua crtica EPC: provar que a troca entre capital e trabalho se faz de acordo com o princpio da equivalncia e, ao mesmo tempo, demonstrar a origem da mais-valia.

Como ento demonstrar que a troca entre capital e trabalho se d de acordo com esse princpio e que desta igualdade nasce a desigualdade na produo e apropriao da riqueza social? Marx tem a resposta: a dialtica interna do processo de acumulao se encarrega de transformar aquele princpio em seu contrrio direto: no princpio da no-equivalncia.

Marx expe essa dialtica nos captulos XXI e XXII de O Capital. Assumindo o pressuposto da EPC de que, num passado remoto, a classe capitalista adquiriu sua propriedade com o suor do seu prprio rosto, Marx se pergunta o que acontece se esse patrimnio for utilizado recorrentemente para pagar os salrios dos trabalhadores? Resposta: ao cabo de certo tempo, todo esse patrimnio se constituir em trabalho alheio no-pago. o que mostra Marx por meio de um exemplo, em que ele imagina que a classe capitalista, depois de muitas geraes de trabalho, acumulou uma riqueza de 1.000 unidades monetrias e que, agora, pode dispor dela para contratar trabalhadores assalariados.

Em seguida, supe que esse capital gera, anualmente, uma mais-valia de 200 unidades monetrias, destinada ao consumo dos capitalistas. Que acontece se esse capital for recorrentemente empregado para assalariar trabalhadores? A cada ano ele gera uma mais-valia de 200 unidades. Ao chegar ao quinto ano, a mais-valia total produzida e consumida ser de 1000 unidades. E o que mais importante: a classe capitalista ainda dispe de 1000 unidades de capital para reiniciar, no sexto ano, a contratao de novos trabalhadores.

Concluso: a partir do ano 6, a soma de que dispe a classe capitalista no tem mais nada a ver com o seu trabalho passado. Trata-se de uma soma de capital totalmente recriada pelo trabalhador, pois o capital original de que ela dispunha foi consumido durante os cinco primeiros anos. A partir de ento, os fundos para pagamento dos salrios so totalmente adiantados pelos trabalhadores.

Assim, quando o processo de produo apreendido da tica de sua renovao contnua, em que cada ciclo do capital constitui ponto de partida para um outro, o prprio trabalhador que adianta os fundos com os quais se paga o seu salrio. Todo o capital se torna, assim, mais-valia capitalizada. Conseqentemente, a troca de equivalentes se transforma numa troca de no-equivalente. A bem da verdade, a troca entre capital e trabalho se transforma numa no-troca.

Isso significa, ento, que a produo de mais-valia anula o princpio da troca de equivalentes? Sim, se se considerar o processo de acumulao da tica de sua renovao contnua; isto , da tica de seu fluxo ininterrupto de renovao. Portanto, da tica da sua totalidade, a troca entre capital e trabalho aparece como uma troca entre as duas grandes classes sociais.

No, se o processo de acumulao apreendido da perspectiva dos atos individuais da troca; no mais em seu fluxo ininterrupto de renovao, isto , da tica da troca entre as classes sociais.

E assim mesmo que deve ser julgada produo de mercadorias. Afinal de contas, num mundo onde os indivduos s existem enquanto produtores mercadorias, ningum est preocupado com o destino da sociedade como um todo. Enquanto proprietrios de mercadorias, os indivduos se defrontam apenas como comprador e vendedor. Suas relaes recprocas chegam ao fim com a concluso do contrato, que os liga entre si. Se a transao se repetir ser objeto de um novo contrato, que no tem nada a ver com o anterior. O que importa a cada um encontrar, no mercado, um equivalente de valor para a sua mercadoria.

Todos agem assim porque so partes de um contexto social em que aprenderam a se reconhecerem reciprocamente, e de forma automtica, como proprietrios de mercadorias. Isto lhes basta para agir no dia-a-dia. Nem o comprador nem o vendedor se importam em saber a origem dos recursos que cada um dispe para realizar suas transaes mercantis. Se o comprador um capitalista; o vendedor, um trabalhador assalariado, este exige apenas que aquele lhe pague o valor da sua fora de trabalho; no lhe importa de onde vm os recursos: se o capitalista conseguiu com seu prprio trabalho, se so produtos de lucros acumulados ou se caram do cu; nada disso preocupa o trabalhador. O que lhe interessa o pagamento do valor de sua fora de trabalho.

Agora tudo se esclarece. A lei da equivalncia vige quando se analisa a troca da perspectiva individual; como um ato de compra e venda que se realiza fora de sua conexo com outros atos de troca .

As coisas mudam quando essa conduta mercantil atomstica se revela como parte de um movimento social maior, sem o qual essa conduta no acontece. De fato, numa sociedade em que a troca o nico meio de acesso riqueza social, ningum pode comprar sem antes vender; muito menos vender, sem antes comprar. O todo social , portanto, pressuposto necessrio para que os atos individuais de compra e venda aconteam. Mas, vista assim, a troca de mercadoria no mais obedece ao princpio de equivalncia; este, pelo movimento contnuo e ininterrupto do capital, se interverte em seu contrrio, ao transformar a troca numa no troca.

ento que o ponto de partida, que Marx tomou de emprstimo da EPC, se revela em seu oposto direto: a propriedade privada, fruto do trabalho pessoal, aparece, agora, como direito de apropriar-se de trabalho alheio no-pago. Assim, o autor de O Capital demonstra a dialtica que transforma a troca de equivalentes numa troca de no equivalentes. E isto sem negar, de forma absoluta, a troca de equivalentes; esta permanece vigendo quando aplicada aos atos individuais de troca, pois assim que deve ser julgada. Julgada de outra perspectiva, seria fazer um julgamento moral em vez da crtica.

Para chegar a esse resultado, Marx teve que realizar o que jamais foi tentado pela economia burguesa, qual seja: explicitar o movimento mediador oculto na imediatidade das categorias. Marx teve de demonstrar, portanto, a gnese das categorias da Economia Poltica; isto , provar o carter mediato das categorias; ou que o mesmo, seu carter derivado.

Mas, precisamente, em que consiste esse trabalho de desenvolvimento categorial? Em explicitar as mediaes categoriais que prendem uma categoria a outra, numa seqncia lgico-necessria de tal modo que, ao final da cadeia expositiva, o objeto investigado possa se revelar tal como o na realidade. Obviamente que esta exposio pressupe um longo e minucioso trabalho de pesquisa, cujo objetivo inventariar as diversas formas do objeto pesquisado, analisar sua evoluo e rastrear a sua conexo interna. S depois, ento, o movimento do real pode ser adequadamente exposto

assim que O Capital se faz crtica da Economia Poltica. Crtica que consiste precisamente em desenvolver o carter mediato das categorias econmicas. S assim, Marx pode destruir a imediatidade indeterminada e vazia das categorias da EPC. E assim desmistificar a falsa conscincia, com suas representaes prximas do mundo sensorial, isto , do cho imediato em que todos os agentes econmicos vivem e traficam suas vidas no dia-a-dia.

Um exemplo dessa anlise crtica Marx oferece j no primeiro captulo de O Capital. Na seo III, deste captulo, em que analisa a forma de valor ou o valor de troca, ele convida o leitor para acompanh-lo na exposio do movimento mediador pelo qual a mercadoria se transforma em dinheiro. Ao tornar visvel esse movimento, que desaparece na imediatidade da forma dinheiro, ele decifra o enigma do fetiche do dinheiro.

Mas ateno, essa crtica no se resume a um trabalho de conscientizao, mediante o qual a sociedade pudesse despertar de uma vida de iluses. A falsa conscincia no uma mera iluso; ela produto das condies de sua autoproduo. O fetichismo um produto da conscincia e da existncia social. Neste sentido, a fora da crtica consiste apenas em denunciar o segredo da falsa conscincia; segredo que se revela mediante a elucidao da prpria realidade.

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2. CONTRA MARX

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(a) INTRODUO

Essa crtica realizada por Marx pressupe a categoria trabalho abstrato como categoria central, a partir de onde ele julga as conquistas e debilidades tericas da EPC. A necessidade de tal pressuposio bvia. Essa categoria o alicerce que sustenta toda a arquitetnica categorial de O Capital. em torno dela que gira a compreenso da Economia Poltica.

Os crtico contemporneos de Marx parecem saber disso muito bem. No sem razo, todos so unnimes em dirigir sua crtica categoria trabalho abstrato, numa clara indicao de que a imploso dessa categoria joga por terra todo o sistema categorial de Marx.

OBSERVAO:

O Texto completo est sendo avaliado pela editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Caso seja aprovado pelo comit editorial dessa editora, possivelmente ser publicado em 2007. Hegel, G.W.F. Lecciones sobre la historia de la filosofa. - Mxico: Fundo de Cultura Economica; Vol.I; 1955.

Contrapondo a EPC, que descobre ser o trabalho a nica fonte de valor, sua sucednea, chamada "economia vulgar", que faz do valor de uso a medida do valor de troca, Marx atribui primeira um papel crtico, enquanto ltima, economia vulgar, no poupa crticas demolidoras, pois, para ele, essa cincia nada mais faz do que expressar de forma doutrinria a conscincia ordinria dos donos de mercadorias. Enquanto expresso dessa conscincia, a economia vulgar considera a terra, o capital e o trabalho como fatores de produo que geram renda. Assim, atribui aos seus respectivos donos (proprietrios de terra, industriais, e trabalhadores) poder de criar suas prprias rendas, que provm de seus respectivos fatores de produo. Por isso, a economia vulgar prefere a forma terra-renda, capital-juro, capital-lucro e trabalho-salrio, forma da EPC que reduz todas as rendas mercantis (salrio, juro, lucro e renda da terra) ao trabalho, como sendo sua nica fonte. Essa ltima forma mostra que rendas mercantis (exceto salrio), porque produtos do trabalho despendido na produo do valor, s podem ser partes do valor criado pelo trabalho e apropriadas sem equivalentes. Porque nega esse trabalho de reduo operado pela EPC, economia vulgar se pe, assim, a servio da explorao. De fato, ao fazer da independncia dos fatores de produo fontes independentes de rendas, os economistas vulgares dissociam o excedente econmico (lucro, juro e renda da terra) do trabalho humano criador de valor.

Marx, Karl. Teorias da Mais-valia: histria crtica do pensamento econmico: Livro 4 de O Capital So Paulo: Difel, 1980; Vol. III; p.1540: "Enquanto os economistas clssicos e, portanto, crticos lidam com a forma de alienao e procuram dissolv-la com a anlise, a economia vulgar, ao contrrio, sente-se por inteiro em casa justamente com a estranheza em que se defrontam as diferentes partes do valor; a felicidade de um escolstico com Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Esprito Santo a mesma do economista vulgar com terra-renda, capital-juro e trabalho-salrio. que essa a forma em que estas relaes, na aparncia, se apresentam diretamente interligadas e assim existem nas idias e na conscincia dos agentes de produo capitalistas, destas prisioneiras. O economista vulgar se considera tanto mais claro, tanto mais natural, mais til sociedade e tanto mais distante de toda sofisticaria, quanto mais se limite, na realidade, a traduzir as noes comuns numa linguagem doutrinria. Por isso, quanto mais alienada a forma em que concebe as formaes da produo capitalista, tanto mais se aproxima da base das noes comuns, tanto mais se acha no seu elemento".

Referindo-se ao carter alienante da riqueza capitalista, Marx esclarece que "os agentes da produo capitalista vivem num mundo enfeitiado, e suas prprias relaes afiguram-se-lhes atributos das coisas, dos elementos materiais da produo. porm nas ltimas formas, na mais mediatizadas - formas onde a mediao j se tornou invisvel e ao mesmo tempo se expressa diretamente o oposto - que aparecem as figuras do capital como verdadeiros agentes e representantes imediatos da produo. O capital produtor de juros personifica-se no capitalista prestamista, o industrial no capitalista industrial, o capital produtor de renda fundiria no senhorio como proprietrio da terra, e por fim o trabalho no trabalhador assalariado. Entram na concorrncia e no processo real de produo sob essas formas fixas, personificadas em protagonistas independentes que ao mesmo tempo assumem a figura de meros representantes de coisas personificadas. A concorrncia pressupe essa exteriorizao. So as formas existentes de acordo com a natureza e a evoluo natural da concorrncia, e esta mesma, em sua aparncia na superfcie, apenas o movimento desse mundo invertido. O nexo causal, na medida em que se impe, aparece como uma lei misteriosa. A melhor prova a prpria economia poltica, uma cincia que se ocupa em redescobrir a conexo oculta. Tudo entra na concorrncia na forma ltima, a mais extrnseca. Por exemplo, o preo de mercado faz o papel de fator dominante, do mesmo modo a taxa de juro, a renda fundiria, o salrio, o lucro industrial aparecem como os elementos constitutivos do valor, e o preo da terra e o preo do capital como dados com que se administra" [Idem, ibidem; p. 1550/51].

"A economia clssica procura pela anlise reduzir as diferentes formas de riqueza, fixas e estranhas entre si, unidade intrnseca delas, despoj-las da configurao em que existem lado a lado, independentemente uma das outras; quer apreender a conexo interna que se contrape diversidade das formas da aparncia. Por isso, [...] reduziu forma nica do lucro todas as formas de renda (revenue) e todas as figuras independentes que constituem os ttulos sob os quais os no-trabalhadores participam do valor das mercadorias. E o lucro se reduz a mais-valia, uma vez que o valor na mercadoria na mercadoria inteira se reduz a trabalho [...]. Nessa anlise, a economia clssica se contradiz em certos pontos, com freqncia de maneira direta, sem elos intermedirios, tenta empreender essa reduo e demonstrar que as diferentes formas tm a mesma fonte. Mas isso conseqncia necessria do mtodo analtico com que a crtica e a compreenso tm de iniciar-se. A economia clssica no tem interesse em analisar como nascem as diferentes formas, mas em convert-las, pela anlise, unidade delas, pois parte dessa forma como pressuposto dado.; Mas a anlise o requisito indispensvel para se revelar a gnese, para se compreender o processo real de formao das diferentes fases. Por fim, a economia clssica falha e carente ao conceber a forma bsica do capital - a produo destinada a se apropriar de trabalho alheio - no como forma histrica e sim como forma natural da produo social, e sua prpria anlise abre caminho para que se destrua essa concepo" [Idem; ibidem; p. 1538].

Smith, Adam. A Riqueza das Naes: investigao sobre sua natureza e suas causas So Paulo: Nova Cultural, 1985. Vol.I; p. 61: "para isso, desafio seriamente tanto a pacincia quanto a ateno do leitor: sua pacincia, pois examinarei um assunto que talvez possa parecer desnecessariamente tedioso em alguns pontos; sua ateno, para compreender aquilo que, mesmo depois da explicao completa que procurarei dar,talvez posa ainda parecer algo obscuro. Estou sempre disposto a correr um certo risco de ser tedioso, visando certeza de estar sendo claro; e aps fazer tudo o que puder para ser claro, mesmo assim poder parecer que resta alguma obscuridade sobre um assunto que, alis, por sua prpria natureza extremamente abstrato".

"No estgio antigo e primitivo que precede ao acmulo de patrimnio ou capital e apropriao da terra, a proporo entre as quantidades de trabalho necessrias para adquirir os diversos produtos parece ser a nica circunstncia capaz de fornecer alguma norma ou padro para trocar esses objetos uns pelos outros (...).Nessa situao, todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador ; e a quantidade de trabalho normalmente empregada em adquirir ou produzir uma mercadoria a nica circunstncia capaz de regular ou determinar a quantidade de trabalho que ela normalmente deve comprar, comandar ou pela qual deve ser trocada" [Idem, ibidem; p. 77].

Esses dois conceitos esto melhor desenvolvidos em Teixeira, Francisco Jos Soares. Trabalho e Valor: Contribuio para a Crtica da Razo Econmica. - So Paulo: Editora Cortez, 2004.

Referindo-se a esse duplo aspecto da teoria do valor de Smith, Marx observa que o autor da Riqueza das Naes "... hesita no tocante definio do valor de troca. Particularmente: ora confunde a determinao do valor das mercadorias pela quantidade de trabalho requerida para produzi-las , com a determinao pela quantidade de trabalho vivo mediante a qual se pode comprar a mercadoria ou, o que d no mesmo, com a determinao pela quantidade de mercadoria mediante a qual se pode comprar quantidade certa de trabalho vivo, ora substitui aquela por esta determinao. Faz ento o valor de toca do trabalho a medida do valor das mercadorias. Na realidade faz do salrio essa medida, pois o salrio igual quantidade de mercadorias que pode comprada com determinada quantidade de mercadorias (...). Faz-se a do valor medida do valor e fundamento pra explic-lo: um crculo vicioso [Teorias da Mais-Valia; op. cit., Vol.I; p. 49].

Ver Teixeira, Francisco Jos Soares. Trabalho e Valor... op. cit.

Ricardo, diz Marx, "pressupe naturalmente que o tempo de trabalho contido nos meios de subsistncia cotidiano igual ao tempo de trabalho dirio que o trabalhador tem de trabalhar para reproduzir o valor desses meios. Mas introduz uma dificuldade e oblitera a compreenso clara dessa relao, por no mostrar de imediato o destino de uma frao da jornada do trabalhador, o de reproduzir o valor de sua fora de trabalho" [Idem, ibidem., Vol.II, p. 837].

Referindo-se a Ricardo, Marx nota que ele no resolve o problema enfrentado por Smith. "De acordo com toda a ordenao da sua pesquisa", diz Marx, " basta-lhe provar que o valor varivel do trabalho - em suma o salrio - no elimina a determinao do valor das mercadorias, distintas do prprio trabalho, pela quantidade relativa de trabalho nelas contida. No so iguais' , a saber, a quantidade de trabalho aplicada numa mercadoria e a quantidade de trabalho que essa mercadoria pode comprar' . Contenta-se em constatar esse fato. Mas, como se distingue a mercadoria trabalho das outras mercadorias? Uma trabalho vivo, as demais trabalho materializado. Por conseguinte, apenas duas formas diferentes de trabalho. Por que uma lei vige para uma e no para as demais, quando a diferena apenas de forma? Ricardo no responde, nem sequer prope o problema [Teorias da Mais-Valia; op. cit. Vol.II, p. 830].

Ricardo determina o valor do trabalho, diz Marx, "no pela quantidade de trabalho aplicada para produzir a fora de trabalho e sim pela aplicada para produzir o salrio que cabe ao trabalhador. Assim, diz na realidade: o valor do trabalho determinado pelo valor do dinheiro que por ele se paga. E este valor, que que o determina? A quantidade de valores de uso que comanda a quantidade definida de trabalho ou por ela comandada. Ao dizer isso, Ricardo incide literalmente na incoerncia que reprova em A. Smith" [Idem, ibidem; Vol. II., p. 835].

A leitura que Almeida faz da origem das contradies cometidas pela EPC precisa. De acordo com suas prprias palavras, "o fato de um economista no descobrir nexos categoriais capazes de dar conta de contradies dialticas, pode lev-lo a cair em contradies aparentes. Ento, uma contradio lgica pode ser um indcio de uma contradio real no compreendida. Uma vez introduzida uma nova categoria (ou grupo de categorias) que apreenda a contradio real, a contradio aparente se resolve. Um exemplo de contradio aparente que solucionada pela introduo de uma nova categoria analtica aquela que se d no item 2 do captulo IV d'O Capital, (...). "O capital deve, ao mesmo tempo, originar-se e no se originar da circulao simples" uma contradio que se resolve mediante a introduo da categoria mercadoria fora de trabalho. Nesse caso, Marx faz uso da funo hermenutica da contradio para relevar a necessidade de se introduzir mediaes tericas que conduzem a um nvel mais avanado da exposio. Ento, Marx a no responsvel por uma incongruncia lgica, um erro subjetivo. Quanto aos economistas, trata-se para Marx de evidenciar uma inconseqncia do pensamento que no consegue apreender adequadamente as contradies da realidade social. Noutras palavras, Marx inscreve na apresentao uma contradio lgica na qual ela prpria fornece os meios para resolv-la, com o desenvolvimento das mediaes categoriais; ao passo que os economistas esbarram em contradies exatamente porque no descobriram as formas para solucion-las

[Almeida, Ricardo Dias. OPOSIO E CONTRADIO EM ARISTTELES E MARX. - Universidade Federal da Paraba, 2002., p. 130. Dissertao de Mestrado].

Ver texto altura da nota 12, onde a aparece a causa central do erro de Smith: no ter distinguido que a troca entre quantidades materializadas de trabalho diferente da troca entre trabalho vivo e trabalho materializado.

Segundo Adam Smith, "os homens podem viver juntos em sociedade, com um grau aceitvel de segurana, embora no haja nenhum magistrado civil que os proteja da injustia /.../. Entretanto, a avareza e a ambio dos ricos e, por outro lado, a averso ao trabalho e o amor tranqilidade atual e ao prazer, da parte dos pobres, so as paixes que levam a invadir a propriedade /.../ adquirida com o trabalho de muitos anos, talvez de muitas geraes sucessivas" [Riqueza das Naes; op. cit. Vol.II, p. 164].

"pelos menos tinha que valer essa suposio", diz Marx, j que somente se defrontam possuidores de mercadorias com iguais direitos, e o meio de apropriao de mercadoria alheia porm apenas a alienao da prpria mercadoria e esta pode ser produzida apenas mediante trabalho" [O Capital..., op. cit. Liv. I, Vol. II, p. 166].

"Se a mais-valia produzida periodicamente, por exemplo, anualmente, por um capital de 1.000 libras esterlinas, for de 200 libras esterlinas, e se essa mais-valia for consumida todos os anos, claro que depois de repetir-se esse processo durante cinco anos, a soma da mais-valia consumida ser = 5 x 200, ou igual ao valor do capital originalmente adiantado de mil libras esterlinas (...) Ao final de um certo nmero de anos, o valor do capital que possui igual soma da mais-valia apropriada durante o mesmo nmero de anos, sem equivalente, e a soma do valor consumido por ele igual ao valor do capital original (...) No subsiste nenhum tomo de valor de seu antigo capital [Idem, Ibidem., p. 155].

"... uma parte do produto reproduzido continuamente pelo trabalhador. , que reflui constantemente para ele na forma de salrio (...). com seu trabalho da semana anterior ou do ltimo meio do ano que seu trabalho de hoje ou do prximo meio-ano ser pago" [Idem, ibidem., p. 154].

"O intercmbio de equivalentes, que apareceu como a operao original, se torceu de tal modo que se troca apenas na aparncia, pois, primeiro, a parte do capital que se troca por fora de trabalho nada mais do que uma parte do produto do trabalho alheio, apropriado sem equivalente, e segundo, ela no somente reposta por seu produtor, o trabalhador, como este tem de rep-la com novo excedente. A relao de intercmbio entre capitalista e trabalhador torna-se portanto apenas mera aparncia pertencente ao processo de circulao, mera forma que alheia ao prprio contedo e apenas o mistifica. A contnua compra e venda da fora de trabalho a forma. O contedo que o capitalista sempre troca parte do trabalho alheio j objetivado, do qual se apropria incessantemente sem equivalente, por um quanto de trabalho vivo alheio" Idem, ibidem., p. 166].

Teixeira, Francisco Jos Soares. Pensando com Marx: uma leitura de O Capital. - So Paulo: Ensaios, 1995., p. 124: "no se compra e se vende s uma nica vez. Os indivduos so obrigados a voltar permanentemente ao mercado, pois a o nico lugar em que podem lanar e retirar de circulao suas mercadorias para atender suas necessidades crescentes e renovadas, e por isso mesmo so obrigados a um verdadeiro trabalho de Ssifo. Com efeito, o capitalista s pode se afirmar como tal se lanar constantemente dinheiro na circulao e dela retirar mercadorias para relan-las novamente no mercado e recuperar o que antes adiantou como dinheiro. Se ele interrompe esse movimento, seu dinheiro se petrifica e no se valoriza, sua riqueza estaciona e ele ser engolido por aqueles que mantiveram seu dinheiro em constante movimento. Do lado do trabalhador, este precisa vender recorrentemente sua fora de trabalho, pois se por algum motivo ele cessa de vend-la, no poder ter acesso aos bens necessrios sua sobrevivncia.

Esse turbilho incessante de compras e vendas de mercadorias obriga a que se pense a sociedade capitalista da tica do seu metabolismo social. De fato, um simples ato de compra, mesmo que no se desdobre num ato posterior de venda, s se tornou possvel porque foi precedido por uma venda que possibilitou ao comprador adquirir dinheiro para comprar. Se algum comprou porque antes vendeu e outros compraram, formando assim uma cadeia infinita de atos individuais de compras e vendas. Assim, a realidade mesma impe que se passe de uma tica de anlise, onde se visa apenas indivduos isolados comprando e vendendo, para uma tica capaz de dar conta da troca como um metabolismo social, global. Essa mudana leva Marx a passar do nvel da anlise da troca entre indivduos para situ-la no nvel da troca entre as classes sociais".

"Se a produo de mercadorias ou um procedimento a ela pertencente deve ser julgado segundo suas prprias leis econmicas, temos de considerar cada ato de intercmbio por si mesmo, fora de qualquer conexo com o ato de intercmbio que o procedeu e com o que o segue. E visto que compras e vendas so efetuadas apenas entre indivduos isolados, inadmissvel procurar nelas relaes entre classes sociais inteiras" [Idem, Ibidem, 168/69].

"por mais longa que seja a seqncia das reprodues peridicas e acumulaes precedentes pelas quais tem passado o capital que hoje funciona, este conserva sempre sua virgindade original. Enquanto em cada ato de troca - considerado isoladamente - so mantidas as leis do intercmbio, o modo de apropriao pode experimentar um revolucionamento total sem que seja afetado, de forma alguma, o direito de propriedade adequado produo de mercadorias. Este mesmo direito vigora tanto no incio, quando o produto pertence ao produtor e este, trocando equivalente por equivalente, pode enriquecer apenas mediante o seu prprio trabalho, como tambm no perodo capitalista, em que a riqueza social em proporo sempre crescente torna-se propriedade daqueles que esto em condies de apropriar-se sempre de novo do trabalho no-pago de outros" [Idem, ibidem., p. 169].

"Cabe aqui realizar (...) o que no foi jamais tentado pela economia burguesa, isto , comprovar a gnese dessa forma dinheiro, ou seja, acompanhar o desenvolvimento da expresso do valor contida na relao de valor das mercadorias, de sua forma mais simples e sem brilho at a ofuscante forma dinheiro. Com isso desaparece o enigma do dinheiro"[Idem, Ibidem. Livrol. Vol.II p. 54].

", sem dvida, necessrio distinguir o mtodo de exposio formalmente, do mtodo de pesquisa. A pesquisa tem de captar detalhadamente a matria, analisar as suas vrias formas de evoluo e rastrear a sua conexo ntima. S depois de concludo esse trabalho que se pode expor adequadamente o movimento real" [Idem, Ibidem., p. 20].

"J vimos que a expresso mais simples de valor, x mercadoria A = y mercadoria B, a coisa, em que a grandeza de valor de outra coisa representada, parece possuir sua forma equivalente independentemente dessa relao, como propriedade social de sua natureza. J investigamos a consolidao dessa falsa aparncia (...). Uma mercadoria no parece tornar-se dinheiro porque todas as outras mercadorias representam nela seus valores, mas, ao contrrio, parecem todas expressar seus valores nela porque ele dinheiro. O movimento mediador desaparece em seu prprio resultado e no deixa atrs de si nenhum vestgio. As mercadorias encontram, sem nenhum colaborao sua, sua prpria figura de valor pronta, como um corpo de mercadoria existente fora e ao lado delas (...). Da o enigma do dinheiro. A conduta meramente atomstica dos homens em seu processo de produo social e, portanto, a figura reificada de suas prprias condies de produo, que independente de seu controle e de sua ao consciente individual, se manifestam inicialmente no fato de que seus produtos de trabalho assumem em geral a forma mercadoria. O enigma do fetiche do dinheiro , portanto, apenas o enigma do fetiche da mercadoria, tornado visvel e ofuscante [Idem, ibidem., p. 84/85].

"A mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como algo dplice, valor de uso e valor de troca. Depois mostrou-se que tambm o trabalho, medida que expresso no valor, j no possui as mesmas caractersticas que lhe advm como produtor de valores de uso. Essa natureza dupla da mercadoria foi criticamente demonstrada pela primeira vez por mim. Como esse ponto o ponto crucial em torno do qual gira a compreenso da Economia Poltica, ele deve ser examinado mais de perto" [Idem, Ibidem., Livro I., Vol.I., p. 49].