controle químico de doenças na cultura do milho

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Sete Lagoas, MG Dezembro, 2009 125 ISSN 1518-4269 Autores Rodrigo Véras da Costa Eng. Agr., Fitopatologia. Embrapa Milho e Sorgo. Cx. P. 151. 35701- 970, Sete Lagoas, MG. [email protected] Luciano Viana Cota Eng. Agr., Fitopatologia. Embrapa Milho e Sorgo. Cx. P. 151. 35701-970, Sete Lagoas, MG. [email protected] Controle químico de doenças na cultura do milho: aspectos a serem considerados na tomada de decisão sobre aplicação Nos últimos anos, a produção da cultura do milho no Brasil vem apresentando aumentos expressivos, decorrentes da evolução do sistema de cultivo, da disponibilidade de genótipos mais produtivos e adaptados às diversas regiões, da mecanização e do aumento da área de plantio resultante da área de plantio na safrinha e do avanço da cultura para novas regiões do Centro-Oeste e do Nordeste. Nos últimos 15 anos, a produção desse grão praticamente dobrou, passando de 24 para 42 milhões de toneladas, com um aumento de produtividade de cerca de 1.800 Kg/ha para mais de 3.000 Kg/ha (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO, 2009). Entretanto, a produtividade média brasileira, de 3.500 kg/ha, ainda é considerada baixa se comparada à de outros países produtores, como China (5.000 kg/ha), Argentina (7.000 kg/ha) e Estados Unidos (9.000 kg/ha). Dentre os fatores que têm contribuído para a baixa produtividade da cultura do milho no Brasil, as doenças são consideradas, atualmente, um dos mais importantes (PEREIRA et al., 2005). Notadamente, a partir do final da década de 90, tem-se observado um aumento significativo na incidência e na severidade das doenças do milho no Brasil, resultando em perdas acentuadas na produtividade da cultura nas principais regiões produtoras do país (JULIATTI et al., 2007; PINTO, 2004; PINTO et al., 2004). Dentre os fatores que têm contribuído para o aumento na intensidade das doenças do milho, a expansão da fronteira agrícola, a ampliação das épocas de plantio (safra e safrinha), os plantios contínuos de milho, a adoção do sistema de plantio direto sem rotação de culturas, o aumento do uso de sistemas de irrigação e o uso de cultivares suscetíveis estão entre os mais importantes, por promoverem modificações importantes na dinâmica populacional dos patógenos (PEREIRA et al., 2005), resultando num aumento gradual do potencial de inóculo desses organismos nas áreas de cultivo. Dentre as principais doenças da cultura do milho no Brasil, merecem destaque a cercosporiose, a mancha branca, a ferrugem polissora, a ferrugem branca, a ferrugem comum, as helmintosporioses, os enfezamentos e as podridões de colmo. Tradicionalmente, o manejo das doenças na cultura do milho tem sido realizado através da utilização de cultivares resistentes associadas a medidas culturais. Entretanto, nos últimos anos, principalmente a partir do ano 2000, grande ênfase tem sido dada ao controle de doenças através da aplicação de fungicidas. Há alguns anos, a utilização de fungicidas para o manejo de doenças na cultura do milho era restrita a campos de produção de sementes e de milhos especiais, como milho pipoca e milho doce. Nos últimos anos, entretanto, tem-se verificado um aumento acentuado da utilização de fungicidas em lavouras comerciais destinadas à produção de grãos. A obtenção de maiores níveis de produtividade em lavouras de milho, atribuída à inclusão das aplicações de fungicidas no sistema de produção,

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  • Sete Lagoas, MGDezembro, 2009

    125

    ISSN 1518-4269

    Autores

    Rodrigo Vras da CostaEng. Agr., Fitopatologia. Embrapa Milho e Sorgo.

    Cx. P. 151. 35701-970, Sete Lagoas, MG.

    [email protected]

    Luciano Viana CotaEng. Agr., Fitopatologia. Embrapa Milho e Sorgo.

    Cx. P. 151. 35701-970, Sete Lagoas, MG.

    [email protected]

    Controle qumico de doenas na cultura do milho: aspectos a serem considerados na tomada de deciso sobre aplicaoNos ltimos anos, a produo da cultura do milho no Brasil vem apresentando aumentos expressivos, decorrentes da evoluo do sistema de cultivo, da disponibilidade de gentipos mais produtivos e adaptados s diversas regies, da mecanizao e do aumento da rea de plantio resultante da rea de plantio na safrinha e do avano da cultura para novas regies do Centro-Oeste e do Nordeste. Nos ltimos 15 anos, a produo desse gro praticamente dobrou, passando de 24 para 42 milhes de toneladas, com um aumento de produtividade de cerca de 1.800 Kg/ha para mais de 3.000 Kg/ha (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO, 2009). Entretanto, a produtividade mdia brasileira, de 3.500 kg/ha, ainda considerada baixa se comparada de outros pases produtores, como China (5.000 kg/ha), Argentina (7.000 kg/ha) e Estados Unidos (9.000 kg/ha). Dentre os fatores que tm contribudo para a baixa produtividade da cultura do milho no Brasil, as doenas so consideradas, atualmente, um dos mais importantes (PEREIRA et al., 2005).

    Notadamente, a partir do final da dcada de 90, tem-se observado um aumento significativo na incidncia e na severidade das doenas do milho no Brasil, resultando em perdas acentuadas na produtividade da cultura nas principais regies produtoras do pas (JULIATTI et al., 2007; PINTO, 2004; PINTO et al., 2004). Dentre os fatores que tm contribudo para o aumento na intensidade das doenas do milho, a expanso da fronteira agrcola, a ampliao das pocas de plantio (safra e safrinha), os plantios contnuos de milho, a adoo do sistema de plantio direto sem rotao de culturas, o aumento do uso de sistemas de irrigao e o uso de cultivares suscetveis esto entre os mais importantes, por promoverem modificaes importantes na dinmica populacional dos patgenos (PEREIRA et al., 2005), resultando num aumento gradual do potencial de inculo desses organismos nas reas de cultivo. Dentre as principais doenas da cultura do milho no Brasil, merecem destaque a cercosporiose, a mancha branca, a ferrugem polissora, a ferrugem branca, a ferrugem comum, as helmintosporioses, os enfezamentos e as podrides de colmo.

    Tradicionalmente, o manejo das doenas na cultura do milho tem sido realizado atravs da utilizao de cultivares resistentes associadas a medidas culturais. Entretanto, nos ltimos anos, principalmente a partir do ano 2000, grande nfase tem sido dada ao controle de doenas atravs da aplicao de fungicidas. H alguns anos, a utilizao de fungicidas para o manejo de doenas na cultura do milho era restrita a campos de produo de sementes e de milhos especiais, como milho pipoca e milho doce. Nos ltimos anos, entretanto, tem-se verificado um aumento acentuado da utilizao de fungicidas em lavouras comerciais destinadas produo de gros.

    A obteno de maiores nveis de produtividade em lavouras de milho, atribuda incluso das aplicaes de fungicidas no sistema de produo,

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    tem sido relatada por parte de produtores, cooperativas e fundaes em vrias regies produtoras do Brasil e de outros pases. Incrementos acima de 25 a 30 sacas/ha tm sido mencionados. Resultados de pesquisa, no Brasil e no exterior, tm confirmado os efeitos positivos da aplicao de fungicidas na reduo de perdas na produtividade ocasionadas pelo ataque de doenas (HARLAPUR et al., 2009; JULIATTI et al., 2007; PINTO et al., 2004). Esses resultados tm sido visualizados, normalmente, como incremento de produtividade em relao a reas no pulverizadas. No entanto, outro aspecto de extrema importncia a ser considerado a significativa instabilidade na obteno dos aumentos de produtividade pela utilizao de fungicidas, ou seja, no tem havido repetibilidade desses ganhos quando consideradas variaes em fatores como cultivares, intensidade de doena, sistemas de produo e nvel tecnolgico

    empregado. Alm disso, em algumas situaes, mesmo havendo uma resposta positiva em aumento de produtividade, esses podem no ser suficientes para garantirem retorno econmico. Esses fatores tm levado formao de opinies favorveis e contrrias sobre a real necessidade e viabilidade da utilizao de fungicidas em milho.

    At o final da dcada de 90, no havia registro, no Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento, de fungicidas para o controle de doenas foliares na cultura do milho. Atualmente, existem 13 produtos comerciais registrados especificamente para essa finalidade, dos quais 12 so pertencentes aos grupos qumicos dos triazis e das estrobilurinas, formulados isoladamente ou em misturas, e um pertence ao grupo qumico dos benzimidazis (Tabela 1). A eficincia dos fungicidas pertencentes aos grupos qumicos dos trizois e das estrobilurinas est demonstrada na Tabela 2.

    Tabela 1. Fungicidas registrados no Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento para o manejo de doenas foliares na cultura do milho (BRASIL, 2009)

    Fonte: Brasil (2009)

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    Tabela 2. Eficincia de fungicidas triazis e estrobilurinas para o controle das principais doenas na cultura do milho (+ Eficiente; - ineficiente)

    Entretanto, por se tratar de uma alternativa muito recente de manejo das doenas do milho, ainda restam muitas dvidas, por parte de tcnicos e produtores, com relao escolha e eficincia de produtos, necessidade de aplicao, s melhores poca e frequncia de aplicaes, ao efeito das aplicaes nos resultados de produtividade, entre outros. Desse modo, a presente publicao visa a trazer informaes que possam auxiliar e orientar tcnicos e produtores sobre os aspectos que devem ser observados para a tomada de deciso sobre a aplicao de fungicidas, de modo a se obter uma maior eficincia e uma maior relao custo/benefcio na utilizao dessa estratgia de manejo de doenas na cultura do milho.

    Os principais fatores que devem ser observados no processo de tomada de deciso sobre a aplicao de fungicidas para o controle das doenas do milho so:

    1. Histrico de doenas em nveis regional e de propriedade

    O conhecimento das principais doenas que atacam a cultura, tanto em nvel regional quanto de propriedade, primeiro fator a ser considerado quando se pensa em manejo de doenas, seja atravs do uso de fungicidas ou por qualquer outra medida de controle. O histrico de doenas a base para todo sistema de manejo integrado

    de doenas implementado com sucesso por trs razes: 1) permite que se conhea o potencial de perdas na produo em nvel local em funo do ataque de doenas, o que fundamental para a definio da magnitude das medidas de controle que devem ser adotadas, inclusive sobre a real necessidade de se intervir com o tratamento qumico com fungicidas; 2) orienta sobre uma das decises mais importantes a serem tomadas no planejamento de uma lavoura: a escolha da cultivar a ser plantada. Nesse aspecto, necessrio que se conhea a reao das cultivares frente s doenas predominantes na regio e propriedade, pois o uso de cultivares muito suscetveis pode trazer complicaes para todo o sistema de manejo, inclusive quanto ao uso de fungicidas; 3) finalmente, o histrico de doenas , tambm, a base para a definio de todo o conjunto de estratgias que sero adotadas para o manejo de doenas.

    evidente, portanto, a importncia do conhecimento do histrico de doenas para o estabelecimento das estratgias de manejo, tanto na propriedade quanto em nvel regional. Vale ressaltar que a construo desse histrico passa pela diagnose correta das doena no campo, o que, em muitas ocasies, tem dificultado a obteno de sucesso nos programas de manejo, mesmo quando so utilizados fungicidas. Por

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    se tratar de um problema relativamente recente para a cultura do milho, muitas doenas no so amplamente conhecidas por parte de tcnicos e produtores, resultando, em muitas ocasies, na reduo da eficincia das medidas empregadas para o seu manejo.

    2. Aplicao de fungicidas x resistncia gentica dos cultivares

    No processo de tomada de deciso sobre a necessidade de aplicao de fungicidas na cultura do milho, o nvel de resistncia dos cultivares s principais doenas o principal fator a ser considerado. De modo geral, no se recomenda a aplicao de fungicidas para cultivares que apresentam resistncia s doenas predominantes na localidade.

    Na Figura 01, so apresentados as curvas de progresso e os valores de rea abaixo da curva de progresso (AACPD) da mancha branca em duas cultivares de milho, BRS 1035 (resistente) e DAS 657 (suscetvel), submetidas a zero

    (testemunha), uma (V8) e duas (V8 e 20 dias aps) aplicaes dos fungicidas tebuconazol + trifloxystrobin (0,75 L/ha), epoxiconazol + piraclostrobin (0,75 L/ha) e azoxistrobin + ciproconazol (0,3 L/ha + nimbus 0,5 %). Os resultados demonstram a ausncia de resposta da cultivar resistente aplicao dos fungicidas, os quais no diferiram da testemunha sem aplicao quanto ao nvel de doena observado. Na cultivar suscetvel, as aplicaes dos fungicidas azoxistrobin + ciproconazol (0,3 L/ha + nimbus 0,5 %) e epoxiconazol + piraclostrobin (0,75 L/ha) resultaram em menores valores de severidade da doena nas parcelas. Resultados semelhantes foram observados para os dados de produtividade. Na cultivar BRS 1035, no houve incremento de produtividade em funo da utilizao dos fungicidas, enquanto que, na cultivar DAS 657, os tratamentos baseados em duas aplicaes resultaram em maiores produtividades quando comparadas testemunha sem aplicao (Figura 2).

    Figura 1. Curva de progresso da mancha branca do milho nas cultivares BRS 1035 (resistente) e DAS 657 (suscetvel) submetidas a trs diferentes fungicidas, em uma (1) e duas aplicaes (2), comparadas testemunha sem aplicao (DAE dias aps a emergncia). Nas tabelas: comparao dos valores de rea Abaixo da Curva de Progresso da Doena (AACPD) nas cultivares BRS 1035 e DAS 657 submetidas aos diferentes tratamentos com fungicidas. As mdias seguidas pela mesma letra no diferem entre si ao nvel de 5 % de probabilidade pelo teste de Tukey.

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    Desse modo, a aplicao de fungicidas para o manejo de doenas na cultura do milho recomendada em situaes de elevada severidade de doenas, que so resultantes da combinao dos seguintes fatores: uso de gentipos suscetveis; condies climticas favorveis ao desenvolvimento das doenas; plantio direto sem rotao de culturas; e plantios sucessivos de milho na mesma rea. Nessa situao, so esperados os maiores retornos econmicos das aplicaes de fungicidas na cultura do milho (Figura 3).

    3. Aplicao de fungicidas x produtividade

    Para entender como os fungicidas atuam na produtividade da cultura do milho, necessrio avaliar seu efeito sobre os componentes de produtividade da cultura, que so cinco: 1) nmero de plantas/ha; 2) nmero de espigas/

    planta; 3) nmero de fileiras/espiga; 4) nmero de gros/fileira; e 5) peso de gros. O primeiro componente, nmero de plantas/ha, talvez o mais importante deles, definido na fase de germinao e emergncia das plntulas, no incio do ciclo da cultura. Os componentes 2 e 3 (nmero de espigas/planta e nmero de fileiras/espiga) so definidos entre as fases V5 a V8 (cinco a oito folhas) e o quarto componente (nmero de gros/fileira) definido entre as fases V12 a VT (12 folhas at o pendoamento). Finalmente, o ltimo componente de produtividade do milho, peso de gros, definido entre R1 e R6 (florescimento maturidade fisiolgica). Portanto, fica evidente que, ao atingir a fase do pendoamento, o potencial produtivo da cultura j est definido, pois os quatro componentes de produtividade que poderiam resultar em aumento do nmero de gros j ocorreram. A partir desse momento, ocorre

    Figura 2. Produtividade mdia de duas cultivares de milho, BRS 1035 e DAS 657, (resistente e suscetvel mancha branca do milho, respectivamente) submetidas aplicao com diferentes fungicidas: tebu + trif tebuconazol + trifloxystrobin, 0,75 L/ha; epox + pira epoxiconazol + piraclostrobin, 0,75 L/ha; azox + cipr azoxistrobin + ciproconazol, 0,3 L/ha + nimbus 0,5 %. Os nmeros em frente aos fungicidas indicam o nmero de aplicaes.

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    apenas a realizao do potencial produtivo, atravs do enchimento dos gros. As aplicaes de fungicidas realizadas na fase de pendoamento (fase adotada como referncia para as aplicaes de fungicidas) apenas interferem no ltimo componente de produtividade e atuam preservando o potencial produtivo da cultura atravs da proteo contra as perdas causadas pelas doenas. correto afirmar, ento, que a aplicao de fungicidas no aumenta o potencial produtivo da cultura, mas evita perdas na produtividade devido ao ataque de doenas, atravs da proteo conferida durante parte do perodo de enchimento dos gros.

    Tem sido demonstrado que alguns fungicidas, notadamente aqueles pertencentes ao grupo qumico das estrobilurinas, apresentam efeitos que vo alm do controle de doenas, denominados efeitos fisiolgicos. Dentre esses efeitos, esto: a maior resistncia a vrios tipos de estresses, como seca e nutricional; aumento da capacidade fotossinttica das plantas; reduo da respirao foliar; e maior eficincia do uso de gua (BECK et al., 2002; BARTLETT et al., 2002). Os estudos sobre os efeitos fisiolgicos das estrobilurinas foram inicialmente desenvolvidos na cultura da soja. Na cultura do milho, entretanto, esses efeitos no tm sido to evidentes, sendo detectada,

    Figura 3. Ambientes de maior e menor riscos de ocorrncia de doenas em elevada severidade e probabilidade de retorno econmico da aplicao de fungicidas na cultura do milho.

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    em algumas situaes, menor produtividade em reas pulverizadas com fungicidas quando comparada a reas no pulverizadas. Desse modo, mais estudos so necessrios para definir a existncia e a magnitude dos efeitos fisiolgicos de fungicidas em plantas de milho. Por outro lado, considerando tambm a possibilidade do surgimento de populaes de patgenos resistentes s molculas fungicidas, em funo do seu uso intensivo, e os efeitos negativos desses produtos ao meio ambiente, coerente enxergarmos os fungicidas como ferramenta importante especificamente para o manejo de doenas e buscarmos elevar os nveis de produtividade da cultura atravs de melhorias e adequaes em seu sistema de produo.

    4. Aplicao de fungicidas x ocorrncia de doenas

    Outro fator importante a ser considerado para a tomada de deciso, tanto da necessidade de aplicao quanto da escolha do produto a ser utilizado, que as doenas, normalmente, ocorrem de modo simultneo no campo, o que pode influenciar a eficincia das aplicaes. Como exemplo, os fungicidas do grupo qumico dos triazis apresentam uma baixa eficincia no controle da mancha branca (Figura 4), uma doena de ampla ocorrncia nas principais regies produtoras de milho do pas e que, normalmente, ocorre simultaneamente com outras doenas importantes, como a cercosporiose e as ferrugens, doenas controladas de modo eficiente com fungicidas triazis. Desse modo, para garantir uma maior eficincia das aplicaes, fundamental a realizao do monitoramento da lavoura na fase de pr-pendoamento, antes da aplicao do fungicida. Considerando que as folhas acima da espiga contribuem, em mdia, para mais de 90 % da produo das plantas de milho e que as doenas foliares, na sua maioria, aparecem inicialmente nas folhas baixeiras e progridem em direo s folhas superiores, a folha abaixo da folha da espiga representa uma boa referncia para a realizao de inspees de campo. A presena de sintomas de doenas nessa folha, em cultivares suscetveis, associada a condies

    ambientais favorveis ao desenvolvimento das doenas, representa um indicao da necessidade de se intervir com a aplicao de fungicidas (Figura 4). Condies de ambiente caracterizadas por temperaturas elevadas e baixa umidade relativa do ar desfavorecem a maioria das doenas que atacam a cultura do milho. No entanto, temperaturas moderadas e ambientes midos (elevada umidade relativa do ar, chuvas frequentes, irrigao e orvalho) favorecem o desenvolvimento dessas enfermidades.

    Figura 5. Presena de doena na folha abaixo da folha da espiga como critrio para auxiliar no processo de tomada de deciso sobre a aplicao de fungicidas na cultura do milho. Outros critrios, como condies ambientais e suscetibilidade da cultivar, devem ser considerados de modo conjunto.

    5. Caracterstica dos fungicidas

    Atualmente, a maioria dos produtos comerciais registrados no Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento para o manejo das doenas foliares do milho pertencem aos grupos qumicos dos triazis e das estrobilurinas, formulados puros ou em misturas (Tabela 3). As caractersticas desses produtos tambm devem ser consideradas, quando da sua utilizao, visando a uma maior eficincia no controle das doenas. As molculas fungicidas pertencentes ao grupo das estrobilurinas atuam em nvel de respirao mitocondrial dos fungos, sendo mais efetivas nas fases iniciais do seu ciclo de vida, ou seja, na germinao dos esporos e nos processos iniciais de infeco. Os fungicidas triazis, que atuam em nvel da biossntese de ergosterol, um componente da membrana celular dos fungos, podem promover o controle de patgenos fngicos em fases mais avanadas do seu ciclo, como a colonizao (crescimento micelial) e a pr-esporulao. Portanto, as aplicaes de produtos pertencentes a esses grupos qumicos apresentam maior eficincia quando so realizadas nos sintomas iniciais das doenas no campo. Normalmente, as aplicaes realizadas em situaes de elevada intensidade de doenas so menos efetivas para o seu controle.

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    Figura 4. Eficincia de diferentes fungicidas para o manejo da mancha branca do milho. Fonte: Pinto (2004)

    Tabela 3. Grupos qumicos e ingredientes ativos de fungicidas registrados no Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento para o controle de doenas foliares na cultura do milho

    Fonte: Brasil (2009)

  • 9Sistema de Integrao Lavoura-Pecuria: O modelo implantado na Embrapa Milho e Sorgo

    6. poca de aplicao de fungicidas na cultura do milho

    Quanto deciso sobre a melhor poca de aplicao de fungicidas para o controle de doenas na cultura do milho, dois pontos devem ser considerados: 1) a fase do ciclo da cultura na qual as plantas so mais sensveis ao ataque de patgenos; e 2) o perodo de ocorrncia das principais doenas. Conforme j mencionado anteriormente, na fase compreendida entre o pendoamento (VT) e os gros leitosos (R3), as plantas de milho necessitam do mximo de sua capacidade fotossinttica, pois se inicia um intenso perodo de translocao de fotoassimilados para as espigas. Nessa fase, qualquer fator que interfira negativamente, reduzindo a rea foliar e, consequentemente, a sua capacidade fotossinttica, resulta em redues significativas na produtividade de gros. Essa a fase considerada crtica para a cultura do milho e deve ser considerada quando se pretende proteger as plantas via aplicao de fungicidas. Se considerarmos que o perodo residual mximo dos fungicidas dos grupos das estrobilurinas e dos triazis est em torno de 15 a 20 dias e que a fase de enchimento de gros no milho dura, em mdia, 60 dias, deve-se ter cuidado com as aplicaes realizadas muito cedo, ainda na fase vegetativa da cultura (como exemplo, no estdio de oito folhas, como feito nas aplicaes com pulverizadores de arrasto), pois quando as plantas realmente necessitarem da proteo qumica os produtos no estaro mais efetivos (Figura 6).

    Por outro lado, necessrio considerar, tambm, o momento do aparecimento das doenas na lavoura. Algumas doenas, como as ferrugens, a mancha de Turcicum e, em algumas situaes, a mancha branca, podem incidir ainda na fase vegetativa da cultura e, numa situao de uso de cultivares suscetveis e de predominncia de condies ambientais favorveis, o controle qumico deve ser considerado, de modo a evitar que elevados nveis de doenas alcancem as folhas acima da espiga na fase de florescimento da cultura. Fica, portanto, evidente que a poca ideal para a realizao das aplicaes de

    fungicidas na cultura do milho depende de um monitoramento da lavoura, que deve ser iniciado ainda na fase vegetativa da cultura, e todos os aspectos acima mencionados devem ser considerados para a tomada de deciso.

    7. Disponibilidade de equipamentos para pulverizao

    A disponibilidade de equipamentos para pulverizao outro fator que influencia a eficincia do manejo de doenas na cultura do milho atravs do uso de fungicidas. De modo geral, os equipamentos utilizados so os pulverizadores de arrasto, principalmente em pequenas propriedades, e autopropelidos e aeronaves em grandes propriedades. No caso dos pulverizadores de arrasto, as pulverizaes podem ser realizadas em plantas com at 100 cm de altura aproximadamente, ou seja, por volta do estgio de 8 a 9 folhas definitivas (V8 a V9). Nesse caso, deve-se dar preferncia para o plantio de cultivares que apresentem bom nvel de resistncia s principais doenas, pois, em situaes de condies favorveis ao desenvolvimento das doenas e uso de cultivares suscetveis, a aplicao de fungicidas muito cedo (V8 a V9) provavelmente ser insuficiente para o controle adequado das doenas aps o florescimento, com consequentes perdas na produtividade. Os equipamentos autopropelidos, cuja altura de eixo de aproximadamente 120 cm, permitem a realizao de aplicaes em fases mais avanadas do ciclo (V10 a VT), quando comparado aos pulverizadores de arrasto. As pulverizaes realizadas com avies, embora apresentem um custo mais elevado, no apresentam as limitaes mencionadas anteriormente e os resultados de trabalhos de pesquisa tm mostrado que a eficincia dessa modalidade de aplicao equivalente quela observada nos pulverizadores terrestres.

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    Figura 6. Perodo residual dos fungicidas em relao ao perodo de enchimento dos gros na cultura do milho.

    Consideraes finais

    Os fungicidas so ferramentas de grande impor-tncia para o manejo de doenas em diversas culturas de importncia econmica e sua utiliza-o tem contribudo de forma significativa para o aumento na produo de alimentos no Brasil e no mundo ao longo dos anos. Entretanto, mais re-centemente, uma grande ateno tem sido dada a questes relacionadas segurana alimentar, preservao dos recursos naturais e sustentabi-lidade da produo agrcola. Nesse contexto, o uso de fungicidas em lavouras comerciais deve estar embasado por critrios tcnicos, visando a se obter uma maior eficincia no controle de doenas e menores efeitos prejudiciais sade e ao meio ambiente. O uso de fungicidas para o controle de doenas na cultura do milho muito recente, havendo dvidas por parte de tcnicos e produtores em vrios aspectos da sua utilizao, o que resulta, muitas vezes, no uso inadequado dos produtos, sem se observar os aspectos tc-nicos necessrios. A observao dos fatores aqui apresentados constitui um passo importante para a utilizao racional dessa medida de controle, com benefcios que vo desde o menor risco sade humana e ao meio ambiente, menor custo de produo, at a preservao da efetividade das molculas fungicidas devido ao menor risco de surgimento de populaes de patgenos a elas resistentes.

    Referncias

    BARTLETT, D. W.; CLOUGH, J. M.; GODWIN, J. R.; HALL, A. A.; HAMER, M.; PARR-DOBRZANS-KI, B. The strobilurins fungicides. Pest Manage-ment Science, Sussex, v. 58, n. 2, p. 649- 662, 2002.

    BECK, C.; OERKE, O. C.; DEHNE, H. W. Impact of strobilurins on physiology and yield formation of wheat. Mededelingen Rijksuniversiteit te Gent. Fakulteit van de Landbouwkundige en Toegepaste Biologische Wetenschappen, v. 67, n. 2, p. 181-187, 2002.

    BRASIL. Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento. AGROFIT: Sistema de Agrotxi-cos Fitossanitrios. Disponvel em: . Acesso em: 17 out. 2009.

    COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMEN-TO. Acompanhamento de safra brasileira: gros: safra 2009/2010: quarto levantamento: janeiro/2010. Braslia, 2009. 39 p. Disponvel em: . Acesso em: 10 dez. 2009.

    HARLAPUR, S. I.; KULKARNI, M. S.; SRIKANT KULKARNI PATIL, B. C. Assessment of crop loss due to turcicum leaf blight caused by Exserohilum turcicum (Pass.) Leonard and Suggs in maize. Indian Phytopathology, New Delhi, v. 62, n. 2, p.

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    Exemplares desta edio podem ser adquiridos na:Embrapa Milho e SorgoEndereo: Rod. MG 424 km 45 - Caixa Postal 151Fone: (31) 3027-1100Fax: (31) 3027-1188E-mail: [email protected]

    1a edio1a impresso (2009): 200 exemplares

    Presidente: Antnio lvaro Corsetti PurcinoSecretrio-Executivo: Flvia Cristina dos SantosMembros: Elena Charlotte Landau, Flvio Dessaune Tardin, Eliane Aparecida Gomes, Paulo Afonso Viana e Clenio Araujo

    Reviso de texto: Clenio AraujoNormalizao Bibliogrfica: Rosngela Lacerda de CastroEditorao eletrnica: Tnia Mara Assuno Barbosa

    Comit de publicaes

    Expediente

    Circular Tcnica, 125

    144-154, 2009.

    JULIATTI, F. C.; ZUZA, J. L. M. F.; SOUZA, P. P.; POLIZEL, A. C. Efeito do gentipo de milho e da aplicao foliar de fungicidas na incidncia de gros ardidos. Bioscience Journal, Uberlndia, v. 23, n. 2, p. 34-41, 2007.

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