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Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 11 1. Introdução Diante das profundas transformações que estão em curso no cenário político, econômico e social mundial, traduzidas pelo fenômeno da globalização, e que se estão refletindo de maneira perversa nos países em desenvolvimento, provocando exclusão, pobreza e violência, tem este trabalho – Controle de gastos públicos, crise econômica e governabilidade no Brasil – o propósito de avaliar os efeitos decorrentes da implementação das políticas governa- mentais para controlar os gastos públicos sobre a sociedade brasileira. Nesse contexto, o governo brasileiro assume a posição em defesa da necessidade de se alcançar um ambiente macroeconômico adequado, por entender que ele é uma pré-condição para a retomada do crescimento do país. Essa Controle de gastos públicos, crise econômica e governabilidade no Brasil José Matias Pereira José Matias Pereira é economista e advogado. Mestre em Planejamento Urbano pela Univer- sidade de Brasília – UnB. É professor de finanças públicas da Universidade de Brasília. Doutorando em Ciência Políticas pela Universidade Complu- tense de Madrid. Sumário 1. Introdução. 2. Enfoques conceituais e fundamentos sobre a teoria das finanças públicas. 3. Indicadores econômicos e sociais do Brasil. 4. Brasil: uma crise econômica anunciada. 5. Os termos do acordo do FMI com o Brasil. 6. Críticas à instituição FMI. 7. A eficácia, legiti- midade e efetividade de um sistema político. 8. A aplicação da receita do FMI no Brasil. 9. A nova ordem internacional. 10. A lógica do sistema capitalista no contexto da atual ordem internacional. 11. A democracia e a nova ordem internacional. 12. O Brasil caminha para uma morte lenta ? 13. As distorções na gestão da crise econômica pelo FMI. 14. Conclusões. 15. Anexos.

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Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 11

1. Introdução

Diante das profundas transformaçõesque estão em curso no cenário político,econômico e social mundial, traduzidaspelo fenômeno da globalização, e que seestão refletindo de maneira perversa nospaíses em desenvolvimento, provocandoexclusão, pobreza e violência, tem estetrabalho – Controle de gastos públicos, criseeconômica e governabilidade no Brasil – opropósito de avaliar os efeitos decorrentesda implementação das políticas governa-mentais para controlar os gastos públicossobre a sociedade brasileira. Nesse contexto,o governo brasileiro assume a posição emdefesa da necessidade de se alcançar umambiente macroeconômico adequado, porentender que ele é uma pré-condição paraa retomada do crescimento do país. Essa

Controle de gastos públicos, criseeconômica e governabilidade no Brasil

José Matias Pereira

José Matias Pereira é economista e advogado.Mestre em Planejamento Urbano pela Univer-sidade de Brasília – UnB. É professor de finançaspúblicas da Universidade de Brasília. Doutorandoem Ciência Políticas pela Universidade Complu-tense de Madrid.

Sumário1. Introdução. 2. Enfoques conceituais e

fundamentos sobre a teoria das finançaspúblicas. 3. Indicadores econômicos e sociais doBrasil. 4. Brasil: uma crise econômica anunciada.5. Os termos do acordo do FMI com o Brasil.6. Críticas à instituição FMI. 7. A eficácia, legiti-midade e efetividade de um sistema político.8. A aplicação da receita do FMI no Brasil. 9. Anova ordem internacional. 10. A lógica dosistema capitalista no contexto da atual ordeminternacional. 11. A democracia e a nova ordeminternacional. 12. O Brasil caminha para umamorte lenta ? 13. As distorções na gestão da criseeconômica pelo FMI. 14. Conclusões. 15. Anexos.

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posição está configurada no acordo fir-mado pelo governo brasileiro com o FundoMonetário Internacional – FMI, no mês denovembro de 1998. Assim, busca-se anali-sar os reflexos sobre a economia e o desen-volvimento do Brasil em decorrência dascondições impostas ao país pelos órgãossupranacionais, como o FMI e BancoMundial – BIRD, e os países ricos (G-7),especialmente o Governo dos EstadosUnidos – EUA, para concretizar o acordoassinado com o FMI e questionar se essasinterferências, que estabelecem políticaspara promover um ajuste fiscal, que temcomo único propósito o equilíbrio macro-econômico, impondo dessa forma signifi-cativos cortes orçamentários em fundossociais e em outros setores estratégicospara o desenvolvimento, representamuma ameaça à democracia brasileira.

É importante ressaltar que a lógicaeconômica e a lógica política, no campode redução de gastos, tendem a ser confli-tivas. A lógica econômica diz que acorreção do desequilíbrio fiscal deve serfeita por meio do corte de despesas e nãopelo aumento de receitas, visto que oaumento da arrecadação significa retirarpoupança da economia. Mas o corte dedespesa, quando necessário, deve ocorrernas despesas correntes, para não limitar acapacidade do Estado de investir. Essamedida, aparentemente simples, não seajusta à lógica política, que tende normal-mente a atuar no sentido de propor cortesnos recursos destinados a investimento. Arazão pela qual prefere que seja feito cortenos gastos para investimento decorre dofato de que este não afeta os interessespolíticos imediatos, como ocorre no cortedas despesas correntes (que atinge apopulação de forma bastante perceptível,especialmente os cortes de gastos compessoal e previdência). Assim, os cortes degastos para investimento, vitais para odesenvolvimento do país, são os preferidospelos políticos, que acabam sendo cortadosdo orçamento na marra. O corte desses

recursos termina por inibir o crescimento,na medida em que o país deixa, por exem-plo, de construir fábricas, estradas, etc.

Conclui-se, portanto, que a sociedadebrasileira encontra-se diante de um dile-ma, que é a definição do que deve serprioritário: a implementação de umapolítica de desenvolvimento ou umapolítica de austeridade nas contas públi-cas? A posição do autor, neste trabalho, éde que as duas políticas devem caminharjuntas. Quando existe a preocupaçãoapenas com o desenvolvimento, relegandoa segundo plano os chamados funda-mentos da economia, e de forma especialo ajuste fiscal, as bases do desenvolvimentoserão inconsistentes, com pouca possibili-dade de dar certo, pelos efeitos nocivosque dele irão surgir, em particular ainflação. Por sua vez, promover somenteo ajuste fiscal, descuidando do desenvol-vimento, permitirá que o Estado apresentesuas contas em ordem, porém com custoseconômicos e sociais indesejáveis, pois,com uma economia estagnada, não haveránenhuma perspectiva de melhorar o bem-estar da população, especialmente emtermos de educação, saúde e de geraçãode emprego e renda.

No presente estudo, supõe-se que acapacidade do governo do Brasil paraconcretizar os objetivos nas áreas eco-nômicas e social, especialmente paramanter a governabilidade frente à fortecrise econômica na qual vive o país,depende dos controles da política fiscal eespecialmente dos recursos orçamentáriosque agora tem de cortar da área social ede outros setores estratégicos para odesenvolvimento. Propõe-se o autor adebater o custo social e político para o paíscaso sejam cumpridos os termos do acordofirmado pelo Brasil com o FMI, em 13 denovembro de 1998, no qual o país secompromete a promover um ajuste fiscal,a qualquer custo, de caráter emergencial,tendo como objetivo o equilíbrio macro-econômico.

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Torna-se importante registrar que oautor não tem o propósito de desenvolverargumentos de conteúdo ideológico oupolítico, contra ou a favor das instituiçõese países aqui mencionados. A preocupaçãocentral do trabalho, consciente de suacomplexidade e extensão, visto que tratana sua essência do tema: Estado e a suarelação com os problemas econômicos esociais, é desenvolver uma avaliaçãoisenta, que permita iniciar o debate sobreas implicações que o acordo do Brasil como FMI poderia vir a produzir sobre asociedade brasileira (a curto e médioprazo) e, em particular, sobre a parcelamais pobre da população, bem como osseus reflexos sobre a governabilidade e ademocracia no país.

2. Enfoques conceituais e fundamentossobre a teoria das finanças públicasRefere-se o autor, ao longo deste traba-

lho, aos termos governabilidade e estabili-dade com o mesmo sentido, no qual estáimplícito a ausência de violência; a longe-vidade e a duração governamental; aexistência de um regime constitucionallegítimo; a ausência de mudança estru-tural; e o atributo de uma sociedademultifacética. Assim, a estabilidade é umconceito que em grande parte da biblio-grafia, em especial aquela que se refere apaíses democráticos, aproxima-se, quandonão se chega a identificar, com o degovernabilidade.

Ao estabelecer uma lista de dimensõespor meio das quais se busca entender aestabilidade política, na qual aborda osaspectos econômicos no contexto dosestritamente políticos, Ersson y Lane(1983: 261) anunciam seis dimensões: odéficit do setor público, a inflação, avolatilidade, a estabilidade governamental,a violência e o protesto civil. Por sua vez,Dowding y Kimber (1983: 238-239) adefinem, de maneira genérica, como umEstado vinculado com a capacidade deprevenir contingências que possam con-

duzir ao desaparecimento do objetopolítico – “political stability in the state inwhich a political object exists when itpossesses the capacity to prevent contigenciesfrom forcing its non-survival”.

O interesse sobre a questão de gover-nabilidade se encontra relacionado com aaparição ou agravamento de situações decrises nos sistemas políticos. Essas crisesde governabilidade se prestam a múltiplasinterpretações, entre as quais se destacamduas: a incapacidade dos governantesinseridos nas condições contraditórias dossistemas capitalistas e como conseqüênciadas demandas excessivas dos cidadãos(Pasquino, 1988:192). Ambas concepçõespõem em relevo a complexidade dasrelações que se estabelecem no interior deum sistema político e do jogo de fatoresque influem em sua governabilidade,porém compartilham o critério geral quelocaliza os problemas de governabilidadena disputa em que se veêm envolvidosgrupos relevantes com certo poder deacordo com uma série de regras estabele-cidas de maneira formal ou informal –“governance is understood as the degree towhich the relative power of the relevantgroups in a public arena is respected by theformal and informal institutions of politicalprocess” (Coppedge, 1993: 2). Por isso,torna-se relevante o estudo da maneiracom a qual o governo se ocupa e desen-volve suas funções assim como sua relaçãocom a sociedade.

Em relação à utilização pelo autor dotermo exclusão social, deve ser entendidocomo a cassação dos direitos sociais dosindivíduos em decorrência dos efeitos daspolíticas de desregulamentação no planosocial que vem suprimindo de formaacelerada esses direitos, em particular oque trata do emprego. O Brasil, que nãopossui uma tradição longa nessa área,tratava a questão social até o final dadécada de vinte como um problema depolícia. Somente após a revolução de 1930,com a chegada de Getúlio Vargas ao poder,

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teve início o processo de transferência daquestão social para a responsabilidade doEstado, a partir do reconhecimento dediversos direitos sociais da população, emque pese terem sido inicialmente essesdireitos bastante restritos, na medida emque excluiram os camponeses, as donas decasa e os funcionários públicos, o querepresentava, naquele período, a maioriada população brasileira.

2.1. Ajuste fiscal e governabilidade

Os analistas econômicos e políticos, emsua grande maioria, concordam quenenhum outro tema tem sido objeto detanta polêmica como o que trata do Estadoe a sua relação com os problemas eco-nômicos e sociais. É importante observarque as profundas transformações queestão operando no mundo, como o fim daguerra fria e a aceleração do fenômeno daglobalização econômica, assim como asexperiências acumuladas e os novosconsensos que estão surgindo, permitiramuma discussão menos ideológica sobre opapel do Estado.

Assim, a sociedade mundial vem deba-tendo, com intensidade crescente, dianteda aceleração, nas últimas décadas, doprocesso de globalização econômica, avalidade das duas filosofias políticas dopós-guerra: a social-democracia keyne-siana, que tem no centro das discussões oEstado de bem-estar, e a necessidade deaumentar as despesas dos governos paraaumentar a demanda; e, de outro lado, avisão neoliberal. Para os defensores dofundamentalismo neoliberal, com a finan-ceirização do capital e da transnacionali-zação das empresas multinacionais,pensar em desenvolvimento autóctone ourealizado por empresas nacionais, con-duzido pelo Estado, é incorrer numretrocesso. Assim, para os neoliberais, omelhor desenvolvimento é aquele viabili-zado a partir da estreita relação entre ocapital nacional e internacional, imputando

este maior competividade àquele. Quantoao Estado, este deve atuar em prol dosbenefícios dessa relação, efetivandomedidas que facilitem ainda mais essaproposição. Abertura da economia, priva-tização e estabilidade da moeda são asações que devem ser implementadas peloEstado para que o almejado desenvolvi-mento capitalista ocorra.

Deve-se recordar que, no final dos anos80 e início dos anos 90, o “Consenso deWashington” era aceito como o caminhonatural para a estabilização e o cresci-mento. A adoção de uma política financeirarígida, acompanhada por desregulamen-tação e liberalização do comércio, conformerecomendava o consenso, seria suficientepara eliminar a estagnação e iniciar aexpansão. As propostas para a reformaque estavam baseadas no “Consenso deWashington” acabaram resultando emcrises estruturais em diversas regiões,apesar do fato de terem sido desenvolvidasprincipalmente como soluções para resol-ver os problemas na América Latina.

A carência de instituições apro-priadas mostrou ser o elemento-chaveque impediu o sucesso das políticas detransição propostas pelo Consenso deWashington. Liberalização e privatização,sem o suporte de uma estrutura de mercadobem-organizada, não geraram um cresci-mento, mas um longo período de declínio.Dessa forma, tanto o FMI como o BancoMundial foram surpreendidos (depois dosresultados perversos que essas políticasprovocaram nos países em desenvolvi-mento), por desconsiderarem que a libe-ralização e organização estrutural sãoessenciais para o mercado e crescimentoeconômico.

A inserção subordinada das economiasdos países monitorados pelo FMI aocapital internacional – financeiro e produ-tivo – tem demonstrado que essas políticasrepresentam um obstáculo a qualquercapacidade de desenvolvimento, o que

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representa uma ameaça à governabilidadedesses países.

Assim, pode-se concluir que nos paí-ses em desenvolvimento como é o casodo Brasil, não é possível haver desenvol-vimento com crescimento contínuo amenos que seja fundamentado em umorçamento equilibrado, equilíbrio nastransações correntes, baixa inflação,moeda estável, comércio liberalizado, eum setor privado amplo, apoiados em es-truturas institucionais apropriadas, aco-plados com políticas públicas orientadaspara reduzir as desigualdades econômicase sociais da parcela da população menosfavorecida.

No caso brasileiro, sabe-se que o prin-cipal desafio da reforma do Estado é oajuste fiscal, em especial a reforma tribu-tária. E nesse sentido, quando as finançaspúblicas não estão ajustadas de formaadequada, não pode o Estado cumprir comas suas intransferíveis responsabilidadessociais. Isso requer um mínimo de gastosocial, o que impede que sejam alcançadosgraus razoáveis de integração social,estabilidade política e eficiência e eficáciaeconômica.

É oportuno ressaltar que uma dascaracterísticas mais notáveis própria dosbens e serviços sociais é que em geral osbenefícios que deles se derivam para todaa sociedade excedem aos que recebem osseus beneficiários (externalidades positi-vas). Outra característica básica dos bense serviços sociais é seu grande potencialcomo instrumento de redistribuição derendas. É a política de gasto público emsetores sociais a que melhor permiteredistribuir a renda com eficácia.

Nesse sentido, a governabilidade deum país depende de três variáveis:

1. do fortalecimento da sociedade civil eda evolução da cultura política;

2. da orientação e do comportamento daeconomia; e

3. da integração de setores cada vez maisamplos da sociedade ao sistema produtivo.

A gestão da crise econômica na formaproposta pelo FMI, orientada apenas paraa correção do desequilíbrio macroeco-nômico do país, vai de encontro e enfra-quece significativamente essas três variá-veis, o que demonstra a importância de umamplo debate pela sociedade brasileira,para avaliar as implicações desse acordo.Nesse sentido, entende o autor que éfundamental uma integração entre aspolíticas sociais e econômicas, de formaque constituam um todo inseparável. Oequilíbrio macroeconômico de um país écondição necessária, porém não suficiente,para uma política social eficaz. É por issoque se torna recomendável a implemen-tação das duas políticas de forma simul-tânea, pois é a partir de seus resultados quesão criadas as condições necessárias paramanter a governabilidade, e, em últimainstância, a sobrevivência da democraciano país.

2.2. Fundamentos sobre a teoria dasfinanças públicas

A intervenção pública pode ser muitodiversificada e não se concentra uni-camente nas despesas e receitas, mastambém em outras áreas, como as regula-mentações da atividade econômica, deemprego, do setor financeiro, entre outros.No presente estudo, a preocupação doautor estará voltada para a questão doscortes orçamentários na área social e emsetores estratégicos para o desenvolvi-mento, exigidos pelo acordo firmado como FMI, visto que entende que o equilíbriomacroeconômico do país depende de umaintegração entre as políticas sociais eeconômicas.

A crescente importância do setorpúblico e seus efeitos sobre a atividadeeconômica é que tem levado a humani-dade a estudar a atividade financeira doEstado. Dessa forma, a teoria das finançaspúblicas estuda a intervenção que aautoridade pública efetua em uma eco-nomia de mercado, fundamentalmente

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por meio das receitas e despesas públicas.Nesse sentido, fica caracterizada a impor-tância dos controles da política fiscal, e emespecial dos recursos orçamentários, paraque o governo possa manter a governabi-lidade do país.

Trata, assim, das intervenções públicasque são executadas com as receitas edespesas, dos orçamentos de onde serecorrem tais despesas e receitas, dospossíveis déficits orçamentários e dasformas de financiá-los. Também consideraqual é o papel do setor público em umaeconomia de mercado moderna, como secomportam as Administrações Públicas ecomo se tomam as decisões, para o que, porrazões conhecidas de conflitos de interessese das imperfeições dos mercados, prova-velmente não contará com a ajuda domercado. Ao mesmo tempo, investiga-sequais são os efeitos econômicos e asrepercussões distributivas das atuaçõespúblicas no setor privado da economia.

Existem múltiplos enfoques sobre osprogramas de receitas e gastos públicos,assim como das intervenções da empresapública. Uma distinção útil se observa nasteorias normativas e positivas. Por suavez, a atividade do setor público necessitade instrumentos de ordenação e plane-jamento que cumpram duas funçõesbásicas:

1. controle dessas atividades, com a fina-lidade de submeter as políticas de despesas ereceitas ao poder legislativo; e

2. efetividade e eficiência, com a finalidadede racionalizar a gestão pública, permitindoa consecução dos objetivos planejados com omenor custo.

Esse instrumento se materializa noorçamento, marco jurídico e econômico aoqual se devem ajustar as despesas ereceitas do setor público. O orçamento dosetor público, nesse sentido, pode serdefinido como a expressão contábil queestima os valores que serão gastos (ou seja,as despesas) e as receitas previstas paraum período de tempo determinado, nor-malmente de um ano.

3. Indicadores econômicos e sociais doBrasil

3.1. Desigualdades econômicas e sociais

Quando se analisam, na atualidade, osproblemas econômicos e sociais no mundo,com base nas informações divulgadas pelaOrganização da Nações Unidas, constata-se uma assimetria preocupante, em termosde desigualdades de renda e níveis devida. Os 20% da população mundial quevive nos países de renda mais elevadaconcentra 86% do PIB mundial; 82% dasexportações mundiais; 68% do investi-mento direto estrangeiro (aquele que sedirige à produção, não a papéis); 74% daslinhas telefônicas. A diferença de rendaentre os 20% mais ricos da populaçãomundial e os 20% mais pobres, medidapela renda nacional média, aumentou de30 para 1 em 1960 para 74 para 1 em 1997.Veja a esse respeito o anexo I, que trata daproposta de criação de uma “governançaglobal”, cujos pilares seriam a ONU, OMCe BC mundial.

Ao tratar do desafio da transformaçãoprodutiva com eqüidade, José AntonioOcampo (“O desafio da transformaçãoprodutiva com igualdade”, conferênciafeita no Seminário Internacional: Modelose Políticas de Desenvolvimento, BID eBNDES, Rio de Janeiro, junho de 1998,p. 99-124) observa que:

“ao largo de la década de los noventa,el debate económico internacional yregional ha ido cambiando gradualmentede contenido. El énfasis inicial en lospostulados del ‘Consenso de Washing-ton’ sobre ajuste macroeconómico yliberalización de los mercados ha idodando paso a una visión más equili-brada, en la cual, como lo señalararecientemente el economista principaldel Banco Mundial (Stiglitz, 1998). Sindejar de lado la estabilidad macroecó-nomica y las ventajas de contar conmercados más abiertos, el mejor funcio-

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namiento de dichos mercados y de lasestructuras-públicas se visualizan cadavez más como instrumentos comple-mentarios en la búsqueda de objetivos,que más allá del crecimiento económico,incluyen también la equidad y lacohesión social, la sostentabilidadambiental y el desarrollo democrático.En este contexto, la propuesta formu-lada a comienzos de la década por laCEPAL, ‘Transformación productivacon equidad’ (Cepal, 1990), ha adqui-rido una actualidad indiscutible”.

Sabe-se que os problemas de eqüidadecaracterísticos da região latino-americanaestão arraigados em estruturas distribu-tivas altamente desiguais, em grandeparte herdadas (e ainda não superadas) deetapas anteriores de desenvolvimento.Essas desigualdades refletem a conjunçãode fatores educativos (ressaltando que adistribuição da renda é sempre melhorquando se tem uma distribuição de edu-cação mais igual), ocupacionais, patrimo-niais e demográficos. A falta de eqüidadeestá também relacionada com a desigual-dade na distribuição da renda, ainda maisconcentrada que a educação. Veja a esserespeito informe da Cepal (1998d) eBirdsall y Londono, 1997.

Ocampo (1998: 118) ao tratar da ques-tão da eqüidade e política social naAmérica Latina, observa que

“sobre a una estructura distributiva yamuy desigual, la crisis de la deuda, laliberalización y la globalización (condiferente peso, de acuerdo con lasexplicaciones alternativas existentes)han acrecentado enormemente el reto dela equidad. Uno de los grandes desafiosque enfrenta la región es, por lo tanto,demostrar que el nuevo modelo dedesarrollo es compatible con la correc-ción gradual de las grandes desigual-dades sociales existentes. De no lograrseeste objetivo, las bases políticas de lasreformas – que han sido sólidas hastaahora, en gran medida porque el retorno

a la estabilidad macroeconómica há sidovisto como positivo por el conjunto depoblación – podrían deteriorarse. Loque es igualmente grave, podríangenerarse tensiones sociales quepodrían afectar la governabilidad yerosionar las bases de los consensospolíticos que han permitido el for-talecimiento de la democracia en laregión, sin duda outro de los grandeslogros de los últimos años.”

O Brasil é um país que convive com ofenômeno da exclusão, e dentro dessequadro de exclusão está aquele contingen-te de indigentes e o problema social dafome. O relatório denominado “Mapa daFome”, realizado em 1993 pelo Institutode Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,divulgava que 32 milhões de pessoasviviam como indigentes na época. Estudodivulgado pela Comissão Econômica paraa América Latina – Cepal, da ONU, sob otítulo “Panorama Social da AméricaLatina”, de 1997, indica que os brasileirosem situação de indigência em 1995 eram17,3 milhões; a pobreza no país atingiaoutros 45,5 milhões; a parcela da popu-lação brasileira formada por pobres eindigentes representava 40%. O documentodo governo brasileiro intitulado “Reduçãodas Desigualdades Sociais: subsídio àformulação de projetos de desenvolvi-mento sustentado” também traz dadosconstrangedores: a indigência, situação emque a renda não é suficiente sequer paraas necessidades básicas, atinge 26 milhõesde brasileiros. Os pobres, aqueles que sógarantem a subsistência, são cerca de 52milhões. Nas metrópoles nordestinas, apobreza atinge 43% da população, e emSão Paulo, 22%.

O Brasil é apontado pela Organizaçãodas Nações Unidas, no relatório divulgadopela Unicef, denominado “O Progresso dasNações, 1999”, como um país que conheceseus problemas, faz projetos para resolvê-los, mas os resultados ainda não vieram.Um dos motivos é a falta de informação,

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que faz com que o cidadão não conheçaas soluções para os seus problemas e nãocobre mais ação do governo. O índiceproduzido pela Unicef sobre os riscos devida para as crianças, que leva em consi-deração cinco indicadores: acesso à edu-cação primária, mortalidade em menoresde cinco anos, crianças com baixo peso edesnutrição, casos de Aids na populaçãoentre 15 e 49 anos (a idade fértil) e o índicede segurança, que leva em conta asguerras, destaca que a média brasileira éde oito pontos, em uma escala de 0 a 10.

Os dados do relatório da Unicef, refe-rentes a 1997, informam que 3,4% dascrianças brasileiras podem morrer antesde completarem um ano. Dessas, 70%ainda na primeira semana de vida; têm30% de possibilidade de não serem regis-tradas; têm 40% de chance de terem paiscom menos de 4 anos de estudo, e 21% dechance de seus pais serem analfabetos; têm27% de chance de crescerem em umafamília cuja renda per capita seja inferiora meio salário mínimo por mês; a partirdos 10 anos, suas chances de terem detrabalhar para ajudar em casa são de 17%.Entre 15 e 17 anos, são de 46%; em com-pensação, 95% delas poderão freqüentara escola, mesmo que apenas 50% com-pletem a 8ª série.

Outro estudo mais recente sobre omesmo tema, denominado “Relatóriosobre o Desenvolvimento Humano”,elaborado pelo Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento – Pnud,edição de 1999, tomando como base dadosrelativos a 1997 (a partir da adoção danova metodologia para aferição do Índicede Desenvolvimento Humano), informaque o Brasil voltou ao grupo de países demédio desenvolvimento humano, situando-se na 79º posição entre 174 países. O Índicede Desenvolvimento Humano – IDHmede a qualidade de vida dos países apartir de indicadores de educação (alfa-betização e taxa de matrícula), saúde(esperança de vida ao nascer) e renda (PIB

per capita). O IDH se baseia no fato de queo desenvolvimento de uma nação nãopode ser medido de forma unilateral,levando-se em conta somente a dimensãoeconômica.

No Brasil, conforme os dados do Pnudde 1997, 17% da população vive na miséria;11,5% das pessoas morrem antes dos 40anos; 16% são analfabetos; 24% da popu-lação não tem água potável; e 30% estãoprivados de esgoto. A média desses indi-cadores, que definem o índice de pobrezahumana – IPH, sinaliza que 15,8% dapopulação brasileira, ou seja, 26 milhõesde pessoas, não tinha acesso às condiçõesmínimas de saúde, educação e serviçosbásicos no ano de 1997.

O pior desempenho do país, com baseno Relatório do Pnud, foi no índice quemede a saúde de sua população, visto quea expectativa do brasileiro médio melhoroupouco de 1995 a 1997, passando de 66,6anos para 66,8 anos. O crescimento equiva-lente a uma sobrevida de menos de doismeses foi inferior ao de outros países e fezo Brasil recuar da 107ª para a 109ª posiçãono ranking de esperança de vida. Essedesempenho é incompatível com a riquezado país, considerando que o PIB percapita ajustado pelo poder de compra é deUS$ 6.480,00, o que mantém o Brasil na63ª posição no ranking de renda.

O relatório do Pnud indica que o Brasilpermanece como o país onde se tem umaconcentração de renda muito despropor-cional. O PIB per capita dos 20% mais ricos(US$ 18.563,00) é 32 vezes maior que o dos20% mais pobres (US$ 578,00). O coefi-ciente de Gini (que mede a desigualdadede renda) do Brasil é o pior entre paíseslatino-americanos: 0,59 – só igualado peloParaguai. Assim, os 20% mais pobres ficamcom apenas 2,5% da renda, enquanto os20% mais ricos detêm 63,4% dela.

Pode-se afirmar, respaldado no relatóriodo Pnud, que o crescimento econômiconão está necessariamente ligado à melhoriada qualidade de vida da população. No

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período de 1975 e 1997, o PIB per capitabrasileiro cresceu mais rapidamente queo Índice de Desenvolvimento Humano dopaís: 1,1% ao ano contra 0,7%. Na tabela1, apresentada a seguir, entre quatropaíses ibero-americanos, utilizando-seindicadores do Produto Nacional Brutoper capita, visualiza-se que, apesar de o

Brasil produzir o maior rendimento percapita, encontra-se numa posição descon-fortável em termos de IDH. Essa consta-tação permite concluir que o crescimentoeconômico que tornou o país mais rico nãoconseguiu transformar essa riqueza, namesma velocidade, em maior expectativade vida e alfabetização para a população.

A constatação de que o Brasil é um paísque possui sérias distorções em termos dedistribuição de renda também pode serverificada em diversos outros estudosproduzidos por instituições de pesquisaseconômicas do país e organismos interna-cionais. Entre eles, deve-se citar o relatóriodo Banco Interamericano de Desenvolvi-mento – BID, divulgado em novembro de1998, que confirma os dados do relatóriodo Pnud de 1999, ao afirmar que o Brasilsofre de uma das maiores desigualdadesna distribuição da riqueza do mundo. Os10% mais ricos possuem 50% da rendanacional. Ao mesmo tempo, existem 32milhões de pessoas que vivem abaixo dalinha da pobreza (indivíduos que vivem àmargem do Estado com uma renda quenão chega a US$ 1 por dia, conformedefinição da ONU).

Esse quadro torna-se mais preocupantena medida em que uma parcela da popu-lação, que estava começando a ter acessoa bens e serviços típicos da classe média,está sendo novamente arrastada para apobreza, provocada pela desvalorizaçãodo Real e a queda na atividade econômica,que reflete no nível de emprego e a renda.

As comprovadas diferenças entre ricose pobres no Brasil são grotescas, o que fazcom que o país conviva com uma tecno-logia do primeiro e a miséria do terceiromundo. Assim, convive o país entre essesdois mundos desiguais, com uma parcelada população que tem uma renda que estápróxima do limiar dos países desenvol-vidos, e a outra metade, na média, que seencontra um pouco acima da linha dapobreza absoluta. Esse quadro de contra-dições vem permitindo o surgimento demanifestações de descontentamento porparte do setor economicamente adiantado,por entender que o governo é incompe-tente para gerir a máquina governamental.Por sua vez, o governo recebe pressões porparte da sociedade organizada paraimplementar políticas públicas efetivasque permitam resolver ou pelo menosamenizar as carências do segmento maispobre da população.

Sabe-se que para erradicar a miséria épreciso integrar ações de saúde, educaçãoe geração de emprego, buscando o desen-volvimento local integrado e sustentável.Essa, porém, não é uma tarefa fácil, vistoque a pobreza não pode ser resolvida

Tabela 1. Tabela 1. Crescimento econômico versus qualidade de vida – ano 1997

País Posição na classificação do IDH PNB per capita em dólaresCosta Rica 45 2.680Venezuela 48 3.480México 50 3.700Brasil 79 4.790Fonte: Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud, edição de 1999.

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apenas por meio do enfoque econômico.A sua solução passa necessariamente pelaética solidária. A sociedade também temdeveres em relação ao seu desenvolvi-mento social, visto que a cidadania não éapenas aquela que cobra do Estado umdireito construído ou adquirido, é tambémaquela cidadania que faz, que exerce asolidariedade.

Assim, é necessário que a solidariedadeseja vista como um fator de desenvolvi-mento num país injusto, desigual e comexclusão social como o Brasil. Nessesentido, a ética solidária tem de tornar-setambém conceito econômico, para que asociedade, na sua mobilização, em parceriacom o Estado, com os setores empresariaise organizações não-governamentais –ONGs, possa enfrentar um desafio dessadimensão. Nesse contexto, torna-se indis-pensável a contribuição do terceiro setor,aquele que utiliza recursos privados comofinalidade pública, constituindo-se numsetor econômico com lógica e desenvolvi-mento próprios. Esse setor, que representauma parcela significativa do esforço paracombater a fome e a miséria, reflete o es-pírito inovador dos indivíduos, instituiçõese corporações que o sustentam e investecapital de risco nas ações de longo prazo.As ações do terceiro setor estão sendodesenvolvidas de diversas formas: pelasorganizações não-governamentais; pelaspróprias empresas ou instituições; emparceria com organizações da sociedadecivil que desenvolvem projetos de geraçãode renda; por trabalho voluntário.

O problema da fome, tema lançandoem 1940 por Josué de Castro, demonstraque essa discussão vem tendo uma evolu-ção lenta e gradual na consciência e naação da sociedade brasileira no enfrenta-mento do problema. É perceptível, porém,que o quadro de dificuldades da parcelada população mais carente no Brasil está-se agravando, de forma acelerada, nosúltimos anos, em que pese as ações desen-volvidas pela Comunidade Solidária,empresas privadas e as ONGs.

Esse quadro de fome e miséria estátornando-se tão gritante que a sociedade,por meio de seus segmentos mais represen-tativos – intelectuais, imprensa, empresá-rios, organizações não-governamentais,políticos –, vem-se mobilizando paraincluir na agenda de debates do paíspropostas que possam vir a resolver oumesmo amenizar esse grave problema. Aotratar do tema “A vergonha da pobreza”(Correio Braziliense, artigo, 28–7–99, p. 4),Antonio Carlos Magalhães, presidente doSenado Federal e líder do partido da FrenteLiberal, de tendência neoliberal, ressalta:

“O Brasil tem vergonha de simesmo. Envergonha-se de ser umpaís maltrapilho, mas com trânsitolivre na ante-sala dos países ricos.Potencialmente entre os mais ricose de economia entre as mais vigoro-sas, dono de invejável mercado, oBrasil detém hoje uma das distribui-ções de renda mais desiguais domundo, conseguindo manter quase40 milhões da sua população abaixoda linha da pobreza absoluta. (...)Enganam-se, contudo, os que pen-sam que é possível manter por maistempo este cenário perverso de con-tradições. O Brasil não pode avançarna globalização, na modernidade,na competitividade dos países maisdesenvolvidos, se suas elites dirigen-tes continuarem de costas para opovo. O dilema ao qual chegamos émuito simples: unimos nossas forçasacima das facções e dos partidos, dasideologias e dos interesses pontuaispara de fato modernizarmos pro-fundamente o Brasil, desde a suabase, desde as condições em que vivesua gente, ou jamais poderemosentrar para o seleto clube dos paísesdesenvolvidos. Não podemos, doponto de vista da produção industrial,ter como vizinhos o Canadá, a Itália,a Espanha, o Reino Unido e a França,mas ombrearmo-nos com Serra Leoae Bangladesh em qualidade de vida”.

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Por sua vez, José Genoino, deputadofederal, do Partido dos Trabalhadores(Correio Braziliense, “A desclassificação doBrasil”, artigo, 20–7–99, p. 17), observa queo Brasil, conforme o relatório da ONU, éimbatível na concentração de renda. Paraele, os dados são inequívocos; o Brasilcresceu economicamente nas duas últimasdécadas, mas essa riqueza não foi distribu-ída. Concentrou-se nas mãos de poucos. Nocaso da saúde, o governo gastou em 1995R$ 13,9 bilhões; em 1996, gastou R$ 14,1bilhões; em 1997, gastou R$ 14,0 bilhões eem 1998, R$ 13,9 bilhões. Levando-se emconta que de 1995 a 1998 a inflação atingiu43% e que as demandas da população porsaúde aumentaram, é fácil perceber osefeitos devastadores que essa redução dovolume de recursos vem provocando naqualidade de vida dos brasileiros. As pes-soas precisam deslocar recursos que eramgastos em comida, vestuário, etc. para cobrirnecessidades de saúde. Coisa muito dife-rente não ocorreu na educação: em 1995,os gastos foram de R$ 11,5 bilhões e, em1998, caíram para R$ 10,1 bilhões. Concluique, se todos esses dados “fossem cruzadoscom os dados do sistema tributário e fiscal,que é baseado na premissa de que ‘quemtem menos paga mais’, compreenderíamospor que o Brasil é o perverso campeão daconcentração de renda e riqueza”.

Assim, verifica-se que a importantequestão que diz respeito à falta de eqüi-dade na sociedade brasileira está deixandode ser uma bandeira apenas dos intelec-tuais, das organizações não-governa-mentais e dos partidos de esquerda. Asociedade brasileira, como um todo, está

chegando a um consenso de que é precisocombater, de forma consistente, a pobreza.Isso porque não basta que o país tenhachegado a um nível importante de desen-volvimento econômico, é preciso ir maisalém para deixar de continuar sendo umponto de referência de casos de extremadesigualdade, em termos de exclusão,pobreza e violência, visto que a democra-cia é muito mais que eleições livres e quea consolidação de um sistema de liber-dades demanda uma sociedade com umgrau no mínimo razoável de eqüidadesocial. Constata-se, particularmente nocaso brasileiro, que o capitalismo sabeproduzir, mas não sabe e nem tem nenhumcompromisso em distribuir a riqueza.

3.2. A dimensão da economia brasileira

O Brasil é a oitava economia do mundo,com uma população superior a 160 milhõesde pessoas, cuja população economi-camente ativa é de 75 milhões de pessoas(Carta do IBGE, nº 56, maio/99, p. 3). SeuPIB, em 1998, foi de R$ 901,0 bilhões (emparidade de poder de compra, o PIBbrasileiro é superior a US$ 1 trilhão). Arenda per capita foi de R$ 5.569,0 (essarenda ajustada pelo poder de compra é deUS$ 6.480,0 ao ano). Esse importante paísda América Latina se prepara para ingres-sar no século XXI (e nos 500 anos dodescobrimento), enfrentando uma preocu-pante crise econômica e tendo a sociedadebrasileira como maior desafio promoveruma reforma no seu modelo econômico,em particular na sua política fiscal. Veja aesse respeito os dados apresentados nastabelas 2,3 e 4 a seguir:

Tabela 2. PIB E PIB PER CAPITA DO BRASIL – 1998

PIB apm PIB per capitaVariação anual %R$ 1 98/97

Variação anual %R$ 1 98/97

BRASIL 901,0(*) 0,15 5.569,0 –1,1(*) R$ bilhões.Fonte: IBGE/DPE/DECNA

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Emir Sader, ao analisar os pontosnegativos do modelo econômico brasileiro(Revista ABAMEC, ano 18, junho/99,entrevista, “O problema da desregulamen-tação”, p. 3-6), ressalta que

“centralizaria tudo na questão dadesregulamentação da economia.Ou seja, a falta de controle da socie-dade sobre o conjunto de processoseconômicos e sociais que afetam opaís: a especulação financeira, aentrada e saída de capitais, os pro-cessos de trabalho, a qualidade dosserviços públicos etc. Quando oEstado deixa de ser responsávelpelas questões essenciais é funda-mental: garantir serviços públicos,emprego, limites para a circulaçãode capital – estabelecendo impostospara o capital financeiro especula-tivo e favorecendo o capital pro-dutivo. Estas seriam maneiras deregulamentar a economia. Mas oBrasil recuou nesse sentido. Ninguém

controla mais nada. O poder públicoestá absolutamente enfraquecido.Sem isso a sociedade não tem capaci-dade de controlar não só a vidaeconômica como também a vidasocial, política. Isto é o que mais temdevastado o direito à cidadania”. (...)“O grosso dos gastos do Estado nãoé com saúde, educação, etc., mas simcom o pagamento dos juros da dívi-da, transferindo os recursos finan-ceiros para o capital nacional einternacional”.

É oportuno recordar que, em seuprimeiro governo (1995-1998), o presidenteFernando Henrique Cardoso não conse-guiu fazer uma reforma fiscal profunda,como havia prometido durante a campanhaeleitoral. Por outro lado, a estratégia deelevar os juros para equilibrar os eventuaisdesajustes da economia foi sistemati-camente utilizada em termos de políticamonetária. Os juros foram elevados apósa crise do México em dezembro de 1994

Tabela 3. TAXA MÉDIA DE CRESCIMENTO DO PIB PER CAPITA DO BRASILPeríodo 1970/1997

PIB PIB per capita

70/80 80/90 90/97 70/80 80/90 90/97

BRASIL 8,6 1,6 3,1 6,0 –0,4 1,6

Fonte: IBGE/DPE/DECNA

Tabela 4. PARTICIPAÇÃO % DO PIB SETORIAL NO PIB GLOBAL DO BRASIL – 1998Participação %

Agropecuária Indústria Serviços

BRASIL 11,1 35,1 53,8

Fonte: IBGE/DPE/DECNA

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(FHC era ministro da Fazenda do governoItamar Franco); depois em novembro de1997, com a crise asiática; em outubrode 1998, com a eclosão da crise russa; e,em fevereiro de 1999, após a crise eco-

nômica (iniciada em janeiro) que obrigouo governo brasileiro a desvalorizar o Reale a mudar o regime cambial do país,conforme se constata na tabela 5, apre-sentada a seguir.

TABELA 5. COMPORTAMENTO DOS JUROS BÁSICOSPeríodo de Setembro de 1997/Junho de 1999 – Taxa Selic(*), % ao ano

Set/1997 19,80 Nov/1997 (1) 45,84

Ago/1998 19,28 Out/1998 (2) 41,58 Fev/1999 (3) 31,22 Jun/1999 (4) 21,00

Fonte: Banco Central do Brasil(*) Taxa anual da taxa Selic mensal, calculada com base em 252 dias úteis do ano.(1) Crise asiática.(2) Crise russa.(3) Crise brasileira, após a mudança do regime cambial (sistema de bandas cambias para o sistema de flutuação cambial), em janeiro de 1999. No início de março a taxa subiu novamente para 45%.(4) Taxa com perspectiva de redução, de forma muito lenta, até o final de 1999.

Os dados divulgados pela FundaçãoIBGE sobre a economia informal brasileira,no mês de outubro de 1997, por meio deentrevistas realizadas em quase 50 mildomicílios localizados em áreas urbanas de753 municípios, demonstram que o setorinformal movimentava naquele épocacerca de R$ 12,9 bilhões ao ano, envol-vendo cerca de 9,5 milhões de empresas,que empregavam mais de 12 milhões depessoas. Apesar de gerar valores corres-pondentes a apenas 8% do PIB, a popula-ção agregada a esse setor corresponde acerca de 25% da população economi-camente ativa – PEA do país. Decorridosquase dois anos da realização da pesquisa,tudo indica que esse quadro do setorinformal agravou-se, considerando osefeitos recessivos a que foi submetida aeconomia brasileira, especialmente após acrise russa, em agosto de 1998, que levouo governo a utilizar a sua receita clássicade elevação das taxas de juros, e posteri-ormente com o abandono da defesa damoeda, e a adoção da nova política cam-bial (que culminou com a maxidesva-lorização do Real), no começo de 1999.Assim, pode-se supor que o setor informal

foi ampliado (em termos do seu contingen-te de trabalhadores), e com isso sofrendoos mesmos problemas da conjuntura eco-nômica que o setor formal sofre, ou seja, aelevação das dificuldades de sobrevi-vência num mundo que se torna maiscompetitivo, mais integrado e impõe ummercado de trabalho mais qualificado erestritivo em termos de oferta de empregoformal.

Outro indicador importante sobre acrise econômica e os seus reflexos na socie-dade são os dados produzidos pela Centra-lização de Serviços dos Bancos – Serasa,que demonstram a elevação significativanos números de falências de empresas noBrasil, num total de 22,7 mil falências, noperíodo de julho de 1994 a junho de 1999.Isso significou um aumento de 168% emrelação às 8,5 mil falências decretadas noperíodo de julho de 1989 a junho de 1994.

3.3. As metas indicativas de desempenho daeconomia brasileira

A elevação na taxa de inflação (medidapelo Índice Nacional de Preços ao Consu-midor – INPC), que foi de 2,49% em 1998,deverá chegar próximo de 8% em 1999.

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Esse aumento da inflação, segundo osindicadores da economia brasileira, nãoserá maior em função da recessão, que estáprovocando queda no consumo, bemcomo redução nos investimentos corpora-tivos. As projeções mais recentes indicamque haverá uma queda no PIB brasileiropróxima de 1,0% em 1999.

Previa-se, nas metas indicativas e noscritérios de desempenho da economia do

Brasil, inicialmente acordado com o FMI,que a taxa de inflação para o ano de 1999seria de 16,8%, com uma expectativa deretração na atividade econômica – quedano PIB – entre 3,5% a 4%. Essas metas estãosendo revistas pelo governo brasileiro e oFMI para 12% de inflação e 1,2% deredução do PIB em 1999. Veja a esserespeito, na tabela 6, o quadro de metas(revisto) do acordo do Brasil com o FMI.

Tabela 6. QUADRO DE METAS DO ACORDO DO BRASIL COM O FMI

Itens Acordo anterior Acordo atual

Crescimento do PIB Queda de 3,5% a 4% Queda superior a 1%Superávit comercial US$ 10,8 bilhões US$ 3,7 bilhõesDéficit nominal (% do PIB) 10,34% 9%Déficit primário R$ 23,718 bilhões (janeiro a

setembro)R$ 23,788 bilhões (janeiro asetembro)

Dívida líquida do setor público R$ 510,608 bilhões, ou 50,7% doPIB (setembro)

R$ 513,519 ou 51,0% do PIB(dezembro)

Déficit em transações correntes US$ 17,5 bilhões US$ 21 bilhõesInvestimento direto US$ 17 bilhões US$ 18 bilhõesReceita de privatização em 1999 R$ 27,836 bilhões R$ 13,211 bilhõesReservas líquidas em 31.10.99 US$ 24,726 bilhões US$ 26,300 bilhõesCotação do dólar em dezembrode 1999

R$ 1,70 R$ 175

Por sua vez, as previsões feitas pelaConfederação Nacional da Indústria –CNI, que constam do documento “Econo-mia Brasileira – Desempenho e Perspecti-vas”, de junho de 1999, indicam que o PIBdeverá ter uma queda entre 0,5% e 1%,enquanto a retração da produção indus-trial, que em 1998 foi de 2,3%, deverá ficarem 1,2%. O balanço comercial brasileiro,por sua vez, deverá contabilizar expor-tações estimadas em US$ 50,6 bilhões eimportações de US$ 49,6 bilhões, em 1999.O país deverá obter um superávit deUS$ 1 bilhão, o que ficará bem abaixo dosUS$ 4 bilhões projetados pelo governo narevisão do acordo com o FMI, feita no mêsde junho de 1999.

A principal explicação para a estima-tiva dessa redução no superávit é que ocomércio mundial, que teve um cresci-mento de 10% em 1997, cresceu somente3,5% em 1998, e as projeções feitas porespecialistas do setor indicam que eledeverá crescer cerca de 2% em 1999, o queirá inibir a expansão de muitos mercadosimportadores. Os preços das commodities,importante componente das exportaçõesbrasileiras, encontra-se em queda nomercado internacional; a paralisação daslinhas de crédito ocorrida após a criserussa e demora no restabelecimento afetao timing das exportações, que não têmrespondido adequadamente ao estímulodo câmbio desvalorizado; e o longo período

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de valorização da moeda brasileira (oReal) e a ausência de uma estratégia ativade inserção no mercado externo afastaramas empresas da atividade exportadora.Assim, além da retração das exportaçõesno segmento de produtos manufaturados– como automóveis, autopeças e máquinas–, devido à crise econômica nos paíseslatino-americanos, especialmente na

Argentina, na exportação dos produtosbásicos – como soja, minério de ferro, cafée carnes – e dos semimanufaturados –celulose, açúcar, alumínio –, em que peseo volume das vendas estarem aumentandoem 1999, os preços caíram em média 20%em relação aos preços de 1998. Veja a esserespeito os indicadores das tabelas 7 e 8,apresentadas a seguir.

Tabela 8. SALDO DO BALANÇO COMERCIAL DO BRASILEm US$ bilhões

1994/19991994 4,31995 -2,71996 -0,21997 -1,71998 -1,9

1999 (*) -0,4

Fonte: IBGE(*) De janeiro a maio

A inflação esperada pela CNI é de 7%este ano, com base na variação do Índicede Preços aos Consumidor – IPCA, doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica – IBGE. Em nível de desempenho daeconomia brasileira, as perspectivas parao segundo semestre de 1999 são de umarecuperação gradual da economia nacio-nal, condicionada a continuidade daredução da taxa real de juros (que esperaseja reduzida para menos de 10% até ofinal do ano). Ocorrendo uma recuperaçãogradual da atividade econômica, espera aCNI que o desemprego feche o ano de 1999entre 7% e 7,5%.

3.4. Taxas de juros, dívida pública edesemprego no Brasil

Com uma dívida pública em títulos queatingiu R$ 500,7 bilhões em fevereiro de1999 (cerca de US$ 300 bilhões), pagandojuros bancários muito elevados, quechegaram até 45% ao ano, o Brasil foi umdos países que pagou as maiores taxas dejuros do mundo nos últimos cinco anos.Segundo levantamento da AssociaçãoNacional das Instituições do MercadoAberto – ANDIMA, as grandes quantiasque ficaram aplicadas em renda fixa dejulho de 1994 (início do plano Real) atémaio de 1999 tiveram rendimentos supe-

Tabela 7. PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASILPeríodo de 1992/1999 - Variações (%)

1994 +5,851995 +4,221996 +2,761997 +3,681998 + 0,12

1999 (*) -0,99Fonte: IBGE(*) De janeiro a março

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riores a 357%. Esses ganhos correspondema quase cinco vezes a inflação de 73%,medida no período pelo Índice Geral dePreços do Mercado (IGP-M), da FundaçãoGetúlio Vargas. Os juros, nesse período,

foram usados para atrair o dinheiro queestava sobrando no orçamento interno,mas principalmente aquele que estavadisponível no mundo. Veja a esse respeitoa tabela 9, apresentada a seguir.

Tabela 9. TAXAS DE JUROS PRATICADAS NO BRASILOver/Selic (*) (taxa ao ano) Em %

1995/19991995 38,921996 23,941997 42,041998 31,24

1999 (**) 21,00

Fonte: Banco Central do Brasil(*) Em dezembro(**) Em junho

É um consenso entre os analistaseconômicos que a crise econômica que seinstalou no Brasil, a partir do final de 1998,não será resolvida a curto prazo. Os indi-cadores econômicos sinalizam que aretomada do crescimento econômico, emníveis adequados, irá exigir da sociedadepelo menos três anos de enormes sacrifí-cios. As altas taxas de juros praticadas noinício da crise dispararam o valor dadívida das 50 maiores empresas do paíspara cerca de US$ 43,1 bilhões, e, com aslinhas de créditos fechadas e grande partedessas dívidas em dólares, cujo valor é naatualidade 50% maior que no final de 1998(antes da desvalorização cambial), amaioria dessas empresas se viram forçadasa restringir suas atividades, o que provo-cou efeitos sobre o nível de desemprego.

Nesse cenário descrito, pressionadopelas crises econômicas asiática e russa, ogoverno brasileiro, que já vinha resolvendoo problema de seu desequilíbrio fiscalelevando as taxas de juros, ao firmar oacordo com o FMI, comprometeu-se amanter essa política, acentuando a quedano nível de atividades das empresas, arecessão da economia, e elevando a taxade desemprego. Assim, é importanteressaltar que as taxas de desemprego noBrasil, que se mantiveram estáveis noperíodo de 1994 a 1997 (5,06 em 1994, 4,64em 1995, 5,42 em 1996, 5,66 em 1997),pularam para 7,59 em 1998 e continuamsubindo em 1999, alcançando 7,7% no mêsde maio, a mais alta dos últimos 15 anos.Veja a esse respeito os dados da tabela 10,apresentada a seguir.

Tabela 10. TAXA DE DESEMPREGO DO BRASIL1994/1999

Em %1994 5,061995 4,641996 5,421997 5,661998 7,59

1999 (*) 7,84Fonte: IBGE(*) Até junho. A taxa média de desemprego no 1º semestre de 1999 foi de 7,82%.

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Por sua vez, é importante registrartambém, como sinalizador das taxas dedesemprego no Brasil, o índice de desem-prego na Grande São Paulo realizado me-diante a pesquisa Seade-Dieese (institui-ção vinculada ao movimento sindical dostrabalhadores). Os dados elaborados peloDieese e pela Fundação Seade registraramque a taxa média de desocupação nagrande São Paulo em 1998 foi de 18,3%.Os dados de desocupação, referentes aomês de junho de 1999, situavam-se em19,9%, de uma população economica-mente ativa estimada em 8,967 milhões detrabalhadores.

3.5. A política de juros e o combate àinflação no Brasil

Sabe-se que o combate à inflação é oprincipal objetivo da política de juros.Antes a preocupação era atrair dólares aopaís e assegurar uma baixa cotação damoeda norte-americana. O Banco Centraldo Brasil – BC, desde 4 de março de 1999,quando o Comitê de Política Monetária –Copom elevou as taxas de juros para 45%ao ano, vem reduzindo de maneira cadavez menos freqüente e com menor inten-sidade os juros básicos da economia. Aprática de taxas de juros tão elevadasestava relacionada à possível necessidadede conter as pressões inflacionárias quepoderiam advir da desvalorização doReal. Como a alta da cotação do dólar nãoprovocou disparada da inflação, o governovem anunciando seguidas reduções dastaxas, que continuam acima dos 19% dejuros anuais vigentes, até pouco antes damoratória russa, em agosto de 1998.

Com a crise econômica que provocoua desvalorização do Real, o governodecidiu substituir a âncora cambial quevinha sendo utilizada desde junho de 1994para dar estabilidade ao plano Real (naqual adotava o sistema de bandas cambiais)pelo sistema de metas para a inflação, que,argumenta, é mais compatível com oregime de câmbio flutuante.

Assim, a partir de 1º de julho de 1999,o governo adotou uma nova política decontrole de inflação, a denominada “polí-tica de metas de inflação”, que obriga oBanco Central do Brasil a conduzir apolítica monetária para alcançar as taxasdefinidas pelo Conselho Monetário Na-cional – CMN. Para 1999, o governou fixouem 8% o Índice de Preços ao Consumidor,medido pelo IBGE. Existe, porém, umafaixa de dois pontos percentuais dentro daqual esse índice poderá oscilar para cimaou para baixo, isto é, se no fim de 1999 oIPCA ficar entre 6% e 10%, o governoconsidera ter cumprido a meta. O índiceque o governo pretende alcançar em 2000é uma taxa de 6%, e de 4% em 2001, emtermos de metas de inflação.

3.6. O sistema de metas de inflação

Com a busca da maximização daeficácia da política monetária, que temcomo objetivo prioritário a estabilidade depreços, torna-se relevante debater asseguintes questões: quais devem ser osprincípios inspiradores da formulação daestratégia monetária? Como se devecomunicar aos agentes privados as açõesem que se efetiva a política monetária? Emsíntese, resulta decisiva a forma pela quala autoridade monetária se aproxima dosdemais agentes econômicos para concre-tizar a sua estratégia monetária.

A literatura acadêmica sustenta que osbancos centrais, para serem eficazes,devem-se manter fora do alcance dasinterferências oriundas da esfera polí-tica, bem como aponta a fixação de umobjetivo direto de inflação como soluçãoao risco inflacionário inerente à instru-mentação de uma política monetária porparte do banco central, que não se su-jeita a uma regra explícita na conduçãoda mesma.

Assim, o estabelecimento de um obje-tivo direto de inflação (inflation targeting)é procedente tendo como base um regime

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monetário no qual o banco central adotao compromisso formal e explícito dealcançar um objetivo de inflação quanti-ficado com precisão, com liberdade paraeleger os meios para conseguir o referidoobjetivo e sendo responsável pelo seusucesso. Dessa forma, os riscos distintos deum esquema de instrumentação mone-tária baseado no controle direto da infla-ção são a eleição de um objetivo explícitopara a inflação e o compromisso dealcançá-lo em um período de tempodeterminado, período que normalmenteenvolve vários anos.

Entre os diversos especialistas quetrataram do sistema de metas inflacio-nárias (inflation targeting), destaca-se otrabalho de autoria de Ben S. Bernanke eoutros, que, em seu livro “Inflation Targe-ting, Lessons from the international Experi-ence” (Princeton University Press), defen-de esse sistema como a melhor maneira deenfrentar pressões políticas contra aspolíticas de juros dos bancos centrais e depermitir que o governo reduza as taxassem perder o controle da inflação. A basede sustentação para a adoção de um obje-tivo direto de inflação se encontra nacrença amplamente compartilhada peloseconomistas de que a longo prazo nãoexiste trade-off entre inflação e desempre-go. As taxas de inflação elevadas implicammaiores custos (perda de eficiência naalocação de recursos, efeitos redistribu-tivos, etc.) e nenhum benefício em termosde emprego; daí nasce a prescrição deeleger um objetivo que implique uma taxade inflação reduzida.

A esse respeito, observa J. B. Taylor(1996: 31) que fixar um objetivo explícitode inflação não significa que este seja umponto máximo, porque, se a inflação caipara um nível abaixo da taxa fixada comoobjetivo, as conseqüências serão tãodesfavoráveis para a economia comoaquela taxa que se situa acima daquela.

O governo brasileiro, além da escolhade um índice de preços do IBGE, o INPC,

para aferir o comportamento da inflação,decidiu adotar também, a partir de julhode 1999, um sistema de metas de inflação(inflation targeting). Essa mudança éconsiderada pelo governo como a maisimportante inovação no plano Real, desdea mudança do sistema cambial, quepassou a adotar a flutuação do real, frenteao dólar, em janeiro deste ano. Por outrolado, vem sendo considerada temeráriapor alguns analistas econômicos, entreoutros motivos, por representar um riscoo estabelecimento de uma taxa esperadade inflação futura para balizar medidasmonetárias de caráter restritivo sobre aatividade econômica, em face da eco-nomia brasileira não ter recebido aindatodos os efeitos do aumento de custosdecorrente do realinhamento cambial e dorecente aumento da carga fiscal. Essesistema de metas inflacionárias já vemsendo utilizado por diversos países comeconomias estáveis, entre os quais: NovaZelândia (1990), Canadá (1991) e ReinoUnido (1992).

É preciso alertar que a adoção das taxasde juros como instrumento orientado paragarantir a estabilidade de preços é utili-zada em ambientes em que predominamcrescimento econômico regular, taxas deinflação baixas e inexistência de choquesde custos de maior intensidade; além deque as taxas de curtíssimo prazo nãoafetam o estoque de títulos de dívidapública ou os saldos dos empréstimos (demédio e longo prazo) destinados a financia-mentos para investimentos de empresas ede imóveis. Nesse sentido, a ação do go-verno, por meio de uma política monetáriaclássica, irá utilizar as taxas de jurosapenas como indicador para o mercado eestará direcionada para garantir a estabi-lidade dos preços, evitando que qualquerinstabilidade na economia, capaz de gerardesequilíbrios entre a oferta e a demanda,possa vir a criar as condições básicas paraelevação de preços não justificados porelevação de custos.

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Esse sistema de metas não tem o obje-tivo de acertar a inflação, mas de influen-ciar no processo de formação da expecta-tiva de inflação. O inconveniente dessapolítica de metas, caso as metas fixadassejam altas (diante da possibilidade de vira induzir os formadores de preços aconvergir para esse percentual estabele-cido), é estimular o retorno da reindexaçãoda economia.

Pode-se prever que o principal obstá-culo com que irá se deparar o governobrasileiro, para evitar que os limitesmáximo e mínimo estabelecidos sejamultrapassados, é o problema fiscal estru-tural do país. Sem a questão fiscal resolvi-da, o BC terá dificuldades de baixar astaxas de juros. Caso o teto ou o piso dejuros fixado pelo governo sejam rom-pidos impunemente, essa política demetas de inflação se tornará inócua. Issoobrigará a necessidade de assegurarsuperávits primários (arrecadação maiorque despesas, sem incluir o pagamento dejuros) permanentes, que só serão alcança-dos com a aprovação pelo CongressoNacional da Lei de responsabilidadeFiscal, dos complementos da reformaadministrativa e da Previdência e dareforma tributária.

3.7. A fixação das taxas de juros no Brasil

A taxa de juros definida pelo Copom,para orientar as ações do Banco Central(e que doravante tem o propósito deatingir metas de inflação), foi reduzida de45% em março para 21% ao ano em junhode 1999. Nesse sentido, o Banco Centraldetermina a trajetória dos juros básicosfixando metas para a chamada taxa Selic(média dos empréstimos de um dia entrebancos, garantidos por títulos federais).Por ser o maior participante desse mer-cado, é o BC que, na prática, define a taxaSelic.

As perspectivas, a curto e médio prazo,do ponto de vista social e político, são

preocupantes, considerando que a práticade altas taxas de juros como instrumentode combate da inflação, na forma reco-mendada pelo FMI, não será alterada, oque significa dizer que os seus efeitosrecessivos irão continuar inibindo ocrescimento da economia brasileira. Semembargo, esse quadro de turbulênciasdescrito permite entender e prever apossibilidade de riscos de instabilidadepolítica pela qual poderá passar o Brasilnesta virada de século.

Questiona-se, portanto, se os trêsvértices de economistas que estão definin-do a política econômica do país – os dogoverno brasileiro, os do FMI e BIRD e osfuncionários do governo dos EUA – atua-ram de forma adequada do ponto de vistada política.

4. Brasil: uma crise econômica anunciadaEra previsível que a economia brasi-

leira, desde o segundo semestre de 1998,estava rumando para uma profunda criseeconômica, que a levaria para a recessão.Essa previsão pode ser constatada a partirda análise dos indicadores econômicoscontidos nas tabelas 11, 12, 13 e 14,apresentadas a seguir. Os elevados jurosfizeram com que o déficit público aumen-tasse vertiginosamente, visto que o go-verno brasileiro mantinha grandes dívidasde curto prazo e os custos de financiamentoeram bastante elevados. Entre 1994 e 1998,a dívida líquida total do setor públicocresceu 154%, passando de R$ 153,1bilhões para R$ 388,6 bilhões (o querepresentou 42,6% do PIB). O déficitpúblico nominal passou de 3,9% da rendanacional em 1997 para 8,02% do PIB em1998. Diante desses desequilíbrios, osinvestidores e os bancos internacionais,em particular os bancos norte-americanos,começaram a retirar o dinheiro, obrigandoo governo brasileiro, por meio do BancoCentral do Brasil, a desfazer-se das reservas,vendendo dólares.

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Tabela 11. DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO DO BRASIL US$ milhões

1996 1997 1998 (fev.) 1999

Saldos %PIB Saldos % PIB Saldos % PIB Saldos % PIB

Governo federal e BC 128.413 16 167.742 19 231.258 25 317.368 33

Governos estaduais – – 100.257 11 113.160 12 124.295 13

Governos municipais – – 15.635 2 17.745 2 18.992 2

Empresas estatais 500.788 6 24.793 3 26.504 3 40.132 4

Federais 20.468 3 8.906 1 7.377 1 15.571 2

Estaduais 26.445 3 15.077 2 17.836 2 23.256 2

Municipais 529 0 810 0 1.291 0 1.305 0

Dívida líquida total 269.194 33 308.425 34 388.667 43 500.788 52

Fonte: Banco Central do Brasil

Tabela 12. DÉFICIT PÚBLICO DO BRASIL

Em US$ bilhões

1994 / 1999

1994 236,9

1995 48,6

1996 47,1

1997 54,3

1998 72,7

1999 (*) 117,9

Fonte: Banco Central do Brasil

(*) Estimativa

Tabela 13. DÉFICIT EM TRANSAÇÕES CORRENTES DO BRASIL (*)1994/1999

Em US$ bilhões Em % do PIB1994 1,6 - 0,311995 17,9 -2,471996 23,1 -3,271997 33,4 -4,161998 35,1 -4,33

1999 (**) 32,0 –4,66Fonte: IBGE e Banco Central do Brasil(*) O crescimento do déficit em transações correntes significa que o país está mais dependente de capitais externos.(**) Até maio. Deve-se registrar que o déficit em dólares caiu, mas sua relação com o PIB aumentou, porque o valor do PIBbruto do país caiu de US$ 707 bilhões, em abril, para US$ 688 bilhões, em maio.

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5. Os termos do acordo do FMI com oBrasil

5.1. Antecedentes do acordo Brasil-FMI

Para melhor compreender como oBrasil foi levado a assinar o atual acordode empréstimo com o FMI, deve-se re-cordar que, desde o segundo semestre de1998, o governo brasileiro (frente aoagravamento da crise mundial, que grada-tivamente aumentava a desconfiança dosinvestidores internacionais nos chamadospaíses emergentes) vinha mantendo a suapolítica de elevação de taxas de juros, paraenfrentar o que dizia ser uma “crisesistêmica”. Mesmo assim, continuava aperder, de forma acelerada, as suasreservas internacionais (registrando queem abril de 1998 o país tinha um saldo deUS$ 74 bilhões de reservas). Era previsível,nesse cenário, que o Brasil se encaminhavapara uma crise econômica sem preceden-tes na sua história e que certamente, peladimensão da economia brasileira, iriaproduzir reflexos sobre a economia docontinente americano e mundial.

O governo brasileiro, mesmo conscientede que a moeda nacional poderia sofrer umataque especulativo, diante dos indicado-res negativos da economia, manteve-seirredutível ao longo de 1998, negando-sea reduzir as taxas de juros e permitir queo Real alcançasse uma cotação realista(visto que os estudos econômicos indica-vam que a moeda se encontrava sobreva-lorizada). No segundo semestre de 1998,a Rússia, ao deixar de honrar os seuscompromissos com os credores externos,declarando uma moratória unilateral,deflagrou um sinal de alerta no mundo,fazendo com que os investidores começas-sem a fugir dos mercados denominados“emergentes”. Os efeitos desse pânicomundial provocou sensíveis perdas nasreservas internacionais do país (estima-seque somente em janeiro de 1999 as perdasforam de cerca de US$ 22 bilhões). Foinesse contexto que o FMI e os países doG-7, especialmente os Estados Unidos,decidiram fazer um empréstimo ao Brasil,no valor de US$ 41,5 bilhões, para permitira defesa da moeda brasileira.

Tabela 14. FONTES DE PRESSÃO DO GASTO PRIMÁRIO FEDERALNA DÍVIDA PÚBLICA DO BRASIL

em R$ bilhões1995 1996 1997 1998

Déficit do INSS 0,6 0,2 3,3 7,4Déficit do SeguroDesemprego

-3,8 -4,2 -3,2 -2,2

BenefíciosAssistenciais

0,0 0,2 0,8 1,1

Déficit do Sistemade Aposentadoriase Pensões dosServidores

17,4 16,8 16,5 19,0

Programassetoriais (outroscusteios e capital,inclusive saúde)

29,2 26,9 39,5 36,5

Total 43,4 39,9 56,9 61,8(*) Valores de 1998, deflacionados pelo PIB nominal(**) Os valores negativos representam superávitFonte: Raul Velloso. Revista Rumos, maio/1999, p. 9.

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A decisão de emprestar dinheiro aoBrasil pelo FMI, para evitar que a econo-mia brasileira fosse arrastada pelo turbi-lhão da crise econômica internacional(que já havia afetado vários países da Ásiae a Rússia), foi adotada num contexto emque estavam em jogo grandes interesseseconômicos, especialmente dos bancosinternacionais que detinham grandesinvestimentos no Brasil. É perceptível queos grandes beneficiários do empréstimo doFMI ao Brasil foram os banqueiros inter-nacionais com inversões no país, espe-cialmente os banqueiros norte-america-nos, pois, diante da crise, queriam que opaís mantivesse o seu tipo de câmbio,considerando que isso lhes daria tempopara retirar o seu dinheiro.

Com a eminência de uma crise eco-nômica que poderia vir a criar instabili-dade em nível global (e que tinha chegadoao Brasil, em setembro de 1998), realiza-se em Washington, EUA, em outubro de1998, a assembléia anual conjunta do FMI,BIRD e BID, além dos representantes dospaíses ricos (G-7), que tinha como prin-cipais itens da pauta: a busca de soluçãode emergência para a crise que ameaçavaa economia mundial e o início dos debatespara encontrar uma solução de longoprazo para resolver o problema. O Brasilteria prioridade nesse esforço, conduzidopelo FMI, para evitar o agravamento dacrise. Saiu desse encontro de cúpula apromessa de que o país receberia um

empréstimo do FMI, na forma de fundoemergencial. Ficou estabelecido, na ocasião,como uma decisão da equipe econômica,que o governo brasileiro não faria umadesvalorização do Real.

Em que pese o Brasil ter recebido o sinalpositivo de que receberia um pacote deajuda do FMI, para enfrentar o ataqueespeculativo contra o Real, e que não iriadesvalorizar a sua moeda, a pressão nofinal de 1998 tornou-se insustentável,provocada pela perda de reservas, quecolocava em risco a possibilidade de o paíscontinuar honrando seus compromissos noexterior. Isso forçou o governo brasileiro amudar a política cambial, desvalorizandoa moeda (anunciada pelo Banco Centraldo Brasil no dia 12 de janeiro de 1999).A crise especulativa foi tão forte quesomente no dia 29 de janeiro o Real chegoua se desvalorizar 79%, num clima de inse-gurança e de rumores sobre o risco de umconfisco, o que provocou uma corrida aosbancos.

A fuga acelerada de capitais e o nervo-sismo nos mercados obrigaram o governobrasileiro, que possuía em abril de 1998 umsaldo de US$ 74 bilhões em reservas, agastar, daquele período até junho de 1999,cerca de US$ 54 bilhões de suas reservasinternacionais (considerando o emprés-timo de US$ 20 bilhões obtido junto ao FMI),o que reduziu o seu total para US$ 40,4bilhões em maio de 1999, conformedemonstra a tabela 15, apresentada a seguir.

Tabela 15. COMPORTAMENTO DAS RESERVAS CAMBIAIS DO BRASIL - 1994/1999Em US$ bilhões

Conceito de caixa (*)1994 36,41995 50,41996 59,01997 51,31998 43,6

1999(**) 40,4Fonte: Banco Central do Brasil(*) No fim do período(**) Em junho

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Nos termos do acordo firmado peloBrasil com o FMI (organizado num pactode ajuda internacional), que proporcionouao país um empréstimo no valor de US$41,5 bilhões, a ser liberado em parcelas,estabeleceram-se diversas metas indica-tivas e os critérios de desempenho da eco-nomia brasileira, como: crescimento doPIB, superávit comercial, déficit nominal(% do PIB), déficit primário, dívida líquidado setor público, déficit em transaçõescorrentes, investimento direto, receita deprivatização, reservas líquidas e cotaçãodo dólar em dezembro de 1999.

Entre as exigências do acordo do Brasilcom o FMI, uma das metas mais difícil deser alcançada pelo governo brasileiro em1999 é a redução do déficit em transaçõescorrentes do Balanço de Pagamentos. Adiminuição da vulnerabilidade nas contasem dólares, é importante alertar, é umacondição para o refinanciamento dadívida externa e o restabelecimento delinhas de crédito comercial do país.

É importante ressaltar que esses tiposde empréstimos feitos pelo FMI são usadospara poder pagar os investidores estran-geiros, ou seja, mediante um mecanismodireto ou indireto. Ocorre indiretamentequando o Banco Central vende dólares nomercado de divisas. Diante de uma situa-ção como essa, são os contribuintes brasi-leiros que mais terão a perder, visto quenos termos desses acordos são definidasmetas e critérios de desempenho para aeconomia do país, como corte de fundossociais e outros gastos essenciais aodesenvolvimento, para garantir o paga-mento do crédito concedido pelo FMI.

Assim, o governo brasileiro, depois deter conduzido a economia rumo a umaforte recessão e de haver incorrido emenormes dívidas, em função do paga-mento de taxas de juros muito elevadas,diante da pressão dos especuladoresmonetários internacionais, e após consul-tar o FMI, abandonou a defesa de suamoeda, em janeiro de 1999. Dessa forma,foi alterado o sistema cambial do país, que

deixou de ser o de bandas cambiais,passando para o sistema de flutuaçãocambial (flutuação suja).

5.2. Principais compromissos do governobrasileiro no acordo com o FMI

Entre os compromissos firmados pelogoverno brasileiro no acordo com o FMI(veja a esse respeito a íntegra da terceiraavaliação do acordo com o FMI, Brasília,Ministério da Fazenda, 5–6–99), deve-sedestacar os seguintes:

1. Reduzir o gasto com a folha salarialdo funcionalismo. Novas medidas paraenxugar o número de funcionários públicosna administração federal;

2. Manter os preços dos derivados dopetróleo alinhados com o mercado inter-nacional e com a cotação do dólar nomercado interno;

3. Implementar as medidas autorizadaspela Reforma da Previdência para com-pensar o menor crescimento dos benefíciospagos pela população;

4. Conter despesas com programasremanescentes de subsídios parciais eimpor novos limites para gastos correntese investimentos conforme disponibilidadede recursos;

5. Dar seqüência à reforma do sistemaprevidenciário, com apresentação deprojetos de lei para alterar os regimes deaposentadorias dos autônomos, traba-lhadores rurais e militares.

Dessas metas do acordo firmado como FMI, a mais preocupante, do ponto devista social e político, é a que trata daeliminação do déficit público e a exigênciade apresentação de superávit nas contaspúblicas no período de 1999/2001. Osefeitos desse acordo do Brasil com o FMIestão provocando reflexos perversos sobrea sociedade como um todo, em decorrênciada queda na atividade econômica e elevaçãodo nível de desemprego, aumentandoassim a exclusão, pobreza e violência nopaís, além de causar desgaste, desarticu-lação política e queda na popularidade dogoverno.

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6. Críticas à instituição FMI

As críticas à instituição FMI, ampla-mente compartilhadas pela maioria dosanalistas da economia mundial, coinci-dem nos seguintes pontos:

a) O FMI, como o Banco Mundial, foiconcebido para proporcionar aos EstadosUnidos um controle completo de suasintervenções. Ao rechaçar a opção de umbanco central mundial defendida porKeynes, os EUA preferiram uma instituiçãomais débil, em situação de dependência, auma que pudesse ser mais eficaz, na qualos EUA tivessem, porém, que comparti-lhar a responsabilidade com outros países.

b) Apesar da lógica contida claramenteem seu mandato inicial, o FMI não temsido capaz de obrigar as grandes potênciascapitalistas (especialmente os EstadosUnidos), ainda que evidenciassem supe-rávits ou déficits, a realizarem ajustesestruturais tão duros como os que impõeaos países subdesenvolvidos. A explicaçãose encontra no que foi afirmado no pará-grafo anterior;

c) Em suas relações com os paísessubdesenvolvidos, o FMI não tem perse-guido o objetivo de prevenir níveis dema-siado altos de endividamento, como os dosanos setenta, ou, em conseqüência, reduzira dívida. Sua tarefa consiste em gerir adívida impondo ajustes estruturais dese-nhados com esse único propósito, pagar oserviço da dívida, mesmo quando essesajustes possam ser prejudiciais para ocrescimento econômico.

A crítica que se faz à atuação dosdirigentes dos citados órgãos supranacio-nais – FMI e BIRD – e governo dos EUA,traduzida pela hegemonia de suas deci-sões e interferências, é bastante clara emrelação ao caso da crise econômica doBrasil na atualidade. É evidente que osautoritários tecnocratas dessas instituiçõestomam como base a premissa de que aque-les que ocupam altos cargos oficiais sabemmais que o resto da sociedade e, portanto,não só têm o direito mas a obrigação deimpor seus superiores conhecimentos.

Por recomendação do FMI, BIRD egoverno dos EUA, a política econômicaque está sendo adotada pelo governo doBrasil está impregnada de erros no campoda política, na medida em que está sendoimplementada de forma desvinculada dapolítica social. A implementação simul-tânea dessas duas políticas é uma condi-ção, necessária para a manutenção dagovernabilidade do país. Na medida emque essa preocupação com o social não élevada em consideração, a democraciacomeça a ficar ameaçada. E, nesse caso,pergunta-se: estamos frente à segundaforma de morte da democracia, observadapor O’Donnell, ou seja, o método mais sutile seguro para os inimigos da democracia,que é terminá-la lentamente, mediante oagravamento dos problemas sociais e daexclusão, que permitirá a erosão gradualdas liberdades, garantias e processosque são vitais para a sobrevivência dademocracia?

7. A eficácia, legitimidade e efetividade deum sistema político

Os mecanismos existentes no Brasil, emtermos de informações, são deficientes e,portanto, não se pode perceber qual é ograu da situação dos setores afetados (oque, muitas vezes, leva a uma situaçãoinsuportável para a sociedade, em setoresvitais como a seguridade social, educação,comunicações, reforma agrária, etc.).Nesse ponto, três dimensões que caracte-rizam um sistema político cobram impor-tância: sua eficácia, sua legitimidade e suaefetividade. Dessa forma, o governo doBrasil está frente à questão examinada porLipset (1959) e complementada por Linz(1987), de que a estabilidade de umsistema democrático depende de suaeficácia, de sua legitimidade e de suaefetividade.

Assim, diante do agravamento da criseeconômica, o Brasil se depara com umcenário de queda na atividade econômica,com elevada taxa de desemprego, com

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grandes incertezas no setor externo e apopularidade do presidente do país no seunível mais baixo desde o lançamento doplano Real, em 1º de julho de 1994. Ogoverno está enfrentando sério desgaste edesarticulação política em sua base departidos aliados, o que dificulta os avançosque o programa de estabilização exige.

Assim, torna-se importante questionar:a crise econômica que afeta o Brasil, naatualidade, representa uma ameaça àgovernabilidade e, portanto, à estabilidadeda democracia brasileira? Os decisores quese ocupam da crise econômica do Brasil(FMI, BIRD e governos dos EUA e doBrasil) estão preparados para encontrarsolução para a crise política?

8. A aplicação da receita do FMI no BrasilO Brasil vem suportando, desde a

assinatura do acordo com o FMI, emnovembro de 1998, a orientação clássicado FMI para sair de uma crise econômicae financeira, que se traduz pela aplicaçãode políticas e medidas de máxima auste-ridade. Para garantir que o organismocontinue desembolsando as ajudas finan-ceiras acordadas de US$ 41,5 bilhões, ogoverno brasileiro se comprometeu a obterum superávit primário (receitas menosgastos, exceto os juros da dívida pública)de 2,6% do PIB em 1999. Com a revisão doacordo com o FMI, o governo brasileiroestá prometendo aumentar esse superávitpara 3,1% do PIB em 1999, 3,3% no ano2000 e 3,4%, em 2001. Isso representauma redução no orçamento de 1999 deR$ 30,018 bilhões.

A receita clássica do FMI, independentedas especificidades e pecualiaridadessociais, políticas e econômicas de cadapaís, é aplicada mediante a reduçãodrástica das despesas orçamentárias.Dessa forma, busca garantir a estabilidadeeconômica e a taxa de inflação do paísrelativamente baixa, com vista a sinalizarpara os investidores que o país podehonrar seus compromissos. Não leva em

consideração, no entanto, que as exigênciasimpostas aos países sob a sua tutelacausam enormes sacrifícios sociais paragarantir que o país permaneça integradoà economia mundial.

Para uma corrente significativa deeconomistas brasileiros, é possível promo-ver o desenvolvimento mesmo com ascontas públicas em desequilíbrio. ReisVelloso (Forúm Nacional debate rumos daeconomia brasileira, entrevista, revistaABAMEC, julho de 1999, p. 3-6), aolevantar a questão de como acertar ascontas públicas e, ao mesmo tempo,promover o desenvolvimento brasileiro,afirma que é possível, enquanto se faz

“o ajuste fiscal, acerta-se o câmbio,mantém a austeridade monetária,além de ter de cuidar de todos osoutros elementos básicos para poder,progressivamente, aumentar o nívelde atividade e, mais adiante, ter umnovo ciclo de crescimento sustentado”.

Os elementos básicos são: aumento de ex-portações para ficar com um déficit naconta corrente que seja sustentável; redu-zir progressivamente a taxa de juros; cui-dar do problema da poupança e adotarpolíticas estruturais adequadas para queo desenvolvimento industrial se realizecom competitvidade e se possa fazer subs-tituições de importações; criar novas li-nhas de produtos para diversificar a pau-ta de exportação e atender a expansão dademanda interna. Tudo isso dentro de umaestratégia bem definida, visando inclusivedar à sociedade uma idéia de para onde opaís está-se direcionando.

O FMI, ao estabelecer superávits pri-mários, como os impostos ao Brasil, noperíodo de 1999/2001, sinaliza para osmercados que o país pode honrar o serviçoda dívida pública. Dessa forma, ao aceitaros termos do acordo do FMI, o Brasilvoltou a recuperar o crédito internacional,que, entre outros indicadores econômicosnegativos, vinha sendo afetado pela ele-vação da dívida em relação ao PIB até1998. Com o aumento da credibilidade do

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país, esperava-se que, a curto prazo,fossem reduzidas as taxas de juros, comvistas a estimular os investimentos priva-dos a voltarem a contribuir para o cresci-mento econômico. Isso não vem ocor-rendo, por imposição do FMI, o que estáagravando o quadro social do país, emtermos de exclusão, pobreza e violência.

As metas estabelecidas no acordo doBrasil com o FMI contêm algumas dire-trizes clássicas de como fazê-lo, emparticular a que obriga o governo a subiras taxas de juros e reduzir ao máximo ogasto. Só assim, acreditam os decisoresdessa instituição, lograrar-se-á a tãoansiada estabilização do Real e a volta danormalidade do mercado. Porém, é impor-tante não esquecer que a recessão daatividade econômica, em função da apli-cação da receita do FMI, tem provocadoefeitos perversos sobre as populações nosdiversos países asiáticos em que foiaplicada, pela redução drástica do gasto eas elevadas taxas de juros. Esses efeitosnegativos advindos das imposições doacordo com o FMI começam também a sersentidos pela sociedade brasileira.

Emir Sader (1999: 6), ao tratar do temados efeitos da globalização, afirma que

“se vamos virar o milênio na reces-são, no desemprego, não é pelaglobalização mas principalmentepelo acordo assinado com o FundoMonetário Internacional. Agora, oque se pode fazer para enfrentar odesafio é impedir que seja apenasuma globalização financeira, dasgrandes corporações. Isto porque elase dá em função dos grandes agentesda globalização que são os mega-mercados mundiais no hemisférioNorte (Ásia, Europa e Estados Uni-dos). Cabe ao hemisfério Sul ganharforça para negociar coletivamente eabrir outros espaços – do tipo livrecirculação da força de trabalho pelomundo afora – para que seja umainternacionalização de mão dupla”.

É importante observar que o aumentoacelerado da recessão e do desemprego, emmeio à deterioração dos serviços públicos,criou as condições básicas que favoreceme estimulam a prática de violações mas-sivas de direitos. É muito estreita afronteira que existe entre o descumpri-mento de direitos sociais e o desrespeitoaos direitos humanos. Assim, onde existemaltos níveis de desemprego, a violênciatambém está presente em níveis intole-ráveis, visto que são fenômenos que seinterligam.

A preservação de uma rede de proteçãosocial, garantindo o atendimento dasnecessidades básicas dos grupos maisvulneráveis, como crianças, adolescentes,indígenas, desempregados, incapacitados,atendidos por meio de políticas de segurodesemprego, programa de renda mínima,bolsa escola, entre outros, é medida defundamental importância para a governa-bilidade do país. A sobrevivência dademocracia brasileira está vinculada àpreservação dos direitos sociais, medianteimplementação de políticas econômicasestruturais, orientadas para resolver as cau-sas das desigualdades e da miséria, bemcomo para assegurar a assistência às popu-lações que estão sendo excluídas em vir-tude dos efeitos das políticas ajustadas aosinteresses econômicos vigentes no mundo.

8.1. Déficit primário, taxas de juros real evariação cambial no Brasil

Os efeitos da elevação das taxas dejuros, conforme demonstra a tabela 16,apresentada a seguir, estão-se refletindomuito forte no crescimento da dívidapública no Brasil. Essa política, adotadapara resolver riscos sistêmicos, e que foiadotada de forma irrestrita após a imple-mentação do plano Real, chega ao final de1998 no patamar de 43% em relação aoPIB. A continuidade do crescimento dessadívida, conjugada com o seu prazo devencimento (que é muito curto), é umaquestão muito preocupante para o futuro

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da sociedade brasileira. O indesejávelagravamento da crise no futuro (com umaperda de confiança na economia brasileira)levaria o governo a perder a capacidadede gerir a dívida, na medida em que osinvestidores passem a recusar a rolar os

títulos que o governo coloca no mercadopara se financiar. A única saída que ogoverno teria seria a sua monetização, oque provocaria uma enorme desorgani-zação da economia, com a hiperinflaçãoque ocorreria a seguir.

Tabela 16. DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO (Síntese)Período 1994/1999

Em R$ bilhões1994 153,11995 208,41996 269,11997 308,41998 388,6

1999 (*) 500,7Fonte: Banco Central do Brasil(*) Em fevereiro

O crescimento exponencial da dívidapública brasileira, conforme indica a ta-bela 17, a seguir, está relacionado a três va-riáveis, das quais a dívida pública depen-de: déficit primário, taxa de juros real e va-riação cambial real. Analisando as previ-sões para essas três variáveis, levando-se

em consideração as metas estabelecidas noacordo com o FMI, pode-se prever os sacri-fícios que serão exigidos da sociedade parao seu cumprimento, pois não existe nenhu-ma possibilidade de se obter um superá-vit primário que seja capaz de arrefeceros efeitos que os juros têm sobre a dívida.

Diante desse cenário preocupante, emque o Estado vem fazendo nos últimosanos o ajuste mais precário possível (espe-cialmente após o plano Real, e mais recen-temente com as exigências do acordo como FMI), constata-se que está sendo geradoum excedente de recursos, mas em contra-partida estão sendo comprometidos outros

setores importantes para o país. Dessa for-ma, para alcançar a estabilidade da eco-nomia, que depende da confiança dos in-vestidores externos no país, que tendem atomar as suas decisões em função da me-lhoria e da sustentabilidade do resultadoprimário da dívida pública, a saída é a con-tinuidade das reformas estruturais do país.

Tabela 17. FATORES QUE COMPÕEM A DÍVIDA PÚBLICA DO BRASILEvolução – Período de 1995/1998

1995 1996 1997 1998Déficit primário (%do PIB) -0,4(*) 0,1 0,9 0,0Taxa de jurosinterna Selic (**) 33,1 16,6 16,0 26,9Variação cambial(**) 0,2 -2,2 -0,1 5,9(*) Os valores negativos representam superávit.(**) Média percentual anual deflacionada pelo IGP.

Fonte: Banco Central do Brasil

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8.2. As reformas estruturais: tributária, daprevidência e administrativa

É um consenso entre os especialistas namatéria que a crise que vem atravessandoo Brasil é decorrente, em grande parte, deum desequilíbrio das contas públicas,causado por uma dicotomia entre receitase despesas, o que leva o governo a promo-ver, a cada ano, constantes ajustes fiscaisde natureza causuística, por meio deaumento de alíquotas ou criação de novosimpostos, impondo uma carga tributáriacrescente, onerando demasiadamente a pro-dução (o que dificulta a geração de empre-gos), o que reflete no desenvolvimento eco-nômico e social do país. Assim, constata-se que a deformação do sistema tributáriobrasileiro é decorrente, entre outras ra-zões, da aprovação de matérias tributári-as isoladas que são impostas sempre que hácrises de financiamento nas contas públicas.

A título de comparação, deve-se regis-trar que a carga tributária brasileira em1998 atingiu 29,84% do PIB, o que colocao país numa posição próxima dos paísesdesenvolvidos, conforme a tabela 18,apresentada a seguir, como os EUA, com29,7% do PIB; Alemanha, com 44,2% doPIB; França, com 45,3% do PIB; Espanha,com 36,2%; e Japão, com uma relação de21,0% do PIB. A contrapartida dessa cargatributária cobrada pelo Estado brasileiro,quando comparado com os países doprimeiro mundo, é a baixa qualidade dosserviços públicos que retorna, em termosde bens e serviços públicos que são ofer-tados à população. Por sua vez, o sistematributário brasileiro é demasiadamentecomplexo, ineficiente, injusto e aberto atodo tipo de sonegação, fraude e decorrupção. É perceptível, também, que aadministração fiscal brasileira é muitoonerosa para o governo e o contribuinte.

TABELA 18. CARGA TRIBUTÁRIA E RENDA PER CAPITA (*)

Países Carga tributária efetiva

(% do PIB) Renda per capita (US$)

Hungria 49,5 3.176

Polônia 46,7 1.957

Brasil (*) 29,8 4.776

África do Sul 27,9 3.077

Alemanha 44,2 19.948

França 45,3 23.084

Espanha 36,2 14.773

Chile 19,9 3.730

Índia 17, 306

Estados Unidos 29,7 24.325

Coréia do Sul 17,9 8.540

Argentina 15,3 4.343

Gana 12,7 367

Japão 21,0 22,857Fonte: Confederação Nacional da Indústria – CNI(*) Os dados referentes ao Brasil são de 1998; para os demais países, os dados são de 1996.

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 39

Deve-se registrar que a carga tributáriaindica quanto as pessoas físicas e asempresas pagam para a União, estados emunicípios por meio de impostos e contri-buições, incluindo despesas com o Fundode Garantia de Tempo de Serviço – FGTSe a contribuição para o salário-educação.As receitas arrecadadas em 1998 (dadosda Secretaria da Receita Federal – SRF)pela União, estados e municípios foram deR$ 269,04 bilhões, ou seja, 29,84% do PIB.As informações da SRF indicam que houve

um pequeno aumento de carga tributáriaem 1998 em comparação com 1997, quandoela ficou em 29% do PIB. Deve-se ressal-tar que os tributos arrecadados pela Uniãoem 1998 corresponderam a uma cargatributária de 20,69% do PIB. A cargatributária dos estados foi de R$ 70,99bilhões, equivalente a 7,87% do PIB; e a dosmunicípios, R$ 11,49 bilhões, que corres-pondeu a 1,28% do PIB. Veja, na tabela 19,a seguir, o comportamento da carga tri-butária do Brasil no período de 1994–1998.

Tabela 19. CARGA TRIBUTÁRIA DO BRASIL - 1994/1999 Em % do PIB

1994 29,46

1995 29,74

1996 28,96

1997 29,00

1998 29,84

1999(*) 29,50

Fonte: Secretaria da Receita Federal – SRF, do Ministério da Fazenda.(*) Estimativa

Por sua vez, o quadro de ineficiênciado sistema tributário brasileiro pode seravaliado pela composição atual da receitade Imposto de Renda do país, em que 40%desse imposto é recolhido por pessoasjurídicas, num total de R$ 11,9 bilhões, e48% por pessoas físicas (assalariados), querepresenta R$ 14,65 bilhões. Conforme osdados divulgados pela Secretaria daReceita Federal, circulam no país anual-mente cerca de R$ 825 bilhões sem pagarimposto, a partir de brechas da lei ou emdecorrência de sonegação. Verificou aindaa SRF, em relação a 1998, que cerca de 50%das 530 maiores empresas (industriais oucomerciais) não recolheram nenhum valorde imposto, agravado pelo fato de que 43%das maiores empresas financeiras do paísforam isentas de pagar imposto de renda.

Nesse sentido, o que a sociedade brasi-leira espera é que a reforma fiscal sematerialize sob a forma de eficiência e

eficácia nos gastos públicos (do lado daredução das despesas) e em incentivo àprodução e à geração de empregos (dolado do sistema de tributação), visto queo sistema de arrecadação de impostos noBrasil contribui de forma significativapara emperrar a competitividade do setorprodutivo do país.

Assim, reconhece-se que, das reformasestruturais em discussão no CongressoNacional, a mais significativa é a reformatributária, que tem como objetivo principalviabilizar a modernidade da economia,por meio da busca da eficiência tributáriae fiscal do país. Nesse sentido, é importanteque o setor privado seja desonerado,eliminando impostos em cascata e optandopor tributos mais racionais, de forma quese reduza a carga tributária e promovacorreções das distorções setoriais, queimpedem que a economia brasileira sejamais competitiva. A busca do aumento da

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eficiência do sistema, que representa umamedida importante, no longo prazo, tornaos setores mais competitivos, refletindo nocrescimento e na geração de mais empregos.

No contexto da discussão da reformatributária, torna-se necessário melhorexplicitar alguns dos princípios básicosmencionados, tais como:

1. substituir, quando possível, os impos-tos declaratórios pelos impostos não declara-tórios, consagrando os impostos seletivos(que são mais fáceis de arrecadar e difíceis desonegar), incidentes sobre a mais ampla basetributária, inclusive a economia informal;

2. eliminar os tributos em cascata, queoneram os produtos de maior valor agregadoe distorcem os cálculos econômicos daprodução;

3. desonerar as exportações de produtosprimários, semi-elaborados ou manufaturadose de serviços, assim como as transaçõesrelativas a investimentos fixos produtivos;

4. aperfeiçoar os mecanismos da arreca-dação dos tributos com base no valor agrega-do, mediante simplificação do sistema decompensação e de crédito fiscal;

5. simplificar ou mesmo eliminar ostributos interestaduais que criam barreirasnas divisas entre os Estados da Federação ecomplicam o sistema de crédito fiscal; e

6. submeter à legislação e à disciplinafederal as normas tributárias, a fim de imporlimites às alíquotas e de impedir a desagre-gação do sistema e as guerras fiscais entre osEstados.

Dessa reforma tributária, é importanteque venha surgir um novo pacto federa-tivo, no qual seja concedida maior auto-nomia aos estados e municípios, tanto emrelação aos impostos de sua competência,quanto à autoridade para arrecadá-lo. Poroutro lado, o equilíbrio financeiro do setorpúblico exige o fim dos sistemáticosempréstimos da União aos estados emunicípios para cobrir déficits fiscais, deforma que as três esferas de governopassem a sobreviver às custas de seuspróprios recursos.

8.3. As medidas utilizadas para assegurar aregeneração fiscal

Quando se discute qual o conjunto demedidas que devem ser utilizadas paraassegurar que o país possa vir a obtersuperávit nas suas contas primárias (o quese denomina regeneração fiscal), constata-se que a ênfase, na atualidade, estácentrada mais do lado da despesa e menosno aumento da receita (visto que umareforma tributária, no seu período detransição, pode provocar perda de arreca-dação e com isso vir a criar dificuldadespara o atingimento da meta de superávitprimário).

É perceptível que a sociedade brasileiranão está disposta a pagar mais tributos.Por outro lado, exige que o Estado ampliee melhore os serviços públicos ofertados.O Estado, por sua vez, está consciente deque precisa melhorar os serviços, planejarmelhor as suas atividades, usar melhor osrecursos disponíveis, estabelecendo priori-dades, bem como aumentar os recursospara as ações finalísticas. Nesse sentido,deve-se registrar que o orçamento brasi-leiro para 1999 é de cerca de R$ 200bilhões, dos quais R$ 60 bilhões são parapagar benefícios previdenciários, R$ 52bilhões para pessoal e cerca de R$ 40bilhões são transferências constitucionais.Essa rigidez do orçamento, em termos devinculação das receitas, associada ànecessidade de atingir uma meta fiscal, fazcom que os recursos que sobram para asações finalísticas sejam muito reduzidos.O total de investimentos previstos para1999 é de apenas R$ 6 bilhões.

Assim, diante da necessidade de dimi-nuir as despesas públicas, tem o governoa necessidade de aprofundar as reformasadministrativas e da Previdência. Odesequilíbrio nos sistemas previdenciáriosdos servidores da União, estados e muni-cípios é um dos principais obstáculos aoajuste das contas públicas e à sustentabi-lidade da política fiscal. Os estudos quetratam da matéria para o ano de 1998

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indicam uma necessidade de financia-mento consolidada para as três esferas degoverno da ordem de R$ 34,4 bilhões, que,acrescidos do déficit do Regime Geral dePrevidência Social, chegam a um totalde cerca de R$ 41,6 bilhões. Deve-seregistrar que o governo dispõe de instru-mentos legais aprovados pelo CongressoNacional que permitem colocar em dispo-nibilidade e demitir servidores públicos.Essa medida, em tese, poderia vir aresolver o problema, sob o enfoque dapolítica de redução de gastos (nos termosdo acordo do FMI). Numa economia emrecessão, como é o caso da brasileira, osefeitos dessas medidas irão contribuirpara aumentar ainda mais a instabilidadesocial.

8.4. Os fundamentos da lei deresponsabilidade fiscal do Brasil

Como decorrência da aprovação peloCongresso Nacional da Emenda Constitu-cional nº 19, de 1998, que tratou dareforma administrativa do Estado brasi-leiro, está sendo regulamentado em parteo art. 163 da Constituição Federal, me-diante projeto de Lei Complementar, naqual estão sendo estabelecidos princípiosfundamentais e normas gerais de gestãofiscal ditas responsáveis, aplicáveis aostrês Poderes das três esferas da adminis-tração, incluindo entidades estatais cus-teadas pelos Tesouros. Regula, ainda, o art.169 da CF, que trata de despesas de pessoal.

Busca o governo brasileiro, com a apro-vação da Lei de Responsabilidade Fiscal,introduzir na administração públicaconceitos novos, entre os quais os deresponsabilidade e de transparência, econsolidar normas e regras de austeridadenas finanças públicas já contidas emdispositivos constitucionais, leis e resolu-ções do Senado Federal. O projeto de leidefine conceitos e critérios para o atendi-mento de limites a serem observados paraas principais variáveis fiscais e criamecanismos que oferecem as condições

para o cumprimento dos objetivos e metasfiscais, assim como formas de correção deeventuais desvios. As principais variáveissão o endividamento público, o aumentodos gastos com seguridade e com asdemais ações de duração continuada e osgastos de pessoal. Para tornar efetiva a lei,estão previstas sanções e penalidadesinstitucionais e responsabilidades pessoais(em projeto de lei ordinária que se encontraem tramitação no Parlamento) paragovernantes e administradores, quandoforem desobedecidas as normas e oslimites previstos na lei.

É necessário ressaltar que a adoção deum código de condução de política fiscalsemelhante aos existentes em outros paísesou regiões do mundo, como os EUA, UniãoEuropéia, Nova Zelândia, é a justificativacontida na proposta do governo para soli-citar ao Parlamento a aprovação de umaLei de Responsabilidade Fiscal para o país,a qual o governo espera ver aprovada noCongresso Nacional até o final da atuallegislatura. A adoção dessa Lei integra ostermos do acordo firmado pelo Brasil como FMI, no sentido de atender à determinaçãode redução das despesas públicas.

Armínio Fraga, presidente do BancoCentral do Brasil (Correio Braziliense,20.07.99, p. 14), ao defender a importânciada aprovação da lei de responsabilidadefiscal pelo Congresso Nacional, observouque “é a lei necessária para que o paístenha um verdadeiro orçamento, pelaprimeira vez. No Brasil, as coisas ocorremde maneira pouco transparente. É precisoreverter essa situação”.

Assim, pretende o governo brasileironormatizar as finanças públicas emfunção da geração de saldos primáriospositivos, num contexto em que estãosendo considerados apenas os aspectosque buscam dar estabilidade à economiae, dessa forma, dar credibilidade ao planoReal, demonstrando aos investidoresinternacionais que o país dispõe dos meiosnecessários para promover o ajuste fiscal,

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reduzir os gastos e gerar superávits, bemcomo conter o endividamento público.Nesses ajustes, em que não estão sendoconsideradas as políticas sociais, está odisciplinamento dos estados e municípiose dos poderes executivo e legislativo dastrês esferas de governo, bem como afixação de subteto para os gastos de segu-ridade social.

8.5. As distorções na execução orçamentáriade projetos da área social

Deve-se registrar que a não-execuçãoorçamentária de projetos da área social eem outros setores essenciais para o desen-volvimento foi a forma encontrada pelogoverno para obter o superávit primáriono primeiro quadrimestre de 1999, paraatender os termos do acordo firmado como FMI. A Execução orçamentária da União,no período de janeiro a 15 de maio de 1999,conforme os dados da Secretaria doTesouro Nacional, quando observada peloGrau de Natureza de Despesa, indica umsuperávit primário (menos juros e encar-gos da Dívida) no valor de R$ 9,57 bilhões(período de janeiro/abril de 1999), que ésuperior ao acordado com o FMI nestes

meses do ano. Quando comparados osgastos com investimentos com o pagamentode juros e encargos da dívida pública,verifica-se que, enquanto para investi-mentos foram liberados apenas R$ 360,6milhões, ou seja, 4,13% do total de R$ 8,73bilhões previstos no orçamento aprovadopelo Congresso Nacional, para o paga-mento de Juros e Encargos da DívidaPública, do total previsto de R$ 50,17bilhões, já foram pagos R$ 21,06 bilhões, oque representa 41,98 % do que foi previstono orçamento para 1999.

Os estados e o municípios brasileirosforam significativamente sacrificadoscom os cortes nos investimentos da Uniãono primeiro semestre de 1999. Quandofeita uma comparação entre as aplicaçõesdiretas da União, transferência a estadose municípios para investimentos noprimeiro semestre de 1999, com igualperíodo de 1998, constata-se uma reduçãoque varia de -48% a -95% dos recursos. Asmaiores perdas ocorreram nas aplicaçõesdiretas da União, em que os estadosreceberam 255,3 milhões a menos e osmunicípios R$ 112,9 milhões a menos, con-forme se comprova da leitura da tabela 20.

Com base nos citados dados que infor-mam a execução financeira do orçamen-to, sob a responsabilidade da STN, cons-tata-se que, nos primeiros quatro meses de

1999, apenas 4,13% dos investimentosdestinados a promover o crescimentoeconômico do país previstos no orçamentoforam executados. É previsível, caso se

Tabela 20. DESPESAS COM INVESTIMENTOS NO BRASIL

(Aplicações diretas da União, transferências a estados e a municípios)Comparação: 1º semestre 98/1º semestre 99

Em R$ milhões1º semestre de 1998 1º semestre de 1999 Variação

Aplicações diretas daUnião 1.100,0 567,8 -48Transferências a Estadose Distrito Federal 341,2 85,9 -75Transferências aMunicípios 118,3 5,4 -95

Fonte: Siafi

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mantenha a tendência dos cortes orça-mentários, por recomendação do FMI, noperíodo de 1999/2001, que os seus efeitosserão danosos para a sociedade, no curtoe médio prazo.

Em relação às expectativas de alocaçãode recursos orçamentários para investi-mentos em políticas sociais para o ano2000, deve-se registrar que a Lei deDiretrizes Orçamentárias – LDO, apro-vada pelo Congresso Nacional em junhode 1999, estabelece, no seu art. 18, umameta de superávit primário de 2,7% doPIB, visando atender às exigências doacordo com o FMI. Esse superávit pri-mário de 2,7% do PIB representa um valorentre R$ 25 e R$ 28 bilhões, que teriam deser extraídos de um montante de cerca deR$ 60 bilhões, aí incluídas as receitasvinculadas à educação e às ações de saúdee ao benefício assistencial de um saláriomínimo para idosos e pessoas portadorasde deficiência física. O impacto da reali-zação desses elevados cortes irá recair nasdespesas públicas que mais diretamenteatendem à população carente, a pretextode assegurar a estabilidade dos níveisinflacionários para, num futuro indefinido,promover o crescimento econômico do país.

9. A nova ordem internacionalÉ perceptível por todos – políticos,

empresários, intelectuais e sociedade –que os fatos decorrentes do fenômeno daglobalização induzem mudanças na or-dem econômica internacional e que essasmudanças nem sempre são boas para asociedade. Frente a essa realidade, per-gunta-se: para que a democracia sobrevivana economia globalizada, requer-se umanova ordem internacional?

Essa questão está baseada especial-mente nos reflexos que a crise econômicamundial tem provocado nos Estados-Nação neste final de século. A criseinstalada na economia mundial, queameaça provocar uma recessão generali-zada, exceto nos EUA, põe em discussão o

fenômeno e os efeitos da globalização,(cujos dados mais recentes revelam que arecessão afeta atualmente 30% da econo-mia mundial e que a região latino-ameri-cana crescerá em 1999 menos de 1,5%). Acrise asiática se somou à crise da Rússia,provocando a propagação de efeitosindesejáveis sobre os países latino-ameri-canos, sendo que no Brasil os efeitos dessacrise estão evidentes desde o últimotrimestre de 1998, refletidos na necessidadede elevação das taxas de juros, na desva-lorização do Real, na queda da atividadeeconômica, que está refletindo no aumentoda exclusão, da pobreza e da violência.

Sobre a globalização assimétrica quevem sendo imposta ao planeta, o relatóriosobre o Desenvolvimento Humano divul-gado pelo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento, edição de 1999,observa que

“os mercados não são nem a primeiranem a última palavra no desenvol-vimento humano. Muitas atividadese bens essenciais ao desenvolvimentosão fornecidos fora dos mercados,mas estão sendo gradualmente elimi-nados pela pressão da concorrênciainternacional”.

Verifica-se, a partir da constatação dasconclusões dos diversos fóruns de debatesobre o tema, que existe um quadro deapreensão mundial sobre a natureza e asconseqüências do atual modelo de capita-lismo global, fundado na liberalização dosmercados, na desregulamentação daeconomia e na privatização. A principalconclusão do debate dessa matéria, porparte dos estudiosos que se opõem a essemodelo de globalização, é de que essesistema é insustentável do ponto de vistaeconômico, político, social, cultural e am-biental, o que o desqualifica como opçãode futuro para as sociedades mundiais.

Para Noam Chomsky, o grande perigoque ronda a humanidade na atualidade érepresentado pelo poder privado, porentender que, na medida em que o Estado

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for diminuído, é esse poder que crescerá.Por sua vez, Antony Guidens, em defesada terceira via, na qual rechaça as duasfilosofias políticas do pós-guerra: a velhasocial-democracia keynesiana e o funda-mentalismo neoliberal (que gerou a globa-lização da economia), argumenta que asaída é a modernização da social-demo-cracia, com a participação da sociedadecivil e das comunidades em projetos inte-grados para resolver o grave problema dasdesigualdades estruturais. Em que pesedemonstrar simpatia por parte da teoriakeynesiana (criação do Estado de Bem-Estar), Guidens é contrário à fórmulaproposta por Keynes de aumentar despesasdos governos para aumentar a demanda.Nesse sentido, repudia o assistencialismodos governos, mas defende uma redistri-buição de renda para reincorporar osexcluídos na sociedade.

Na esfera política, a avaliação é de queos efeitos desorganizadores desse modelode economia de mercado se propagam pormeio de três vetores principais:

1. o deslocamento das funções de regu-lação da economia do Estado para osmercados financeiros;

2. o deslocamento dos organismos derepresentação da cidadania, em especial dosparlamentos, pelas empresas privadas; e

3. o descrédito da política e de suasinstituições e a marginalização dos cida-dãos dos processos de decisão econômicae social.

Nesse sentido, argumenta essa correntede pensamento que a preservação e o aper-feiçoamento da democracia requerem areversão desse processo de esvaziamentoinstitucional das instâncias de represen-tação política da população. A construçãodo futuro e das prioridades sociais deveriapertencer aos cidadãos do mundo e não aomercado, com suas corporações multina-cionais e o capital financeiro. Defendem aimplantação de normas reguladoras econtroles sobre o capital financeiro quepermitam restabelecer a primazia do

político e do cidadão sobre os critérios derentabilidade do capital e de eficiênciaprivada com que se avaliam, dentro doatual modelo, a utilidade, a eficiência e opróprio direito à vida das pessoas. Paraeles, esse enfoque das relações entre aeconomia e o desenvolvimento democrá-tico e sustentável exige, entre outrasprovidências, um amplo desarmamentofinanceiro (que só será eficaz se produzidopor uma iniciativa ampla e coordenadaem nível global).

A revista britânica The Economist, demeados de julho de 1999, iniciou uma sériede reportagens que visa responder àinquietante pergunta: “há uma crise dademocracia”? Os resultados da pesquisaindicam que sim. Em um grupo de 18países ricos, a confiança nos políticos (enas instituições de modo geral) estádeclinando de forma acelerada. Comoexemplo, nos EUA, até os anos 50 e 60,cerca de 75% dos pesquisados diziam quepodiam confiar no governo a maior partedo tempo. Hoje pouco mais de 10% conti-nuam confiantes a maior parte do tempo.É importante observar, em que pese essesdados, que a revista conclui que não épessimista a respeito da democracia, porentender que “ela pode estar sendo apenasvítima de seu próprio sucesso”. Como ademocracia e a prosperidade andamjuntas, no mundo rico, teria crescido ademanda por respostas do Estado, assimcomo a elevação dos padrões educacionaisteria produzido um saudável ceticismo.Sem contar o fato de que, na democracia,o foco da mídia vai para as “falhas dogoverno que, anteriormente, eram man-tidas no escuro”.

Em relação à América Latina, e emparticular o Brasil, é perceptível, conformedemonstram os indicadores econômicos esociais, que a descrença nas instituições ésemelhante à dos países ricos, sem que sepossa usar como explicação o sucesso dademocracia em promover uma prosperi-dade generalizada e seus saudáveis efeitoscolaterais.

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9.1. Os efeitos da globalização nos países daAmérica Latina

Os indicadores do desempenho daeconomia latino-americana alertam parao temor de que os riscos que a globalizaçãotende a gerar são maiores que as oportu-nidades que oferece e suscitam dúvidassobre a eficácia de políticas econômicasabertas empreendidas com grande esforçopela maioria dos países da AméricaLatina. São tempos de incerteza quetraçam as previsões econômicas para aAmérica Latina neste final de século XX,refletem a natureza do processo emandamento e indicam a necessidade deanalisar as falhas do modelo da economiamundial e a urgência de introduzir cor-reções mediante ações acordadas em nívelmundial.

Celso Furtado observa que “o processo atual de globalização aque assistimos desarticula a açãosincrônica dessas forças que garan-tiram no passado o dinamismo dossistemas econômicos nacionais.Quanto mais as empresas se globa-lizam, quanto mais escapam da açãoreguladora do Estado, mais tendema se apoiar nos mercados externospara crescer. Ao mesmo tempo, asiniciativas dos empresários tendema fugir do controle das instânciaspolíticas. Voltamos assim ao modelodo capitalismo original, cuja dinâ-mica se baseava nas exportações enos investimentos no estrangeiro (...)Em suma, o tripé que sustentou osistema de poder dos Estados nacio-nais está evidentemente abalado, emprejuízo das massas de trabalhado-res organizadas e em proveito dasempresas que controlam as inova-ções tecnológicas. Já não existe oequilíbrio garantido no passado pelaação reguladora do poder público.Disso resulta a baixa participaçãodos assalariados na renda nacional

de todos os países, independente-mente das taxas de crescimento”.(Furtado, 1998, p. 31)

Ricardo Ffrench-Davis (1998:198), aotratar do tema políticas públicas e a globali-zação econômica, observa que

“la globalización, en el sentido deprofundización de las corrientes comer-ciales, de inversión y tecnológicas, hacontribuido a la modernización de lossectores exportadores. El comercio debienes y servicios y la inversión extran-jera crecen rápido. Los países de creci-miento más acelerado, en los añosrecientes, han tenido um dinámicodesarrollo exportador. (...) Pero, saltarde ahí a la conclusión de ‘fin de geo-grafia’ es errado y riesgoso. La globa-lización es intensa, pero parcial, hete-rogénea y desbalanceada; excesiva enalgunos aspectos e insuficiente en otras.El comercio internacional y la inversiónextranjera directa (IED), aun sonnotablemente menores que el comerciointerno y la inversión nacional en elmundo, y en América Latina”.

O fenômeno da globalização expressano econômico a internacionalização daprodução, das finanças e dos serviços,impulsionada pela revolução da informá-tica, das comunicações, e reflete no políticoa erosão da idéia do Estado-nação pelaperda de grande parcela de suas atribui-ções tradicionais, na disputa com novosatores e instituições internacionais. Ahumanidade vive, portanto, uma altera-ção em sua forma de organização, ou seja,uma mudança de paradigma na forma deorganizar-se. Observa R. Munch (1998), naintrodução do seu livro “Dinâmica Globale Universos de Vida Local”, que

“a questão primordial hoje é saberse, para além dos Estados nacionais,num plano supranacional e global,o poder destrutivo ecológico – bemcomo o social e cultural – do capita-lismo planetário pode ser nova-mente posto sob controle. Isto porque,em que pese ser incontroversa a

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função de pionerismo e liderança dosmercados, eles se orientam apenaspelas informações codificadas nalinguagem de preços, o que os tornainsensíveis a efeitos externos que elesproduzem em outros campos”.

Por sua vez, percebe-se um processo ge-neralizado de desagregação nos distintosníveis, que vai desde a formação degrandes blocos regionais e grupos sub-regionais até o fortalecimento das autono-mias locais. Essas transformações acele-radas e profundas indicam que a globali-zação é um fato consumado e irreversível.A saída, portanto, não é opor-se à globali-zação, por meio do fechamento das eco-nomias, mas, ao contrário, deve-se promo-ver ações concertadas, de maneira afortalecer os processos integracionistas noplano mundial, para que possam atuarcomo forças que se contrapesem aos dese-quilíbrios e distorções geradas pela globa-lização. Para tornar isso viável, é neces-sário a instituição de uma nova ordemmundial, que deve ter como prioridade,sem desconsiderar a importância domercado, a preservação e o aperfeiçoa-mento da democracia.

10. A lógica do sistema capitalista nocontexto da atual ordem internacionalDiante desse cenário inquietante,

considera-se relevante questionar qual éa lógica do sistema capitalista no contextoda instável ordem internacional conduzi-da pelos órgãos supranacionais – como oFMI e BIRD – e os países ricos do G-7, eporque se requer centrar-se na “gestão”da crise mais do que acabar com ela. Aspolíticas de ajuste unilateralmente impos-tas aos países mais débeis, como é o casodo Brasil, satisfazem esse requisito paragerir a crise? A lógica de ajuste que seaplica na atualidade requer que prevaleçaa livre circulação de capitais, ainda queisso suponha uma regressão das possibili-dades de desenvolvimento, tal como agoraocorre no Brasil?

Verifica-se, no entanto, que não existenenhuma preocupação, por parte dosdecisores dessas instituições, em compa-tibilizar a estratégia de controle do déficitpúblico proposta pelo FMI e o programasocial do governo do Brasil. A incompati-bilidade que atualmente se apresenta entrea política fiscal e a política social éperigosa, já que eficiência econômica eprogresso social são duas coisas interde-pendentes, que se complementam.

Fica evidente que o déficit financeirodo setor público é mais fácil de identificarquantitativamente (em termos relativos)e, portanto, percebe-se mais facilmente asua evolução e gravidade. A medição dodéficit “produtivo” do setor público é maisdifícil de quantificar, pois não é possívelter uma percepção imediata desse tipo dedéficit. Não existem índices oficiais que,de maneira sistemática, ofereçam umavisão clara do déficit de infra-estrutura deserviços coletivos. Ambos, porém, sãointerdependentes, pois um déficit emsetores sociais como educação e saúde temuma repercussão muito negativa naeconomia do setor privado, que a médioprazo afeta não só o volume de ingressosdo Estado, mas também o aumento degasto público.

A tendência do governo do Brasil,frente à pressão descrita por parte dosórgãos supranacionais – FMI e BIRD – e ogoverno dos EUA, é de tentar freiar o gastopúblico até o infinito para reduzir o déficitpúblico e assim diminuir o impacto nãodesejado deste no financiamento do setorprivado. Essa política orçamentária restri-tiva, adotada por longo período, comcortes nos gastos para investimento, temum efeito imediato sobre o déficit públicofinanceiro, simultaneamente, supõe umgradual pioramento dos serviços públicos.Um pioramento gradual e persistente podechegar a ser irreversível, do ponto de vistasocial, político e econômico, se não existemmecanismos de reação que atuem antesque o processo se complete.

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11. A democracia e a nova ordeminternacional

11.1. Ameaça à democracia na AméricaLatina

Apesar de as regras democráticasprevalecerem na atualidade em quasetodos os países da América Latina, e emparticular no Brasil, isso não significa queas democracias da região estão consolida-das. Pelo contrário, a quebra do sistemademocrático no Peru (Fujimori, 1992), adenominada “revolução democrática”liderada por Hugo Chávez na Venezuela(eleito em 1998), que, após a vitória de seupartido nas eleições de julho de 1999,caminha para uma constituinte “sobe-rana” com aprovação popular e militar,que levará ao fechamento do atual Con-gresso e da Corte Suprema de Justiça, alémda recente crise política vivida peloParaguai (início de 1999) demonstram queas democracias latino-americanas aindacorrem sério risco e estão ameaçadas deserem substituídas por regimes autoritá-rios. Entre as causas desse risco de ameaçaà democracia na América Latina, as maissignificativas são as seguintes:

1. agravamento da desigualdade e damiséria, que atinge progressivamentecamadas cada vez mais amplas dapopulação;

2. tráfico de drogas e movimentosterroristas, que atuam intensamente naregião;

3. desmoralização dos poderes públi-cos executivo, legislativo e judiciário – edos partidos políticos, em decorrência dafreqüente denúncia e divulgação de casosde corrupção e tráfico de influência;

4. reduzida participação da populaçãonos acontecimentos políticos e no processode desenvolvimento do país.

11.2. Estado-nação e democracia

Afirma Jürgen Habermas (1999: 5) queas tendências evolutivas que hoje atraem

a atenção sob a rubrica “globalização”modificam uma constelação histórica quese distinguiu pelo fato de o Estado, asociedade e a economia estenderem-se, decerta maneira, de forma coextensivadentro das mesmas fronteiras nacionais.O sistema econômico internacional, noqual os Estados traçam as fronteiras entrea economia interna e as relações decomércio exterior, transforma-se, naesteira da globalização dos mercados,numa economia transnacional. (“Noslimites do Estado”, publicado no caderno“mais”, Folha de São Paulo, de 18.07.99,p. 5 ss).

Para Habermas, são relevantes, emprimeiro lugar,

“a aceleração dos movimentosuniversais de capital e a avaliaçãoimperativa das posições nacionaispor meio dos mercados financeiros,ligados globalmente em rede. Essesfatos explicam por que os atoresestatais hoje não constituem mais osnós que emprestavam à rede globalde relações de troca a estrutura derelações interestatais ou internacio-nais. Hoje são antes os Estados quese acham incorporados aos merca-dos, e não a economia política àsfronteiras estatais”.

Veja, ainda, a esse respeito, no anexo II, asíntese da visão de Habermas sobre osaspectos da privação de poder do Estadonacional.

Sobre esse tema é importante citar otrabalho de David Held (1995: 503-520),no qual trata da democracia no âmbitointernacional, em que quer sugerir que ascausas últimas devem ser buscadas nasformas de democracia moderna e mesmono sistema do Estado-nação. Em primeirolugar, propõe a pergunta: até que pontoteremos razão para nos entusiasmarmoscom a democracia? Após examinar algu-mas das relações chaves existentes entreestados e sociedades, propõe-se a ofereceruma agenda nova para impulsar a teoria

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e a prática democráticas. Observa que, senão podemos refazer a democracia, o certoé que, em sua forma tradicional, está cadavez mais defasada e precisa de reformasurgentes, tanto a curto prazo como a longoprazo. No referente à nova ordem inter-nacional, propugna uma “democraciainternacional cosmopolita” (cosmopolitandemocracy. An agenda for a new world order),que resulta indispensável para a manuten-ção e desenvolvimento da democracia,tanto no âmbito das fronteiras nacionaiscomo fora delas.

É visível que a comunidade interna-cional, especialmente os países ocidentais,encontra-se diante de um dilema. A supo-sição que o fim da guerra fria poderiapermitir a criação de uma “nova ordeminternacional” sobre a base da extensão dademocracia ao longo do globo, acompa-nhada de um novo espírito de cooperaçãoe paz, frustrou-se. O entusiasmo com quese admitiu essa possibilidade esfriou-sefrente às crises políticas e econômicas queestão ocorrendo em diversos países, comoé o caso do Brasil, comprovando que anova ordem mundial é uma perigosailusão.

12. O Brasil caminha para uma mortelenta?

Quando examinamos o processo demo-crático mundial em curso e as idéias deDavid Held (1995: 503) sobre democracia ea nova ordem internacional, é importantenão esquecermos que, dadas as muitasambigüidades que rodeiam a definição dedemocracia, assim como a escassez deestudiosos que tratem a democratizaçãocomo processo “político”, não é fácil dizerquando uma democracia deixou deexistir. Na América Latina, tem-se osexemplos do Peru (Fujimori, 1992) e maisrecentemente da Venezuela (Chávez,1998). Apesar dessas limitações, não sepode deixar de compartilhar com o enten-dimento de O’Donnell de que as demo-

cracias perecem: por uma morte súbita oupor uma morte lenta.

No caso da morte súbita da democra-cia, o fenômeno é claramente perceptível,pois ocorre quando há uma guerra civil,um golpe de estado ou algum outroprocesso espetacular que de imediatocapta a atenção internacional e dá umadata precisa para a morte da democracia.Não é o caso, porém, da morte lenta dademocracia. Nesse caso, que se apresentacomo o método mais sutil e seguro para osinimigos da democracia (que é terminá-lalentamente), ele ocorre mediante a erosãogradual das liberdades, garantias e proces-sos que são vitais para a democracia. Aquinão se tem uma data precisa em que possadeclarar morta a democracia. A mortelenta é insidiosa, enquanto a violência erepressão que a acompanham podem sertão grandes como no caso da morte súbita.Quando uma democracia está morrendolentamente, pode amparar-se em reclamosde legitimidade doméstica e internacionalque dificultam a implementação de res-postas oportunas e adequadas. Isso seráparticularmente certo se alguns paísespoderosos têm razões pragmáticas paranão querer antagonizar com quem estásuprimindo a democracia.

É importante não desviar a atençãodaquelas democracias recentes que aindaestão livres dessas ameaças dramáticas,mas estão sujeitas a uma morte lenta ou aretrocessos em determinadas áreas, emque algumas características se misturamcom fortes indícios de um autoritarismosobrevivente ou ressurgido. Detectar essesriscos, descrever sua evolução, conceitua-lizar as entidades políticas que surgem portrás da pouco convincente afirmação deque são “híbridas” e mobilizar, de formatempestiva, os esforços locais e interna-cionais para contrapor-se a essas tendên-cias antidemocráticas são atividadesessenciais para a consolidação da demo-cracia no mundo nos próximos anos.

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13. As distorções na gestão da criseeconômica pelo FMI

A preocupação com a implementaçãode políticas sociais não está demonstradanos termos do acordo imposto pelo FMI aoBrasil. A imposição dos decisores do FMI– respaldado pelo BIRD, pelos países doG-7 e, em particular, o governo dos EUA –é bastante clara em relação ao Brasil, ondese aplicam imposições muito duras, espe-cialmente de cortes orçamentários na áreasocial e em outros setores importantes parao desenvolvimento, como contrapartidapara ajudar o país a sair da crise econô-mica que está vivenciando. Aplica-se,portanto, ao caso brasileiro a percepção deGuilhermo O’Donnell (1995), quandoafirma que tanto os autoritários da velhageração como os novos tecnocratas dessasinstituições tomam como base a premissade que aqueles que ocupam altos cargosoficiais sabem mais que o resto da socie-dade e, dessa forma, não só têm o direitocomo a obrigação de impor a ela (socie-dade) os seus conhecimentos superiores.É por essa razão que os politólogos comopiniões democráticas ficaram poucoseguros e refutaram a lógica de a “únicapolítica melhor”, passando a recomendaro “isolamento” dos fazedores de políticaeconômica da política. Está claro que,nesse ponto, a democracia para os deciso-res do FMI (com respaldo do BIRD e dogoverno dos EUA) apresenta-se como umaquestão de menor importância.

Portanto, a lógica do sistema capitalistaconduzido pelos decisores do FMI, BIRD epaíses ricos (G-7), especialmente os EUA,que está centrada na “gestão” da crisemais que em acabar com ela e que impõeas políticas de ajuste unilateralmente aospaíses mais débeis, inclusive ao Brasil,satisfaz esse requisito de gerir a crise. Alógica de ajuste que se aplica na atuali-dade, e que ameaça a democracia brasi-leira, requer que prevaleça a livre circu-lação de capitais, mesmo que essa orien-

tação implique as reduções de salários egasto social, a liberação dos preços e aeliminação de subsídios, desvalorizações,ou seja, ainda que isso suponha umaregressão das possibilidades de desenvol-vimento, com isso provocando a exclusão,a pobreza e a violência.

A forma de interferência demonstraque a preocupação dos decisores dessesórgãos supranacionais com a legitimidade,eficácia e efetividade, e, por conseqüência,com a governabilidade e a democraciadesses países em crise econômica é umaquestão secundária. Diante desse cenárioinstável, não é possível, ainda, compar-tilhar com o otimismo de Held de que sepoderia tentar avançar rumo à criação deuma nova cultura internacional e demo-crática. O caso brasileiro, é importanterefletir, pode estar, de forma consciente ounão, direcionando-se para a segundaforma de morte da democracia, observadapor O’Donnell, ou seja, nas imposições doacordo do FMI, encontram-se mecanismosque podem abalar a governabilidade eenfraquecer a democracia no Brasil,mediante o agravamento dos problemassociais, refletidos no aumento da exclusão,da pobreza e da violência, que levará àerosão gradual das liberdades, garantiasindividuais e processos, que são vitais paraa sua sobrevivência.

14. ConclusõesA crise econômica que está afetando o

Brasil, cujos efeitos econômicos, políticose sociais ainda não são possíveis de prever,revelou algo significativo: que o Brasil éum país importante, decisivo e perigoso aomesmo tempo, tanto para o continenteamericano, como para o mundo. Essaimportância recomenda, portanto, queseja repensada pelo governo brasileiro aforma de implementação do ajuste fiscal,que tem como prioridade apenas a estabi-lidade macroeconômica, em especial ocontrole das contas públicas, que estásendo feita com significativos cortes

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orçamentários na área social e de investi-mentos em setores importantes para odesenvolvimento. Essa medida torna-senecessária para evitar riscos de instabili-dade política no país, visto que o ajustefiscal, na forma proposta pelo FMI, des-considera que a implementação de políticaseconômicas e sociais deve ser feita deforma integrada, com vistas a reduzir aexclusão, a pobreza e a violência.

Deve-se ressaltar que o Brasil, comuma estrutura distributiva reconhecida-mente muito desigual, agravada pelosproblemas das dívidas interna e externa epelos efeitos da liberalização da economiae da globalização, não está sendo capaz deresolver a questão das disparidades, emtermos de distribuição da riqueza. Verifica-se, assim, que o novo modelo de desenvol-vimento implementado no país é incom-patível com a correção gradual das grandesdesigualdades econômicas e sociais exis-tentes, o que vem provocando o aumentodas tensões sociais nas áreas urbanas e nocampo. O agravamento dessas tensões éperceptível; podem vir afetar a governa-bilidade e enfraquecer as bases dos con-sensos políticos que têm permitido ofortalecimento da democracia no Brasil.

Os indicadores da economia brasileira,conforme demonstrado, comprovam quea receita clássica do FMI de redução dodéficit público, a qualquer custo, vemcontribuindo decisivamente para a eleva-ção do desemprego, para o aumento darecessão econômica e agravamento dosproblemas sociais. A desvalorização damoeda deixou o país mais pobre, ostrabalhadores foram sacrificados com oaumento dos preços e das tarifas públicas,além de afetar as empresas que estavamendividadas em dólar ou que importammatérias-primas. O Estado, com a políticade juros elevados, teve a sua dívida públicaaumentada para meio trilhão de reais(R$ 500 bilhões). Foram feitas fortesprivatizações para reduzir o endividamentoda União, mas, como os juros se mantive-

ram em nível extremamente elevado, oefeito final foi nulo. A desvalorização damoeda na forma como foi conduzidaresultou em brutal transferência de rendapara o setor financeiro. Assim, frente a essecenário de dificuldades, o país não deveesperar, no curto e médio prazos, mudançasque levem a uma elevação no desempenhoda economia, na redução do desempregoe à melhoria na redistribuição da renda.

É perceptível, assim, a falta de auto-nomia e o elevado grau de subordinaçãodo Brasil aos órgãos supranacionais – FMIe BIRD, num contexto em que prevalecemos interesses dos grandes capitais e dasempresas transnacionais. Nesse sentido, éimportante que se reduza a vulnerabilidadee a dependência da economia brasileira noatual cenário internacional. Por isso, torna-se necessário que se sobreponha ao ajustefiscal em curso, cujo caráter é emergencial(na medida em que busca adequar-se àsexigências do FMI, com cortes severos nosgastos públicos para efeito de adequar-seàs exigências dos investidores interna-cionais), um ajuste fiscal consistente,advindo de reformas estruturais na eco-nomia, em especial da reformulação dosistema tributário.

Conclui-se, assim, que a política eco-nômica em vigor, que tem como propósitopromover um ajuste fiscal, a qualquercusto, com o objetivo de alcançar o equilí-brio macroeconômico, acordada entre ogoverno brasileiro e o FMI – com o respaldodo BIRD e dos países do G-7, sob a lide-rança dos EUA –, está impregnada de errosno campo da política. O temor, quandoisso não é levado em consideração, é quea democracia começa a correr perigo. Ostermos do acordo para tirar o Brasil dacrise econômica têm um custo social muitoelevado, no qual o FMI relega a um planosecundário a questão da política social edos investimentos necessários ao desenvol-vimento, reduzindo assim a capacidade degovernabilidade do país. Ao ignorar quea estabilidade do sistema democrático

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depende de sua eficácia, de sua legitimi-dade e de sua efetividade, deixa a desco-berto, a médio prazo, a possibilidade desurgir uma nova porta para aventurasantidemocráticas no Brasil.

15. Anexos

Anexo I

Os pilares da governança global

O relatório das Nações Unidas, ediçãode 1999, divulgado pelo Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento –Pnud, pede a ampliação do papel dasorganizações do gênero supranacional. Adefesa de organizações supranacionaisvem amparada em dados que procuramdemonstrar que os Estados nacionais têmcrescentes dificuldades em implantarpolíticas que respondam a desafios quesuperam suas fronteiras. E assim define“governança global”: “Governança nãosignifica mero governo. Significa umquadro legal, instituições e práticas esta-belecidas que imponham limites e dêemincentivos ao comportamento dos indiví-duos, organizações e empresas”.

Os pilares da “governança global” es-tariam baseados nas seguintes instituições:

1. Uma ONU mais forte e mais coeren-te, que constitua um fórum com liderançamundial, voltada para preocupaçõeshumanas e de eqüidade;

2. Um Banco Central mundial;3. Uma Organização Mundial do Co-

mércio “que assegure ao mesmo tempo ocomércio internacional livre e justo, commandato extensivo à política de concor-rência global”.

Para o Pnud,“os perigos de conflitos mundiaispodem ser uma realidade no século21: guerras comerciais para promo-ver interesses naconais e empresa-riais; volatilidade financeira semcontrole, provocando conflitos civis;crime mundial fora de controle,

contaminando comunidades segurase criminalizando política, negóciose política”.

As principais propostas formuladaspelas Nações Unidas (Pnud) para a imple-mentação de uma “globalização com facehumana” são as seguintes:

1. Banco Central mundial – o relatóriopropõe a criação de um Banco Centralmundial, capaz de funcionar como empres-tador de última instância para países emdificuldades. Propõe, ainda, a criação deum emprestador de última instância paraindivíduos, como complemento dospacotes financeiros de ajuda a países.

2. Imposto “bit” – propõe o Pnud acobrança de um imposto sobre comunica-ções on line, cujo produto financiariamaior acesso dos mais pobres às modernastecnologias.

3. Código de condutas das multinacionais– o objetivo da proposta é “salvaguardaros direitos dos trabalhadores”.

4. Criação de um G-20 – o relatóriodefende a criação de um grupo de trabalhopara estudar a governabilidade econômi-ca global, com, “talvez, dez países indus-trializados e dez em desenvolvimento,mas também com representantes dasociedade civil e de atores privadosfinanceiros e empresariais”.

5. Meio ambiente – o relatório propõevincular “negociações sobre os direitos depropriedade intelectual aos direitos deemissão de carbono na atmosfera – e queliguem os ativos ambientais, como asflorestas tropicais, às negociações sobrecomércio, dívida e investimento”.

Anexo IIAspectos da privação de poder do Estado

nacional

O filósofo Jürgen Habermas, ao discu-tir a organização política da Europa sob oimpacto da globalização econômica (“Noslimites do Estado”, Folha de São Paulo,Caderno mais, 18-7-99, p. 4-6), observaque as tendências descritas sob a rubrica

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“globalização” não ameaçam somente nocampo interno uma composição homo-gênea da população – ou seja, o fundamentopré-político da integração dos cidadãos –por intermédio da imigração e da segmen-tação cultural. Ainda mais contundente éa circunstância de um Estado cada vezmais enredado na interdependência entreeconomia e sociedade mundiais perderautonomia e capacidade de ação, bemcomo substância democrática(*).

Nesse sentido, abstrai Habermas dosprejuízos de fato da soberania dos Estados,a qual subsiste formalmente, e limita-se atrês aspectos da privação de poder doEstado nacional:

a) a perda da capacidade de controleestatal;

b) a crescentes déficits de legitimaçãono processo decisório; e

c) a progressiva incapacidade de darprovas, com efeito legitimador, de açõesde comando e de organização.

a) A perda de autonomia significa, en-tre outras coisas, que o Estado isolado nãoé mais suficientemente capaz, com suaspróprias forças, de defender seus cidadãoscontra efeitos externos de decisões deoutros atores ou contra os efeitos emcadeia de tais processos, que têm origemfora de suas fronteiras. Trata-se, por umlado, de “transposições espontâneas defronteira”, como ônus ambientais, crimeorganizado, riscos de segurança da altatecnologia, tráfico de armas, epidemiasetc., e, por outro lado, de conseqüênciascalculadas (mas a serem suportadas) porpolíticas de outros Estados, de cujo adven-to os envolvidos não tomaram parte –pense-se, por exemplo, nos riscos dosreatores atômicos, construídos para alémdas fronteiras e que não correspondem aospadrões de segurança do próprio governo.

b) Em vista da carência democrática delegitimação, sempre surgem déficitsquando o círculo daqueles que tomamparte nas decisões democráticas nãocoincide com o círculo daqueles que são

afetados por essas decisões. Menos evidente,embora mais duradouro, é o prejuízocausado à legitimação democrática quandose logra cobrir a crescente falta de coorde-nação, interdependências, com aliançasinterestatais.

A integração institucional do Estadonacional numa rede de alianças e regimestransnacionais cria em alguns campospolíticos, é verdade, equivalentes para ascompetências perdidas no plano nacional.Porém, quanto mais graves e numerosassão as matérias reguladas no curso dasnegociações interestatais, tanto maisdecisões políticas são subtraídas à forma-ção democrática da opinião e da vontade,formação essa ancorada unicamente nasarenas nacionais.

Na União Européia, o processo decisório,em boa parte burocrático, dos especialistasde Bruxelas é um exemplo de tal déficitdemocrático, que surge com o desloca-mento das agremiações nacionais dedecisão para as comissões interestatais,compostas de representantes do governo.

c) No centro do debate, no entanto,surge a restrição da capacidade interven-tiva, que o Estado nacional utilizou atéagora como política social legitimadora.Com a justaposição, por um lado, doespaço de ação territorialmente restritodos atores nacionais do Estado e, por outro,dos mercados globalmente ilimitados edos fluxos acelerados de capital, desapa-rece a “integridade funcional da economianacional”.

Sobre o tema, conclui Habermas(**)que os

“governos nacionais perdem, assim,a capacidade de esgotar os recursostributários da economia interna, deestimular o crescimento e, com isso,de assegurar bases fundamentais desua legitimação (...) Em vários paíseseuropeus, a repressão da política porparte do mercado exprime-se nocírculo vicioso de desemprego cres-cente, sistemas previdenciários de

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benefícios excessivos e contribuiçõesminguantes. O Estado depara-secom o seguinte dilema: o aumentoda tributação sobre a propriedademóvel e medidas de estímulo aocrescimento são tanto mais urgentespara as contas públicas quantomenos viáveis se mostram no inte-rior das fronteiras nacionais”.

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Notas

(*) Veja a esse respeito L. Brick (1998): “Die Gren-zen der Demokratie: Selbstbestimmung im Kontext desGlobalen Strukturwandels”. In: B. Kohler-Koch,“Regieren in Entgrenzten Räumen”. PVS, Sonderheft,29, p. 271-292.

(**) Jürgen Harbemas é autor, entre outros, de“Consciência moral e o agir comunicativo” e “Direito edemocracia”, publicados no Brasil pela Edições Tem-po Brasileiro.

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