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CONTROLE GENÉTICO DE PLANTAS DANINHAS O QUE O FUTURO NOS RESERVA EVOLUÇÃO Arthur Arrobas Martins Barroso [email protected] Alfredo Junior Paiola Albrecht [email protected] Leandro Paiola Albrecht [email protected] Professores - Universidade Federal do Paraná (UFPR) O controle de plantas daninhas está em constante evolução. Vivencia- mos atualmente diversos casos de resistência de plantas daninhas a her- bicidas, e cada vez mais os herbicidas têm sido derrotados. Vivemos na esperança da descoberta de novos mecanismos de ação ou de novas ferramentas de controle de plantas daninhas. Recentemente, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) anunciou o investimento de US$ 500 mil destinados à Universidade de Illinois para desenvolver uma técnica de controle de plantas daninhas, mais especificadamente para espécies de caruru (Amaranthus pal- meri e Amaranthus tuberculatus). O manejo destas plantas será base- ado em um controle genético a fim de eliminar a população resistente a herbi- cidas. A ideia se baseia em utilizar técni- cas de modificações genéticas para alte- rar a proporção de plantas masculinas e femininas. Com essa manipulação, todos os in- divíduos ao longo de gerações seriam do sexo masculino, impedindo a reprodução e propagação de plantas resistentes. Este controle é parecido com o já realizado para o mosquito Aedes aegypti, inclusive no Brasil. Mas, o que seria esse controle e como poderia ser aplicado ao manejo de plantas daninhas? Pesquisas No Brasil, os testes com mosquitos ge- neticamente modificados vêm sendo con- duzidos em Piracicaba (SP), em uma par- ceria do município com a Universidade de Oxford (Inglaterra) e no Rio de Janei- ro em uma parceria da Fundação Car- los Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em São Paulo, dados mostram que a liberação de mosquitos pode ge- rar reduções superiores a 70% de mos- quitos e de até 91% de casos de dengue. O mosquito liberado é geneticamen- te modificado em dois dos seus genes. No primeiro, um gene sintético autoli- mitante é montado a partir de diversos fragmentos de DNA de organismos vi- vos. Com esse gene o mosquito produz uma proteína que se liga à transcrição da célula. A proteína sequestra esse maqui- nário. Quanto maior sua produção, me- nores os sítios disponíveis de transcri- ção. Sendo assim, após quatro ou cinco dias o inseto morre. Um segundo gene inserido no mos- quito visa o monitoramento do organis- mo transgênico e sua população. A libe- ração dos mosquitos ocorre apenas para Mark Renz 32 AGOSTO 2018

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Page 1: CONTROLE GENÉTICO DE PLANTAS DANINHAS · CONTROLE GENÉTICO DE PLANTAS DANINHAS O QUE O FUTURO NOS RESERVA EVOLUÇÃO Arthur Arrobas Martins Barroso arrobas@ufpr.br Alfredo Junior

CONTROLE GENÉTICO DE PLANTAS DANINHASO QUE O FUTURO NOS RESERVA

EVOLUÇÃO

Arthur Arrobas Martins [email protected] Junior Paiola [email protected] Paiola [email protected] - Universidade Federal do Paraná (UFPR)

O controle de plantas daninhas está em constante evolução. Vivencia-mos atualmente diversos casos

de resistência de plantas daninhas a her-bicidas, e cada vez mais os herbicidas têm sido derrotados. Vivemos na esperança da descoberta de novos mecanismos de ação ou de novas ferramentas de controle de plantas daninhas.

Recentemente, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) anunciou o investimento de US$ 500 mil destinados à Universidade de Illinois para desenvolver uma técnica de controle de plantas daninhas, mais especificadamente para espécies de caruru (Amaranthus pal-meri e Amaranthus tuberculatus).

O manejo destas plantas será base-ado em um controle genético a fim de eliminar a população resistente a herbi-cidas. A ideia se baseia em utilizar técni-cas de modificações genéticas para alte-rar a proporção de plantas masculinas e femininas.

Com essa manipulação, todos os in-divíduos ao longo de gerações seriam do sexo masculino, impedindo a reprodução e propagação de plantas resistentes. Este controle é parecido com o já realizado para o mosquito Aedes aegypti, inclusive no Brasil. Mas, o que seria esse controle e como poderia ser aplicado ao manejo de plantas daninhas?

Pesquisas

No Brasil, os testes com mosquitos ge-neticamente modificados vêm sendo con-duzidos em Piracicaba (SP), em uma par-ceria do município com a Universidade de Oxford (Inglaterra) e no Rio de Janei-

ro em uma parceria da Fundação Car-los Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em São Paulo, dados mostram que a liberação de mosquitos pode ge-rar reduções superiores a 70% de mos-quitos e de até 91% de casos de dengue.

O mosquito liberado é geneticamen-te modificado em dois dos seus genes. No primeiro, um gene sintético autoli-mitante é montado a partir de diversos fragmentos de DNA de organismos vi-vos. Com esse gene o mosquito produz uma proteína que se liga à transcrição da célula. A proteína sequestra esse maqui-nário. Quanto maior sua produção, me-nores os sítios disponíveis de transcri-ção. Sendo assim, após quatro ou cinco dias o inseto morre.

Um segundo gene inserido no mos-quito visa o monitoramento do organis-mo transgênico e sua população. A libe-ração dos mosquitos ocorre apenas para

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A presença do Amaranthus palmeri é preocupante

devido às suas características de agressividade

EVOLUÇÃO

machos geneticamente modificados, já que apenas fêmeas picam. Esse macho irá cruzar com a fêmea e a prole deste cru-zamento será heterozigótica (apresentará apenas uma cópia do gene modificado). Essa condição já é suficiente para que os mosquitos venham a morrer.

Cabe aqui ressaltar que o mosquito Ae-des aegypti é exótico, ou seja, não tem seu centro de origem no Brasil, como ocor-re para eventuais introduções das plantas daninhas de Amaranthus palmeri ou Ama-ranthus tuberculatus no Brasil.

Explicando, a espécie Amaranthus pal-meri já foi introduzida no Brasil, onde apresentava genótipos resistentes aos her-bicidas inibidores da ALS e da EPSPS. Segundo os órgãos de fiscalização, a es-pécie está erradicada por aqui, porém, a preocupação com sua reentrada é cons-tante, já que ocorre em países vizinhos, como a Argentina.

No Rio de Janeiro a estratégia é di-ferente. O objetivo desta pesquisa é de identificar os genes responsáveis por ge-rar o hábito de alimentação à base de san-gue em fêmeas. Identificando estes genes, uma tecnologia denominada CRISPR--Cas9 poderá bloquear esse comporta-mento.

Ainda se utilizando técnicas genéticas, esse comportamento poderá ser repassa-do às próximas gerações, sendo esses des-cendentes fitófagos estritos. Esta segunda técnica está mais atrasada, principalmente devido à crise financeira pela qual passa o Rio de Janeiro. Porém, o que seria CRIS-PR-Cas9 e silenciamento gênico?

RNAi e CRISPR-Cas9

Estamos, nos últimos anos, desenvol-vendo novas técnicas de melhoramen-to genético. O RNAi e CRIPR-Cas9 re-presentam parte das técnicas inovadoras de melhoramento de precisão (TIMP).

O RNAi ou RNA interferente pode ser utilizado para silenciar genes, elevan-do a suscetibilidade de plantas daninhas a herbicidas ou a morte destas plantas. Pen-se no mosquito - seria o mesmo princí-pio. Identificar um gene essencial para a fisiologia daquela planta e anular sua ex-pressão. Com isso, estaria sendo anula-da também a produção de uma proteí-na/enzima e a planta morreria.

Se pensarmos em uma planta normal, podemos matá-la conhecendo sua bioquí-mica. Se pensarmos em uma planta dani-nha resistente a determinado herbicida, podemos silenciar o gene responsável pela resistência e tornar a planta suscetível.

Este RNA pode ser desenhado para selecionar sítios ou espécies específicas. Porém, o que ainda barra a utilização desta técnica?

A princípio, aspectos técnicos, como a aplicação e aproveitamento do RNA no vegetal, o desenvolvimento de méto-dos para a produção destes RNAs e, por fim, o desconhecimento da velocidade e se as plantas irão desenvolver resistên-cia a esta ferramenta (o que define o di-nheiro a ser ou não investido).

Outra técnica genética possível de ser utilizada no controle de plantas daninhas é a utilização do complexo CRISPR--Cas9. Mas, o que significa isso? O nome é complicado, é um acrônimo para Gru-pos de Repetições Palindrômicas Cur-tas Regularmente Espaçadas (Clustered Regularly Interspaced Short Palindro-mic Repeat). Trata-se de um mecanis-mo de defesa natural e antigo encontra-do nas bactérias, que após a visita de um vírus “se arma”, como afirma Marcos Tosi (consultor de agronegócio).

A primeira publicação sobre o tema deu-se em 2012, resultado do trabalho de duas cientistas ( Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier). A técnica CRISPR-Cas9 é uma edição de geno-ma. Com ela, podemos inserir mutações específicas em alelos de um indivíduo, resultando na conversão de uma planta, por exemplo, heterozigótica para homo-zigótica. Com isso, a característica dese-jada será transmitida a 100% dos descen-dentes, podendo funcionar como uma

“tesoura” que “corta” as partes não dese-jadas do genoma, fazendo assim a edi-ção gênica.

O pesquisador da Embrapa Soja, Ale-xandre Nepomucemo, declarou o seguin-te: “Não estamos falando de transgenia. É simplesmente uma mutação no DNA que poderia ocorrer naturalmente. Exis-tem variedades que têm esta caracterís-tica. O que tentamos fazer é introduzir essa característica em variedades alta-mente produtivas de soja e de milho. O que levaria anos, o CRISPR pode fazer rapidamente (como relatado por Marcos Tosi). Isso seria feito no melhoramento genético, com foco em melhorar as ca-racterísticas nutricionais de espécies de interesse econômico”.

Direcionamento

E no caso do controle de plantas da-ninhas? Podemos por exemplo, pegar uma espécie resistente a um herbicida e tor-ná-la suscetível ou fisiologicamente mais inativa, perdendo essa briga com outras espécies daninhas ou cultivadas pelos re-cursos do meio ambiente.

A tecnologia é nova, entretanto, já des-perta polêmicas. Se uma planta tiver sua

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Planta de Amaranthus palmeri

33AGOSTO 2018

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composição genética editada por uma des-tas técnicas, podemos chamar de orga-nismo geneticamente modificado, porém, não se trataria de uma planta transgêni-ca, já que não recebeu nenhum gene de outro organismo.

O CTNBio, órgão responsável pela aprovação de eventos transgênicos no Bra-sil, já possui uma normativa para, nestes casos, avaliar cada proposta de registro individualmente e determinar se trata-se de um organismo geneticamente modi-ficado ou não.

Como é um tema incipiente, não exis-tem ou são raros os trabalhos científi-cos apontando o aproveitamento desta técnica no controle de plantas daninhas.

Devemos nos preocupar com o Amaranthus palmeri?

Com certeza. No Brasil, o primeiro relato deste caruru ocorreu em 2015, no Estado do Mato Grosso, provavelmen-te introduzido por meio de colhedoras provenientes de outro país.

A presença do Amaranthus palme-ri é preocupante devido às suas carac-terísticas de agressividade, com grande capacidade de adaptação a diferentes ambientes.

Essa capacidade de adaptação está re-lacionada às características de reprodução da planta, que é uma espécie dioica, o que favorece o cruzamento e, consequente-mente, a diversidade genética, dispersan-do mais rapidamente os genes de resis-tência a herbicidas.

Inclusive, plantas de A. palmeri po-dem passar genes ligados à resistência a herbicidas a outras espécies de caruru pre-sentes no Brasil.

A agressividade do A. palmeri se deve, principalmente, a três fatores: alta taxa fo-tossintética, eficiência no uso da água e ao rápido crescimento e produção de bio-massa em curto período de tempo. Estas plantas podem crescer até 06 cm por dia, o que, além de acelerar a competição com a cultura, diminui o tempo recomenda-do para aplicação de herbicidas em pós--emergência.

Em relação ao efeito dessa espécie em culturas, a infestação do A. palmeri pode

provocar perdas médias de produtividade de 77% no algodão, 79% na soja e 91% no milho, segundo alguns pesquisadores norte-americanos.

Estratégias

Em relação ao A. palmeri e às demais plantas daninhas, uma coisa é certa. A estratégia de controle, seja qual for, não pode ser usada isoladamente. A técnica de controle genético não irá substituir as demais estratégias, que devem sem bem conhecidas e aplicadas.

O manejo integrado de plantas da-ninhas (MIPD) continua sendo impres-cindível para o sucesso da lavoura.

Perspectivas do controle genético no MIP

O controle genético de plantas dani-nhas, portanto, não é isoladamente a so-lução futura da lavoura, no entanto, é mais uma estratégia a se somar. Em um cená-rio cada vez mais complicado no manejo de plantas daninhas, o controle genético seria mais uma opção, não só ao mane-jo do caruru resistente, seja aqui ou nos Estados Unidos.

Para entender o quanto está preocu-pante a questão das plantas daninhas, bas-ta lembrarmos os casos recentes identi-ficados de plantas daninhas resistentes a vários herbicidas. Cita-se, por exemplo, o caso da buva resistente ao paraquat, ou resistências múltiplas da própria buva, do capim pé-de-galinha e tantos outros ca-sos que preocupam o agricultor no dia--a-dia.

Nesse sentido, o controle genético pode se apresentar como uma ferramen-ta inovadora, associado ao bom mane-jo dos cultivos transgênicos, ao conhe-cido controle químico com herbicidas e ao controle cultural. Assim, temos uma opção a mais, para deixar de fazer sem-pre as mesmas coisas, do mesmo jeito, ou fazer as mesmas coisas desejando resul-tados diferentes.

Deve-se procurar sempre empregar a estratégia certa, na hora certa e do jei-to certo - esse é o desafio! Esse é o fun-damento do bem manejar uma cultura e atingir a sustentabilidade dos sistemas produtivos. •

Plantas de Amaranthus tuberculatus

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34 AGOSTO 2018

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EVOLUÇÃOFigura 4. Técnica CRISPR-Cas9. Fonte: Jornal o Tempo

35AGOSTO 2018