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Marcos Roberto Alves da Costa CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE SÚMULA VINCULANTE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP 2008

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Marcos Roberto Alves da Costa

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE SÚMULA VINCULANTE E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2008

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Marcos Roberto Alves da Costa

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE SÚMULA VINCULANTE E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo sob a orientação do Prof. Dr. Edinilson Donisete Machado.

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2008

Marcos Roberto Alves da Costa

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE SÚMULA VINCULANTE E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA.

Banca examinadora da Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da UNITOLEDO, para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Resultado: __________________________ ORIENTADOR: Prof. Dr. Edinilson Donisete Machado 1º EXAMINADOR: Drª Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches 2º EXAMINADOR: Dr. Vladmir Oliveira da Silveira

Araçatuba, 27 de agosto de 2008.

O caminho de Deus é perfeito.

Rosana, Aline e Bruna, mulheres da minha vida.

Nessa trilha as conheci, e nela vou permanecer.

A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

Fernando Pessoa

COSTA, Marcos Roberto Alves da. Controle Concentrado de Constitucionalidade, Súmula Vinculante e dignidade da pessoa humana. 210 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Toledo – UNITOLEDO, 2008.

RESUMO O objetivo deste trabalho é verificar se no sistema abstrato de controle de constitucionalidade, com seus instrumentos, especificamente aqueles em cujas decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal há o efeito vinculante, quais sejam, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, e argüição de descumprimento de preceito fundamental, juntamente com a súmula vinculante, que também integra o processo objetivo, levando-se em consideração os princípios relativos ao processo consignados na Constituição Federal, podem ser considerados reveladores da dignidade da pessoa humana na medida em que existem para a proteção das normas constitucionais (princípios e regras) e dos direitos fundamentais da pessoa humana nela consignados, explícita ou implicitamente, ou os decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º, CF). Para tanto trataremos de uma teoria dos direitos fundamentais, para entendermos os precisos limites dessa expressão. Serão estudados os princípios do processo civil inseridos na Constituição Federal, porque disso dependerá o desenvolvimento das características principais do processo objetivo, inerente a fiscalização abstrata de normas. São regras e princípios especiais que não podem ser confundidos com a do processo clássico e subjetivo. O efeito vinculante será apreciado mais profundamente, até porque disso depende a solução do problema inicialmente apontado. De igual modo examinaremos a súmula vinculante, seu conceito, finalidade e importância para a otimização dos trabalhos da Corte Suprema, guardiã da Constituição e dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. Na conclusão traçaremos um paralelo entre os princípios do processo objetivo e do processo subjetivo, a fim de caracterizar que um tratamento diferenciado deve ser dispensado ao controle abstrato e da súmula vinculante, que tratam não de interesses intersubjetivos, mas sim, metaindividuais ou difusos, o que justifica o seu procedimento um tanto quanto apartado do devido processo legal. Para tanto serão feitas pesquisas na doutrina, em diversas obras, de autores nacionais e estrangeiros, na jurisprudência, em acórdãos do Supremo Tribunal Federal, artigos de revistas, jornais, e encontrados na rede mundial de computadores. Palavras chaves: Direitos Fundamentais; Processo Objetivo; Controle de Constitucionalidade; Efeito Vinculante; Súmula Vinculante.

COSTA, Marcos Roberto Alves da. Controle Concentrado de Constitucionalidade, Súmula Vinculante e dignidade da pessoa humana. 210 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Toledo – UNITOLEDO, 2008.

ABSTRACT The objective of this thesis is to verify if in the abstract system of unconstitutionality control, with its instruments, speacially those in whose decisions on the merits of the case of the Supreme Federal Court it has binding effect, whatever they are, direct action of unconstitutionality, declaratory action of constitutionality, and challenge of disrespect of the fundamental precept, together with the binding abridgment, that also integrates the objective process, taing in consideration the relative principls to the process, consigned on the Federal Constitution, can be considered revealing of the dignity of the human person where they exist for the protection of the constitutional ruleses (principles and rules) and the fundamental rights of a human person on this same human person consigned, explicit or implicitly, or the decurrent ones of the regimen and principles for it adopted, or of the international agreements that the Republic of Brazil is part of. (art. 5º, §2º, CF). Therefore we will deal with a theory of the fundamental rights to understand the need of the exact limits of this expression. The inserted principles of the civil action in the Federal Constitution will be studied, because on this it will depend the development of the main characteristics of the objective process, inherent the abstract fiscalization of norms. They are special rules and principles that can not be confused with the one of the classic and subjective process. The binding effect will be appreciated deeply even because the solution of the problem initially pointed depends on this. Equally we will examine the binding abridgment, its concept, purpose and importance for the improvement of the works by the Supreme Court, guard of the Constitution and the inherentrights to the dignity of the human person. In the conclusion we will trace a parallel between the principles of the objective process and the subjective process, in order to characterize that a differentiated treatment must be excused to the abstract control and from the binding abridgment, that deals not with the interests between people, but diffuse, what justifies its procedure in such a separatedway from the due process of law. After all, researches in the doctrine it will be done, diverse workmanships will be made, of authorsnational and foreigners, in the jurisprudence, sentences for the Supreme Court, articles of magazines, newspapers, and information found on the world-wide net of computers.

Keywords: Fundamental Rights; Objective Process; Constitutionality Control; The Binding Effect; The Binding Abridgment.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 10 CAPÍTULO I – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................................................16 1.1 Dignidade da Pessoa Humana: Evolução Histórica ............................................................. 16 1.1.1 Dignidade da Pessoa Humana: Uma Definição Inicial ..................................................... 26 1.1.2 A Dignidade da Pessoa Humana como Princípio Fundamental ........................................ 28 1.2 Conceituação: Direitos Humanos, Direitos Fundamentais, Liberdades Públicas ................ 29 1.3 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Relação com os Direitos Fundamentais. 31 1.4 Caracteres dos Direitos Fundamentais ................................................................................. 35 1.5 Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 ..................................................... 37 1.6 Eficácia dos Direitos Fundamentais ..................................................................................... 39 1.7 O Supremo Tribunal Federal e a Dignidade da Pessoa Humana.......................................... 44 CAPÍTULO II – O PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO................................................ 48 2.1 Principais aspectos de âmbito constitucional do Processo Civil .......................................... 49 2.2 Princípios Constitucionais Processuais ................................................................................ 58 2.5.1 Abordagem dos principais aspectos dos princípios........................................................... 59 CAPÍTULO III – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: O EFEITO VINCULANTE .......................................................................................................................... 67 3.1 Pressupostos do controle de constitucionalidade.................................................................. 73 3.1.1 Apontamentos para a aproximação de uma definição de Constituição ............................. 73 3.1.2 Supremacia Constitucional ................................................................................................ 77 3.1.3 Rigidez Constitucional ...................................................................................................... 78 3.2 Controle de Constitucionalidade .......................................................................................... 80 3.2.1 A Jurisdição Constitucional no Brasil ............................................................................... 85 3.2.2 Sistemas de Controle de Constitucionalidade no Direito Comparado .............................. 89 3.2.3 Controle de Constitucionalidade no Brasil ........................................................................ 92 3.2.3.1 Histórico ......................................................................................................................... 92 3.2.4 Espécies ............................................................................................................................. 98 3.2.5 Controle Concentrado de Constitucionalidade................................................................. 101 3.2.5.1 Aspectos do Processo Objetivo ..................................................................................... 102 3.2.5.2 Instrumentos processuais do controle abstrato e suas características............................ 112 CAPÍTULO IV – SÚMULA VINCULANTE .......................................................................... 150 4.1 Conceitos Essenciais ........................................................................................................... 150 4.1.1 Sentença............................................................................................................................ 151 4.1.2 Acórdão ............................................................................................................................ 153 4.1.3 Precedente Judicial ........................................................................................................... 153 4.1.4 Jurisprudência................................................................................................................... 154 4.1.5 Súmula.............................................................................................................................. 155 4.1.6 A Súmula Vinculante........................................................................................................ 157

4.2 A Previsão Constitucional da Súmula Vinculante............................................................... 159 4.2.1 Requisitos e abordagem das características mais relevantes ............................................ 160 4.2.2 Argumentos Favoráveis e Contrários à Súmula Vinculante............................................. 170 4.3 Súmula Vinculante e o Controle de Constitucionalidade.................................................... 186 4.4 Enunciados de Súmula Vinculante ...................................................................................... 165 CONCLUSÃO........................................................................................................................... 189 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 203

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INTRODUÇÃO

Este trabalho, dividido em quatro capítulos, terá por objetivo verificar se no controle

abstrato de constitucionalidade, considerando o efeito vinculante dele decorrente, e na súmula

vinculante, são protegidos e respeitados os direitos fundamentais, como emanações da

dignidade da pessoa humana. Nesses direitos fundamentais, inseridos os princípios do

processo civil na Constituição Federal.

Para tanto, inicialmente, será desenvolvido um estudo concernente aos principais

aspectos dos Direitos Fundamentais nos seguintes pontos:

O que são Direitos Fundamentais? Qual a sua pertinência com a Dignidade da Pessoa

Humana? É essencial esse nexo para a consideração da existência de um Direito

Fundamental?

Afinal, qual o conceito de Dignidade da Pessoa Humana?

Qual a razão de os Estados modernos ocidentais, e de modo incipiente os orientais,

arrolarem em suas Constituições um rol de direitos os quais atribuem o valor de

fundamentais?

Se diz respeito às todas as pessoas, por quê essa relação de direitos não é a mesma

em todos os países?

Onde, quando e por quê, surgiu essa idéia de direitos inerentes e essenciais à pessoa

humana?

As respostas a essas indagações ainda constituem o substrato de profundas

discussões, existindo inúmeras divergências, que ainda não lograram, e estão longe de

alcançar algum consenso.

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Fatores políticos, econômicos, religiosos, que deveriam ser desconsiderados nesse

tema, são levados em conta com o fito de tentar convencer acerca do acerto de tal ou qual

doutrina.

Esse capítulo do trabalho, sem ter a pretensão de apontar qual o pensamento correto,

terá por objetivo analisar essas principais doutrinas, especialmente ao longo da evolução

histórica do direito.

Nesse sentido, será feita uma abordagem histórica dos Direitos Humanos, e, nesse

ponto, como se deu através dos séculos, o enriquecimento da dignidade da pessoa humana,

definindo-a e analisando-a como princípio constitucional fundamental, e as conseqüências e

reflexos no ordenamento jurídico por conta da nova hermenêutica que deve ser realizada

diante desse valor supremo da pessoa humana, buscando tangenciar o necessário

esclarecimento sobre a diferença entre dignidade da pessoa humana e o princípio fundamental

da dignidade da pessoa humana, realizando ainda uma reflexão no que diz respeito a

possibilidade de um direito à dignidade e sobre o caráter absoluto ou não de tal princípio.

Também se buscará estabelecer a íntima conexão entre a dignidade da pessoa

humana e os direitos fundamentais, estruturantes e razão do Estado Democrático de Direito,

no âmbito da Constituição Federal de 1988.

Nesse ponto será importante trazer à

tona a questão conceitual. Qual a melhor

denominação que se deve dar ao tema?

Direitos Humanos, Direitos Humanos

Fundamentais, Liberdades Públicas, Direitos

Fundamentais? Quais são as características

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desses Direitos Fundamentais e qual a sua

eficácia?

Ultrapassado esse momento, serão enfrentadas, por fim, as seguintes indagações:

Direito fundamental é tão somente aquele que não admite condicionamento, exceção,

limitação, ou seja, deve ser absoluto? Não há necessidade de positivação de Direito

Fundamental, uma vez que fundamental é a efetivação do princípio (fundamental da

dignidade da pessoa humana)?

O segundo capítulo terá a finalidade de estudar os aspectos do Processo Civil na Dimensão Constitucional, apontando a relevância e a imprescindibilidade dos princípios inerentes ao devido processo legal, para a realização da dignidade da pessoa humana.

Importante ressaltar que o devido processo legal, direito fundamental, é imprescindível para a garantia do cidadão quando se encontre em situação de ameaça ou lesão a um direito seu. Portanto, em um conflito intersubjetivo, em uma relação jurídica processual onde há conflito de interesses, pretensão resistida.

Trata-se de processo subjetivo, onde encontramos partes, cada qual com seu interesse e, portanto, em pólos opostos da relação processual.

É uma das faces do Judiciário para a garantia de direitos, necessária à efetivação da dignidade da pessoa humana.

Daí que precisaremos analisar, ao menos superficialmente, apontamentos de alguns institutos jurídicos relacionados, como jurisdição, a jurisdição cautelar e as principais características do processo, da ação, o pedido e a causa de pedir, a coisa julgada, seus limites objetivos e subjetivos, o princípio do devido processo legal, nos aspectos substancial e processual, e os princípios dele decorrentes, da isonomia, da inafastabilidade do controle jurisdicional, do duplo grau de jurisdição, do juiz e do promotor natural, contraditório, ampla defesa, motivação das decisões judiciais, publicidade, celeridade (razoável duração do processo) e segurança jurídica, para que em seguida, no terceiro capítulo, possamos desenvolver os estudos relativos ao controle de constitucionalidade no Brasil, que também se desenvolve através de um processo, só que de natureza distinta, denominada objetiva.

Não se trata de um processo subjetivo, mas objetivo, sem partes, cuja função precípua é dar uma decisão para garantir a supremacia das normas constitucionais e a segurança jurídica. Então pergunta-se: Será que no processo objetivo de fiscalização abstrata de normas, deve ser integralmente respeitado o devido processo legal, nos moldes postos no art. 5º, da Constituição Federal?

Por conta dessa natureza objetiva, desatendendo a preceitos do devido processo legal, os instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade podem ser taxados de inconstitucionais com afronta da dignidade da pessoa humana?

Para alcançar essa resposta, precisaremos verificar o significado da Constituição, e a imprescindibilidade de sua rigidez, e conseqüente supremacia, para a existência de um sistema de controle de constitucionalidade, nos moldes do encontrado no ordenamento jurídico brasileiro, que mantém no vértice superior de sua pirâmide axiológica o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Ingressando no estudo do controle de constitucionalidade, examinaremos a jurisdição constitucional no Brasil, as espécies de sistemas de controle de constitucionalidade no direito comparado e no ordenamento jurídico constitucional nacional, com uma breve apreciação histórica.

Depois haverá a pesquisa do controle concentrado, no âmbito do qual, estão inseridos os instrumentos de controle dotados de eficácia vinculante.

Tratando-se o controle concentrado de um processo constitucional objetivo, examinaremos o significado e alcance dessa assertiva.

Procuraremos trazer assim para o bojo dessa pesquisa alguns aspectos, pelo menos os mais relevantes, do processo constitucional, e nesse contexto o processo objetivo, com as suas peculiaridades que o distinguem do processo subjetivo, tradicional, definindo os seus instrumentos dotados de efeitos vinculantes nas decisões finais de mérito do STF, quais sejam, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental, bem como as técnicas de decisão, designadamente a interpretação conforme e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Ainda tomando em conta a necessidade de trazer subsídios à elaboração da solução ao problema trazido a este trabalho, demonstraremos, sem pretender ingressar nos procedimentos dos instrumentos de controle, as principais características da fiscalização abstrata como processo objetivo, e daí serão apreciadas a competência originária do Supremo Tribunal Federal, o significado do interesse objetivo para a provocação da jurisdição constitucional, a ausência de partes, a pertinência temática, a impossibilidade de desistência da ação constitucional de controle, a figura do amigo da corte, a liberdade da Corte Suprema na ação, não se vinculando à causa de pedir, a ausência de contraditório, decadência e prescrição, a necessidade de manifestação do Procurador Geral da República e do Advogado Geral da União, as características da medida cautelar e seus efeitos.

Será dada especial ênfase, e não poderia ser de outra forma, considerando os objetivos desse trabalho, ao efeito vinculante das decisões de mérito do Supremo no controle concentrado ou abstrato de normas e atos normativos, além da observação relativa aos efeitos ex tunc, ex nunc e erga omnes, e a conseqüência para quem inobservar a decisão dotada de eficácia vinculante. Nesse ponto, será examinada a ação de reclamação.

Serão analisados alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal, manifestados na sua competência de guardião da Constituição Federal, que externam valores de proteção e respeito ä dignidade da pessoa humana.

Finalmente, no último capítulo, teceremos algumas considerações sobre a súmula

vinculante com o olhar voltado para o seu mister de instrumento realizador de direitos

fundamentais, pois que esse novel instituto jurídico constitucional, também de natureza

objetiva, surge como mais uma ferramenta da uniformidade e harmonia constitucionais,

implementando os princípios da isonomia e segurança jurídica, bem como buscando dar

efetividade à duração razoável do processo, e por conseqüência, da dignidade da pessoa

humana.

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Verificaremos inicialmente conceitos essenciais para a perfeita compreensão deste

importante instrumento para a uniformização da jurisprudência, notadamente, sobre sentença,

acórdão, precedente judicial, jurisprudência, e de súmula.

Ato contínuo, passaremos para a apreciação da súmula vinculante, ressaltando a sua

previsão constitucional, e requisitos, tais como competência, objeto, legitimidade para a

criação, revisão ou cancelamento, a existência de controvérsia com provocação de grave

insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre a questões idênticas.

Estudaremos a figura do amigo da corte, previsto na lei que regulamentou a súmula

vinculante.

Analisaremos as eficácias material e temporal da súmula vinculante. Quando será

possível a revisão e o cancelamento.

A inobservância da súmula vinculante possibilita a utilização da reclamação, e por

isso teceremos algumas considerações relativas a essa ação constitucional, de competência,

não exclusiva, do Supremo Tribunal Federal.

Apontaremos e discutiremos os argumentos contrários e favoráveis à súmula

vinculante, e se ela pode servir de parâmetro no controle de constitucionalidade.

Por fim descreveremos os dez enunciados de súmulas vinculantes editados até o

momento, e de que forma abarcam os valores da dignidade da pessoa humana.

Depois de todo esse desenvolvimento teremos o material mínimo necessário para

tentar dar a solução ao problema posto inicialmente, qual seja, considerando os princípios

constitucionais do processo, a súmula vinculante e o efeito vinculante nas ações que se

consubstanciam em instrumentos da fiscalização abstrata de normas, é respeitada a dignidade

da pessoa humana, no âmbito dos direitos fundamentais?

CAPÍTULO I OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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1.1 Dignidade da Pessoa Humana: Evolução Histórica

Podemos tratar da evolução dos direitos humanos, e assim da dignidade da pessoa

humana, no evolver da história da humanidade, usando os ensinamentos de Enrique Ricardo

Lewandowski, “Proteção dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional” (1984) e

Fábio Konder Comparato, “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos” (1999).

No início a pessoa não era identificada como um ser dotado de autonomia própria

enquanto inserida na polis.

O Estado determinava as regras sobre o corpo, e a religião, as concernentes à

disciplina do espírito.

O homem apenas era entendido como tal enquanto parte da comunidade política.

A idéia da dignidade, na forma como a entendemos hoje, pode ter tido a sua gênese

com os ensinamentos cristãos, e nesse aspecto podemos indicar o código de ética carreado nos

dez mandamentos da Lei de Deus, revelados a Moisés no Monte Sinai.

Segundo os cristãos, Jesus, filho de Deus, enviado ao mundo mortal para evangelizar

a humanidade, disseminou princípios tais como os de amor ao próximo, de paz, perdão e

fraternidade, que romperam os séculos como verdades até hoje aceitas e obedecidas no mundo

ocidental.

No oriente, semelhantes ensinamentos foram transmitidos por Buda, Alá, Maomé,

deixando a certeza de que, em qualquer região do mundo, mesmo que a isso não corresponda

à realidade vivida, o desejo de todo o ser humano é estar em harmonia e com respeito ao

próximo, compreendendo-o em sua cultura e por seu modo de vida, seja de qualquer raça, cor,

sexo, posição social, política ou econômica, pois que todos integram uma grande e única

família habitante do planeta Terra.

Com os estóicos essa idéia de sacralidade da pessoa humana permaneceu, apenas

que, daí para diante, ficou reconhecida a virtude do homem, sendo racional, poder entender e

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definir seus direitos, seu destino, fazendo uso do seu livre arbítrio, concepção que propiciou

força e desenvolvimento em direção ao iluminismo.

Na verdade, na época antiga, a sociedade dividida em estamentos, proporcionava a

que umas pessoas fossem reconhecidas como mais dignas do que outras dependendo da sua

posição social ou política, detentoras que eram de privilégios, próprios de suas classes.

Sahid Maluf, “Teoria Geral do Estado” (1995), conta - nos que esse era o retrato

político das primitivas repúblicas gregas e romanas, permanecendo apenas no campo teórico o

princípio da isonomia idealizado por Aristóteles.

O rei, coroado pelo Papa, representante de Deus na terra, possuía poder de vida e de

morte sobre os súditos. Era assim um poder divino, que serviu de fundamento para o

absolutismo, despotismo, e por conseqüência, para a prática de uma série de injustiças, até

mesmo para a manutenção desse status quo.

O Soberano exercia as funções judiciárias, executivas e legislativas. Enfeixado o

poder em suas mãos, não raro exercia-o de forma tirânica, subjugando os súditos, afronando-

os em sua dignidade.

Enrique Ricardo Lewandowski (1984), ensina que embora até se tenha reconhecido

que no período das idades antigas e média, todos os homens estavam protegidos por normas

divinas, que não poderiam ser desrespeitadas, não eram concebidos fora do Estado, no qual

estavam totalmente imersos.

O reconhecimento de que todo homem tem direitos, inclusive contra o Estado, só

teria surgido na idade moderna.

Contra essa situação de subordinação do ser humano com relação ao Estado insurgiu-

se a burguesia, amparada pelo movimento iluminista, que se escorava inicialmente nos

pensamentos de filósofos como Jean Bodin (1576), Nicolau Maquiavel (1513) e Thomas

Hobbes (1651).

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Jean Bodin (1576) definiu o conceito de soberania. Havia necessidade de um poder

único, e não a poliarquia, para proporcionar o desenvolvimento do comércio.

Esse poder único e divino deveria estar enfeixado nas mãos de um único ser, o

Leviatã, que segundo Hobbes (1651), deveria pela força governar, garantindo a segurança aos

súditos, e em apenas não sendo alcançado esse objetivo, teria o povo o direito de resistência à

opressão, desconstituir o Estado e construir outro, que atendesse a essa sua finalidade para a

qual foi criado.

Ocorre que essa criatura, o Leviatã, logo se voltou contra os criadores, pois

mantendo os privilégios da era feudal, continuou a trazer para os burgueses pesada carga

tributária que beneficiava apenas o clero e a nobreza.

O sonho da liberdade passou a ser nutrido desde então.

Para o combate ao absolutismo, e iluminar esse obscurantismo do poder despótico, é

desencadeado o movimento iluminista, que propugnava ser o homem detentor de direitos

naturais e inalienáveis, anteriores e posteriores ao Estado, que seriam a vida, a propriedade, a

liberdade, a igualdade (formal), e o direito de resistência à opressão.

Ao Estado caberia apenas uma abstenção, um não interferir na esfera privada, deixar

fazer, deixar passar, segundo os franceses, possibilitando que esse homem ideal, detentor de

tais direitos imutáveis e inalienáveis, pudesse se desenvolver, prosperar, utilizando dessa

autonomia, dessa esfera de liberdade proporcionada pela ausência estatal.

Na verdade esses argumentos serviram apenas para que a classe burguesa se livrasse

das amarras políticas e econômicas que a impediam de produzir e se desenvolver.

Nos séculos XVI a XVIII, esse movimento resultou em diversas revoluções, na

Inglaterra, onde foram elaboradas algumas declarações de direitos1: a Petition of rights

(1628), o Habeas Corpus Act (1679), a Bill of rights (1689); na França: A declaração de

1 Interessante que os documentos que consignaram direitos às pessoas tiveram por instrumentos declarações, no sentido de que apenas os reconheciam, pois que anteriores e superiores ao Estado que por isso não os poderia vulnerar. Não era o Estado que os proporcionava, mas sim emergiam da simples condição natural humana.

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direitos e deveres do homem e do cidadão2 (1789), nos Estados Unidos da América, a

Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776), a Declaração de Independência

Americana (1776), e a Constituição Americana (1787) com as suas dez primeiras emendas3

(1791) refletindo a influência das declarações inglesas.

Todos esses documentos consignavam direitos, essencialmente vida, liberdade,

igualdade diante da lei (formal), propriedade e de resistência à opressão, com a delimitação e

limitação do poder estatal, trazendo esse espaço para que o cidadão (homem livre burguês)

pudesse se desenvolver.

Assim, foi possível à burguesia concretizar a conquista do capital e o alcance do

poder político.

A dignidade, até então reconhecida apenas por força divina, agora estava inserida em

documentos e reconhecida pelo Estado, preponderando nesse conjunto de direitos a liberdade.

É a era das liberdades negativas, que impediam a interferência do Estado.

Anos mais tarde, tendo se apoderado do parlamento, consolidada a sua posição social

e econômica, a burguesia vê emergir uma nova classe de pessoas, oprimida não só pelo

Estado, com a sua omissão, mas também pelos detentores do capital. Despontam na história

os operários.

2 É importante frisar que enquanto na Inglaterra se procurava assegurar os direitos do inglês nascido vivo (freeborn Englishman), na França houve uma preocupação universalizante no sentido de se reconhecer a todos os homens, de todos os cantos do mundo, um patrimônio jurídico, que lhes seria próprio, inerente a sua condição de pessoa humana. 3 José Afonso da Silva (2004, p. 155-156) menciona que são os seguintes direitos fundamentais assegurados pelas emendas: 1) liberdade de religião e culto, de palavra, de imprensa, de reunião pacífica e direito de petição (Emenda 1ª); 2) inviolabilidade da pessoa, da casa, de papéis e posses de objetos (Emenda 4ª); 3) Direito de defesa e de um julgamento por juiz natural e de acordo com o devido processo legal, isto é, com garantias legais suficientes (Emenda 5ª); 4) garantia do direito de propriedade, de que não se poderá privar senão para uso público e com justa compensação (Emenda 5ª); 5) direito a julgamento público e rápido por júri imparcial do Estado e distrito em que o crime tenha sido cometido, com direito a provas de defesa e assistência de um advogado (Emenda 6ª); 6) vedação de exigências de fiança e multa excessivas, bem como de infligência de penas cruéis ou inusitadas (Emenda 8ª), tal como já previa a Declaração de Virgínia; 7) garantia de que a enumeração de certos direitos na Constituição não seja interpretada como denegação ou diminuição dos outros direitos que o povo se reservou (Emenda 9ª); 8) Contém um princípio federativo: o dos poderes reservados aos Estados (Emenda 10ª).

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Verificando que o arcabouço jurídico não oferecia respostas para a solução de seus

problemas, esses trabalhadores, vítimas de um sistema econômico cruel, que os excluía do

alcance das necessidades mais básicas, começaram a questionar a utilidade do Estado.

Para a classe trabalhadora, que nada possuía, apenas a força física, o corpo e a saúde

para vender aos patrões, todo o conjunto de direitos existiam tão somente no plano formal,

beneficiando apenas a burguesia, já que, pelas palavras de Vladimir Ilich Lênin (1.919),

estavam inacessíveis àqueles (operários) que se encontravam no limite de sua capacidade

física.

Juan Ferrando Badía apud José Afonso da Silva (2004, p. 159) sintetiza essa questão

ressaltando que apenas a burguesia, por ser a detentora do capital, e não a classe operária,

reuniam as condições de acesso aos direitos ditos de primeira geração.

Naturalmente, surge a questão social, o embate entre o capital e o trabalho, fazendo

ruir a construção da teoria do homem ideal4, que dá lugar ao homem real, inserido no contexto

histórico, detentor de necessidades básicas para a sua sobrevivência, como direito ao trabalho,

férias, jornada máxima, salário mínimo, saúde, educação, moradia, quais sejam aquelas

condições mínimas para uma existência digna.

Urge a exigência de um papel ativo do Estado, a sua interferência para trazer um

equilíbrio entre as forças produtivas, entre o capital e o trabalho.

Conseqüência desse movimento é o surgimentos dos direitos ditos sociais.

Enrique Ricardo Lewandowski (1984) trata desse aspecto de transformação do

Estado, de vigilante da liberdade, interferindo minimamente na vida das pessoas, para um

Estado transformador da realidade social, de tutela dos menos favorecidos.

4 Homem ideal é o homem natural, dotado de razão, capaz de alcançar a consciência e exigir a realização daqueles direitos que passaram a reger a sua vida em sociedade, a partir do momento no qual deixou de viver no estado de natureza. É aquele homem abstraído de todo e qualquer acontecimento histórico ou social. É o homem formal criado para a estruturação das idéias iluministas, que contribuíram para a criação do Estado Liberal de Direito.

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São documentos citados como elaborados por conta dessas novas necessidades a

Constituição Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919, a Declaração Russa do

Povo Trabalhador e Explorado (1918). Também do início do século XX, para o

estabelecimento de parâmetros mundiais, a criação da Organização Internacional do Trabalho

(OIT) no âmbito da Liga das Nações, em 1919.

Agora a dignidade da pessoa humana estava enriquecida não só com os direitos

individuais de primeira geração, mas também com os direitos de segunda dimensão5, donde

prepondera a igualdade material, ou substancial.

É importante asseverar que os direitos da pessoa humana jamais foram criados, mas

tão somente reconhecidos, pois que previamente existentes ao Estado, que surgiu apenas para

a proteção e implementação de todos eles.

De modo que tratando do reconhecimento inicial, baseado nos direitos do homem

ideal, podemos usar a expressão “primeira geração”, não porque foram criados, mas sim

porque a partir daí passaram a delimitar o poder estatal. Como o processo de enriquecimento

da dignidade da pessoa humana é contínuo, os momentos posteriores, devem ser entendidos

como novas dimensões, pois que ampliam o espectro de proteção da pessoa humana,

complementando os direitos anteriores e formando um novo conjunto jurídico, dando-lhe um

diverso dimensionamento, em uma necessária e imprescindível cadeia de conexão e inter-

relacionamento.

O Estado de abstencionista - polícia, passa a intervencionista – providência,

conhecido como Estado do bem estar (Welfare State), o Estado Social de Direito.

5 Autores há que dão preferência à expressão dimensão de direitos, pois que transmitem a idéia de adição, de complementação, ao invés de geração, que trás a noção de superação e separação entre uma outra. Assim, Willis Santiago Guerra Filho (1997, p. 13), afirma que em vez de “gerações é melhor se falar em dimensões de direitos fundamentais”, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos gestados em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos de geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para atende-los de forma mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realiza-los.

20

Lewandowski (1984, p. 60) diz que “dá-se assim, por força das pressões da

sociedade, a transmudação da estrutura institucional que os tratadistas chamam de Estado

Liberal de Direito para o denominado Estado Social de Direito” [...].

Convém frisar que embora os direitos de primeira geração tenham origem divina

esses de segunda dimensão são históricos, na medida em que surgiram das necessidades

sentidas e não atendidas, não do homem ideal, mas da classe proletária.

Robustecida com os direitos individuais e sociais, garantidores de liberdades

negativas e positivas, a dignidade da pessoa humana, redefinida, marcha e avança sobre as

primeiras décadas do século vinte, ultrapassando a primeira guerra mundial na qual sofreu

profundas violações que provocaram marcas indeléveis em sua constituição, que

permaneceram por mais duas décadas, desembocando e provocando a segunda grande guerra

mundial, que, definitivamente, não apenas feriu, mas certamente demonstrou como que o

Estado poderia pretender aniquilar a dignidade das pessoas.

Consta em artigos de autoria de Renato Janine Ribeiro e Clóvis Rossi, em caderno

especial da Folha de São Paulo, comemorativo aos cinqüenta anos da Declaração Universal

dos Direitos Humanos (1998), que, na Alemanha, absorvida a concepção positivista do

direito, em nome de uma pretensa teoria de superioridade racial (ariana) milhões de pessoas

foram dizimadas, simplesmente por serem consideradas inferiores. Lançaram-se na lixeira as

idéias jusnaturalistas do Estado criado para a proteção dos direitos inerentes à dignidade da

pessoa humana, como também o primado de que toda pessoa é detentora de direitos naturais e

imutáveis, anteriores e superiores ao Estado, que por isso mesmo não poderia, porque por ele

inalcançáveis, ultraja-los e viola-los.

21

Isso sem considerar as atrocidades que foram cometidas durante todo o período

bélico, até o ano de 1945, por toda a Europa e Ásia, que produziram milhares de mortos,

mutilados, feridos, desabrigados e asilados6.

Menção especial à bomba atômica. O homem demonstrou que no apertar de um

botão todo o planeta poderia desaparecer. A possibilidade da extinção da raça humana não é

tão somente possível, tornou-se provável.

Por tudo isso, ao final da maior conflagração bélica até hoje, os aliados reuniram-se

em São Francisco, em 1945, e decididos a manter a paz entre os povos e promover o respeito

aos direitos humanos elaboraram a Carta de São Francisco criando a ONU.

A ONU, por meio de seu Conselho Econômico e Social, em 1948, proclamou e

aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos7 (1948), documento que encerra uma

ética universal, que decreta o valor superior da dignidade da pessoa humana, resgatando a

teoria do direito natural, no sentido de que todos os seres humanos são dotados de

determinados direitos inalienáveis, irrenunciáveis, superiores e anteriores ao Estado, que por

isso deveria apenas reconhece-los em seu ordenamento jurídico, pois que inerente à condição

humana.

Além dos direitos já enunciados a Declaração trouxe novos direitos, por isso

designados de terceira dimensão, quais sejam, direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, direito à paz, direito à autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento,

direito ao uso comum do patrimônio da humanidade.

A esse primeiro documento internacional seguiram, entre os principais, o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Político (1966), o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais, Culturais e Econômicos (1966), a Convenção contra a Tortura e outros

6 40 milhões de mortos. 06 milhões de judeus. (Folha de São Paulo. Página especial. “Declaração Universal dos Direitos Humanos 50 anos”, de 03 de dezembro de 1998). 7 Artigo 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

22

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), a Convenção sobre a

Discriminação contra a Mulher (1979), a Convenção Contra a Discriminação Racial (1965), e

a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990).

A dignidade da pessoa humana, novamente redimensionada e valorizada.

Fabio Konder Comparato (1999), tratando da evolução dos direitos humanos a partir

de 1945 descreve que o Estado teve que assumir uma posição após as grandes guerras

mundiais, ceder ao poderio militar e econômico, ou respeitar de maneira absoluta os direitos

humanos.

Se na primeira geração preponderava a liberdade, na segunda dimensão a igualdade

material, nessa terceira dimensão prevalece a ponderação, no âmbito do princípio da

proporcionalidade.

No caso concreto, diante do conflito, é que o intérprete irá verificar qual a norma

jurídica que deve prevalecer afastando a outra, que por sua vez, em uma outra situação,

poderá ter a preferência. Em cada situação deve haver uma hierarquização com o objetivo tão

somente de se preservar com segurança a dignidade das pessoas envolvidas uma vez que

inseridas em uma comunidade, onde os conflitos, as tensões, as colisões de interesses são

constantes e naturais. Não deixa de ser um aspecto da solidariedade, da fraternidade.

Esse novo arcabouço jurídico estrutura o Estado Democrático (e Social) de Direito,

onde o primado da dignidade da pessoa humana é o valor supremo, sendo positivado não só

nos documentos internacionais de Direitos Humanos, mas em praticamente todas as

constituições ocidentais.

Nem bem sedimentada ainda essa última dimensão e já se trata de uma quarta

dimensão de direitos, envolvendo a bioética, no que concerne à clonagem, inseminação in

vitro, eutanásia, aborto e outras questões envolvendo o início e o fim da vida.

23

Norberto Bobbio, “A Era dos Direitos” (2004, p. 26) ensina que tais direitos seriam

“os referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá

manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.

Paulo Bonavides, “Curso de Direito Constitucional” (1997, p. 525), por sua vez,

ensina que “são direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o

direito ao pluralismo”.

Se há dúvida quanto ao conteúdo dessa quarta dimensão, por outro lado podemos

afirmar que a dignidade da pessoa humana sempre existiu, talvez já incorporada em nossos

primeiros ancestrais de milhares de anos.

Por sempre ter existido, a dignidade da pessoa humana necessitava tão somente ser

revelada, e tal se deu inicialmente com a filosofia judaico-cristão e a sacralidade da pessoa

humana, em um segundo momento por meio do reconhecimento de alguns direitos em

declarações e a limitação do poder do soberano, tornando os súditos, cidadãos, para depois,

com o surgimento da classe operária e a questão social, emergir enriquecida com os direitos

sociais, e finalmente, tendo impregnada em seu valor a fraternidade, encerrando o ciclo

relativo ao lema da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

A dignidade da pessoa humana, que teriam surgido pelos ensinamentos cristãos,

filosóficos, de uma maneira abstrata e universal, em um segundo momento evoluiu e

fortaleceu-se, e aí reconhecida, positivada, particularizada em documentos, declarações de

direitos, e com o constitucionalismo, integrando as constituições de alguns países, para

depois, numa terceira etapa, novamente universalizar-se, inscrita em documentos

internacionais de direitos humanos.

Sobre a importância da positivação, leciona Ingo Wolfgang Sarlet, “Dignidade da

Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988” (2006), no sentido

24

de que a legitimidade da dignidade da pessoa humana está diretamente relacionada com o seu

reconhecimento como norma fundamental constitucional.

Cumpre consignar que esse processo histórico não se encerrou, é contínuo, tanto que,

como mencionamos anteriormente, já se aproximam os direitos concernentes à bioética, ou

democracia como prefere Paulo Bonavides (1997), com a pretensão de se constituírem em

uma nova dimensão.

A felicidade humana está ancorada na busca de uma realização completa, e tal se dá

com o alcance e satisfação de todas as suas necessidades, realizáveis não só pela própria

pessoa, mas dependente também da comunidade e do Estado, daí os constantes conflitos,

lutas, decepções e desilusões.

O homem é um ser em constante evolução, assim também os seus desejos. O limite é

a sua imaginação. Essa complexidade de espírito, envolvendo ambição, amor, ódio, alegria,

tristeza, esperança, ilusão, é que o torna fascinante, deixando para trás, sempre, a

possibilidade de sua completa realização, e que ao mesmo tempo o impulsiona para as

conquistas futuras.

1.1.1 Dignidade da Pessoa Humana: Uma Definição Inicial

Cumpre distinguirmos dignidade humana e dignidade da pessoa humana.

Dignidade humana, juridicamente falando está relacionada à ética universal,

reconhecida e inserida nos documentos internacionais de Direitos Humanos, tanto no âmbito

global (ONU), como regional (OEA, União Européia).

Dignidade da pessoa humana, fugindo da abstração dos documentos internacionais,

está dirigida ao homem concreto, situado, inserido no âmbito de determinado ordenamento

jurídico, donde desdobrado em direitos fundamentais.

25

A nova ordem constitucional, instalada com a Constituição Federal de 1.988, trouxe

importantes inovações principalmente no que concerne ao valor da pessoa humana, agora

considerada como um fim e razão da existência do Estado, alçando em seu pórtico o princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana8.

Esta topografia9 é bastante ilustrativa no sentido de que o legislador constituinte

buscou demonstrar que a função inicial e principal do Estado está obrigatoriamente voltada à

proteção do cidadão e da sua invulnerável respeitabilidade. A dignidade da pessoa humana é

anterior e está acima de qualquer normação relativa à estruturação do Estado, formas de

aquisição, exercício e perda do poder, que, aliás, são estabelecidas tendo em conta,

exatamente, a proteção de todas as pessoas.

Celso Ribeiro Bastos, “Comentários à Constituição do Brasil” (1988, p. 425) entende

que “o Estado se erige sob a noção da dignidade da pessoa humana, sendo um dos seus fins

propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas”.

Por seu turno Uadi Lammêgo Bulos, “Constituição Federal Anotada” (2003), explica

que a dignidade da pessoa humana é o valor supremo que reúne em torno dela todos os

demais direitos e garantias fundamentais.

E complementa o autor (2003, p. 71)

esclarecendo que a dignidade da pessoa

humana, sendo um dos princípios

fundamentais, “significa diretrizes básicas

que engendram decisões políticas

imprescindíveis à configuração do Estado 8 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana [...]. 9 O princípio da dignidade da pessoa humana inserida no artigo 1º da Constituição Federal, em posição de destaque, externando a importância maior que lhe concedeu o legislador constituinte.

26

brasileiro, determinando-lhe o modo e a

forma de ser”, imantam todas as demais

normas constitucionais, especialmente as

consubstanciadoras de direitos fundamentais.

Ingo Wolfgang Sarlet (2006)

identifica a dignidade da pessoa humana como

o valor que obriga o Estado ao respeito, e

nesse sentido produzindo uma série de

direitos e deveres, que não só protejam como

também promovam a felicidade de todos os

seres humanos.

Do exposto já é possível responder: É possível reconhecer um direito fundamental à

dignidade da pessoa humana?

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2006) a dignidade da pessoa humana não pode ser

entendida como um direito, na medida em que não pode ser retirada de qualquer pessoa. É

sim, um valor supremo que existe independentemente de positivação, reconhecimento, no

ordenamento jurídico.

1.1.2 A Dignidade da Pessoa

Humana como Princípio Fundamental

27

A respeito desse assunto, tomamos os

ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet

(2006) no sentido de que os princípios

fundamentais constituem-se na estrutura de

todo o ordenamento jurídico-constitucional,

revelando-se como núcleo essencial da

constituição, nos aspectos material e formal.

Denota essa assertiva, como

observamos em parágrafo anterior, o

reconhecimento do princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana, no primeiro

artigo do texto constitucional, como essencial

à estruturação do Estado Democrático de

Direito.

É a concepção de que o Estado é

instrumento para a realização da dignidade

da pessoa humana, e apenas nesse sentido,

justificaria-se a sua existência.

A dignidade da pessoa humana está inserida no pórtico constitucional como um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, o que certamente exige uma nova hermenêutica, agora considerando – a vértice axiológico, de todo ordenamento jurídico, do qual deverá ser extirpada toda norma que a vulnerar.

Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional, volume 4” (1998), lembra que a dignidade da pessoa humana “apresenta-se, agora, como fundamento que alicerça o Estado Democrático de Direito, ombreada pela cidadania, conferindo uma unidade de sentido à Constituição, trazendo e concretizando a concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”.

28

Do examinado até esse momento

podemos dizer que a dignidade da pessoa

humana constitui o núcleo inviolável que

funciona como uma barreira a impedir que o

ser humano seja tratado como coisa, como

meio. O Direito e o Estado existem em

função do homem, para a sua satisfação e

realização de seus desejos. Não há outra

maneira de pensar o ser humano senão como

fim.

Apesar dessa essencialidade, como

qualquer princípio, o da dignidade da pessoa

humana, também não é absoluto, e no caso de

colisão, haverá a necessidade da ponderação,

relativização.

O fato da dignidade da pessoa

humana ocupar posição de destaque e

privilegiada no ordenamento jurídico

constitucional, inclusive como princípio

fundamental, não lhe defere a natureza

absoluta.

29

O princípio da dignidade da pessoa humana não é absoluto.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2006) não há princípios absolutos, mesmo o da

dignidade da pessoa humana, que, no caso de uma situação de colisão, terá apenas uma

análise mais privilegiada, na necessária ponderação para a solução do conflito.

1.2 Conceituação: Direitos

Humanos, Direitos Fundamentais,

Liberdades Públicas

São várias as expressões para

designar os direitos que surgiram no

transcorrer da evolução da civilização humana

refletindo a proteção da dignidade (da

pessoa) humana, o que se deve,

principalmente, aos desdobramentos e

ampliações decorrentes do seu

desenvolvimento ao longo da história.

30

Inicialmente foram denominados

direitos naturais, uma vez que entendidos

como aqueles inerentes à natureza humana,

anteriores e superiores ao Estado, que por

isso não os poderia violar impunemente.

Fábio Konder Comparato (1999)

explica que Direitos humanos é a expressão

geralmente encontrada nos documentos

internacionais. São direitos de todos os

homens, onde quer que se encontrem,

independentemente de raça, cor, religião,

posição social, pois que todos têm igual

dignidade.

Liberdades públicas dizem respeito

aos direitos civis, individuais, de primeira

geração, positivados constitucionalmente.

De acordo com José Afonso da Silva

(2004) para designar os direitos

fundamentais todas as expressões acima

elencadas são insuficientes, pois se aos

direitos naturais carece a positivação, e os

31

direitos humanos se referem a todos os

seres humanos, contando com a

universalidade, e fornecendo os parâmetros

para uma ética mínima universal, as

liberdades públicas excluem os direitos da

segunda, terceira e quarta dimensões.

Ingo Wolfgang Sarlet (2006) entende

que direitos humanos relacionam-se com os

documentos internacionais, enquanto direitos

fundamentais, tendo relação com os direitos

humanos, são os inseridos nas constituições.

Também nesse sentido Fabio Konder

Comparato (1999), e Oscar Vilhena Vieira

(2006).

Willis Santiago Guerra Filho (1997, p.

12) afirma que:

De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno.

32

Oscar Vilhena Vieira, em “Direitos

Fundamentais – uma leitura da jurisprudência

do STF” (2006, p. 37), observa que “ao servir

de veículo para a incorporação dos direitos da

pessoa humana pelo Direito, os direitos

fundamentais passam a se constituir numa

importante parte da reserva de justiça do

sistema jurídico”.

Pelo exposto, sinteticamente,

podemos dizer que direitos fundamentais é a

expressão apropriada para o estudo e

consideração da matéria ora tratada.

Originam-se dos direitos naturais,

gênese e fundamento primeiro dos direitos

humanos.

Surgiu assim no desdobramento

histórico dos direitos humanos, inicialmente

com positivação na Declaração de Direitos do

Bom Povo da Virgínia, e em seguida na

Declaração da Independência Americana, e

33

primeiras dez emendas à Constituição

americana (1791) que incorporaram o Bill of

Rights inglês.

1.3 O Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana e a Relação com

os Direitos Fundamentais

O que são direitos fundamentais?

Qual o significado dessa fundamentalidade e

nesse ponto qual a importância da dignidade

da pessoa humana?

Já vimos, segundo Fábio Konder

Comparato (1999), que direitos fundamentais

são aqueles positivados nas constituições.

José Joaquim Gomes Canotilho,

“Direito Constitucional e Teoria da

34

Constituição” (1998, p. 359), por sua vez,

define direitos fundamentais como “direitos

do homem, jurídico-institucionalmente

garantidos e limitados espacio-

temporalmente. [...] São os direitos

objetivamente vigentes numa ordem jurídica

concreta”.

Tratando de positivação,

constitucionalização e fundamentalidade,

prossegue esse mesmo autor (1998),

estabelecendo que a positivação se dá com a

inserção daqueles direitos naturais e

inalienáveis do indivíduo, no ordenamento

jurídico positivo, decorrendo a

fundamentalidade e constitucionalização do

fato de estarem concretizados em normas

constitucionais, por isso tidos por

formalmente constitucionais, o que não

afasta a fundamentalidade material,

reconhecida pelas constituições atuais, e

inseridas em documentos internacionais que

35

igualmente conferem proteção à dignidade da

pessoa humana.

A previsão de direitos materialmente

fundamentais significa que o rol de direitos

formalmente fundamentais enumerados na

Constituição é simplesmente exemplificativo,

já que aberto a novas inclusões de regras de

direito internacional ratificadas que

contenham semelhante natureza intrínseca,

ou seja, serão assim consideradas desde que

contenham em seu bojo, desdobramento dos

valores inerentes à dignidade da pessoa

humana.

Nesse ponto, de bom alvitre inserir as

considerações de Paulo Napoleão Nogueira da

Silva, “Curso de Direito Constitucional”

(1996, p. 263):

Existem três regras consagradas em Direito Constitucional geralmente contrariadas. A primeira indica que as Constituições menos rígidas são mais duradouras e menos emendadas. A segunda diz que, tanto maior seja a cultura política de uma sociedade, menos extensa e mais sintética será sua Lei Fundamental. E, a terceira, sugere que tanto mais sintética seja a Constituição, mais efetividade terá.

36

O capítulo que cuida dos direitos e garantias individuais na Constituição de 1988 é exemplo claro de como aquelas regras incidem: em ponderável parte, as disposições nele contidas – e por conseqüência, os respectivos textos infraconstitucionais integradores – são normas de pouca efetividade, e por isso, em alguns casos com eficácia até mesmo inferior à das normas programáticas.

Faz este autor (1996) uma crítica ao

extenso rol de direitos fundamentais de

nossa Constituição, que para além dos

mencionados no título II, são encontrados

outros de igual natureza, sem se esquecer,

como acima mencionado, daqueles

decorrentes de tratados, convenções e

documentos de direito internacional de

direitos humanos ratificados pelo Brasil,

consistindo tal situação, numa pletora de

direitos, banalizando-os e extenuando a sua

eficácia.

Para Paulo Napoleão (1996) Direitos

Fundamentais são aqueles essenciais e

imprescindíveis à dignidade da pessoa

humana, não admitindo, por isso, qualquer tipo

de condicionamento ou temperamento,

37

estando indissoluvelmente ligados à cultura

de cada sociedade. Cada povo tem o seu

particular entendimento no que diz respeito à

dignidade, e, com essa perspectiva, elaboram

o conjunto de direitos que consideram

fundamentais.

Ainda com Paulo Napoleão (s.d.), e

perseguindo essa mesma trilha, em artigo

encontrado na internet10, denominado

“Direitos Fundamentais”, ele persegue a idéia

de que são os direitos fundamentais aqueles

reservados para proteger os fundamentos do

Estado, que se estruturam com os mais

diferentes valores, de acordo com os

costumes e cultura de cada sociedade. Daí

que os direitos fundamentais são diferentes

em cada país.

Analisando a situação do Brasil,

lembra que se constitui em Estado

Democrático de Direito, e nesse sentido

10 http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrina/arquivos/290607.pdf

38

devemos selecionar aqueles direitos

essenciais à sua existência e permanência,

trazendo uma distinção entre direitos

humanos, direitos individuais e direitos

fundamentais.

Fundamentais serão aqueles direitos

que dada sociedade reconhece como tais, de

acordo com sua cultura, costume, valores

tradicionais, e que por isso, atendem à

proteção e respeito à dignidade de cada

integrante dessa dada coletividade.

Mas como enfrentar a questão da

colisão de direitos fundamentais?

Desde que o homem optou por viver

em sociedade, em suas relações

intersubjetivas, naturalmente, surgem

situações de conflitos de direitos, havendo a

necessidade da ponderação, relativização,

condicionamento, com o objetivo de verificar

naquele caso concreto, qual a melhor solução,

39

buscando nesse ponto, resguardar ao máximo,

a dignidade de cada um.

Daí outro questionamento, existem

direitos fundamentais absolutos?

Norberto Bobbio (2004) descreve

como absolutos os direitos que não são postos

em concorrência com outros, como o de não

ser escravizado e não ser torturado,

esclarecendo que, portanto, são bem poucos

aqueles direitos fundamentais que não

admitem relativização.

Tratando também dessa matéria

pronuncia-se Sahid Maluf (1995) que indica

como absolutos aqueles direitos naturais da

pessoa humana, insuscetíveis de controle

estatal, como por exemplo o direito de

pensamento e de crença.

Defende Paulo Napoleão (s.d.), em seu

artigo, que são direitos fundamentais

absolutos aqueles imprescindíveis à

preservação do Estado Democrático de

40

Direito, dentre eles o direito à segurança, o

direito de acesso à justiça, o direito à

integridade física, à livre manifestação do

pensamento, à liberdade de consciência e de

crença, etc.

Por fim, resta estabelecer a íntima

relação entre a dignidade da pessoa humana e

os direitos fundamentais.

Como já mencionado a dignidade da

pessoa humana foi alçada à condição de

principio fundamental do Estado Democrático

de Direito, inserida no pórtico da

constituição, art. 1º, III, trazendo consigo

“um imperativo de renovação da ordem

jurídica nacional, por ser totalmente nova a

base sobre a qual ela se assenta”. Segundo

Guerra Filho (2006) tem-se, portanto, “de

reinterpretar o Direito pátrio como um todo,

à luz da nova Constituição da República

Federativa do Brasil, o que pressupõe uma

41

atividade interpretativa da própria Lei

Fundamental”.

Desse modo, todo o ordenamento

jurídico deve ser interpretado à luz do

princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana.

Esse deve ser o norte interpretativo

em se tratando de direitos fundamentais, que

se constituem em desdobramentos, embora

com intensidades diversas, da dignidade da

pessoa humana.

Com relação a esses pontos de

contato entre o princípio da dignidade da

pessoa humana e os direitos fundamentais se

manifesta Ingo Wolfgang Sarlet (2006), no

sentido de que nem todo direito fundamental

é inerente à dignidade da pessoa, o que seria

possível apenas se partíssemos de um

conceito exclusivamente material de direitos

fundamentais.

42

Sustenta que embora não

decorrentes integralmente da dignidade da

pessoa humana, os direitos fundamentais

devem necessariamente ser interpretados à

luz desse valor, para o alcance da efetiva

proteção.

O não reconhecimento de direitos

fundamentais conduziria à negação da própria

dignidade.

Assim, Direitos Fundamentais dizem

respeito àqueles direitos que, por serem

considerados essenciais a dada comunidade

política tendo a sua cultura como parâmetro

valorativo, são positivados em normas

constitucionais, formando, como diz Ingo

Wolfgang Sarlet (2006), um complexo de

direitos que obrigam o Estado não só a

proteger todas as pessoas contra todo e

qualquer ato desumano e degradante, como

também a manter condições existenciais

mínimas para uma vida digna.

43

Os Direitos Fundamentais têm como

vértice axiológico o princípio da dignidade da

pessoa humana, o que os tornam de certa

forma um conceito em eterna construção,

levando em conta que a pessoa humana,

incorporada de espírito eternamente

renovador, na busca da completa satisfação,

não encontra limites no horizonte de

realizações de suas necessidades.

1.4 Caracteres dos Direitos

Fundamentais

De acordo com José Afonso da Silva

(2004) são características dos Direitos

Fundamentais:

A – Imprescritibilidade: São direitos

que não se perdem com o tempo, pelo

contrário, os das dimensões passadas,

somam-se aos atuais que irão integrar as

44

futuras dimensões, num processo constante e

infinito de realização da dignidade da pessoa

humana.

B – Inalienabilidade: Não é possível

transferir direitos fundamentais, quer a

título gratuito, que a título oneroso. Não se

pode abdicar do direito à vida, por exemplo.

C – Inviolabilidade: Todos os Direitos

Fundamentais possuem um núcleo essencial

inviolável, quer por corresponder à dignidade

da pessoa humana, quer por tratar-se de

cláusula pétrea, sujeitando à

responsabilização quer administrativa, civil ou

criminal, de quem os violar.

D – Irrenunciabilidade: Os Direitos

Fundamentais não podem ser objeto de

renúncia. O fato de alguns direitos não serem

exercitados não quer dizer que foram

renunciados.

E – Universalidade: Entendidos como

direitos positivados e válidos em dado

45

território, a abrangência dos Direitos

Fundamentais engloba todas as pessoas que

nele se encontrem, independentemente de

nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção

político-filosófica.

F – Efetividade: O Poder Público deve

atuar no sentido de garantir a eficácia dos

Direitos Fundamentais, não sendo suficiente

o seu reconhecimento meramente formal.

G – Interdependência: Há um inter-

relacionamento entre os direitos de primeira

geração a quarta dimensão. Os direitos de

liberdade, igualdade, fraternidade e os

relativos à bioética, somente podem ser

entendidos em conjunto. Essa

interdependência leva à complementariedade,

ou seja, os Direitos Fundamentais não devem

ser interpretados isoladamente, mas sim

como um todo, com a finalidade de alcançar

os objetivos previstos pelo legislador

constituinte

46

H – Historicidade: Os Direitos

Fundamentais são históricos, pois que surgem

na evolução dos Direitos Humanos, mais

precisamente no período de independência

dos Estados Unidos, na deflagração do

constitucionalismo, com as dez emendas de

1791 incorporadas à Constituição Americana,

daí disseminando-se como um rastilho de

pólvora para diversos países, que alçaram o

Estado como instrumento de construção e

proteção da Dignidade da Pessoa Humana (o

Estado de Direitos Fundamentais, o Estado

Democrático – e Social – de Direito).

1.5 Direitos Fundamentais na

Constituição Federal de 1988

De acordo com os ensinamentos de

José Afonso da Silva (2004) para a

classificação dos direitos fundamentais

47

devemos levar em conta o seu conteúdo, a

natureza do bem protegido e o objeto da

tutela, e assim teremos direitos

fundamentais do homem indivíduo,

identificados como direitos individuais,

liberdades civis e liberdades autonomia;

direitos fundamentais do homem nacional,

decorrendo daí o conceito de nacionalidade;

direitos fundamentais do homem cidadão, que

dizem respeito aos direitos políticos, de

eleger e de ser eleito; direitos fundamentais

do homem social, concernentes, por exemplo,

à saúde, educação, seguridade social; direitos

fundamentais do homem membro de uma

coletividade, expressando os direitos

coletivos do artigo 5º; e finalmente os

direitos fundamentais do homem solidário,

relativos aos direitos de terceira dimensão,

ou seja, os direitos fundamentais estariam

divididos em cinco grupos: direitos individuais

(art. 5º), direitos à nacionalidade (art. 12);

48

direitos políticos (arts. 14 a 17); direitos

sociais (arts. 6º e 193 e segs.); direitos

coletivos (art. 5º) e direitos solidários (arts.

3º e 225).

A esta classificação acrescento os

Direitos de 4º dimensão, que, como entende

Norberto Bobbio (2004), correspondem ao

direito da bioética – patrimônio genético,

clonagem humana (art. 225, § 1º, II, CF).

Flávia Piovesan, “Direitos Humanos e o

Direito Constitucional Internacional” (2002),

ressalta que a nossa Constituição Federal

incorporou as características da

indivisibilidade e da interdependência dos

direitos fundamentais, desde que conjugou os

direitos de todas as dimensões, que

caracterizaram, na evolução histórica, e

serviram para delinear, o Estado Liberal, o

Estado Social, e o Estado Social e

Democrático de Direito.

49

Releva consignar que “os direitos e

garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte” (art. 5º, § 2º da CF).

Esses são os direitos fundamentais

em sentido material, indicando que a

enumeração constitucional dos direitos

fundamentais é meramente exemplificativa.

Em sentido formal seriam aqueles

enunciados expressamente no corpo da

Constituição. Esse enfoque é tratado por

Jorge Miranda (2000, p. 07-08):

Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material.[...] Não custa apreender e acolher o conceito formal de direitos fundamentais. Não custa apreende-lo e acolhe-lo, à face do sentido formal da Constituição. E, porque não se afigura justificado desprender a priori qualquer preceito da Constituição formal da Constituição material – visto que esse preceito, mesmo quando aparentemente sem relevância constitucional, é parte de um todo, é passível da interpretação que possa ou deva fazer-se na perspectiva do sistema e, se recebe o influxo de outras disposições e princípios, também conta para o sentido sistemático

50

que recai sobre outros preceitos e princípios – deve ter-se por direito fundamental toda a posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagrada na Lei Fundamental. Participante por via da Constituição formal da própria Constituição material, tal posição jurídica subjectiva fica, só por estar inscrita na Constituição formal, dotada de protecção a esta ligada, nomeadamente quanto a garantia da constitucionalidade e a revisão. É inconstitucional uma lei que a viole e só por revisão (seja qual for o sistema de revisão constitucional adoptado) pode ser eliminada ou ter o seu conteúdo essencial modificado. Ou seja: todos os direitos fundamentais em sentido formal são também direitos fundamentais em sentido material. Mas há direitos fundamentais em sentido material para além deles.

Nesse sentido também J.J. Gomes

Canotilho (1998, p. 369).

Uadi Lammêgo Bulos, “Curso de

Direito Constitucional” (2007), define essa

abertura do texto constitucional aos

documentos internacionais de direitos

humanos como sendo princípio da não-

tipicidade constitucional.

E qual seria a natureza dos tratados

internacionais de Direitos Humanos

ratificados pelo Brasil?

A resposta nos é dada pelo art. 5º, §

3º, da Constituição Federal. Desde que

aprovados, em cada Casa do Congresso

51

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos

votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais.

1.6 Eficácia dos Direitos

Fundamentais

Esse ponto convém ser discutido

considerando o disposto no art. 5º, § 1º, da

Constituição Federal, no sentido de que “as

normas definidoras de direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata”.

Qual o sentido e a extensão que

devem ser dados na interpretação desse

dispositivo constitucional, que tem por

objetivo primeiro assegurar, sem que se

possa levantar qualquer condicionamento, a

produção dos efeitos imediatos para o devido

respeito e proteção à dignidade da pessoa

52

humana, nas vertentes dos direitos

individuais, políticos e sociais.

Inicialmente convém estabelecer o

conteúdo do termo jurídico eficácia, e os

institutos jurídicos próximos, mas distintos,

da validade, legitimidade, vigência, e

efetividade.

A validade compreende a observância

do procedimento de elaboração legislativa,

bem como a matéria por ela carreada, ou

seja, devem ser analisados os aspectos

formal e substancial. Assim, a norma

constitucional deve ser criada com atenção

aos trâmites do procedimento legislativo

indicados nos artigos 59 a 69 da Constituição

Federal, e só assim alçará o plano da validade

e legitimidade.

Enfim a validade e legitimidade da

norma infraconstitucional (leis

complementares, leis ordinárias, leis

delegadas, medidas provisórias, decretos

53

legislativos e resoluções) e constitucional

(emendas à Constituição), condiciona-se ao

regramento constitucional.

Toda norma jurídica que desrespeitar

a Carta Constitucional será inválida, por

inconstitucionalidade, devendo ser expurgada

do ordenamento jurídico através dos

instrumentos jurídicos existentes nos

controles de constitucionalidade, preventivo,

operado pelos Poderes Legislativo e

Executivo, e repressivo, de competência do

Poder Judiciário, tanto no sistema abstrato

(ação direta de inconstitucionalidade

genérica; ação de inconstitucionalidade

interventiva; ação de inconstitucionalidade

por omissão; ação declaratória de

constitucionalidade e argüição de

descumprimento de preceito constitucional

fundamental), de competência do Supremo

Tribunal Federal, e concreto, ou difuso,

quando a questão da validade estiver

54

ventilada, como prejudicial, em um caso

concreto, diante de qualquer Juiz, de

qualquer instância, que o estiver julgando.

A Constituição Federal é fundamento

de validade de toda norma que lhe é

inferior11.

Os direitos fundamentais constituem-

se em cláusulas pétreas, blindados contra

qualquer tentativa de introdução de norma no

ordenamento jurídico que exclua ou diminua

os efeitos de qualquer dos valores que

albergam. Nesse ponto, o artigo 60, § 4º, IV,

da Constituição Federal, estabelecendo que

sequer será objeto de deliberação a proposta

de emenda tendente a abolir os direitos e

garantias individuais. A invalidade, neste

caso, deverá ser identificada ainda no

processo legislativo, de natureza preventiva.

Ultrapassado o momento da validade,

vem a tona a questão da vigência que traz o

11 Retornaremos a essa matéria, com maior profundidade, quando tratarmos da supremacia e rigidez constitucional, no tema relacionado ao controle de constitucionalidade.

55

significado de uma norma juridicamente

existente. Para viger a norma tem que ser

válida. A vigência significa existência com

validade.

Servindo-nos dos ensinamentos de

José Afonso da Silva, “Aplicabilidade das

Normas Constitucionais” (1999), a respeito da

vigência e eficácia, temos que a primeira diz

respeito àquela norma que promulgada e

publicada, reúne as condições para vigorar. A

segunda tem relação com a existência, quer

dizer, a norma existe e deve ser observada

por todos, pode ser exigida de todos.

A eficácia tem relação com a

aplicação e observância, ou seja, a capacidade

de alcançar os fins nela traduzidos pelo

legislador.

Percebe-se, então, que para ter

eficácia, para produzir os efeitos jurídicos às

relações que regula, é preciso que a norma

56

jurídica seja válida (legítima) e tenha

vigência.

Assim, a norma legítima, vigente, e

eficaz, será efetiva na medida em que

alcançar os objetivos.

Efetividade, segundo o Professor

José Afonso da Silva (1999), surge quando a

eficácia se concretiza, por isso que a

efetividade é denominada de eficácia social.

Atentos ao sentido da expressão

jurídica eficácia, trataremos em seguida

desse efeito com respeito às normas

constitucionais, seguindo a festejada

classificação operada por José Afonso da

Silva.

Para ele (1999) estão equivocadas e

ultrapassadas as expressões normas

constitucionais auto aplicáveis e não auto

aplicáveis, pois que toda norma constitucional

pode ser executada de acordo com as suas

próprias possibilidades, ainda mais as

57

constitucionais, que são cogentes com relação

a todos os destinatários, e que, portanto, não

podem ser designadas ineficazes, muito

embora se possa sustentar que nenhuma é

completa, exatamente por imprescindir de

trabalho interpretativo, para alcançar as

situações concretas que regula.

Todas as normas constitucionais têm

eficácia, cujo grau de intensidade varia de

uma para outra. Todas possuem efeitos

jurídicos, na medida em que renovam a ordem

jurídica preexistente.

Apenas que, por vezes, essa eficácia

pretendida pelo legislador constitucional, fica

condicionada à atuação do legislador

ordinário.

Após essas considerações José

Afonso (1999) propõe a tríplice

característica das normas constitucionais

quanto à eficácia e aplicabilidade, assim

discriminado-as: a) normas constitucionais de

58

eficácia plena; b) normas constitucionais de

eficácia contida; e c) normas constitucionais

de eficácia limitada ou reduzida.

Explica o autor (1999, p. 82) que:

Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.

Diante das considerações até aqui

expostas, em qual dessas três categorias

estão os direitos fundamentais?

Nelson Nery Junior e Rosa Maria

Nery, “Constituição Federal Comentada e

Legislação Constitucional” (2006), afirmam

que todos os dispositivos do artigo 5º têm

eficácia e podem ser desde já invocados,

mesmo diante da ausência de regulamentação,

59

e caso não se consiga o efeito pretendido,

deve-se lançar mão do mandado de injunção.

Advertem, porém, que tal regra não

deve ser extensiva aos dispositivos que

tratam de exceções às garantias

fundamentais, de que é exemplo a escuta

telefônica por ordem judicial.

No ponto de vista de Uadi Lammêgo

Bullos (2007) nem todos os direitos

encontrados no artigo 5º são auto aplicáveis,

pois que alguns carecem de regulamentação,

e, portanto, dela necessitam para a aplicação

imediata.

De igual forma o ensinamento de José

Afonso da Silva (2004), lembrando que a

regra é a eficácia plena e a aplicabilidade

imediata das normas definidoras de direitos

fundamentais, e que apenas em casos

excepcionais há que se decidir pela

necessidade de produção normativa posterior

de aplicação.

60

Ingo Wolfgang Sarlet, “A Eficácia

dos Direitos Fundamentais” (2006), esclarece

que a regra inserta no artigo 5º, § 1º, da

Constituição Federal, como princípio, seria um

mandado de otimização, dirigido aos órgãos

estatais para que reconheçam nas regras de

direitos fundamentais a maior eficácia

possível.

Nos termos desse doutrinador (p.

283)

[...] cremos ser possível atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente fundamentada e justificada, presunção esta que não milita em favor das demais normas constitucionais, que, como visto, nem por isso deixarão de ser imediatamente aplicáveis e plenamente eficazes, na medida em que não reclamarem uma interpositio legislatoris, além de gerarem em qualquer hipótese uma eficácia em grau mínimo.

Finalmente, expostas as linhas de

pensamento de alguns doutrinadores,

podemos dizer que os dispositivos

constitucionais que carreiam direitos

fundamentais não possuem, todos, as

61

características de normas de eficácia plena e

aplicabilidade imediata? Alguns deles

pertencem ao grupo das normas

constitucionais de eficácia contida; e outros

às normas constitucionais de eficácia limitada

ou reduzida?

O § 1º, do art. 5º da Constituição

Federal, observa Flávia Piovesan (2002, p.

59), tem o intuito de “reforçar a

imperatividade das normas que expressam

direitos e garantias fundamentais, através da

instituição do princípio da aplicabilidade

imediata dessas normas, prevendo um regime

jurídico específico endereçado a estes

direitos”.

Por essa doutrinadora, com o que

concordamos, o que se denomina normas

programáticas, de eficácia limitada, não

podem ser consideradas em tema de direitos

fundamentais, que, carregadas do conteúdo

valorativo “dignidade da pessoa humana”, não

62

podem e não devem submeter-se à

intermediação legislativa ordinária, mas sim

surtir efetividade diretamente do texto

constitucional.

De modo que inexistem normas

programáticas quando se trata de direitos

fundamentais.

1.7 O Supremo Tribunal

Federal e a Dignidade da Pessoa

Humana

Neste item descreveremos algumas

ementas de acórdãos do Supremo Tribunal

Federal12 a fim de observar como este Órgão

de Cúpula do Judiciário se manifesta quando

instado a solucionar questões relacionadas à

Dignidade da Pessoa Humana.

12 Pesquisa realizada no site http://www.stf.gov.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em 20 de julho de 2008.

63

Sendo o princípio da Dignidade da

Pessoa Humana vetor e estruturante no

Estado Democrático de Direito, é o Tribunal

Supremo quem tem a responsabilidade de

delinear a extensão e a profundidade de seu

significado, para, a partir daí, serem

entendidos os direitos fundamentais, e os

demais dispositivos inscritos na Constituição

Federal.

I – Inviolabilidade do direito a vida

(art. 5º, CF), Dignidade da Pessoa Humana e a

pesquisa científica com células-tronco.

“Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, e estabelece condições para essa utilização. Prevaleceu o voto do Min. Carlos Britto, relator. Nos termos do seu voto, salientou, inicialmente, que o artigo impugnado seria um bem concatenado bloco normativo que, sob condições de incidência explícitas, cumulativas e razoáveis, contribuiria para o desenvolvimento de linhas de pesquisa científica das supostas propriedades terapêuticas de células extraídas de embrião humano in vitro. Esclareceu que as células-tronco embrionárias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar todos os tecidos de um indivíduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos. Asseverou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), aos “direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b), ao “livre exercício dos direitos... individuais” (art. 85, III) e aos “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim,

64

numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado.” (ADI 3.510, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 28 e 29-5-08, Informativo 508).

II – Execução de pena. Cumprimento em regime mais rigoroso por ausência de vaga em

estabelecimento penal próprio. Dignidade da Pessoa Humana e constrangimento ilegal.

“A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar que se observe o cumprimento da pena tal como previsto no título judicial e, inexistente vaga em estabelecimento próprio, que os pacientes aguardem em regime aberto. Tratava-se, na espécie, de writ em que condenados a pena em regime semi-aberto, por infração ao art. 157, § 2º, I, II e V, do CP, questionavam a imposição de seu recolhimento em regime fechado até que surgissem vagas em local adequado na comarca. Tendo em conta a impossibilidade do imediato cumprimento da sanção em colônia penal agrícola e/ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar por deficiência do Estado, entendeu-se que não se poderia manter alguém preso em regime mais rigoroso do que o imposto na sentença condenatória.” (HC 94.526, Rel. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 24-6-08, Informativo 512).

III – Preponderância da Dignidade da Pessoa Humana na concessão de regime

domiciliar.

“Tendo em conta a excepcionalidade da situação, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que se discutia se paciente idosa (62 anos), condenada por tráfico ilícito de entorpecentes, cujo grave estado de saúde se encontrava demonstrado por diversos laudos, teria direito, ou não, à prisão domiciliar, nos termos do art. 117, da Lei de Execução Penal – LEP (...). Asseverou-se que a transferência de condenado não sujeito a regime aberto para cumprimento da pena em regime domiciliar é medida excepcional, que se apóia no postulado da dignidade da pessoa humana, o qual representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente no país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Concluiu-se que, na espécie, impor-se-ia a concessão do benefício da prisão domiciliar para efeito de cumprimento da pena, independentemente da modalidade de regime de execução penal, pois demonstrada, mediante perícia idônea, a impossibilidade de assistência e tratamento médicos adequados no estabelecimento penitenciário em que recolhida a sentenciada, sob pena de, caso negada a transferência pretendida pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, expor-se a condenada a risco de morte. RHC provido para assegurar a ora paciente o direito ao cumprimento do restante de sua pena em regime de prisão domiciliar, devendo o juiz de direito da vara de execuções criminais adotar as medidas necessárias e as cautelas pertinentes ao cumprimento da presente decisão.” (RHC 94.358, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-08, Informativo 504).

65

IV – Dignidade da Pessoa Humana como direito a busca da felicidade.

“O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e materiais para determinar que o mencionado Estado-membro pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragmático Muscular - MDM no agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o agravante, que teria ficado tetraplégico em decorrência de assalto ocorrido em via pública, ajuizara a ação indenizatória, em que objetiva a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo decorrente da referida cirurgia, ‘que devolverá ao autor a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico’. (...) Concluiu-se que a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana.” (STA 223-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-4-08, Informativo 502).

V – O Direito de Defesa como expressão do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

"O direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Diante da ausência de intimação de defensor público para fins de julgamento do recurso, constata-se, no caso concreto, que o constrangimento alegado é inegável. No que se refere à prerrogativa da intimação pessoal, nos termos do art. 5º, § 5º da Lei n. 1.060/1950, a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que essa há de ser respeitada." (HC 89.176, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22-8-06, DJ de 22-9-06).

VI – Denúncia genérica e violação da Dignidade da Pessoa Humana. "Denúncia. Estado de Direito. Direitos fundamentais. Princípio da dignidade da pessoa humana. Requisitos do art. 41 do CPP não preenchidos. A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso." (HC 84.409, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-12-04, DJ de19-8-05) “A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana.” (HC 82.969, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-9-03, DJ de 17-10-03).

VII – Direito a liberdade e Dignidade da Pessoa Humana.

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"A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa — considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) — significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo." (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-05, DJ de 29-4-05).

VIII – Crime de racismo e Dignidade da Pessoa Humana. “Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciliabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.” (HC 82.424-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-03, DJ de 19-3-04).

IX – Determinação judicial para fornecimento de material para exame de DNA em

investigação de paternidade e Dignidade da Pessoa Humana.

“Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas — preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer — provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.” (HC 71.373, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-11-94, DJ de 22-11-96)

67

CAPÍTULO II O PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO

Trataremos aqui de temas relacionados ao Processo Civil, no âmbito constitucional, correlacionados com a dignidade da pessoa humana. O Processo Civil como instrumento de solução de conflitos entre particulares, em situações litigiosas concretas, que buscam no Judiciário a proteção de um direito subjetivo.

Trata-se da efetivação de direitos fundamentais, e, por conseqüência, da realização da dignidade da pessoa humana, por um dos órgãos estatais, o Judiciário, cujos princípios de atuação estão insertos no Texto Constitucional, no âmbito maior do devido processo legal.

As normas constitucionais estabelecem as linhas estruturais da teoria do processo, não havendo como pensar o processo sem as diretrizes constitucionais.

O processo deve albergar os valores constitucionalmente consagrados, entre eles, com proeminência, os direitos fundamentais.

Desse modo, a Constituição Federal deve ser o ponto de partida para o intérprete na aplicação do direito ao caso concreto, e apenas em um segundo momento é que a legislação ordinária sobre o assunto deve ser analisada. E, existindo no caso, eventual divergência, o texto legal infraconstitucional não deve ser aplicado.

Atento a essa questão de ordem interpretativa, o Juiz diz qual é o direito a ser observado em dado caso concreto, estando todos, inclusive o Estado, obrigados a submeter-se a essa decisão.

Nesse sentido, Nelson Nery Junior, em “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal” (2004, p, 25-6).

De modo que atende à dignidade da pessoa humana um Judiciário independente, que tem a sua estruturação, normas de atuação e competências, elencadas

68

na Constituição Federal da República, para que, efetivamente, nas soluções de conflitos, apresente-se como verdadeiro instrumento de defesa da cidadania.

É preciso esse estudo para o conhecimento, ao menos superficial, do processo subjetivo, de conflito de interesses entre particulares, para que quando tratarmos do tema relacionado ao controle concentrado de constitucionalidade, possamos traçar um paralelo com o processo objetivo, inerente à fiscalização abstrata de constitucionalidade, e estabelecer as necessárias distinções, cujos apontamentos serão úteis para encontrar as repostas à problemática apresentada neste trabalho.

O objetivo principal dessa providência é evidenciar que as regras e princípios do processo civil comum, de solução de conflitos intersubjetivos, não podem ser totalmente transplantados para o processo civil de natureza objetiva, onde não há conflito de interesses, mas sim a necessidade do reconhecimento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com a conseqüente preservação da supremacia constitucional, isto é, o objetivo é a preservação dos valores insertos no Texto Constitucional.

2.1 Principais aspectos de âmbito constitucional do Processo Civil

Conforme o já examinado anteriormente o Estado, e em especial o nosso que se

intitula Democrático de Direito, ultrapassou aquele momento histórico de inércia, para a garantia da liberdade e da propriedade, para agir e intervir naquelas situações de iniqüidades, buscando assegurar o mínimo indispensável para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Tal comportamento estatal se dá através da lei, que é a regra de conduta obrigatória, abstrata e genérica, definidora de comportamentos, para permitir uma harmônica e pacífica convivência social entre os homens.

Ocorre que naturalmente os destinatários dessas regras, via de regra, representantes do Poder Executivo, acabam por desrespeitá-las, cabendo ao Estado, por um dos seus poderes, o Judiciário, cessar com a ameaça ou lesão ao direito.

Essas as funções jurídicas do Estado, legislativa, executiva e judiciária. Sobre essas funções do Estado, Cintra, Grinover e Dinamarco, “Teoria Geral do

Processo” (2003, p. 38), assim se manifestam: O Estado com a legislação estabelece as normas que, segundo a consciência dominante, devem reger as mais variadas relações, dizendo o que é lícito e o que é ilícito, atribuindo direitos, poderes, faculdades, obrigações; são as normas de caráter genérico e abstrato, ditadas aprioristicamente, sem destinação particular a nenhuma pessoa e a nenhuma situação concreta; são verdadeiros tipos, ou modelos de conduta (desejada ou reprovada), acompanhados ordinariamente dos efeitos que seguirão à ocorrência de fatos que se adaptem às previsões. Com a jurisdição, cuida o Estado de buscar a realização prática daquelas normas em caso de conflito entre pessoas – declarando, segundo o modelo contido nelas, qual é o preceito pertinente ao caso concreto (processo de conhecimento) e desenvolvendo medidas para que esse preceito seja realmente efetivado (processo de execução). Nesse quadro, a jurisdição é considerada uma longa manus da legislação, no sentido de que ela tem, entre outras finalidades, a de assegurar a prevalência do direito positivo do país. A jurisdição é poder, função e atividade. Como poder é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais,

69

mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete.

Exercendo a jurisdição o Estado substitui-se às partes envolvidas na lide trazida ao seu conhecimento.

Conforme prescreve Vicente Greco Filho, “Direito Processual Civil Brasileiro” (1995, p. 33):

[...] a atividade jurisdicional é atividade secundária, inerte, somente atua quando provocada e se substitui à atividade das partes, impedidas que estão de exercer seus direitos coativamente pelas próprias mãos. Este caráter de substitutividade constitui a nota distintiva da jurisdição.

José Frederico Marques, “Manual de Direito Processual Civil” (1982) nos

ensina que a prestação jurisdicional tem por missão resolver conflito de interesses, que surge quando há uma pretensão resistida, sendo que para tal mister, o Juiz aplica a lei, o direito objetivo, ao caso concreto, tendo como instrumento o processo, e, logicamente, desde que regularmente provocado por meio de ação.

Por vezes a demora na solução do litígio por meio da tutela jurisdicional poderá acarretar um sério prejuízo à parte, daí a necessidade de uma medida para assegurar de maneira eficaz o resultado do processo.

José Frederico Marques (1982) explica que as providências cautelares têm por objetivo evitar que a morosidade no desenvolvimento do procedimento processual não prejudiquem a prestação jurisdicional, assegurando o resultado final do processo de conhecimento ou executivo. Aponta o perigo da demora, e a fumaça do bom direito como pressupostos da jurisdição cautelar.

Com relação ao direito de ação, temos que, como vimos, a jurisdição é a manifestação do poder estatal, através de um complexo de atos do juiz no processo, para a promoção da pacificação dos conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo.

De modo que “vedada em princípio a autodefesa e limitadas a autocomposição e a arbitragem, o Estado reservou para si o exercício da função jurisdicional, como uma de suas tarefas fundamentais”, segundo o que dispõem Cintra, Grinover e Dinamarco (2003, p. 249).

Assim aquele que for ameaçado ou lesionado em seu direito, impedido de fazer justiça com as próprias mãos, para a satisfação de seu interesse, não atendido voluntariamente pelo outro, deverá buscar no judiciário a solução para a contenda e satisfação de sua pretensão.

Nesse ponto cabe definir pretensão e lide ou litígio. Consoante José Frederico Marques (1982) a lide nasce quando há uma

pretensão resistida. A insatisfação desse interesse é que legitima a busca do Judiciário para a solução do conflito.

O processo é o instrumento posto a disposição dos interessados, para os quais o ordenamento jurídico outorga o direito de ação, que é exatamente o direito de se dirigir ao Estado Juiz para pleitear proteção contra uma ameaça ou violação a um direito.

O direito de ação é o direito público subjetivo de se dirigir ao Judiciário e pleitear uma solução quanto à um conflito de interesse, decorrente de um pretensão resistida.

Por outro ângulo pode ser visto como o direito de defesa, com relação ao réu. Nesse sentido José Frederico Marques (1982).

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Lembra ainda esse autor (1982) que enquanto, regra geral, o direito constitucional de ação é amplo, genérico e incondicionado, o direito processual é conexo a uma pretensão, pois que existe para fazer atuar a ordem jurídica, por isso que condicionado às chamadas condições da ação.

São três as condições da ação: a legitimidade para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. José Frederico Marques (1982, p. 176) explica que:

Consiste a legitimatio ad causam na pertinência subjetiva da ação no dizer de Alfredo Buzaid, isto é, no fato de estar, aquele que pede, autorizado a demandar sobre o objeto da demanda. Normalmente, tem legitimidade para a causa aquele que é titular ou sujeito da relação jurídica objeto do pedido e que sofreu a lesão de direito. Diz-se, então, nesse caso, que a legitimação é ordinária. Todavia, em casos especiais e expressos, a lei estabelece a possibilidade de alguém que não é titular da relação jurídica de direito material propor, em nome próprio, ações em defesa de outrem, caso em que a legitimação se chama extraordinária, ou, também substituição processual. Interesse processual é a necessidade de recorrer ao Judiciário, utilizando a adequada forma legal. A possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que em tese a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado.

Além disso, deve satisfazer os pressupostos processuais, que são os requisitos

necessários à constituição e ao desenvolvimento do processo, que é a relação jurídica entre autor, juiz e réu.

Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2003, p. 289): São pressupostos processuais: a) uma demanda regularmente formada (CPC, art. 2º; CPP, art. 24); b) a capacidade de quem a formula; c) a investidura do destinatário da demanda, ou seja, a qualidade de juiz. A doutrina mais autorizada sintetiza esses requisitos nesta fórmula: uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo. [...] Os pressupostos processuais inserem-se entre os requisitos de admissibilidade do provimento jurisdicional. No processo de conhecimento, a sentença de mérito só poderá ser dada (não importando ainda se favorável ou desfavorável) se estiverem presentes esses requisitos gerais.

Quanto a capacidade de quem formula a demanda, José Chiovenda, “Princípios de Derecho Procesal Civil” (2000), leciona que basta ter capacidade jurídica para ter capacidade para ser parte.

Observa que essa capacidade não é outra coisa que não a capacidade jurídica levada ao processo civil.

Ponto relevante neste tema, que tornará a ser abordado na fiscalização abstrata de constitucionalidade diz respeito ao pedido e à causa de pedir.

O pedido é o ato através do qual o autor formula a sua pretensão contra o réu ao Juiz, pede o bem da vida de seu interesse.

O acolhimento do pedido resulta na procedência da ação, com sentença satisfatória ao autor.

A sua rejeição gera a improcedência da ação, com a sentença desfavorável ao autor, com a vitória do réu.

71

Causa de pedir ou causa petendi diz respeito ao fundamento, o motivo, a origem do pedido quanto à prestação jurisdicional invocada. Constitui-se do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito jurídico por ele afirmado, conforme a define Alcides de Mendonça Lima, “Dicionário do Código de Processo Civil Brasileiro” (1986).

O art. 282 do CPC dispõe que: “a petição inicial indicará [...]: III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV – o pedido, com as suas especificações [...]”.

Nos termos de J.J. Calmon de Passos, “Comentários ao Código de Processo Civil” (1977), a petição inicial é meio imprescindível não só para a constituição do processo, como também para estabelecer os contornos da solução da lide. O julgador deve se ater aos seus estritos limites.

Sobre os fundamentos do pedido nos ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante” (2006), que os fundamentos de fato e de direito devem fazer parte integrante do pedido.

Identificam-se os fundamentos de fato com a causa de pedir próxima, ou seja, a violação do direito que se pretende proteger em juízo.

Por seu turno compreendem os fundamentos jurídicos como a causa de pedir remota, isto é, a norma jurídica que permite ao autor submeter a sua pretensão ao Juiz.

Explicam que o pedido é o bem da vida pretendido pelo autor, que pode ser imediato, consubstanciado na sentença, e mediato, que corresponde ao bem da vida pleiteado.

As demandam têm um fim com a solução definitiva da questão posta à decisão do órgão jurisdicional, e tal se dá, para atendimento ao princípio da segurança jurídica, com a coisa julgada, que nas palavras de Nelson Nery Junior (2004) “tem a força de criar a imodificabilidade, a intangibilidade da pretensão de direito material que foi deduzida no processo e resolvida pela sentença de mérito transitada em julgado”.

A coisa julgada pode ser entendida em dois aspectos: formal e material. A coisa julgada formal significa a imutabilidade da sentença no processo,

resultado da preclusão das impugnações e dos recursos, sendo pressuposto da coisa julgada material.

A coisa julgada material torna imutável os efeitos produzidos pela sentença e lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2003).

Enrico Tullio Liebman, “Eficácia e Autoridade da Sentença e outros Escritos sobre a Coisa Julgada Material” (1984, p. 54), define a autoridade da coisa julgada como a “imutabilidade do comando emergente de uma sentença”.

A coisa julgada material está definida no art. 467, do Código de Processo Civil: “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Nelson Nery Júnior (2004), entende a coisa julgada como elemento imanente ao Estado Democrático de Direito, vez que garante a segurança jurídica e a pacificação social.

Ainda com este doutrinador, dos precisos termos constantes nos artigos 467, CPC e 6º, § 3º, da LICC, extraímos que a coisa julgada material é a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso de qualquer espécie, nem mesmo à rescisória (art. 475, CPC).

Só surgirá a coisa julgada material, após a preclusão da sentença de mérito, ou seja, depois de ocorrer a coisa julgada formal.

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Lembra que apenas as sentenças de mérito, com fundamento no art. 296, do CPC, é que são alcançadas pela autoridade da coisa julgada, as demais, concernentes a extinção do processo sem julgamento do mérito, são atingidas apenas pela preclusão.

No âmbito do princípio da segurança jurídica, a coisa julgada está inserida como garantia fundamental, nos termos do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

A coisa julgada tem por finalidade proporcionar a segurança jurídica. Quer dizer, o legislador apenas preocupou-se em blindar a coisa julgada contra

os efeitos da lei nova que dispuser de maneira contrária quanto à relação jurídica objeto da decisão judicial não mais sujeita a recurso, como garantia dos jurisdicionados.

Convém ressaltar que essa imodificabilidade da coisa julgada não é absoluta, pois como lembram Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria (2002), não é matéria constitucional.

Desse modo, ocorrendo uma das hipóteses que autorizam a rescisória (art. 485, CPC), a coisa julgada poderá ser impugnada, que se consubstanciam naquelas situações nas quais a decisão transitada em julgado traz vícios tão sérios, que autorizam a relativização do princípio da segurança jurídica, par a garantia da justiça.

Nos precisos termos de Nelson Nery Junior (2004), tal se dá naquelas circunstâncias em que a sentença de mérito tiver sido prolatada contra texto constitucional ou legal, nunca, simplesmente, pela injustiça da decisão.

Walber de Mora Agra, “Aspectos Controvertidos do Controle de Constitucionalidade” (2008), defende que se a sentença afronta a Constituição é embasada em norma inconstitucional, ela tem uma mácula, um defeito insanável, que não permite o amparo pela garantia da imutabilidade.

Com respeito aos seus limites objetivos e subjetivos, temos que atentar para o disposto nos artigos 469 e 470 do Código de Processo Civil.

Pelo disposto no art. 469 do Código de Processo Civil13, apenas o dispositivo da sentença14 será revestido da autoridade da coisa julgada material. Este o limite objetivo.

Conforme o enunciado do art. 470, CPC: “Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (art. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”.

Cintra, Grinover e Dinamarco (2003, p. 309) explicam que questões prejudiciais:

[...] são aquelas que, podendo por si sós constituir objeto de processo autônomo, surgem num outro processo, como antecedente lógico da questão principal, devendo ser decididas antes desta por influírem sobre seu teor. Assim, por exemplo, na ação de alimentos a questão da relação de parentesco é prejudicial; na ação contra o fiador, é questão prejudicial a atinente à validade da obrigação principal; na usurpação de despejo, a qualidade de usufrutuário suscitada pelo réu.

13 Art. 469 do CPC: Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. 14 Art. 458, CPC: São requisitos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

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Com relação aos limites subjetivos, encontramos a resposta no art. 472 do CPC: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Sobre esses limites subjetivos, manifestam-se Cintra, Grinover, e Dinamarco

(2003, p. 310): O dogma da limitação subjetiva da coisa julgada às partes vem sendo rompido, no processo moderno, nas ações coletivas ajuizadas em defesa de interesses metaindividuais (ambiente, consumidor, etc.). No Brasil, após a coisa julgada erga omnes da ação popular (art. 18 da lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965), a Lei de Ação Civil Pública (lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985) e, por último, o código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990) vieram ampliar os limites subjetivos da coisa julgada, estruturando-os de acordo com o resultado do processo, ou seja, secundum eventum litis (art. 103 CDC, aplicável à Ação Civil Pública por força do novo art. 21, desta, introduzido pelo Código). Assim, conforme o caso, a autoridade da sentença poderá alcançar a todos, para beneficiá-los ou prejudica-los - salvo no caso de improcedência por insuficiência de provas -, ou ser utilizado apenas em favor dos membros da classe, sem possibilidade de prejudicar suas pretensões individuais.

Voltaremos a esse assunto quando tratarmos do efeito vinculante das decisões

do Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de constitucionalidade, notadamente, ação direta de inconstitucionalidade genérica, ação declaratória de constitucionalidade, argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental.

2.2 Princípios Constitucionais Processuais A relevância desse estudo encontra-se na relação direta das opiniões de

eminentes doutrinadores no sentido da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de certos aspectos do controle abstrato de constitucionalidade, no particular enfoque do efeito vinculante, e da súmula vinculante.

Apesar de tal assunto ser tratado mais adiante, apenas para justificar esse tópico, os que defendem inconstitucionalidades alegam entre outros argumentos que a ação declaratória de constitucionalidade fere cláusula pétrea, inserta no art. 60, § 4º, IV da CF, pois que não atende aos princípios relativos ao princípio reitor do devido processo legal, quais sejam, contraditório, ampla defesa, juiz natural, duplo grau de jurisdição15.

15 Art. 5º, XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; XXXVII: Não haverá juízo ou tribunal de exceção; LIII: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos; LVII: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Art. 60, § 4º, IV da CF: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.

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Os que defendem a constitucionalidade alegam que a ação declaratória de constitucionalidade, no âmbito da jurisdição constitucional, é um processo sui generis, de natureza objetiva, onde inexistem partes, mas sim requerentes e requeridos, que tende alcançar a uniformização da jurisprudência no sentido de assegurar a presunção absoluta da constitucionalidade de lei ou ato normativo federais, para onde não podem e não devem ser transportados aqueles princípios da jurisdição exercida em um processo de interesses intersubjetivos.

Há quem não aceite o efeito vinculante sob o argumento de que ele provocaria a supressão da função judicial criadora e de garantias fundamentais intangíveis como o acesso ao Poder Judiciário, o devido processo legal, e princípios decorrentes, e ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Com respeito à súmula vinculante, os que a criticam afirmam que o Supremo assumiu a condição de legislador positivo, ferindo o princípio fundamental da divisão de Poderes, feriria ainda, esse novel instituto, o princípio de garantia do acesso ao judiciário, da independência do Juiz e do devido processo legal.

Assim, para uma perfeita compreensão desse importante debate doutrinário, é mister um estudo concernente aos princípios, em especial os relativos ao processo, para depois ter subsídios suficientes para a inclinação em favor de uma ou outra tese.

2.2.1 Abordagem dos principais aspectos dos princípios.

Decididamente o princípio é um instituto jurídico, cujas análises profundas e

minuciosas por parte dos pesquisadores brasileiros ainda estão em gestação, servindo-se

nossos doutrinadores dos autores estrangeiros, no mais das vezes, alemães, e ainda do

doutrinador português José Joaquim Gomes Canotilho.

Os princípios de acordo com Paulo Bonavides (1997, p. 232), já foram

considerados apenas em uma “esfera por inteira abstrata e sua normatividade, basicamente

nula e duvidosa [...]”, sendo que num segundo momento apresentaram-se “entrando já nos

códigos como fonte normativa subsidiária [...]”, representando essas duas posições iniciais

as fases do jusnaturalismo e do positivismo, seguindo-se a terceira, do pós positivismo,

concernente à constitucionalização dos princípios.

Walter Claudius Rothenburg (1998, p.

14), traz definição de princípio jurídico,

difundida por Celso Antonio Bandeira de

Mello:

75

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Uadi Lammêgo Bulos (2003), extrai do

princípio o significado de início ou ponto de

partida, lembrando que na nossa constituição,

os princípios se apresentam como vetores que

fundamentam e se constituem na essência

das normas jurídicas. Seriam vetores também

para o procedimento interpretativo dos

dispositivos constitucionais.

Define princípio fundamental como

sendo aquele que externa as diretrizes

básicas que proporcionam as decisões

políticas essenciais à configuração do Estado

Democrático de Direito.

J.J. Gomes Canotilho (1998, p. 1034-1035) apresenta interessante tipologia de princípios constitucionais distinguindo-os em princípios jurídicos fundamentais, princípios políticos constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais impositivos e princípios garantia.

Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. [...] Princípios políticos constitucionalmente conformadores são os princípios constitucionais que explicam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. [...]

76

Nos princípios constitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que, sobretudo no âmbito da constituição dirigente, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. [...] Os princípios garantia visam instituir directa e imediatamente uma garantia aos cidadãos. [...]

Com relação à distinção entre regras e princípios afirma o autor (1998, p. 1035) que

“(1) as regras e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e

princípios é uma distinção entre duas espécies de normas”.

A seguir explica que, como normas, os princípios são mandamentos de otimização,

com graus de concretização diversos, de acordo com as situações fáticas e jurídicas do

momento. Já as regras contêm uma ordem, impondo, permitindo ou proibindo.

Por terem essas características, na hipótese de conflitos, os princípios coexistem e as

regras excluem-se.

José Afonso da Silva (2004, 94-95), com relação aos princípios constitucionais

fundamentais explica que “para Gomes Canotilho, constituem-se dos princípios definidores da

estrutura do Estado, dos princípios estruturantes do regime político e dos principios

caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral”.

Verifica-se que dentre os princípios fundamentais relativos ao regime político está

o da dignidade da pessoa humana, que, segundo Flavia Piovesan (2002, p. 54), é um dos

que alicerça o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Jorge Miranda (1998), também manifesta-se nesse sentido, pois para ele, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana traz uma unidade de sentido, valor e concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, porque resume-se na idéia de que a pessoa é o fundamento e o fim da sociedade e do Estado.

Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1996, p. 103) considera “irrelevante qualquer denominação que se dê aos princípios fundamentais, bastando a caracterização de que traduzem a regração jurídica da escolha política do Poder Constituinte”.

Considerando a ordem de importância, passaremos a tratar do Princípio Constitucional do Devido Processo Legal, gênero do qual todos os demais princípios, a seguir analisados, são espécies.

Ensina Thomas Cooley (1982) que o processo legal será devido quando nele foram

observadas todas as garantias dos direitos individuais.

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Para ele poderá ser denominado devido processo legal todo comportamento estatal

imparcial e geral que não colida com dispositivo constitucional.

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2003) entendem que tal expressão abarca o direito ao procedimento adequado, que envolve não só o contraditório, como também não deixa de observar a realidade social, conformando-se com a situação litigiosa.

O devido processo legal é garantia constitucional inserta no artigo 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, que envolve outras garantias, como o do juiz natural e a proibição de juízos ou tribunais de exceção, do juiz competente, contraditório e ampla defesa.

José Afonso da Silva (2004) insere o devido processo legal, juntamente com as garantias da independência e imparcialidade do juiz, do juiz natural ou constitucional, do direito de ação e de defesa, no conteúdo do princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, considerado por este autor a principal garantia dos direitos subjetivos.

Com relação a esse tema discorre Alexandre de Moraes (2005) no sentido de que o devido processo legal traz uma dupla proteção às pessoas, no aspecto material dos direitos de liberdade e propriedade, e no formal, quanto à igualdade de condições com o Estado-persecutor e a ampla defesa.

De igual modo a doutrina de Uadi Lammêgo Bulos (2007).

Por fim, tratando da compreensão e

importância do devido processo legal Uadi

Lammêgo Bulos (2007) ressalta a sua

imprescindibilidade para a proteção dos

direitos e garantias fundamentais,

denominando-o de sobreprincípio, porque se

constituiria nos fundamentos de outros

direitos fundamentais.

Acerca dessa dualidade do devido processo legal, sua dimensão processual e sua dimensão substantiva, explicando a distinção entre as duas Paulo Fernando Silveira (2001, p. 240-241) utiliza-se de uma liminar concedida na ADIn n. 1.511-7-DF:

Due processo of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (racionality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa.

Nelson Nery Junior (2004) o entende como o princípio fundamental do Processo

Civil, constituindo-se “na base sobre a qual todos os outros se sustentam”, abarcando em seu

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sentido genérico o direito de tutela da vida, liberdade, ou propriedade, sendo essa a conotação

adotada pela nossa Constituição Federal.

Na seqüência serão traçados alguns delineamentos desses outros princípios

decorrentes do sobre-princípio do Devido Processo legal.

O princípio da isonomia processual é uma decorrência lógica do princípio da igualdade inserto tanto no caput, como no inciso I, do artigo 5º, da Constituição Federal16.

Este é um princípio que se dirige aos cidadãos, aos aplicadores da lei e ainda aos legisladores.

Nesse sentido José Afonso da Silva (2004, p. 217): Constitui, por outro lado, uma regra de interpretação para o juiz, que deverá sempre dar à lei o entendimento que não crie distinções. A igualdade perante o juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como garantia constitucional indissoluvelmente ligada à democracia. O princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: (1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da justiça.

Doutrina da mesma forma Nelson Nery Júnior (2004). O princípio da isonomia, voltado para o sentido do processo, impõe o

tratamento igual às partes. Ao autor e ao réu deve ser assegurado tratamento isonômico em todos os

aspectos, para que, no âmbito do devido processo legal, seja alcançada a decisão justa. De modo que um tratamento diferenciado só será aceitável na medida em que

necessário para exatamente alcançar a igualdade. Veremos mais adiante que tal princípio tem relação lógica e imprescindível com

o princípio da segurança jurídica. Quanto ao princípio da inafastabilidade do Controle Jurisdicional temos que

desde que o Estado assumiu o monopólio da Justiça, considerando o princípio da inércia da jurisdição, e desde que alguém tenha alguma pretensão não satisfeita, o bem da vida pretendido somente pode ser alcançado, em princípio, através da ação e do processo, desenvolvido perante um juiz.

Assim, aquele que se sentir lesionado ou ameaçado em seu direito poderá buscar a solução de sua pendência, salvo algumas exceções, junto ao Poder Judiciário, exercitando o seu direito de ação, preenchidas as condições para tanto.

Nelson Nery Junior (2006) explica que o Judiciário está aberto a todos que dele necessitem para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória, de direito individual, coletivo ou difuso, e igualmente para aqueles que pretendam defender-se das pretensões deduzidas.

Com relação ao princípio do duplo grau de jurisdição podemos dizer que trata-se do reexame das decisões proferidas pelos Juízes de primeiro grau, ou primeira instância.

16 Art. 5º, caput, CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]. Art. 5º, I, CF: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

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A insatisfação com o resultado da demanda deve possibilitar que a parte prejudicada com a decisão devolva o conhecimento da causa à instância superior, a fim de que seja feita uma nova apreciação da lide, agora por Juízes mais experientes, e por isso menos suscetíveis às falhas.

Tal mecanismo ainda é importante por influir no espírito do Juiz de grau inferior, que antevendo a possibilidade de suas manifestações serem reapreciadas, pelo menos em tese, procurará desenvolver maior esmero e cuidado em suas conclusões ao longo do procedimento ou no desfecho do processo.

Cintra, Grinover e Dinamarco (2003) justificam o duplo grau de jurisdição no sentido de que há necessidade de que todo ato estatal não fique isento de controle, tratando-se de princípio constitucional implícito, que se extrai da estrutura constitucional do Poder Judiciário. Lembrando esses autores que inexiste o duplo grau de jurisdição nas hipóteses de competência originária no âmbito do supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido Alexandre de Moraes (2005). Nessa questão da coisa julgada não podemos esquecer que o Brasil ratificou, em

25 de setembro de 1992, a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa, adotada em 22 de novembro de 1969, e de que desde essa ratificação as normas desse documento internacional passaram a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, como lei infraconstitucional.

O Pacto de San José traz em seu artigo 8º, 2, “h”, e artigo 25, 1, a garantia judicial, á pessoa acusada em processo, do direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Atualmente, por obra da Emenda Constitucional nº 45, os documentos internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm status constitucional, desde que observadas as formalidades do art. 5º, § 3º da Constituição Federal, ou seja, aprovação do tratado ou convenção em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

Um outro princípio que traduz conquista da pessoa humana no sentido de obter um julgamento e uma acusação imparciais relaciona-se com o princípio do Juiz e do Promotor Naturais.

O princípio do Juiz Natural está previsto no art. 5º, incisos XXXVII: “Não haverá juízo ou tribunal de exceção”; e LIII: “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, da Constituição Federal.

A proibição da existência e criação de Tribunais de exceção é um corolário do princípio do Juiz Natural.

Juiz Natural é o constitucionalmente previsto e de modo abstrato. É somente aquele inserido no Poder Judiciário, cercados de todas as garantias, que o possibilite a exarar uma decisão justa.

Essas garantias ao Juiz Natural é que permitem o exercício da sua função de maneira imparcial.

A respeito da independência da função judicial Karl Loewenstein (1982) define-a como a pedra final no edifício do Estado Democrático Constitucional de Direito. O Juiz deve estar livre para administrar a justiça de maneira imparcial.

O princípio do promotor natural também está inserido na cláusula: “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, CF), uma vez que são os membros do Ministério Público, que em regra, possuem legitimação para o ajuizamento de ações penais e ações civis públicas.

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Entretanto, de nada adiantaria um Juiz e um Promotor Natural sem que ao litigante ou acusado, não se deferisse meios de se defender, dando a sua versão dos acontecimentos, num procedimento dialético até o final do processo.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LV, estabelece os princípios do contraditório e da ampla defesa enunciando que: “aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes”. São corolários do sobreprincípio do devido processo legal.

A ampla defesa consubstancia-se em todas as garantias proporcionadas ao réu que

lhe possibilitem trazer ao processo tudo aquilo que considerar pertinente ao esclarecimento

da verdade, podendo inclusive permanecer em silêncio, sem que com isso sofra algum

prejuízo.

Alexandre de Moraes (2005, p. 93) entende que: [...] a ampla defesa como o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

É assim o contraditório outro princípio decorrente do devido processo legal que assegura às partes o conhecimento da existência de uma ação, bem como de todos os atos do processo, garantindo a defesa dos atos praticados que lhes forem prejudiciais.

Tem lugar em todos os tipos de processo, penal, cível, trabalhista, como nos administrativos.

O contraditório tem por razão garantir a igualdade entre as partes. No Processo Penal o contraditório deve ser efetivo e real. No cível, basta o

contraditório formal, ocorrendo com a efetiva citação válida do réu, mesmo que não venha a juízo defender-se, exceto nos casos de réu preso, ou citado por edital ou com hora certa, hipóteses nas quais deverá ser nomeado defensor ao revel para a defesa de seus direitos17.

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2003), o contraditório constitui-se da informação e da reação, devendo ser observado em seus aspectos formal e substancial.

Decidindo o processo, o Juiz deve demonstrar as razões, os fundamentos de sua conclusão. As decisões judiciais devem ser motivadas, sob pena de nulidade.

Este princípio, da motivação das decisões judiciais, está presente no art. 93, IX, da Constituição Federal, que estabelece:

[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei

17 Art. 9º do CPC: O Juiz dará curador especial: I - [...], II – ao réu revel preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.

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limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Essa exigência da motivação é emanação do princípio do devido processo legal. Tem a denominação de motivação o ato do Juiz ao decidir, expondo as razões

que o levaram a se manifestar em um ou outro sentido, e que constituíram, portanto, o seu convencimento.

Pela motivação as partes podem verificar se o julgador analisou profunda e completamente os autos do processo, tornando-se apto, por isso, a decidir.

Com base nessa fundamentação quem se sentir prejudicado com a sentença poderá interpor o recurso, lançando todos os seus argumentos, combativos do raciocínio judicial, ao órgão de segunda instância para a reapreciação e reconsideração da parte dispositiva da sentença.

A sentença, nos termos do artigo 458, do Código de Processo Civil, tem por requisitos essenciais o relatório, a motivação e o dispositivo, conclusão ou decisão.

Moacyr Amaral Santos (1977), explica esses requisitos essenciais ressaltando que o relatório é o resumo do processo, com os nomes das partes, o resumo do pedido e da resposta do réu, a motivação ou fundamentação constitui-se na convicção formada pelo juiz considerando todo o acervo probatório dos autos, e dispositivo conclusão ou decisão, corresponde à parte final da sentença, onde reside a ordem que caracteriza a sentença, sendo que tal ordem encontra limitação no pedido. O Juiz não poderá decidir a menos, a mais, ou fora, do pedido.

Em um Estado Democrático, as práticas sigilosas devem constituir-se exceção, de modo que os atos praticados, no exercício de um dos Poderes Soberanos, devem ser públicos, inclusive os processuais.

Além da previsão no art. 93, IX, tem lugar também no art. 5º, LX, da CF: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Esse princípio garante a qualquer do povo a fiscalização do exercício da função jurisdicional, caracterizando a publicidade popular.

Um outro aspecto é a publicidade dos atos processuais para as partes, também chamada de restrita.

Outro princípio de igual relevância é o da celeridade, pois que justiça tardia não é justiça.

Se o fim do processo é a pacificação social, a rapidez na solução do litígio é condição essencial para o alcance desse objetivo.

É uma garantia fundamental, como uma das faces do princípio do devido processo legal, constante no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, nos seguintes termos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação”.

Dispõe o artigo 125, II, do Código de Processo Civil que: “O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: [...] II – velar pela rápida solução do litígio”.

Esse dispositivo é comentado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, p. 334):

O Juiz não deve ensejar nem deixar provocar o retardamento injustificado da prestação jurisdicional. Dar solução rápida ao litígio não significa solução apressada, precipitada. O magistrado deve determinar a prática de todos os atos necessários ao julgamento da

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demanda. Deve buscar o ponto de equilíbrio entre rápida solução e segurança na decisão judicial, nem sempre fácil de ser encontrado. A CF 5º LXXVIII assegura aos litigantes, como garantia constitucional, “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação” (EC 45/04). Assim, não só o juiz, mas o Poder Público como um todo (Judiciário, Legislativo e Executivo) tem o dever de propiciar meios para a rápida solução do litígio e para a celeridade do processo.

Esses mesmos autores (2006, p. 140), examinam o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal:

A norma garante aos brasileiros e residentes no Brasil o direito à razoável duração do processo, judicial ou administrativo. Razoável duração do processo é conceito legal indeterminado que deve ser preenchido pelo Juiz, no caso concreto, quando a garantia for invocada. Norma de eficácia plena e imediata (CF 5º, § 1º), não necessita de regulamentação para ser aplicada. Cabe ao Poder Executivo dar os meios materiais e logísticos suficientes à administração pública e aos Poderes Legislativo e Judiciário, para que se consiga terminar o processo judicial e/ou administrativo em prazo razoável.

O Juiz deve providenciar o necessário equilíbrio entre os princípios da duração razoável do processo, do contraditório e ampla defesa, e para tanto, lançará mão de um outro princípio, este implícito, o da proporcionalidade.

Embora só recentemente, por obra da EC 45/04, o princípio da celeridade tenha se positivado em nosso sistema jurídico constitucional, já integrava a nossa legislação ordinária, carreado pelo Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe em seu artigo 8º, 1: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável [...]”.

Quer dizer, desde a década de 90, quando da sua ratificação, tal princípio existe entre nós, e nem por isso o judiciário conseguiu proporcionar maior agilidade aos processos, e de maneira célere, prestando a tutela invocada.

Márcia Regina Lucia Cadore (2007), lembra que a celeridade processual deve ser observada pelo Juiz, nos termos do art. 125, II, do Código de Processo Civil, e indica a uniformização da jurisprudência como meio de dar celeridade aos processos.

Por fim, observamos que a segurança jurídica também é um princípio relacionado ao processo, constituindo-se em um direito fundamental.

É imprescindível para a justiça que qualquer pessoa identifique, antecipadamente, o seu âmbito de liberdade no Estado Democrático de Direito.

Neste ponto Eduardo Takemi Kataoka (2006), segundo o qual a segurança jurídica entendida como a certeza do direito deve ser considerada um direito fundamental.

Analisando por outro ângulo, e tendo em vista que o ordenamento jurídico é um todo sistêmico, levando em conta que no Estado Democrático de Direito a Constituição Federal é a norma de hierarquia superior a todas as outras, conferindo-lhes legitimidade, e invalidando as normas contrárias, é lógico concluir que a segurança jurídica corresponde à estabilidade da Constituição e dos atos que a realizam.

Alexandre Sormani (2004), após determinar a natureza jurídica, indica duas funções para a segurança jurídica, uma voltada para o passado e outra dirigida para o futuro. Define-a como princípio, pois que compreendida, por indução, do mandamento nuclear do ordenamento jurídico.

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Para este autor (2004) efetiva-se a segurança jurídica com a estabilidade da Constituição e dos atos que a concretizam.

Conseqüência da estabilidade das normas é que as pessoas já conhecem de antemão os efeitos jurídicos decorrentes de suas condutas. Com relação ao passado a segurança jurídica impõe o respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.

Konrad Hesse (1991, p. 22), tratando do prejuízo relativo às constantes modificações constitucionais, ressalta que:

Igualmente perigosa para a força normativa da Constituição afigura-se a tendência para a freqüente revisão constitucional sob a alegação de suposta e inarredável necessidade política. Cada reforma constitucional expressa a idéia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior valor às exigências de índole fática do que à ordem normativa vigente. Os precedentes aqui são, por isso, particularmente preocupantes. A freqüência das reformas constitucionais abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.

Márcia Regina Lusa Cadore (2007), estabelece um paralelo entre a segurança jurídica e a necessidade de priorização da uniformização da jurisprudência. Observa que o cidadão deve ter previsibilidade quanto aos resultados de seus atos, quando examinados pelo Poder Judiciário. Essa previsibilidade, da qual se extrai a segurança jurídica, é alcançada quando se prioriza a uniformização da jurisprudência.

CAPÍTULO III O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: O EFEITO VINCULANTE

3.1 Pressupostos do Controle de Constitucionalidade Consoante o objetivo da nossa pesquisa, e coerente com o desenvolvimento do

tema até aqui realizado, analisaremos os instrumentos do controle da constitucionalidade, no aspecto abstrato, com seu efeito vinculante, inserido na Constituição Federal, como um dos mecanismos, exatamente para buscar proporcionar a necessária garantia para a dignidade da pessoa humana.

Desse modo apreciaremos alguns elementos para a tentativa de aproximação de uma definição de Constituição (rígida), entendida como ponto de partida e diretriz para a interpretação, proteção e implementação de valores relacionados à dignidade da pessoa humana, concepção que nos leva à sua rigidez, que por sua vez a eleva como Texto Supremo, para depois, em ato contínuo, estudar o controle de constitucionalidade.

3.1.1 Apontamentos para a aproximação de uma definição de

Constituição A Constituição, tal qual a conhecemos hoje, em termos históricos, surgiu

recentemente, no século XVIII, inaugurando o constitucionalismo moderno, como criação de legisladores norte americanos logo em seguida à independência dos Estados Unidos da América do Norte, e dos legisladores franceses, em 1791, como conseqüência

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da Revolução Francesa e que incorporou os termos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A Constituição Americana, inicialmente, apenas refletia o espírito dos americanos, com ênfase na forma federativa de Estado, soberania popular, e nos valores resultantes da revolução burguesa, com berço na Inglaterra e França, quais sejam, liberdade, igualdade formal e propriedade, sendo posteriormente acrescidas as primeiras dez emendas.

O Constitucionalismo assinalou o final de um período na evolução dos Direitos Humanos Fundamentais, fincando nos ordenamentos jurídicos as conquistas almejadas pelos ideais da burguesia, entendidos como direitos de primeira geração, quais sejam os direitos à vida, igualdade formal, liberdade, propriedade e de resistência à opressão.

Tais eram os direitos fundamentais reconhecidos até então, aos quais logo seriam acrescidos os de segunda dimensão, identificados como os direitos sociais ao trabalho, à educação, à saúde, férias, salário, transmudando o Estado Liberal em Estado Social de Direito, garantidor do mínimo essencial a uma vida digna, buscando com isso a justiça social através do alcance do equilíbrio entre o capital e o trabalho e por conseqüência amenizando as desigualdades sociais.

Tais garantias, somadas àquelas anteriores da primeira geração, foram transportadas para os textos constitucionais, enriquecendo o arcabouço jurídico, determinando uma atuação positiva do Estado em benefício daqueles menos favorecidos economicamente.

Inauguraram esse período as constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919. Alguns anos mais tarde, eclode a 2ª Grande Guerra Mundial, e com ela os

horrores indizíveis do nazismo, fascismo, e os milhões de mortos, mutilados, refugiados, desaparecidos18.

Tantas violações aos direitos humanos fundamentais das pessoas foram praticadas que ao final da conflagração em 1945, os países aliados reunidos em São Francisco aprovaram uma carta, apontando para a necessidade da busca e permanência da paz e proteção dos direitos humanos, reconhecendo a necessidade da criação de um órgão supra estatal para dar cumprimento a esse objetivo, nascendo então a Organização das Nações Unidas (ONU), que através de seu Conselho Econômico e Social elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada por unanimidade, que consagrou uma ética universal em torno da dignidade da pessoa humana19, traçando princípios básicos, norteadores dos direitos de 3ª dimensão, direito à paz, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento e autodeterminação dos povos, valores que, como um rastilho de pólvora, foram disseminados por todos os campos do mundo, em especial no ocidente, estando hoje incorporados na maioria das constituições.

Busca-se pelo direito, diante de um conceito de ética universal, a paz mundial.

Rudolf von Ihering, na obra A luta pelo Direito (2005, p. 27), expôs a sua ótica no

que diz respeito à luta pelo direito;

18 40 milhões de mortos, 06 milhões de judeus. (Folha de São Paulo. Página especial. “Declaração Universal dos Direitos Humanos 50 anos”, de 03 de dezembro de 1998). 19 Artigo 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

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O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da justiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos. Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a eles se opunham; todo e qualquer direito seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma por uma disposição ininterrupta para a luta. O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a outra, e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.

Por todo o exposto verificamos que com o passar dos anos e séculos, a luta da

humanidade em busca da felicidade, e conseqüente realização de sua dignidade, refletiu em um aperfeiçoamento das normas jurídicas que garantissem a proteção dos direitos conquistados.

Tal se deu melhormente, embora nem sempre efetivamente, com tais valores inseridos nos textos constitucionais, uma vez que situados no vértice dos ordenamentos jurídicos.

Essa a relevância da Constituição, que resultando do Poder Constituinte20, trata da organização do Estado, disciplina a forma de aquisição e exercício do poder, cria órgãos para o exercício das competências, e estabelece um rol de direitos fundamentais do homem, cujas normas por estarem em nível superior, o mais elevado, transmitem legitimidade a todas as outras que estão abaixo, guardando a necessária compatibilidade formal e material.

Observando o que já foi dito podemos juntar os dados essenciais para a definição de uma constituição: a) nasceu, via de regra, como um documento escrito; b) emoldurou a forma do Estado e do Governo; c) estabeleceu o modo de aquisição e exercício do poder; d) identificou os órgãos para o exercício de certas competências; e) elencou um rol de direitos fundamentais de 1ª, 2ª, e 3ª dimensões; f) assim entendida, é uma forma de contenção do poder estatal para a proteção e implementação da dignidade da pessoa humana.

José Afonso da Silva ensina que (2004, p. 37-38): A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma de Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

20 É o poder de elaborar uma nova Constituição, bem como de reformar a vigente. A palavra “Poder” deve sempre ser entendida como a faculdade de impor, de fazer prevalecer a sua vontade em relação a outras pessoas. O poder constituinte, pois, esabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado. (PINHO, 2001, p. 17-18).

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Trazem igualmente definições de Constituição Alexandre de Moraes, em “Direito Constitucional” (2005) e Sahid Maluf (1995).

Daí que podemos, aproximando-nos de uma definição, entender que a Constituição é um conjunto de regras, não necessariamente escritas (positivadas) ou de hierarquia superior, que traz em seu contexto os delineamentos da forma de aquisição, exercício e perda do poder, modo de estruturação do Estado, e descrição, não taxativa, de um rol de direitos fundamentais, e ainda, nas constituições rígidas, mecanismos de controle que coíbam ou reprimam qualquer ato contrário e ofensivo ao seu regramento, para a implementação da dignidade da pessoa humana.

3.1.2 Supremacia Constitucional Produto do liberalismo, para contenção do poder estatal, a constituição

mostrou-se também fundamental no processo de validação das normas a ela inferiores. Trazendo em seu corpo regras essenciais sobre a obtenção e perda do poder,

formas de seu exercício, de organização do Estado, e um rol de direitos fundamentais, lógico é concluir que esse conjunto de normas, positivadas em uma constituição, mantenha-se em uma posição privilegiada superior com relação às demais.

Mesmo nas constituições históricas ou costumeiras, a supremacia dessas regras está impregnada na consciência do povo que as rege.

Assim segundo JJ Gomes Canotilho (1988, p. 1026): [...] A ordem jurídica estrutura-se em termos verticais, de forma escalonada, situando-se a constituição no vértice da pirâmide. Em virtude desta posição hierárquica ela actua como fonte de outras normas. No seu conjunto, a ordem jurídica é uma “derivação normativa” a partir da norma hierarquicamente superior, mesmo que se admita algum espaço criador às instâncias hierarquicamente inferiores quando concretizam as normas superiores.

Norberto Bobbio (1999), tratando da norma constitucional aponta para a existência de outra, de natureza superior, que seria a fundamental, explicando que esta não é expressa, mas pressuposta para fundar o sistema normativo.

Mencionando a Teoria Pura do Direito do austríaco Hans Kelsen, Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1996), no mesmo sentido de Bobbio, ensina que a norma hipotética fundamental não está escrita, mas sim se encontra na consciência de todas as pessoas.

De modo que a Constituição é a fonte de legitimidade das normas que lhe são inferiores, e o repositório dos elementos essenciais do Estado, tendo por fundamento de validade uma norma hipotética fundamental.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Estado de Direito e Constituição” (2004) especifica que a supremacia da constituição importa em dois aspectos: material e formal.

No âmbito material a qualquer poder instituído não é permitido atuar contrariamente ao disposto pela Constituição. No aspecto formal fixa a organização dos poderes. Os poderes somente podem exercer as suas competências conforme o estipulado constitucionalmente.

Segundo Sahid Maluf (1995, p. 199), da supremacia da Constituição decorre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis e atos normativos. Será inconstitucional a lei ou ato administrativo normativo, que colidir, no todo ou em parte, com preceito constitucional expresso ou implícito.

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Nessa mesma linha de raciocínio, tratando da supremacia da Constituição como postulado hermenêutico, Celso Ribeiro Bastos, em “Hermenêutica e Interpretação Constitucional” (1999).

3.1.3 Rigidez Constitucional Rígidas são aquelas constituições que estabelecem um procedimento diverso e

mais dificultoso para a alteração de seus dispositivos em contraste com as demais normas a ela inferiores. Nesse sentido a lição de Alexandre de Moraes (2005).

Pedro Lenza, em “Direito Constitucional Esquematizado” (2003) ensina que indicam a rigidez constitucional um quorum de votação diferenciado por cada casa do Congresso para a aprovação de emendas à Constituição, conforme o indicado no art. 60, e a iniciativa limitada àqueles indicados nos três incisos do artigo 60, quais sejam, um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, o Presidente da República, e mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação.

A supremacia da constituição é decorrência de sua rigidez. As normas constitucionais não se localizariam no ápice do ordenamento

jurídico, conferindo legitimidade às demais que lhe estão subordinadas, se inexistisse um processo diverso, mais dificultoso, para a modificação da constituição.

Nesse sentido José Afonso da Silva (2004). Para esse autor a maior dificuldade para a alteração de dispositivo constitucional denota a rigidez do Texto Constitucional, e dessa sua qualidade decorre a sua supremacia diante das demais normas jurídicas que lhe são subalternas. Mas não só por essa circunstância que as normas constitucionais são supremas, quer dizer, não só porque apresentam um procedimento legislativo diferenciado e mais solene. A Constituição é suprema na medida em que estrutura e confere legitimidade aos órgãos do Estado.

Por seu turno, acrescentamos que só haverá essa legitimidade na medida em que essa estruturação se justificar em benefício da dignidade da pessoa humana.

Para Karl Loewenstein (1982), apenas a rigidez não é capaz de garantir a supremacia da Constituição, que depende ainda de sua efetividade, que corresponderia a uma conscientização de todos quanto a necessidade de sua realização. Todos devem observá-la, e tê-la como integrada à sociedade, em um ambiente democrático.

3.2 Controle de Constitucionalidade Já identificamos o sentido de rigidez constitucional, que se caracteriza pela

necessidade de um processo diverso e mais dificultoso para a alteração do texto constitucional, refletindo daí a supremacia das normas constitucionais sobre as demais, que naquela auferem a sua legitimidade.

Existindo uma diferença entre Poder Constituinte e Poder Constituído, há rigidez constitucional, com a supremacia da Carta Fundamental.

Vimos também que essa supremacia se caracteriza não só pelo aspecto formal, procedimental, mas essencialmente porque é no Texto Constitucional, explícita ou implicitamente, que iremos encontrar os direitos fundamentais, segundo Oscar Vilhena

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Vieira, em “Direitos Fundamentais, uma leitura da jurisprudência do STF” (2006, p. 36), “o veículo para a incorporação dos direitos da pessoa humana pelo Direito”.

Clèmerson Merlin Clève, em “A fiscalização abstrata da Constitucionalidade no direito brasileiro” (2000) disserta a respeito da relação entre rigidez constitucional e a necessária distinção entre o Poder Constituinte e os Poderes Constituídos, explicando que o conceito de inconstitucionalidade, no controle de constitucionalidade, se dá com o confronto entre as leis e atos normativos dos Poderes Constituídos e o Texto Constitucional, produto do Poder Constituinte. Existindo incompatibilidade haverá a chamada inconstitucionalidade material.

Esse autor observa a possibilidade da inconstitucionalidade mesmo quando não se apresenta essa diferenciação. Trata-se da inconstitucionalidade formal, pelo descumprimento do procedimento para a elaboração da lei, ou quando há desobediência à regra de competência para a sua produção.

Assim, onde há constituição rígida, possível as inconstitucionalidades material e formal. Onde é adotada a constituição flexível, pode-se reconhecer apenas a inconstitucionalidade formal.

Sobre a possibilidade do controle de constitucionalidade nas constituições que se mostram flexíveis, Paulo Napoleão Nogueira da Silva, em “O controle de constitucionalidade e o Senado” (2000, p. 15-16), ensina que:

O controle de constitucionalidade, a rigor, passa por cima de conceitos tais como o de Constituição flexível ou rígida, na medida em que, em tese, pode incidir de igual maneira sobre as leis e atos normativos em geral, fundados tanto em uma, como em outra dessas espécies constitucionais. Pois, mesmo nas ordenações que adotam Constituições flexíveis, uma lei ordinária contrária à Lei Fundamental não poderá vigorar, a menos que a própria Constituição seja antes modificada; e isto, sem falar dos atos administrativos e normativos em geral.

Nesse sentido também leciona Carlos Maximiliano, em “Hermenêutica e

aplicação do direito” (1979). Assim, a Constituição coloca-se, como diz grande parte dos doutrinadores, no

vértice do sistema jurídico do país, para o qual irradia validade, e ainda legitima os poderes estatais que reconhece, pois que nela está inserido como valor fundamental a dignidade da pessoa humana.

Como norma fundamental do Estado ocupa posição de superioridade, supremacia, em relação às demais normas jurídicas.

Walber de Moura Agra (2008) lembra que o controle de constitucionalidade é imprescindível para que o Judiciário possa coibir os excessos dos Poderes Legislativo e Executivo, exatamente para manter a harmonia e a independência entre eles, expurgando do ordenamento jurídico a lei ou ato normativo que contrarie a Constituição.

Conforme o já explicitado, inexistindo a conformação entre a norma constitucional, suprema, e outra, ou de um ato normativo, que se encontra em posição subordinada, ocorrerá o fenômeno da inconstitucionalidade.

De bom alvitre nessa passagem lembrar a lição de Zeno Veloso, em “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade” (1999), tratando da distinção entre existência, validade, eficácia e executoriedade da norma inconstitucional.

A norma inconstitucional é eficaz, mas é inválida. A eficácia implica em executoriedade. Observa, contudo que havendo reconhecimento judicial da inconstitucionalidade, essa decisão tem o efeito retroativo, e expulsa tal norma ou ato inconstitucional do ordenamento jurídico desde a sua origem. Agora, além de invalida,

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será ineficaz. Não se pode atribuir efeito algum a lei ou ato normativo declarado como inconstitucional, sob pena de reconhecer que prevaleceu diante da Constituição antes desse reconhecimento.

Em não existindo essa conformação entre a norma constitucional e a lei ou ato normativo, então será qualificada de inconstitucional, e reconhecida como tal pelo Poder Judiciário, terá ou a eficácia suspensa (com resolução do Senado Federal no controle difuso) ou então excluída do ordenamento jurídico após decisão única do STF no controle concentrado, provida de eficácia contra todos e vinculante.

Destarte, para assegurar a supremacia da constituição, causa lógica e necessária da rigidez constitucional, como leciona o Professor Paulo Napoleão (2000), é imprescindível o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos.

Para configurar existente um controle de constitucionalidade em dado ordenamento jurídico é preciso que a Constituição preveja em seu texto um processo que tenha como ato culminante a sanção de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, para a finalidade última de preservar a dignidade da pessoa humana, assegurando a proteção e a efetivação dos direitos fundamentais.

Nesses termos Luis Roberto Barroso, em “Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro” (2006, p. 02)

Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, inclusive e sobretudo os das minorias, em face das maiorias parlamentares eventuais. Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas.

Contudo, para a operatividade desse mecanismo há necessidade da presença de alguns pressupostos, assim delineados por Alexandre Sormani, em “Inovações da ação declaratória de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade: ma visão crítica da lei n. 9868/99 sob o viés do princípio da segurança jurídica” (2004, p. 66):

O controle de constitucionalidade existirá quando o ordenamento constitucional fizer a previsão de um mecanismo sancionatório aos atos inconstitucionais. Para tanto, são necessários alguns pressupostos de existência: supremacia da Constituição, rigidez constitucional, vontade de constituição e a previsão de um órgão de controle.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004, p. 88) afirma que: “a sanção desta condição de inconstitucionalidade é indispensável à garantia da supremacia da Constituição. Se o ato inconstitucional prevalece, a Constituição não é lei suprema. Está à mercê de mudanças que esses atos contrários a ela adotem”.

Alexandre de Moraes (2005, p. 626-627) define o controle de constitucionalidade como:

Garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito. Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais. Dessa forma, no sistema constitucional brasileiro somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a

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análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais (bloco de constitucionalidade).

Uadi Lammêgo Bullos (2003, p. 968) identifica esse bloco de constitucionalidade

“como o conjunto dos atos normativos compatíveis com a constituição, tendo por escopo servir de parâmetro para averiguar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas e princípios do ordenamento jurídico”.

A respeito desse assunto um julgado do STF: Ação direta de inconstitucionalidade. Instrumento de afirmação da supremacia da ordem constitucional. O papel do Supremo Tribunal Federal como legislador negativo. A noção de constitucionalidade/inconstitucionalidade como conceito de relação. A questão pertinente ao bloco de constitucionalidade. Posições doutrinárias divergentes em torno do seu conteúdo. O significado do bloco de constitucionalidade como fator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais. Necessidade da vigência atual, em sede de controle abstrato, do paradigma constitucional alegadamente violado. Superveniente modificação/supressão do parâmetro de confronto. Prejudicialidade da ação direta. A definição do significado de bloco de constitucionalidade — independentemente da abrangência material que se lhe reconheça — reveste-se de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata, pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projeta-se como fator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais contestados em face da Carta Política. A superveniente alteração/supressão das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de prejudicialidade da ação direta, legitimando, desse modo — ainda que mediante decisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67) — a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. (ADI 1.120, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 28-2-02, DJ de 7-3-02).

Ainda sobre o conceito de bloco de constitucionalidade, e sua importância para a

parametricidade no controle de constitucionalidade, Walber de Moura Agra (2008).

Ricardo Alessi Delfim, em “Ação declaratória de constitucionalidade e os princípios constitucionais do processo” (2001, p. 06), entende por controle de constitucionalidade:

O modo pelo qual se garante a supremacia da Constituição em face de quaisquer outras normas que se encontram em hierarquia inferior, em face de qualquer outro poder Estatal, tendo em vista, que aquela é decorrente do Poder Constituinte Originário do povo. Desse modo, a própria Constituição cria mecanismos para garantir sua supremacia em face das demais normas, criando meios de impedir que determinadas normas que se confrontem com sua supremacia venham a produzir efeitos.

Quanto às formas de inconstitucionalidade elas podem ser por vício formal ou

por vício material, ou ainda um ato normativo pode reunir as duas espécies de vício, apresentando uma inconstitucionalidade tanto formal como material.

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O vício de inconstitucionalidade será formal desde que a lei ou ato normativo infraconstitucional apresente um vício de forma no processo legislativo de sua elaboração. Pode se dar na fase inicial, na constitutiva ou complementar do processo legislativo.

Conforme expõe Walber de Moura Agra (2008), quando o vício for de iniciativa será qualificado de vício formal subjetivo, quando nas demais fases, vício formal objetivo.

O vício material concerne, como diz o próprio nome, à matéria, ao conteúdo do ato normativo.

Daí que podemos nos aproximar da construção de uma definição: Controle de constitucionalidade, atividade típica do Poder Judiciário, no aspecto repressivo, com a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, no controle preventivo, consiste em verificar a adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, analisando seus requisitos formais, subjetivos e objetivos, e materiais, com o especial objetivo de proteção e garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, promovendo a exclusão do ordenamento jurídico de qualquer norma ou ato normativo que contrarie esses valores, por inconstitucionais.

3.2.1 A Jurisdição Constitucional no Brasil O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, exerce a

jurisdição constitucional, quer atuando com sua competência originária, quer recursal, mas de modo algum exclusivamente, considerando que pela via difusa, incidental, pode a questão da inconstitucionalidade ser levantada como prejudicial, ao julgamento da matéria de fundo, quando, qualquer juiz, de qualquer instância, também a exercerá.21.

Jurisdição constitucional é a atividade de interpretar e aplicar Constituição. Leonardo L. Morato, em “Reclamação e sua aplicação para o respeito da

súmula vinculante” (2007) fornece os delineamentos da jurisdição constitucional, explicando que o Poder Judiciário a estará praticando, sempre que se manifestar para a proteção da Constituição, interpretá-la ou mesmo aplicá-la, quer na inconstitucionalidade de lei, quer na inconstitucionalidade de ato normativo, não se restringindo ao controle concentrado de normas.

É o Supremo Tribunal Federal quem dá a última palavra acerca da interpretação constitucional, competência que releva em importância, especialmente em virtude dos novos valores inseridos no ordenamento jurídico nacional pela Constituição Federal de 1988, notadamente o da dignidade da pessoa humana.

Todo o ordenamento jurídico brasileiro, e atos normativos, devem ser reinterpretados a partir da Constituição Federal de 1988, que inaugurou novos imperativos, consentâneos com o Estado Democrático de Direito, o Estado de Direitos Fundamentais.

Em seu significado amplo a jurisdição constitucional denota a aplicação da normatividade constitucional, que tratam das ações constitucionais, sendo elas o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, individual e coletivo, o mandado de

21 Art. 102 da CF: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

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injunção, e as ações popular e civil pública; trata também dos controles de constitucionalidade, nas dimensões difusa (concreta) e concentrada (abstrata). Assim, o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público é um dos meios de exercício da jurisdição constitucional.

Estritamente, a jurisdição constitucional envolve tão somente o controle abstrato de leis e atos normativos, ou seja, da ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, e argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental.

Uadi Lammêgo Bulos (2003, p. 960) explica que: [...] o Supremo Tribunal Federal é o guarda da Constituição, no sentido de que compete-lhe, principalmente, realizar o controle de constitucionalidade concentrado no direito brasileiro. Não que essa seja a sua atribuição única. Porém, é a mais destacada, pois só ele detém competência para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas, as ações de inconstitucionalidade por omissão e as ações declaratórias de constitucionalidade. Essas atribuições, contudo, não o transformam num autêntico Tribunal Constitucional, nos moldes europeus.

Hans Kelsen, em “Jurisdição Constitucional” (2003, 123-124), trata a jurisdição

constitucional como a garantia jurisdicional da Constituição: A garantia jurisdicional da Constituição – a jurisdição constitucional – é um elemento do sistema de medidas técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais. Essas funções também têm um caráter jurídico: elas consistem em atos jurídicos. São atos de criação de direito, isto é, de normas jurídicas, ou atos de execução de direito criado, isto é, de normas jurídicas já estabelecidas. Por conseguinte, costumam-se distinguir as funções estatais em legislação e execução, que se opõem assim como a criação ou a produção do direito se opõem à aplicação do direito considerado como simples reprodução.

O controle da constitucionalidade das leis e atos normativos se desenvolve no âmbito da jurisdição constitucional, que conforme Paolo Biscaretti Di Ruffia, em “Direito Constitucional” (1984, p. 40), tem duplo significado ou sentido:

a) sentido objetivo se identifica com as funções jurisdicionais exercidas para tutelar direitos e interesses atinentes à matéria constitucional (que derivam, em regra, quando a constituição é rígida, de pretensões diretamente fundadas em normas formalmente constitucionais); b) em sentido subjetivo assinala os órgãos, diversos da magistratura ordinária, que exercem as mesmas funções (valendo-se, amiúde, como é compreensível, de procedimentos muito diferentes dos judiciais comuns).

Segundo Canotilho (1998, p. 592-593), tratando da jurisdição e do tribunal constitucional:

A jurisdição constitucional reconduzir-se-ia, pois, a uma <<jurisdição autônoma>> sobre <<questões constitucionais>> (Friesenhan), ou, dito de outro modo, a uma jurisdição directamente incidente sobre questões constitucionais (Eichenberg). Os problemas constitucionais, num Estado de direito democrático, são irredutíveis a <<questões jurídicas>> puras ou a <<questões políticas juridicamente disfarçadas>>. A dimensão política e a dimensão jurídica são as duas dimensões necessárias e incindíveis das questões

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constitucionais (Ridder), sendo tão unilateral classificar as funções exercidas por um tribunal constitucional como <<funções políticas em forma jurisdicional>> como qualifica-las de <<funções jurisdicionais sobre matérias políticas>>. O que caracteriza decisivamente um tribunal constitucional é a sua <<jurisdicionalidade>> (Gerichtsformigkeit) e a sua vinculação a uma medida constitucional material de controlo (Schlaich).

Releva observar que na função de guardião da Constituição Federal, atuando como Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, atua como legislador negativo, apenas com a competência de retirar do ordenamento jurídico a lei ou ato normativo inconstitucional, pois dada a repartição de funções a órgãos independentes e harmônicos, o Judiciário nessa sua missão não pode invadir a esfera de atribuição do Legislativo, atuando como legislador positivo e inovando a ordem jurídica em caráter inaugural. Nesses termos Uadi Lammêgo Bulos (2003, p. 148-149).

Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 51), traça esse aspecto do Tribunal Constitucional, como legislador negativo, no controle de constitucionalidade:

Conforme o pensamento de Kelsen, a função legislativa e a função jurisdicional têm como diferença o grau de concretude das normas que produzem. Assim, a atividade legislativa se caracteriza por ser uma atividade de produção de normas de caráter geral diretamente subordinada ao texto constitucional, e que tem o condão de submeter os órgãos administrativos e judiciais. Já a atividade jurisdicional tem por característica a produção de normas concretas submetidas diretamente às leis. Segundo o autor, a hierarquia das normas constitui o critério diferenciador entre jurisdição e legislação, pois ambas constituem atividades que importam, em maior ou menor grau, em aplicar e criar normas simultaneamente. A função de anular um ato normativo de caráter geral consiste, na realidade, em produzir uma nova norma geral em sentido contrário à primeira. A direta vinculação ao texto constitucional e a generalidade ínsita aos atos normativos que produz caracterizam a atividade exercida pelo Tribunal Constitucional como legislativa. Seria uma atividade legislativa em sentido negativo. Desse modo, não seria de todo correto falar em interferência no Poder Legislativo. Estar-se-ia, segundo Kelsen, diante de uma interferência de um órgão legislativo em outro, ou melhor, de uma partilha da função legislativa entre dois órgãos: o legislador positivo – o Parlamento – e o legislador negativo – o Tribunal Constitucional.

Aliás, sobre a tensão existente entre os Poderes Legislativo e Judiciário,

doutrina Thomas Cooley, em “Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte” (1982), no sentido de que cada um desses poderes deve exercer as suas competências com iguais responsabilidades. Ocorre que ao Judiciário cabe decidir se o Legislativo extrapolou os seus limites estabelecidos constitucionalmente, o que não lhe deixa de conferir uma certa supremacia, vez que, nesses casos, determina a supremacia da norma constitucional e anula a norma ou ato que lhe é incompatível. Por isso, é tarefa que deve ser executada com cuidado.

Oswaldo Luiz Palu, em “Controle de Constitucionalidade” (1999, p. 83), encontra no controle de constitucionalidade das leis “a principal função da jurisdição constitucional”, portanto, não a única, denotando, neste aspecto, a sua primordial relevância no que pertine à necessária proteção que busca desenvolver à dignidade da pessoa humana.

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3.2.2 Sistemas de Controle de Constitucionalidade no Direito

Comparado São dois os sistemas de controle de constitucionalidade o político, que segue o

modelo europeu e o jurídico, de matiz norte-americano. Sobre esses modelos discorre Walber de Moura Agra (2008, p. 24):

O controle político realiza a função de fiscalização das normas infraconstitucionais através de um órgão que não pertence ao Poder Judiciário, geralmente realizando controle repressivo de constitucionalidade, expurgando de forma direta a lei do ordenamento jurídico, á exceção do modelo francês. O impulso principal para sua origem residiu na preponderância granjeada pelo princípio da soberania do parlamento, que tornou inadmissível a aceitação de que um órgão estranho à representação popular pudesse revogar as normas advindas dos representantes do povo. Como exemplo de controle político, podemos mencionar o tribunal de constitucionalidade francês do ano VIII e os censores da Constituição da Pensilvânia de 1776. O controle jurídico, ao encargo de um órgão pertencente ao Poder Judicial, geralmente atua na defesa das normas constitucionais de forma difusa, diante de situação concreta, sem retirar a norma do ordenamento, apenas afastando-a da aplicação naquele caso específico. Como exemplo do controle jurídico, podemos elencar, de forma ainda bastante primitiva, os Éforos da Constituição Espartana, instituídos por Licurgo.

I – O Direito Norte Americano (modelo jurídico). No sistema norte americano encontramos o sistema difuso, obra de construção

jurisprudencial, inaugurado em 1803, no célebre caso Marbury v. Madison, relatado pelo Chief Justice da Corte Suprema John Marshall.

José Alfredo de Oliveira Baracho, em “Hermenêutica e Jurisdição Constitucional” (2001, p. 143), explica que esse sistema, por conferir competência a qualquer juiz ou tribunal para decidir, em um caso concreto, sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, é denominado de difuso. Também chamado de via de exceção porque a inconstitucionalidade é uma questão incidental, que precisa ser solucionada para que se possa alcançar a manifestação do mérito.

Oscar Vilhena Vieira apud Ricardo Alesse Delfim (2001, p. 107), explica que: [...] a funcionalidade do modelo norte americano, onde a todo e qualquer juiz é entregue a possibilidade de inaplicar leis emanadas do parlamento, deve-se, em grande medida, à força do princípio do stare decisis, que impera no direito americano. Esse princípio impõe que os Tribunais e juízes inferiores devam ficar vinculados a decisão da Corte Suprema. Muito embora a lei não seja revogada, a decisão da Corte, de fato, retira toda a força do ato normativo, na medida em que os demais juizes e tribunais ficam vinculados ao julgamento de inconstitucionalidade por ela proferido.

Em monografia de autoria de Cecília Alencar Machado da Silva Cavalcante, “Ação declaratória de Constitucionalidade” (2006), é realizada a descrição de como se desenvolveram os acontecimentos que, afinal, introduziram o modelo de controle difuso de constitucionalidade das leis, no ordenamento jurídico norte americano, que influenciou, decisivamente o sistema de controle de outros países, inclusive o Brasil. Tal

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digressão histórica também é feita por Paulo Fernando Silveira, em “Devido Processo Legal” (2001) e Alexandre de Moraes (2005).

Tratam os autores do leading case Marbury x Madison, no qual Marshal, o Chefe da Suprema Corte Americana, estabeleceu que por ser suprema, a Constituição Federal deve prevalecer sobre qualquer outro ato do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, em caso de conflito.

Definiu ainda a competência do Poder Judiciário para colmatar a interpretação final da Constituição.

Assim, é o Poder Judiciário que deve, no caso de discrepância da lei ou ato normativo com a Constituição, indicar qual a norma que deve reger a situação. Sendo a Constituição Suprema é ela que deve prevalecer, e nulo será o ato legislativo ou normativo que a contrariar.

Estava, desde então, definido o controle judicial e difuso de constitucionalidade de leis e atos normativos.

II – O Direito Austríaco (modelo político). Em 1920 e 1929 as Constituições Austríacas criaram, de forma inédita, um

Tribunal Constitucional, e com ele introduziram naquele ordenamento jurídico o sistema concentrado de constitucionalidade.

Segundo Hans Kelsen (2003, p. 204) houve uma centralização da revisão judicial da legislação, reservando essa competência a uma Corte Constitucional que poderia anular a lei considerada inconstitucional.

III – O Direito Francês (modelo político). De acordo com Alexandre de Moraes (2005, p. 632)

O modelo francês prevê um controle de constitucionalidade preventivo a ser realizado pelo Conselho Constitucional, que, no transcurso do processo legislativo, poderá, desde que provocado pelo Governo, ou pelo presidente de qualquer das Casas legislativas, analisar a constitucionalidade de uma proposição ou de uma emenda, antes de sua promulgação, devendo pronunciar-se no prazo de oito dias. Ressalte-se, porém, a excepcionalidade prevista no art. 37.2 da Constituição francesa, que previu uma forma de controle repressivo de constitucionalidade. Trata-se da possibilidade de o Conselho Constitucional francês analisar abstratamente a repartição constitucional de competências entre o Governo e o Parlamento. Como salienta Favoreu, “o sistema de repartição de competências entre a lei e o regulamento provocou, por fim, o surgimento na França de um controle de constitucionalidade das leis”.

Sobre as peculiaridades do modelo francês Clèmerson Merlin Clève (2000), ressalta que a revolução de 1789 impregnou o povo francês de algumas concepções extremas, dentre elas, a rígida separação de poderes, de modo que um Poder não estaria autorizado a interferir no outro, nos moldes da teoria do checks and balances norte americana.

O Judiciário não poderia invadir a esfera de atribuição do Executivo, cujos abusos seriam analisados por um órgão extrajudicial, denominado Conselho de Estado.

Já as ilegalidades do Judiciário poderiam ser examinadas pela Corte de Cassação.

3.2.3 Controle de Constitucionalidade no Brasil 3.2.3.1 Histórico

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São as seguintes as ações identificadas no controle concentrado de leis ou atos

normativos: Ação direta de inconstitucionalidade genérica; Ação direta de inconstitucionalidade interventiva; Ação direta de inconstitucionalidade por omissão; Ação declaratória de constitucionalidade; e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

O controle difuso pode ser deflagrado em qualquer tipo de ação, incidentalmente, em qualquer instância, e alcança as barras do Supremo Tribunal Federal através do recurso extraordinário.

Tal sistema, de controles concentrado e difuso, foi se aperfeiçoando desde a primeira Constituição Federal de 1.824, que não possuía um controle, nos moldes do atual. O Legislativo e o Poder Moderador, encarnado pelo Imperador, é que estavam encarregados de realizar a verificação da existência de normas inconstitucionais.

Segundo Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1996, p. 19): O que tudo leva a crer tenha ocorrido, em relação a inexistência do controle repressivo da constitucionalidade sob o texto de 1824, é que essa Carta, inspirada na doutrina de Benjamin Constant, trouxe consigo uma das características marcantes do espírito que era, e até hoje é, um dos pilares do sistema constitucional francês: a crença de que aos juízes não deve ser permitido adentrarem a apreciação da constitucionalidade das leis. Essa doutrina, além disso, preconiza para o poder real uma posição de neutralidade e imparcialidade face às questões políticas, considerando-o a viga mestra de todo o sistema político. Daí porque, entre nós, sob aquela Constituição, o controle era desnecessário: a sanção imperial, quando concedida, “expungia” a lei de qualquer vício, o que traduzia a presunção de que o Imperador não concederia sua sanção a projetos de lei que fossem inconstitucionais. O controle preventivo, porém, de natureza política, existia: a própria recusa à sanção o comprova; além dessa hipótese, relativa à “lei geral”, o controle incidia também em nível provincial, como estabeleciam – especificamente quanto à ofensa à Constituição do Império – o art. 16 do Ato Adicional (Lei nº 16, de 12 de Agosto de 1834) e o art. 7º da Lei nº 105, de 12 de Maio de 1840.

Em 1891 foi introduzido no Brasil, por influência do modelo norte americano, o

controle difuso. Lembram Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, em

“Controle Concentrado de Constitucionalidade” (2005), que o controle de constitucionalidade por via de exceção ingressou no ordenamento jurídico brasileiro pelo decreto nº 848, de outubro de 1890. Depois, a Constituição de 1891 definiu a competência do Supremo Tribunal Federal para reapreciar as decisões das Justiças dos estados.

Em 1934, passou a ser utilizada a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, instituindo ainda a cláusula de reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade, e também atribuindo ao Senado Federal a competência para a participação no controle difuso.

Nesses termos Gilmar Ferreira Mendes, em “Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade” (2004).

A Constituição de 1937, especialmente outorgada para legitimar o golpe que alçou Getúlio Vargas ao poder, causou um retrocesso no controle de constitucionalidade, tornando possível desconsiderar decisão judicial no sentido da inconstitucionalidade, caso o Congresso entendesse de forma contrária.

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É o que nos fala Alexandre Sormani (2004, p. 79-80): Com a ditadura de Getúlio Vargas, outorgou-se a Constituição de 1937 que teve a função de legitimar o Estado Novo, concentrando competências no Poder Executivo. Quanto ao controle de constitucionalidade, retornou basicamente ao modelo instituído pela Constituição de 1891, mantendo, apenas, da Constituição de 1934, o quorum necessário para a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais. No entanto não cuidou da suspensão do ato normativo declarado inconstitucional e nem mesmo da representação interventiva de inconstitucionalidade. Constatam-se os amplos poderes conferidos ao Presidente da República naquela Constituição, inclusive restringindo o poder jurisdicional de controle de constitucionalidade, permitindo ao chefe do Poder Executivo, por motivos políticos, a possibilidade de submeter ao parlamento as leis, ainda declaradas inconstitucionais. Assim dispunha: “(...) no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem estar do povo, à promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submete-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços dos votos de cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do tribunal”.

O Estado Novo, e com ele a Era Vargas, chega ao fim em 1945. A Constituição de 1946 é promulgada em ambiente democrático. Com ela, por meio de emenda constitucional, inaugurou-se o controle

concentrado de normas. Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 121) traça as principais características dessa

Carta Magna no que pertine ao controle de constitucionalidade, dentre as quais a restauração do controle de constitucionalidade no Brasil, ficando o Supremo Tribunal Federal, o órgão jurisdicional competente para o controle difuso, em sede de recurso extraordinário, permanecendo com a exigência de maioria absoluta dos membros do Tribunal para que a decisão declaratória de inconstitucionalidade produza eficácia. Com respeito à suspensão da executoriedade da lei declarada inconstitucional pela Corte Suprema, manteve essa atribuição ao Senado Federal. Trouxe novos delineamentos para a representação de inconstitucionalidade interventiva.

Quando modificada pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, a Constituição Federal de 1946 trouxe para o cenário jurídico constitucional a fiscalização abstrata de normas.

A Constituição Federal de 1967, e as Emendas Constitucionais nº 1 de 1969 e nº 7 de 1977, poucas alterações ou acréscimos trouxeram ao sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.

É o que diz Clèmerson Merlin Clève (2000). Após o período de exceção dos Atos Institucionais produzidos pela ditadura

militar das décadas de 60 a 80, o Brasil dá os primeiros passos ao início da redemocratização, com anistia ampla, geral e irrestrita aos exilados políticos, eleições diretas, com a escolha dos constituintes que promulgaram a Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã, no dizer de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte.

Trata-se, como já se disse anteriormente, de uma Constituição que alberga novos valores, trazendo uma nova linguagem, significando uma nova etapa na evolução do Estado brasileiro, agora designado Democrático de Direito, o Estado dos Direitos Fundamentais, imantado por princípios como o da dignidade da pessoa humana,

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cidadania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, sendo significativo que tais valores venham lançados no pórtico do texto constitucional, denotando, efetivamente, que a pessoa humana é o valor supremo, e que o Estado só se justifica como meio para proporcionar e proteger a felicidade de todos.

Com a Carta de 1988 também surgiram significativas inovações no controle de constitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, e por conseqüência dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, ficou com a missão de sancionar, em controle concentrado, todas as leis e atos normativos federais e estaduais, contrárias ao texto constitucional e, portanto, inconstitucionais, expurgando–os, porque nulos, do ordenamento jurídico.

Também ficou com a incumbência de, no controle difuso, pelo recurso extraordinário, dar a última palavra sobre a constitucionalidade, de lei ou ato normativo, questionada incidentalmente, em processo litigioso, como prejudicial para análise do mérito.

Houve inovação também no que diz respeito à inserção da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental no controle abstrato de constitucionalidade (art. 102, § 1º, CF), e ainda a possibilidade de concessão de liminar para a suspensão imediata da eficácia do ato normativo considerado inconstitucional.

Para a preservação da competência e garantia da autoridade dos julgados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o constituinte de 1988, trouxe ao cenário jurídico a ação denominada reclamação.

Na verdade houve um super-dimensionamento do controle abstrato, em detrimento do difuso, em virtude de, entre outras razões, o excesso de demandas e recursos, que aumentaram assustadoramente, com a abertura do Judiciário, após a Constituição de 1988.

Uadi Lammêgo Bullos (2007), elogiando o sistema concentrado de constitucionalidade brasileiro, alçando-o como um dos mais modernos do mundo, lembra que em virtude da Constituição Federal de 1988 ter ampliado o rol de legitimados ativos, possibilitou que as questões constitucionais de maior relevância nacional, de forma originária, fossem questionadas junto a Suprema Corte.

Vê que essa supervalorização da fiscalização abstrata também pode ser sentida pela previsão no texto constitucional (art. 102, I, p), de a eficácia da lei ou ato normativo, poder ser imediatamente suspensa pelo Supremo, através de pedido cautelar.

Daí que esse superdimensionamento acabou por diminuir a importância do sistema difuso, que, ainda, continua existindo, e está ao alcance de quem, em uma situação concreta, queira lançar mão dele, para obter o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Nessa mesma linha de raciocínio Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes (2005, p. 77):

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas. Convém assinalar que, tal como já observado por Anschütz ainda no regime de Weimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou

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implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004), vê com bons olhos essa nova realidade,

observando que no sistema abstrato, os Ministros são profissionais mais experientes, o processo será decidido com maior celeridade, e a sentença terá eficácia erga omnes, contra todos.

Walter de Moura Agra (2008, p. 23) ressaltando a importância do controle difuso e os instrumentos que nele poderão ser manejados, explica que:

[...] no que tange ao controle difuso, foram criadas várias garantias fundamentais com a finalidade de evitar lesões a direitos constitucionais, a exemplo de: o mandado de injunção, para suprir a omissão do legislador infraconstitucional, garantindo a eficácia dos mandamentos constitucionais diante de casos concretos; o mandado de segurança coletivo, que possibilitou também a criação, por hermenêutica constitucional, do mandado de injunção coletivo, assegurando a celeridade das demandas, principalmente em processos plurissubjetivos; o habeas data que possibilitou o acesso ao cidadão de informações de órgãos públicos ou de caráter público.

A ação declaratória de constitucionalidade surgiu em nosso ordenamento

jurídico constitucional com a emenda 03/93, posteriormente regulamentada, juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade genérica, pela lei nº 9.868/99.

A regulamentação da argüição de descumprimento de preceito fundamental se deu pela lei nº 9.882/99.

Em 2004, a EC 45/04, que promoveu a denominada reforma do Judiciário, trouxe novos delineamentos para o controle abstrato de constitucionalidade, em especial à ação direta de constitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade, em cujas decisões definitivas de mérito, conferiu eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º, CF), e também incorporando ao texto constitucional a súmula vinculante (art. 103 – A, CF), que sofreu regulamentação pela lei nº 11.417/06.

3.2.4 Espécies As espécies de controle de constitucionalidade, em relação ao momento da

realização, podem ser preventivo ou repressivo. Segundo Zeno Veloso (1999), dá – se o controle preventivo apenas quando a lei

ou ato normativo estão em processo de formação, e tem por objetivo evitar que ingressem no ordenamento jurídico, produzindo efeitos, leis e atos inconstitucionais.

O controle preventivo é realizado pelos órgãos políticos, Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Será realizado pelo legislativo através de suas comissões de constituição e justiça.

O art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, estabelece que o controle será realizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação.

O art. 101, do Regimento Interno do Senado, diz que o controle será exercido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

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O Poder Executivo o exercerá através do veto político22. O controle prévio ou preventivo ainda poderá ser realizado pelo judiciário, com

o objetivo de assegurar ao parlamentar a participação em um processo legislativo juridicamente hígido.

Objeto do controle é um projeto de lei. Nesses termos Walber de Moura Agra (2008). Lembra esse autor que o Poder Judiciário exerce o controle preventivo quando

impede a deliberação de projeto de lei que tenha por finalidade abolir cláusula pétrea. Controle repressivo: que pode ser político, judiciário ou jurídico, ou misto. O político é realizado por um órgão diverso do Legislativo, Executivo ou

Judiciário. O controle judiciário é realizado pelos integrantes do órgão do Poder Judiciário,

constituindo-se de dois sistemas: o sistema reservado ou concentrado (via de ação); e o sistema difuso ou aberto (via de exceção ou defesa).

O misto se dá quando determinada espécie normativa tem sua constitucionalidade submetida a um órgão político e outra espécie normativa examinada conforme o controle jurisdicional.

No Brasil o controle de constitucionalidade se dá preventivamente pelos órgãos políticos, e como exceção pelo judiciário; e repressivamente, como regra, pelo Judiciário, pelas vias concentrada ou de ação, e difusa ou de exceção; e como exceção pelo legislativo.

Nesse tema, o ensinamento de Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2000, p. 27). Ensina esse doutrinador que será repressivo o controle incidente sobre a lei em

vigor, podendo ser abstrato ou concreto, no âmbito da jurisdição constitucional ou por qualquer órgão do poder judiciário, por via de exceção. Lembra também que tal atividade pode ser de competência de um órgão político.

Sobre um outro ângulo do controle repressivo classifica-o como principal ou incidental, relacionando-os respectivamente com o questionamento judicial da constitucionalidade da lei em tese, denominando-o também de controle direto, ou quando tal se dá como prejudicial, quando o controle será sempre difuso, de solução necessária para o deslinde de um conflito de interesse de um dado caso concreto.

Quanto a atuação excepcional do Judiciário no controle preventivo Clèmerson Merlin Clève (2000), observa que a única situação em que se poderá admitir a fiscalização abstrata preventiva será apenas na hipótese do artigo 60, § 4º, da Constituição Federal, ou seja, quando chamado a atuar para evitar o prosseguimento de proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.

Entretanto, lembra o mesmo autor (2000, p. 186), em decisão proferida na AdinMca 466-DF, em que funcionou como Relator o Ministro Celso de Mello, que esse não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que se manifesta no sentido de que:

O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou – como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite – o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata

22 Art. 66, § 1º, CF: Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, veta-lo-á total ou parcialmente. [...]

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preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. [...] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional – e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão – que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos federais e estaduais, já promulgados, editados e publicados.

Sobre a via difusa ou de exceção no Brasil, Sahid Maluf (1995) observa que no

sistema brasileiro, embora qualquer Juiz de primeira instância possa deixar de aplicar a lei em um caso concreto posto para o seu julgamento por entendê-la inconstitucional, a declaração dessa inconstitucionalidade apenas pode se dar pelos tribunais coletivos, por maioria absoluta (cláusula de reserva de plenário) ou dos membros de órgão especial.

Lembrando que o sistema brasileiro concilia os critérios difuso e concentrado para a estabilidade da constituição, Alexandre Sormani (2004), ressalta as vantagens de um e de outro, nos aspectos democráticos e da celeridade, pois enquanto o difuso está mais próximo da população, o abstrato tem a vantagem da rapidez no equacionamento da questão constitucional.

3.2.5 Controle Concentrado de Constitucionalidade. Já sabemos que no ordenamento jurídico brasileiro há a convivência de dois

sistemas de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, o concentrado e o difuso.

Deixaremos de tecer considerações a respeito do controle difuso, pois que fugiríamos do tema proposto neste trabalho, que tem incidência absoluta no sistema concentrado, e, mesmo assim, não em todos os instrumentos, apenas naqueles para os quais o legislador constituinte atribuiu o efeito vinculante.

Vimos que no sistema concentrado surgem como instrumentos de controle a ação direta de inconstitucionalidade genérica, a ação de inconstitucionalidade por omissão, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

De todos eles nos interessam apenas a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de prefeito fundamental, para as quais, nas decisões de mérito e cautelar, conforme entendimento pretoriano do Supremo, poderá ser atribuído o efeito vinculante.

Não podemos esquecer das técnicas de decisão nesses instrumentos do controle concentrado, que surgiram como formas de interpretação no âmbito da hermenêutica constitucional, como resultado do processo objetivo, e agora integram a estrutura de mecanismos para aferir a constitucionalidade de leis e atos normativos, dotados também de efeitos vinculantes, sendo elas a interpretação conforme a constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Outra observação que se faz necessária é no sentido de que tais instrumentos serão apresentados apenas com as suas características principais, sem aprofundar nas questões polêmicas de cada instituto, para que, no final, seja possível enfrentar o tema central, no que concerne ao atendimento da dignidade da pessoa humana através deles e do efeito vinculante.

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3.2.5.1 Aspectos do Processo Objetivo Fonte remota da positivação dos direitos fundamentais a Magna Cartha

Libertatum conferida pelo rei João Sem Terra aos Barões ingleses fincou um marco na história das conquistas para o respeito à dignidade da pessoa humana.

Na verdade, à época, tratou esse documento, embora mencionasse que se aplicava a todos os homens livres, de garantir privilégios apenas à nobreza, aos barões. Mas, como nos disse o Professor Paulo Napoleão em sala de aula, “não importa por que foi feito, interessa que foi feito”.

Quer dizer, se por ocasião da elaboração desse importante documento, reconhecido como o primeiro limitador do poder soberano do rei, do Estado, estava dirigido a uma pequena classe privilegiada de pessoas, com o correr dos séculos, seu valor transbordou para alcançar todos os homens, e transmudou-se em símbolo original das conquistas alcançadas nas lutas pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

A idéia de limitação do poder estatal para a garantia dos direitos fundamentais ganhou força e seguiu com passos firmes, embora com alguns retrocessos, culminando com o constitucionalismo, inaugurado pelos norte-americanos, no século XVIII.

A Constituição Norte Americana, com suas primeira dez emendas, trouxe a inovação de concretizar em um documento, todas as descobertas acerca da organização do Estado e dos Direitos Humanos.

Positivou normas relativas às formas de aquisição, exercício e perda do poder, e com as emendas reconheceu os direitos fundamentais da primeira geração, de aspecto liberal. Conferiu ao Estado liberal a sua certidão de nascimento e a sua identidade.

Essas idéias ganharam o mundo, notadamente naqueles países adeptos do sistema jurídico do civil law.

Tal construção dogmática demarcou a supremacia das normas que abarcavam esses valores, notadamente da dignidade da pessoa humana em sua face liberal, exigindo-se, por isso, um procedimento legislativo mais rigoroso para as alterações constitucionais, denotando, nesse aspecto, a rigidez constitucional.

Reconheceu-se desde então que a positivação dos direitos fundamentais deveria acontecer no âmbito constitucional como medida política para assegurar a pessoa humana contra os excessos e arbítrio dos exercentes do Poder.

Contudo, de nada adiantaria esses direitos, preceitos, princípios e garantias em prol do ser humano estarem inseridos em um documento cimeiro, sem o manejo de instrumentos que garantissem essa supremacia e rigidez.

Um desses mecanismos foi a repartição de funções a órgãos distintos e independentes, quais sejam, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Ficou o Judiciário com a missão de dar solução aos conflitos de interesse, aplicando a lei ao caso concreto.

Nesse ponto é necessária a observação de duas vertentes. Em uma, o legislador constituinte conferiu ao cidadão o amplo acesso ao

Judiciário, com a garantia do devido processo legal, e seus consectários, contraditório, ampla defesa, juiz natural.

Isto é, diante de um conflito de interesses, onde alguém se encontre ameaçado ou lesado em seu direito, no âmbito de um processo subjetivo, poderá, através da ação, chamar a outra parte, para que o Juiz, de modo imparcial, decida quem tem razão.

Nesse aspecto o processo surge como meio para a composição de uma lide, conferindo a defesa a um direito subjetivo, conforme já abordamos neste trabalho.

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Mas para que o Judiciário efetivamente funcione como instrumento de defesa da cidadania não basta apenas essa vertente. Há necessidade dele ser chamado para outra missão, ainda mais importante, qual seja a de dar proteção a todo o sistema de garantias, a todo o ordenamento jurídico constitucional, inclusive àquele inserido na primeira vertente.

Nessa segunda vertente, dada a sua relevância, outras são as normas que devem rege-lo, são outros princípios, uma vez que a proteção que se busca é a da Constituição.

Defende-se aqui um sistema de princípios jurídicos para a regência do processo que busca proteger o ordenamento jurídico constitucional, que corresponde aos anseios de toda a sociedade, os quais estariam inseridos no devido processo constitucional, com dimensão mais ampla e aspectos diversos do devido processo legal, considerando que vocacionado a sustentar a supremacia constitucional, e o primado da dignidade da pessoa humana no aspecto estruturante do Estado Democrático e Social de Direito.

Podemos falar em uma justiça constitucional, qual seja, aquela que propugna pela defesa das normas constitucionais e por conseqüência dos direitos fundamentais e da igual dignidade de todas as pessoas.

Nesse sentido José Alfredo de Oliveira Baracho (2001, p. 94): A Justiça Constitucional vela pelo respeito à Constituição e os direitos fundamentais, como a melhor forma de enquadramento jurídico dos sistemas políticos. As mutações que ocorreram na Europa, no curso dos últimos anos, demonstram essa nova visualização decorrente do Direito Constitucional Jurisprudencial. As cortes constitucionais são chamadas a apreciar as grandes questões políticas e reformas, conduzidas por intermédio do legislativo. Este procedimento democrático, por meio do direito, efetiva um novo modelo de constitucionalismo triunfante. [...] O sucesso da Justiça Constitucional encontra novos caminhos para consolidação da democracia e a superação dos regimes autoritários, com respostas para várias controvérsias existentes nas democracias ocidentais. Para vencer as crises da representação política, a Justiça Constitucional consolida-se como um verdadeiro contra poder, como garantia apreciável e necessária. Pode-se dizer que é uma espécie de certo declínio da política. As liberdades e os direitos fundamentais invocados e defendidos pelos juízes superam a fase em que eram reclamadas por revoluções e assembléias. Com a crise dos parlamentos, a palavra é dada à Justiça Constitucional e o constitucionalismo contemporâneo demonstra esta nova tendência.

Essa Justiça confere soluções às demandas de natureza constitucional. Leonardo L. Morato (2007, p. 17) ensina que o Estado estará praticando a

Jurisdição Constitucional toda vez que: [...] por intermédio do Poder Judiciário, tiver de atuar para a salvaguarda da Constituição, para interpretá-la ou aplica-la, em vista de qualquer tipo de inconstitucionalidade – o que pode se dar não só pela incompatibilidade de uma norma com a Constituição, mas, também, por ato comissivo ou omissivo que se ponha contra os preceitos constitucionais.

Conforme já verificamos há dois principais modelos de Jurisdição Constitucional, o norte americano e o Europeu, que adotaram, respectivamente, o controle difuso e o concentrado de controle de constitucionalidade.

O Brasil adota ambos os sistemas. Adota um sistema de controle misto. Por isso podemos dizer que no nosso país, em nossa Justiça Constitucional qualquer juiz, de

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qualquer instância, exerce a jurisdição constitucional, quando, incidentalmente, como prejudicial ao julgamento do mérito, aprecia a constitucionalidade de uma norma, para aplicá-la ou não ao caso concreto.

Nesse sistema difuso valem as regras e os princípios do processo como meio para a solução de uma lide, onde estão em jogo direitos subjetivos das partes, já que a questão constitucional, prejudicial e incidental, necessita de decisão para a solução da lide.

Considerando as específicas finalidades da jurisdição comum e da jurisdição constitucional, a doutrina tem indicado a distinção entre Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual, ambos integrantes da Justiça Constitucional.

A Jurisdição Constitucional compreende a Jurisdição Concentrada e a Jurisdição Difusa. Pela primeira aplicam-se os dispositivos constitucionais próprios e ainda a legislação regulamentadora relativa aos instrumentos de controle concentrado. Pela segunda os dispositivos processuais, notadamente o devido processo legal, e princípios consectários, para a resolução dos conflitos de interesse, aplicando a norma jurídica a um específico caso concreto. Aqui, o escopo do processo é a tutela de direitos subjetivos.

José Alfredo de Oliveira Baracho (2001, p. 138-139), ressalta essa distinção definindo as duas ciências:

Segundo Ernesto Rey Cantor Direito Processual Constitucional, como conjunto de normas contidas na Constituição e na lei, regula as atuações e processos constitucionais, qualquer que sejam os órgãos encarregados de preservar a supremacia da Constituição. De acordo com Elvito Rodrigues Dominguez Direito Processual Constitucional é a disciplina que ocupa do estudo das garantias constitucionais e os instrumentos processuais que servem para efetivar o respeito da hierarquia normativa, proveniente da constituição e o cumprimento dos direitos humanos, constitucionalmente consagrados, geralmente sob a denominação de direitos fundamentais. O direito Constitucional Processual examina os institutos processuais do ponto de vista das perspectivas do Direito Constitucional.

Segundo Nelson Nery Junior (2004, p. 26-27): Naturalmente, o direito processual se compõe de um sistema uniforme, que lhe dá homogeneidade, de sorte a facilitar sua compreensão e aplicação para a solução das ameaças e lesões a direito. Mesmo que se reconheça essa unidade processual, é comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional Processual, para significar o conjunto de normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional. [...] Ambos os institutos compõem a denominada justiça constitucional, que se consubstancia na forma e instrumentos de garantia para a atuação da Constituição.

Leonardo L. Morato (2007, p. 17-18) explica que: [...] entende-se por Direito Constitucional Processual o conjunto de normas processuais sediadas na Constituição Federal. Distingue-se do Direito Processual Constitucional, que, por sua vez, diz respeito aos princípios e às regras “fundamentadoras da prática do controle jurisdicional, autônomo ou não, da constitucionalidade do comportamento estatal”. Destina-se, este último, a obter a realização do

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direito constitucional, ou, de acordo com Nelson Nery Junior, “para o fim de regular a denominada Jurisdição constitucional”.

Após toda essa divagação temos a possibilidade de dizer que o Direito Constitucional Processual contém aqueles princípios norteadores do devido processo legal, estando afeto à solução de conflitos intersubjetivos. Regula o processo subjetivo, inclusive o controle difuso de constitucionalidade.

O Direito Processual Constitucional reserva-se para as questões constitucionais, de interesse de toda a comunidade, onde se busca resguardar a Constituição. Regula o processo objetivo, a fiscalização abstrata da constitucionalidade.

Há regras próprias e exclusivas em um e outro sistema. Releva em importância o segundo, pois que, vamos dizer assim, dão proteção ás

garantias não só do devido processo legal, como também a todas as outras instituídas no âmbito do Estado Democrático de Direito, conforme concebidas no artigo 1º, e incisos, da Constituição Federal de 1988.

Oswaldo Luiz Palu (1999, p. 86) entende por processo constitucional: [...] o conjunto de regras e atos constitutivos de um procedimento juridicamente ordenado através do qual se fiscaliza jurisdicionalmente a conformidade constitucional dos atos normativos. Serve, precipuamente para garantir a subsistência de um direito material: o direito constitucional.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari, em “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade” (1999), assinala que o direito processual constitucional tem por objetivo fazer valer o direito constitucional material, dando solução aos conflitos relativos ao controle de constitucionalidade, quer seja abstrato, quer seja concreto, com regramento procedimental próprio para esse mister.

Exatamente por isso Clèmerson Merlin Clève (2000) ressalta que não é possível adequar totalmente regras e princípios próprios da atuação jurisdicional concreta ao procedimento do controle concentrado de constitucionalidade, que seria uma função constitucional desenvolvida pela Suprema Corte, similar àquela desenvolvida pelo Legislativo. Trata-se de jurisdição constitucional objetiva, e, por isso inaplicáveis os princípios da jurisdição tradicional que visa dar fim a conflitos intersubjetivos.

Foi através da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir de 1965, que o processo de controle abstrato identificou-se como de natureza objetiva.

Gilmar Ferreira Mendes (2004) informa que na vigência da Constituição Federal de 1946, no ano de 1965, é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal definiu como objetiva a natureza jurídico-processual do controle abstrato, aspecto que impulsionou o desenvolvimento da fiscalização abstrata de leis e atos normativos no Brasil.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari (1999, p. 242) diz exatamente isso, assinalando que nossa Suprema Corte tem aceitado:

[...] em vários julgamentos, que o controle abstrato de normas frente à Constituição integra o chamado processo objetivo, por não haver “prestação de jurisdição em conflitos de interesse que pressupõem necessariamente partes antagônicas, mas em que há sim, a prática, por fundamentos jurídicos, do ato político de fiscalização dos poderes constituídos decorrentes da aferição da observância, ou não, da Constituição pelos atos normativos deles emanados”.

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Uadi Lammêgo Bulos (2007) ensina que dada a natureza objetiva do controle abstrato de constitucionalidade, algumas regras do processo comum não podem ser utilizadas, a não ser aquelas que tratam dos elementos, requisitos ou condições da ação.

Em seguida, esse doutrinador constitucional relata a orientação do Supremo Tribunal Federal nesse assunto, que pela densidade de conhecimento externado, transcrevo neste trabalho:

O controle normativo abstrato constitui processo de natureza objetiva. A importância de qualificar o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo – vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional – encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção in abstrato de ordem constitucional. Precedentes. Admitido o perfil objetivo que tipifica a fiscalização abstrata de constitucionalidade, torna-se essencial concluir que, em regra, não se deve reconhecer, como pauta usual de comportamento hermenêutico, a possibilidade de aplicação sistemática, em caráter supletivo das normas concernentes aos processos de índole subjetiva, especialmente daquelas regras meramente legais que disciplinam a intervenção de terceiros na relação processual. Precedentes. Não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas, precisamente em face do caráter objetivo de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. O círculo de sujeitos processuais legitimados a intervir na ação direta de inconstitucionalidade, revela-se extremamente limitado, pois nela só podem atuar aqueles agentes ou instituições referidos no art. 103 da Constituição, além dos órgãos de que emanaram os atos normativos questionados. A tutela jurisdicional de situações individuais – uma vez suscitada controvérsia de índole constitucional – há de ser obtida na via de controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de legítimo interesse (CPC, art. 3º). (STF, AgRg em ADin 1.254-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-9-1997, p. 45530)

Regina Maria Macedo Nery Ferrari (1999), traz alguns delineamentos da fiscalização abstrata como processo objetivo: não há uma situação litigiosa concreta, não há o contraditório clássico, e a ação é proposta face a uma lei ou ato normativo que contraria o texto constitucional.

Há princípios e regras próprias para o processo de índole objetiva exatamente porque tem por missão dar proteção à Constituição, documento supremo que eleva a dignidade da pessoa humana como razão de existência do Estado Democrático de Direito.

O Princípio da dignidade da pessoa humana ancora, fundamenta, oxigena, dá vida, á toda estruturação constitucional, razão pela qual, deve ser blindado com instrumentos que não permitam a vulneração ao seu respeito, imposto a todos, inclusive ao Estado, instrumentos estes presentes no controle concentrado de constitucionalidade que possibilitam ao Supremo Tribunal Federal a defesa abstrata da Constituição.

Daí a maior importância do Processo Objetivo, e também maior amplitude, envolvendo inclusive os princípios e regras do processo subjetivo.

Pela sua missão, o processo objetivo, com seus instrumentos, é dotado de características especiais, que o diferenciam, exatamente para fortalecê-lo para que possa atingir o seu mister.

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A partir da definição do processo objetivo, passaremos a apontar quais são essas características, comuns à ação direta de inconstitucionalidade genérica, à ação declaratória de constitucionalidade, e à argüição de descumprimento de preceito fundamental.23

Diversos doutrinadores trazem cada um a sua definição de processo objetivo, todas elas guardando praticamente os mesmos contornos.

Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 142) aponta as principais características do processo objetivo, um instrumento da jurisdição constitucional concentrada, pelo qual se busca resolver uma questão constitucional, e não interesse concreto, que de modo algum pode ser utilizado para a solução de conflitos intersubjetivos, no âmbito de uma lide.

Observa esse autor que a idéia de processo pregada por Carnelutti não é adequada ao processo que diz respeito à fiscalização abstrata de normas, onde não se procura a tutela de um direito subjetivo, mas sim o interesse de toda uma comunidade, difusamente.

Uadi Lammêgo Bulos (2007) confirma esse posicionamento. Os instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade (apenas

aqueles com efeito vinculante), a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), por terem a natureza processual de índole objetiva apresentam características comuns que, nos itens seguintes serão alinhavadas, encontradas nos dispositivos que lhe são próprios na Constituição Federal, na Lei n. 9.868/99, e Lei n. 9.882/99, os quais serão descritos conforme o estudo da matéria a que tratam.

Inicialmente vamos promover a apresentação, conceituando tais instrumentos de controle abstrato para, em seguida, traçar os principais aspectos dessas ações, que as inserem no contexto do processo objetivo.

3.2.5.2 Instrumentos processuais do controle abstrato e suas

características Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica (ADIN): Utilizando a definição

de Alexandre Sormani (2004, p. 91-92), temos que: É o instrumento de controle de constitucionalidade por ação, concentrado e abstrato, que visa a obter a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo federal ou estadual em face da Constituição Federal. Nota-se que o objetivo da ação é fazer ruir o princípio da presunção de validade em benefício do princípio da segurança jurídica, sob a premissa de que, em relação ao ato normativo objeto da ação, os mesmos são antagônicos.

Zeno Veloso (1999, p.95) esclarece que a ação declaratória de inconstitucionalidade tem por objetivo:

[...] defender a ordem jurídica como um todo, fazer prevalecer o princípio da supremacia constitucional. Suscita-se uma questão de direito. O que se pretende é verificar a compatibilidade da própria norma legal, cotejando-a com a regra ou o princípio constitucional. Efetua-se, afinal, um juízo de conformidade, adequação ou harmonia da lei ou ato normativo com o paradigma, que é o Texto Magno.

23 Mais uma vez ressaltamos que só serão analisados, dentro do processo objetivo, os instrumentos de controle abstrato de constitucionalidade com efeito vinculante.

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Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC): Utilizando a definição de Uadi Lammego Bulos (2007, p. 221), temos que:

É o mecanismo de defesa abstrata do Texto Supremo, pelo qual se busca, na Corte Excelsa, o reconhecimento expresso de que determinado ato normativo é constitucional. [...] Na defesa da ordem jurídica, cumpre à declaratória de constitucionalidade criar uma atmosfera de certeza e segurança nas relações jurídicas, transformando a presunção relativa (juris tantum) de constitucionalidade em absoluta (juris et juris).

Zeno Veloso (1999, p. 316, 321) diz que: [...] na novel ação declaratória de constitucionalidade, o que se pretende, em nome da certeza e segurança jurídicas, é deslindar a controvérsia, tirar a dúvida, superar a polêmica em torno da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal. [...] Vigorando em nosso ordenamento o princípio da presunção da constitucionalidade das leis, a ação declaratória de constitucionalidade pressupõe um estado de incerteza, o estabelecimento de uma controvérsia, comprometendo esta presunção, o que ocorre, por exemplo, quando a legitimidade de uma lei vem sendo apreciada em juízos de primeiro e segundo graus, com opiniões divergentes, soluções conflitantes, gerando apreensões e insegurança no meio social. A Corte Suprema é chamada, e intervém para espancar a dúvida, dar a última palavra, com eficácia geral e vinculante, resolvendo o problema, imprimindo certeza e quietude nas relações jurídicas que se baseiam na norma em questão.

Clèmerson Merlin Clève (2000), explica que o objetivo da ação declaratória de constitucionalidade é resolver rapidamente e definitivamente o dissídio que envolve a legitimidade de lei ou ato normativo federal, pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe dar a última palavra quanto ao significado do Texto Constitucional, contendo tal decisão a eficácia contra todos e efeito vinculante.

Interpretação Conforme a Constituição e Declaração Parcial de Inconstitucionalidade sem Redução de Texto:

São técnicas de decisões, instrumentos de hermenêutica do controle de constitucionalidade brasileiro, tanto na ADIN como na ADC, que visam proporcionar uma alternativa ao órgão julgador supremo, no sentido de preservação da lei ou ato normativo, vinculando a sua interpretação a determinado texto legal, ressaltando os aspectos que se conformam com o texto da Carta Magna, ou, pelo contrário, indicando qual a interpretação que não deve ser levada em conta, pois que contraria o texto constitucional.

Essencial que os legisladores constituintes insiram valores perenes na Constituição que permitam aos intérpretes de seu texto adequar os instrumentos legislativos posteriores ao seu espírito, e através dessas técnicas de interpretação, evitar a sanção de inconstitucionalidade e a invalidação do texto legal ou ato normativo.

Nesse sentido Carlos Maximiliano (1979) exortando que aqueles que elaboram a Constituição não devem estar apenas voltadas para o presente, mas especialmente para o futuro, elaborando um texto que se adapte às modificações impostas pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento social.

Tal mister também incumbe ao Juiz, que na sua missão interpretativa deve buscar sempre, tanto quanto possível, a adequação do texto legal antigo ao novo texto constitucional.

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Ressalta que o progresso, a felicidade e a paz do país podem ser prejudicados casos suas leis sejam modificadas com freqüência.

Celso Ribeiro Bastos (1988, p. 159) traz o desenvolvimento do procedimento interpretativo que deve ser realizado no controle abstrato de constitucionalidade.

Segundo ele o procedimento interpretativo na fiscalização abstrata, com a confrontação de normas de diferente nível hierárquico, acontece em um grau de abstração absoluta.

Há uma interpretação complexa, pois que primeiramente o intérprete busca todos os efeitos possíveis da norma constitucional, conhecendo-a de maneira integral. Depois reitera esse mesmo procedimento com relação à norma de grau inferior.

Em um terceiro momento o magistrado verifica se há, em algum aspecto, impossibilidade de adaptação interpretativa da lei, e, em caso positivo, a Corte Suprema não terá outra alternativa se não a de declarar a inconstitucionalidade dessa norma considerando a interpretação estabelecida pelo texto constitucional.

Oswaldo Luiz Palu (1999, p. 140) lembra que há também: [...] decisões intermediárias que refogem ao esquema binário inconstitucional- não inconstitucional. A origem de tais decisões prende-se à gravidade da declaração de inconstitucionalidade pura, que sempre é uma censura ao legislador < bem como as conseqüências práticas da decisão>. Existe a técnica da interpretação em conformidade com a Constituição, que nada mais é que reinterpretar a norma com recusa do sentido ou sentidos inconstitucionais, fixando aquela interpretação compatível com a Constituição. Nessas decisões claramente não se decide pela inconstitucionalidade (na Itália chamada decisão interpretativa de rejeição), sendo que o seu alcance não estará sempre no dispositivo da sentença, mas muito também em sua fundamentação.[...] Outra técnica intermédia é a de inconstitucionalidade parcial, onde se entende inconstitucional apenas parte do preceito questionado no pedido ou na prejudicial, conforme o caso. Poderá ser um período ou frase do texto (inconstitucionalidade parcial horizontal ou quantitativa) ou de uma norma que se extrai do texto (inconstitucionalidade parcial qualitativa, vertical ou ideal). Trata-se a última do inverso da interpretação conforme, mas a preocupação é a mesma: afastar os sentidos inconstitucionais do texto. A inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa obtém-se declarando a inconstitucionalidade “enquanto”, “na medida que”, “na parte em que” incorpora um certo conteúdo de sentido (na Itália, decisões interpretativas de acolhimento).

Tratando das modernas formas de interpretação Constitucional e a razão do aparecimento delas, especialmente com a preocupação de só excepcionalmente se reconhecer a inconstitucionalidade, Celso Ribeiro Bastos (1988) lembra que o receio e a cautela na declaração de inconstitucionalidade de lei é que propiciou as atuais formas de interpretação constitucional, as quais têm por fim precípuo manter o ordenamento jurídico intacto, tendo por fundamento o princípio da economia, pois que, a declaração de inconstitucionalidade traria sérios danos, como o vazio legislativo.

No dizer de Walber de Moura Agra (2008, p. 155), essas novas técnicas de interpretação proporcionam uma maior eficiência ao controle de constitucionalidade, fortalecendo a força normativa da Constituição, buscando garantir a efetividade dos direitos fundamentais, ausentes na maior parte da população brasileira.

Em seguida tece considerações a respeito de ambas as técnicas interpretativas previstas na Lei 9.868/99:

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A interpretação conforme a Constituição, além de fazer parte de um processo hermenêutico, é uma técnica de controle de constitucionalidade na qual, sem alteração na literalidade do texto legal, determina-se sua interpretação para adequação, alinhamento, aos dispositivos da Lei Maior. A norma permanece no ordenamento jurídico, realizando-se uma especificação em seu significado, devendo os operadores jurídicos aterem-se a essa determinação. [...] O princípio da interpretação conforme a Constituição não deriva apenas do princípio da presunção de constitucionalidade das normas em que as leis devem ser consideradas constitucionais até posicionamento em contrário do Poder Judiciário. Justifica-se principalmente na obediência ao princípio do aproveitamento máximo dos atos jurídicos, devendo ser declarados inconstitucionais tão-somente quando não houver possibilidade de adequação à Lei Maior.[...] A inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, igualmente chamada de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, é uma forma de controle de constitucionalidade em que a literalidade do texto da norma não sofre alteração porque a inconstitucionalidade é restrita, há apenas redução em sua hipótese de incidência. Denomina-se de inconstitucionalidade parcial porque resta preservado o texto da norma, sendo declarados inconstitucionais os preceitos implícitos de seu texto que se dissociam dos parâmetros constitucionais. A principal característica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é que a decisão que a declara produz um juízo de desvalor, estabelecendo que determinados campos de incidências da norma não podem ser aplicados sob pena de inconstitucionalidade.

A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, de acordo com Zeno Veloso (1999, p. 182), “significa reconhecer a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo sob algum aspecto, em dada situação, debaixo de determinada variante”. Esmiuçando o tema, continua explicando que:

A norma impugnada continua vigendo, na forma originária. O texto continua o mesmo, mas o Tribunal limita ou restringe a sua aplicação, não permitindo que ela incida nas situações determinadas, porque, nestas, há a inconstitucionalidade. Nas outras, não.

Roger Stiefelmann Leal, em “O efeito vinculante na jurisdição constitucional” (2006, p. 97) confronta a atividade do Supremo no desenvolvimento da decisão que opta pela declaração de inconstitucionalidade com aquela que pende para a interpretação da norma ou ato questionado conforme a constituição:

De modo a preservar a obra do legislador, ficou clássica a regra de hermenêutica constitucional que recomenda ao intérprete, entre duas interpretações possíveis, adotar aquela que não infirma o ato da autoridade perante o texto constitucional. O emprego do cânone hermenêutico no exercício da jurisdição constitucional, sobretudo em sede de controle abstrato de normas, confere ao seu titular poderes que excedem às suas funções tradicionais. Segundo Hesse, trata-se de atividade mais contundente do que a própria declaração de inconstitucionalidade, pois, nesse aspecto, o órgão de jurisdição constitucional conforma positivamente a norma, enquanto no caso da declaração de inconstitucionalidade a nova conformação segue sendo assunto do legislador. Ocorre que, ao acolher determinada via interpretativa por considera-la a única capaz de tornar o ato normativo

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compatível com a Constituição, está o órgão julgador impondo erga omnes determinado sentido ao preceito questionado. A compreensão do texto normativo passa a ser a desenvolvida pela jurisdição constitucional. Decorrência lógica de tal processo decisório é a declaração de inconstitucionalidade das demais interpretações assimiláveis à literalidade do preceito normativo. É o que se chama, entre os italianos, de sentença de dupla pronúncia.

Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Utilizando a definição de Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 232), temos que:

[...] é o mecanismo especial de controle de normas que permite aos legitimados do art. 103 da Carta Maior levarem ao conhecimento do Pretório Excelso a ocorrência de desrespeito às normas basilares da ordem jurídica. A finalidade da ADPF é preservar as vigas-mestras que solidificam o edifício constitucional, buscando dar coerência, racionalidade e segurança ao ordenamento jurídico.[...] Possui natureza jurídica híbrida, mista ou ambivalente. Embora participe do controle concentrado, o debate constitucional que suscita busca desatar uma questão prejudicial, ocorrida ao longo da demanda, em sede de controle difuso. Quer dizer, a argüição de descumprimento de preceito fundamental situa-se no meio do caminho entre a técnica concentrada e a difusa de defesa da supremacia constitucional. Como ponte de ligação entre os métodos concentrado e difuso, o mecanismo reveste-se de notória ambivalência, ora se apresentando como ação autônoma, ora como providência incidental, deflagrada no curso do caso litigioso, num processo já instaurado.

Gilmar Ferreira Mendes, em “Argüição de descumprimento de preceito fundamental” (2007, p. 56), observa que

A argüição de descumprimento poderá ser utilizada para solver controvérsias constitucionais sobre a constitucionalidade do direito federal, do direito estadual e também do direito municipal. Diferentemente do que ocorre com o controle abstrato de normas, a ADPF poderá ter por objeto direito revogado, desde que subsista interesse jurídico no pronunciamento judicial. Vê-se, pois, que a argüição de descumprimento vem completar o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) poderão ser objeto de exame no âmbito da nova ação.

Não há entendimento uniforme na doutrina acerca do conceito de preceitos fundamentais, em sua amplitude e profundidade.

Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2000, p. 147) identifica-os como sendo os insertos no título I, do atual Texto Constitucional, os preceitos constantes dos incisos I a IV do artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.

Elencamos a seguir as principais características desses instrumentos da fiscalização abstrata de normas e atos normativos.

1. Somente o Supremo Tribunal Federal, por expressa previsão constitucional, como o guardião da Constituição, é o competente para o processo e julgamento, de forma originária.

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Este é um mandamento encontrado no artigo 102, I, “a”; e parágrafo 1º, da Constituição Federal.

A lei infraconstitucional não pode atribuir competências ao Supremo Tribunal Federal além daquela encontrada na Constituição Federal.

Essa mesma competência é reproduzida no artigo 1º da Lei nº 9.868/99, quanto à ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, e artigo 1º, caput, da Lei nº 9.882/99, quanto à argüição de descumprimento de preceito fundamental24.

Nessas ações pretende-se apenas e tão somente a proteção do ordenamento jurídico constitucional, pelo que não há partes, não há um interesse individual e subjetivo a tutelar, emergente de fatos concretos. Questiona-se, em tese, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Nesses termos Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 166): Esta competência pertence ao Excelso Pretório e a mais ninguém, porquanto ele é o titular do controle concentrado, que decorre do seu posto de guarda da ordem Constitucional (CF, art. 102, caput). [...] Nessa seara, não se discutem questões concretas, problemas particularizados, como ocorre no controle difuso. Se, na via difusa, existe um direito subjetivo a ser defendido, podendo ser pleiteado em qualquer juízo ou tribunal, na via de ação há um direito objetivo que apenas pode ser alegado perante a Colenda Corte. Desse modo, reserva-se ao órgão de cúpula do Poder Judiciário – O Supremo Tribunal Federal – a missão sacrossanta de empreender a defesa em tese da Constituição, a fim de preservar-lhe a integridade.

2. Exatamente por conta desse interesse objetivo, expressado na finalidade de defesa da Constituição, ao invés de partes, há requerentes e requeridos, arrolando a Constituição Federal, de maneira exaustiva, quais são os legitimados ativos, os requerentes, exigindo para alguns a pertinência temática.

Legitimado passivo será aquela autoridade responsável pela lei ou ato normativo sobre o qual incide a suspeita de inconstitucionalidade, lembrando que tal figura não é encontrada na ação declaratória de constitucionalidade, mesmo porque, o que se busca, nesse instrumento de controle, não é a inconstitucionalidade, mas sim trazer para a lei ou ato normativo a presunção absoluta da constitucionalidade, como pressuposto indispensável à segurança jurídica.

Segundo Waber de Moura Agra (2008, p. 88): [...] Embora não haja partes formais, a existência de pólos processuais ativo e passivo resta evidente. Por isso, configura-se possível falar em legitimidade ativa e passiva. A legitimidade ativa pertence a um dos órgãos elencados na Lei Maior. A legitimidade passiva pertence à autoridade ou ao órgão legislativo responsável pela promulgação da lei ou ato impugnado.

Alexandre Sormani (2004, p. 97) com relação à constituição dos polos da relação jurídica objetiva explica que:

Não existem partes no sentido tradicional, pois não há defesa de interesses próprios e pessoais. O requerente da ação direta veicula o interesse da sociedade (difuso) e o requerido é aquele que produziu o ato

24 A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, como a ADC e a ADIN, também pode ser invocada incidentalmente em processo subjetivo, conforme o disposto no artigo 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.882/99, integrando o sistema difuso, mas essa face desse instrumento de controle de constitucionalidade não será aqui analisada.

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normativo questionado, não sendo titular de uma resistência a uma pretensão (subjetiva) de alguém.

A Constituição Federal em seu artigo 103, traz relação exaustiva dos legimitados ativos, sendo eles:

I – o Presidente da República; II – A Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – Partido político com representação no Congresso Nacional; IX – Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Os legitimados ativos também estão arrolados no artigo 2º, da Lei nº 9.868/99, quanto à ADin e artigo 13, da mesma lei, quanto à ADC, rol este ampliado pela EC 45/04.

A Lei nº 9.882/99, em seu artigo 2º, I, estabelece que para a ADPF os legitimados ativos são os mesmos da ADIN.

Há, portanto, uma legitimação concorrente, exigindo o Supremo Tribunal Federal, como requisito de admissibilidade da ação a pertinência temática para alguns dos legitimados ativos.

A pertinência temática tem relação com o interesse processual de agir. Para Alexandre de Moraes (2005, p. 666), pertinência temática “é o requisito

objetivo da relação de pertinência entre a defesa do interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação”.

Segundo Walber de Moura Agra (2008, p. 89) a pertinência temática estará presente quando “ficar claro que o impetrante tem vinculação direta com a lei que está sendo objeto de impugnação”.

Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 189) define a pertinência temática como “o requisito objetivo pelo qual se verifica a procedência, conveniência e plausibilidade da ação, ajuizada para a defesa de um interesse específico, via controle concentrado de constitucionalidade”.

Esse mesmo autor (2007, p. 190) justifica a exigência da pertinência temática para alguns dos legimitados ativos no sentido de “impedir que determinadas entidades discutam em sede de controle abstrato, toda e qualquer matéria, aumentando, ainda mais, a carga de trabalho do Supremo Tribunal Federal”.

Por conta da exigência desse requisito da pertinência temática nos processos objetivos de controle concentrado de constitucionalidade há duas espécies de legimitados. Aqueles para os quais se exige a pertinência temática e que por isso são denominados especiais, e os legitimados universais aqueles que a Constituição presume de forma absoluta a pertinência temática.

São legitimados universais os que desempenham competências nas quais, obrigatoriamente, está a defesa da Constituição, sendo eles: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; Procurador Geral da República, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

São legitimados especiais a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; do Governo do Estado ou do Distrito Federal; das Confederações Sindicais ou Entidades de âmbito nacional.

Segundo Luiz Alberto David Araújo, em “Curso de direito constitucional” (2001, p. 38), tratando da ADIN (argumentos perfeitamente adequados a AdeCon e

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ADPF), são diversas das demais ações as regras concernentes à legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que aqui estamos tratando de uma relação jurídica com especificidades próprias, bastando lembrar que não há conflito de interesses, e por isso inexiste partes, mas sim requeridos, todos interessados na supremacia das normas constitucionais.

E exatamente porque ausente caso concreto a Constituição Federal traz quais são os legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal para essa ação, que se desenvolve segundo os princípios do processo objetivo.

Apenas para alguns, que chama de interessados, com o objetivo claro de diminuir o número de ações, o Supremo passou a exigir a pertinência temática, ou seja, a relação de pertinência entre o pedido de inconstitucionalidade da lei e as finalidades institucionais do organismo.

Os demais, para os quais não há essa exigência, são denominados de autores neutros ou universais.

Cabe aqui destacar a crítica de Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 163-164) acerca dessa exigência do Pretório Excelso para a inauguração do processo objetivo:

Com a exigência da demonstração da “adequação temática entre as finalidades estatutárias e o conteúdo da norma impugnada” - lembrando-se que a pertinência temática é um sucedâneo do interesse de agir do processo subjetivo -, o Supremo não pode chegar ao ponto de transformar a ação direta (digo eu, processo objetivo) em processo subjetivo de tutela de interesse concreto (ainda que coletivo). Sendo processo objetivo, cumpre exigir, e apenas para efeito de aferição da legitimidade, porquanto esses órgãos não dispõem de interesse genérico na preservação da supremacia constitucional, a demonstração de seus filiados e associados na questão constitucional para o fim de evitar a multiplicação de ações propostas nem sempre com os melhores propósitos. O mesmo cabe afirmar em relação aos Governadores de Estado e às Mesas das Assembléias Legislativas.

3. Por inexistir interesse individual a ser protegido, não é possível a desistência (artigos 5º e 16, da lei 9.868/99, artigo 169, parágrafo único, do RISTF).

Uadi Lammego Bulos (2007, p. 207) ensina que “pelo princípio da indisponibilidade da instância, o autor não exerce poder de disposição sobre a direta genérica ajuizada. Por isso, os legitimados ativos do art. 103 da Lex Mater não podem desistir da ação que propuseram”.

Apenas promovem o impulso inicial da ação no processo objetivo. Após instaurada, tratando-se de interesse difuso consubstanciado na defesa da constituição, na sua supremacia, o requerente não pode mais dela desistir, sendo que o Supremo Tribunal Federal, velará pela continuidade do processo objetivo, dada a relevância da matéria, assinalando ao final a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

4. Não há litisconsórcio, assistência, ou intervenção de terceiro (artigos 7º, e 18, da lei nº 9.868/99), no sentido projetado pelo Código de Processo Civil (arts. 46 a 80, CPC).

Atualmente há exceção quanto à possibilidade de litisconsórcio. O Supremo Tribunal Federal tem julgado admissível o litisconsórcio ativo, desde que integrado pelos constitucionalmente legitimados para a instauração do processo objetivo.

Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 202) ensina que dada a natureza abstrata do controle de constitucionalidade, inexistentes interesses subjetivos, é inadmissível o

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litisconsórcio, ativou ou passivo. Indica a única exceção com respeito à formação de litisconsórcio ativo entre os legitimados para a propositura da direta genérica.

Walber de Moura Agra (2008, p. 140), ressalta essa característica do processo objetivo, no qual se insere o controle abstrato, onde, inexistindo interesse particular, há sim, o interesse da sociedade, de forma difusa, na integridade sistêmica da Constituição.

5. Foi prevista a figura do amigo da corte, o amicus curiae, com características próprias e diversas (artigos 7º, parágrafo 2º, da lei nº 9.868/99) da intervenção assistencial.

Tal figura, exclusiva do processo objetivo, tem por finalidade trazer aos julgadores da questão constitucional, os necessários subsídios, que refogem dos seus conhecimentos jurídicos, para solucionar a ação, uma vez que a declaração da inconstitucionalidade ou constitucionalidade causará reflexos imediatos em diversos campos da sociedade brasileira.

A complexidade dessas conseqüências provenientes da decisão, obrigam ao magistrado da Suprema Corte, enriquecer-se com toda a informação possível.

A respeito dessas características as observações de Alexandre Sormani (2004, p. 98-99), que vê no amigo da corte um instrumento que permite que as decisões do Supremo Tribunal Federal sejam realizadas com total conhecimento de todas as suas conseqüências.

Alexandre de Moraes (2005, p. 673) discorrendo sobre esse tema enquanto traça as

características do controle abstrato de constitucionalidade diz que:

[...] a Lei 9.868/99 passou a permitir que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, possa, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Essa inovação passou a consagrar, no controle abstrato de constitucionalidade brasileira, a figura do amicus curiae, ou “amigo da corte”, cuja função primordial é juntar aos autos parecer ou informações com o intuito de trazer à colação considerações importantes sobre a matéria de direito a ser discutida pelo Tribunal, bem como acerca dos reflexos de eventual decisão sobre a inconstitucionalidade da espécie normativa. Em face do processo objetivo que rege o controle concentrado de constitucionalidade e, conseqüentemente, da existência de causa de pedir aberta, torna-se importante a possibilidade de opinião do amicus curiae, permitindo-se, pois, ao Tribunal o conhecimento pleno das posições jurídicas e dos reflexos diretos e indiretos relacionados ao objeto da ação.

Mirella de Carvalho Aguiar, em “Amicus Curiae” (2005, p. 12; 31; 52), observa que

o amigo da corte é uma figura que se apresenta como democratizante, permitindo a ampliação

dos debates sobre esses temas constitucionais relevantes, trazendo a sua participação

importantes subsídios para a decisão, buscando proporcionar uma justa solução nesta ação.

6. Embora o Supremo Tribunal Federal não possa agir de ofício, necessitando de que o requerente ingresse com a ação, não fica adstrito à causa de pedir.

Sobre o pedido e a causa de pedir no controle abstrato Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 154-155).

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Estabelece esse doutrinador que o Supremo Tribunal Federal, sendo um Órgão Jurisdicional, precisa ser provocado para poder atuar e dizer o direito. Assim, o pedido é imprescindível, mesmo no processo de índole objetiva.

Entretanto, ainda que não possa ampliar o pedido, pois sua decisão deve se limitar à análise total ou parcial dos dispositivos impugnados na peça vestibular, não está o julgador adstrito à causa de pedir, isto é, à fundamentação jurídica invocada, sendo possível o exame da constitucionalidade das normas questionadas diante de todo o Texto Constitucional.

Walber de Moura Agra (2008, p. 86; 109) vai além, afirmando que a Corte Suprema, desde que provocada, estaria autorizada inclusive a decidir aquém, além ou fora do pedido, justamente em consideração ao interesse público nas ações abstratas. Adverte, porém, que tal não se daria no controle difuso, onde a prestação jurisdicional deve guardar simetria com o pedido.

A Corte Constitucional, condicionada ao pedido, mas não à causa de pedir, examinará a constitucionalidade dos dispositivos questionados pelo requerente, tendo a liberdade, para fundamentar a sua decisão, de utilizar qualquer tese jurídica, não se vinculando à fundamentação da peça vestibular.

7. Não há contraditório no processo objetivo de controle de leis e atos normativos.

Walber de Moura Agra (2008) adverte e chama a atenção no sentido de que a permissão do amigo da corte no processo objetivo de controle de constitucionalidade não denota a existência do contraditório, inerente ao processo civil, bilateral, tradicional e subjetivo, onde há uma pretensão resistida, e se busca o Órgão Jurisdicional para a solução desse conflito de interesse.

Observa esse autor que o processo inerente ao controle abstrato é de natureza objetiva, sem partes, que não possui conteúdo conflituoso relativo a interesses concretos, cujo objetivo único é assegurar a suprema hierarquia constitucional.

Segundo ele, os conceitos de partes e intervenção de terceiro são próprios de situações litigiosas concretas, o que não existe na fiscalização abstrata. Por isso o amigo da corte não pode ser confundido com essas pessoas que intervêm no processo subjetivo. Também não se pode concluir que pela participação do amigo da corte há contraditório, mas que sua participação assegura, e isso é muito importante, a democratização das decisões da Suprema Corte no exercício dessa sua competência, legitimando-as.

Nesse item é importante consignar a observação desse mesmo autor (2008), sobre a necessidade da apresentação de todos os documentos possíveis junto com a petição inicial, por conta da inexistência de litígio e instância probatória no processo objetivo.

A necessária instrução da petição inicial, em decorrência da limitação probatória e inexistência de contraditório, vem consignada no artigo 3º, parágrafo único; artigo 14, parágrafo único, ambos da Lei nº 9.868/99; e artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/99.

Importante perseverar que na ação declaratória sequer há a figura do requerido, uma vez que se pretende, com esse instrumento de controle, consolidar a presunção absoluta de determinada lei ou ato normativo, cuja presunção relativa encontra-se abalada pela séria controvérsia, no controle difuso, quanto a sua constitucionalidade.

8. Não há decadência ou prescrição. Por se tratar de assunto de relevantíssimo interesse nacional, qual seja a defesa

da Constituição Federal, e estando em jogo um interesse público, as ações no processo objetivo não se sujeitam a prazos prescricionais e decadenciais, pois que sempre existirá

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a necessidade da identificação e expurgo de normas e atos normativos da ordem jurídica que atentem contra os preceitos e princípios do Estado Democrático de Direito.

Segundo o que nos ensina Zeno Veloso (1999) não há possibilidade de o transcurso do tempo convalidar vício que contamina a lei ou ato normativo do vício da inconstitucionalidade, tornando-os nulos.

9. O Procurador Geral da República sempre deverá se manifestar como fiscal da lei nos processos de cunho objetivo. É o que manda o artigo 103, parágrafo 1º, da Constituição Federal “O Procurador Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”.

Sobre as manifestações do Procurador Geral da República e do Advogado Geral da União, o artigo 8º, “Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado Geral da União e o Procurador Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de 15 (quinze) dias”, e artigo 19, “decorrido o prazo do artigo anterior, será aberta vista ao Procurador Geral da República, que deverá pronunciar-se no prazo de 15 (quinze) dias”, ambos da Lei nº 9.868/99.

Também poderão ser instados a se manifestar na ação de argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.882/99 “O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado Geral da União ou o Procurador Geral da República, no prazo de 5 (cinco) dias”.

O Advogado Geral da União falará naquelas ações em que houver a necessidade de sua manifestação como curador da constitucionalidade da lei ou ato normativo, ou seja, na ação direta de inconstitucionalidade e na argüição de descumprimento de preceito fundamental. É o que encontramos no artigo 103, parágrafo 3º, da Constituição Federal “Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”.

10. A medida cautelar e seus efeitos. Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 209) relaciona as exigências do Supremo

Tribunal Federal para a concessão de medida cautelar, nos processos de natureza objetiva de controle de constitucionalidade:

As medidas cautelares buscam salvaguardar o efeito útil do processo contra o risco de sua demora. Daí a Constituição de 1988 prever expressamente a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, pedidos de medidas liminares ou cautelares nas ações diretas de inconstitucionalidade (art. 102, I, p). Na dicção desse preceito, o Supremo concluiu que os pedidos de liminares nas ações diretas devem satisfazer os seguintes requisitos: Plausibilidade jurídica do que se alega (fumus boni juris); Possibilidade de prejuízo em virtude do retardamento da decisão pleiteada (periculum in mora); Irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos oriundos dos atos impugnados; e Necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão.

O artigo 102, I, p, da Constituição Federal indica a competência do Supremo Tribunal Federal para “processar e julgar originariamente o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade”.

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O legislador constituinte, como se vê, não vislumbrou a possibilidade de concessão de cautelar na ação declaratória de constitucionalidade e na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

O artigo 21, da Lei nº 9.868/99, completou essa falha, confirmando o entendimento que já vinha tendo o Supremo, decidindo favoravelmente á concessão de cautelar nas ações declaratórias de constitucionalidade, decisões fundadas em seu poder geral de cautela, que tem como argumento principal a necessidade da existência de meios, decorrentes implicitamente de suas competências, para que possa garantir a efetividade de suas decisões.

Diz o artigo 21 da lei nº 9.868/99: “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade [...]”. O objetivo é paralisar todos os processos pendentes, pelo controle difuso, que questionem a constitucionalidade de alguma lei ou ato normativo.

A medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade está prevista no artigo 10:

Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.

Com a regulamentação da ADPF surgiu a possibilidade de cautelar também nessa ação, de acordo com o disposto no artigo 5º, da Lei nº 9.882/99: “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental”.

Quanto aos efeitos decorrentes do deferimento da cautelar, na ação direta de inconstitucionalidade dispõe o artigo 11, parágrafo 1º, da Lei nº 9.868/99 “a medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa”; quanto á ação declaratória de constitucionalidade a segunda parte do artigo 21, da mesma Lei, dispõe que a medida cautelar concedida consistirá na “determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo”. Essa última conseqüência é similar com a da argüição de descumprimento de preceito fundamental, segundo o que dispõe o artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei nº 9.882/99:

A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

De acordo com os dispositivos legais transcritos podemos dizer que a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade apresenta eficácia erga omnes, como regra efeito ex nunc, e como exceção, ex tunc.

Os efeitos na ação direta de constitucionalidade são ex nunc e vinculante, envolvendo apenas as manifestações da Administração Pública e do Judiciário.

O provimento cautelar deferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário. Precedente. A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão — precisamente por derivar do vínculo

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subordinante que lhe é inerente —, legitima o uso da reclamação, se e quando a integridade e a autoridade desse julgamento forem desrespeitadas. (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/04/03) Ação direta de constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10/09/1997, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Medida cautelar: cabimento e espécie, na ADC. Requisitos para sua concessão. (...) Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, ex nunc, e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10/09/97, sustando-se, igualmente ex nunc, os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido.” (ADC 4-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 21/05/99) "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, § 2º, da CF. Em ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na ADC, pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar." (ADC 4-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 21/05/99)

Sobre a possibilidade de liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade, embora sem previsão constitucional, e antes ainda da lei nº 9.868/99, Clèmerson Merlin Clève (2000), defendia a possibilidade de concessão baseada no poder geral de cautela inerente à atividade jurisdicional sempre que o resultado final estiver sofrendo o perigo de se perder com a demora do processo.

Alexandre Sormani (2004) sobre os efeitos na cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, entende que não há o efeito vinculante, mas tão somente erga omnes e ex tunc, exatamente por conta de sua perenidade. Observa, porém, que, como exceção, naqueles casos de evidente inconstitucionalidade é possível a atribuição do efeito retroativo, e por conseqüência dará ensejo ao efeito repristinatório, que significa voltar à vigência a lei ou ato normativo revogado até o acórdão definitivo do Supremo.

Nesse mesmo sentido da impossibilidade de efeito vinculante na medida cautelar em sede de ADIN, Roger Stiefelmann Leal (2006), pois que, segundo ele, apenas as decisões de mérito têm por objetivo a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade, cujo caminho se deu pela fundamentação, esta sim objeto da vinculação.

Não é pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento no sentido de que a medida cautelar detém efeito vinculante.

As decisões mais firmes concedendo tal eficácia para a cautelar em ação direta, conforme assinala Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 212), observam que:

[...] na realidade o efeito vinculante das decisões prolatadas em sede de medida cautelar nas ações diretas deriva do particular papel político-institucional que o Supremo desempenha no ordenamento jurídico brasileiro: o de guardião da Constituição (CF, art. 102, caput).

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Assim as cautelares na ADIN teriam efeito vinculante, não por previsão legal, mas embasado no poder geral de cautela que dispõe a Corte Constitucional no desempenho de sua competência originária nesses processos de índole objetiva.

A cautelar em ação declaratória de constitucionalidade tem efeitos ex nunc, erga omnes, vinculante, envolvendo as manifestações da Administração Pública e do Judiciário, dali por diante.

Nesses mesmos termos Alexandre de Moraes (2005). Quanto aos efeitos da liminar na argüição de descumprimento de preceito

fundamental, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei nº 9.882/99, o ensinamento de Walber de Moura Agra (2008, p. 119-120), no sentido de que seriam ex nunc e erga omnes, com determinação para que os juízos e tribunais suspendam o desenvolvimento de processos ou efeitos de decisões interlocutórias ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição, restando preservadas aquelas decisões já transitadas em julgado.

11. Os efeitos das decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal. A modulação dos efeitos temporais na ADIN e ADPF.

Dispõe o artigo 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal que: [...] as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

O artigo 28, da lei nº 9.868/99 estabelece que: [...] a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Com relação à argüição de descumprimento de preceito fundamental, o art. 10, parágrafo 3º, da lei nº 9.882/99: “A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público”.

Relevante consignar que nas decisões de mérito no contexto do processo objetivo deve ser observada a regra da cláusula de reserva de plenário25, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

No sentido do texto constitucional o artigo 23 da lei nº 9.868/99 e o artigo 8º, da lei nº 9.882/99.

Em todas essas ações é preciso a presença de pelos menos oito ministros do Supremo Tribunal Federal para alcançar o quorum qualificado de deliberação.

Essa exigência, denominada cláusula de reserva de plenário, e que, segundo Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 270-271) “é o parâmetro normativo que estatui o quorum de votação para os membros de um tribunal declararem a inconstitucionalidade dos atos do Poder Público”.

25 Artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil.

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Para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, o Tribunal deve contar com a sua composição plena ou então, possuir órgão especial. Não se admite que essa decisão seja tomada por órgão fracionário (turma, câmara ou seção).

Exige-se o voto da maioria absoluta dos seus membros ou dos integrantes do respectivo órgão especial.

Para todas essas ações, também, o legislador dispensou o efeito vinculante. No processo objetivo, tratando-se de ações iniciadas, desenvolvidas e concluídas,

com a finalidade de manutenção da ordem jurídica constitucional, garantindo a segurança jurídica, que interessa não a uma só pessoa ou a um grupo determinado, mas a toda uma comunidade, é natural que as decisões finais atinjam a todos, espargindo seus efeitos difusamente. Este é o efeito erga omnes.

Não é outra a manifestação de Alexandre Sormani (2004, p. 126): É natural ao controle abstrato e objetivo, objeto desta lei o efeito denominado erga omnes, ou seja, eficaz em face de todos. Ora, se o controle abstrato e objetivo não se atém às peculiaridades de um conflito de interesses subjetivos diante de um caso concreto, nada mais lógico que as inferências deste julgamento produzam idênticos efeitos para todos que se submetem à eficácia do ato normativo analisado. Como nas ações direta e declaratória defende-se um interesse difuso de toda a sociedade sujeita à lei ou ao ato normativo, os limites subjetivos da decisão de mérito abrangerão todos os titulares do interesse metaindividual. E a coisa julgada, por óbvio, dará estabilidade a estes limites subjetivos.

Sobre os efeitos erga omnes e a coisa julgada na ação direta de inconstitucionalidade, com considerações que se ajustam ás ações declaratória de constitucionalidade e de argüição de descumprimento de preceito fundamental, no controle abstrato, Regina Maria Macedo Nery Ferrari (1999, p. 172) ensina que:

Caracterizando um verdadeiro exercício do direito de ação, o julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Federal refere-se à lei em tese, e os efeitos dessa decisão deverão atingir a todas as hipóteses em que possa haver sua incidência, vale dizer, a decisão que declara a inconstitucionalidade em tese é de alcance erga omnes, e reveste-se da autoridade da coisa julgada erga omnes, obrigando, portanto, não só o Poder Judiciário como a todos os demais poderes – Legislativo e Executivo -, implicando ainda na impossibilidade de sua modificação ulterior pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Não podemos confundir efeito vinculante com a eficácia contra todos. Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 263) traz a definição de efeito vinculante e

interessante paralelo com a eficácia contra todos (erga omnes), estabelecendo que esses dois institutos não devem ser confundidos, pois enquanto o desrespeito a uma decisão com efeito vinculante dá ensejo ao uso da reclamação, a sentença erga omnes, sendo desrespeitada, o seu comando poderá ser assegurado mediante o recurso extraordinário.

Tratando dos destinatários observa que a eficácia contra todos alcança inclusive o Poder Legislativo, o que não acontece com o efeito vinculante, que traz os seus destinários exaustivamente enumerados no texto legal ou constitucional.

Diz que pelo efeito vinculante estão obrigados os Órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta às interpretações realizadas pelo Supremo Tribunal Federal no exercício da competência de controle abstrato de constitucionalidade.

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Sobre a distinção dos institutos jurídicos do efeito vinculante, eficácia contra todos e coisa julgada, Roger Stiefelmann Leal (2006), especifica que o efeito vinculante não significa imposição a todos da parte dispositiva do acórdão.

O efeito vinculante envolve a fundamentação, a motivação, a razão de decidir, e tem os destinatários especificados na lei.

E quanto aos efeitos ex tunc (atinge situações pretéritas) e ex nunc (situações futuras)?

Primeiro, os efeitos na ação declaratória de constitucionalidade. Pode ocorrer de determinada lei ou ato normativo, em caráter difuso, ter sua

constitucionalidade questionada, surgindo relevante controvérsia, considerando os pronunciamentos contraditórios na jurisdição ordinária.

Essa controvérsia judicial relevante sobre a questão constitucional autoriza a ação declaratória de constitucionalidade.

O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal. Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto, pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter, a ação declaratória de constitucionalidade, em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal. (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/04/03)

Alexandre Sormani (2004) aponta a demonstração da controvérsia como imanente ao interesse processual. Há necessidade do processo objetivo relativo a ação declaratória de constitucionalidade para estancar a insegurança jurídica.

Se não houver dúvida ou estado de incerteza inexistirá interesse processual para assegurar a presunção relativa da lei ou ato normativo, abalada pelas diversas decisões contraditórias no âmbito do controle difuso.

A declaratória se instaura para promover a presunção absoluta da constitucionalidade da lei ou ato normativo questionado, não para inovar a ordem jurídica. Apenas confirma a validade da norma ou ato normativo. Por isso tem apenas eficácia ex nunc.

Portanto, as decisões de mérito promovidas na ADC têm efeitos ex nunc, erga omnes e vinculantes.

A ação direta de inconstitucionalidade, por visar retirar do ordenamento jurídico lei ou ato normativo que se encontra em desacordo com as disposições constitucionais, modifica o ordenamento legal na medida em que exclui a lei considerada inconstitucional e traz vida à lei ou ato normativo anterior revogado.

Isso porque a lei entendida como inconstitucional é considerada nula. Já temos dois efeitos da ação direta, quais sejam, erga omnes e o vinculante. Teria também a decisão de mérito efeito ex tunc ou ex nunc? Poderia ter ambos,

dependendo da circunstância? Clèmerson Merlin Clève (2000) observa que, quer na via difusa, quer na via

concentrada, a declaração de inconstitucionalidade provoca a nulidade do ato atacado, tratando-se de decisão declaratória, no sentido de que apenas reconhece uma situação jurídica pré-existente, e, por isso, espargindo efeito ex tunc, operando efeitos retroativos até o nascimento da norma atacada.

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Podemos dizer que, se volta à vigência a lei ou ato normativo revogado pela lei considerada inconstitucional, em sentença declaratória que reconhece a sua nulidade, a eficácia ex tunc gera o efeito repristinatório, que de acordo com Uadi Lammego Bulos (2007, p. 252) diz respeito àquele que faz tornar à vida a norma revogada, que torna, desde então, a produzir eficácia.

Oportuno lembrar o disposto no artigo 27 da lei nº 9.868/99: [...] ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A mesma regra expressa o artigo 11, da lei nº 9.882/99, quanto a ADPF. Tratam os referidos mandamentos legais da modulação dos efeitos da

declaração de inconstitucionalidade. Levando em conta motivos de segurança jurídica ou relevante valor social

poderá o julgador limitar os efeitos da decisão de modo a conferir-lhe eficácia a partir do trânsito em julgado da sentença ou mesmo um momento posterior, ou seja, efeito prospectivo.

A Corte Suprema poderá manipular o efeito temporal da sua decisão. Assim, regra geral o efeito é ex tunc, mas poderá ser ex nunc, ou mesmo a decisão ter eficácia em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença.

Desse modo há uma flexibilização para atender a situações já consolidadas, que se desconstituídas, trariam maior insegurança jurídica, dando-se assim, uma maior efetividade à proteção da dignidade da pessoa humana.

É o que nos ensina Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 250): A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer, igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração de inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado.

Feitas as principais considerações sobre os efeitos ex tunc, ex nunc, e erga omnes, passemos á análise do efeito vinculante.

Iniciamos com manifestação do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal:

As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos (erga omnes) e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em conseqüência, à necessária observância por tais órgãos

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estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico-constitucional de determinada lei ou ato normativo. (Rcl 2.143-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/06/03)

Segundo Walber de Moura Agra (2008, p. 152), efeito vinculante, como o próprio nome diz:

[...] é a vinculação, obrigatoriedade, dos poderes estabelecidos às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade. [...] O efeito vinculante incide em relação aos órgãos do Poder Judiciário e aos órgãos da administração pública, em seus três níveis, isto é, a todas as esferas do Poder Executivo.

Uadi Lammêgo Bulos (2007), contribui para a definição do efeito vinculante, característico das decisões de mérito na fiscalização abstrata.

Lembra esse autor que se é do Supremo Tribunal Federal a competência para realizar a interpretação definitiva da Constituição, pois que guardião dela, é natural que as suas manifestações nesse aspecto sejam observadas obrigatoriamente pelos demais órgãos do Poder Público.

Márcia Regina Lusa Cadore, em “Súmula vinculante e uniformização da

jurisprudência” (2007), tratando da introdução da súmula vinculante em nosso sistema e ainda

da insuficiência do efeito erga omnes nas decisões da Suprema Corte no processo objetivo de

controle concentrado de constitucionalidade, expõe que apenas com o ingresso do efeito

vinculante no ordenamento jurídico constitucional brasileiro é que ficou possível o manejo da

reclamação para rapidamente restabelecer a autoridade do julgado da Suprema Corte, pois que

antes, estruturado apenas na eficácia erga omnes, deveria o prejudicado recorrer ao moroso

procedimento do recurso extraordinário.

Alexandre Sormani (2004, p. 130), trata das decisões do STF, no controle abstrato de

constitucionalidade, que possuem efeito vinculante:

Note-se que na Constituição se afirma unicamente que a decisão definitiva de mérito terá o efeito vinculante, pouco importando se tal decisão for pela procedência, improcedência ou parcial procedência da ação. Assim, terá efeito vinculante o dispositivo que tecer que a lei A é constitucional; inconstitucional; em parte constitucional com declaração de inconstitucionalidade da parte residual; em parte constitucional sem declaração de inconstitucionalidade da parte residual; constitucional apenas em determinado sentido ou exegese ou que são inconstitucionais as aplicações do ato normativo em determinadas hipóteses.

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Saliente-se que é possível que, julgando o ato normativo parcialmente constitucional, não se forme maioria absoluta para declarar a parte residual inconstitucional ou vice-versa. Nestes casos, a decisão será vinculante apenas no tocante à parte que atendeu à votação qualificada, pois foi a única em que houve pronunciamento de mérito pelo órgão colegiado.

Mais a frente nessa sua mesma obra (p. 134), analisando o artigo 28, § único, da lei

nº 9.868/99, defende o efeito vinculante, para a ação direta de inconstitucionalidade, apenas

diante de prévia divergência jurisprudencial.

Com respeito a esse mesmo assunto Alexandre de Moraes (2005, p. 680), esclarece

que:

[...] uma vez proferida a decisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que deverão pautar o exercício de suas funções na interpretação constitucional dada pela Corte Suprema, afastando-se, inclusive, a possibilidade de controle difuso por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário.

Regina Maria Macedo Ferrari (1999, p. 177) diz que:

[...] conferir efeito vinculante às decisões dos tribunais superiores é uma tendência universal, e consiste em lhes dar maior eficácia, isto é, além da eficácia erga omnes, própria das proferidas em jurisdição concentrada, na fiscalização abstrata da constitucionalidade, quer dizer que todos os órgãos judiciários e administrativos ficam a ela vinculados, obrigados a respeitar o que já ficou decidido pelo Supremo, o que possibilita a igualdade de efeitos de sua manifestação, pela submissão a seus termos de todas as causas, inclusive daquelas que estão em andamento.

Walber de Moura Agra (2008), analisa o efeito vinculante como uma maneira de promover a transcendência da fundamentação da sentença nas ações abstratas, que passa a ter observância obrigatória, além da parte dispositiva, pois que assim vem entendendo o Supremo Tribunal Federal.

Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreria Mendes (2001, p. 337; 341), também trazem considerações acerca do efeito vinculante, envolvendo os fundamentos determinantes da sentença.

Trata-se de instituto jurídico desenvolvido pelo direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos determinantes. Assim, a coisa julgada de uma decisão com efeito vinculante ultrapassa os limites estritos da parte dispositiva para abranger, igualmente, a norma decisória concreta, isto é, aquela idéia jurídica subjacente à formulação contida na parte dispositiva, que, concebida de forma geral, permite não só a decisão do caso concreto, mas também a decisão de casos semelhantes.[...] No controle concentrado de constitucionalidade, o efeito vinculante tem as seguintes conseqüências para órgãos estatais não partícipes do

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processo: a) ainda que não tenham integrado o processo, os órgãos constitucionais estão obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições, a tomar as necessárias providências para o desfazimento do estado de ilegitimidade; b) assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei estadual, ficam os órgãos constitucionais de outros Estados, nos quais vigem leis de teor idêntico, obrigados a revogar ou modificar os referidos textos legislativos; c) também os órgãos não partícipes do processo ficam obrigados a observar, nos limites de suas atribuições, a decisão proferida, sendo-lhes vedado adotar conduta ou praticar ato de teor semelhante àquele declarado inconstitucional. [...] Em verdade, o efeito vinculante decorre do papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais.

Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 127; 181) explica o motivo pelo qual surgiu o efeito vinculante na Europa, o mesmo que levou o constituinte nacional a adotá-lo aqui no Brasil, exatamente para evitar a repetição material do vício de inconstitucionalidade indicado através de atos do mesmo nível hierárquico. O objetivo precípuo do efeito vinculante seria impedir a recalcitrância dos demais órgãos e poderes do Estado com relação às decisões exaradas no campo do controle concentrado de constitucionalidade, tendo a conseqüência, apenas por via reflexa, de diminuir o número de feitos diante do Poder Judiciário.

Quanto aos destinatários do efeito vinculante vamos encontrá-los enumerados no artigo 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal, artigo 28, da Lei nº 9.868/99, e artigo 10, da Lei nº 9.882/99.

O Poder Legislativo, por ausência de previsão legal, não está obrigado a observar a fundamentação, a ratio decidendi, utilizadas nas decisões de mérito no contexto do processo objetivo do controle concentrado de constitucionalidade.

Com respeito ao Poder Judiciário, apenas o Supremo Tribunal Federal está excluído da incidência da eficácia vinculante. É o que nos ensina Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 159), levando em conta a literalidade do dispositivo constitucional (§ 2º, do artigo 102), “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal [...] produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário [...]”, pois, caso contrário, decorreria a estagnação do desenvolvimento jurisdicional, que deixaria de oxigenar-se, adequando-se à constante evolução social.

Tratando do Poder Executivo, esse mesmo autor ressalva que importante modificação provocou a EC 45/04 sobre o texto constitucional, já alterado com a incidência da EC 03/93.

Ocorre que no parágrafo 2º, do artigo 102, da Constituição Federal, houve uma alteração de termos, de Poder Executivo para Administração Direta e Indireta.

Segundo ele (2006, p. 160), isso fez com que: [...] na prática, a atividade legislativa desenvolvida pelo Poder Executivo fica liberada de observar a ratio decidendi dos julgamentos proferidos em ação declaratória de constitucionalidade. Passa a Emenda n. 45/2004 a permitir que o Poder Executivo desafie o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, reproduzindo, em medidas provisórias, projetos de lei e decretos, preceitos normativos já declarados inconstitucionais em ação declaratória de constitucionalidade. Da mesma forma, fica o Poder Executivo autorizado a sancionar, sem qualquer impedimento de ordem jurídica,

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comandos normativos que contrariem manifestamente a interpretação constitucional assentada expressamente pela Corte. Quanto ao exercício das atribuições administrativas, cumpre ao Poder Executivo observar a ratio decidendi integrante das decisões proclamadas em controle abstrato de constitucionalidade, isto é, as interpretações e raciocínios ali desenvolvidos deverão ser acatados na aplicação da legislação, ainda que em sede de processo administrativo, bem como na representação judicial da administração pública, constituindo, a priori, impedimento às procuradorias e advocacias estatais sustentar argumentação em sentido contrário. Ao exercício da administração pública também se aplica o efeito vinculante conferido – com base legal – às decisões de argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Convém, nesse momento, traçar algumas características da coisa julgada, para demonstrar que no processo objetivo ela sofre algumas alterações.

Lembra Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 147) que, no processo civil clássico: A qualidade da coisa julgada material da decisão veda que (a) o Judiciário possa voltar a julgar a questão, que (b) as partes voltem a litigar e que (c) o legislador interfira a posteriori no seu resultado concreto (art. 5º, XXXVI, da Constituição). A autoridade da coisa julgada limita-se, porém, apenas à parte dispositiva da decisão, restando excluídos, por expressa dicção do art.469 do Código de Processo Civil, os motivos que lhe emprestam fundamento.

Continuando sua explanação, esse mesmo autor (2006, p. 148) observa que a parte dispositiva da sentença no controle abstrato tem eficácia não apenas inter partes, mas erga omnes, ou seja, a parte dispositiva, dotada de imutabilidade, tem eficácia contra todos, inclusive contra o próprio Supremo Tribunal Federal.

Desse modo, a prática constitucional brasileira, apesar da ausência de expressa disciplina legal ou constitucional, reconheceu às decisões de constitucionalidade proclamadas em sede de controle abstrato qualidade de coisa julgada material oponível erga omnes. Implica dizer que, mediante significativo exercício de hermenêutica constitucional, dotou-se a parte dispositiva dessas decisões de imutabilidade e de eficácia contra todos, inclusive os demais órgãos e entidades estatais, bem assim o próprio Supremo Tribunal Federal.

Resumindo, a sentença tem três requisitos essenciais, o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva (art. 458, CPC).

Sobrevindo a coisa julgada material, torna-se obrigatório o comando que emerge da parte dispositiva da sentença, na qual ficam vinculados o Juiz e as partes.

Os motivos não fazem coisa julgada (art. 469, CPC). Tratando dos limites objetivos da coisa julgada Nelson Nery Junior e Rosa

Maria de Andrade Nery (2006) ensinam que apenas a parte dispositiva é alcançada pela autoridade da coisa julgada, não os fundamentos, que poderão ser novamente analisados em outra lide e ter interpretação diversa da anterior.

Isso no processo civil clássico, como já dissemos. No processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, a coisa julgada

é dotada de eficácia erga omnes, contra todos, até o Supremo Tribunal Federal, e efeito vinculante, no sentido de que, além da parta dispositiva, também a fundamentação deve ser observada pelos Poderes Executivo e Judiciário, exceto o Supremo Tribunal Federal.

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Assim, existindo o efeito vinculante em um determinado sentido, como o juiz, que analisa determinado caso, posteriormente, saberá que deverá aplicar o obrigatório precedente do Excelso Pretório?

Márcia Regina Lucia Cadore (2007, p. 61; 65), tratando do common law, nos dá as orientações.

Segundo essa autora, tendo por parâmetro o procedimento adotado pelo direito inglês, a resposta a essa indagação é encontrada no núcleo da fundamentação inserida na sentença que justifica a decisão em um ou noutro sentido.

Quer dizer, em cada solução dada a cada caso concreto deve ser identificada a razão de decidir, a ratio decidendi, que significa não simplesmente a fundamentação, mas a sua essência, o seu substrato, que servirá de norte para os julgamentos futuros.

Lembra ela que a identificação dessa essência da fundamentação não é fácil de ser encontrada, e que sequer os juízes e tribunais ingleses estabeleceram os seus requisitos ou elementos que proporcionem maior rapidez e facilidade para a sua caracterização.

Essa razão de decidir não se limitaria às mesmas expressões verbais. O que se conta são os princípios e os valores inseridos na decisão, ou seja, o espírito que das palavras promana.

Por um lado, se há um núcleo, uma essência, consubstanciada em um valor, um princípio, uma norma jurídica, imprescindível para o deslinde da situação litigiosa, por outro, no corpo da fundamentação há também elementos essenciais, acidentais, que apenas complementam a sentença, sem relação com os fatos relevantes da causa, e por conseqüência não vinculam.

Assim, a ratio decidendi vincula-se aos fatos da causa. O Juiz fica vinculado ao precedente se a mesma for a razão de decidir, tratando-se da mesma relação fática. Daí porque a eficácia vinculante deve atingir não apenas a parte dispositiva da sentença, como também a sua fundamentação, naquilo que lhe for essencial, constituindo o seu núcleo.

A distinção entre a relação fática posterior e o precedente se dá através da análise desses elementos essenciais da fundamentação, procedimento denominado distinguishing (distinção, diferenciação), no direito inglês, onde se preserva a tradicional argumentação “de caso a caso” (from case to case).

Essa é a teoria declarativa do precedente judicial pela qual o Juiz do caso posterior fica vinculado a considerar como regra de direito a ratio decidendi do precedente, isto é, segundo a base fática que o antecessor considerou relevante para decidir.

Continua a mesma autora, acrescentando que, além dessas figuras já analisadas, existe o procedimento, não menos relevante, que proporciona a renovação jurisprudencial, preservando a atividade criativa dos juízes, denominado overruling, pelo qual embora o julgador tenha a sua frente caso semelhante ao que proporcionou o precedente, ele não o aplica, sob o argumento de que não subsistem os mesmos pressupostos de fato, emitindo uma nova decisão com uma outra regra de direito.

Colabora nesse tema Roger Stiefelmann Leal (2006), considerando o contexto do ordenamento jurídico nacional.

É necessária a publicação das decisões do STF proferidas em processo objetivo. Contudo a lei obriga apenas a publicação da parte dispositiva, determinação insuficiente considerando que o efeito vinculante abarca ainda a fundamentação dos acórdãos.

É o que encontramos no artigo 28, da Lei nº 9.868/99, no artigo 10, parágrafo 2º, da Lei nº 9.882/99, e no artigo 95 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Segundo Roger Stiefelmann Leal (2006, p.171-172):

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A publicação da parte dispositiva das decisões tem relação direta, de causa e efeito, com a eficácia erga omnes que produz. A observância do decisum por todos está obviamente condicionada à sua publicidade, informação oficial de sua existência e de seu conteúdo. Todavia, o mesmo não ocorre com os motivos subjacentes à decisão, embora vinculem tanto os demais órgãos do Poder Judiciário quanto o Poder Executivo. Pela mesma razão porque se impõe a publicação da parte dispositiva dos julgados do Supremo Tribunal Federal, acompanhada ou não de suas ementas, seria indispensável veicular em Diário Oficial a íntegra dos seus fundamentos, a exemplo do que ocorre na prática constitucional espanhola, com a finalidade de dar pleno conhecimento aos órgãos público situados em todas as regiões do País sobre as interpretações e princípios que estão obrigados a observar.

Outra faceta peculiar, inerente ao processo objetivo, diz respeito à ausência de previsão de recurso, inclusive rescisória, exceto embargos declaratórios, contra a decisão final, conforme menciona Alexandre Sormani (2004, p. 147-148), lembrando que tal se deve à natureza objetiva do processo de controle abstrato de constitucionalidade de normas e atos normativos, onde o Supremo se manifesta apenas sobre o conflito abstrato entre o ato normativo e a Constituição.

Quanto ao descabimento da rescisória Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 150-151):

Assentou, também, o Supremo que, como decorrência da natureza do processo, descabe a ação rescisória em sede de ação de inconstitucionalidade. Teve ocasião de lembrar o Ministro Rafael Mayer que a “declaração de inconstitucionalidade em tese importa a desconstituição, a nulificação da própria lei em si, como efeito imediato da sentença”, por isso não parece ser possível restaurar-se “o que foi desconstituído, pois se diz com razão que os efeitos da sentença são imutáveis”. Como a ação rescisória não se compatibiliza com a ação direta de inconstitucionalidade, não pode ser proposta (i) por terceiros interessados, nem (ii) pelas partes que figuram na relação processual.

Nesse sentido o disposto no artigo 26, da Lei nº 9.868/99 “A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória”; e no artigo 12, da Lei nº 9.882/99 “A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido de argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória”.

E qual seria a conseqüência da inobservância do efeito vinculante por parte de seus destinatários, ou seja, órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo?

Qual a providência jurídica a ser adotada com relação à recalcitrância daqueles que a deveriam observar?

Roger Stiefelmann Leal (2006) explica que a punição deve recair não só sobre o ato violador do efeito vinculante, mas também sobre o responsável pela recalcitrância, pois que de ambos fica subordinada a sua efetividade prática.

Para o ato violador, a ação de reclamação. Para a autoridade pública a responsabilização administrativa, civil e criminal.

12. A ação de reclamação. Além da sanção aplicada à autoridade pública pela inobservância do efeito

vinculante, é possível também a cassação do comportamento recalcitrante, e tal se dá,

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nos termos do artigo 102, I, “l”, da Constituição Federal, pelo manejo da ação de reclamação: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Tal competência também é deferida constitucionalmente ao Superior Tribunal de Justiça, conforme o disposto no artigo 105, I, “f”, da Carta Magna “Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”.

Há divergência quanto ao cabimento da reclamação para a preservação da competência e garantia da autoridade das decisões de outros tribunais superiores, além do STM e TSE, ou regionais.

Sobre a necessidade da reclamação no âmbito da competência e decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, Leonardo L. Morato (2007, p. 26-27):

[...] Entendeu, pois, o legislador que seria impossível conviver-se com a usurpação da competência e com o descumprimento das decisões dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, sem comprometer o traçado fundamental desse Poder. E entendeu também que seria impossível conviver-se com o desrespeito a uma súmula vinculante, sem comprometer a autoridade do Supremo Tribunal Federal. Daí por que a reclamação está prevista dentre os feitos de competência originária do STF e STJ, nos termos dos arts. 102, I, l, e 105, I, f, respectivamente da Constituição da República, para o fim de “preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”, e, no que diz respeito à súmula vinculante, está prevista no parágrafo 3º, do art. 103-A da CF.

O legislador ordinário consignou expressamente o cabimento da reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental (artigo 13, Lei nº 9.882/99).

Para não provocar um distanciamento dos objetivos propostos, este trabalho se circunscreverá à atuação da Suprema Corte no exercício de sua competência originária para o processo e julgamento da reclamação.

Trataremos mais adiante da reclamação para o respeito á súmula vinculante. Leonardo Lins Morato (2000, p. 452), a título de conclusão considera que a

reclamação tem a natureza jurídica de ação, e prossegue:

[...] e é ação com fundamento na Constituição Federal, por meio da qual se busca reforçar a eficácia decisória de um julgado de um Tribunal Superior, para impor o seu cumprimento e assegurar a efetiva prestação da tutela jurisdicional. É também uma ação utilizada para a preservação da competência dos Tribunais Superiores, eventualmente desrespeitada. Outra conclusão que deve ser mencionada diz respeito à importância da reclamação. A sua finalidade é a de dar segurança ao nosso Sistema Jurídico. A reclamação permite aos Tribunais Superiores restabelecerem-se em face da desmoralização contra eles praticada, por quem quer que tenha praticado o ato em desobediência, ou invadido a sua competência, esta última qualificada como competência de Corte.

E por ter a natureza jurídica de ação, Leonardo Lins Morato (2007, p. 84) define-a como:

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Instrumento jurídico processual, disponível ao interessado, com a finalidade de, em última instância, garantir os direitos fundamentais, as liberdades públicas e o próprio Estado Democrático de Direito, por meio da atuação dos órgãos máximos do Poder Judiciário.

Mais adiante nessa sua mesma obra (2007), ressalta que esse importante instituto, trata-se de um processo subjetivo, pois que demanda a sua instauração a provocação por um interessado, que deve demonstrar o seu interesse processual na ação da reclamação, ou seja, que sofreu um prejuízo em decorrência do desrespeito ao efeito vinculante de uma decisão de mérito exarada em controle abstrato.

Ao abordar a questão da legitimação ativa, esse mesmo autor (2007, p. 92) explica que:

De fato, a finalidade da reclamação é a de assegurar a autoridade das decisões e a competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o que também interessa a todos, indistintamente, e ao funcionamento do próprio Estado Democrático de Direito. Contudo, a reclamação não pode ser promovida por qualquer interessado em defender a autoridade daquelas Cortes. Necessário haver na reclamação, antes de mais nada, o interesse subjetivo de alguém – e esse alguém é o reclamante, salvo no caso de outras modalidades de legitimação, como a extraordinária –em fazer valer os seus próprios direitos.

Mais adiante, analisando o cabimento da reclamação nas hipóteses de desacato às decisões prolatadas em processo objetivo, define quem é parte interessada para o efeito de propor a reclamação, sendo aquele que tiver interesse, ou nos termos do artigo 13, da Lei nº 8.030/90, de forma abrangente, pela parte interessada.

Tratando da parte passiva da reclamação, o autor (2007, p. 213) consigna que: [...] é a autoridade (judicial ou não) que tenha descumprido a decisão judicial ou usurpado a competência das Cortes em questão. É a autoridade que se coloca contra o sistema, afrontando-o – seja quando não cumpre decisão judicial, seja quando desrespeita norma de competência -, que pode ser parte passiva na reclamação, e não a parte contrária, que figurou no feito em que se deu a decisão que, mais tarde, veio a ser desacatada, tampouco alguém que tenha sido favorecido em razão da conduta de usurpação de competência praticada pela autoridade reclamada.

Daqui para diante estudaremos a reclamação, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de garantir a autoridade de suas decisões. Isto é, quando os demais órgãos do Poder Judiciário e os órgãos do Poder Executivo, não observam os fundamentos da decisão de mérito, com efeito vinculante, proferida em processo objetivo, de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim, iniciamos com a seguinte indagação: quando se considera caracterizado o desacato? Quando que a decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal em sede de fiscalização abstrata de normas, quer seja em ação direta, declaratória ou argüição de descumprimento de preceito fundamental, poderá ser considerada desobedecida em sua eficácia vinculante dando ensejo á ação de reclamação por parte daquele que teve um seu interesse prejudicado em decorrência dessa manifestação?

Leonardo L. Morato (2007) ensina que para ser considerado desacato, a desobediência, a recalcitrância, deve ferir a parte dispositiva do acórdão, que reflete a lei entre as partes, sendo necessário que a decisão já esteja produzindo efeitos.

132

E qual seria o resultado possível em uma ação de reclamação? Qual poderia ser o conteúdo do acórdão?

A decisão que julga a reclamação, pela procedência ou improcedência, é sentença de mérito, inserida em uma das hipóteses do art. 269 do Código de Processo Civil.

O objeto da ação não corresponde àquela da decisão desacatada, mas sim ao desacato em si mesmo.

De acordo com Márcia Regina Lusa Cadore (2007, p. 144): Sendo a reclamação uma ação, parece correto afirmar que “deve possuir como qualquer outra modalidade de ação, os seus elementos (partes, pedido e causa de pedir), as suas condições (interesse de agir, legitimadade ad causam e possibilidade jurídica do pedido), além dos pressupostos processuais”. O pedido deve, necessariamente, ser a anulação do ato administrativo ou cassação da decisão judicial. Se for o caso, a prolatação de nova decisão judicial.

Caso constatada a insubordinação ao julgado, a sentença deverá ser desconsiderada, e haverá a determinação para a observação do julgado desacatado.

Este é o mandamento contido no artigo 17 da lei nº 8.038/90 “Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência”.

Nesse sentido o disposto no artigo 161, “Julgando procedente a reclamação, o Plenário ou a Turma poderá [...] III – cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição”, e 162 “O Presidente do Tribunal ou da Turma determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente”, ambos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Observa Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 165-166) que mesmo após a decisão de procedência na ação de reclamação pode ocorrer de persistir a desobediência, recalcitrância, demonstrando a fragilidade dessa medida caso tomada isoladamente.

Em conformidade com o art. 17 da Lei 8038/90, a procedência da reclamação resultará na cassação da decisão exorbitante, medida que, se importar no reenvio da questão ao juízo a quo – nos casos em que a recalcitrância tem origem no exercício de função jurisdicional -, poderá constituir importante mecanismo de inibição da renitência em face da determinação de novo julgamento. Contudo, pode também gerar inconveniente procedimento cíclico em que a reclamação é julgada procedente, cassa-se a decisão divergente, devolve-se o processo à autoridade competente para novo julgamento, porém esta renova sua decisão, propiciando o ajuizamento de nova reclamação e nova cassação, que, por sua vez, oportuniza nova demonstração de rebeldia, seguida de outra reclamação, e assim por diante. Em suma, o mero expediente da reclamação cassatória, sem a responsabilização da autoridade, permite a persistência infinita da recalcitrância indesejada.

Leonardo L. Morato (2007, p. 241-242), por sua vez, assevera que a reclamação tem natureza mandamental, e o Juiz não pode se limitar a proferir a sua decisão, mas também perseguir o objetivo de alcançar o cumprimento da ordem que prolatou, quando a decisão seguir no sentido da procedência do pedido.

Percebe-se, daí, que o provimento jurisdicional que decide a reclamação não encerra a atividade do órgão julgador, que deve continuar perseguindo o fim que legitimou a sua provocação pelo interessado (o reclamante). Desse modo, a mandamentalidade da sentença de

133

reclamação não reside somente na ordem proferida pelo órgão julgador, mas também na conjugação dessa ordem com as medidas necessárias à imposição desse comando judicial, sendo certo que há, aí, interesse do Estado.

Alexandre Sormani (2004), entende que julgada procedente a ação de reclamação a decisão reclamada deve ser cassada pelo plenário do Tribunal, para que outra seja proferida com o respeito ao mandamento dotado de efeito vinculante.

CAPÍTULO IV

SÚMULA VINCULANTE

4.1 Conceitos Essenciais

Este novel instituto jurídico, ínsito ao processo objetivo, tem a finalidade de

estabelecer a certeza jurídica, afirmar a segurança jurídica, promover a celeridade processual

e impedir demandas desnecessárias, valores que, como direitos fundamentais, integram a

dignidade da pessoa humana.

A súmula vinculante identifica-se ainda como instituto promotor e protetor da

dignidade da pessoa na medida em que garante a efetividade do princípio da igualdade ou

isonomia, não permitindo que diante de uma mesma situação fática, em um mesmo contexto

134

histórico, jurisdicionados obtenham respostas diversas, decorrentes dos inúmeros processos

com infindáveis recursos acerca da mesma questão jurídica, que são submetidos a juízes e

tribunais diversos, e analisados pelo primado do livre convencimento, resultando ainda em

uma morosidade na solução da lide, que, de tão comum, traz tal desalento que muitos

cidadãos deixam de reivindicar um direito por saber que a solução de seu problema

demandará muito tempo, com certeza meses, por vezes, anos, e não raro décadas.

Com sua natureza objetiva, surge a súmula vinculante como instrumento para a

garantia e proteção de direitos fundamentais, a duração razoável do processo, e os princípios

da isonomia e segurança jurídicas.

Nesse momento começaremos a tratar da súmula vinculante, mas previamente iremos

estabelecer alguns conceitos necessários ao perfeito entendimento do tema, porque

diretamente a ele relacionados. São conceitos relativos a institutos jurídicos do processo

tradicional, de conflitos intersubjetivos, que, à sua maneira, também promovem a proteção e

implementação da dignidade da pessoa humana, conforme já estudado anteriormente.

4.1.1 Sentença

O legislador processual civil dá a seguinte definição de sentença:

Art. 162, § 1º: “Sentença é o ato do Juiz que implica algumas das situações previstas

nos arts. 267 e 269 desta lei”.

Os artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil indicam as hipóteses nas quais o

Juiz extingue o processo sem e com resolução do mérito, respectivamente.

Tratando da recente modificação da legislação processual, operada pela lei nº 11.232,

de 22 de dezembro de 2006, Márcia Regina Lusa Cardore (2007, p. 36), verifica que a

sentença, na atual disciplina:

135

[...] não mais põe fim ao processo, mas apenas à fase de conhecimento. Elimina-se a ruptura antes existente entre o processo de conhecimento e o processo de execução. Mas a relevância do ato decisório denominado “sentença” não se modifica: encerra-se em tal ato a primeira manifestação do Estado-juiz com o intuito de resolver a pretensão do autor.

Desse modo, de acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery

(2006, p. 372), sentença “é o ato do juiz que, no primeiro grau, extingue o processo com ou

sem julgamento do mérito”.

Acrescentam que “[...] no primeiro grau, pois, se houve apelação, o processo

continua no segundo grau de jurisdição. O CPC levou em conta a finalidade do ato para

classificá-lo e não seu conteúdo: se o objetivo do ato for extinguir o processo, trata-se de

sentença”.

O artigo 458 do Código de Processo Civil indica quais são os requisitos essenciais da

sentença:

[...] o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

Márcia Regina Lusa Cadore (2007, p. 37), tratando do relatório, observa que:

[...] ganha relevo, aqui, a descrição das situações de fato subjacentes à demanda, de modo a permitir que o exame da sentença possa identificar o exato teor da controvérsia e, desta forma, se confirmada, ser adotada como eventual precedente a contribuir para a uniformização da jurisprudência relativamente a controvérsias semelhantes. No sistema do common law inglês, não é raro existirem decisões nas quais são reservadas muitas laudas à descrição dos fatos.

Sobre a motivação, essa mesma autora (2007, p. 38) explica que “na motivação, o

juiz soluciona as questões de fato e de direito, de forma diferente do dispositivo, no qual

decide a pretensão do autor. Apenas expõe os pressupostos para a decisão da causa, mas não a

decide”.

Observa que:

[...] a motivação é de fundamental importância, ainda, no que concerne à uniformização da jurisprudência. Torna-se necessário que essa

136

uniformização, na medida do possível, não seja apenas quanto ao resultado da demanda, mas também quanto à fundamentação. Mais do que isso, uma fundamentação adequada contribui para o debate e melhor tomada de decisão. (CADORE, 2007, p. 38)

A fundamentação ou motivação tem assento constitucional (art. 93, IX, CF).

Por fim, tratando do dispositivo, Márcia Regina Lusa Cadore (2007, p. 38), explica

que esse requisito:

[...] contém as conclusões da sentença, decorrentes dos fundamentos expostos, na conformidade das soluções dadas às questões suscitadas no processo. É a parte da sentença na qual se insere, efetivamente, a decisão, na qual o julgador responde ao pedido deduzido. O dispositivo adquire especial relevo em face do entendimento doutrinário no sentido de que é a porção do ato jurisdicional que adquire a autoridade da coisa julgada material.

Estará nula a sentença ausente qualquer um desses requisitos, relatório, motivação ou

fundamentação e dispositivo ou decisão.

4.1.2 Acórdão

No artigo 163, do Código de Processo Civil, encontramos a definição de acórdão:

“Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais”.

Nos termos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery (2006, p. 378):

Nada mais é do que a decisão do órgão colegiado do tribunal (câmara, turma, seção, órgão especial, plenário, etc.). A norma não menciona os atos proferidos nos tribunais por juiz singular (ministro, desembargador, desembargador federal), pois, somente se refere aos atos colegiados. Nos tribunais existem os atos praticados por juiz singular, normalmente na qualidade de relator ou de presidente ou vice-presidente, quanto aos atos de sua competência. Estes atos subsumem-se à classificação estabelecida no CPC 162: sentença, decisão interlocutória e despacho.

O acórdão deve conter os mesmos requisitos da sentença, quais sejam, relatório,

motivação e dispositivo.

Márcia Regina Lúcia Cadore (2007) realça a importância dos acórdãos, que

interessam sobremaneira à uniformização da jurisprudência.

137

4.1.3 Precedente judicial

Estabelece o artigo 479 do Código de Processo Civil que “O julgamento, tomado

pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e

constituirá precedente de uniformização da jurisprudência”.

Tal providência será adotada quando nos tribunais se verificar que há divergência

acerca da interpretação do direito a ser aplicado, ou então, quando no julgamento recorrido a

interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou

câmaras cíveis reunidas, nos termos do artigo 476, I, II, do CPC.

Seguindo o ensinamento de Márcia Regina Lucia Cadore (2007), temos no

precedente judicial um instrumento de uniformização de jurisprudência que surge desse

procedimento estabelecido pelo Código de Processo Civil.

Lembra essa doutrinadora que, na prática, qualquer decisão de um órgão judicial

colegiado, constitui-se em precedente judicial, ainda que não uniforme ou predominante.

4.1.4 Jurisprudência

Alcides de Mendonça Lima (1986, p. 356), ensina que jurisprudência em seu sentido

técnico específico: “É a reiteração de julgamento de parcelas ou do pleno de um tribunal ou

de vários sobre a interpretação de determinada norma jurídica ou de determinado fato

relevante para a incidência do preceito legal invocado”.

Mônica Sifuentes, em “Súmula Vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos

tribunais” (2005, p. 150), vê a jurisprudência como “o conjunto de decisões dos tribunais

sobre as matérias de sua competência ou uma série de julgados similares sobre a mesma

138

matéria: Forma-se a jurisprudência mediante o labor interpretativo dos tribunais, no exercício

de sua função específica”.

Silvio de Salvo Venosa, em “Direito Civil” (2003, p. 46), explica que:

[...] modernamente, é aplicado o nome jurisprudência ao conjunto de decisões similares sobre uma mesma matéria. A jurisprudência nunca é constituída de um único julgado, mas de uma pluralidade de decisões. O termo jurisprudência no direito antigo, significava a sabedoria dos prudentes, os sábios do direito. Significava a Ciência do Direito, e ainda hoje pode ser empregada nesse sentido. [...] A jurisprudência, como um conjunto de decisões, forma-se mediante o trabalho diuturno dos tribunais. É o próprio direito vivo, cabendo-lhe o importante papel de preencher lacunas do ordenamento nos casos concretos.

Rodolfo de Camargo Mancuso, em “Divergência Jurisprudencial e Súmula

Vinculante” (2007, p. 34-35), atribui cinco acepções ao termo jurisprudência:

a) Num sentido largo, corresponde ao que usualmente se denomina “ciência do direito”, ou seja, o ramo do conhecimento, espécie do gênero Ética, voltado ao estudo sistemático das normas de conduta social de cunho coercitivo [...]; b) Etimologicamente, vem a ser o Direito aplicado aos casos concretos pelos operadores do Direito – advogados, juízes, promotores de justiça, árbitros, conciliadores – como na antiga Roma se dava com os prudentes, agentes estatais então investidos do ius respondendi; c) Sob o ângulo exegético, ou hermenêutico, pode ainda significar interpretação teórica do Direito, feita pelos jurisconsultos e doutrinadores (juristas) em artigos, teses, livros ou mesmo em pareceres, sem, portanto, necessária afetação a um caso concreto, acepção essa que hoje aparece assimilada à palavra doutrina; d) Sob o ângulo da distribuição da justiça, tem a ver com a imensa massa judiciária, a somatória global dos julgados dos Tribunais, harmônicos ou não, ou seja, a totalização dos acórdãos produzidos pela função jurisdicional do Estado; e) finalmente, num sentido mais restrito, ou propriamente técnico jurídico, a palavra jurisprudência traduz a “coleção ordenada e sistematizada de acórdãos consonantes e reiterados, de um certo Tribunal, ou de uma dada Justiça, sobre um mesmo tema jurídico”.

Geram a jurisprudência as diversas decisões dos Tribunais, que adotam a mesma tese

jurídica, acerca de determinada matéria.

Por esse conjunto é possível imaginar em qual sentido irá decidir determinado Órgão

Jurisdicional, de acordo com a tese normalmente adotada, sobre certo assunto.

4.1.5 Súmula

139

O problema do grande número de feitos nos tribunais não é de hoje. Vem de longa

data, tanto que já em 1.963, por obra do Min. Victor Leal Nunes, houve a criação, no âmbito

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, da “Súmula da Jurisprudência

Dominante do Supremo Tribunal Federal”.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, p. 666-667) conceituam

súmula como sendo “o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e

predominante no tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos enumerados e

editados”.

Essas súmulas, fruto dos incidentes de uniformização da jurisprudência, refletem a

tese jurídica predominante em dado tribunal, obrigando apenas os juízes que o integram,

podendo os dos demais órgãos jurisdicionais decidir conforme o seu livre convencimento

motivado.

Denominadas súmulas simples, ou de efeito apenas persuasivo, são veiculadas

através de verbetes emitidos por qualquer tribunal, federal ou estadual, superior (STF, STJ,

TST, TSE, STM) ou não (TRF, TRT, TJ), e elaboradas a partir de reiteradas decisões no

mesmo sentido, vinculando, como mencionado acima, somente os membros do próprio

tribunal, mas não outros juízes.

Márcia Regina Lusa Cadore (2007, p. 44), traz a definição de súmula, a distinção

com o acórdão, e as espécies de súmulas:

Entre súmula e acórdão há diferença substancial. O acórdão, ainda quando tenha uma tese jurídica, é sempre o julgamento de um caso concreto. A súmula, ao contrário, é juízo de valor. [...] A súmula não julga uma causa. Seu objetivo é definir o exato entendimento da norma jurídica, a cujo respeito surgiram divergências. A súmula, em um enunciado, reflete a jurisprudência de um tribunal ou de uma seção especialmente autorizada a emitir a consolidação. Também a súmula poderá ter eficácia vinculante ou persuasiva. Poderá, ainda, ter como efeito o impedimento à interposição de recursos contra decisões que com ela estiverem em conformidade.

Muito embora tais enunciados não possuam força obrigatória não poucos

doutrinadores defendem que esse efeito teria de ser uma decorrência natural a atuar sobre o

140

espírito do julgador, diante de um caso concreto sobre o qual já existe um entendimento

pacificado no tribunal, e já sumulado, denotando o raciocínio jurídico que será levado a efeito

para a elaboração do acórdão.

Não tem porque decidir em um determinado sentido quando o órgão jurisdicional

superior tem entendimento contrário, o que levará, com absoluta certeza, à reforma da

sentença.

A esse respeito Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 316-317), para quem mesmo antes do surgimento constitucional da súmula com eficácia vinculante, na prática, as súmulas atuavam de maneira impositiva na consciência dos julgadores, por que logicamente não há sentido em se extrair um enunciado da jurisprudência em uma Corte Superior, se não para servir de direcionamento para as demais instâncias.

4.1.6 A Súmula Vinculante

A jurisprudência é construída pela interpretação que os órgãos jurisdicionais

superiores destinam a determinadas normas jurídicas para a solução dos casos semelhantes

que lhes são postos para decisão.

Assim, solucionando as lides num mesmo sentido utilizando-se de mesma tese

jurídica, torna-se possível a uniformização desse entendimento, conforme disciplina o Código

de Processo Civil em seus artigos 476 a 479, com a elaboração de extratos dessas decisões

chamadas súmulas simples, ou persuasórias, no sentido de que obrigam apenas os integrantes

do Tribunal que as criou, mas não os demais juízes que poderão julgar tendo como parâmetro

o seu livre convencimento e nos termos das provas existentes nos autos.

Lembramos que o efeito vinculante dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal

surgiu com a Emenda Constitucional nº 03/93 para as ações declaratórias de

constitucionalidade, sendo que a Emenda Constitucional n. 45/04 acrescentou também esse

141

efeito ás decisões das ações diretas de inconstitucionalidade, significando isso que todos os

demais tribunais, estão obrigados a acatá-las, e no caso do descumprimento, o prejudicado

pode lançar mão da reclamação para fazer valer a autoridade do julgado pela Corte

Constitucional Suprema.

Uadi Lammêgo Bulos traz a origem da súmula vinculante (2007, p. 1086):

As súmulas vinculantes nasceram no sistema common law, mais precisamente entre os anglo-saxões, derivando do brocardo “mantenha-se a decisão e não se perturbe o que foi decidido” (stare decisis et quieta nom movere). Nos Estados Unidos da América, a idéia de súmula vinculante exterioriza-se pelo instituto do stare decisis, pelo qual a Suprema Corte assegura aos indivíduos segurança e igualdade de entendimento na exegese de casos polêmicos e repetidos. Todos, sem exceção, do Presidente da República ao cidadão americano, acatam as decisões da Suprema Corte, num fervor quase religioso. Claro que o art. 103-A da Carta de 1988 não implantou o stare decisis entre nós, do mesmo modo que não converteu o nosso sistema civil law em common law, só porque permitiu ao Pretório Excelso aprovar súmula, com efeito, vinculante. A Emenda Constitucional n.º 45/2004 apenas fomentou a idéia de que a uniformização de temas controvertidos e reiterados, pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, é uma garantia fundamental da cidadania. Quanto aos antecedentes no Brasil as súmulas vinculantes remontam aos assentos com força de lei, regulamentados pelo art. 2º do Decreto n. 6.142, de 10 de março de 1876, que permitia ao Supremo Tribunal de Justiça interpretar as leis civis, comerciais e criminais quando, na execução delas, houvesse dúvidas manifestadas em julgamentos diversos de juízes e tribunais do Império. Os assentos da jurisprudência, como eram conhecidos, não chegaram a ser utilizados. Joaquim Nabuco, entusiasta do instituto, chegou a apresentar, em 1843, projeto de lei para permitir ao Supremo Tribunal de Justiça o direito de julgar, em definitivo, as causas em grau de recurso. De lá para cá, a idéia não tem agradado a todos. O próprio Nabuco nos relata que o Conselho de Estado inadmitiu os assentos com força de lei, sob o argumento de que subvertiam princípios basilares de hermenêutica, pois, se ao legislativo incumbe a exegese autêntica do Direito, ao Judiciário cabe a sua interpretação doutrinária. Esse seria o motivo que justificaria a não-aceitação dos assentos – figura congênere ao que chamamos de súmula vinculante.

Com essas considerações prévias passaremos à tentativa de aproximação para a

construção de um conceito de súmula vinculante.

Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 360):

É a potencialização da eficácia das súmulas do STF, as quais, até a EC 45/2004 (CF, art. 103-A e parágrafos) tinham força só persuasiva perante os órgãos jurisdicionais brasileiros, além do efeito de dispensarem, perante o STF, a “referência a outros julgados no mesmo sentido” (RISTF, parágrafo 4. do art. 102). O efeito vinculante – que a nosso ver alcança os motivos determinantes – opera sobre a declaração do STF acerca da validade, da

142

interpretação e da eficácia de normas determinadas, a respeito de matéria constitucional e tem como destinatários: (i) diretos, todos os órgãos jurisdicionais (CF, art. 92) e todos os administradores públicos, em sentido largo; (ii) indiretos, as pessoas físicas e jurídicas de direito privado e público e, em certa medida, o Poder Legislativo.

Contribuem ainda para essa definição Uadi Lammêgo Bulos (2007) e Walber de

Moura Agra (2008).

Alexandre de Moraes (2005, p. 506) ressalta que essas súmulas:

[...] surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.

Pelo até aqui exposto podemos considerar que súmula vinculante é aquele enunciado

estratificado das decisões reiteradas do (e apenas dele) Supremo Tribunal Federal acerca de

matéria constitucional, que terá esse efeito após a publicação na imprensa oficial, atingindo os

demais Órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas

federal, estadual, distrital e municipal, sendo que o seu procedimento poderá ser iniciado de

ofício ou por provocação, dependendo a sua aprovação de decisão nesse sentido por parte de

no mínimo oito ministros da Corte Suprema, dois terços, para a garantia da dignidade da

pessoa humana, incorporada nos direitos fundamentais da segurança jurídica, celeridade

processual e da isonomia, isto porque, os casos iguais no âmbito de um mesmo contexto

social e histórico não devem ter soluções diversas.

4.2 A Previsão Constitucional da Súmula Vinculante

A súmula vinculante, cujos argumentos da necessidade de criação foram estruturados

nos princípios da isonomia, segurança jurídica, economia e celeridade processuais, ingressou

no ordenamento jurídico brasileiro por ocasião da denominada reforma do Poder Judiciário,

143

com a Emenda Constitucional n. 45 de 08 de dezembro de 2004, que acrescentou o artigo

103-A, com três parágrafos, à Carta Magna.

Art. 103 – A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Parágrafo 1º. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Parágrafo 2º. Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo 3º. Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Trata-se de norma constitucional de eficácia contida, que trouxe o delineamento

mínimo para a imediata aplicabilidade da súmula vinculante, isto porque a Emenda

Constitucional nº 45/04, expressou no art. 103 – A, o necessário e suficiente para a

aplicabilidade das súmulas vinculantes a partir de sua edição, inexistindo qualquer

condicionamento tendo em conta a necessidade de futura legislação federal para tanto. Muito

embora essa possibilidade, a elaboração das três primeiras súmulas se deu somente depois da

vigência da lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou o art. 103-A da

Constituição Federal, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de

súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

Atualmente são dez as súmulas vinculantes.

4.2.1 Requisitos e abordagem das características mais relevantes

144

Serão analisados o dispositivo constitucional, art. 103-A; e a lei nº 11.417/06.

I – Competência.

A edição, revisão e o cancelamento de súmula de efeito vinculante é de atribuição do

Supremo Tribunal Federal (art. 1º, Lei nº 11.417/06).

Trata-se de procedimento objetivo de competência originária e exclusiva.

É procedimento objetivo porque não há partes com pretensões particulares,

subjetivas, mas que trata da validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas diante do

texto constitucional.

Sobre a natureza objetiva da ação declaratória de constitucionalidade, argumento

também adequado à súmula vinculante, Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira

Mendes (2005, p. 356), expõem que:

[...] configura típico processo objetivo, destinado a elidir a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a legitimidade de lei ou ato normativo federal. Os eventuais requerentes atuam no interesse de preservação da segurança jurídica e não na defesa de um interesse próprio. Tem-se, aqui, tal como na ação indireta de inconstitucionalidade, um processo sem partes, no qual existe um requerente, mas inexiste requerido.

Busca-se, com a súmula vinculante, proteger a ordem jurídico-constitucional,

objetivamente considerada, inexistindo interesse subjetivo a ser tutelado.

II – Objeto.

Propõe-se a resolver de forma definitiva os conflitos relativos a validade, a

interpretação e a eficácia de normas determinadas. (Art. 103, parágrafo 1º, da CF; art. 2º, Lei

11.417/06).

A súmula trará o posicionamento jurídico amadurecido da Corte Suprema com

relação à validade, interpretação e eficácia das normas federais, estaduais, distritais e

municipais diante dos preceitos estabelecidos na Carta Magna para tanto, após analisar

processos sobre questões idênticas.

145

Márcia Regina Lusa Cadore (2007, p. 139) nos dá os delineamentos concernentes à

validade, interpretação e a eficácia.

A súmula, ainda por determinação do constituinte derivado, deverá ter por objetivo a validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas. Uma norma pode estar em vigor e não ter validade: uma lei somente tem validade se estiver em conformidade com a Constituição, o que significa dizer que no caso, a discussão no Supremo Tribunal Federal deverá versar sobre juízos negativos ou positivos feitos pelos tribunais acerca da validade de um determinado dispositivo. Ou seja, para que se vislumbre a possibilidade de edição de uma súmula destinada a resolver o problema de validade de uma lei ou de um dispositivo de lei, é necessário que alguns tribunais estejam declarando a norma invalidada (isto é, inconstitucional) e outros não. Interpretação vem a ser “o resultado final, alcançado pela função nomofilácica da Corte, isto é, a avaliação que o Supremo Tribunal Federal, como guarda da Constituição (art. 102, caput) faz sobre a compreensão-extensão da norma indigitada”. A eficácia diz respeito às perspectivas temporal e espacial da norma, ou seja, sua operacionalidade no tempo e no espaço, mais precisamente matéria de direito intertemporal. Trata-se da capacidade da norma de produzir efeitos jurídicos, não importando se tais efeitos são produzidos no mundo dos fatos.

III – Legitimidade

O próprio Supremo Tribunal Federal, de ofício, pode instaurar o procedimento para a

criação, revisão ou cancelamento de súmula vinculante.

Tal também poderá se dar através de provocação dos legitimados a propor o controle

abstrato de constitucionalidade, que são os indicados no artigo 103, da Constituição Federal:

Presidente da República; Mesa do Senado Federal; Mesa da Câmara dos Deputados; Mesa de

Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado

ou do Distrito Federal; Procurador Geral da República; Conselho da Ordem dos Advogados

do Brasil; Partido político com representação no Congresso Nacional; Confederação Sindical

ou Entidade de classe de âmbito nacional.

A Lei nº 11.417/06, em seu artigo 3º, acrescentou ao rol constitucional de

legitimados o Defensor Público Geral da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de

Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os

Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

146

O parágrafo 1º desse artigo 3º também legitima o município, desde que a proposta

seja incidental ao curso do processo em que seja parte.

Entendemos que aqui, como nas ações de controle abstrato de constitucionalidade,

exatamente por ter a mesma natureza de processo objetivo, pode ser levada em conta, e

exigida, a pertinência temática, para evitar o excesso de proposituras com o fim de editar,

rever ou cancelar enunciado de súmula vinculante.

Essa pertinência temática presume-se presente, de forma absoluta nos legitimados

ativos universais ou neutros. Já os legitimados especiais, interessados ou sectários devem

comprová-la.

Analisando os artigos 103 e incisos da Constituição Federal e artigo 3º, da Lei nº

11.417/06, podemos dizer que são autores neutros: Presidente da República, Mesa do Senado

Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Procurador Geral da República, Mesa do Senado

Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Procurador Geral da República, Conselho Federal

da Ordem dos Advogados do Brasil, o Defensor Público Geral da União, e Partido Político

com representação no Congresso Nacional.

São autores interessados ou especiais, ou ainda sectários: Confederação sindical ou

Entidade de classe de âmbito nacional, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara

Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, os Tribunais

Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, Tribunais

Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e os

Tribunais Militares, incluindo-se aqui, ainda, o Município, conforme possibilita o parágrafo

1º, do artigo 3º, da lei nº 11.417/06.

IV – Existência de controvérsia atual entre órgãos do judiciário ou entre esses e a

administração pública que provoque grave insegurança jurídica.

147

A controvérsia, atual, consubstancia-se em soluções diversas dadas a uma mesma

questão jurídica, de contexto constitucional, surgindo uma situação de perplexidade no

espírito do jurisdicionado que teve a sua pretensão rejeitada, enquanto que outro, na mesma

situação que a sua, alcança a tutela desejada.

Como diz Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 313) “a controvérsia não pode

incidir sobre questões menores (de minus non curat praetor), mas deve ser de molde a por em

risco a estabilidade de valores sociais relevantes para a população e/ou para o Estado, tais

como a saúde, segurança, economia. [...]”

Esse desencontro deve existir entre os próprios órgãos judicantes, ou entre estes e a

administração pública, provocando uma situação de relevante, séria, de quase ou total

ausência de previsibilidade quanto às conseqüências jurídicas decorrentes da norma.

Busca-se preservar o princípio da segurança jurídica, entendida por Eduardo Takemi

Kataoka (2006, p. 355) como direito fundamental.

A certeza do Direito aparece, assim, como um Direito Fundamental, na medida em que não se geram deveres que surpreendam ao sujeito, assim como não se lhe impõe penas que possam atingir a sua liberdade ou os seus bens. Mais até do que isto: a falta de certeza do Direito pode levar a decisões divergentes entre os vários tribunais, o que, em última análise, faz com que casos idênticos sejam tratados de forma diferente em um mesmo ordenamento jurídico, o que contraria o princípio da igualdade, imanente á própria idéia de Direito. Sem segurança jurídica – rectius previsibilidade de conteúdo dispositivo deôntico das normas jurídicas – arrisca-se um dos pilares fundamentais da justiça, a igualdade. Existe, portanto, sem sombra de dúvida, um direito fundamental à segurança jurídica entendido como clareza das regras jurídicas.

Nesse aspecto a súmula é produto de longa e profunda discussão jurídica acerca de

determinada matéria, tornando-se a essência de enriquecida labuta jurisprudencial, justamente

para buscar a certeza do Direito, buscando evitar os sobressaltos para quem procura a tutela

de seu interesse.

V – Relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

148

Para a preservação do princípio da igualdade, é preciso dar o mesmo entendimento

jurídico para a questão idêntica que se repete em inúmeros processos, e assim, também,

implementar o princípio da celeridade.

Ora, se muitos processos chegam ao Supremo Tribunal Federal, trazendo em seu

bojo questão idêntica, significa que potencialmente soluções diferentes poderão resolver a

lide, ou seja, soluções jurídicas diversas para a mesma questão, o que acarreta morosidade,

pela multiplicidade de feitos, gerando a incerteza jurídica, ferindo ainda a igualdade, que

também deve reinar nas decisões nessas situações.

Daí que a súmula, com efeito vinculante, indicará qual a solução jurídica deverá ser

dada para todos aqueles casos idênticos, preservando e concretizando os princípios da

celeridade e da igualdade.

Nesse sentido Alexandre de Moraes (2005) que vê na súmula vinculante um potente

instrumento para a drástica redução do número de processos, que disponham sobre questões

idênticas, além do que, estará se preservando os princípios da igualdade e da segurança

jurídicas.

Importante também observar a permissão legal para a participação de terceiros,

chamados amigos da corte, figura já analisada quando tratamos dos instrumentos do controle

abstrato de constitucionalidade, que trará maior legitimidade ao processo.

No artigo 3º, no parágrafo 2º, da lei nº 11.417/06, há permissão para a manifestação

de terceiros: “No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula

vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na

questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.

O Processo objetivo da súmula vinculante não permite se fale na defesa de interesses

subjetivos, em partes, vez que não há interesses dessa natureza sendo defendidos, mas sim a

necessidade de proteção de todo o sistema jurídico no sentido de que decisões conflitantes

149

sejam pacificadas através da manifestação sumulada da Corte Suprema, expressando a tese

jurídica adotada como resultado de uma condensação de laboriosa construção jurisprudencial

em matéria constitucional.

Por essa razão a manifestação de terceiro deve se ater à apresentação de tese jurídica

concernente à validade, interpretação ou eficácia das normas jurídicas diante do texto

constitucional.

A natureza objetiva de procedimentos de competência do Supremo Tribunal Federal

apresenta como traço característico alguns institutos comuns a todos eles, dos quais já

tratamos da pertinência temática e da ausência da defesa de interesse subjetivo.

No que diz respeito à eficácia material e temporal o artigo 103-A, caput, da CF, e o

artigo 2º da Lei nº 10.417/06, estabelecem que apenas a partir da publicação na imprensa

oficial é que o enunciado de súmula terá efeito vinculante.

Tal eficácia vinculante, se dá com relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal,

além do que gera conseqüências apenas para o futuro, ou seja, eficácia ex nunc, a partir da

publicação na imprensa oficial. É imediata, mas dali para a frente.

O efeito vinculante do enunciado, conforme dispõe o artigo 4º, por decisão de dois

terços dos seus membros, poderão ser restringidos, ou então, protelada a eficácia para outro

momento, considerando motivos de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. É

a possibilidade da modulação dos efeitos.

A eficácia vinculante deve abranger não apenas o verbete, mas também e

principalmente os fundamentos dos precedentes que lhes deram origem. Essa interpretação

deve ser dada para evitar a distinção entre o efeito vinculante existente nas decisões de mérito

proferidas no controle abstrato de constitucionalidade e aquele deferido ás súmulas

vinculantes.

150

É a ressalva que faz Roger Stiefelmann Leal (2006).

A restrição pode ser subjetiva, no sentido de limitar a vinculação a determinados

órgãos da administração pública, quer federal, estadual, distrital ou municipal.

O artigo 5º da Lei nº 11.417/06 traz a possibilidade de revisão ou cancelamento da

súmula vinculante se revogada ou modificada a lei em que se fundamentou a sua edição.

Trata-se de competência do Supremo Tribunal Federal, que poderá agir de ofício ou

por provocação.

Os legitimados para tanto estão indicados no art. 3º e parágrafo primeiro da lei nº

11.417/06.

Diversamente dos assentos portugueses, que uma vez proferidos, não mais poderiam

ser modificados ou revogados pelo Supremo Tribunal de Justiça, a não ser por alteração

legislativa posterior, pois que inexistia previsão legal de um mecanismo de revisibilidade, o

legislador nacional deferiu ao STF a competência para revogar ou modificar o enunciado de

súmula vinculante se modificada ou revogada a lei em que se fundamentou.

Conforme lembra Mônica Sifuentes (2005, p. 211), por apresentarem essa

característica, os assentos foram extintos com a reforma processual portuguesa de 1995:

[...] e substituídos pelos acórdãos para uniformização de jurisprudência, proferidos nos casos em que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determine que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das seções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência.

Sobre os assentos e sua revogação Leonardo de Oliveira Linhares, em “Efeito

vinculante das súmulas como garantia de um processo de resultados” (2006, p. 06), observa

que:

[...] a experiência portuguesa, de fato, não foi proveitosa. Não deve, entretanto, servir de repulsa ao acolhimento da idéia no ordenamento pátrio, uma vez que o engessamento que foi dado aos assentos portugueses, certamente, foi crucial á sua extirpação. Afinal, [...], a jurisprudência é instrumento de dinamização do direito, e assim se devem garantir mecanismos mais flexíveis de alteração ou revogação dos enunciados, tais

151

como a votação em Tribunal, em que dois terços dos seus componentes decida pela mudança.

Com essa medida, inserta no art. 5º, o legislador ordinário fez ruir os argumentos dos

detratores das súmulas vinculantes, lançados logo após a sua edição constitucional e antes da

lei regulamentadora, no sentido de que promoveriam, tal qual os assentos, o engessamento do

Poder Judiciário, inibido que estaria o julgador de interpretar a lei de acordo com a

mutabilidade e desenvolvimento sociais.

Dispõe o artigo 7º, caput, da lei nº 11.417/06, que “da decisão judicial ou ato

administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplica-lo

indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou

outros meios admissíveis de impugnação”.

Esta regra vai de encontro ao estabelecido no art. 103-A, parágrafo 3º, da CF, no

sentido de que:

[...] do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

Conforme o já apontado acima, quando tratamos especificamente dessa ação, a

competência para processar e julgar originariamente a reclamação é do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para a preservação de suas competências e garantia

da autoridade de suas decisões (art. 102, I, l; e art. 105, I, f, da CF).

Nos termos do artigo 7º, § 2º, da lei nº 11.417 de 19 de dezembro de 2006 “ao julgar

procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará

a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da

súmula, conforme o caso”. Este é o mandamento constitucional inserto no artigo 103-A, § 3º,

da Constituição Federal.

152

Leonardo Lins Morato (2007) explica que a reclamação, juntamente com a

possibilidade de responsabilização da autoridade administrativa é ponto essencial para o

fortalecimento da autoridade do Supremo diante da necessidade de fazer valer uma súmula

vinculante.

E qual a conseqüência para o juiz que contraria enunciado, nega-lhe vigência ou

aplica indevidamente súmula vinculante?

Rodolfo de Camargo Mancuso, em “Divergência jurisprudencial e súmula

vinculante” (2007), responde que para o julgado a conseqüência é a cassação, por conta do

acolhimento da ação de reclamação, não acarretando conseqüência alguma para o Juiz, exceto

nos casos de impropriedade ou excesso de linguagem, nos moldes do artigo 41, da LC 35/79.

O artigo 7º, em seu parágrafo primeiro, subordina a admissão do uso da reclamação,

no caso de omissão ou ato da administração pública, ao esgotamento das vias administrativas.

Assim, com respeito à reclamação contra ato administrativo, só será possível lançar-

se mão dessa ação após o esgotamento das vias administrativas.

Nesse sentido a lição de Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 358):

Enquanto não esgotada a via administrativa, não estará cabalmente configurada a recusa, pela Autoridade, em aplicar a súmula vinculante, assim como poderá ela ainda retratar-se quanto à sua anterior aplicação indevida (Súmula STF 473; art. 64-A da Lei 9.784/99, inserido pela Lei 11.417/2006); ou seja, pendente esse contexto, faltaria interesse (necessidade mais utilidade) para o manejo da reclamação ao STF. Sem embargo de o direito de ação ser público, abstrato e autônomo, ele não é incondicionado, mas depende do atendimento de certos requisitos, tanto positivos (condições da ação, pressupostos processuais) como negativos (ausência de impedimentos, como coisa julgada, convenção de arbitragem). Aliás, a própria Constituição Federal traz o precedente dos litígios de natureza desportiva, que só podem ser judicializados após o esgotamento das instâncias da justiça desportiva (parágrafo 1º, do art. 217).

Há entendimento no sentido de que esse dispositivo legal se constitui em

injustificável restrição ao direito de ação, corolário do princípio da inafastabilidade do Poder

Judiciário, constante no art. 5º, XXXV da CF, sendo, portanto, de duvidosa

constitucionalidade.

153

Entretanto, enquanto a eventual contradição com esse princípio constitucional não

for reconhecido pelo Pretório Excelso, deliberando-se pela inconstitucionalidade dessa

exigência, o interessado deverá produzir prova do esgotamento da via administrativa, para ter

conhecida a sua reclamação.

4.2.2 Argumentos Favoráveis e Contrários à Súmula Vinculante

Mônica Sifuentes (2005, p. 264-265) relaciona os principais argumentos daqueles

que são contrários e dos que são favoráveis à súmula vinculante.

Assinalando os argumentos contrários, e coerente com o presente trabalho,

discorreremos demonstrando a improcedência de cada um deles, pois que entendemos ser a

súmula vinculante um instrumento garantidor da dignidade da pessoa humana, na medida em

que proporciona celeridade ao processo, assegura a isonomia processual e fortalece a

segurança jurídica, valores que devem prevalecer no conflito com outros, não menos

importantes, como veremos a seguir, mas que dadas as atuais circunstâncias emergenciais do

acúmulo de processos em nossos tribunais, devem ceder para que o Judiciário se fortaleça

como efetivo órgão de defesa e implementação da cidadania, nos termos do princípio da

proporcionalidade.

Argumentos contrários:

a) a súmula vinculante seria uma atribuição de função de natureza legislativa ao

Judiciário, contrariando, desse modo, o princípio da separação dos poderes e a liberdade de

decidir dos juízes, com supressão do duplo grau de jurisdição, que são cláusulas pétreas da

Constituição Federal.

154

Aqui nos deparamos com três temas: I) O princípio da separação dos poderes; II) A

liberdade de decisão dos juízes; III) A supressão do duplo grau de jurisdição.

I) Pelo princípio da separação dos poderes inscrito no artigo 2º, da Constituição

Federal “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário”.

Na verdade trata-se do princípio da divisão funcional do Poder, que é único,

identificado na soberania que “emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, § único, CF).

O exercício desse poder é realizado pelo Estado por meio das funções legislativa,

administrativa e judiciária. O poder legislativo legisla, o poder judiciário julga, e o executivo

executa as leis, essas as suas funções típicas, mas não exclusivas.

Márcia Regina Lusa Cadore (2007) ressalta que

[....] a doutrina da repartição do poder estatal foi desenvolvida por Montesquieu e tornou-se importantíssimo instrumento de oposição ao absolutismo. Isso porque, na formulação definitiva de sua teoria, Montesquieu objetivou, de rigor, estabelecer limites aos poderes dos governantes e não uma forma de organização estatal na qual as diferentes funções fossem completamente estanques.

Enrique Ricardo Lewandowski (1984), tecendo comentários sobre o livro De

L’Espirit dês Lois, escrito em 1748 por Charles Louis de Secondat, Barão de La Breède e de

Montesquieu, observa que esse teórico dos Direitos Humanos “notabilizou-se graças à teoria

da tripartição das funções do Estado, entrevista por ele como um mecanismo de contenção do

poder”, pois que

tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.

Segundo Pedro Lenza (2003) Montesquieu aperfeiçoou a idéia aristotélica do

exercício das três funções estatais, pois que demonstrou a necessidade dessas funções serem

155

exercidas por três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si, para impedir o

exercício absoluto do poder.

Através de tal teoria, cada poder exercia uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente. Assim, cada órgão exercia somente a função que fosse típica, não mais sendo permitido a um único órgão legislar, aplicar a lei e julgar, de modo unilateral, como se percebia no absolutismo. Tais atividades passam a ser realizadas, independentemente, por cada órgão, surgindo, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos.

Segundo a teoria dos freios e contrapesos apenas o legislativo estaria vocacionado a

emitir atos gerais, dotados de abstração e de generalidade, pois que expressam a vontade

geral, de modo direto ou indireto, aos quais todos estariam subordinados, inclusive o Estado.

Ao poder executivo permite-se atuar com atos especiais nos parâmetros dos atos gerais.

Surgindo abuso de qualquer dos poderes intervém o judiciário, com sua ação

fiscalizadora, para que cada qual permaneça nos estritos limites de sua respectiva esfera de

competência.

Mas tal rigidez de separação funcional por órgãos distintos não prospera

modernamente em sua inteireza, estando abrandada, de lá para cá, por conta das novas

realidades sociais e históricas.

A par de suas funções denominadas típicas esses órgãos podem desempenhar outras,

nos estritos limites do autorizado em normas constitucionais, denominadas atípicas.

Quer dizer que determinado órgão deve exercer a sua função típica e pode estar

autorizado ao desempenho de função de outro órgão, denominada atípica, inexistindo lesão ao

princípio da separação dos poderes. Pelo contrário, o exercício dessas funções atípicas denota

fortalecimento da independência e harmonia entre os poderes da República.

É assim a conformação constitucional que traz os delineamentos da divisão das

funções legislativa, executiva e judiciária.

Trazendo apontamentos sobre essa doutrina Rodolfo de Camargo Mancuso (2007)

nos ensina que

156

O gradativo desenvolvimento da proposta de tripartição das funções estatais, a par da progressiva configuração conceitual do “Estado de Direito”, acabaram por geminar no desenho político-institucional hoje vigorante na maioria dos países onde se distinguem – embora não em compartimento estanques – o Estado julgador, o administrador e o legislador. Essa tripartição, contudo, não se revela radical, prevendo nossa Constituição Federal situações em que cada Poder fica autorizado a realizar tarefas diversas das que lhe cabem ordinariamente, por exemplo: o Legislativo julga (arts. 49, IX; 52, I e II) e administra (arts, 52, XII e XIII); o Executivo julga (art. 84, XII) e, de certo modo, legisla (arts. 93 e 125, § 1º).

Em outro ponto de sua obra, esse mesmo autor ressalta que

[...](ii) a súmula vinculante apresenta, ao fim das contas, uma estrutura semelhante à da norma legal (= enunciado abstrato, genérico e impessoal, de obrigatoriedade geral, emanado da mais alta Corte do país), e, tanto quanto a norma, não dispensa o labor interpretativo, seja para se apurar sua perfeita inteligência, seja para a subsunção aos casos concretos; (iii) o reconhecimento da obrigatoriedade da súmula não atrita com o princípio da reserva legal, já que, em última análise, é na Constituição, nas leis e nos regimentos internos que vêm previstos e disciplinados os Tribunais, sendo as súmulas vinculantes o produto final, potencializado, de sua atividade precípua, de dizer o Direito; donde inexistir qualquer extrapolação ou excesso na emissão daqueles assentos.

José Afonso da Silva (2004) assevera que

[...] os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.

Nesta questão, voltando nossos olhos apenas para os órgãos legislativo e judiciário, o

conflito surge quanto a competência para elaborar normas de cunho genérico e abstrato, para

casos futuros. A competência do Supremo Tribunal Federal para a edição de súmula

vinculante não conflita com o princípio da tradicional tripartição funcional ?

Apenas ao legislativo caberia a elaboração de normas gerais uma vez que é o único

órgão com legitimação democrática para tanto, pois que, no Brasil, seus integrantes são

eleitos pelo povo, titular da soberania, exatamente para que editem normas que representem a

vontade geral ?

157

Lembramos que mesmo a medida provisória editada pelo executivo deve ser

submetida ao crivo do Congresso Nacional para ser transformada em lei.

Conforme já mencionamos acima desde a sua elaboração, depois aperfeiçoamento,

até os dias de hoje, o Estado vem sofrendo transformações profundas a fim de alcançar

soluções para as novas complexas relações entre os seus cidadãos, provocando assim uma

flexibilização, no sentido de fragilização na separação entre os Poderes.

Desse modo, conforme leciona Rodolfo de Camargo Mancuso,

Assim é que a tripartição dos Poderes, malgrado enunciada formalmente em nosso texto constitucional (art. 2º), hoje responde menos a um temor de eventual invasão da seara de um Poder pelo outro, e mais a uma finalidade utilitária, de divisão de tarefas ao interior do próprio Estado, que assim almeja melhorar sua eficiência.

Esse mesmo autor insere o chamado Direito Sumular nesse desejável equilíbrio de

forças na estrutura do Estado pois,

cabendo ao Legislativo a edição das normas obrigatórias, gerais, impessoais e abstratas; ao Executivo, o poder-dever de aplicá-las de ofício e gerenciar a coisa pública, e ao Judiciário a tarefa de interpretar as normas e aplicá-las ao caso concreto mediante provocação da parte ou interessado, é preciso, então, verificar qual o espaço restante para a jurisprudência estratificada em prejulgados (Súmulas Vinculantes, Súmulas Impeditivas de Recursos), na medida em que esses assentos atuam como paradigmas – genéricos e abstratos: no caso das vinculantes, para a solução de feitos análogos, pendentes e futuros (CF, art. 103-A), e, no das impeditivas, no sentido de bloquear o acesso ao tribunal ad quem (v.g., § 1º do art. 518 do CPC). Verifica-se, então, que o problema se apresenta bifronte, qual uma esfinge, com uma face voltada para o Legislativo, a quem cabe editar normas de largo espectro eficacial, e outra face voltada para o Judiciário, que, ordinariamente, emite uma resposta contida nos limites da lide e restrita às partes (limites subjetivos e objetivos da coisa julgada).

Temos de um lado a lei, de outro a sentença, e entre esses dois pólos a súmula

vinculante.

A lei rege situações abstratas, genericamente. A sentença diz respeito a um caso

concreto, o Juiz, aplicando a lei, decide a controvérsia que lhe é apresentada.

A súmula vinculante, dada a sua obrigatoriedade na aplicação dos casos futuros,

observados os requisitos dispostos na Constituição Federal, também é dotada de abstração e

158

generalidade, e representa mais um abrandamento à teoria da separação de poderes,

acompanhando a evolução e buscando dar solução às complexas relações sociais, que levam

às barras dos tribunais inúmeros processos sobre questões idênticas, de teor constitucional,

gerando decisões conflituosas acarretando grave insegurança jurídica.

Ela é o extrato externado em um enunciado que reflete a razão de decidir das

reiteradas decisões num mesmo sentido sobre matéria constitucional, abrigando a mesma

carga eficacial da lei com a aprovação de seu texto por dois terços dos ministros do Supremo

Tribunal Federal e publicação na imprensa oficial.

Entendemos que a súmula vinculante não viola a teoria da tripartição dos poderes,

que não mais pode ser vista com as mesmas cores com as quais a coloriram por ocasião do

nascimento do Estado Liberal e ascensão da burguesia ao poder político, quando se

propugnava por um Estado mínimo.

Hoje o anseio é pelo Estado máximo no que concerne aos direitos fundamentais, com

o objetivo precípuo de alcançar o bem comum.

Nesse sentido Rodolfo de Camargo Mancuso

Assim, hoje prevalece o aspecto funcional do Estado Social de Direito (dimensão dinâmica), sobre o aspecto da soberania ou do Poder (dimensão estática), devendo todos os entes políticos interagir na consecução do bem comum. O STF é o órgão de cúpula do Judiciário, cabendo-lhe a “guarda da Constituição” (CF, art. 102, caput), e, ao emitir uma súmula vinculante ele fixa – no espaço e no tempo – a validade, interpretação e eficácia de uma dada norma em matéria constitucional.

Assim também pensa Márcia Regina Lusa Cadore para quem

A separação rigorosa entre os Poderes ou funções estatais pode ser aplicada apenas numa concepção mínima de Estado, vale dizer, na versão liberal do Estado de Direito, que tem como premissa a absoluta separação entre o Estado e sociedade. Esta visão de Estado, presente no século XIX, não mais subsistiu a partir do século XX. O Estado passou a ser agente da construção de uma ordem social justa e adequada.

E essa é exatamente a conformação que a nossa atual Constituição Federal prevê com

o Estado Democrático de Direito, não ficando descaracterizado, desnaturado, por isso, o

159

princípio da separação funcional de funções, em decorrência do surgimento da súmula

vinculante no cenário jurídico constitucional pátrio.

Se a nossa Constituição instituiu a súmula vinculante no âmbito de competência do

Supremo Tribunal Federal, denotando um poder normativo, é porque, na atualidade, de

afirmação do Estado Democrático de Direito, tal se fez necessário, como um aperfeiçoamento

do sistema de exercício funcional de poderes, para a implementação e proteção da dignidade

da pessoa humana, por isso, inconcebível o entendimento no sentido de que fere cláusula

pétrea.

Pelo contrário a súmula vinculante mostra-se como um aperfeiçoamento do atual

sistema que vela pela independência e harmonia entre os Poderes.

O apego ferrenho ao conteúdo da teoria da separação dos poderes só tem sentido se

levada em conta a contemporaneidade com o surgimento do Estado Liberal. Hoje vivemos em

uma social democracia, último grau, até então, na evolução do Estado e de seus princípios

embasadores, dentre eles a separação funcional de funções estatais, fazendo-se agora

necessária a inserção do Tribunal Supremo, pela súmula vinculante, em questões

constitucionais cruciais, mormente as relativas aos direitos fundamentais, pautando

comportamentos dos órgãos jurisdicionais inferiores, órgãos executivos e legislativos, e

também dos jurisdicionados.

Vamos pensar a súmula vinculante como mais um instrumento para dar concreção a

uma prestação jurisdicional de boa qualidade, que no pensamento de Rodolfo de Camargo

Mancuso, significa aquela que é justa, jurídica, econômica, tempestiva e razoavelmente

previsível.

Para finalizar podemos considerar que a súmula vinculante, com os contornos

estabelecidos pelo legislador constituinte, posiciona-se, ao lado da lei, como fonte formal do

direito, contudo, com ela não se confundindo.

160

É ato jurisdicional emitido pelo Supremo Tribunal Federal, segundo Márcia Regina

Lusa Cadore, “que a Constituição Federal atribuiu a capacidade de extrapolar as fronteiras da

lide para alcançar aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública”.

II) Liberdade de decisão dos Juízes.

A súmula vinculante aprisionaria a consciência jurídica do Juiz obrigando-o a decidir

conforme o enunciado de seu texto, ferindo assim o seu livre convencimento baseado na

aplicação da lei.

Tal argumento não procede pois como visto acima o Juiz, diante de uma lide,

passível de ser alcançada pelos efeitos de uma súmula vinculante, antes de decidir pela sua

aplicação, deve analisá-la em sua essência, que se encontra no extrato dos motivos

determinantes das decisões em um mesmo sentido que levaram a elaboração do enunciado, e

só ao ter a certeza, que está presente a mesma razão de decidir é que solucionará a lide

conforme o sumulado pelo Excelso Pretório.

Nada impede que, após detido procedimento interpretativo, opte pela não subsunção

da súmula ao conflito posto à sua solução, e motivando essa sua opção, ficando a decisão

passível de reclamação pela parte prejudicada que, porventura, entenda em sentido contrário.

Essa a opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso, para quem

A súmula vinculativa não implica em capitis diminutio para a atividade judicante, porque não altera, em substância, a tarefa do julgador de interpretar e aplicar o texto de regência aos fatos da lide, certo que esse texto (=o ordenamento positivo) agora abrange o precedente judicial obrigatório, o qual, por sua vez, não dispensará a devida interpretação, para que se alcance seu melhor significado, inclusive interessando aferir sobre sua efetiva adequação ao caso concreto, sub judice. Esse trabalho hermenêutico é particularmente relevante, considerando-se que a recusa imotivada ou equivocada à aplicação da súmula vinculante ou sua aplicação indevida, levam à cassação do julgado, por efeito do provimento da reclamação interposta no STF.

III) A supressão do duplo grau de jurisdição.

O duplo grau de jurisdição é um princípio que não está expresso na Constituição,

mas que se extrai da conformação delineada pelo Texto Maior à estrutura do Judiciário, e

161

previsão de recursos, devolvendo a matéria decidida em primeiro grau aos tribunais, quando

uma da partes ou ambas, mostra-se insatisfeita com a solução dada pelo juiz de primeira

instância, podendo chegar o feito às barras do Supremo Tribunal Federal.

Os inúmeros recursos existentes na legislação processual brasileira têm sido

apontados como uma das principais razões para o atravancamento do Judiciário.

Se por um lado assegura às partes a revisão da decisão por um órgão superior, em

tese, com maior conhecimento e experiência, e, por isso, menos passível de falha, por outro,

provoca lentidão, delonga, na solução da lide.

A duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade da sua

tramitação é garantia e direito individuais (art. 5º, LXXVIII).

Temos que encarar a súmula vinculante como instrumento de garantia da célere

solução do litígio e não como instituto jurídico supressor do duplo grau de jurisdição.

Naqueles dez casos já sumulados pela Corte Suprema com a eficácia vinculante, em

nome dos princípios da isonomia, da duração razoável do processo, da segurança jurídica, o

julgador de inferior instância está obrigado a seguir os mandamentos do ato normativo

jurisdicional aplicável ao caso, se assim o entender. Mesmo a súmula vinculante, como já

vimos, é passível de interpretação em seus motivos determinantes para se aferir se deve ou

não ser aplicada, devendo o Juiz, em qualquer caso, motivar a sua decisão, que servirá de

embasamento para eventual recurso, ou mesmo a interposição da ação de reclamação.

De modo que a súmula vinculante objetiva apenas evitar a repetição inconcebível de

ações já solucionadas com teses idênticas, sendo um poderoso instrumento para atenuar a

grave crise que aflige o Judiciário com seus inúmeros processos, com soluções e teses

jurídicas já pacificadas, não permitindo a utilização dos infindáveis e desnecessários recursos,

no mais das vezes procrastinatórios, que beneficiam apenas quem já tem a certeza da

improcedência da sua pretensão.

162

b) a súmula acaba por restringir a criação do direito pela jurisprudência, impedindo

o seu progresso;

Segundo os adeptos deste posicionamento a súmula vinculante impede a oxigenação

do direito, sua evolução, e por conseqüência a essência da jurisprudência que não é outra

coisa senão a interpretação da lei aos padrões históricos e sociais do momento. A súmula

vinculante engessaria a jurisprudência impedindo os Juízes de, com uma nova interpretação

da norma jurídica, apresentar nova conformação ao seu significado, de acordo com as

vicissitudes do momento.

Essa linha de raciocínio não pode prosperar uma vez que a súmula vinculante é

passível de interpretação a fim de que o Juiz verifique se ela, através de seus motivos

determinantes (ratio decidendi), pode e deve ser aplicada ao caso concreto. Se ao final dessa

análise o Juiz entender que a súmula vinculativa não se aplica, deve fundamentar a sua

decisão expondo os motivos que o levaram a decidir nesse sentido.

É certo que os operadores do direito pátrios encontrarão, de início, grande

dificuldade neste procedimento, visto que amadurecidos no sistema do civil law, direito

codicístico, de aplicação da lei ao caso concreto, e ainda inexperiente nesse novo instituto do

sistema anglo saxão do common law, de aplicação dos precedentes, visto que, como lembra

Rodolfo de Camargo Mancuso (p. 345)

[...] nossas faculdades de Direito não disponibilizam disciplina voltada a capacitar o operador do Direito a lidar especificamente com a jurisprudência, por modo que futuros juízes e advogados possam satisfatoriamente, realizar tarefas como (i) identificar com segurança, qual o entendimento pretoriano realmente predominante num tribunal ou uma Justiça, sobre dada matéria; (ii) distinguir, num rol de acórdãos, o que neles constitui o núcleo essencial, separando-o das demais considerações periféricas (o que, no sistema common law corresponde à distinção entre a ratio decidendi e o obter dicta); (iii) alcançar, com exatidão, toda a extensão, compreensão do enunciado de uma súmula vinculante, para, em seguida, aferir se o caso sub judice realmente nela se enquadra.

Aliás, outro ponto, o próprio dispositivo constitucional permite a revisão ou o

cancelamento da súmula (art. 103-A, § 2º), bem como a lei 11.417/06, que a regulamenta, na

163

qual, em seu artigo 5º estabelece que “revogada ou modificada a lei em que se fundou a

edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por

provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso”.

Este artigo 5º da lei 11.417/06 destrói completamente esse argumento contrário ao

ato normativo jurisdicional denominado súmula vinculante no sentido de que traria o

engessamento e impediria o desenvolvimento da jurisprudência.

c) haveria demasiada concentração de poder nos tribunais superiores;

Até o momento apenas o Supremo Tribunal Federal tem a competência para a

edição, revisão e cancelamento da súmula vinculante.

Teria assim atuação como legislador positivo, o que lhe é vedado, dada a teoria da

tripartição ou da divisão funcional dos Poderes. Estaria este órgão de cúpula do Judiciário

apenas autorizado a atuar como legislador negativo, ou seja, não lhe está permitindo

constitucionalmente inovar a ordem jurídica, mas sim, através do controle de

constitucionalidade excluir leis e atos normativos, do nosso ordenamento jurídico,

incompatíveis com a Constituição Federal.

Tal argumento não procede.

A este órgão de cúpula do Judiciário, o guardião da Constituição Federal, cabe dar a

última palavra acerca da interpretação de determinada norma constitucional. É dele que se

extrai o significado da Constituição Federal.

Sendo assim sequer haveria necessidade de norma constitucional no sentido de

vincular sua jurisprudência. Esta observância já deveria estar ínsita na atuação dos juízes de

inferior instância e administradores, pois que não há sentido decidir contra entendimento

pretoriano do Tribunal Supremo, provocando delonga desnecessária ao processo, sabendo

desde já que a decisão ao final, será reformada.

Agora essa renitência traz como conseqüência a ação de reclamação.

164

Nesse sentido o Poder Judiciário não se coloca acima dos demais poderes, uma vez

que a súmula vinculante, afinal, significa a interpretação da lei, potencializada pela expansão

dos seus efeitos, obrigatoriamente, aos demais órgãos do judiciário e ao poder executivo.

Nos termos do ensinado por Rodolfo de Camargo Mancuso citando Marco Antonio

de Barros

Impõe-se desde logo ressalvar que os Tribunais Superiores não ditarão novas regras, mas apenas firmarão o entendimento a ser adotado em casos semelhantes e repetitivos. Desse modo inocorre a alegada superposição de funções estabelecida na Carta Constitucional, pois uma coisa é criar a lei, e outra, bem diferente, é interpretá-la sob o enfoque preciso do controle de sua constitucionalidade. Nenhuma inconstitucionalidade se constatará se o próprio Legislativo chegar à conclusão de que o efeito vinculante não atropela as atividades que lhe são inerentes e por esse motivo emendar a Constituição. Admitido o efeito vinculante pela própria Constituição Federal não há falar em superposição de poderes.

A súmula vinculante embora dotada de generalidade e obrigatoriedade, não é lei, é

ato normativo jurisdicional subordinado à norma legal, tanto que o parágrafo 1º. do artigo

103-A, da Constituição Federal esclarece que a súmula vinculante “terá por objeto a validade,

a interpretação e a eficácia de normas determinadas”, o que nos leva a concluir no sentido de

que ao Supremo não está permitida a edição de súmula sem fundamento legal.

No sentido do dispositivo constitucional o artigo 5º. da lei 11.417/06 especifica que

“revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante,

o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou

cancelamento, conforme o caso.”

Da conjugação do texto constitucional com a sua regulamentação extrai-se a

subordinação da súmula à legislação, querendo isso dizer que o Supremo Tribunal Federal,

obrigatoriamente, providenciará a adequação da súmula de acordo com a modificação do

direito que lhe serviu de suporte.

165

Assim, a lei continua a ocupar a situação de fonte primária e principal do direito,

reservando-se à súmula vinculante, caráter subordinativo, seguindo a sorte da norma

constitucional de que trata.

Não há pois concentração de poder no Supremo Tribunal Federal com essa sua nova

competência, alçando o Judiciário a uma posição superior ao Legislativo e Executivo, mas

sim um instrumento a mais, para a garantia da celeridade, isonomia e segurança jurídica no

processo, apresentando novos parâmetros ao perfil constitucional da divisão funcional de

poderes, sem arranhar a harmonia e a independência entre eles.

d) ela restringiria o princípio constitucional do direito de ação.

O direito de ação, dogma constitucional, insculpido no artigo 5º, estabelece que “a lei

não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery sintetizam esse direito e garantia individuais

assinalando que

Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder dela defender-se. O princípio constitucional do direito de ação garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada (Nery, Princípios, n. 18). Por tutela adequada entende-se a que é provida da efetividade e eficácia que dela se espera.

Sendo um direito fundamental também estaria inserido no âmbito das denominadas

cláusulas pétreas26.

A súmula vinculante, firmando interpretação obrigatória a uma determinada norma

constitucional, limitaria o acesso ao Judiciário, determinando ao Juiz, diante de dada

pretensão decidir pela carência da ação, sendo que sequer à lei a Constituição proporciona

essa permissão.

26 Art. 60. [....] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais.

166

O jurisdicionado até que exerceria o seu direito de ação, mas já com a consciência de

que a sua pretensão estaria fadada ao insucesso, diante da existência de súmula vinculante

própria para o caso sub judice.

Rodolfo de Camargo Mancuso entende que não há essa propalada restrição.

A ação judicial, entendida como direito subjetivo público, abstrato e autônomo, de pleitear um provimento jurisdicional num caso concreto, em nada se enfraquece com a existência das súmulas vinculantes. [...] Segundo pensamos, o direito de ação remanesce íntegro, devendo entender-se que a pretensão por meio dele exercitada pode agora ter como referencial um precedente judicial obrigatório, o que, aliás, vem emprestar previsibilidade à resposta judiciária e mesmo poderá, de lege ferenda, justificar a antecipação dos efeitos da tutela judicial [...].

Argumentos favoráveis:

a) necessidade de tornar a justiça mais ágil.

Não é demais repetir que a duração razoável do processo é direito fundamental,

como também o é os meios que garantam a celeridade na sua tramitação.

A rapidez na solução de um litígio traz inquietação e desarmonia sociais e descrédito

ao judiciário.

O Estado Democrático de Direito, sendo o Estado de Direitos Fundamentais, não

pode prescindir da rápida solução dos conflitos de interesse que surgem entre os seus

cidadãos, por meio do Judiciário. Desnecessária a longa tramitação de um processo desde que

exista posicionamento sumulado, com eficácia vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal,

devendo o julgador decidir pela procedência ou improcedência da ação, sendo possível, no

máximo, a utilização da ação de reclamação ao Supremo Tribunal Federal para a parte que se

sentir prejudicada, desde que entenda, na hipótese, que a decisão contrariou a súmula ou que

houve aplicação indevida.

b) ser injustificável a repetição de demandas sobre teses jurídicas idênticas, já

pacificadas pelas cortes superiores.

167

Naquelas situações nas quais apenas questões de direito são debatidas, cujas teses já

estão devidamente sumuladas pelo Supremo Tribunal Federal, como já dissemos, devem ser

resolvidas de imediato.

É o que sugere Rodolfo de Camargo Mancuso

[...] fato é que o precedente jurisprudencial, dominante ou sumulado,vem galgando posições proeminentes, sendo utilizado: [...] (iii) no julgamento antecipadíssimo de processos repetitivos, ainda no limiar da fase postulatória, se o juiz, no processo tomado como paradigma, prolatou sentença de improcedência (CPC, art. 285-A,cf. Lei 11.277/2006). Com o advento da súmula vinculante (CF, art. 103-A), a eficácia processual do dado jurisprudencial mais se potencializou, ensejando a cassação, pelo STF, da decisão judicial que, equivocadamente, recuse a aplicação à súmula vinculante ou a aplique indevidamente (CF, parágrafo 3º do artigo 103 – A, da Lei 11.417/2006, art. 7º, parágrafo 2º).

c) preservação do princípio da igualdade de todos perante a interpretação da lei,

eliminando o perigo das decisões contraditórias.

A multiplicação de processos sobre questão idêntica provoca a produção de decisões

contraditórias gerando perplexidade no espírito do jurisdicionado, produzindo um clima social

de instabilidade, insegurança e incerteza jurídicas.

Para a preservação do princípio da isonomia, é preciso dar o mesmo entendimento

jurídico para a questão idêntica que se repete em inúmeros processos, e assim, também,

implementar o princípio da celeridade.

Ora, se muitos processos chegam ao Supremo Tribunal Federal, com teses jurídicas

idênticas, significa que decisões diversas poderão solucionar a lide, ou seja, soluções jurídicas

diversas para a mesma questão, gerando a incerteza jurídica, e ferindo ainda a igualdade, que

também deveria reinar nessas decisões.

Daí que a súmula, com efeito vinculante, indicará qual a solução jurídica que deverá

ser dada para todos aqueles casos idênticos, preservando-se e concretizando os princípios da

celeridade e da igualdade.

168

Nesse sentido Alexandre de Moraes (2005) que vê na súmula vinculante um potente

instrumento para a drástica redução do número de processos, que disponham sobre questões

idênticas e ainda instrumento para proporcionar a segurança jurídica e o princípio da

igualdade.

d) a necessidade de resguardar o princípio da segurança jurídica, assegurando a

previsibilidade das decisões judiciais em causas idênticas.

Já tratamos da segurança jurídica como direito fundamental, quando a consideramos

relacionada com a previsibilidade e a igualdade, pilares fundamentais da justiça.

O Direito precisa ser claro. A ausência da certeza do direito pode provocar soluções

divergentes nos tribunais, solucionando casos idênticos de formas diversas, em um mesmo

contexto histórico, temporal e social.

A súmula vinculante proporciona essa certeza, previsibilidade do resultado.

Mônica Sifuentes entende que

É de importância indiscutível afastar as contradições e incoerências dos julgados, ou seja, prevenir divergências de orientação e tratamento diferente de situações idênticas. Do mesmo modo, razões práticas, inspiradas no princípio da igualdade e da segurança, aconselham que a jurisprudência tenha relativa estabilidade. [...] Nesse contexto, a súmula vinculante, como ato normativo da função jurisdicional, apresenta-se como elemento estabilizador do sistema, ou, na rica expressão de Antunes Varela, como “bóias de amarração”, assegurando que o navio não fique a deriva, mas forneça, enquanto permanecerem as condições que o justificaram, a segurança aos operadores do sistema.

e) a inexistência do perigo do “engessamento” da jurisprudência, na medida em que

previstos o cancelamento e a alteração dos enunciados sumulares.

Como já analisamos acima a súmula vinculante fundamenta-se na lei. Não existe

súmula autônoma, de modo que revogada a lei, modificada ou extinta, a mesma operação

deve realizar o Supremo com relação à súmula, revisando-a ou cancelando-a.

Mas não só por isso evita-se o engessamento. Também pela possibilidade da súmula

ser interpretada em sua ratio decidendi, podendo entender o julgador não ser o caso de sua

169

aplicação a determinado caso, vindo a dar origem a uma nova vertente interpretativa, que se

seguida continuamente poderá provocar um novo posicionamento jurisprudencial, e até a

edição de uma nova súmula.

4.3 Súmula Vinculante e o Controle de Constitucionalidade

As súmulas podem servir como parâmetro para a realização do controle de

constitucionalidade?

Deseja-se saber se sendo de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal a

elaboração de súmulas com efeito vinculante, que por sua vez traz em seu bojo, substância

constitucional, caso uma lei ou um ato normativo infraconstitucional a afronte, poderão ser

considerados inconstitucionais e excluídos do ordenamento jurídico?

Essa indagação nos é respondida por Walber de Moura Agra (2008), afirmando que,

por não ser lei, a súmula, embora vinculante, não pode servir como parâmetro à

constitucionalidade de atos normativos, querendo o autor significar que não há como uma lei

contrária a uma súmula vinculante ser considerada inconstitucional. Contudo, a súmula, sob

pena de inconstitucionalidade, deve adequar-se ao texto da Carta Magna.

4.6 Enunciados de Súmulas Vinculantes 27

Na sessão de julgamento de 30 de maio de 2007, nos termos do art. 2º, caput, da Lei

nº 11.417/2006 foram aprovadas pelo Plenário as primeiras três propostas ex officio de edição

de enunciados de súmula vinculante que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terão

efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública

27 Informações obtidas após pesquisa no site www.stf.gov.br, acesso em 19 de julho de 2008.

170

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Atualmente existem dez súmulas

vinculantes, e que possuem os seguintes enunciados:

Súmula vinculante 01: “Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a

decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a

eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº

110/2001”.

Súmula vinculante 02: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou

distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.

Súmula vinculante 03: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União

asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou

revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da

legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.

Súmula vinculante 04: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo

não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de

empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

Súmula vinculante 05: “A falta de defesa técnica por advogado no processo

administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Súmula vinculante 06: “Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração

inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial”.

Súmula vinculante 07: “A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição,

revogada pela emenda Constitucional n. 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao

ano, tinha a sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.

Súmula vinculante 08: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do

Decreto Lei n. 1569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei n. 8.212/1991 que tratam de prescrição e

decadência de crédito tributário”.

171

Súmula vinculante 09: “O disposto no artigo 127 da Lei n. 7210/1984 (Lei de

Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite

temporal previsto no caput do artigo 58”.

Súmula vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a

decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo

ou em parte”.

172

CONCLUSÃO

Buscamos mostrar que a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais são

respeitados e protegidos pelos institutos jurídicos do controle concentrado de

constitucionalidade, com seu efeito vinculante, e da súmula vinculante, ambos de

competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal guardião e intérprete último da

Constituição Federal.

Para tanto este trabalho elencou em seu primeiro capítulo alguns aspectos de uma

Teoria dos Direitos Fundamentais, buscando na história, definir a dignidade da pessoa

humana, hoje inserida como princípio fundamental no nosso ordenamento jurídico

constitucional, sendo traçadas as seguintes considerações a título de conclusão:

Todos os direitos, desde que o homem tomou a decisão de viver em sociedade, são

relativos.

É natural que surjam tensões entre pessoas que possuem os mesmos direitos.

A vida em sociedade exige limitações, condicionamentos dos direitos em colisão.

Para dizer que um direito é absoluto é preciso encontrar aquele que não possui

concorrência com outro, que de modo algum pode ser excepcionado, e daí encontramos

alguns poucos exemplos, dentre os quais o direito a não ser torturado, o direito a não ser

escravizado, o direito ao pensamento e crença.

173

O legislador constituinte brasileiro, inserindo o princípio da dignidade da pessoa

humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, seguiu a cultura jurídica mais

avançada, mas, por outro lado, considerando, talvez, o período de autoritarismo que acabamos

de atravessar, e dada a incipiente e insuficiente educação e cultura do povo brasileiro,

procurou esmiuçar em extenso rol diversos direitos fundamentais, sem deixar de observar, ao

final, que não estão excluídos outros decorrentes dos princípios e do regime adotados pela

Constituição, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte, e mencionando ainda, no § 3º do art. 5º, inserido pela EC 45, que os documentos

internacionais de direitos humanos aprovados por três quintos da Câmara e do Senado, em

dois turnos, terão a natureza de emenda constitucional.

Por isso, muitos doutrinadores lançam críticas a essa opção legislativo-constitucional

afirmando que isso trouxe uma banalização dos direitos fundamentais com a sua conseqüente

diminuição ou perda de eficácia.

Nem todos os Direitos Fundamentais encontrados na Constituição Federal têm em

seu conteúdo a dignidade da pessoa humana, muito embora devam ser interpretados segundo

esse princípio. Contudo, todos são portadores de um núcleo essencial e indevassável,

constituindo-se em cláusulas pétreas, pois que não podem ter a extensão diminuída ou

abolida, sob pena de ser desfigurada a estrutura do Estado Democrático (e social) de Direito

(art. 60, § 4º, CF).

Para o legislador constituinte nacional Direito Fundamental é aquele cujo núcleo não

pode ser diminuído em sua extensão, embora nele não esteja presente o valor da dignidade da

pessoa humana (ex. registro de partido político), mas, mesmo neste caso, a dignidade da

pessoa humana deve nortear a interpretação e a aplicação da norma.

Entendemos que fundamental mesmo é a proteção e a garantia dos direitos para que

um Estado realmente possa ser Democrático (e social) de Direito, sendo essa uma construção

174

e uma obrigação de todos e de cada um que sonha com a concretização de um Estado de

(respeito aos) Direitos Fundamentais.

O segundo capítulo tratou do Processo Civil na Constitucional.

O Processo Civil clássico é instrumento para a proteção e implementação da

dignidade da pessoa humana.

O Judiciário não pode prescindir do devido processo legal para a solução dos

conflitos intersubjetivos que lhes são apresentados, para assegurar a paz social e o

desenvolvimento de uma dada comunidade.

Além desse aspecto, o estudo das regras e do processo, clássico ou subjetivo, para a

solução de conflitos intersubjetivos, propiciou o conhecimento necessário com o escopo de,

posteriormente, elaborar uma distinção com os princípios e regras do processo objetivo, que

disciplina o controle abstrato de constitucionalidade.

Um dos principais objetivos deste trabalho foi demonstrar que por se tratar de

processo objetivo, a fiscalização abstrata de normas e aquele relativo à súmula vinculante, que

são vocacionados à defesa da ordem constitucional, e princípios como o da segurança jurídica,

de interesse não de um ou de poucos, mas de toda a nação, o Supremo Tribunal Federal, deve

atuar de modo a lançar mão de princípios e regras que o possibilitem alcançar esse desiderato,

que afinal, significa a proteção de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.

Notamos em nossa pesquisa informações espaçadas e escassas a respeito das regras e

princípios do processo objetivo, assunto que não é tratado nas faculdades de direito com a

importância devida.

Entendemos que além do devido processo legal, no âmbito do Direito Constitucional

Processual, há o Devido Processo Constitucional, tratado no Direito Processual

Constitucional, com regras e procedimentos próprios, observados pelo Supremo Tribunal

Federal, no exercício da Jurisdição Constitucional, nos processos objetivos de Controle

175

Concentrado de Constitucionalidade e da Súmula Vinculante, para a garantia da supremacia

constitucional e da sua harmônica e uniforme interpretação.

No terceiro capítulo tratamos do controle concentrado de constitucionalidade e o

efeito vinculante presente nas decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal.

Para entendermos o significado e o objetivo do Controle de Constitucionalidade,

observamos a razão da supremacia das normas constitucionais, quando tratamos da definição

de Constituição e sua imprescindibilidade para o reconhecimento e proteção dos direitos

fundamentais.

Observamos que da rigidez constitucional decorre a sua supremacia, e por

conseqüência, suas normas servem de parâmetro para aferir a validade de todas as outras que

lhes forem inferior.

Estudamos a Jurisdição Constitucional no Brasil, ressaltando que o Supremo

Tribunal Federal, sendo o guardião da Constituição, exerce também a função de Tribunal

Constitucional, com a competência originária ou recursal, para dar a última palavra quanto à

interpretação de questionamentos constitucionais.

Ingressamos, particularmente, nos instrumentos do controle abstrato de

constitucionalidade dotados de efeito vinculante, quais sejam, a ação direta de

inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a interpretação conforme a

constituição, e as técnicas de decisão, a declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Nesse contexto abordamos o controle concentrado como processo objetivo, e daí

buscamos defender um sistema de princípios jurídicos para a regência desse processo que

busca proteger o ordenamento jurídico constitucional, e que não correspondem, em muitos

aspectos, aos abarcados pelo devido processo legal.

176

Procuramos trazer para este trabalho alguns delineamentos para a aproximação de

uma teoria geral do processo constitucional, e aqui, principalmente, tentamoss revelar a

distinção entre o Direito Processual Constitucional e o Direito Constitucional Processual,

aquele voltado para o Controle de Constitucionalidade, e este consubstanciado nos princípios

norteadores do devido processo legal, afeto à solução de conflitos intersubjetivos, ambos

imprescindíveis para a dignidade da pessoa humana, mas cada qual à sua maneira.

Ressaltamos que há princípios e regras próprias para o processo de índole objetiva

exatamente porque tem por missão dar proteção à Constituição, documento supremo que

reconhece, protege e eleva a dignidade da pessoa humana como razão de existência do Estado

Democrático de Direito, e que o Supremo Tribunal Federal, por expressa previsão

constitucional, como guardião da Constituição, é o competente para o processo e julgamento,

dessas ações, de forma originária.

Finalmente atingimos a análise dos efeitos das decisões de mérito do Supremo

Tribunal Federal, quando visamos aprofundar os aspectos do efeito vinculante.

Uma das principais características do efeito vinculante diz respeito ao manejo da

ação de reclamação em caso de seu desrespeito, recalcitrância, por parte do Poder Executivo e

dos Órgãos do Poder Judiciário, exceto a Corte Suprema.

Razão pela qual estudamos essa importante ação, de natureza constitucional, para a

efetivação do controle abstrato de normas, naquelas ações dotadas dessa eficácia vinculativa.

No quarto capítulo este trabalho teve o fim de apresentar o instituto jurídico da

súmula vinculante, acrescido ao texto constitucional de 1988, carreado pela emenda

Constitucional 45/04, cujos argumentos de criação giram em torno da duração razoável do

processo, princípio da isonomia e princípio da segurança jurídica, que por se tratarem de

direitos fundamentais, guardam em sua essência a dignidade da pessoa humana.

177

Resta agora, estabelecidos os contornos dos direitos fundamentais e da dignidade da

pessoa humana, apreendidos os principais aspectos dos princípios do processo na dimensão

constitucional, apreciado o controle de constitucionalidade, e sua índole de natureza objetiva,

especialmente no que pertine aos seus instrumentos dotados de eficácia vinculante, existentes

nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, e estudada, com profundidade a súmula

vinculante, dar uma resposta ao problema proposto, objetivo desse trabalho: O efeito

vinculante no controle abstrato de constitucionalidade e a súmula vinculante, podem ser

entendidos como instrumentos de revelação da dignidade da pessoa humana? O efeito

vinculante da decisão na fiscalização abstrata de normas e a súmula vinculante atendem à

dignidade da pessoa humana face às garantias constitucionais processuais?

Iniciamos com o efeito vinculante.

Tal eficácia surgiu, precipuamente, para impedir a recalcitrância dos demais órgãos e

poderes do Estado às decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade,

especialmente em relação aos atos que tenham por objeto a reprodução substancial de preceito

normativo já julgado inconstitucional.

É inaceitável que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho de seu fundamental

mister, de interpretar o Texto Constitucional, nas querelas exclusivamente de direito, tenha a

sua decisão desrespeitada pelos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração

Pública.

De modo que, nas decisões de mérito do Supremo, proferidas na fiscalização

abstrata, tratando da lei ou ato normativo em tese, inexistindo interesse subjetivo a ser

protegido, a eficácia vinculante deve ser respeitada pelos seus destinatários, impedindo

inúmeros novos feitos e recursos, que abarrotam ano a ano a Corte Suprema.

Importante frisar a importância de ser alterado o texto do artigo 28 da Lei 9868/99 no

sentido de que haja publicação no Diário Oficial da União não só da parte dispositiva do

178

acórdão, mas também dos seus fundamentos. Há necessidade de ficarem especificadas as

razões que levaram o Supremo a decidir em determinado sentido, mesmo porque o efeito

vinculante atinge não só a parte dispositiva da decisão como também os seus fundamentos

(ratio decidendi).

Tal providência será importante na medida em que os destinatários do efeito

vinculante poderão analisar caso a caso se a situação que se coloca a sua frente naquele

momento tem perfeita compatibilidade com a precedente para a qual devem obediência, e

assim alcançar mais tranqüilamente a sua decisão. De igual modo poderão proceder aqueles

que se sentirem lesados pela decisão que desobedece a precedente.

Para possibilitar a reclamação, no caso de desacato à decisão do Supremo,

importante também a observação da fundamentação. Quer dizer, autorizaria a ação de

reclamação não só a desobediência ao dispositivo do acórdão, mas também à sua

fundamentação, à ratio decidendi.

Não podemos deixar de tratar do controle abstrato de normas como um processo de

natureza objetiva, quer dizer, no qual há um interesse objetivo de assegurar a supremacia

constitucional e os valores que ela alberga, notadamente a dignidade da pessoa humana.

Demonstramos que nesse desiderato o Supremo Tribunal Federal tem a sua

disposição princípios específicos, que não se coadunam com o devido processo legal.

Tais características da fiscalização abstrata de normas não são muito difundidas ou

conhecidas como os princípios que regram o processo clássico, de índole subjetiva, e surgiram

em nosso ordenamento jurídico com o sincero propósito de desafogar a pauta do Supremo.

Como vimos são princípios inseridos no âmbito do Direito Processual Constitucional, que

visa efetivar as garantias constitucionais, inclusive a do devido processo legal.

179

Entendemos que ao Supremo cabe a missão também de censor da recalcitrância,

promovendo verdadeiramente a punição daqueles que deveriam e não observam os

mandamentos de suas decisões no âmbito do processo objetivo.

Importante observar ainda a possibilidade da responsabilização administrativa, civil e

criminal, aos recalcitrantes.

Trata-se do Supremo utilizar os mecanismos constitucionais e legais postos a sua

disposição de uma maneira justa, mas severa, como meio de autodefesa para a sua

sobrevivência.

Propugna-se por um novo papel para a Suprema Corte, de simples legislador

negativo, para o desempenho de sua verdadeira missão de defesa dos direitos fundamentais,

com um comportamento mais agressivo, verdadeiramente comprometido com a dignidade da

pessoa humana.

O Judiciário é o menos responsável pela existência de milhares de processos que

abarrotam os tribunais em todas as suas esferas, com a morosidade nas soluções, trazendo por

conseqüência instabilidade e desarmonia sociais, perplexidade entre os jurisdicionados que

apresentam a mesma pretensão e têm suas demandas decididas de formas diversas,

acarretando por conta disto a insegurança jurídica.

O Poder Executivo com suas politicas públicas desastrosas e o Poder Legislativo,

omitindo-se em questões nacionais relevantes quando deveria atuar para regula-las, ou

produzindo normas de duvidosa constitucionalidade e de interpretação complexa, é que, de

regra, fornecem a matéria prima para os inúmeros litígios, que atravancam os Tribunais

Superiores.

Nesse aspecto muitas vezes o Supremo Tribunal Federal tem de agir como se

legislador fosse, sendo casos ilustrativos ao decidir que os partidos deveriam seguir nos

Estados as alianças feitas para a campanha presidencial, suspendeu a cláusula de barreira,

180

mecanismo que limita o acesso de partidos sem expressão ao Fundo Partidário, ou quando

definiu as regras que os funcionários deveriam seguir se quisessem fazer greve, ou então o

Tribunal Supremo, emite a sua interpretação acerca de determinada norma quanto a sua

inconstitucionalidade provocando a atuação do legislador modificando-a para ajusta-la à

Constituição ou revogando-a, como por exemplo, a questão da progressão da pena nos crimes

hediondos.

Daí que chegamos à conclusão no sentido de que o efeito vinculante no controle

abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos atendem ao seu mister de através do

Supremo Tribunal Federal revelar e garantir a dignidade da pessoa humana, expressada em

direitos fundamentais. No entanto, para otimização dessa sua competência, é preciso que

tenha um comportamento mais agressivo e prospectivo, punindo efetivamente a recalcitrância,

e propondo a alteração legislativa para que haja a publicação não só do dispositivo, mas

também dos fundamentos do acórdão, facilitando assim a sua fiscalização, aos destinatários

possibilitaria o exame mais preciso das decisões vinculantes, para adequá-las ou não ao caso

sub judice, e permitiria aos jurisdicionados uma ampliação quanto à possibilidade do uso da

ação de reclamação, hoje, adstrito aos casos de desacato à parte dispositiva do acórdão.

Passamos à análise da súmula vinculante.

Quem já não ouviu ou mencionou a expressão “é melhor um mau acordo do que uma

boa demanda”?

Muitos jurisdicionados preferem abrir mão de parte ou de todo o seu direito,

sofrendo assim, de qualquer modo, menor ou maior prejuízo, do que ter de enfrentar os

obstáculos que surgirão no decorrer do processo a que deveriam se submeter para fazer valer a

sua pretensão.

181

Assim, impedido de praticar a justiça com as próprias mãos, salvo raras exceções, o

cidadão deve, através da ação, buscar o Órgão Jurisdicional a fim de que o litígio seja

resolvido, quando só então obterá uma resposta quanto a sua pretensão.

Essa previsão constitucional do livre acesso ao Judiciário é uma garantia inerente e

essencial ao Estado Democrático de Direito, que tem como uma de suas pilastras o devido

processo legal, do qual ainda decorrem outros princípios não menos importantes á efetivação

da justiça, como o contraditório, a ampla defesa, o Juiz natural, o Promotor natural, a

proibição de juízos ou tribunais de exceção, a já mencionada indeclinabilidade de acesso ao

judiciário, e duração razoável do processo, todos previstos constitucionalmente como

garantias fundamentais da pessoa humana.

Como entender esse conflito entre o real e o formal, qual seja, todo esse regramento

constitucional garantindo a todas as pessoas livre acesso ao judiciário, com contraditório e

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e a descrença tão presente, latente e

consolidada na consciência das pessoas, com relação a esse Poder entendido como pacificador

social. Sim porque os conflitos de interesse trazem a intranqüilidade no seio da sociedade,

constituindo-se em um dos motivos de quebra da paz e da harmonia que devem imperar até

para garantir a continuidade da comunidade.

Então ficamos assim, a Constituição Federal por um lado garante um Poder

Judiciário ao alcance de todos, célere, eficiente e efetivo, da outra banda os jurisdicionados

que, na prática, tratam com um Judiciário ineficiente, moroso e caro, por isso, quase

inacessível.

Com o advento da Constituição cidadã de 1988 houve uma abertura imensa,

prestando-se o Judiciário como guardião e protetor dos direitos dos cidadãos, causando com

isso uma avalanche de demandas que, evidentemente, esse Poder não esperava e por isso

despreparado para enfrentar, além do que o governo utilizando-se da gama de recursos

182

existentes no ordenamento jurídico nacional, utiliza-os para protelar a sua derrota certa,

causando o evidente transtorno àquele que sabe ser procedente a sua pretensão, mas que não a

consegue satisfazer, sendo obrigado a percorrer o infindável caminho até os tribunais

superiores.

A morosidade passou a ser considerada o principal obstáculo para a efetividade do

processo e a uma justiça justa. Surreal pensar em uma prestação jurisdicional célere e eficaz.

É o eterno conflito entre os princípios da justiça e o da certeza jurídica.

O consenso era no sentido de ser imprescindível desafogar o Judiciário criando

mecanismos para solucionar as lides consideradas de menor complexidade e ínfimo potencial

ofensivo mais rapidamente ou mesmo meios de soluções extrajudiciais, e daí a criação dos

Juizados Informais de Conciliação, o incentivo á arbitragem, os Juizados de Pequenas Causas,

cíveis e criminais, instituídos pelas leis 9.099 de 1.995, no âmbito estadual, e 10.259 de 2.001,

no âmbito federal.

Ato contínuo teve início uma reformulação no Código de Processo Civil, com a

criação, modificação e extinção de uma serie de institutos com o objetivo de imprimir maior

velocidade nos feitos, do que são expressões, exemplificativamente, os artigos 285-A e 557,

do CPC 28.

Também a reforma do Poder Judiciário através da Emenda Constitucional nº 45 de

08 de dezembro de 2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição

Federal Brasileira, nestes termos – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

28 Artigo 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. Artigo 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante no respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

183

Aqui convém inserir uma observação. O Brasil é signatário da Convenção

Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, tendo já

ratificado esse importante documento internacional que, por isso, vige no Brasil desde 25 de

setembro de 1992, conforme indica Flavia Piovesan (2002, p. 339), documento esse que traz

em seu artigo 8º, I “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e

dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial

[.....]”. (grifo nosso)

É sabido que documentos internacionais de direitos humanos, quando ratificados,

ingressam no ordenamento jurídico brasileiro como norma infraconstitucional, com o mesmo

patamar de normas federais ou ainda, para os adeptos da teoria unitária, com valor

constitucional de direito fundamental.

Ora, tal dispositivo não contribuiu para a solução da tormentosa questão da

ineficiência do judiciário, e acreditamos, que sequer essas últimas reformas surtirão esse

desejável efeito. Não é porque está escrito como direito e garantia fundamental, que, a partir

de então, todas as questões postas para a decisão do judiciário, como um passe de mágica,

serão solucionadas rapidamente, para delírio dos jurisdicionados.

Continuando, outra inovação operada por essa Reforma foi a Súmula Vinculante,

constante no texto do artigo 103-A e parágrafos da Constituição Federal.

Vamos dizer assim que essa se constituiu na vedete da reforma, contra a qual são

levantadas algumas severas criticas, especialmente no que pertine ao livre convencimento do

Juiz em suas decisões, o conseqüente engessamento do judiciário, a limitação ao principio do

livre acesso ao Poder Judiciário, lesão ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa,

o desrespeito a divisão de poderes, ou seja, trataria-se de um instituto jurídico

inconstitucional.

184

Por outro lado, doutrinadores de renome, juizes e ministros dos Tribunais Superiores,

lançaram-se em sua defesa sob o argumento de que a segurança jurídica se encontra

seriamente abalada pela quantidade de feitos acumulados, aguardando decisão nos Tribunais,

muitos com matérias de direito idênticas a outras já decididas todas num mesmo determinado

sentido, com muitas até já sumuladas.

O efeito vinculante viria a por fim a grande parte dessas causas e impediria que os

juizes de inferior instância decidissem de modo contrario a ela fechando as portas para o

percurso recursal.

As súmulas de eficácia vinculante estão sendo apresentadas para amenizar, em curto

prazo, a gravíssima situação na qual se encontram nossos Tribunais Superiores, assoberbados

que estão com milhares de processos, muitos deles relativos aos mesmos temas, trazendo

soluções diversas, o que causa intensa perplexidade aos jurisdicionados.

O Estado Democrático de Direito, implementador e garantidor de direitos

fundamentais, tem como um de seus suportes o princípio do devido processo legal, em cujo

conteúdo encontramos outros princípios como o da isonomia, da segurança jurídica, da

celeridade, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, contraditório e ampla defesa,

assegurando o direito à ordem jurídica justa.

Percebemos assim que o próprio Poder Público, da administração direta e indireta, eo

Legislativo, são os maiores responsáveis pelo estrangulamento do Judiciário, considerando

que o Poder Executivo para protelar a concessão de direitos que lhe acarretará maiores

despesas, promove demandas desnecessárias e utiliza todos os recursos possíveis até a última

instância, prejudicando não só aquele que tem interesse na causa, mas a toda a sociedade.

A súmula vinculante é um instrumento importante para amenizar esse quadro,

contudo, mais interessante seria evitar o início dessas querelas desnecessárias, nas quais, uma

185

das partes, representada pelo Estado Administração, já tem consciência de que a sua derrota é

apenas uma questão de tempo.

Essa prevenção poderia ser alcançada com a extensão da criação e utilização das

súmulas administrativas vinculantes em todas as esferas de governo.

Mas mesmo onde adotada, a súmula administrativa tem sido desrespeitada diante da

carência de recursos da Administração Pública, restando à súmula vinculante de competência

do Supremo Tribunal Federal a função de um lenitivo para um Judiciário moribundo, ávido

para absorver soluções jurídicas criativas que contribuam para que, efetivamente, constitua-se

em um verdadeiro instrumento de defesa da cidadania.

Até agora, o Supremo estabeleceu dez súmulas. Seria conveniente, para desafogar o

próprio Supremo, acelerar sua produção e focar em questões de direito processual. Controlar o

abuso de recursos.

As súmulas são fundamentais e destinam-se a conter a multiplicação de processos.

Como a grande maioria dos processos que chegam ao Supremo diz respeito aos

interesses do Poder Executivo e como as súmulas obrigam as procuradorias e a Advocacia

Geral da União, elas contribuiriam no esforço que já vem sendo iniciado de coibir na origem,

processos desnecessários.

A súmula vinculante também está inserida dentre os instrumentos de índole objetiva.

Quer dizer, tem princípios e regras próprios, considerando que há um interesse objetivo de

promover a defesa da Constituição, especialmente a segurança jurídica, direito fundamental

de todo cidadão.

Assim, por todo o exposto, não vejo a súmula vinculante como violadora de

princípios constitucionais, mas sim que, se devidamente manejada, mostrar-se-á um efetivo

instrumento de defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

186

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