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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE E DEMOCRACIA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE E CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL Eduardo Lago Castello Branco Matrícula: 0324235-8 Fortaleza Dezembro – 2006

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZUNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFORCENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADEE DEMOCRACIA: AÇÃO DECLARATÓRIA DECONSTITUCIONALIDADE E CONSTRUÇÃO

JURISPRUDENCIAL

Eduardo Lago Castello BrancoMatrícula: 0324235-8

FortalezaDezembro – 2006

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EDUARDO LAGO CASTELLO BRANCO

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADEE DEMOCRACIA: AÇÃO DECLARATÓRIA DECONSTITUCIONALIDADE E CONSTRUÇÃO

JURISPRUDENCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação do Prof. Dr. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima.

Fortaleza – Ceará2006

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___________________________________________________________________________C348c Castello Branco, Eduardo Lago.

Controle concentrado de constitucionalidade e democracia: ação declaratória de constitucionalidade e construção jurisprudencial / Eduardo Lago Castello Branco. Fortaleza, 2006.

194 p.

Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional – UNIFOR.“Orientação: Prof. Dr. Martônio Mont'Alverne Barreto Lima.”

1. Constitucionalidade - Controle. 2. Direito Constitucional. 3. Democracia. 4. Poder Judiciário. I. Título.

CDU 342__________________________________________________________________________________________

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Aos meus pais e, especialmente,a Wilfa.

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Dedico agradecimento especial, em primeiro lugar, ao Prof. Martonio, que aceitou o encargo de proporcionar a orientação necessária para a devida construção deste trabalho, pelo compromisso assumido, por dispensar seu tempo na análise de minhas palavras e pelas cobranças e incentivos para que não adiássemos ainda mais o término da dissertação.

A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), por financiar, em parte, o curso de Mestrado. Agradeço também a Eleni, servidora da FUNCAP, pelos esforços em seu trabalho, pela ajuda no decorrer do processo de concessão da bolsa de estudos e pela sua delicadeza e eficiência.

A Gisele Barreto, por permitir e compreender, em não raras oportunidades, minhas ausências no ambiente de trabalho, pelo apoio e pela amizade durante todo o curso.

A minha família, sempre interessada e disposta a contribuir para meu crescimento educacional. Obrigado pelas cobranças, principalmente.

Aos colegas da secretaria do curso de mestrado, Virgínia, Luís Carlos e meu xará Eduardo.

E, certamente o agradecimento mais importante, a minha amada companheira Wilfa, pelas palavras de incentivo, pela revisão ortográfica e bibliográfica, por me aturar nos momentos de impaciência, por me acolher e fazer possível toda a construção deste trabalho.

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RESUMO

Controle concentrado de constitucionalidade e democracia: ação declaratória de constitucionalidade e construção jurisprudencial. Expõe a origem do Estado de Direito e seu desenvolvimento, relacionando-o com o surgimento do controle jurisdicional de constitucionalidade. Analisa a relação cada vez mais imbricada entre política e justiça, inclusive no Brasil. Explicita o controle de constitucionalidade, suas espécies, efeitos, limites, e seu desenvolvimento no Brasil. Revela as conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, que instituiu a ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Explica a ADC, seus requisitos, legitimados ativos, procedimento e decisão. Expõe a possibilidade de implantação da ADC nos Estados Federados e as reformas trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, no que se refere ao controle concentrado de constitucionalidade. Apresenta a construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre ADC. Evidencia a relação direta entre a ADC e as reformas neoliberais na busca de uma maior segurança jurídica. Identifica o risco no desenvolvimento da construção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que trilha cada vez mais pelo caminho do subjetivismo, implicando diretamente nas regras de processamento da ADC, tais como: na restrição do acesso ao Judiciário e na extensão do efeito vinculante. Confirma que a ADC é um instrumento nas mãos do Poder Executivo para satisfação de seus interesses, principalmente o de uma maior governabilidade. Analisa o caráter não-democrático da jurisdição constitucional. Conclui que o advento da ADC trouxe implicações que favoreceram, e ainda favorecem, a possibilidade de usurpação dos limites constituintes da jurisdição constitucional, o que afeta diretamente o grau de democracia no Brasil.

Palavras-chave: Controle concentrado de constitucionalidade. Ação declaratória de constitucionalidade. Poder Judiciário. Democracia. Governabilidade.

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RESUMÉ

Contrôle concentré de la constitutionnalité et de la démocratie: action déclaratoire de constitutionnalité et construction jurisprudentielle. Il expose l'origine de l'État de Droit et son développement, et son rapport avec le surgissement du contrôle juridictionnel de constitutionnalité. Il analyse la relation de plus en plus imbriquée entre politique et justice, y compris au Brésil. Explicite le contrôle de constitutionnalité, leurs espèces, effets, limites, et son développement au Brésil. Il révèle les conjonctures político-économique et juridique Brésiliennes avant la promulgation de l'Amendement Constitutionnel nº 3 de 1993, qui a institué l'action déclaratoire de constitutionnalité (ADC). Explique l’ADC, leurs conditions, légitimés actifs, procédure et décision. Il expose la possibilité d'implantation de l’ADC aux États Fédérés et les réformes apportées par l'Amendement Constitutionnel nº 45, de 2004, em ce qui concerne le contrôle concentré de constitutionnalité. Il présente la construction jurisprudencielle du Suprême Tribunal Fédéral sur l’ADC. Il prouve le rapport directe entre l’ADC et les réformes néo-libérales dans la recherche d'une plus grande sécurité juridique. Il identifie le risque dans le développement de la construction de la jurisprudence du Suprême Tribunal Fédéral lequel suit de plus en plus le chemin du subjetivisme, en abouissant directement aux règles de traitement de l’ADC, telles quelles: la restriction de l'accès au Judiciaire et l'extension de l'effet-lient (efeito vinvulante). Il confirme que l’ADC est um instrument dans les mains du Pouvoir Exécutif pour satisfaire de leurs intérêts, surtout de’une plus grande governabilité. Il analyse le caractère non démocratique de la juridiction constitutionnelle. Il conclut que l'avènement de l’ADC a apporté des implications qui ont favorisé la possibilité d'usurpation des limites constitutives de la juridiction constitutionnelle, ce qui touche directement le niveau de la démocratie au Brésil.

Mots-clé: Contrôle concentré de constitutionnalité. Action déclaratoire de constitutionnalité. Pouvoir Judiciaire. Démocratie. Governabilité.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09

1 ESTADO DE DIREITO, PODER JUDICIÁRIO E CONTROLE JURISDICIONAL DE

CONSTITUCIONALIDADE ..................................................................................................13

1.1 Estado de Direito ............................................................................................................... 131.2 O papel do Poder Judiciário no Estado de Direito ............................................................ 201.3 Política e Poder Judiciário: fenômeno da judicialização da política ................................. 251.4 Política e Poder Judiciário no Brasil ..................................................................................30

2 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE ................................... 38

2.1 Natureza jurídica, fundamento e finalidade .......................................................................382.2 Espécies ..............................................................................................................................422.3 Efeitos e seus limites ......................................................................................................... 472.4 Evolução no Brasil .............................................................................................................51

3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................ 63

3.1 As conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes da Emenda Constitucional nº 3 .......................................................................................................................................... 633.2 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 3 ........................................ 663.3 Ação declaratória de constitucionalidade ......................................................................... 683.4 A Lei nº 9.868/1999 ...........................................................................................................733.4.1 Legitimação ativa e requisitos ........................................................................................ 743.4.2 Procedimento e medida cautelar .................................................................................... 793.4.3 Decisão ............................................................................................................................853.5 Ação declaratória de constitucionalidade nos Estados ..................................................... 903.6 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 45 ...................................... 92

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4 AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE AÇÃO

DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ........................................................... 96

4.1 Ação declaratória de constitucionalidade nº 1 ................................................................. 964.1.1 A ADIn nº 913 .............................................................................................................. 984.1.2 A prejudicial de inconstitucionalidade ......................................................................... 1004.1.3 O julgamento em si ...................................................................................................... 1084.2 Ação declaratória de constitucionalidade nº 2 ................................................................ 1104.3 Ação declaratória de constitucionalidade nº 3 ................................................................ 1114.4 Ação declaratória de constitucionalidade nº 4 ................................................................ 1134.5 Ação declaratória de constitucionalidade nº 5 ................................................................ 1204.6 Ação declaratória de constitucionalidade nº 6 ................................................................ 1234.7 Ação declaratória de constitucionalidade nº 7 ................................................................ 1244.8 Ação declaratória de constitucionalidade nº 8 ................................................................ 1244.9 Ação declaratória de constitucionalidade nº 9 ................................................................ 1264.10 Ação declaratória de constitucionalidade nº 10 ............................................................ 1304.11 Ação declaratória de constitucionalidade nº 11 ............................................................ 1314.12 Ação declaratória de constitucionalidade nº 12 ............................................................ 1324.13 Ação declaratória de constitucionalidade nº 13 ............................................................ 1344.14 Ação declaratória de constitucionalidade nº 14 ............................................................ 135

5 AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELA AÇÃO DECLARATÓRIA DE

CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................... 138

5.1 Implicações econômicas ..................................................................................................139 5.2 Implicações jurídicas ....................................................................................................... 1435.3 Implicações políticas ........................................................................................................154

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 170

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................175

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO ................................................................................ 187

ÍNDICE ONOMÁSTICO ..................................................................................................... 189

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INTRODUÇÃO

Apesar da questão que envolve o controle jurisdicional de constitucionalidade ser

relativamente recente na história do Direito, a sua existência já trouxe alterações significativas

na política e na justiça dos Estados que o adotaram. Desde sua primeira manifestação prática,

quando John Marshall, Chefe de Justiça da Suprema Corte norte-americana, chamou para si o

poder de decidir se as leis em vigência estavam ou não de acordo com a Constituição,

discussões teóricas como a que ocorreu na Alemanha entre Schmitt e Kelsen, sobre quem

deve ser o guardião da constituição, são exemplos do quanto o tema pode despertar e

produzir.

Muito se discute sobre a atribuição isolada deste controle a um único Poder do Estado, o

Judiciário, devido ao seu caráter absoluto em dizer o que a constituição é perante não só à

sociedade, mas também ao próprio Estado. A importância dessa determinação é justificada

pelo simples significado de uma constituição: o documento que contém as regras

organizacionais, políticas e jurídicas do Estado, o modo como deve ocorrer o exercício do

poder e, a enunciação dos direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.

O controle jurisdicional de constitucionalidade, inaugurado pela decisão de Marshall,

acabou desenvolvendo o modelo que mais tarde ficou conhecido como controle difuso da

constitucionalidade. Nesta representação, além de qualquer órgão do Poder Judiciário ser

competente para apreciar o requerimento, que pode ser feito por todo e qualquer cidadão, a

discussão sobre a constitucionalidade não se configura como o cerne da lide, é apenas um

subsídio para fundamentação do pedido, no caso concreto. O desenvolvimento da teoria da

jurisdição constitucional, notadamente na Europa continental, fomentou a criação de outro

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modelo, o controle concentrado, pelo qual geralmente um único órgão é competente para a

apreciação e não é qualquer pessoa capaz de requerer o controle da constitucionalidade; seu

objetivo é suspender a eficácia de lei ou ato normativo contrário à constituição, sem levar em

consideração qualquer interesse subjetivo das partes.

Será verificada se a absorção, pelo Poder Judiciário, da peculiar atividade do controle de

constitucionalidade trouxe uma nova diagramação do Estado; se a significativa perda de

atribuições do Judiciário constatada na Revolução Francesa teve um revés com o redesenho

do Estado Liberal em Estado Social, e deste para o Estado Democrático de Direito; e como

novo perfil do Poder Judiciário trouxe consigo o fenômeno da judicialização da política, ou

seja, a expansão deste Poder no processo decisório de questões onde predomina o conteúdo de

cunho político, conforme será demonstrado na primeira parte do primeiro capítulo deste

trabalho.

O debate a respeito do controle da constitucionalidade das leis é constante desde a

primeira vez que uma constituição brasileira passou a tratar sobre o tema, em 1891. Não

obstante sua tradição em adotar o controle difuso, desde 1934 o ordenamento jurídico no

Brasil permite a existência das duas espécies de controle da constitucionalidade. A partir de

então, observou-se o desenvolvimento do controle concentrado em detrimento do difuso,

tendência que culminou na Constituição de 1988, instituidora de diversas formas de

implementação daquela espécie de controle, conforme será analisado no segundo capítulo

deste trabalho. Uma das formas de exercício do controle concentrado se dá por meio da ação

declaratória de constitucionalidade. Instituída pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993, a

referida ação tem por escopo, como o próprio nome já diz, declarar, por meio de decisão do

Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de lei ou ato normativo.

O objetivo deste trabalho é analisar a instituição da ação declaratória de

constitucionalidade (doravante, ADC) no Brasil, e de que maneira, por entre a construção

jurisprudencial realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ela interfere em questões

econômicas, jurídicas e políticas no Estado brasileiro. Para tanto, utilizou-se dos tipos de

pesquisa bibliográfica e documental.

Após a apresentação da natureza jurídica, fundamentos e finalidade do controle

jurisdicional de constitucionalidade, bem como suas espécies, efeitos e limites, verificar-se-á

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as conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes do advento da Emenda

Constitucional nº 3, de 1993, bem como suas reformas. Serão abordados os elementos

caracterizadores da ação declaratória de constitucionalidade e o seu processamento, sendo

este regulado pela Lei nº 9.868, de 1999, perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse

diapasão, no terceiro capítulo, levantar-se-á a hipótese de implantação da ação declaratória de

constitucionalidade nos Estados membros da Federação e também como as reformas

conduzidas pela Emenda Constitucional nº 45 alteraram o cenário de aplicação da ADC.

No quarto capítulo, será analisada a construção jurisprudencial do Supremo Tribunal

Federal no que se refere à ação declaratória de constitucionalidade. Desde a sua instituição,

em 1993, até o final do mês de outubro do ano de 2006, quatorze ações foram propostas, em

sua maioria pelo Presidente da República. O STF, sempre por decisões não unânimes (o

Ministro Marco Aurélio consubstanciou, na maior parte das vezes solitariamente, o voto

vencido em todos os julgados), decidiu pela constitucionalidade da nova espécie de ação, bem

como estabeleceu as regras de processamento, na falta de lei que assim o fizesse.

Em seguida serão expostas e analisadas as implicações econômicas trazidas pela ação

declaratória de constitucionalidade: de que maneira a criação da ADC está relacionada às

reformas de cunho neoliberais adotadas desde o início da década de 1990. Suas implicações

jurídicas: como o Supremo Tribunal Federal, através de métodos interpretativos diferentes,

formulou mecanismos de restrição ao acesso ao Judiciário por meio da ADC; em que

circunstâncias foram estabelecidas as decisões que determinaram os limites do efeito

vinculante e do caráter da concessão de medida cautelar.

E, por derradeiro, criticar-se-ão as implicações políticas da ação declaratória de

constitucionalidade. Será discutida a possibilidade de violação do princípio da separação dos

poderes pelo efeito vinculante e o problema da independência funcional dos juízes. Nesse

contexto, será evidenciado o problema da legitimidade dos membros do Supremo Tribunal

Federal, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade e, portanto, instituição da

qual poderá emanar decisões sobre políticas públicas e direitos fundamentais. Outro ponto

que merecerá destaque é como se mostrou cada vez mais evidente e imbricada a relação entre

Executivo e Judiciário no Brasil e quais as conseqüências que podem surgir dessa relação no

contexto da ação declaratória de constitucionalidade, tais como: o risco de superestimação do

papel da jurisprudência e a possibilidade de usurpação dos limites constitucionais atribuídos

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ao STF. Por fim, será verificado o necessário conflito entre a democracia e a busca por uma

maior governabilidade, como isso reflete no papel representado pela ação declaratória de

constitucionalidade, e como o Judiciário pode não mais ter mecanismos de controle aos quais

toda instituição de um Estado Democrático deve se submeter.

Salienta-se, por oportuno, que não é intenção do trabalho exaurir a problemática trazida

pela ação declaratória de constitucionalidade no âmbito do controle concentrado de

constitucionalidade e na democracia brasileiros. Busca-se contribuir para uma melhor reflexão

sobre o tema e alertar sobre as tendências e conseqüências que surgirão com o

desenvolvimento do controle concentrado de constitucionalidade.

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1 ESTADO DE DIREITO, PODER JUDICIÁRIO E CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE

A relação entre os conceitos e institutos de Estado de Direito, Poder Judiciário e

controle jurisdicional de constitucionalidade são fundamentais para o objetivo deste trabalho,

que é a análise das implicações da ação declaratória de constitucionalidade. O estudo prévio

das origens do Estado de Direito e seus desdobramentos, bem como do papel do Poder

Judiciário, é imprescindível para o entendimento do instituto do controle jurisdicional de

constitucionalidade, como será demonstrado a seguir.

1.1 Estado de Direito

A origem e a formação do Estado são temas que passaram a ser discutidos de maneira

efetiva desde o movimento do Iluminismo. Há pelo menos três vertentes principais para a

explicação sobre o aparecimento do Estado. Segundo Dalmo Dallari (2000, p. 52) a primeira

defende que, assim como a sociedade em si, o Estado sempre existiu desde os primórdios da

humanidade, sendo um instituto onipresente e elemento universal da organização em

sociedade.

A segunda linha teórica escreve que a sociedade humana, num primeiro momento, não

se organizou como Estado. Isso só ocorreu depois de certo período necessário para o

surgimento de novas necessidades e conveniências dos grupos sociais que justificassem o

nascimento do Estado como nova forma de organização. Já a terceira linha argumenta que o

Estado só existe se apresentar um mínimo de características e elementos constitutivos, como

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território, povo, a prática e a idéia de soberania, sendo que este momento ocorreu apenas no

século XVII.

O princípio do Estado pode ter ocorrido de maneira voluntária ou espontânea. Esse

modelo teórico é delineado basicamente por quatro origens, segundo Dalmo Dallari (2000,

p.54): 1) familiar, ou patriarcal, defendida por Filmer, cujo argumento é o de que as famílias

primitivas cresceram ao ponto de originar o Estado propriamente dito; 2) em atos de violência

e de conquista, amparada por Oppenheimer, que estabelece a formação do Estado com a

superação pela força e a conseqüente dominação entre grupos sociais; 3) em causas

econômicas, sustentadas principalmente por Marx e Engels, para os quais o Estado surgiu

para reconhecer e assegurar a propriedade privada1 e as transformações políticas e sociais por

ela provocadas; e, por fim, 4) no desenvolvimento interno da sociedade, isto é, o Estado se

manifesta por instinto a partir do momento em que a própria complexidade advinda do

progresso dos grupos sociais gera uma necessidade de nova organização, que é o próprio

Estado.

Estados podem se formar também de maneira derivada, a partir de outros Estados

préexistentes. Ocorre quando dois Estados se unem formando um novo, ou mesmo quando

um único Estado se desmembra dando origem a pelo menos dois outros novos.

Outra construção teórica do surgimento do Estado é a formulada pelos contratualistas,

assim chamados por defenderem que o início do Estado se deve à vontade de todos os

homens, ou de parte deles, dependendo do teórico. Entre estes estão John Locke, Thomas

Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.

Já o emprego moderno da palavra Estado foi primeiramente utilizado por Maquiavel em sua obra O Príncipe: “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados.” (MAQUIAVEL, s.d., p. 39).

1Na defesa pública desta dissertação foi aberta discussão sobre o pioneirismo de Marx na teorização do Estado como assegurador da propriedade privada. Salienta-se que a crítica de Marx é exatamente no sentido de que a propriedade privada é aplicação prática do liberalismo típico da Revolução de 1789, e constitui o fundamento da sociedade burguesa. Esse pensamento é derivado da teoria de Rousseau que criticou Locke, que destacou a propriedade é um direito natural do homem. Rousseau, por outro lado, defende que a propriedade privada é a causa da desigualdade entre os homens e que o primeiro que disse “isto é meu” foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.

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A definição de Estado, enfim, pode ser assim formulada: “a ordem jurídica soberana que

tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (DALLARI,

2000). Neste conceito estão inseridos todos os elementos essenciais do Estado, pois:

... a noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referencia expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território. (DALLARI, 2000)

Paulo Bonavides (1999b, p. 67), ao dissertar sobre o conceito de Estado, analisa

algumas de suas acepções filosóficas, jurídicas e sociais. Para ele, a definição que melhor

indica o sentido de Estado é a proposta de Jellinek que o estabelece como “a corporação de

um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.

No decorrer da humanidade são conhecidas diversas fases de Estados, entre elas: antiga,

grega, romana, medieval e moderna. O início desta última fase foi marcado pelo sucesso dos

Estados totalitários, nos quais o poder absoluto emanava de um só, o rei. Jean Bodin, Hobbes

e Bossuet, teóricos do absolutismo, tiveram o papel de tentar justificar a existência e a

manutenção do ancien régime. É a fase da qual Maquiavel se referiu na sua obra O Príncipe,

pelo fato do Estado ser constituído de elementos mínimos próprios que lhe são fundamentais:

território, povo, governo e soberania. Na relação entre cada uma dessas partes, e entre o

próprio Estado e o seu povo, é que se encontra o Direito, cujo intuito é regular os problemas

existentes nos grupos sociais, assegurar a existência do Estado e estabelecer seus limites, na

aspiração de reduzir os riscos do exercício do poder político e conservar uma ordem orientada

para os fins do Estado.

Três importantes movimentos contribuíram de forma considerável para a transformação

do Estado moderno absolutista em Estado de Direito, onde não mais vigora a vontade

soberana do monarca, mas a vontade do povo2 e o império da lei. Em primeiro lugar, a

2A palavra “povo” foi aqui utilizada para significar a burguesia, tendo em vista as circunstâncias históricas da formação do Estado de Direito. Para um maior estudo sobre a concepção da palavra e os diversos modos de utilização do termo “povo” ver: MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 2.

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Revolução Inglesa, culminada pelo Bill of Rights de 1689 que estabeleceu uma série de

direitos aos ingleses em desfavor dos caprichos da autoridade real. Depois a Revolução

Americana de 1776 quando as treze colônias inglesas da América do Norte confeccionaram

sua Declaração de Independência, o primeiro passo para a promulgação da Constituição de

1787, a pioneira na instituição da separação dos poderes. E, por fim, esse processo de

transformação culminou com a Revolução Francesa de 1789, representada pela Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão.

As principais inspirações para a ocorrência desses movimentos sociais de transformação

que fizeram nascer o Estado de Direito foram formuladas pelos teóricos do Iluminismo:

Locke, Montesquieu e Rousseau, cada um na proporção de sua obra.

Locke, individualista liberal, influenciou principalmente a Revolução Inglesa com seus

Dois tratados sobre o governo. As diretrizes básicas de sua doutrina se baseiam na luta contra

o absolutismo, na defesa de uma autoridade consentida pelo povo, e na eliminação da

arbitrariedade baseada no direito divino. Contratualista, Locke (1998, p. 507) defendeu um

Estado de Direito sob o império da lei:

os homens renunciam a todo poder natural em favor da sociedade em que ingressam, e a comunidade deposita o poder legislativo nas mãos que considera convenientes, confiando-lhes o encargo de que a sociedade seja governada por leis expressas (grifo original).

Montesquieu estabeleceu a clássica separação dos poderes de um Estado governado pela

lei, em Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo Chevallier (1999, p. 140), porém, na

apresentação da teoria de Montesquieu são evidentes as reminiscências de Locke, pois este foi

o primeiro iluminista a desenhar um esboço de separação. Não deixa de ter importância básica

e ser original Montesquieu (1979, p. 147) quando escreveu:

Num Estado, isto é, uma sociedade em que há leis, a liberdade não pode consistir em poder fazer o que se deve querer e não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar. Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitirem; se um

ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

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cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria liberdade, porque os outros também teriam tal poder. (grifos nossos).

Rousseau, por sua vez, foi o primeiro de seu tempo a defender que cada indivíduo detém

uma parcela de soberania igual a dos demais. Num Estado de mil habitantes, cada um do povo

representa um milésimo de sua soberania; a soma de todos significa a soberania do Estado.

Por isso, “o povo, submetido às leis, deve ser o seu autor” (ROUSSEAU, 1983, p. 55). Para o

iluminista francês, a lei é a expressão da vontade geral, que significa o interesse geral dos

cidadãos em proveito do grupo social como um todo.

Nesse diapasão, Rousseau renega a possibilidade de representação política. Os

integrantes de parlamento são, essencialmente, comissários do povo, e não podem assumir

determinada posição sobre uma questão sem o consentimento direto do povo. O parlamentar,

para Rousseau, nunca poderá dispor politicamente por vontade própria, apenas deve

reproduzir a vontade do povo.

A concepção de poder planejada por Rousseau era totalmente diferente do que existia na

sua época, e inclusive após o seu tempo, antecipando transformações políticas que os

marxistas tentarão por em prática mais tarde. O poder político para todos, sem distinção, em

detrimento ao poder político de uma única classe foi de encontro à forma como acontecia a

chamada “reação de poder”: no liberalismo, a reação da burguesia; no socialismo (após

Rousseau), a reação da classe operária (BONAVIDES, 1996, p. 169). Numa síntese apertada,

Rousseau buscou o ideal de liberdade política do homem.

Com isso, o Estado de Direito possui as seguintes características: 1) submissão ao

império da lei, emanada pelo Legislativo, composto de representantes populares; 2) divisão

dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário; 3) enunciado e garantia dos direitos

individuais, notadamente pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

(SILVA, 2001, p. 117).

A partir do século XVIII, portanto, iniciou-se o desenvolvimento de uma crescente

relação entre Estado e lei. Por conseguinte, “a passagem [do regime das monarquias

absolutas] para uma ‘soberania popular’ incluiu (e compeliu) a identificação do Direito com a

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lei” (TAVARES, 2005, p. 30). A principal fonte do Direito passa a ser a lei, como expressão

da vontade geral, conforme art. 6º da Declaração de Direitos de 1789.

Para André Ramos Tavares (2005, p. 36), a lei passou a ter um significado supremo por

três razões: 1) “a aspiração democrática na lei se via realizada”; 2) “a realização iluminista do

ideal da razão”, ao contrário da crença e do dogma real predominante no ancien régime; 3) “a

certeza e a segurança se reconheciam no instrumento ‘lei’”. Assim, o Estado de Direito é um

conceito tipicamente liberal na sua origem, pois preza basicamente pela liberdade individual e

pelo Estado negativo, isto é, um neutralismo estatal.

O Estado de Direito sob o domínio exclusivo da lei resultou em problemas estruturais.

Segundo Tavares (2005, p. 42), “o abuso praticado pela lei (pelo legislador) foi responsável

pela mudança de modelo”. O excesso ou a carência de leis criadas pelo Legislativo resultou

em insegurança jurídica, em virtude da existência de diversas leis tratando sobre o mesmo

tema ou pela falta de texto legal regulador de determinadas matérias. Além deste problema,

nada impedia que leis prejudiciais ao povo, ou que ferissem seus direitos, fossem aprovadas

pelos seus representantes.

Novas necessidades surgiram com a evolução histórica da sociedade, e para essas

necessidades era preciso ter garantias. Além disso, o individualismo do Estado Liberal acabou

facilitando desigualdades na sociedade burguesa. A liberdade política como liberdade restrita

era inoperante, pois não conseguiu resolver o problema fundamental de ordem econômica da

classe proletária, da qual dependia essencialmente a manutenção do sistema capitalista, base

do poder burguês (BONAVIDES, 1996, p. 188). Numa tentativa de correção ou diminuição

dessas diferenças nasceu o chamado Welfare State, ou Estado Social de Direito, no qual o

poder estatal agora penetra em áreas nunca antes imaginadas pelo Estado Liberal, como a

economia e as relações de trabalho, por exemplo.

Neste contexto, o papel da constituição passa a ser valorizado e ultrapassa a importância

da lei, na medida em que aquela significa a verdadeira expressão política de um povo,

buscando a garantia de direitos individuais. O país que abriu caminho nesta esteira de

pensamento foram os Estados Unidos quando promulgaram sua Constituição em 1787.

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A constituição, portanto, passa a ter função essencial ao Estado, pois ao contrário das

leis que são frutos dos representantes populares, é resultado da vontade geral do povo, “é a

‘carta de competências’, ou seja, o lócus no qual se deve buscar tanto a fonte máxima do

Direito como os critérios para identificação legítima das demais fontes do Direito”

(TAVARES, 2005, p. 46).

O Estado Social de Direito, apesar de intervencionista, não foi capaz de “assegurar a

justiça social nem a autêntica participação democrática do povo no processo político”

(SILVA, 2001, p. 122). Esse cenário só pode ser percebido no Estado Democrático de Direito,

o qual é regido por princípios próprios: 1) constitucionalidade: que exprime o valor

fundamental da constituição como norteadora do Estado Democrático e detentora de

supremacia pela qual vincula os poderes do Estado; 2) democracia: a constituição é fruto da

vontade popular e institui a participação e representação do povo nas instâncias de poder; 3)

sistema de direitos fundamentais: o texto constitucional estabelece os direitos fundamentais,

compreendendo os individuais, coletivos, sociais, culturais e políticos; 4) igualdade perante a

lei e entre os cidadãos; 5) divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, e a

independência funcional do juiz; 6) princípio da legalidade, em que ninguém é obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei; 7) segurança jurídica representada pela

proteção ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido.

No Estado Democrático de Direito o poder político legítimo está nas mãos do povo, é

“como uma ordem de domínio legitimada pelo povo” (CANOTILHO, 1999, p. 27). Nesse

diapasão, a constituição é o item essencial para satisfação e garantia dos direitos

fundamentais, que podem ser definidos como os princípios jurídicos que traduzem a

concepção de dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal

(LOPES, 2001). Para Sarlet (2006, p. 74), as condições de existência e medida de

legitimidade de um autêntico Estado Democrático de Direito são a “íntima vinculação entre as

noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, estes sob o aspecto de

concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da

igualdade, liberdade e justiça”. Ocorre que, não faltam oportunidades em que não são

cumpridas as condições mínimas de dignidade humana estabelecidas constitucionalmente.

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Este é um dos pontos em que o Poder Judiciário passa a ter papel fundamental no Estado de

Direito, como será discutido a seguir.

1.2 O papel do Poder Judiciário no Estado de Direito

O Poder Judiciário tem origem na teoria de separação dos poderes, que melhor

sistematizada e conhecida foi, pioneiramente, por Montesquieu, conforme já citado no item

1.1. O principal motivo do nascimento da teoria da tripartição do poder em Legislativo,

Executivo e Judiciário é a constatação de que aquele que detém o poder tende a dele abusar.

Assim, a teoria tem como escopo um equilíbrio político e a defesa da liberdade do indivíduo,

que poderia ser ameaçada quando eventualmente as funções de ao menos dois poderes se

incorporassem nas mais de um só.

Para o filósofo francês num Estado há três funções. A legislativa na qual o legislador faz

as leis por certo tempo ou para sempre, além de corrigi-las ou ab-rogá-las. A executiva das

coisas que dependem das gentes, que faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas,

estabelece a segurança e previne invasões. E a judiciária das coisas que dependem do direito

civil, que pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos, denominada poder de julgar

(MORAES FILHO, 2003, p. 155).

Madison (1985, p. 124), durante as discussões para a aprovação da Constituição

Americana na Convenção de Filadélfia, acompanhou o pensamento de Montesquieu no

raciocínio de seus discursos: “a acumulação de poderes Legislativo, Executivo e Judiciário

nas mãos de um só indivíduo (...) seja por efeito de conquista ou de eleição, constitui

necessariamente a tirania”. Dessa forma, os princípios de um governo livre são corrompidos

sempre que pelo menos dois poderes se fundem em um.

Da teoria de Montesquieu se desenvolveram dois modelos principais de magistratura: o

americano e o europeu continental. O primeiro se desenvolveu no Estado em que o Direito

consagrou-se pela tradição das decisões judiciais, também chamado de sistema do common

law, de herança inglesa. Este sistema teve origem no século XVII, idealizado por Edward

Coke, cuja doutrina pregava o judicial review, caracterizado pela supremacia do entendimento

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tradicional emitido em reiteradas decisões judiciais. Após a Revolução Inglesa de 1688,

porém, o Parlamento voltou a ter hegemonia sobre os juízes ingleses. A supremacia da

doutrina no judicial review, ironicamente, permaneceu nos Estados Unidos devido à aversão

americana ao Parlamento inglês. Para os norte-americanos o Legislativo representava um

risco se não fossem estabelecidos limites. Coube ao Judiciário, portanto, exercer o contrapeso

e fiscalizar as atividades legislativas.

Por outro lado, o segundo modelo teve seu embrião na França pós-Revolução Francesa,

quando a figura do juiz representava mera peça do funcionalismo estatal, cuja tarefa era

apenas repetir e aplicar as palavras da lei, sendo-lhe proibido interpretá-la. A predominância

do Legislativo era marcante, por isso a lei ganhou força absoluta. Assim, o juiz não detinha

uma mínima parcela de independência, era um simples funcionário do Estado, com atividade

mecânica (MARTÍN, 1999, p. 12), em contraponto à herança da magistratura subordinada ao

poder absoluto dos reis no antigo regime. Por isso, neste modelo os juízes ingressam na

carreira mediante concurso público e são proibidos de julgar causas nas quais o Estado seja

parte, já que para elas existe uma jurisdição própria. Este sistema também serviu para os

principais países da Europa continental, como Itália, Espanha e Portugal.

Em síntese, na incipiência do Estado de Direito o Judiciário desempenhou um papel

fundamental, pois era parte do corpo estatal não-intervencionista, e se caracterizou como

“uma instituição colocada acima da sociedade, para compor conflitos entre os indivíduos,

impedindo que se consumem em lutas estéreis, mediante a aplicação das normas formuladas,

geralmente pela própria sociedade, através da mediação do contrato” (ROCHA, 1995, p. 129).

As transformações decorrentes da instalação do Estado Social influenciaram diretamente

na separação dos poderes. As ingerências estatais nas ordens econômica e social significaram

a tentativa de diminuir a desigualdade de riquezas e integrar as necessidades da classe

trabalhadora. Com isso, surgiram os direitos sociais, políticos, culturais, econômicos e

coletivos: trabalho, saúde, lazer, moradia, educação e cultura.

O Poder Executivo, diante do alargamento do âmbito de suas funções, notadamente

porque era o responsável pela implementação dos novos direitos, passou a ter predominância

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política sobre o Legislativo que, para compensar, passou a legislar sobre todo o campo da

vida social. Neste momento, o Estado Social não é responsável apenas pela “manutenção da

ordem ou restaurá-la quando violada, mas também para promover transformações,

empenhando para tal fim suas próprias forças e as dos agentes privados”. (ROCHA, 1995, p.

131)

O Poder Judiciário, por sua vez, também absorveu modificações diante das mudanças.

Não mais limitado apenas na composição de conflitos, o Judiciário passou a agir como aquele

que conferirá a eficácia aos direitos fundamentais apregoados na constituição. Uma grande

parcela de responsabilidade foi transferida ao Judiciário, pois, neste sentido, ele passou a ser

peça essencial no sistema de freios e contrapesos entre as funções de Estado. As ações do

Executivo e as leis do Legislativo se submetem ao crivo da magistratura, através de um

trabalho de fiscalização do respeito aos direitos sociais e de estimulação do governo a uma

atuação compensatória e distributiva das riquezas.

As conquistas sociais implementadas pela consagração dos direitos fundamentais não

fazem sentido sem sua proteção eficaz. Conforme Paulo Bonavides (1999a, p. 509), já na

Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em seu art. 16, toda sociedade na qual a

garantia dos direitos não estiver assegurada e a separação dos poderes determinada, não tem

Constituição. Essa proteção eficaz é estabelecida predominantemente pelo princípio da

separação dos poderes existente nos textos constitucionais. No Estado onde prevaleça a

separação dos poderes, o poder político de quem legisla ou de quem executa as leis não se

confunde com a função de julgar. Assim, o Judiciário não mais necessitará de consultas ao

Legislativo quando fosse indispensável fazer uma interpretação da lei, pois a Constituição lhe

transferiu essa prerrogativa. Dessa forma, um poder inibe a função do outro reciprocamente.

Na esteira das comentadas transformações, a constituição passou a ter papel

fundamental, principalmente depois do declínio dos princípios do Estado Liberal e o avanço

do Estado Constitucional. A constituição adquiriu a condição de supremacia sobre as demais

leis, pois nela estão contidos os valores esperados pela sociedade, as regras sobre o poder

político e a organização fundamental do Estado. Dotada de supremacia, a constituição é o

fundamento de validade das demais normais, passando, assim, a ser o limite da atividade do

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Poder Legislativo, pois estipula o âmbito mínimo e máximo de extensão das leis por ele

aprovadas.

O Executivo também é limitado pela constituição, pois nela está estabelecido que seu

funcionamento é vinculado por lei, i. e., toda sua atividade só existe porque uma ou mais leis

assim determinam, definindo inclusive os limites de suas atribuições. O sentido desta

limitação é evitar que o Executivo avance na sua atuação ao ponto de interferir no rol de

direitos fundamentais fixados constitucionalmente.

O Judiciário não poderia deixar de ser limitado pela constituição, senão o moderno

princípio da divisão dos poderes não seria implementado em sua plenitude, já que um poder

se sobressairia sobre os demais. Uma das garantias dos direitos fundamentais face aos atos do

Judiciário, segundo José de Albuquerque Rocha (1995, p. 67), seria a obrigatoriedade da

motivação e a devida fundamentação legal das decisões judiciais, no sentido de evitar

sentenças arbitrárias e que não coadunem com ordenamento jurídico alicerçado pela

constituição. Outra garantia seria a independência funcional e a imparcialidade do juiz, pois

impedem, ou pelo menos tentam impedir, que fatores externos, seja do poder público ou de

setores privados, interfiram na atividade jurisdicional.

Diante do princípio da supremacia constitucional, surgiu o problema de como se

procederia ao controle ou fiscalização do cumprimento de seu texto. Conforme André Ramos

Tavares (2005, p. 93), “foi justamente no Judiciário o órgão no qual se reconheceram as

características necessárias para atuar como fiscal das leis”. Esse reconhecimento prevaleceu

tanto no sistema do common law quanto no sistema europeu continental. No capítulo seguinte

haverá melhor oportunidade para desenvolver os modelos e respectivas características do

controle jurisdicional de constitucionalidade, aqui se busca apenas analisar a relação entre o

Estado e Judiciário.

Assim, na moderna aplicação da teoria da separação dos poderes, as funções nunca

estarão completamente divididas, como inclusive já publicara Madison (1985, p. 126) durante

a Convenção da Filadélfia em artigos de jornal no final da década de 1780, que não obstante a

maneira enfática e absoluta pela qual o princípio da separação dos poderes estava estabelecido

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nas diversas constituições dos diferentes Estados americanos, não havia uma só na qual os

diferentes poderes estivessem inteiramente distintos e separados. A melhor definição da

relação entre os poderes estava na expressão “freios e contrapesos”, em que cada poder

embaraçava a atividade do outro reciprocamente.

No Brasil, essa relação foi estabelecida de acordo com a promulgação ou outorga

dasseis constituições que o país já teve e com a atual Constituição de 1988 e suas emendas.

Nesta última, o princípio da separação absoluta dos poderes é relativizado: o Judiciário poderá

aprovar regimentos internos, o Executivo poderá regulamentar uma lei através de decreto, e o

Legislativo julgará o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de

responsabilidade. O art. 102 da Constituição de 1988 prevê que seu guardião é o Supremo

Tribunal Federal, o órgão de cúpula do Judiciário. Guardião no sentido de ser o responsável

pela fiscalização do cumprimento do texto constitucional, pois lhe compete julgar as ações de

controle de constitucionalidade.

Partindo da premissa que cabe ao Judiciário o controle de constitucionalidade das leis e

atos normativos, e que o Executivo e Legislativo têm suas atividades vinculadas diretamente à

Constituição, conclui-se que o Judiciário possui, pelo menos sob um determinado ponto de

vista, prevalência sobre os demais poderes. Não se pode olvidar a existência das garantias em

face do Judiciário, como a motivação e fundamentação das decisões dentre outras já

mencionadas. No entanto, o conteúdo da Constituição dependerá da interpretação final dada

pelos juízes, que, em tese, nunca deverá infringir os princípios constitucionais e os direitos

fundamentais.

Apesar de todas essas novas atribuições conquistadas pelo Judiciário, sua imagem

passada aos setores externos ainda era, e ainda é, a de uma instituição burocratizada, incapaz

de sofrer influência dos demais poderes ou mesmo de setores privados, tendo em vista,

principalmente, a independência funcional dos juízes e demais garantias adquiridas. No

entanto, como se verá a seguir, paulatinamente a política intromete-se no Judiciário ou o

Judiciário intromete-se na política.

1.3 Política e Poder Judiciário: fenômeno da judicialização da política

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O termo “política” é originado da palavra “pólis”, que se refere às cidades-Estado

gregas. Por política entende-se, segundo Max Weber (1998, p. 55-56), todas as espécies de

atividade diretiva autônoma e, ainda, “o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do

poder ou influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único

Estado”.

Uma atividade é considerada política “quando e na medida em que afete diretamente a

configuração, a manutenção ou transformação da ordem de convivência estabelecida, da

ordem em que se organiza uma sociedade e seu desenvolvimento e defesa” (TAVARES,

2005, p. 451).

Tradicionalmente, a política é reservada ao Executivo e Legislativo, conforme a teoria

clássica de separação dos poderes de Montesquieu que prevaleceu como orientação dominante

na origem do regime do Estado Liberal. Com a modificação do sistema estatal liberal, o

Judiciário ganhou força de maneira que passou a exercer papel fundamental no controle das

atividades dos demais poderes. Segundo Celso Fernandes Campilongo (2002, p. 28), essas

transformações atribuíram duas funções políticas ao Judiciário: conferir a eficácia dos direitos

fundamentais na resolução de conflitos e “fiscalizar o respeito aos direitos sociais e impedir o

Estado a uma atuação compensatória e distributiva, isto é, contribuir para a atuação das

escolhas públicas”.

Esse fenômeno passou a ser percebido e estudado com maior afinco, o que provocou o

surgimento da expressão “judicialização da política”. A origem do termo judicialização da

política está intimamente ligada à transformação do perfil do Judiciário, notadamente após a

2ª Guerra Mundial3. Esse processo consiste na crescente concessão de poder aos órgãos

jurisdicionais com objetivo de se estabelecer um mecanismo de controle dos demais poderes.

No caso brasileiro, a própria Constituição estipula quem a guarda: o Supremo Tribunal

Federal. Isso não quer dizer, porém, que os outros poderes não devam cumpri-la ou não a

3No que se refere à mudança do perfil do Judiciário e do Estado de Direito ver DINIZ, Márcio A. de Vasconcelos. Controle de constitucionalidade e teoria da recepção. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 17-19.

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guardem, pelo contrário. O Presidente da República, por exemplo, deve prestar compromisso

de manter, defender e cumprir a Constituição no ato de sua posse, segundo o art. 78, caput, da

Constituição de 1988. As casas legislativas, segundo o respectivo regimento interno, possuem

as Comissões de Constituição e Justiça, criadas exatamente para analisar a pertinência

constitucional de projetos legislativos propostos pelos parlamentares.

O lugar que o Judiciário vem ocupando e conquistando é estratégico, tendo em vista as

suas competências reguladoras dos demais poderes através do julgamento das ações de

controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, bem como por ser a instituição

concebida para garantir e proteger os direitos fundamentais. É notório o crescente número de

ações desta espécie ajuizadas no Supremo Tribunal Federal, “discutindo a constitucionalidade

de leis federais, estaduais e municipais, o que não gerou muita simpatia por parte da

Administração Pública, que passou a considerar a atitude uma interferência na liberdade dos

poderes” (COSTA, 2004, p. 25).

Segundo Débora Maciel e Andrei Koerner (2002, p. 114), a expressão “judicialização da

política” foi pela primeira vez utilizada por Tate e Vallinder na obra The global expasion of

judicial power publicada em Nova Iorque em 1995. Para eles, judicialização da política é o

fenômeno da expansão do Judiciário no processo decisório nos países democráticos

contemporâneos. Com isso os juízes aplicam métodos tipicamente jurisdicionais em decisões

de questões onde predomina o teor político. Essas decisões consistem na prerrogativa do

Judiciário rever ações de poderes essencialmente políticos (Executivo e Legislativo), como,

por exemplo, através do julgamento de ações de controle da constitucionalidade. Em outros

países, figuras importantes do Poder Judiciário são transferidas para a administração pública

e, conseqüentemente, os métodos e procedimentos judiciais são da mesma forma

transportados do seio do Judiciário para outras instituições públicas. No Brasil, por outro lado,

este fenômeno ocorre muitas vezes de maneira inversa quando, por exemplo, Ministros de

Estado são indicados pelo Executivo e ingressam nas mais altas cortes do Judiciário.

No entanto, o termo sofreu algumas deturpações. A expressão judicialização da política

muitas vezes é usada em referência à obrigação legal de que um determinado tema seja

apreciado judicialmente; ou para individualizar decisões particulares de determinados juízes e

tribunais cujo conteúdo seria considerado político; e até mesmo para caracterizar decisões que

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nem mesmo têm caráter judicial como no caso da verticalização das coligações

políticopartidárias pelo Tribunal Superior Eleitoral nas eleições presidenciais de 2002.

Dessa forma, a dificuldade está exatamente em caracterizar uma decisão proferida por

um juiz ou tribunal como sendo jurídica ou política, ou seja, se poderá o órgão do Poder

Judiciário decidir sobre conflitos que vão além de sua competência constitucional precípua,

sem transpor as fronteiras existentes com o Poder Executivo e com o Poder Legislativo.

Entretanto, “a atividade de interpretação e de atuação da norma constitucional, pela natureza

mesma desta norma, é, não raro, uma atividade necessária e acentuadamente discricionário”

(CAPPELLETTI, 1999, p. 89), isto é, o controle jurisdicional de constitucionalidade é uma

atividade de cunho político.

Uma outra vertente do termo “judicialização da política” é a “politização da justiça” ou

do Poder Judiciário. Apesar de, à primeira vista, poderem ser interpretados como sinônimos

têm, entretanto, sentidos opostos. A judicialização da política, como já dito, é a dilatação da

atuação do Judiciário em questões em que, normalmente, apenas os poderes Executivo e

Legislativo exercem, ou exerciam preponderantemente influência; um fenômeno que aponta

para o avanço da lógica técnico-jurídica no campo da política. Por outro lado, a politização da

justiça é a tentativa de ampliação de influência dos poderes políticos, principalmente do poder

Executivo, sobre o Judiciário; fenômeno que aponta para a expansão da lógica

políticopartidária no campo da justiça. São fenômenos que surgem de extremos diferentes e

vão a direções opostas entre si.

No que diz respeito à politização do Judiciário, segundo Campilongo (2002, p. 57), são

pelo menos três as dimensões mais comuns das críticas existentes ao juiz essencialmente

político: “parcialidade, contestação à lei e intromissão em funções que não são suas

(pretensão de substituir o político)”.

A questão da parcialidade é normalmente associada ao fato de o juiz ser influenciado

direta ou indiretamente por pressões de partidos políticos, associações de classe e de pessoas

ocupantes de cargos de relevância no Poder Executivo e Legislativo, como o Presidente da

República, Ministros de Estado e membros da Mesa da Câmara Federal e do Senado. Para

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Campilongo, a influência destes órgãos sobre o Poder Judiciário em nada se relaciona com a

politização da magistratura, que é um fenômeno muito mais complexo. Além disso, o juiz

deve ser um terceiro imparcial e afastado dos pólos conflitantes, no sentido de melhor resolver

suas pendências. “Quando uma estrutura judiciária garante o pluralismo (...) no âmbito de

uma democracia com liberdade de expressão e de crítica, o controle público da atividade

judiciária é facilitado, pois qualquer parcialidade será mais facilmente observada e

denunciada...” (ZAFFARONI, 1995, p. 99).

Uma outra dimensão da politização do Judiciário é a de que o juiz muitas vezes é

impelido a decidir à margem da lei, levado pela opinião pública, utilizando argumentos de

necessidade, ou mesmo levado por ideologias próprias. Essa acepção, no entanto, é a marca

da arbitrariedade jurídica que não possui amparo da constituição, exatamente porque o

obrigatoriamente juiz está submetido à lei. Ações deste tipo não são constitucionais e por isso

são submetidas ao controle recursal na estrutura do Poder Judiciário.

Já a pretensão do juiz em substituir o político, em determinados momentos, é cultivada

tendo em vista a atual ineficiência dos governos, parlamentos e partidos políticos –

normalmente os órgãos que participam do mecanismo da política tradicional – em promover

consenso no fomento de políticas públicas. Fato que provoca uma descrença destas

instituições políticas por parte da população. O Poder Judiciário passa a ser visto como a

instância habilitada para ocupar tal pasta, para suprir e remediar a deficiência política.

Campilongo (2002, p. 60) utiliza a teoria dos sistemas de Luhmann para explicar que a

relação existente entre os sistemas político e jurídico não é de junção, mas meramente uma

comunicação intersistêmica:

Cada sistema mantém sua integralidade, sua clausura operacional, e continua a operar com base em seus mecanismos específicos ou auto-referenciais. Entretanto, os sistemas estruturalmente acoplados estão abertos a influências recíprocas, que permitem uma multiplicação das chances de aprendizagem na comunicação intersistêmica. E tudo isso sem que os sistemas político e jurídico se descaracterizem.

Não só os parâmetros do sistema jurídico vão determinar as decisões proferidas pelos

juízes e tribunais, mas também o sistema político influenciará a interpretação em cada

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sentença ou acórdão, sem macular os normais procedimentos adotados no sistema jurídico que

são a imparcialidade, a legalidade e o respeito à Constituição. Mesmo quando a legislação

seja omissa, quando haja lacunas no Direito, o juiz não deverá se desvencilhar do sistema

jurídico ao proferir decisão. O problema que pode surgir é justamente a prática extremada dos

juízes, ou seja, decidindo com base em critérios puramente políticos, o que contraria as três

dimensões aqui discutidas (imparcialidade, legalidade e cumprimento da Constituição).

Outro fato normalmente utilizado para fundamentar a relação entre política e justiça é a

forma de investidura dos magistrados nas altas cortes do Judiciário. Sabe-se que não faltam

constituições de países pelo mundo que estabelecem a escolha dos membros dos tribunais

segundo a indicação política de membros do Executivo. Essa indicação política não vicia a

função jurisdicional do tribunal, não macula seu papel precípuo que é o de julgar segundo os

critérios da lei. É bem verdade que, apesar das opiniões em contrário e das prerrogativas

conferidas aos juízes, estes, tradicionalmente, acabam sendo influenciados pelas tendências

políticas apregoadas e recomendadas por aquele que lhe nomeou.

Para anular essa possibilidade de influência foi estabelecido pelo constituinte um

conjunto de faculdades próprias do juiz: a independência e a vitaliciedade. A questão da

independência dos juízes, notadamente nos tribunais superiores, é evidenciada na medida em

que seus nomes, após a escolha do chefe do Poder Executivo, são submetidos à aprovação

prévia perante o parlamento. Além disso, é garantida aos juízes a sua inamovibilidade, salvo

por interesse público, e a irredutibilidade de subsídios. Essas garantias contribuem para

anular, em parte, a relação íntima que pode ser sugerida com a indicação para ocupação de

cadeiras nos tribunais superiores, promoções, entre outras relações que por ventura ocorram

entre os magistrados e membros dos demais poderes.

Uma outra garantia para o membro do Judiciário é a vitaliciedade. Essa prerrogativa traz

conseqüências importantes: contribui para a independência do magistrado, na medida em que

o juiz não dependerá de seus posicionamentos para manter-se no cargo, sem necessidade de

agradar seja ao chefe do Executivo, seja qualquer uma das partes de conflitos por ventura

julgados; e uma maior perenidade das decisões, pois muitas vezes apenas com a renovação de

gerações uma determinada interpretação vai cedendo lugar para outra.

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Conforme já citado, o controle jurisdicional de constitucionalidade é mais um

instrumento de judicialização da política. Para os magistrados que exercem essa função, as

garantias de independência funcional, vitaliciedade, e inamovibilidade são indispensáveis para

um funcionamento ideal da jurisdição promovida em sede das ações de controle de

constitucionalidade. Nestas espécies de ação o substrato da matéria com que o tribunal

constitucional lida é essencialmente político (TAVARES, 1998, p. 38). Essa concepção tem

razão de ser tendo em vista que a constituição é um diploma político por excelência, já que

regula, em especial, a atividade política, a divisão dos poderes e os limites do Estado.

Analisadas as mais variadas acepções do termo judicialização da política e seus

desdobramentos, é de salutar importância, por fim, o exame da ocorrência deste fenômeno no

Brasil.

1.4 Política e Poder Judiciário no Brasil

Desde o período em que era submetido ao crivo da metrópole portuguesa, o Brasil

colônia já havia apresentava interferências do sistema político no sistema jurídico e viceversa.

Oliveira Vianna (1987, p. 162) cita um diálogo da época que retrata claramente a disputa de

poder entre o juiz e o representante do Executivo. Dele participam Francisco Martins Lustosa,

capitão-mor, regente do período colonial, do distrito de Ouro Fino, na antiga Capitania das

Minas Gerais, interpelando certo juiz local, a quem se recusava obedecer, que o desacatou

ostensiva e grosseiramente:

- Mas, que é um juiz? É acaso algum Rei? – perguntou acintosamente Lustosa.- Um juiz – responde o interrogado, arrebatadamente – é a mais alta autoridade e, no exercício das suas atribuições, vale tanto ou mais do que El-Rei!Lustosa volta-se então para o público e depois para o escrivão e ordena-lhe que autue o magistrado por blasfêmia contra a pessoa real:- Tome, sr. escrivão, por termo as declarações deste biltre, que diz que um juiz vale mais do que El-Rei!

Em Stuart Schwartz (1979) encontra-se uma descrição e análise do período em que se

instalou no Brasil o Tribunal de Relação na Bahia, a partir de 1609. A Coroa, para assegurar a

lealdade e a eficiência dos magistrados, usou de dois artifícios: garantiu-lhes status social e

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procurou, sem o devido êxito, afastá-los do convívio da sociedade que os cercava, proibindo

casamentos com mulheres brasileiras e a aquisição de terras em áreas próximas à de sua

jurisdição.

Essas condições dadas aos magistrados do Tribunal de Relação geraram uma relação de

poder conflituosa entre o Tribunal e a Câmara de Salvador e entre o Tribunal e o governo.

Com relação ao governo, a Relação controlava as ordens expedidas pelo governador-geral e

quando surgia divergência de opinião, o Tribunal decidia acerca da legalidade do assunto. O

governador-geral, por sua vez, poderia suspender os magistrados nos casos de ilegalidade,

inclusive podendo informar a Coroa em relatório secreto. Quando as vontades de um lado não

coincidiam com as do outro, havia uso destes mecanismos de controle de um poder sobre o

outro (SCHWARTZ, 1979, p. 159).

O relacionamento entre o Tribunal e a Câmara de Salvador variava entre momentos de

aliança e de hostilidade. Os problemas, da mesma forma com o governo, ocorriam quando os

interesses não coincidiam. Além de tudo, os magistrados acabavam construindo relações de

parentesco com vereadores, o que agravava o conflito e as discussões parlamentares na

Câmara.

Com a declaração de independência e o estabelecimento da monarquia pela Constituição

de 1824, o Judiciário brasileiro já nasce sob o crivo de outro poder, o Moderador. Não apenas

as decisões judiciais, mas também os locais de trabalho dos magistrados eram submetidos à

decisão Imperador, conforme art. 153 da Constituição de 1824: “os Juízes de Direito serão

perpétuos, o que, todavia, se não entende que não possam ser mudados de uns para outros

lugares pelo tempo, e maneira, que a Lei determinar” (ortografia atual). Segundo Rosalina

Araújo (2004, p. 39), a garantia da vitaliciedade foi estabelecida constitucionalmente, embora

o Imperador, no exercício do Poder Moderador, pudesse dispor sobre esta garantia dos juízes.

No período regencial os juízes foram instrumentos de controle do poder, especialmente

na luta política entre liberais e conservadores. Conforme Thomas Flory (1986, p. 290), havia

uma grande influência da magistratura sobre os interesses locais: “un juez de distrito ejercía

un poder inmenso en su comarca, y los observadores interpretaron rápida y exactamente esse

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poder en términos políticos: como um medio para coaccionar el apoyo local”. Assim, o

governo dos conservadores, por exemplo, não hesitou em trocar títulos para ganhar lealdade

dos juízes, para que estes representem no local onde jurisdicionavam os interesses do governo

central: “... que a través de sus magistrados por nombramiento, el gobierno conservador

esperaba extender su base de poder rural dando trato preferencial em la validación de títulos a

cambio de la lealtad política” (FLORY, 1986, p. 291). Os juízes penetraram de tal modo na

política que no ano de 1843 representavam pouco mais de 40% das cadeiras da Câmara dos

Deputados (FLORY, 1986, p. 304).

Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos principais defensores do Regresso

(movimento da elite conservadora que intentava o regresso do sistema político, baseando-se

na concentração da autoridade do governo central), em discurso na Câmara dos Deputados, na

sessão de 9 de agosto de 1837, assim expôs a relação entre o então governo formado pelos

liberais e pelos juízes:

A Justiça não pode dizer que pára nas suas mãos [do governo liberal], porque [o governo liberal] cria juízes comissários, juízes interinos, juízes amovíveis a seu arbítrio, porque, se tem de remover um magistrado, quando o interesse público o exige, manda-o de um para outro confim do Império. Há pouco se viu, removendo um juiz de direito das Alagoas, passou-o para Goiás ou Mão Grosso, isto é, degredou-o para o fim do mundo. (...) Não justifico o procedimento desse juiz de direito, se é criminoso; o que digo é que, admitido o direito de passa um magistrado de uma província para outra tão remota, investe-se o governo do poder Judiciário. Qual será o magistrado que se animará a resistir a qualquer pretensão do governo? O magistrado neste caso tem de lutar entre a sua consciência, a sua miséria, e a miséria de sua família. E quem vencerá? Nem todos se sacrificam pela verdade e justiça. (grifo nosso) (VASCONCELOS, 1999, p. 227).

Era manifesta a relação direta entre a classe política e a classe jurídica. Se as decisões

dos juízes não contrariassem os interesses do governo, não havia represálias. Na hipótese

inversa, o magistrado poderia ser removido para regiões inóspitas como medida de punição

pelo simples fato de ter contrastado com o objetivo do Executivo.

A Constituição de 1891 introduziu o controle jurisdicional de constitucionalidade,

seguindo o modelo norte-americano, no qual era atribuída essa função ao Judiciário. Coube ao

Supremo Tribunal Federal a tarefa de fiscalizar a aplicação da Constituição pelos demais

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poderes. Neste contexto, Rui Barbosa expôs a seguinte opinião a favor de que o Supremo

Tribunal Federal já decidia questões de cunho político:

Certo, dos casos “meramente” políticos não julgam os tribunais. Mas o caso cessa de ser “meramente político” desde que nele se envolvam direitos legais de uma pessoa, de caráter privado ou público, judicialmente articulado contra a outra. Porque “meramente” político é o caso em que um dos poderes do Estado exerce uma função de todo o ponto discricionária e não se pode ter como discricionária uma função que encontra limites expressos num direito legalmente definido (MORO, 2004, p. 67-68).

Para Rui Barbosa, seria artificial a distinção entre questões políticas e questões jurídicas,

principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, onde não faltaram oportunidades em

que questões políticas se transformaram, por bem dizer, em questões jurídicas, como nas

decisões que declararam a inconstitucionalidade de atos do Legislativo. É uma função política

revestida de formas jurídicas.

Oliveira Vianna (1987, p.161) confirma o fenômeno da interferência entre política e

justiça no período iniciado pela Constituição de 1891, quando salientou que os juízes, ao

decidirem pela garantia de liberdades individuais, estão praticando verdadeiros atos de cunho

político:

Porque esta liberdade é justamente a que é acatada pela polícia de partido e pela polícia de clã cuja defesa o nosso povo-massa tem encontrado até agora, não no voto democrático – no sufrágio universal ou nas autonomias locais – mas, única e exclusivamente, no juiz do termo, no juiz de comarca, nos tribunais de apelação: nos mandados de habeas-corpus e nos mandados de segurança por ele expedidos. (grifos originais).

A doutrina brasileira do habeas corpus construída por Rui Barbosa e o Pedro Lessa,

também pode ser considerada uma interferência do Judiciário nos assuntos políticos. A

referida doutrina foi construída ao longo de decisões judiciais que estenderam o alcance do

habeas corpus não apenas para a proteção do direito de ir e vir, como também a outros

direitos fundamentais, por conta da inexistência de outra garantia constitucional própria. A

doutrina, no entanto, foi abolida na reforma constitucional de 1936.

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Fernando Luiz Abrucio (1998, p. 39), ao descrever a “política dos governadores” como

característica fundamental do federalismo na Primeira República, destacou a influência

exercida pelo Poder Executivo estadual sobre os juízes: “O Poder Executivo estadual, e mais

especificamente o governador, determinava a lógica do sistema, tanto em relação aos

‘coronéis’, como também sobre o Legislativo e Judiciário estaduais”.

O ano de 1934 e sua Constituição introduziram no ordenamento jurídico o mandado de

segurança que, segundo Araújo (2004, p. 184) serviu de instrumento de controle de

constitucionalidade, já que poderia ser utilizado contra atos ilegais do Presidente da República

e de Ministro de Estado, conforme art. 79, I, da Constituição de 1934.

De 1937 a 1946, um período dominado pelo autoritarismo do Executivo, o Judiciário,

mais uma vez, tornou-se um braço para aplicação dos interesses estatais. As decisões sobre

controle de constitucionalidade poderiam ser submetidas ao Legislativo, também influenciado

diretamente pelo poder central, conforme parágrafo único do art. 96 da Constituição de 1937:

Art 96 - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República.Parágrafo único - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

A Constituição de 1946 restaura a independência formal do Poder Judiciário, nos

moldes de 1934, garantindo os princípios da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade

de vencimentos. Em 1964, com o Ato Institucional nº 1, as transformações políticas e a

tomada do poder pelos militares, mais uma vez, colocaram o Judiciário como braço no

Executivo na implementação de seus interesses. A Constituição de 1967, em conjunto com o

Ato Institucional nº 5 de 1968 e a Emenda Constitucional de 1969, limitaram a extensão do

poder de julgar atribuído ao Judiciário, transferindo para a Justiça Militar os julgamentos de

crimes contra a segurança nacional (ARAÚJO, 2004, p. 319).

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Por fim, a Constituição de 1988 estabeleceu o Estado Democrático de Direito, fundado

na soberania popular, na dignidade humana, na separação dos poderes e no pluralismo

político. O Judiciário tornou-se apto para avaliar a complexidade social e política advinda das

transformações do Estado de Direito brasileiro, passando a julgar ações populares, ações civis

públicas, mandado de injunção e habeas data.

Neste contexto, foi criada a ação direta de inconstitucionalidade, o principal instrumento

de controle jurisdicional de constitucionalidade e de interferência ente os sistemas político e

jurídico. Tavares (1998, p. 40) estabelece que as matérias processadas nestas ações são, na

maioria das vezes, puramente políticas e, apesar disto, as decisões proferidas possuem o

caráter essencialmente jurídico. É certo que o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, decide

conflitos políticos utilizando mecanismos, critérios e métodos jurídicos. Não será pelo fato da

matéria do julgamento ser política que a natureza da atividade jurisdicional será considerada

puramente política. Esse é mais um ponto no qual os sistemas se comunicam entre si.

A decisão proferida no Mandado de Injunção nº 107 ajuizado no Supremo Tribunal

Federal também apresenta elementos de comunicação entre os sistemas político e jurídico. Os

Ministros entenderam que uma possível concessão do mandado de injunção requerido, na

falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais, feriria o princípio da separação dos poderes do Estado estabelecido na

Constituição que, inclusive, é cláusula pétrea. Foi uma decisão de caráter político, pois o

próprio texto constitucional permite ao Supremo Tribunal Federal estender o seu papel

precípuo de julgador para a concessão de mandado de injunção, no entanto, permaneceu inerte

por mera conveniência, inutilizando este importante instrumento de garantia dos direitos

fundamentais.

As comissões parlamentares de inquérito estipuladas pela Constituição em seu art. 58, §

3º, que são criadas mediante solicitação e um terço dos membros de qualquer das casas

legislativas para apurar fato determinado, muitas vezes extrapolam os poderes próprios das

autoridades judiciais que foram estendidos aos parlamentares pela própria Constituição. Os

investigados pelas comissões parlamentares que sentem maculados seus direitos

constitucionais procuraram o Judiciário que, em muitas oportunidades interveio em atos do

Legislativo. O Ministro Celso de Mello nos julgamentos dos mandados de segurança MS nº

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23.452, MS nº 23.595 e MS nº 24.6174 salientou que não é violado o princípio da separação

dos Poderes quando o Judiciário intervém noutro Poder quando este descumpre dispositivos

constitucionais. Essa intervenção, é importante salientar, deve ser pautada na Constituição.

Assim, caso algum ato de comissão parlamentar de inquérito se desvie do conteúdo e sentido

constitucionais, nada repele o exercício de controle de constitucionalidade sobre esse ato.

Como ilustração, segue trecho do voto:

“Nem se diga, de outro lado, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo. Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República. Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado – situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo – é imune à força da Constituição e ao império das leis. Uma decisão judicial – que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis – não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo (...).” (MS 25.617-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 24-10-05, DJ de 3-11-05)

Outro aspecto que determina o fenômeno da judicialização da política é o uso dos

tribunais pelos grupos de interesse e pelos partidos de oposição. Grupos de interesses são as

entidades de classe e confederações sindicais legitimadas a propor ações de controle de

constitucionalidade, que se utilizam deste instrumento para consecução de seus objetivos.

Conforme expõe Ernani Rodrigues Carvalho (2004, p. 118), das 2.813 ações diretas de

inconstitucionalidade impetradas de 1988 até 26/06/2003, 740 (ou 26,31%) foram requeridas

por confederações sindicais ou entidades de classe, um número que configura grande

participação dos grupos de interesse nas discussões do âmbito político nas ações de natureza

constitucional.

No mesmo sentido é a atuação dos partidos políticos de oposição que vão ao Supremo

Tribunal Federal tentar barrar alterações legislativas levadas a cabo pela maioria ou mesmo a

propositura de comissões parlamentares de inquérito (CPI). É o caso da chamada “CPI dos

Bingos” destinada a apurar a utilização das casas de bingo para a prática do delito de lavagem

4 DJ 12.05.2000; DJ 01.02.2000; DJ 03.11.2005, respectivamente.

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de dinheiro, bem como a esclarecer eventual conexão dessas casas e das empresas

concessionárias de apostas com organizações criminosas. O Presidente do Senado, não

obstante o requerimento de um terço da casa, se recusava a indicar os membros para

instauração da referida CPI. Os parlamentares da minoria (um terço) impetraram mandado de

segurança e obtiveram a concessão da ordem, ficando o Presidente do Senado obrigado a

indicar os membros para a instauração da CPI:

No mérito, salientando ter havido, na espécie, o preenchimento dos requisitos do §

3º do art. 58 da CF, concluiu-se pela afronta ao direito público subjetivo, nesse

dispositivo assegurado às minorias legislativas, de ver instaurado o inquérito

parlamentar, com apoio no direito de oposição, legítimo consectário do princípio

democrático. (MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-05,

Informativo 393)

Outra atitude comum dos partidos políticos de representação minoritária no Congresso

Nacional é a utilização da ação direta de inconstitucionalidade como obstáculo contra o

controle exercido pela maioria no Legislativo e o seu colégio de líderes. Segundo Luiz

Werneck Vianna (1999), de 1988 a 1998, 74% das ações diretas de inconstitucionalidade

propostas por partidos políticos são interpostas pelos de oposição, cujo propósito é controlar a

vontade da maioria. Os julgamentos favoráveis à minoria não querem dizer que o Supremo

Tribunal Federal esteja promovendo uma ditadura dos menos numerosos. Pelo contrário, ao

assim proceder está contribuindo para a efetiva guarda dos princípios constitucionais e pelo

respeito dos direitos fundamentais. Podemos destacar alguns exemplos dessas espécies de

julgamento: 1) ADIn nº 926 que argüiu a inconstitucionalidade da incidência do IPMF sobre

movimentações financeiras dos Estados em favor da União (Emenda Constitucional nº 3);

aqui o STF deu guarida ao princípio da autonomia federativa; 2) ADIn nº 1.946 que contestou

o custeio da licença-maternidade por parte do empregador de quantia que ultrapassasse R$

1.200,00; neste julgamento o STF estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres, evitando

discriminação no mercado de trabalho.

Se a existência do fenômeno da judicialização da política é irrefutável, se faz necessário

que os princípios da democracia, da separação dos poderes e da garantia dos direitos

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fundamentais sejam os norteadores desta relação para evitar excessos tanto do lado Executivo

e Legislativo quanto do Judiciário, dependendo da origem da influência. Face à importância

do tema, é preciso estabelecer as bases de entendimento do controle jurisdicional de

constitucionalidade e suas implicações no Estado Democrático brasileiro, é o que será

abordado no capítulo seguinte.

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2 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1 Natureza jurídica, fundamento e finalidade

O pleno entendimento do controle jurisdicional de constitucionalidade depende de uma

correta acepção de uma constituição, cuja representação, segundo Márcio Augusto de

Vasconcelos Diniz (1995, p. 12), é a síntese da tensão dialética entre Direito e Poder. A

constituição, em primeiro lugar não é simplesmente uma lei comum, mas uma legislação

básica que serve de fundamento lógico de validade das demais leis. É um documento no qual

se estabelece as regras referentes à organização política, econômica, jurídica, social,

territorial, ambiental, cultural, ao exercício do poder político, sem olvidar dos direitos e

garantias fundamentais.

No ápice da hierarquia dessas regras do ordenamento jurídico encontra-se a constituição.

Para Paulo Bonavides (1999a, p. 63) o conceito de constituição abrange duas acepções:

material e formal. Do ponto de vista material, “a Constituição é o conjunto de normas

pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade,

à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Neste

diapasão estão incluídas quaisquer regras que se refiram à composição e atividade de cunho

político, e aos direitos fundamentais.

No aspecto formal, por outro lado, são as regras que, embora estejam no texto

constitucional, não determinam os elementos básicos ou institucionais da organização política

do Estado nem os direitos fundamentais. As regras estabelecidas formalmente na constituição,

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do mesmo modo que as normas materiais, são submetidas aos mesmos requisitos exigidos

para a alteração do texto constitucional através de emendas. Não é porque existe a diferença

conceitual que o processo de reforma constitucional será diferenciado conforme o aspecto da

norma.

Para José Afonso da Silva (2001, p.38) a constituição do Estado seria:

a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma de Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

O mesmo autor, para uma melhor compreensão do alcance do conceito constitucional,

explicita que a constituição possui, como forma, um complexo de normas escritas ou

costumeiras; como conteúdo, “a conduta humana motivada pelas relações sociais”; como fim,

“a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade”; e, como causa da sua

existência, “o poder que emana do povo”.

Márcio Augusto Diniz (2002, p.229) demonstra que a constituição do Estado de Direito

é:

uma estrutura normativa superior a todas as demais no interior da ordem jurídica, que de forma sistemática e numa perspectiva dinâmica, constitui e estrutura juridicamente o Estado e suas instituições, dividindo o exercício do poder estatal, que é unitário, em funções e órgãos especializados para atender à complexidade de suas tarefas. Ela realiza solenemente a necessidade de organização do poder e, ao mesmo tempo, em função de sua finalidade ética suprema, consagra e promove a liberdade por meio da exigência de realização dos direitos fundamentais.

Para que não restem dúvidas sobre a extensão do conceito de constituição, expõem-se as

palavras de Alberto Torres (1982, p. 216):

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A palavra “constituição”, envolvendo a idéia de que esta lei é a expressão da vida nacional, tem o valor de seu sentido fisiológico: é uma predicação política feita para assinalar que é uma lei adaptada à realidade social, obedecendo a fins práticos, não só originariamente inspirada em certa ordem de objetos gerais e permanentes, mas ordinariamente dominada pelo escopo de sua aplicação ao desenvolvimento evolutivo da sociedade. A política é o laço que domina o corpo da constituição liga suas disposições entre si e sua inteligência aos movimentos da sociedade, do povo e dos fatos. Daí a supremacia, na interpretação, deste amplo e elevado sentido, sobre a inteligência expressa, isolada e lateral da lei. (grifo nosso)

A qualidade de ser a constituição uma lei fundamental superior é justificada pelo fato de

estarem nela estabelecidos os ditames estruturais, criadores e limitadores do poder de uma

sociedade organizada e democrática.

Assim, em razão da característica de supremacia da constituição e de seu papel de

informar o ordenamento jurídico nacional, é necessário que um órgão previamente

estabelecido exerça permanente e atenta vigilância sobre as leis e atos normativos emanados

do poder público, efetivando por conseqüência o controle de constitucionalidade. Do

contrário, contribuiria para que toda e qualquer lei ou ato normativo fossem considerados

ineficazes e consequentemente restaria impossível sua aplicação e respeito à sua juridicidade.

Assim, a supremacia constitucional em relação às demais normas que formam o ordenamento

jurídico de um Estado de Democrático de Direito perfaz o fundamento do controle de

constitucionalidade.

Essa concepção de valor atribuída à constituição é um fenômeno que ocorreu com a

crise do Estado Liberal e a formação do Estado Constitucional, conforme previamente

analisado no capítulo anterior. E foram os norte-americanos os pioneiros na instituição do

controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário, seguindo a crescente

influência do movimento em prol da garantia dos direitos fundamentais e da teoria da

separação dos poderes, quando promulgaram a Constituição de 1787. Para Hamilton (1985, p.

161), durante a Convenção de Filadélfia para a aprovação da Constituição, “quem considerar

com atenção os diferentes poderes deve reconhecer que, nos governos em que eles estão bem

separados, o Poder Judiciário, pela mesma natureza das suas funções, é o menos temível para

a Constituição, porque é o que menos meios tem de atacá-la”.

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Pela primeira vez ficou estabelecido que o Poder Judiciário fosse responsável por primar

pela ininterrupta compatibilidade entre a constituição e as demais leis e atos normativos do

Estado. A partir desse divisor de águas, iniciou-se o processo de formação de um ramo

específico da teoria da constituição: o controle de constitucionalidade.

Um ponto essencial para o estudo do controle de constitucionalidade é a classificação

das constituições em rígidas e flexíveis, que acabam por contribuir para o princípio da

supremacia constitucional. O elemento da rigidez em de uma constituição caracteriza-se pela

diferenciação entre os processos de reforma do texto constitucional em si e das leis ordinárias,

pois estas requerem um grau menor de dificuldade. A constituição é considerada flexível

quando o mesmo processo de reforma ou revogação de lei comum é empregado para a sua

modificação. A rigidez da constituição lhe dá o caráter de supremacia sobre as demais leis,

face ao maior grau de dificuldade de sua alteração. Daí o fato do controle de

constitucionalidade ser conseqüência das constituições rígidas (BONAVIDES, 1999a, p. 267;

SILVA, 2001, p. 45).

O controle de constitucionalidade pode ser exercido não apenas por órgãos

jurisdicionais, mas também por órgãos de cunho essencialmente político. Apesar de ter uma

estrutura política, o órgão não faz parte nem do Legislativo, nem do Executivo; funciona

especificamente para exercer o controle da constitucionalidade. Segundo Mauro Cappelletti

(1999, p. 26), o controle político normalmente é exercido durante o processo de tramitação da

lei no Legislativo, evitando, preventivamente, a promulgação de lei inconstitucional. México

e França são países onde o controle de constitucionalidade é exercido por órgão político, o

Supremo Poder Conservador e o Conseil Constitucionnel, respectivamente, afastando assim o

Executivo, Legislativo e Judiciário, (CAPPELLETTI, p. 28).

Diante dos argumentos analisados, a parte essencial do controle jurisdicional de

constitucionalidade, correspondendo à sua natureza jurídica, é sua característica de técnica

judicial de defesa da constituição para fiscalizar a regularidade dos atos normativos dos

poderes públicos, no que se refere à forma e conteúdo, bem como no que toca à competência

de cada órgão para praticá-lo (DINIZ, p. 21).

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A natureza jurídica e o fundamento do controle de constitucionalidade estão

intimamente relacionados com sua finalidade que, sucintamente, pode ser estabelecida como

sendo a manutenção da coerência do ordenamento jurídico estatal, que tem como alicerce

fundamental a constituição. Essa conservação da unidade do ordenamento será implementada

através de ações tomadas pelo órgão judicial instituído para a função de controle de

constitucionalidade; ações essas que normalmente implicam na declaração de invalidade e a

conseqüente exclusão do ordenamento jurídico da norma inferior analisada com base na

constituição.

Conforme preceitua Márcio Diniz (1995, p. 26), o controle jurisdicional da

constitucionalidade, preservando a supremacia formal e material da constituição, possui como

finalidade precípua eliminar do sistema as normas com ela incompatíveis, mantendo a

unidade (formal) de sua estrutura escalonada. É importante salientar que no sentido amplo do

controle jurisdicional de constitucionalidade o órgão competente para fiscalizar não se atém

meramente a atos normativos do poder estatal, seja Executivo ou Legislativo. Qualquer ato,

não apenas o de natureza normativa, que atinja a condição de dignidade humana do cidadão,

consolidada no rol de direitos fundamentais, é objeto de controle jurisdicional de

constitucionalidade.

2.2 Espécies

O controle jurisdicional de constitucionalidade possui duas espécies: o controle

incidental e o controle concentrado. A origem destas duas modalidades está diretamente

relacionada aos dois modelos mais conhecidos de controle: o modelo norte-americano e o

modelo europeu-continental.

Nos Estados Unidos, no momento de sua formação como Estado no final do século

XVIII, seus estadistas foram influenciados pelos teóricos do Iluminismo, especialmente

Locke e Montesquieu. A herança do sistema jurídico existente até então era de herança

inglesa, pois o país surgiu da união das treze colônias inglesas no continente.

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O cenário inglês do início do século XVII estava em vigor a tradição criada e defendida

por Edward Coke (CAPPELLETTI, p. 58): o commom law segundo o qual “a lei não deve ser

criada, mas somente afirmada ou declarada pela vontade do Soberano”. Neste contexto, o juiz

seria o árbitro entre o Rei e o Parlamento. Assim, o commom law poderia ser apenas

complementado pelo legislador, e nunca violado. Uma passagem que claramente enuncia a

teoria de Edward Coke, da supremacia do common law sobre a autoridade do Parlamento é:

“the common law will controul acts of parliament, and sometimes adjudge them to be utterly

void: for when an act of parliament is against common right and reason, or repugnant, or

impossible to be perfomed, the common law will controul it and adjudge such act to be void”

(CAPPELLETTI, p. 59).

A Revolução Gloriosa de 1688 findou com a citada prerrogativa dos juízes e estabeleceu

a supremacia do Parlamento, que está em vigor até os dias de hoje (SILVA, 2004, p. 97). No

entanto, a herança não atravessou o Atlântico em direção às Treze Colônias. Esse fato é

explicado pelo o que aconteceu nas Colônias em seguida. A Coroa inglesa permitia que as

colônias aprovassem as próprias leis, no entanto, os juízes lá instalados só poderiam aplicálas

caso coincidissem com as leis do Parlamento inglês, do contrário, era como se não existissem.

Essa liberdade simulada gerou aversão dos norte-americanos a um Legislativo forte, o que

justifica a opinião de Hamilton e Madison (1985) de que o Judiciário, por ser o poder de

menos força, é o mais adequado para limitar os demais poderes do Estado.

Derivado dessas origens nasceu o judicial review of the constitutionality of legislation

norte-americano, que se caracteriza pelo poder de todo juiz, de qualquer órgão do Judiciário,

controlar a validade das normas emanadas do Legislativo. Essa espécie de controle é chamada

de via de exceção ou controle difuso e se caracteriza pelo fato de, no caso concreto, qualquer

juiz ou tribunal declarar a norma inconstitucional ou constitucional como medida necessária

para julgar o pedido do autor improcedente ou procedente.

O princípio da supremacia da constituição defendido por um órgão jurisdicional foi

colocado em prática pela primeira vez em 1803 no caso Marbury x Madison, quando o juiz

John Marshall da Suprema Corte norte-americana chamou para si, Poder Judiciário que

representava, a prerrogativa de decidir sobre a aplicação ou não de uma determinada lei que

lhe fosse apresentada num caso concreto. A aplicação dependeria simplesmente se a lei

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estivesse de acordo com a Constituição. Apesar de não haver expressa previsão constitucional

sobre a competência do Judiciário para decidir sobre tais questões, o desenvolvimento natural

das teorias de influência (Coke, Montesquieu, Madison, Hamilton, Jay) no país levou a esta

decisão e ao controle jurisdicional das leis. A Constituição americana apenas dispunha que era

a lei suprema do país e que qualquer juiz está a ela adstrito: “this Constitution (...) shall be the

supreme Law of the Land; and the judges in every States hall be bound thereby (...)”

(Constituição Americana de 1776, art. VI, cláusula 2ª, apud CAPPELLETTI, p. 47).

A coerência de Marshall se justifica pelo fato de que se a Suprema Corte permitisse a

aplicação da lei que contraria o texto constitucional, a Constituição deixaria de ser a lei

suprema do país e não era mais classificada como rígida. O Legislativo, por conseqüência,

poderia alterar seu conteúdo assim que lhe fosse conveniente, como assim o faz com as leis

ordinárias:

Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida legislativa, que a contrarie, ou anuir que a legislatura possa alterar a Constituição por medidas ordinárias. (...) Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável mediante processos comuns, ou se nivela com os atos da legislação usual, e, como estes, é reformável à vontade da legislatura. (...) Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei fundamental e suprema da nação; e conseguintemente, a teoria de tais governos deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura ofensivo da Constituição. (VELOSO, 2003, p. 37).

No controle difuso, a discussão sobre a constitucionalidade não se configura como o

cerne da lide, mas apenas um subsídio para fundamentação do pedido ali requerido no caso

concreto. Qualquer órgão do Poder Judiciário (dos juízes singulares de primeiro grau, aos

tribunais superiores) é competente para exercer essa espécie de controle, quando qualquer

interessado mover ação em que seja necessário determinar a não-aplicação de uma norma ao

caso, por ela ser inconstitucional. Vale dizer que a norma considerada inconstitucional para a

lide continua tendo eficácia, valendo e existindo no ordenamento jurídico, inclusive servindo

como fundamento em outros casos concretos.

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Outro ponto que merece destaque no controle jurisdicional difuso de constitucionalidade

é que o juiz poderá decidir ex officio sem que nenhuma das partes do caso concreto levante a

inconstitucionalidade da lei que regula a lide.

A segunda espécie de controle jurisdicional de constitucionalidade tem sua origem no

direito europeu-continental, mais especificamente na Áustria de Hans Kelsen. Sua

característica essencial é a de que a função de controle é atribuída a um único órgão do

Judiciário. Daí a origem do nome, ao contrário do difuso: controle concentrado.

A necessidade da atribuição do controle a apenas um órgão está relacionada às

condições da estrutura do Judiciário da Europa continental. Os juízes são de carreira,

ingressam na magistratura através de concurso público, na maioria das vezes, ainda jovens. A

aquisição de promoções é baseada na idade e na habilidade interpretativa dos juízes, que

poderiam passar a ocupar cadeiras em tribunais superiores ou mesmo na Corte Suprema.

Não obstante serem dotados de inegável experiência na sua atividade jurisdicional, os

juízes que chegam ao tribunal supremo não são habituados com a técnica de hermenêutica

relacionada ao policy-making necessária para uma análise apurada das questões que envolvem

controle de constitucionalidade. Usualmente a tarefa dos juízes é meramente aplicar a ordem,

dizer o direito ao caso concreto, baseando-se na lei vigente. Uma constituição possui um

conteúdo mais complexo que de uma lei ordinária, muitas vezes prescrevendo ações e

diretrizes para o futuro. Além disso, o controle de constitucionalidade é uma atividade de

cunho necessária e acentuadamente discricionária (CAPPELLETTI, 1999, p. 89; ROCHA,

1995, p. 98). A falta de aptidão na hermenêutica constitucional poderia atingir o respeito e

garantia dos direitos fundamentais e o próprio regime democrático constitucional. Daí,

portanto, surgiu a necessidade da criação de um órgão especial para exercer a função de

controle de constitucionalidade.

Hans Kelsen e Carl Schmitt, entre os anos de 1929 e 1931, muito discutiram sobre quem

deveria ser o guardião da constituição. Martonio Lima (2002, p. 217-224) expõe a tensão

teórica entre Kelsen e Schmitt: este defendia que cabia ao Chefe do Executivo a guarda da

constituição e determinava a necessidade de se submeter o Direito à política como melhor

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forma de construção e funcionamento do Estado. Tal pensamento significa que o controle da

constitucionalidade ficava ao sabor dos rumos políticos determinados pelas forças de cunho

autoritário e totalitário do Estado, e que diminuíam ao máximo a participação pluralista no

constitucionalismo. Assim, a questão do controle tendia a se afastar do âmbito do Poder

Legislativo, o poder de maior tradição democrática tendo em vista sua composição, e

caminhava para as mãos do Poder Executivo. Além disso, para Schmitt o Judiciário deveria

apenas aplicar ao fato o Direito já determinado e previamente discutido pelo Legislativo,

semelhante ao modelo clássico de Montesquieu. Schmitt defendia, ainda, a existência do

Estado total, em detrimento do pluralismo político da sociedade, pois este trazia consigo uma

tensão desnecessária entre Estado e sociedade, que poderia comprometer a estrutura interna

daquele.

Em contrapartida, Hans Kelsen critica o pensamento de Schmitt comparando-o com o

ultrapassado momento histórico dominado pelas monarquias constitucionais do século XIX,

quando Estado e sociedade, política e economia compunham planos inteiramente distintos.

Vai mais além e defende que o Judiciário é sim palco de decisões de caráter político, já que o

legislador confere ao juiz a tarefa de criação de Direito, na medida em que decide contra

um(ns) em favor de outro(s). O pensamento kelseniano, que propõe a constituição de uma

corte nos moldes do Judiciário delineada pela competência de controlar a constitucionalidade,

se apresenta como democrático na medida em que questiona a natureza totalitária das idéias

de Schmitt, que mais serviram como justificativa de implementação e defesa do Terceiro

Reich na Alemanha. A tese de Kelsen foi a dominante para a formação do primeiro tribunal

constitucional na Europa, criado pela Constituição da Áustria em 1920, sendo, portanto, a

primeira experiência prática de controle concentrado de constitucionalidade.

O modo através do qual se dá o controle jurisdicional concentrado de

constitucionalidade é por meio de ações diretas com o escopo específico de se discutir a

constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma determinada lei ou ato normativo. O

objetivo precípuo desta espécie de controle é garantir a coerência do ordenamento jurídico e a

supremacia constitucional nas circunstâncias específicas da Europa-continental, onde o

modelo difuso não se ajusta. Por isso essa espécie é também chamada de controle abstrato ou

via direta de controle de constitucionalidade, exatamente porque a norma é analisada sem

considerar um caso concreto. O processo pelo qual é exercido o controle concentrado é

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chamado de processo objetivo, pois não tem partes componentes de uma lide comum, é

destinado apenas à defesa da constituição (MENDES, 2004b, p. 3).

Através destas duas espécies o controle jurisdicional de constitucionalidade poderá

funcionar sob dois aspectos: o controle formal e o controle material. Aquele ocorre quando o

órgão controlador verificar o fiel cumprimento das normas reguladoras, instituídas pela

constituição, de elaboração das leis e atos normativos. O controle formal não analisa o

conteúdo da norma, apenas a formalidade de sua origem, ou seja, preocupa-se com a técnica

normativa, por isso é sua característica é puramente jurídica. Por outro lado, o controle

material tem como objeto o conteúdo propriamente dito da lei, sua substância, daí o seu

caráter político visto que a quem estiver atribuída a função de dizer se determinada norma é

ou não é constitucional, terá o poder de dizer o que é a constituição.

Existem ainda, diferenciados quanto ao momento, o controle jurisdicional preventivo e o

sucessivo de constitucionalidade. A distinção está no instante quando ocorre o efetivo

controle: durante o processo que antecede a promulgação de lei (preventivo), ou depois que

está é promulgada (sucessivo). Zeno Veloso (2003, p. 161), apesar de inexistir previsão na

Constituição brasileira, defende a possibilidade de controle preventivo via ação direta contra

projetos de emenda à Constituição que pretendam alterar suas cláusulas pétreas,

fundamentando no princípio de que a mera aspiração de modificação de cláusula pétrea

merece ser objeto de controle jurisdicional de constitucionalidade. A opinião do autor é

referendada por decisão do Ministro Moreira Alves do Supremo Tribunal Federal (MS nº

20.257 de 08/10/1980, RTJ 99/1031) que autoriza a viabilidade do legislador impetrar

mandado de segurança visando impedir tramitação especificamente na Casa a qual pertence a

proposta de emenda que, em razão da matéria, a Constituição, via cláusulas pétreas, veda a

mera deliberação.

2.3 Efeitos e seus limites

Os efeitos de um pronunciamento judicial de controle de constitucionalidade podem ser

relativos ao tempo e ao alcance de sua eficácia. Com relação ao tempo, os efeitos podem ser

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ex nunc, ex tunc e pro futuro. E se o aspecto for o alcance ou limites das decisões, os efeitos

são erga omnes, inter partes ou vinculante.

Geralmente existe uma regra entre a espécie de controle de constitucionalidade e seus

efeitos, a variação dependerá da característica do sistema jurídico do país. O efeito inter

partes é característica do controle jurisdicional difuso, pois a decisão de não aplicar

determinada lei por ser inconstitucional é estabelecida para um caso concreto analisado numa

lide específica entre duas ou mais partes envolvidas. Quem estiver interessado em se

beneficiar dos mesmos efeitos de decisão existente terá que ingressar com ação na qual se

verificará os mesmos fatos e direito.

No sistema do common law o instituto do precedente tem uma forte preponderância.

Nos Estados Unidos, v.g., toda decisão de tribunal superior estabelece um precedente e

vincula os demais juízes que lhe são subordinados. É inevitável, todavia, a possibilidade de

existirem decisões conflituosas entre os tribunais. Nestes casos, o sistema de impugnações

levará a solução do conflito à Suprema Corte e sua decisão vinculará, através da tradição, os

demais órgãos do judiciário. Esse princípio é conhecido como stare decisis. O efeito

vinculante tem origem, portanto, no sistema do common law norte-americano, cuja espécie de

controle de constitucionalidade é o difuso ou incidental.

Os países que se estabelecem pelo sistema do common law, baseado na tradição

jurisprudencial, normalmente não apresentarão maiores problemas jurídicos no caso de

adoção do controle jurisdicional difuso de constitucionalidade por conta do princípio do stare

decisis, como é o caso dos Estados Unidos. No entanto, o controle difuso poderá causar

distúrbios em países de tradição não jurisprudencial, de tradição da lei como principal fonte

do Direito, o sistema do civil law. Nestes países os juízes normalmente não são vinculados às

decisões de seus respectivos tribunais superiores, sendo plenamente possível que alguns

declarem a lei inconstitucional e outros apliquem a mesma lei ao caso concreto por terem

efetuado interpretações diferentes. E mesmo que a questão chegue a algum tribunal superior,

nada poderá impedir que um juiz a ele subordinado julgue em desencontro com o

entendimento colegiado. Essa possibilidade de conflito entre órgãos provoca muitas vezes

uma insegurança jurídica indesejada e indiretamente influencia no surgimento e no

desenvolvimento do controle concentrado, para unificar a decisão sobre controle de

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constitucionalidade num único órgão, evitando que os demais juízes descumpram decisões

dos tribunais que lhe são superiores.

É importante salientar que a eficácia do princípio do stare decisis, e também do efeito

vinculante, à primeira vista não mecaniza a atividade do juiz, pois o magistrado deverá

conhecer o precedente e o caso concreto para depois decidir se se trata das mesmas condições

que levaram ao julgamento anterior.

Outro ponto que merece destaque são os limites da decisão em sede de controle de

constitucionalidade dotada de efeito vinculante. Sentenças e acórdãos possuem três partes

componentes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A regra que estabelece a

vinculação objetiva das decisões no sistema do common law é a seguinte: os juízes são

subordinados à ratio decidendi das decisões dotadas de efeito vinculante, isto é, à parte

dispositiva e aos motivos determinantes da decisão. O obiter dicta, o que foi dito meramente

de passagem, possui eficácia simplesmente persuasiva (TOSTES, p. 33). Os limites objetivos

do efeito vinculante dependerão do disposto na constituição. O mais comum é a vinculação

atingir os demais órgãos do Judiciário, como funciona na tradição do stare decisis. No

entanto, existem prescrições de vinculação das decisões atingindo o Executivo, como é o caso

brasileiro, que será melhor analisado no capítulo seguinte deste trabalho.

A espécie de controle concentrado de constitucionalidade, em virtude de suas

particularidades, se relaciona diretamente ao efeito ou eficácia erga omnes. Na doutrina

observa-se por vezes o uso da expressão “efeito erga omnes” ao mesmo tempo e sentido que

“eficácia erga omnes” (VELOSO, 2003, p. 178/188; FERREIRA, 2003, p. 66; MACIEL,

2004b, p. 75; SORMANI, 2004, p. 126; MENDES, 2004a, p. 20; MENDES, 2004b, p. 329,

entre outros) ou mesmo “alcance erga omnes” (TAVARES, 2005, p. 439). Como o

significado das expressões é semelhante, para evitar qualquer falta de ordem, usar-se-á apenas

a expressão “efeito erga omnes”.

A relação fundamental entre o controle concentrado de constitucionalidade e o efeito

erga omnes é explicada pelo fato de, nesta espécie de controle, a discussão sobre a

interpretação da norma só ocorrer num órgão específico. Assim, as decisões proferidas por

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este órgão necessariamente terão que atingir a todos, pois a norma considerada

inconstitucional será suspensa do ordenamento jurídico ou mesmo declarada nula.

Não há o que confundir entre efeito vinculante e efeito erga omnes, apesar de possuírem

a mesma finalidade: uma maior segurança jurídica com a coerência entre as decisões

provenientes de diferentes órgãos judiciários. Os dois efeitos possuem origens diferentes, o

primeiro tem raiz no controle difuso do common law, o segundo surgiu do esforço teórico do

controle concentrado europeu continental, onde os juízes de carreira não têm competência

decidir sobre a constitucionalidade de uma lei sem antes o tema passar pelo crivo da Corte

Constitucional. O efeito vinculante é uma “qualificação ou desdobramento” (FERNANDES,

2003, p. 203) do efeito erga omnes. Este tem o alcance sobre todos os casos em que a lei

declarada inconstitucional teria sido aplicada; aquele submete de maneira obrigatória os

órgãos do Judiciário à decisão proferida.

A aplicação do efeito vinculante nos países do civil law que adotam o controle difuso

pode minimizar o problema de insegurança jurídica, no caso de decisões conflitantes em sede

de controle de constitucionalidade entre diferentes órgãos judiciais, já que os demais órgãos

competentes seriam obrigados a obedecer decisão de tribunal superior sobre o mesmo tema.

Analisados os efeitos sob o aspecto do alcance das decisões de controle de

constitucionalidade, resta o exame dos efeitos relativos ao tempo em que vai iniciar a eficácia

da decisão. O efeito ex tunc é o mais tradicional e se caracteriza pelo fato da retroação da

eficácia das decisões, dotadas deste efeito, ao tempo em que a lei inconstitucional foi

promulgada, invalidando todos os efeitos produzidos pela lei desde então.

A retroação é explicada pela doutrina tradicional defensora da anulação da lei

inconstitucional. Essa teoria data da época em que surgiu o controle jurisdicional de

constitucionalidade nos Estados Unidos no caso Marbury x Madison em 1803, conforme

citação das palavras do juiz John Mashall:

Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei fundamental e suprema da nação; e

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conseguintemente, a teoria de tais governos deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura ofensivo da Constituição (VELOSO, 2003, p. 37).

Seu fundamento está na afirmação de que a decisão em sede de controle de

constitucionalidade é meramente declaratória, reconhecendo o vício da norma, e não

constitutiva de direito.

Ocorre que podem existir situações em que uma lei é declarada inconstitucional, v.g.,

depois de transcorridos dez anos de sua promulgação. Durante este período, milhares de

relações jurídicas amparadas na lei inconstitucional foram constituídas com boa-fé. A eficácia

ex tunc para esse caso e semelhantes comprometeriam todas essas relações surgidas e que já

produziram efeito, podendo existir ainda a hipótese em que “a lacuna resultante da declaração

de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade

constitucional” (MENDES, 2004b, 303).

Kelsen, visando solucionar as hipóteses inconvenientes suscitadas, é o principal teórico

da doutrina defensora de que as decisões em sede de controle de constitucionalidade têm

caráter constitutivo, pois constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica.

Fundamenta seu pensamento com a teoria de que a norma, enquanto não for declarada

inconstitucional, possui presunção de validade, faz parte do ordenamento jurídico e, portanto,

produz efeitos. Assim, a decisão em controle de constitucionalidade possui caráter

constitutivo-negativo, já que ao invés de declarar nula a lei inconstitucional, anula-a. Não é à

toa, inclusive, que esta mesma lei inconstitucional poderia ser revogada por uma posterior que

suprimiria sua inconstitucionalidade:

O seu significado [da lei inconstitucional] apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só processo usual, quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio lex posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida, não pode ser inconstitucional (KELSEN, 1997, p. 300).

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Em virtude destas situações há o efeito ex nunc, ou seja, a eficácia da decisão provida

com este efeito em sede de controle de constitucionalidade não retroagirá ao tempo da

publicação da lei declarada inconstitucional. Seguindo a mesma esteira de pensamento, a

decisão poderá ter efeito pro futuro, na qual sua eficácia iniciará de acordo com o estipulado

no próprio julgamento, no sentido de evitar que a suspensão imediata da aplicação da lei

inconstitucional gere um ambiente de maior insegurança.

2.4 Evolução no Brasil

O controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil, no seu nascedouro, foi

influenciado diretamente pelo modelo do controle difuso. Foi previsto pela primeira vez em

1891, na Constituição de 24 de fevereiro. O seu art. 59, § 1º, a e b, atribuiu ao Supremo

Tribunal Federal a competência de processar e julgar os recursos de decisões de tribunais

estaduais, quando se questionar a validade ou a aplicação de tratados e leis federais; e quando

“se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição,

ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas

leis impugnadas”.

Conforme Lêda Boechat Rodrigues (1991, p. 144), a evolução jurisprudencial do

Supremo Tribunal Federal (doravante STF) determinou a incorporação definitiva do exercício

do controle de constitucionalidade das leis e atos administrativos entre as atribuições do Poder

Judiciário. Essa atividade era exercida por todos os órgãos do Judiciário e apenas face aos

casos concretos. Em decisão de apelação cível datada de 1897, citada por Rodrigues (1991), o

STF declarou que “incidia na censura de direito uma sentença que infirmara em tese, por

inconstitucional, um decreto emanado do Executivo”, pois os juízes e tribunais só têm a

faculdade de suspender a aplicação ao caso concreto “as leis manifestamente inconstitucionais

e regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis e a Constituição”.

Em sede de ação cível originária de 1896 foi exarada decisão do STF julgando

improcedente o pedido formulado pela União de declaração de inconstitucionalidade de um

imposto criado por lei estadual. No entanto, o entendimento exarado foi o de que, apesar de

manifestamente inconstitucional o recurso, a “Justiça Federal só podia intervir em espécie”

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(RODRIGUES, 1991, p. 145). O pedido articulado pela União foi além do disposto pela

Constituição de 1891, pois não pedia anulação dos atos do Governo Estadual praticados em

face de lei inconstitucional. Era uma ação cível originária revestida de ação direta.

Rodrigues (1991, p. 145-146) também destacou que, no nascimento do controle

jurisdicional de constitucionalidade brasileiro e na sua evolução jurisprudencial, o

entendimento dominante era o de que o Judiciário não deveria atingir a conveniência e

oportunidade de atos administrativos, a não ser nos casos de inconstitucionalidade, para não

incorrer no problema de intromissão de atos interna corporis de outro poder:

as medidas administrativas tomadas pela autoridade competente, em virtude de faculdade ou poder discricionário que lhe haja sido conferido por lei, sendo-lhe também absolutamente vedado apreciar o merecimento dos atos administrativos do ponto de vista de sua conveniência e oportunidade. Ag. de Inst. n. 90, de 1.jun.1895 (RODRIGUES, 1991, p. 145-146). A Constituição é inviolável e está sob a guarda da justiça federal, a quem incumbe o dever, quando a jurisdição e regularmente provocada, de negar efeitos aos atos administrativos, e ainda às leis ordinárias que forem incompatíveis com a lei fundamental. Habeas corpus n. 332 de 6.jun.1892 e 388 de 2.jun.1893 (RODRIGUES, 1991, p. 146).

Apesar do modelo brasileiro da Constituição de 1891 ter sido marcado profundamente

pela influência norte-americana, não significa dizer que faltasse produção nacional sobre a

matéria. Mesmo antes da Independência já havia idéias incipientes e inovadoras sobre

controle de constitucionalidade, conforme Manuel de Oliveira Lima (1997, p. 149), em 1821

o país já se “achava maduro para a vida independente”. Neste ano, Dom João VI

inconscientemente promovia o primeiro projeto governamental de uma Constituinte nacional

(LIMA, 1997, p. 67; grifo original), com seu decreto de 18 de fevereiro que estipulava:

... a ida do príncipe real a Lisboa para ouvir as representações das Cortes (...), ao mesmo tempo que no Rio [de Janeiro] se reuniam os procuradores das câmaras das cidades e vilas principais, que têm juízes letrados, tanto do Reino do Brasil, como das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde em Junta de Cortes “para examinar o que da Constituição Portuguesa seria aplicável às condições do Brasil e propor reformas, melhoramentos e providências essenciais ou úteis... (LIMA, 1997, p. 68).

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O Brasil, como integrante do Reino Unido de Portugal, possuía representação na

Assembléia de Lisboa. Apesar do sistema eleitoral ser marcado pela representação indireta,

com designações em quatro graus, a deputação formada por eleitos em Pernambuco, na Bahia,

Rio de Janeiro e São Paulo, estava longe da mediocridade na apresentação de suas propostas

apresentadas à Assembléia.

Uma das instruções levada pelos representantes paulistas à Assembléia de Lisboa

propunha numa nova postura organizacional do Reino que, entre outros assuntos, assim

discorreu:

Além dos três poderes – legislativo, executivo e judiciário – haveria um quarto, que não era o moderador, e sim constituído por um corpo de censores que, eleitos do mesmo modo que os deputados e fazendo vezes de poder verificador destes representantes, agiriam como fiscais com relação à invasão de um dos poderes nas atribuições de outro, levando qualquer ato inconstitucional perante um “grão-jurado nacional”, por eles próprios nomeado e formado em partes iguais de deputados, membros do tribunal supremo de justiça e conselheiros de Estado, estes escolhidos pelas juntas eleitorais das províncias, à razão de um pelo menos por província, para certo tempo. (LIMA, 1997, p. 155).

Nessa passagem se verifica o já desenvolvido pensamento brasileiro no tocante a

estrutura organizacional do Estado e uma idéia embrionária original sobre a titularidade e

funcionamento do controle da constitucionalidade. A proposta paulista foi apresentada mais

de cem anos antes do tribunal constitucional idealizado por Kelsen no início da década de

1930, por ocasião da publicação de seu artigo “Quem deve ser o guardião da Constituição”,

em resposta à Schmitt (LIMA, 2002, p. 218). Guardadas as proporções, o “grão-jurado

nacional” se assemelha ao “tribunal constitucional” em virtude de que receberia dos censores

pedidos de análise de atos inconstitucionais, bem como de sua composição, integrada por

representantes dos três poderes.

Embora houvesse essa doutrina incipiente em nossos estadistas, a Constituição de 1824

não favoreceu a instituição de um sistema propriamente dito de controle da

constitucionalidade no Brasil, tendo em vista seu caráter autoritário simbolizado pelo Poder

Moderador, no qual o Imperador é a “chave de toda a organização política, (...) Chefe

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Supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência,

equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (art. 98, caput).

Mesmo assim, seu artigo 173, que abria o título das Disposições Gerais, e Garantias dos

Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, dispôs que a Assembléia Geral, no

princípio de suas sessões, examinaria se a Constituição estava sendo observada. Contudo, o

Poder Moderador abrangia a prorrogação e adiamento da Assembléia Geral, sem contar a

dissolução da Câmara dos Deputados “nos casos em que exigir a salvação do Estado”; o que

demonstra a fragilidade da Constituição sobre o tema.

A implantação do controle difuso de constitucionalidade, influenciado pelos Estados

Unidos, através da Constituição de 1891 causou no Brasil uma problemática no âmbito da

coerência entre as decisões dos tribunais e juízes, já que todos são competentes para analisar a

constitucionalidade. Em primeiro lugar, a decisão que declarava a inconstitucionalidade de

uma lei nesta época possuía efeitos meramente inter partes e o sistema que vigorava, e ainda

vigora, no Brasil é o civil law, diferente do common law norte-americano (onde há o princípio

do stare decisis), em virtude da herança do sistema português, que também é civil law. Assim,

eventual decisão do STF com seu efeito inter partes poderia ser incompatível com decisões de

juízes e tribunais inferiores.

Na tentativa de evitar ou minimizar o desacordo entre as decisões, a Constituição de

1934 trouxe a previsão em seu art. 91, IV, da competência do Senado Federal para, com efeito

erga omnes, “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação

ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais” pelo STF, mediante

comunicação do Procurador-Geral da República. Assim, para que o controle de via incidental

possua efeito contra todos, é necessária a participação do Senado após o entendimento do STF

nesse sentido.

A partir da Constituição de 1934 ficou estipulado em todo texto constitucional

subseqüente “o quorum da maioria absoluta de seus membros para a declaração, nos tribunais,

de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, a fim de evitar decisões

divergentes nas Cortes” (COSTA, 1984, p. 1).

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Uma terceira inovação de 1934 foi a previsão do ajuizamento de representação

interventiva no STF pelo Procurador-Geral da República, com o escopo de assegurar a

observância dos princípios constitucionais do art. 7º, alíneas a a h, da Constituição, que

determinavam, entre outra proposições não menos importantes, a forma republicana

representativa, separação dos poderes, garantias do Poder Judiciário; os chamados princípios

sensíveis. O julgamento da representação podia propiciar a intervenção da União no Estado

usurpador da ordem constitucional. A representação interventiva foi o primeiro passo para o

estabelecimento do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil (MENDES, 2004b,

60), pois “ao declarar a constitucionalidade da lei federal de intervenção no Estado, o STF

estaria ipso facto, declarando a inconstitucionalidade da norma estadual provocadora da

intervenção” (COSTA, 1984, p. 2), apesar de decidir um conflito entre a União e determinado

Estado.

A Constituição de 1937, de caráter autoritário e centralizador porque representava o

Estado Novo, não alterou as disposições sobre o controle difuso de constitucionalidade e nem

manteve a representação interventiva. No entanto, inovou ao prever em seu art. 96, parágrafo

único, uma sensível tendência de desqualificar as decisões tomadas pelos tribunais em sede de

controle da constitucionalidade, na medida em que o Legislativo poderia revisá-las. Tal

dispositivo a primeira vista pode ser contrário ao caráter essencialmente autoritário do

governo getulista, visto que possibilitava ao Legislativo, composto por membros escolhidos

pelos cidadãos, reexaminar a lei declarada inconstitucional quando “necessária ao bem-estar

do povo”, podendo ao final mantê-la no ordenamento jurídico mediante vontade de dois

terços dos membros de cada Casa. Embora assim transpareça, a previsão se constitui como

um disfarce do vultoso poder existente nas mãos do Presidente da República, tendo em vista

que era o mesmo quem determinava quando a norma era necessária ao bem-estar do povo e,

mesmo, quando deveria ser encaminhada ao Parlamento para reexame.

A Constituição seguinte cuidou em restabelecer a ordem da jurisdição constitucional

consubstanciada pela antecessora do texto de Getúlio Vargas. Com relação à representação

interventiva, no entanto, ao contrário de requerer a declaração de constitucionalidade da lei

que instituía a intervenção federal, o Procurador-Geral da República pedia ao STF a

inconstitucionalidade da lei estadual em relação aos princípios constitucionais protegidos.

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Nesse diapasão, o então Procurador-Geral da República Themístocles Cavalcanti era a

favor da opinião de que, quando provocado, a representação interventiva não deveria ser

arquivada pura e simplesmente, mas sim ser submetida ao STF mesmo que com parecer no

sentido contrário. A justificativa se baseava em que o Procurador-Geral, neste período, fazia

as vezes não só de chefe do Ministério Público representante do interesse geral, mas também

de assistente da União.

A Representação Interventiva nº 95 de 30/07/1947 foi impetrada nesse sentido, cujo

entendimento do Supremo Tribunal Federal foi pela constitucionalidade do dispositivo objeto

da representação, ou seja, contrário ao seu fim original que é a declaração de

inconstitucionalidade da lei estadual. Destaca-se a seguinte passagem da referida

representação:

Não tem essa Procuradoria-Geral nenhuma dúvida em opinar a respeito, reafirmando conceitos já emitidos em outro parecer, no sentido de prestigiar o texto votado pelas Constituintes estaduais, cuja validade se presume, quando não colida com os princípios fundamentais expressos na Constituição Federal. Esta colisão não se verifica, a meu ver, na hipótese, porquanto a norma impugnada nada mais fez do que concretizar o princípio da hierarquia dos poderes no chamamento ao exercício do Poder Executivo (MENDES, 2004b, 60-63).

A Constituição de 1946 foi reformada pela a Emenda Constitucional nº 16, de 26 de

novembro de 1965, que propôs a mudança do art. 64, da alínea k do art. 101, I, e adição de

três parágrafos a este último artigo.

A primeira sugestão consistia em dar eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal quando controlasse a constitucionalidade das leis e atos normativos

de maneira incidental. Ao Presidente do Senado seria incumbida a publicação no “Diário

Oficial e na Coleção das Leis” da decisão que lhe for comunicada do tribunal que determinou

o fim da eficácia de “lei ou ato de natureza normativa”.

Como complemento, o texto do parágrafo terceiro do artigo 101 era proposto pela

Emenda da seguinte forma: “As disposições de lei ou ato de natureza normativa considerados

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inconstitucionais em decisão definitiva, perderão eficácia, a partir da declaração do Presidente

do Supremo Tribunal Federal publicada no órgão oficial da União”.

O Congresso negou seguimento a esta proposta, alterando a Constituição de 1946

apenas em duas partes. Na ampliação da prerrogativa do Procurador-Geral da República em

representar a inconstitucionalidade de qualquer lei ou ato de natureza normativa, federal ou

estadual, que contrariasse dispositivo da Constituição perante o Supremo Tribunal Federal,

não mais apenas para efeito de intervenção federal como antes. E a segunda reforma foi a

previsão da competência do Tribunal de Justiça estadual para declarar a inconstitucionalidade

de lei ou de ato normativo municipal, em conflito com a Constituição estadual; reforma esta

que não foi repetida na Constituição de 1967, e nem na Emenda Constitucional de 1969

(SORMANI, 2004, p. 82). As decisões proferidas segundo o disposto na emenda

constitucional tinham efeito erga omnes.

Vale dizer que a Emenda Constitucional nº 16 foi publicada no ano de 1965, em pleno

regime ditatorial. Aparentemente, existe um paradoxo entre o autoritarismo representado pela

ditadura e a instituição da possibilidade de controle concentrado através da representação de

inconstitucionalidade, pois esta tem o condão de fazer valer a Constituição em detrimento de

leis e atos normativos desconformes com o texto constitucional. No entanto, não há qualquer

contradição nessa reforma, pois a medida permitia que o Procurador-Geral, indicado pelo

Executivo, representasse a inconstitucionalidade notadamente nos casos do interesse do

governo federal (MENDES, 2004b, 75).

Assim, essa reforma significou a introdução do controle concentrado, propriamente dito,

de constitucionalidade no Brasil, que passou a existir em paralelo com o controle difuso. É o

segundo passo para uma crescente concentração do controle de constitucionalidade no

ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição de 1967 pouco alterou o texto anterior reformado no que se refere ao

controle de constitucionalidade, apenas excluiu a competência dos tribunais estaduais para

receberem representações de inconstitucionalidade genéricas e o Presidente da República

passou a ser competente para decretar a intervenção ou para suspender ato administrativo

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estadual inconstitucional. A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, no tema controle

jurisdicional de constitucionalidade, só produziu uma única alteração: a representação

interventiva passou a valer no âmbito estadual, para que os Estados pudessem intervir nos

municípios ou que os Tribunais de Justiça declarassem lei ou ato normativo municipal

inconstitucional frente a Constituição estadual.

As transformações proporcionadas pelas reformas constitucionais atingiram diretamente

o papel do Procurador-Geral da República, o único legitimado ativo, até então, a acionar o

STF para argüir inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Em 1970, o Regimento Interno

do Supremo Tribunal Federal trazia em seu art. 174 que o Procurador-Geral da República, se

provocado por autoridade ou por terceiro, caso entendesse improcedente a fundamentação da

súplica (representação de inconstitucionalidade), poderia encaminhá-la ao STF com parecer

contrário.

Daqui se conclui que a existência de controvérsia sobre a constitucionalidade do

dispositivo não impede o Procurador-Geral impetrar a representação de inconstitucionalidade

com parecer tanto a favor como contra, no sentido da Corte exarar seu entendimento.

Indubitavelmente, a ação se revestia de um duplo caráter, pois é de sua própria essência

declaratória.

O tema ainda pode ser discutido sob o aspecto da obrigatoriedade do Procurador-Geral

em submeter a representação ao Tribunal mesmo entendendo ser o dispositivo constitucional.

O chefe do Ministério Público não poderia pré-julgar a representação, portanto, sendo mero

veículo para sua proposição, ou era dotado de independência e livre convencimento em

promover a ação, mesmo em caso de controvérsia sobre a constitucionalidade de normas.

O STF solucionou a celeuma e proferiu decisão em 10 de março de 1971, na

Reclamação nº 849, no sentido de legitimar a decisão do Procurador-Geral em não acionar o

Judiciário, via argüição de inconstitucionalidade, quando entendesse ser o dispositivo

constitucional, pois este juízo é livre e exclusivo de quem tem competência para a ação. Foi o

caso em que o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição ao regime

militar, em sede de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, pediu que a representação fosse

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almejada pelo Procurador-Geral face ao instituto da censura prévia de livros e periódicos em

decorrência da segurança nacional. Assim, o Procurador-Geral, diante de solicitação de

interessado, poderia escolher entre três opções. A primeira é admitir a fundamentação do

pedido formulado e interpor a representação de inconstitucionalidade. A segunda é não

acolher o pedido e arquivá-lo, por pura discricionariedade. E, por fim, poderia não concordar

com a fundamentação do pedido e, mesmo assim, propor a representação, mas com parecer a

favor da constitucionalidade da lei ou ato normativo.

Esse entendimento do STF é eivado de conservadorismo. O Procurador-Geral da

República, chefe do Ministério Público, não poderia ter como opção o não acolhimento da

fundamentação do interessado e arquivar o pedido por decisão discricionária, pois seu papel

precípuo é a representação do interesse geral. O período da decisão, porém, era marcado pelo

regime militar, e o próprio Procurador-Geral da República era nomeado pelo general

presidente e aprovado pelo Senado Federal.

Em 1980 houve nova mudança regimental do STF que passou prever a competência do

Procurador-Geral da República para submeter ao tribunal, mediante representação, o exame

de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que fosse declarada a sua

inconstitucionalidade. Segundo Gilmar Mendes (2004b, p. 73), na prática, o chefe do

Ministério Público continuou a oferecer representações de inconstitucionalidade, “ressaltando

a relevância da questão e manifestando-se afinal, muitas vezes, em favor da

constitucionalidade da norma”. Mais adiante explica que a regra foi disposta no regimento de

maneira equivocada, pois “se interpretada literalmente, reduziria o papel do titular da

iniciativa (...) a um despachante autorizado, que poderia encaminhar os pleitos que lhe

fossem dirigidos, ainda que com parecer contrário” (grifo original).

Quase um mês antes da promulgação da Constituição de 1988, em 08.09.1988, foi

julgada a Representação nº 1.349, na qual o Supremo Tribunal Federal referendou

definitivamente o entendimento de que não conhece da representação nos casos em que o

Procurador-Geral da República, logo ao oferecê-la, declara inexistir inconstitucionalidade na

norma objeto de deliberação, que lhe foi dirigida por autoridade ou terceiro.

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A evolução do controle concentrado da constitucionalidade continuou. E em 1988 com a

atual Constituição toda a problemática em torno do papel do Procurador-Geral da República

passou a ser segundo plano, pois houve um considerável alargamento dos legitimados para

provocação do Poder Judiciário, representado pelo STF, no controle abstrato de normas,

abrindo espaço também ao Presidente da República, as Mesas do Senado Federal, da Câmara

dos Deputados e da Assembléia Legislativa, ao Governador de Estado, ao Conselho da Ordem

dos Advogados do Brasil (OAB), aos partidos políticos com representação no Congresso

Nacional, e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. A

representação de inconstitucionalidade passou a se chamar ação direta de

inconstitucionalidade e continuou a produzir efeito erga omnes.

Outra mudança de grande monta promovida pela atual Constituição foi a previsão da

ação direta de inconstitucionalidade por omissão, da ação de descumprimento de preceito

fundamental e do mandado de injunção. A primeira é justificada quando norma

constitucional, de maneira genérica, se encontra impossibilitada de aplicação tendo em vista a

carência de uma ação específica proveniente de um Poder de Estado.

A ação de descumprimento de preceito fundamental tem a intenção de reparar lesão a

preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, e possui caráter de controle

concentrado. O mandado de injunção não se configura como meio de controle concentrado de

lei, mas é uma garantia ao exercício de direito e liberdades constitucionais do cidadão, pois

defende as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania que por ventura

estejam inviabilizadas por falta de norma regulamentadora.

Uma análise da quantidade de ações diretas de inconstitucionalidade (doravante ADIn)

impetradas no Supremo Tribunal Federal desde 1988, percebe-se uma grande diferença entre

o período pré e pós-1988. Conforme Gilmar Mendes (2004b, 76), as representações de

inconstitucionalidade impetradas pelo Procurador-Geral da República denotavam um número

inexpressivo. Em 1968, v.g., apenas uma representação foi requerida. A partir de 1980 a

média passou de 20 (na década de 1970) para 40 representações por ano. Em 1987 chegou ao

número máximo de 114. Por outro lado, entre 1988 e 2002 houve uma média de duzentas

ações diretas de inconstitucionalidade.

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Esse fato demonstra, em tese, a progressiva conscientização dos legitimados em

utilizarse dessas espécies de ações no sentido de participar e promover a interpretação da

Constituição perante o Supremo Tribunal Federal. Isso é um diferencial recente no Brasil,

pois antes apenas era possível fazer pressões políticas, acordos e pedidos ao Procurador-Geral

da República, enquanto que hoje os próprios legitimados ativos podem agir por conta própria.

É importante salientar, ainda, que os legitimados pela Constituição de 1988 para o

controle concentrado de constitucionalidade figuram como uma importante parcela da

representação popular, pois vão desde órgãos de caráter essencialmente político, como a Mesa

da Câmara dos Deputados, até as confederações sindicais e entidades de classe de âmbito

nacional. Assim, tanto a vontade majoritária, representada pelo Presidente da República,

quanto a minoritária, representada pelas entidades de classe e sindicatos, estão aptas para

compelir o STF a promover o controle de constitucionalidade.

Essa aptidão significa, em tese, a realização dos princípios democráticos. Os interesses

majoritários e minoritários estão devidamente representados para impedir a usurpação do

poder estatal, já que o Estado está limitado pela Constituição do Estado Democrático de

Direto brasileiro. A usurpação objeto do controle de constitucionalidade não é representada

apenas quando, v.g., o Executivo ultrapassou sua competência constitucional e editou medida

provisória sobre o orçamento5. O objeto maior do controle de constitucionalidade é a

manutenção do princípio da supremacia constitucional em defesa dos direitos fundamentais,

consubstanciando a soberania popular, o domínio do povo sobre o Estado.

5Constituição Federal de 1988, art. 62, § 1º, I, d: “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º”.

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3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1 As conjunturas político-econômica e jurídica brasileiras antes daEmenda Constitucional nº 3

A Constituição de 1988 restabeleceu o regime democrático no país, pondo fim ao

autoritarismo instituído e mantido pelos militares desde o golpe de 1964. A nova situação

instalada não mais permite perseguições políticas, as eleições são periódicas, a imprensa é

livre. Por outro lado, os problemas estruturais na área da saúde, educação, habitação, por

exemplo, permanecem.

Nessa nova conjuntura, duas questões se destacam e possuem relação íntima com a

reforma implementada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993: a questão tributária e o

Poder Judiciário. A condição das contas públicas do país não era segredo. Sucessivos planos

econômicos tentavam malogradamente combater os altos gastos públicos. A inflação sem

controle, tradição desde o período militar, era considerada o maior problema nacional porque

gerava, em poucos dias, a desvalorização dos salários, prejudicando principalmente a

população mais pobre.

Entre 1985 e 1991 foram lançados sucessivos planos econômicos com o propósito de

findar com o problema inflacionário. No ano de 1986, o então presidente José Sarney lançou

os planos Cruzado I e II. Em 1987, o plano Bresser e em 1989, o plano Verão. Seu sucessor,

Fernando Collor, instituiu o Plano Collor I e II, em 1990 e em 1991, respectivamente.

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Segundo o IBGE6, a inflação em 1990 registrou o índice de 1.620,97%. No ano seguinte

atingiu o nível de 472,70%. Em 1992, 1.119,10%. A diferença entre a inflação desse período

com a do ano de 2005, por exemplo, é significativa, já que esta não passou dos 5,69%.

A renda dos assalariados sofria sucessivas quedas, pois não tinha índices justos que a

reajustassem. O governo recorria a empréstimos para cumprir com suas obrigações

financeiras e para desempenhar a gestão mínima do país. A corrupção desgastava tanto o

Executivo, cujo ápice foi o impeachment do presidente Fernando Collor em 1992, quanto o

Legislativo, com o escândalo dos anões do orçamento em 1993. A implementação de um

ajuste fiscal era de extrema importância e necessidade para a economia do país.

Outro problema de destaque estava no Judiciário, inclusive é um problema que se

estende até os dias atuais. No diagnóstico do Poder Judiciário divulgado no ano de 2004 pelo

Ministério da Justiça7, se observa o fenômeno do acúmulo de processos desde o início da

década de 1990, dados do período mais remoto divulgado pela pesquisa. Em 1991, v.g., na

primeira instância da Justiça Federal, dos mais de 600 mil processos distribuídos, nem metade

foi julgada, e pouco mais de 100 mil foram remetidos aos Tribunais Regionais Federais.

Destes últimos, os desembargadores federais decidiram em cerca de 80 mil. A tendência dos

anos que se seguiram foi a alternância entre a manutenção ou mesmo a majoração desse

índice de contingenciamento.

A diferença entre a quantidade de processos distribuídos e de processos julgados não é

um fenômeno isolado na Justiça Federal, mas é constatada em todos os órgãos do Judiciário.

No Supremo Tribunal Federal (STF) se observa a mesma ocorrência: Entre 1991 e 1993,

cerca de 80 mil processos foram recebidos e distribuídos, sendo que perto de 60 mil foram

julgados.

A evolução do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, iniciado pela

Emenda Constitucional nº 16 de 1965, cujo objetivo era convergir as decisões de

interpretação da Constituição para um único órgão, não surtiu efeito prático na diminuição da

6O índice utilizado é o IPCA (índice de preços ao consumido amplo) utilizado atualmente pelo governo no controle das metas de inflação. Fonte: IBGE, através do sítio <www.ibge.gov.br> Acesso em 28.06.2006.7Disponível em: <http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/diagnostico_web.pdf>. Acesso em: 28.06.2006.

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quantidade de processos distribuídos. Nem mesmo a criação da ação direta de

inconstitucionalidade proporcionou resultados nesse sentido.

O Judiciário só passou se preocupar com suas estatísticas recentemente, quando em

maio de 2005 publicou números do ano de 2003 referentes aos dados da Justiça Federal,

Estadual, do Trabalho, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça8. Em

um relatório mais recente, publicado em 2005, que identificou o perfil das demandas do

Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2002 e 2004, verificou-se que as ações diretas de

inconstitucionalidade não representaram mais que 0,27% dos processos registrados; não

houve sequer uma ação declaratória de constitucionalidade no universo de mais de 236 mil

processos registrados no período. Os recursos extraordinários, por outro lado, ações de caráter

de controle difuso de constitucionalidade, somam quase 40% dos processos inscritos9.

Diante desse quadro de crise institucional, o governo federal promoveu esforços no

sentido de propiciar o ajuste fiscal da economia e, ao mesmo tempo, estabelecer uma maneira

através da qual o referido ajuste não agravasse o problema do Judiciário, pois eventuais

reformas na área tributária normalmente causam disputas judiciais envolvendo um

significativo número de litigantes, que acabam por atrasar ou mesmo inviabilizar os planos

governamentais.

Assim, inicialmente foi apresentada a proposta de emenda constitucional pelo Deputado

Roberto Campos, na qual continha, entre variadas alterações que diziam respeito ao ajuste

fiscal, uma pequena parte reservada ao Judiciário, elaborada por Gilmar Ferreira Mendes e

Ives Gandra da Silva Martins. O projeto suprimia o inciso X do art. 52 da Constituição, que

prevê a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por

decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Por conseqüência, as decisões definitivas

proferidas pelo STF nos processos de controle de constitucionalidade de leis e atos

normativos e no controle de constitucionalidade por omissão, teriam eficácia erga omnes e

efeito vinculante para os órgãos e agentes públicos. Esse seria o novo conteúdo do § 2º do art.

102 da Constituição.8 A Justiça em números: indicadores estatísticos do Poder Judiciário – 2003. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/seminario/pdf/a_justica_em_numeros.pdf>. Acesso em 29.06.2006.9Dados do Perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal Federal, relatório realizado pelo Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília, referente a dados dos processos registrados de 1º de janeiro de 2002 a 30 de junho de 2004. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em 29.06.2006.

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O novo teor do § 3º, do mesmo artigo, teria uma previsão de lei complementar para

regulação da extensão da eficácia erga omnes para outras decisões do STF em outras espécies

de processos, e disciplinar a aplicação do efeito vinculante dessas decisões para os órgãos e

agentes públicos. E, finalmente, o § 4º do art. 103 estabelecia que os legitimados a propor

ação direta de inconstitucionalidade poderiam intentar a ação declaratória de

constitucionalidade, que vincularia as instâncias inferiores, quando decidida no mérito

(MENDES, 1994, p. 79).

O texto original, porém, foi substituído pelo projeto do Deputado Luiz Carlos Hauly,

denominado Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 2, de 1993. A leitura da proposta

no plenário do Senado Federal foi feita no dia 04.02.1993 e já em 17.03.1993 foi promulgada

a Emenda Constitucional nº 3. Em pouco mais de um mês a tramitação no Senado foi

concluída, um tempo muito exíguo para a relevância da matéria. Não só porque modificava as

regras do controle de constitucionalidade, mas pelas amplas alterações tributárias, como será

analisado no item seguinte. A título de comparação, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998,

originada da PEC nº 33 de 1995, cuja matéria era reforma da previdência, precisou de mais de

dois anos para ser aprovada no Senado.

Essa brevidade da tramitação representa a eficaz coalizão formada pelo governo com o

intento de aprovar as novas medidas fiscais, junto com a nova ação declaratória de

constitucionalidade, como remédio para solucionar rapidamente as eventuais disputas

judiciárias advindas com a reforma. As diferenças entre a proposta original e o texto aprovado

serão verificadas a seguir.

3.2 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 3

O texto da Emenda Constitucional nº 3, aprovado pelo Congresso Nacional, promoveu

variadas modificações de cunho tributário e uma pequena mudança no controle de

constitucionalidade. Alterou os artigos 40, 42, 102, 103, 155, 156, 160, 167 da Constituição.

Autorizou a instituição do imposto provisório sobre movimentação ou transmissão de valores

e de créditos e direitos de natureza financeira, o IPMF. Eliminou o adicional ao imposto de

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renda, de competência dos Estados, a contar de 1º de janeiro de 1996. Prolongou a eliminação

do imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, de competência dos

Municípios para também dia 1º de janeiro de 1996. Estabeleceu limites para emissão de

títulos da dívida pública emitidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E revogou

parte do art. 156, face às alterações promovidas nos artigos citados.

Os dispositivos alterados pela Emenda se relacionam diretamente à previdência, tributos

e controle de constitucionalidade. Sobre previdência, houve duas alterações que, inclusive, já

foram novamente modificadas pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

Na área tributária, a reforma deu nova redação ao § 6º do art. 150, que antes só

condicionava a anistia e a remissão tributárias à lei formal federal, estadual ou municipal,

passando também a exigir autorização legislativa para a concessão de subsídio ou isenção,

redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, o que limita a discricionariedade

do responsável pelo Poder Executivo (SLAIBI FILHO, 2000, p. 9). Também foi incluído o §

7º que determina que a lei poderá atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição

de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer

posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se

realize o fato gerador presumido. Foram extintos o adicional sobre o imposto de renda de

competência dos Estados e do Distrito Federal, antes previsto no art. 155, II, e o imposto

sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel, anteriormente

estabelecido no art. 156, III. Foi também alterado dispositivo que regulava a repartição de

receitas tributárias do parágrafo único do art. 160, no entanto, foi novamente alterado desta

vez pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000. Por fim, foi estabelecida nova proibição de

vinculação de receita de impostos, o inciso IV do art. 167. Esta última mudança já sofreu duas

alterações, uma pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000 e outra pela nº 42, de 2003, esta

atualmente em vigor.

A modificação que tratou sobre controle de constitucionalidade proporcionou a

criaçãoda ação declaratória de constitucionalidade. O art. 102, I, a, da Constituição,

estabeleceu a nova competência do Supremo Tribunal Federal, de processar e julgar

originariamente a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de lei ou ato normativo

federal, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) de lei ou ato normativo federal

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ou estadual. Foi incluído o § 2º, do mesmo artigo, que estabeleceu a produção da eficácia

erga omnes e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do

Poder Executivo, das decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em sede de ação

declaratória de constitucionalidade. E, finalmente, acrescentou-se o § 4º ao art. 103 que dispôs

sobre os legitimados a propor a ADC: Presidente da República, Mesa do Senado Federal,

Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador-Geral da República.

Vale lembrar que o texto do § 2º do art. 102 atualmente tem nova redação, dada pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que determina a extensão do efeito vinculante para as

decisões em sede de ADIn. O § 4º do art. 103 foi revogado, pois a referida Emenda unificou o

rol de legitimados ativos das duas ações constitucionais. As reformas implementadas pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004, serão analisadas com maior riqueza de detalhes

posteriormente no item 3.6.

Destas disposições, observa-se que do teor de toda a Emenda Constitucional nº 3 mais

de 80% diz respeito a alterações de cunho previdenciário e tributário, exatamente as

mudanças intentadas pelo Executivo para efetuar os ajustes fiscais e das contas públicas. A

ação declaratória de constitucionalidade, no âmbito da referida Emenda, teve caráter acessório

em face da reforma tributária e financeira. Essa nova ação de controle de constitucionalidade,

a delimitação de seus legitimados ativos e seus efeitos foram bastante discutidos pela doutrina

(MARTINS; MENDES, 1994) e recentemente ainda se encontram opiniões no sentido de sua

inconstitucionalidade (BRAWERMAN, 2005). A polêmica acerca destes assuntos será

analisada no decorrer deste capítulo e no próximo, quando se tratará das decisões do Supremo

Tribunal Federal em sede de ação declaratória de constitucionalidade.

3.3 Ação declaratória de constitucionalidade

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) não é uma inovação propriamente

dita no ordenamento jurídico brasileiro. No máximo, pode-se dizer que é uma decorrência da

evolução da teoria de controle de constitucionalidade ocorrida no país.

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No item 2.4 deste trabalho, analisou-se o desenvolvimento do controle de

constitucionalidade no Brasil desde a Constituição de 1824, onde foram evidenciadas três

etapas principais nas quais o controle concentrado de constitucionalidade ganhou significativo

espaço no Direito brasileiro.

A primeira foi a criação da representação interventiva pela Constituição de 1934,

utilizada em defesa dos princípios sensíveis constitucionais eventualmente descumpridos

pelos Estados, o que poderia justificar uma intervenção da União. Não se tratava de controle

concentrado de constitucionalidade, mas apenas uma decisão sobre uma desavença entre

União e Estado membro. O Procurador-Geral da República, ao interpor a representação

interventiva não buscava a defesa dos interesses gerais, agia como advogado da Constituição

e representante da União.

A segunda etapa foi estabelecida pela Emenda Constitucional nº 16, de 1965, que

alterou a Constituição de 1946. A reforma trouxe a representação de inconstitucionalidade,

pela qual o Procurador-Geral da República requeria a declaração de inconstitucionalidade de

lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual. Nesta oportunidade havia o controle de

constitucionalidade propriamente dito, pois a decisão era feita num processo sem partes,

objetivo, com o único propósito de encerrar a controvérsia constitucional suscitada. A terceira

fase ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988 que fixou as novas diretrizes do

controle de constitucionalidade.

Nas duas primeiras fases é possível encontrar elementos originários da ação declaratória

de constitucionalidade. Naqueles contextos jurídicos, em não raras ocasiões, o Procurador-

Geral da República, único legitimado até então, apresentou parecer em sentido contrário ao

propor a representação interventiva e a representação de inconstitucionalidade. Isso significa

que o Chefe do Ministério Público ao peticionar uma representação de inconstitucionalidade,

provocado por terceiro v.g., demonstrava a controvérsia constitucional existente sobre o tema,

mas, se estivesse convencido de que a norma era constitucional, ofereceria parecer opinando

pela constitucionalidade da norma. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal recebeu

normalmente representações com pareceres semelhantes ao do exemplo citado: Representação

Interventiva nº 95, Relator Ministro Orozimbo Nonato, julgada em 30/07/1947.

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A representação interventiva e de inconstitucionalidade já possuía, portanto, caráter

dúplice ou ambivalente (MENDES, 1994, p. 69 e 75), apesar da inexistência de previsão

constitucional. A aceitação do parecer em sentido contrário foi construída tão somente por

entendimento jurisprudencial. O teor positivo ou negativo do pedido do Procurador-Geral da

República encaminhado ao STF dependeria do seu convencimento sobre a controvérsia

constitucional.

Dessa forma, a ação declaratória de constitucionalidade tem procedência direta do

entendimento jurisprudencial do STF em aceitar representação de inconstitucionalidade com

parecer opinando pela constitucionalidade da norma objeto da ação. Por isso não constitui

inovação. Porém, os motivos determinantes para sua previsão em texto constitucional estão

relacionados diretamente com os motivos que alimentaram a proposta de emenda à

Constituição que deu origem à Emenda Constitucional nº 3, de 1993: o ajuste fiscal e o

contingenciamento do Poder Judiciário.

É importante salientar que a ação declaratória de constitucionalidade não se confunde

com a avocatória, instituída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977 da Constituição de

1967, que vigorava no regime militar. Por meio desta, o Supremo Tribunal Federal poderia

suspender os efeitos das decisões proferidas em qualquer juízo ou tribunal, devolvendo o

conhecimento integral da lide, a pedido do Procurador-Geral da República, quando houvesse

perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas. Este instituto não

possui razão de ser na ordem jurídica instalada pela Constituição de 1988, pois contraria os

princípios do juiz natural e do devido processo legal, na medida em que pretende devolver o

conhecimento integral da lide ao Supremo Tribunal Federal, órgão cuja competência

tradicional é de guardar a Constituição e não julgar casos concretos.

Os legitimados ativos da ADC resumiam-se ao Presidente da República, Mesas do

Senado e da Câmara Federal e o Procurador-Geral da República. Essa limitação pode ser

justificada pelo fato de que o objeto da ação declaratória de constitucionalidade é apenas lei e

ato normativo federal. Não fazia sentido, naquele contexto, a previsão dos atos normativos e

leis estaduais como objeto da ADC, nem que o Governador de Estado e Mesas de Assembléia

Legislativa, nem mesmo as entidades de classe figurassem como pólo ativo da ADC. O

objetivo do governo com a nova medida era assegurar a eficácia dos novos dispositivos fiscais

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estabelecidos pela Emenda Constitucional. Qualquer desordem judicial na área tributária que

dificultasse as intenções do governo autorizava a utilização da ação declaratória de

constitucionalidade para dar solução final e rápida ao caso. Por isso o projeto original do

Deputado Roberto Campos não foi aprovado e sim substituído pelo o texto do Deputado

Hauly.

Nesse sentido concordam, inclusive, os Ministros Moreira Alves e Gilmar Mendes, no

julgamento da questão de ordem do agravo regimental na Reclamação nº 1.880, Relator

Ministro Maurício Corrêa, de 07.11.2002:

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: (...) Foi necessária uma emenda constitucional para que a ação declaratória de constitucionalidade essa eficácia que se explicava [vinculante], por que ela foi colocada para atender aos interesses dos Poderes Executivo e Legislativos Federais, tanto assim que só diz respeito a leis federais e não a leis estaduais (p. 306/307).

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Isso ocorreu porque a Emenda nº 3, que absorveu a ação declaratória, tratava de reforma fiscal, e isso acabou “funcionalizando” – vamos usar essa expressão – a ação declaratória e constitucionalidade (p. 307).

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: A ação declaratória foi incluída na emenda, evidentemente, no interesse do Governo Federal, porque os legitimados são restritos – autoridades ou órgãos apenas federais – e seu objeto são só as leis e os atos normativos federais (p. 344) (grifos nossos)

Mesmo com essa substituição dos projetos, os efeitos da ADC continuaram sendo os

previstos originariamente: erga omnes e vinculante. Há, porém, uma pequena ressalva. O

efeito vinculante da proposta original atingia os órgãos e agentes públicos; o texto aprovado

estabelece que o efeito vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e o Poder Executivo,

melhor demonstrando os limites do efeito.

A ação declaratória de constitucionalidade denota uma ação direta que visa solucionar

controvérsia constitucional, com a finalidade de verificar a coerência da norma ou ato

normativo, exclusivamente federal, com a Constituição. Trata-se de processo no qual

inexistem partes ou lide. A decisão poderá declarar tanto a constitucionalidade como a

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inconstitucionalidade10 da lei ou ato normativo federal, cujos efeitos incidirão contra todos e

vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

Para a ação declaratória de constitucionalidade ser impetrada, processada e julgada não

há necessidade de lei ordinária que a regule. O mesmo entendimento aplicado à ação direta de

inconstitucionalidade foi empregado à ADC. O Supremo Tribunal Federal não recusou

nenhuma ADIn ou ADC em virtude de inexistência de lei reguladora; se assim o fizesse, seria

incapaz de exercer o controle concentrado de constitucionalidade que lhe foi conferido pela

própria Constituição, limitando-se ao controle difuso mediante o julgamento de recursos

extraordinários e demais ações nas quais existam incidentalmente uma controvérsia

constitucional.

O Regimento Interno11 do Supremo Tribunal Federal, que foi publicado antes da

Constituição de 1988, prevê em seus artigos 169 a 178 dispositivos que regulam a antiga

representação de inconstitucionalidade, que vigorava no ordenamento jurídico da Constituição

de 1967, época em que apenas o Procurador-Geral da República era legitimado para provocar

o Judiciário nesse sentido. Referidos artigos prevêem, sucintamente, um rito para a

representação de inconstitucionalidade: uma vez instaurado o processo não haverá

desistência; exige o quorum de oito ministros para o julgamento, sendo que pelo menos seis

ministros devem votar pela inconstitucionalidade ou constitucionalidade do ato impugnado

para a proclamação da decisão do pleno do Tribunal.

Os artigos foram atualizados pela Emenda Regimental nº 2, de 1985, e ganharam nova

interpretação com a Constituição de 1988. O art. 171, v.g., determina que seja aberta vista ao

Procurador-Geral para emissão de parecer, depois de recebidas as informações da autoridade

da qual tiver emanado o ato impugnado. No período da promulgação do Regimento, o

Procurador-Geral da República também fazia as vezes de representante da União, pois não

havia a Advocacia-Geral. Com a Constituição de 1988, art. 103, § 3º, determinou-se que o

Advogado-Geral da União deverá ser citado previamente para defender a constitucionalidade

10Sobre o tema, Lênio Streck (2004) desenvolve argumentação que defende uma simples não-declaração de constitucionalidade quando do indeferimento da ação declaratória de inconstitucionalidade, e não a declaração de inconstitucionalidade, da forma como a jurisprudência do STF e a Lei nº 9.868/1999 atualmente determinam.11Disponivel em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 29.06.2006.

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do ato normativo ou lei impugnada, substituindo assim o lugar ocupado pelo Procurador-

Geral da República.

Esses preceitos processuais, com a nova interpretação trazida pela Constituição de 1988,

foram plenamente aplicáveis, até o ano de 1999, à ação direta de inconstitucionalidade e,

consequentemente, à ação declaratória de constitucionalidade, por possuírem a mesma

natureza. Apesar de buscarem fins diametralmente opostos entre si, a ADC pode acabar

julgada improcedente, resultando numa declaração de inconstitucionalidade, ao passo que

negada a pretensão contida na ADIn, haverá uma declaração de constitucionalidade. Assim,

seria um contra-senso o regras processuais diferentes para os institutos da ADC e da ADIn.

Mesmo havendo regras processuais válidas e suficientes para o processamento da ADC

e da ADIn, foi promulgada em 10 de novembro de 1999 a Lei nº 9.868, que dispõe sobre o

processo e julgamento dessas ações constitucionais, a qual será examinada a seguir.

3.4 A Lei 9.868/1999

A Lei nº 9.868 de 10 de novembro de 1999 é fruto da aprovação do Projeto de Lei da

Câmara nº 10 de 1999 (nº 2.960/1997 na Câmara dos Deputados), cujo autor foi o Poder

Executivo. O texto legal, ao mesmo tempo, atualiza e detalha o disposto nos artigos 169 a 178

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que tratam sobre o processamento da

extinta representação de inconstitucionalidade.

A estrutura da Lei 9.868/99 foi dividida em quatro partes fundamentais. Inicialmente

regula a ação direta de inconstitucionalidade, discorrendo acerca de sua admissibilidade,

processo e medida cautelar. Em seguida, trata da ação declaratória de constitucionalidade, sob

o mesmo prisma. Adiante, define as regras para a decisão em sede das duas ações

constitucionais. E na sua parte final altera dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei

nº 8.185/1991 que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e Territórios, que

não será aqui analisada.

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3.4.1 Legitimação ativa e requisitos

A Emenda Constitucional nº 3 estabeleceu que os legitimados ativos da ADC são: o

Presidente da República, as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e o

Procurador-Geral da República. Enquanto o grupo de legitimados ativos para propor ADIn é

formado pelo mesmo rol de legitimados ativos da ADC, somadas as Mesas das Assembléias

Legislativas dos Estados, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores

de Estado e do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e as

entidades de classe de âmbito nacional. Esta previsão de legitimados ativos também está

disposta na Lei nº 9.868/1999 nos seus artigos 2º e 13.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o conjunto de legitimados da

ADC foi estendido e desde então os mesmos que podem propor ADIn podem provocar o

Supremo Tribunal Federal por meio de ação declaratória de constitucionalidade.

Em suma, os legitimados ativos das ações constitucionais possuem interesse que supera

a esfera privada ou estatal. O eventual ingresso de ação direta de inconstitucionalidade

configura legítimo interesse na defesa do interesse público, pois o fim último dessas ações é a

manutenção da coerência do ordenamento jurídico. Nesse sentido, os órgãos públicos

legitimados ativos dispensam a sua representação obrigatória por meio de advogado ou

procurador, havendo, inclusive, entendimento de que não é admitido “o Governador do

Estado ou a Mesa de corpo legislativo sejam representados exclusivamente por seus

procuradores” (SLAIBI FILHO, 2000, p. 158). Existe, no entanto, pensamento no sentido de

que o advogado é indispensável, absolutamente, para a administração da justiça (SORMANI,

2004, p. 100) e, dessa forma, a representação é necessária para o Presidente da República,

Mesas das Casas Legislativas, e para o Governador. O Procurador-Geral da República e o

Conselho da Ordem dos Advogados já exercem a função que depende da capacidade

postulatória, sendo desnecessária a sua representação em juízo. As entidades de caráter

privado, estas sem divergências de entendimento doutrinário, necessitam de representação

para ingressar com ação declaratória de constitucionalidade.

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Outra distinção entre as ações constitucionais está nos requisitos da petição inicial. Na

ADIn é preciso que se consigne o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os

fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações, bem como os

demais requisitos de qualquer petição inicial regulados pelo at. 282 do Código de Processo

Civil, sob pena de indeferimento no caso de inépcia.

No caso da ação declaratória de constitucionalidade, além dos requisitos da ADIn, a lei

exige a demonstração da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da

disposição objeto da ação declaratória. Este requisito, que tem origem no Direito alemão

(MENDES, 2000) é de extrema importância para resguardar o princípio da presunção de

constitucionalidade de qualquer lei ou ato normativo. Do contrário, a qualquer momento

poderia ser impetrada esta espécie de ação sem a devida necessidade, apenas para que o autor

seja agraciado pela declaração de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, nestas

circunstâncias, seria órgão de mera consulta e de homologação legal em relação à

Constituição, sancionador do Legislativo. Isso seria uma contrafação da competência do STF.

A ação declaratória de constitucionalidade foi criada para extinguir conflitos e não

apenas para a declaração pura e simples da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo.

A partir do momento em que é promulgada uma lei ou editado um ato normativo não há o que

discutir sobre sua constitucionalidade, pois é presumido que sejam válidos e revestidos de

obrigatoriedade e de exigibilidade. Ocorre que, conforme Ana Maria Scartezzini (1994, p. 4),

a presunção não é absoluta, já que “o administrado pode demonstrar que o ato contraria o

ordenamento jurídico [constitucional], mas essa prova deve ser feita, pois milita em sentido

contrário a legitimidade, em tese, do provimento emanado da Administração” e do Congresso

Nacional.

A autora prossegue defendendo que o princípio da presunção da constitucionalidade da

lei e do ato normativo deve informar “o intérprete ao aplicar a norma e o legislador ao

elaborar qualquer alteração da ordem jurídica, para resguardar a supremacia da Constituição,

a subordinação dos atos administrativos à lei, enfim, a tutela dos direitos públicos subjetivos”

(SCARTEZZINI, 1994, p. 5). E conclui que a ação declaratória de constitucionalidade está

“maculada pela eiva de inconstitucionalidade” porque afronta o princípio da presunção da

constitucionalidade da lei.

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O argumento, apesar de utilizado antes da promulgação da Lei nº 9.868/1999, é

incoerente, pois a ação declaratória de constitucionalidade busca exatamente a manutenção da

supremacia constitucional do ordenamento jurídico. Nesse sentido é justificado, para que seja

processada e julgada, o requisito da demonstração da existência de controvérsia jurídica sobre

a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. A polêmica de ordem

constitucional pode ser demonstrada quando diversos juízes singulares e tribunais de variadas

partes do país decidem de maneira contraditória entre si sobre a constitucionalidade de uma

lei específica.

Na ação direta de inconstitucionalidade a demonstração da discussão polêmica não é

necessária, visto que, diante da necessidade de declaração de nulidade da norma

inconstitucional, a qualquer dos legitimados é lícita a provocação do Supremo Tribunal

Federal para garantir a coerência do ordenamento jurídico e o cumprimento da Constituição.

É requerida apenas a exposição dos fundamentos jurídicos para a impugnação da norma. No

entanto, a existência da controvérsia não impede a proposição da ADIn, ao contrário, também

contribui para a solução da discussão, pois os legitimados que entendam inconstitucional a lei

ou ato normativo, ao invés de intentarem uma ADC, proporão uma ADIn.

Faz-se mister salientar que a demonstração da relevante controvérsia não se resume a

exposição de dados estatísticos das decisões judiciais conflitantes entre si. Segundo Gilmar

Mendes (2000), a situação de incerteza não decorre dos órgãos políticos responsáveis pela

edição do texto normativo objeto da ação ou “da leitura e aplicação contraditória de normas

legais pelos vários órgãos judiciais, mas da controvérsia ou dúvida que se instaura entre os

órgãos judiciais, que de forma quase unívoca adotam uma dada interpretação”. Assim, a

controvérsia deve ser relevante ao ponto de atingir o princípio de presunção de

constitucionalidade das leis e atos normativos.

O fim a que se destina a ação declaratória de constitucionalidade é a proteção da

segurança jurídica, é evitar circunstâncias de perplexidade social, de grave comprometimento

da estabilidade do ordenamento vigente no país. Essa finalidade é coberta da mesma

importância fundamental da ADIn no exercício do controle jurisdicional de

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constitucionalidade, que é o de expulsar a lei ou ato normativo inconstitucional do

ordenamento jurídico.

A segurança jurídica é almejada por todos da sociedade, pois ela garante a estabilidade

do cumprimento das normas reguladoras da atividade estatal e privada. Nesse sentido, as

decisões judiciais orientarão a conduta do Estado e dos indivíduos, na medida em que, ao

interpretar as leis e a Constituição, produz em caráter definitivo, a solução final para os

conflitos. É da própria natureza da função jurisdicional a garantia da segurança jurídica. Para

que o ordenamento jurídico tenha eficácia plena, “é necessário que as normas jurisdicionais

gozem de uma grande estabilidade, pois se pudessem ser revogadas facilmente frustraria sua

finalidade” (ROCHA, 1995, p. 24).

No julgamento da ADIn nº 3.685, a Ministra Relatora Ellen Grace assim se pronunciou

sobre a segurança jurídica:

Onde, quando nasce e para que serve a segurança jurídica? As considerações de WEBER (...) são suficientes ao esclarecimento dessas questões: as exigências de calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica e na Administração constituem uma exigência vital do capitalismo racional; o capitalismo industrial depende da possibilidade de previsões seguras --- deve poder contar com estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento da ordem jurídica e no caráter racional e em princípio previsível das leis e da Administração. Pois o direito moderno presta-se precisamente a instalar o clima de segurança, em termos de previsibilidade de comportamentos, sem o qual a competição entre titulares de interesses em permanente oposição, no seio da sociedade civil, não fluiria plenamente.

A preocupação com a segurança jurídica não é recente entre pensadores brasileiros.

Amaro Cavalcanti (1983, p. 315), no ano de 1901, alertava sobre as mazelas que o estado de

incerteza jurídica poderia causar:

O que queremos assinalar é a inconveniência enorme que resulta dessa conduta, incerta, contraditória do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar, segundo as épocas o conforme a maioria ocasional de seus membros, a verdade jurídica, que se contem num mesmo texto da Constituição! (...) Mas, se o mesmo texto constitucional hoje significa – sim e amanhã – não; hoje significa liberdade, e amanhã a prisão ou o desterro; então é forçoso convir que, desta forma, o poder judiciário já não constituirá verdadeira garantia, nem para a Administração Pública, nem tão pouco, para os indivíduos, quando, porventura, ofendidos nos seus direitos e liberdades...

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A Constituição de 1988 possui como característica a rigidez, portanto é necessário um

procedimento especial para sua reforma. Apesar dessa possibilidade de reforma, há

dispositivos constitucionais invioláveis, o chamado “núcleo duro” da Constituição, as

cláusulas pétreas. Entre elas, estabelecidas no art. 60, § 4º, estão os direitos e garantias

fundamentais. Um deles, o art. 5º, XXXVI, determina os mecanismos para a efetiva prestação

jurisdicional que deve satisfazer a necessidade de segurança jurídica para a estabilidade

social: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Caso as decisões judiciais sobre a mesma espécie fática não sejam coerentes com o

ordenamento jurídico constitucional, o Poder Judiciário, ao invés de promover a solução dos

conflitos, estará impulsionando-os, “na medida em que a instabilidade gerada atua

fomentando o sentimento de litigiosidade, e não de pacificador das relações sociais”

(TOSTES, 2004, p. 14).

Esse problema se agrava quando o caso concreto envolve direitos individuais

homogêneos: inúmeros processos que têm por objeto direitos de origem comum, os mesmos

pedidos e causas de pedir (MEIRELLES, 2003, p. 190). A disparidade de entendimentos em

causas cujo objeto são direitos individuais homogêneos, em não sendo logo resolvida poderá

causar grave insegurança jurídica e o conseqüente sentimento da sociedade de descrédito no

Judiciário, pois além da lentidão em proferir decisões, estas se manifestariam com conteúdos

opostos ou contraditórios entre si.

Uma situação de insegurança jurídica conhecida por muitos brasileiros foi a que ocorreu

com os índices de correção monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço, referente aos meses de dezembro de 1988, fevereiro de 1989 e abril de 1990. Os

saldos não sofreram atualização monetária da inflação nestes meses por medida dos planos

econômicos Verão e Collor I. Esse fato gerou o ingresso de milhares de ações judiciais com o

mesmo pedido e causa de pedir e, naturalmente, diante da complexidade da matéria, em face

dos variados índices de correção monetária, as decisões dos juízes e tribunais não foram

uníssonas. Apenas com a decisão proferida em 31.08.2000 no Recurso Extraordinário nº

226.855, Relator Ministro Moreira Alves, foi determinada uma orientação de cunho definitivo

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para a solução do conflito, pois foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal. A problemática

foi tamanha que foi editada a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, que

tacitamente reconheceu os erros cometidos na correção dos saldos das contas dos

trabalhadores, quando autorizou o crédito do complemento das atualizações monetárias às

custas do próprio FGTS.

A citada situação de insegurança jurídica, por questões de ordem prática, não poderia ser

resolvida através de ação declaratória de constitucionalidade. A finalidade da exposição do

ocorrido foi a de evidenciar as conseqüências que podem resultar uma situação de insegurança

jurídica causada por decisões judiciais incoerentes sobre a mesma espécie fática, e do

importante papel que a ADC possui nesse sentido.

Diante do exposto, a justificativa fundamental da necessidade de demonstração da

existência de controvérsia judicial relevante quando da proposição da ADC está na proteção

do princípio da supremacia constitucional e da segurança jurídica.

3.4.2 Procedimento e medida cautelar

A Lei nº 9.868/1999 estabelece as regras do processamento da ação declaratória de

constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Esse processo é caracterizado pelo

conteúdo político, pois a Constituição atribuiu ao STF a competência de “verificar a

compatibilidade dos atos genéricos e abstratos em face da Lei Maior, independente da

ocorrência de determinada situação concreta” (SLAIBI FILHO, 2000, p. 100).

Apesar da natureza essencialmente política do processo da ação declaratória de

constitucionalidade, a decisão proferida obedece aos princípios das decisões judiciais comuns

e possuem os mesmos requisitos. O acórdão do STF em ADC deve conter relatório,

fundamentação e dispositivo, assim como qualquer decisão de Tribunal de Justiça ou juiz

singular que julga o caso concreto.

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Além da essência política do processo da ação declaratória de constitucionalidade, existe

outra característica essencial, qual seja: trata-se de processo objetivo, pois não cuida de

solucionar questões conflituosas entre particulares ou de um caso singular, e sim de proteger a

ordem jurídica constitucional do país, por meio do julgamento em tese dos atos estatais de

caráter normativo que estejam em desconformidade com a Constituição.

Assim, nesta espécie de processo não há partes componentes de uma lide propriamente

dita. O conflito existente é entre a norma e a Constituição. Os legitimados ativos poderão

figurar como autores da ação, mas não haverá um réu, tampouco alguém figurará como

defensor da inconstitucionalidade. Como os legitimados ativos são os legítimos defensores da

ordem pública, visto que requerem a manutenção do princípio da supremacia constitucional,

não há sentido admitir a desistência do processo depois de proposta a ação. Essa regra foi

positivada pela Lei nº 9.868/1999 no art. 5º, para a ação direta de inconstitucionalidade, e no

art. 16 para a ação declaratória de constitucionalidade.

O Ministério Público, nas ações constitucionais, representado pelo Procurador-Geral da

República, não se limita à prerrogativa de legitimado ativo. A Lei nº 9.868/1999 estabelece

que em toda e qualquer ADIn ou ADC o Procurador-Geral se manifestará sobre o mérito do

conflito, opinando pela constitucionalidade ou não da norma (art. 8º e 19). Essa atividade

decorre do papel do Ministério Público de defender a ordem jurídica, o regime democrático e

os interesses individuais e sociais indisponíveis, nos termos do art. 127 da Constituição

Federal. O parecer emitido auxiliará no convencimento dos Ministros do Supremo Tribunal

Federal no julgamento da ação.

Não há necessidade de atuação do Advogado-Geral da União em sede de ação

declaratória de constitucionalidade, visto que o próprio autor é interessado em demonstrar a

indispensável declaração de constitucionalidade da norma em questão. No processo de ação

direta de inconstitucionalidade, o art. 103, § 3º da Constituição de 1988 determina a

obrigatoriedade da manifestação do Advogado-Geral pela defesa da lei ou ato normativo

impugnado. É deveras peculiar a atuação do Advogado-Geral da União no processamento da

ADIn proposta pelo Presidente da República, pois terá que defender a constitucionalidade da

norma, indo de encontro com o entendimento do próprio chefe do Poder Executivo federal

que, inclusive, tem a competência de lhe nomear ao cargo. Outra peculiaridade é a

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possibilidade de defesa de norma estadual, objeto de ADIn, mesmo sendo o Advogado-Geral

representante da União.

Nesse sentido, o propósito do art. 103, § 3º, da Constituição é atribuir a tarefa de

defender a constitucionalidade de seja qual for a lei ou ato normativo impugnado em sede de

controle de constitucionalidade. Nos casos em que não há refutação de ato ou texto

normativo, não há necessidade de atuação do Advogado-Geral da União. A ação declaratória

de constitucionalidade é um deles, por isso a ausência de previsão da atuação deste sujeito

pela Lei nº 9.868/1999 e pela Constituição Federal.

A natureza das ações de controle de constitucionalidade não permite a intervenção de

terceiros no processo. Esse entendimento foi positivado nos arts. 7º e 18 da Lei nº 9.868/1999.

Como já analisado, trata-se de processo objetivo, sem partes interessadas na solução de um

conflito de caso concreto. A intervenção de terceiros nos processos comuns ocorre através dos

institutos da oposição, da nomeação à autoria e da denunciação da lide. Em todas essas

hipóteses existe o interesse do terceiro intervir no processo por questões intrínsecas ao caso

particular analisado. Portanto, a essência do processo objetivo inviabiliza a intervenção de

terceiros.

Por outro lado, a Lei nº 9.868/1999 no seu art. 7º, § 2º, admite o pedido de manifestação

de outros órgãos ou entidades, cujo deferimento dependerá da relevância da matéria e a

representatividade dos postulantes. Esses órgãos e entidades quando requerem manifestação e

tem o pedido deferido são chamados de amicus curiae. Apesar da Lei regular o processo de

controle concentrado, a figura do amicus curiae também existe no controle difuso, que no

âmbito dos “processos comuns e ainda que, às vezes, com a possibilidade, para certas

autoridades federais ou estaduais, de intervir no processo ou de dirigir ao tribunal (...)

exposição escrita em que (...) manifestam (...) sua opinião sobre a questão de

constitucionalidade” (CAPPELLETTII, 1999, p. 103). Essas autoridades não são consideradas

partes no caso concreto, caracterizam-se como “terceiros interessados em facilitar a tarefa dos

juízes”.

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A Lei nº 9.868/1999 originalmente previu a participação de amicus curiae tanto no

processo da ação direta de constitucionalidade quanto da ação declaratória de

constitucionalidade. O Presidente da República, no uso da suas atribuições constitucionais,

todavia, vetou o § 2º do art. 18, que previa a possibilidade para o processo da ADC. Na

mensagem de veto, o Presidente justifica que a manifestação poderia prejudicar a celeridade

processual. Ocorre que a manifestação em sede de ADIn do amicus curiae é legalmente

possível e vinculada ao despacho do relator, mas não obrigatória. Cumpre salientar que os

processos da ADIn e ADC são da mesma índole de maneira que o veto presidencial não se

justifica. No mesmo sentido, Zeno Veloso (2003, p. 293) não vê razão para o veto, pois se

para a ADIn a abertura foi permitida e importa na melhor discussão sobre o controvérsia

constitucional, conferindo-lhe caráter pluralista, a ADC absorveria os mesmos benefícios.

A jurisprudência do STF, apesar do veto presidencial, admite o ingresso de entidades na

qualidade de amicus curiae em processo de ação declaratória. A ADC nº 12, v.g, além do

requerente (Associação dos Magistrados Brasileiros), há seis interessados, entre eles o

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil. Frise-se que as entidades não obrigatoriamente figuram no rol de

legitimados ativos, como é o caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Não há o que confundir a figura do amicus curiae com a prerrogativa do relator de

requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita

parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de

pessoas com experiência e autoridade na matéria. Essa requisição depende da relevância do

tema, das circunstâncias de fato e de manifesta insuficiência de informações no bojo do

processo. A Lei nº 9.868/1999 estabelece essa possibilidade nos processos de ADIn e ADC

nos artigos 9º, § 1º e 20, § 1º, respectivamente.

A ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade

permitem pedido de medida liminar. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já

permitia a admissão dessa espécie de pedido na antiga representação de inconstitucionalidade,

segundo o entendimento proferido na Representação nº 933. Com a Constituição de 1988,

estabeleceu-se a possibilidade de conhecimento de medida cautelar em ação direta de

inconstitucionalidade no art. 102, I, p. Por outro lado, mesmo sem expressa previsão

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constitucional, admitiu o STF a admissão de medida cautelar em a ação declaratória de

constitucionalidade12, embora não estipulada pela Emenda Constitucional nº 3. A Lei nº

9.868/1999, por sua vez, positivou esse entendimento jurisprudencial nos arts. 10 a 12 para a

ADIn e art. 21 para a ADC. No entanto, a Emenda Constitucional nº 45, que muito

harmonizou as diferenças entre ADC e ADIn, não fixou a admissão de medida cautelar para

ADC.

Se assim não entendesse o STF a ação declaratória de constitucionalidade teria

prejudicada sua finalidade principal, qual seja a solução rápida da controvérsia judicial

evitando as conseqüências da insegurança jurídica provocada por decisões, que tratam sobre a

lei impugnada, incoerentes entre si. Durante o processo, esse conflito gerado pela controvérsia

relevante poderia se agravar e a medida liminar é um instrumento cabível para assegurar a

plena aplicação da lei discutida até a decisão definitiva.

Para tanto, é determinado que os juízes e Tribunais suspendam o julgamento dos

processos cujo objeto envolva a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu

julgamento definitivo proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o STF tem o

prazo de cento e oitenta dias para proferir decisão final, contados a partir da concessão da

medida cautelar, sob pena de perda da eficácia desta. É o que está determinado pela Lei

9.868/1999 art. 21 e seu parágrafo único.

A estipulação de prazo para julgamento definitivo da ação foi levantada pela primeira

vez pelo Ministro Nelson Jobim na decisão da medida cautelar na ADC nº 4, quando se

discutiu a admissão dessa espécie de medida em processo de ação declaratória de

constitucionalidade. Sua intenção era de minimizar o estado de incerteza sobre a

constitucionalidade da norma objeto da ação, evitando que os processos a ela vinculados

ficassem indefinidamente suspensos até o julgamento definitivo da ADC.

O art. 21 da Lei nº 9.869 foi muito questionado durante a tramitação do projeto de lei na

Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Os congressistas argumentaram que a medida

liminar em sede ação declaratória de constitucionalidade significaria o retorno da antiga

12ADC nº 4, Relator Min. Sydney Sanches. DJ de 11.02.1998.

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avocatória, não recepcionada pela Constituição de 1988, por atingir os princípios do juiz

natural, do duplo-grau de jurisdição e do devido processo legal. Neste sentido votaram os

Deputados Aldo Arantes e Miro Teixeira e os Senadores José Eduardo Dutra e Marina Silva

(VELOSO, 2003, p. 289). As propostas destes parlamentares não foram apoiadas e restou

aprovado o atual texto do art. 21 e seu parágrafo único.

Desde a promulgação da Lei houve apenas uma oportunidade de deferimento de medida

liminar e a conseqüente decisão definitiva da ação declaratória de constitucionalidade. Foi no

julgamento da ADC nº 9, Relator Ministro Néri da Silveira. Nesta ocasião, a liminar foi

deferida em 28.06.2001 e o julgamento final, procedente, ocorreu em 13.12.2001, o que

simboliza o cuidado e atenção por parte do STF ao disposto na lei, perseguindo a finalidade

da rápida solução da controvérsia constitucional. Do contrário, a segurança pretendida, com a

demora da decisão definitiva, geraria insegurança e desagrado, pois as decisões dos juízes e

tribunais ficariam suspensas por tempo indeterminado, sem previsão para a satisfação do

direito. Seria um emblema da concentração injustificada da decisão judicial nas mãos dos

Ministros do Supremo Tribunal Federal, já que impediria a normal resolução dos conflitos

promovida pela jurisdição, algo inconcebível pela ordem jurídica atual.

Diante do disposto, a decisão em medida cautelar em ação declaratória de

constitucionalidade tem os mesmos efeitos da sua decisão final, quais sejam: erga omnes e

vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

É importante evidenciar que não é possível a concessão de medida liminar sem prévia

provocação do legitimado ativo. No pedido, o interessado deverá demonstrar os pressupostos

para o deferimento da medida: o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro resta

configurado quando o magistrado reconhece a possibilidade de decidir favoravelmente o

pedido, pois vislumbra suficiente verossimilhança entre o Direito e os fatos e provas

apresentados. O segundo pressuposto é caracterizado pelo risco de grave ocorrência de dano

grave e de difícil reparação enquanto se aguarda a decisão definitiva (SANTOS, 2002, p.

300).

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Dificilmente numa ocasião que justifique a interposição de uma ação declaratória de

constitucionalidade não se encontrarão os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in

mora. Isso ocorre por causa do requisito ensejador da ADC: a controvérsia judicial relevante.

A existência deste requisito presume um perigo de lesão do princípio da supremacia

constitucional e da segurança jurídica preconizada pela sociedade, pelo que se demonstra o

periculum in mora. A confirmação efetiva da relevância da controvérsia constitucional indica

o fumus boni iuris. Assim não será apenas se a norma objeto da ADC for manifestamente

inconstitucional. Resta ao legitimado ativo reduzir a termo os pressupostos para ter deferido

seu pedido de medida liminar.

3.4.3 Decisão

Para a proclamação da decisão definitiva em sede de controle de constitucionalidade é

necessária a presença de pelo menos oito dos onze Ministros que compõem o Supremo

Tribunal Federal. É uma forma de garantir uma participação razoável do corpo judicial no

âmbito do controle de constitucionalidade, de forma que a supremacia da Constituição seja

vigiada com prudência. Esse regramento encontra-se no art. 22 da Lei nº 9.868/1999.

Outro requisito fundamental exigido desde a Constituição de 1934 é a maioria absoluta.

A Constituição de 1988 estabelece essa condição no seu art. 97, e a Lei nº 9.868/1999 no art.

23. Segundo essa exigência, para que seja declarada a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade será necessário o voto de, no mínimo, seis Ministros. Assim, se na

ADIn não for constituída maioria absoluta, a norma será declarada constitucional; na ADC, se

não votarem no mesmo sentido seis Ministros, será a lei ou ato normativo declarado

inconstitucional. Caso não seja alcançada a maioria absoluta e o número de Ministros

ausentes possa influenciar no resultado, mesmo estando presentes o mínimo de oito, a sessão

será suspensa e posteriormente reaberta até que se atinja o sexto voto pela constitucionalidade

ou inconstitucionalidade sobre o objeto da ação.

A decisão tanto em sede de ADC quanto em ADIn terá efeito erga omnes e vinculante

aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo das esferas federal, estadual e

municipal; é o que dispõe o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/1999. Ocorre que até o

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advento da ação declaratória de constitucionalidade, trazida pela Emenda Constitucional nº 3,

de 1993, não havia previsão de efeito vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Na

oportunidade da promulgação da referida Emenda, o efeito vinculante foi dedicado

exclusivamente a ADC e não a ADIn. Essa diferenciação decorre das alterações na proposta

original de emenda a Constituição durante sua tramitação no Congresso Nacional. No projeto

elaborado por Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, o efeito vinculante

seria qualidade das decisões na ADC e na ADIn.

A Lei nº 9.868/1999, em seu art. 28, parágrafo único, apesar da inexistência de previsão

constitucional, deu à declaração de inconstitucionalidade o efeito vinculante, que até então era

restrito à declaração de constitucionalidade. Apesar das críticas, prevaleceu o entendimento de

que a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade são

congêneres não apenas no objeto, como também nos efeitos da decisão. São espécies de

fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Supremo Tribunal

Federal quanto à conformação da norma com a Constituição. Esse entendimento foi

sustentado no julgamento da questão de ordem do agravo regimental na Reclamação nº 1.880,

Relator Ministro Maurício Corrêa, julgado em 07/11/2002. Destaca-se do inteiro teor do

acórdão deste julgamento as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, que defendeu a

constitucionalidade do parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/1999.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: (...) Parecia-me efetivamente, e o declarei várias vezes ser “kafkiano” o cenário, ainda há pouco recordado pelo eminente Ministro Carlos Velloso: o de que esses onze venerandos cidadãos, reunidos nesta Sala, proferissem uma decisão numa ação direta de inconstitucionalidade e, no dia seguinte, se tivesse que propor uma ação declaratória de constitucionalidade para obter-se deles mesmos e nesta mesma sala um “plus” à decisão anterior, o efeito vinculante, que a primeira decisão não teria (p. 334).

O Ministro Moreira Alves proferiu voto vencido, sugerindo a incapacidade de se

transferir o efeito vinculante da ADC para a ADIn, tendo em vista que a ação declaratória de

constitucionalidade não consubstancia uma ação direta de inconstitucionalidade às avessas:

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES: (...) Hoje, escutei inúmeras vozes dizendo que esse efeito [vinculante] é ínsito, decorre da Constituição. Então, não havia necessidade de lei alguma. O Tribunal jamais entendeu assim, apesar de ter sido

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chamado à ordem nessa matéria, (...) e nessas ocasiões, com a maioria aqui presente, não tivemos tal percepção apesar de a nossa atenção ter sido despertada para o problema. Foi preciso uma lei para dizer ao Supremo Tribunal Federal, que construiu quase tudo o que nela está, o que ele não sabia, ou seja, que esse efeito [vinculante] era imanente à ação direta de inconstitucionalidade tão só pelo fato de um excepcional dispositivo constitucional tê-lo estabelecido com relação à ação declaratória, que não é, data vênia do Ministro Sepúlveda Pertence, uma ação direta de inconstitucionalidade às avessas (...) (p. 342-343).

Para evitar que os efeitos da decisão declaratória de constitucionalidade causem

incidentes, é preciso que se faça sua delimitação tanto objetiva quando subjetiva. No âmbito

do efeito erga omnes, apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão declaratória de

constitucionalidade alcança todos. Assim, a validade da lei questionada não foi maculada,

permanece sua vigência e não impede que o legislador a modifique ou a revogue. O efeito

erga omnes atinge inclusive o Supremo Tribunal Federal e, à primeira vista, fica impedido de

reavaliar a constitucionalidade da mesma norma, sendo obrigado, por exemplo, a repetir no

controle difuso, no recurso extraordinário, o julgamento proferido em sede de ADC. Meirelles

(2003, p. 377) esclarece, todavia, que esse impedimento se dá apenas em primeiro plano sob o

prisma estritamente processual.

Ocorre que a decisão declaratória de constitucionalidade poderia estar equivocada,

sendo, na verdade, a lei inconstitucional. Um embaraço de uma nova apreciação significaria

que a lei seria superior à própria Constituição, pois estaria protegida pela decisão com efeito

erga omnes.

Um novo exame da lei declarada constitucional poderia ser justificado apenas em

hipóteses especiais devidamente justificadas, como quando ocorre uma mudança de conteúdo

da constituição ou da própria norma objeto da decisão. Mendes (1994, p. 96) cita Brox e

Bryde, doutrinadores do ordenamento germânico que defendem esse entendimento. Segundo

Brox:

Se se declarou, na parte dispositiva da decisão, a constitucionalidade da norma, então se admite a instauração de um novo processo para aferição de sua constitucionalidade se o requerente (...) demonstrar que se cuida de uma nova questão. Tem-se tal situação se, após a publicação da decisão, verificar-se uma mudança do conteúdo da Constituição ou da norma objeto do controle, de modo a permitir supor que outra poderá ser a conclusão do processo de subsunção. Uma

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mudança substancial das relações fáticas ou da concepção jurídica geral pode levar a essa alteração.

No mesmo sentido, Bryde argumenta a possibilidade de revisão da decisão, pois o

Direito e a própria Constituição estão sujeitos à mudanças em razão do decurso de tempo e

das novas aspirações da sociedade, de forma que uma lei constitucional poderá não ser mais

no futuro:

Se se considera que o direito e a própria Constituição estão sujeitos à mutação e, portanto, que uma lei declarada constitucional pode vir a tornar-se inconstitucional, tem-se de admitir a possibilidade de a questão já decidida pode ser submetida novamente à Corte Constitucional. (...) O objetivo deve ser uma ordem jurídica que corresponda ao respectivo estágio do direito constitucional e não uma ordem formada por diferentes níveis de desenvolvimento, de acordo com o acaso da eventual aferição da legitimidade da norma a parâmetros constitucionais diversos. (...) Nossos conhecimentos sobre o processo de mutação constitucional exigem, igualmente, que se admita nova aferição da constitucionalidade da lei no caso de mudança da concepção constitucional.

Dessa forma, não há motivos para impedir uma nova apreciação pelo Supremo Tribunal

Federal da lei anteriormente declarada constitucional quando, apenas, houve mudança nas

circunstâncias fáticas ou de intensa modificação da compreensão jurídica, como uma reforma

constitucional.

Com relação à decisão que declara a inconstitucionalidade de lei e o seu conseqüente

expurgo do ordenamento jurídico, o efeito erga omnes não impede que o Legislativo produza

novamente lei de conteúdo semelhante ao declarado inconstitucional. Isso ocorre pelo fato do

efeito erga omnes ser restrito à parte dispositiva da decisão; inclusive esse é o entendimento

do Supremo Tribunal Federal proferido na ADIn nº 907, Relator Ministro Ilmar Galvão.

Embora não exista o impedimento, o Legislador na prática se vê limitado pela decisão

judicial, pois toda vez que produzir a norma de conteúdo declarado inconstitucional o STF

poderá, se provocado, repetir o julgamento anterior.

O efeito vinculante das decisões declaratórias de constitucionalidade pode gerar

incidentes semelhantes ao quais ocorrem com o efeito erga omnes. Na exposição dos motivos

da proposta de emenda constitucional do Deputado Roberto Campos havia um esclarecimento

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fundamental da abrangência do conceito do efeito vinculante, no sentido de diferenciá-lo do

efeito erga omnes: “trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito alemão (...),

assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos

chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe)” (MENDES, 1994, p.

84) (grifo original).

Embora essa elucidação estivesse na exposição dos motivos da proposta de emenda

constitucional, não significa que o limite objetivo do efeito vinculante fosse assim

interpretado pelo Supremo Tribunal Federal. Havia a polêmica de que a vinculação atingisse

não apenas a parte dispositiva e os motivos determinantes que levaram o julgador a assim

decidir. As partes ditas de passagem da decisão, os chamados obter dicta, também poderiam

gozar do efeito vinculante. O entendimento proferido pelo STF acompanha o alcance do

efeito vinculante conforme explicado na proposta de emenda constitucional do Deputado

Roberto Campos, abrangendo, portanto, tanto a parte dispositiva quanto as causas

determinantes da decisão. Essa opinião foi referendada na decisão da Reclamação nº 2.363,

Relator Ministro Gilmar Mendes, com o argumento de que, se assim não fosse, o efeito

vinculante se assemelharia ao efeito erga omnes, restando inútil seu papel na ordem jurídica.

Em relação aos limites subjetivos do efeito vinculante, este alcançará os demais órgãos

do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. Face à vinculação dos motivos determinantes da

decisão, os órgãos da administração pública e do Poder Judiciário devem obedecer não apenas

à parte dispositiva do acórdão proferido pelo STF, “mas a norma abstrata que dela se extrai,

isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquele objeto

do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser

preservada ou eliminada” (MENDES, 1994, p. 104).

Nos casos de desobediência, qualquer interessado em ver prevalecente acórdão

formalizado no controle concentrado de constitucionalidade poderá interpor reclamação no

Supremo Tribunal Federal para que este preserve a autoridade de suas decisões, nos termos do

art. 102, I, l, da Constituição de 1988. Essa possibilidade, no entanto, nem sempre foi

possível. O entendimento do STF era permitir que apenas os legitimados ativos das ações em

sede de controle de constitucionalidade pudessem ingressar com reclamação para fazer valer a

autoridade dos acórdãos, conforme decisão na questão de ordem na medida cautelar na

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Reclamação nº 397, Relator Ministro Celso de Mello, de 25.11.1992. A evolução da

jurisprudência foi consolidada no acórdão da Reclamação nº 2.398, Relator Ministro Marco

Aurélio, de 06.10.2005, e agora a legitimidade é estendida a qualquer interessado.

O efeito vinculante não pode, nem deve, submeter o próprio órgão responsável pela

decisão: o Supremo Tribunal Federal. Seria um contra-senso que causaria conseqüências

graves, como o desrespeito à supremacia da Constituição. A auto-vinculação acarretaria um

verdadeiro engessamento da jurisprudência que não poderia acompanhar o desenvolvimento

constitucional e as transformações sociais. O STF não poderia declarar inconstitucional lei

antes entendida constitucional, no caso de mudança da interpretação feita pelos Ministros,

nem mesmo após terem ocorrido modificações das circunstâncias fáticas ou da concepção da

ordem jurídica, conforme teorizado por Bryde e Brox.

Os efeitos temporais ex tunc, ex nunc e pro futuro não são conferidos à decisão que

declara a constitucionalidade de lei ou ato normativo, pois só possuem razão de ser nas

declarações de inconstitucionalidade. Faz-se mister salientar que nestas decisões a regra é que

ela tenha efeitos ex tunc, declarando-se a nulidade da norma impugnada. Ocorre que, em

circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas pela maioria de dois terços dos

seus membros, o Supremo Tribunal Federal poderá decidir que a declaração tenha eficácia a

partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado, com a finalidade de evitar

grave ameaça ao sistema legislativo vigente. É o que determina o art. 27 da Lei nº 9.868/1999

e a decisão do Recurso Extraordinário nº 197.917, Relator Ministro Maurício Corrêa, de

06.06.2002.

Ainda em relação ao efeito temporal das decisões em sede de controle de

constitucionalidade, é necessário explicitar o entendimento esposado no Habeas Corpus nº

70.514, Relator Ministro Sidney Sanches, julgado em 23.03.1994. No mérito da ação foi

levantada a inconstitucionalidade de dispositivo legal que concede prazo em dobro aos

Defensores Públicos para a interposição de recursos. O Supremo Tribunal Federal entendeu

que essa prerrogativa do Defensor Público é constitucional até que a Defensoria Pública

alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, parte adversa, como órgão

de acusação no processo de ação penal pública. Assim, reconheceu-se o instituto da “lei ainda

constitucional”, que assim permanecerá até que cessem as circunstâncias que justifiquem sua

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legitimidade. Esse entendimento representa uma evolução expressiva da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, evidenciando seu comprometimento na proteção da ordem

constitucional.

3.5 Ação declaratória de constitucionalidade nos Estados

A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, não trouxe em seu bojo a previsão da ação

declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. Conforme análise dos motivos que

justificaram a implementação da ADC na ordem jurídica brasileira, constatou-se que o seu

propósito maior foi a defesa das leis e atos normativos federais, especialmente os de ordem

tributária, visto que era esta a marca principal da referida Emenda Constitucional.

Diante dessa omissão do texto constitucional poderia surgir a presunção de que não seria

permitida a instituição da ação declaratória de constitucionalidade nos Estados, por ser

matéria de exclusiva previsão do poder constituinte federal. Ocorre que a competência

estadual consiste em toda aquela que não lhe é tolhida, conforme art. 25 e seu § 1º da

Constituição de 1988. Assim, na instituição da ADC pelos Estados membros basta que os

princípios constitucionais sejam devidamente observados.

A ação declaratória de constitucionalidade não poderia deixar de figurar no âmbito

estadual pelo fato de seu processo ter “relevante função na legitimação e eficácia dos atos

genéricos e abstratos, função que não pode ser escamoteada aos atos estaduais, que não

diferem, neste aspecto, dos atos federais”. (SLAIBI FILHO, 2000, p. 96). Além disso, a

própria Constituição de 1988, além de não vedar expressamente a instituição da ADC nos

Estados, prevê em seu art. 24, XI, a competência estadual concorrente sobre procedimentos

em matéria processual.

Em primeiro lugar, a ação declaratória de constitucionalidade só poderia ingressar no

âmbito estadual se prevista na Constituição Estadual. Caberia ao Tribunal de Justiça

respectivo a competência originária de processar e julgar a ADC, face o papel deste Tribunal

de guardião da Constituição Estadual.

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O objeto da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual seria a lei ou ato

normativo estadual diante da Constituição Estadual, nos moldes como ocorre na ação direta

de inconstitucionalidade. A lei ou o ato normativo municipal, à primeira vista, não poderia ser

objeto da ADC estadual, visto que os interessados presumidos para tanto seriam o Prefeito e a

Mesa da Câmara Municipal. Ocorre que a lei ou ato normativo municipal pode ser objeto de

ação direta de inconstitucionalidade estadual, mesmo sem a previsão dos presumidamente

interessados. Contrariando posicionamento de Slaibi Filho (2000, p. 96), não há razão para

privar a norma municipal de ser objeto de ADC estadual. Eventual privação impediria que a

finalidade precípua da ADC fosse trasladada para o âmbito estadual.

Assim, permaneceriam os mesmos legitimados ativos no âmbito estadual: Governador

do Estado e do Distrito Federal, Mesa da Assembléia Legislativa do Estado ou da Câmara

Legislativa do Distrito Federal, e o Procurador-Geral de Justiça, representante do Ministério

Público Estadual.

O Procurador-Geral de Justiça, nos casos que não fosse o autor, sempre se manifestaria

no processo de ação declaratória de constitucionalidade, nos moldes da Lei 9.868/1999. Os

efeitos da decisão seriam os mesmos da ADC no âmbito federal: erga omnes e vinculante aos

demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo das esferas estadual e municipal.

Além disso, o Tribunal de Justiça não poderia inovar a natureza jurídica do instituto, mas sim

seguir o entendimento construído pelo Supremo Tribunal Federal, para evitar contradições

entre as decisões dos diferentes Tribunais de Justiça e do STF.

3.6 As reformas implementadas pela Emenda Constitucional nº 45

O ano de 2004 foi marcado pela ocorrência de uma nova reforma constitucional no

âmbito do controle de constitucionalidade. As modificações foram trazidas pela Emenda

Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, conhecida por conceber a reforma do Poder

Judiciário.

A intenção em reformar o Poder Judiciário surgiu de uma convergência de interesses do

próprio Judiciário e do Poder Executivo. O Ministério da Justiça, em maio de 2003, criou uma

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Secretaria apenas para deliberar sobre o assunto, tendo como principais objetivos o

diagnóstico e modernização do Judiciário, bem como promover articulações políticas propor

alterações na legislação constitucional e infraconstitucional no âmbito dos Códigos de

Processo Civil e Penal. Dentre as variadas modificações implementadas, dar-se-á importância

às que, de alguma forma, relacionam-se com o controle de constitucionalidade, visto que uma

análise do inteiro teor da reforma levaria este trabalho a afastar-se do seu norte.

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, corrigiu a considerada imperfeição técnica

promovida pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, quando esta estabeleceu o efeito

vinculante apenas às decisões definitivas de mérito proferidas em sede de ação declaratória de

constitucionalidade. A Emenda conferiu os mesmos efeitos à ação direta de

inconstitucionalidade, alterando a redação do § 2º do art. 102 da Constituição de 1988:

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93).

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

A Lei nº 9.868/1999 já havia procedido com essa modificação através de seu art. 28,

parágrafo único. No entanto, essa alteração foi muito questionada com o argumento de que a

norma infraconstitucional estaria ampliando uma restrição estabelecida originalmente pela

Constituição, de limitar o efeito vinculante à declaração de constitucionalidade de lei ou ato

normativo. Essa discussão já havia sido decidida, mesmo antes da promulgação da Emenda

Constitucional nº 45, com o julgamento do agravo regimental na Reclamação nº 1.880,

Relator Ministro Maurício Corrêa, em 07/11/2002, que inclusive tem o mesmo teor ao texto

reformador constitucional.

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Observa-se, ainda, que a reforma não apenas estendeu o efeito vinculante a ADIn; mas

também esclareceu os limites subjetivos deste efeito, mantendo a expressão “relativamenteaos

demais órgãos do Poder Judiciário” e informando que as instituições do Poder Executivo

alcançadas são as da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

municipal. Assim, não restam dúvidas se a decisão, especialmente a declaração em sede de

ADC, apenas seria cumprida no âmbito federal, visto que seu objeto são apenas leis e atos

normativos federais.

A reforma constitucional estabeleceu a unificação do rol de legitimados ativos da ação

declaratória de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade, diante das

críticas sobre a limitação imposta originalmente à legitimação em ADC. Para justificar essa

unificação, foi aproveitado o mesmo argumento da conversão do efeito vinculante para as

duas ações, por serem espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem

manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal quanto à conformação da norma com a

Constituição Federal.

A questão da maior ou menor extensão do rol de legitimados para intentar ações em

sede de controle de constitucionalidade está diretamente ligada ao teor democrático de uma

Constituição. Quanto maior a pluralidade de participação na interpretação constitucional,

maior o grau de democracia de uma sociedade, visto que a comunidade melhor se organiza

em favor dos direitos e garantias fundamentais instituídos pela Constituição.

Embora a Emenda Constitucional nº 45 tenha possibilitado essa unificação do rol de

legitimados, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não evoluiu no sentido de

extinguir a teoria da pertinência temática em sede de ações de controle de constitucionalidade.

Por conta deste entendimento estritamente jurisprudencial, os legitimados ativos, exceto os

órgãos de cunho político, devem demonstrar interseção do tema da norma impugnada com os

fins institucionais da representação da categoria profissional que a entidade requerente

congrega. Assim, a Constituição Federal não proíbe que a argüição de inconstitucionalidade,

por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros, do dispositivo, v.g., que dispõe sobre o

trabalho dos médicos no sistema único de saúde. Porém, o Supremo Tribunal Federal

certamente não conhecerá da ação, em virtude da ilegitimidade ad causam, já que não há

pertinência entre o objeto da ação e os fins institucionais do interessado.

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O requisito jurisprudencial da pertinência temática estava estipulado no texto original da

Lei nº 9.868/1999, em seu art. 2º, parágrafo único, que foi vetado pelo Presidente da

República: “As entidades referidas no inciso IX [confederação sindical e entidade de classe de

âmbito nacional], inclusive as federações sindicais de âmbito nacional, deverão demonstrar

que a pretensão por elas deduzida tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais”.

O veto foi motivado também por motivos jurisprudenciais, tendo em vista que o Supremo

Tribunal Federal não considera as federações sindicais legitimadas a interpor ação em sede de

controle de constitucionalidade, conforme ADIn nº 689, Relator Ministro Néri da Silveira, de

19.03.1992. A “pertinência temática” acabou vetada indiretamente, pois não era possível o

veto apenas da parte que previa a legitimidade das federações.

Por fim, a Emenda Constitucional nº 45 trouxe o instituto da súmula vinculante, por

meio da qual o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante

decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria

constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito

vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta

e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder a sua revisão ou

cancelamento. Assim, a partir de repetidas decisões de caráter constitucional sobre

determinada matéria, no caso concreto, poder-se-á editar súmula com efeito vinculante, nos

moldes do controle concentrado. Essa medida foi implementada como tentativa de diminuir a

quantidade recebida de recursos extraordinários pelo STF, que constitui a espécie com

segundo maior número de processos recebidos, menos apenas que os agravos de instrumento,

conforme relatório divulgado em 2005 do perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal

Federal, realizado pelo Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília.

Em suma, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, instituiu a reforma do Poder

Judiciário; solucionou as imperfeições existentes no controle concentrado de

constitucionalidade, de maneira que reconheceu a similaridade entre ADIn e ADC; e

fortaleceu ainda mais o controle concentrado em detrimento do controle difuso de

constitucionalidade, na medida em que possibilitou a edição de súmula vinculante nos casos

de decisões reiteradas, em caso concreto, sobre matéria constitucional.

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4 AS DECISÕES EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DECONSTITUCIONALIDADE

4.1 Ação declaratória de constitucionalidade nº 1

Pouco demorou entre a promulgação da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de

1993, e a distribuição da primeira ação declaratória de constitucionalidade, realizada 04 de

agosto do mesmo ano no Supremo Tribunal Federal, tendo o Ministro Moreira Alves como

Relator.

Juntos, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal e a Mesa da Câmara dos

Deputados, figuraram como autores do feito. Seu intento foi a declaração de

constitucionalidade da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991, que institui contribuição para

financiamento da Seguridade Social (COFINS), especialmente os artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13. O

conteúdo desses artigos era, basicamente, o detalhamento do novo tributo, sua base de

cálculo, hipótese de incidência e alíquota. Junto da inicial foram anexadas cópias de decisões

judiciais que demonstravam a controvérsia existente sobre a interpretação desses artigos da

Lei Complementar.

Os autores aduziram em sua petição inicial a controvérsia jurídica existente com a

promulgação da Lei Complementar nº 70/91. A nova contribuição foi criada para substituir o

antigo FINSOCIAL, criado pelo Decreto-Lei nº 1940/82, sob a égide da Constituição de

1967. Essa mudança teve como justificativa a adequação deste tributo à nova ordem jurídica

trazida pela Constituição de 1988, transmutando a sua natureza de imposto inominado para

contribuição.

Aproveitando-se dos mesmos argumentos que, no passado, promoveram uma grande

quantidade de ajuizamentos de ações questionando a cobrança do FINSOCIAL, muitos

contribuintes ingressaram com ações judiciais solicitando através de medida liminar a

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suspensão da cobrança do tributo, bem como a declaração de inconstitucionalidade de

dispositivos da Lei Complementar nº 70, que estabeleceram a nova contribuição para

financiamento da Seguridade Social. Assim, inúmeros juízes concederam as liminares

pedidas, tendo como conseqüência direta a diminuição da arrecadação federal.

Segundo os cálculos apresentados pelos autores, até o momento do ajuizamento da ADC

nº 1, mais de nove mil demandas envolvendo a constitucionalidade da Lei Complementar nº

70 estavam tramitando no Judiciário, e com decisões conflitantes, tanto a favor quanto contra

o fisco. Em síntese, os argumentos em favor da inconstitucionalidade da norma eram os

seguintes: bitributação, pois incidia sobre a mesma base de cálculo do PIS; violação da não-

cumulatividade tributária; como contribuição social, não poderia ser arrecadada e fiscalizada

pela Receita Federal; trata-se de imposto inominado, nos moldes do substituído FINSOCIAL;

violava o princípio da anterioridade, pois o Diário Oficial de 31.12.1991 circulou somente em

02.01.1992. Na parte dedicada à análise do julgamento em si da ADC nº 1 será feita uma

análise desses argumentos à luz da Constituição de 1988.

Até aquele momento, não tinha havido qualquer discussão judicial sobre a ação

declaratória de constitucionalidade, nem mesmo havia lei que regulasse o seu processamento

perante o Supremo Tribunal Federal. Existia apenas a previsão constitucional no então art.

103, § 4º.

Dias antes da distribuição da ADC nº 1, a Associação dos Magistrados Brasileiros

propôs, em 23 de julho, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 913 quanto ao art. 1º da

Emenda Constitucional nº 3, na parte em que alterou os arts. 102 e 103 da Constituição de

1988, os artigos que incluíram a ação declaratória de constitucionalidade no ordenamento

jurídico brasileiro.

A decisão a ser proferida na ADIn nº 913 era de fundamental importância para o

julgamento da ADC nº 1, tendo em vista que eventual declaração de inconstitucionalidade na

primeira prejudicaria o julgamento da segunda. Dessa forma, a ADIn nº 913 foi distribuída no

dia seguinte ao da ADC nº 1 ao mesmo Ministro Relator Moreira Alves, que apensou nesta os

autos daquela, em 06.08.1993.

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4.1.1 A ADIn nº 913

A ADIn nº 913 não foi conhecida por ilegitimidade ad causam da Associação dos

Magistrados Brasileiros (AMB), já que, para a maioria dos Ministros, não havia pertinência

entre o interesse específico da classe de magistrados e a Emenda Constitucional nº 3 que criou

a ação declaratória de constitucionalidade, conforme entendimento construído pela

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de

Inconstitucionalidade nº 77, nº 138 e nº 159.

Mesmo assim, é essencial a análise dos argumentos em favor da inconstitucionalidade

da Emenda nº 3 apresentados pela AMB, em virtude de estarem diretamente relacionados ao

julgamento da primeira ação declaratória de constitucionalidade. Para a referida Associação, a

decisão em sede de ADC incorrerá inevitavelmente em interferência em decisões de primeira

instância, pois é dotada de efeito vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário. A

liberdade de julgar garantida aos juízes é diretamente suprimida em nome da segurança

jurídica.

A eliminação das discussões jurídicas no âmbito descentralizado do Poder Judiciário

seria promovida pela prolação do acórdão único e definitivo do Supremo Tribunal Federal,

que poderá se tornar um órgão meramente consultivo, pois não havia até então nenhuma

exigência de controvérsia jurídica sobre determinada lei ou ato normativo para o ajuizamento

da ação declaratória de constitucionalidade. Tal fato desnatura a presunção de

constitucionalidade das leis promulgadas pelo Congresso Nacional, atingindo diretamente a

separação dos poderes estatais. O efeito vinculante das decisões prolatadas em sede de ação

declaratória de constitucionalidade em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário

causaria, segundo a AMB, uma restrição da independência dos juízes hierarquicamente

inferiores aos do Supremo Tribunal Federal, órgão prolator da decisão. Por fim, a AMB

levantou o raciocínio de que na ação declaratória de constitucionalidade não havia espaço

para o contraditório e para a ampla defesa, já que apenas seria ouvido o Ministério Público

como fiscal da lei, e nenhum representante da sociedade seria representado, mesmo quando a

matéria estivesse em discussão em instâncias inferiores em sede de controle de

constitucionalidade difuso. Assim, a instituição da ação declaratória de constitucionalidade

violaria direitos fundamentais como o acesso ao Judiciário, o devido processo legal, o

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contraditório, a ampla defesa, além de ofender o princípio da separação de funções entre os

Poderes da República.

Apesar da ADIn nº 913 não ter sido conhecida pelo Supremo Tribunal Federal, o seu

julgamento datado de 18 de agosto de 1993 foi marcado por mais um debate sobre a teoria da

pertinência temática entre o interesse da entidade de classe autora da ação e o ato normativo

impugnado. O Ministro Relator Moreira Alves, seguindo a tradição do STF em se tratando da

própria Associação dos Magistrados Brasileiros nos casos em que figurava como autora nas

ações diretas de inconstitucionalidade, votou pelo não conhecimento da ação, visto que não

existia relação de pertinência temática entre a norma impugnada e os direitos pessoais dos

magistrados, porque o Poder Judiciário não possui órgão legitimado para propositura de ação.

O caso também, segundo o Ministro, não representou questão institucional atinente ao Poder

Judiciário, que interfira ou comprometa o âmbito de sua atuação constitucional, por meio de

órgãos ou entes públicos estranhos ao Poder, inclusive dos outros Poderes do Estado.

Em seguida, o Ministro Francisco Resek acompanhou o voto de Moreira Alves, embora

tenha reconhecido que a questão levantada pela AMB não é algo que visava à defesa de

interesses da magistratura como classe, mas uma questão de dimensão bem mais importante e

grandiosa.

O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, não acompanhou o voto do Relator. Levantou

preliminar baseando-se no fato de que o processo não foi incluído em pauta para julgamento,

o que, por conseqüência, cerceia o direito de manifestação do representante da autora na

tribuna para defender sua tese apresentada na inicial. O ponto fundamental do voto de

Ministro foi quando lembrou que o caso caminhava para um julgamento restrito, pois não se

estava levando em conta o pedido formulado, mas apenas a criação jurisprudencial da

pertinência temática, inexistente na Constituição de 1988.

Moreira Alves rejeitou a preliminar, fundamentando-se em julgamentos anteriores em

sede de ação direta de inconstitucionalidade: ADIn nº 396 e nº 138. Tanto nestas, quanto no

caso da ADIn nº 913, não se violou o princípio do devido processo legal, mesmo quando não

houve prévia inclusão em pauta de julgamento, pois a parte autora deveria ter demonstrado

sua legitimidade com antecedência. Os demais Ministros acompanharam o voto do Relator,

pondo-se fim à questão de ordem.

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O Ministro Marco Aurélio voltou a se manifestar, desta vez decidindo sobre a

legitimidade ativa da AMB. Formulou sua argumentação no sentido de que estava em

discussão pelo menos a prerrogativa da livre convicção do magistrado, que, inexoravelmente,

alcança o interesse profissional do juiz. O Ministro não antecipou sua decisão sobre o mérito

da ação, mas apenas manifestou concordância com a legitimidade ativa da Associação dos

Magistrados Brasileiros nesta ação específica.

O Ministro Carlos Velloso acompanhou a dissidência aberta por Marco Aurélio. No

mesmo sentido Sepúlveda Pertence, para o qual a teoria da pertinência temática não deve ser

levada ao extremo para não comprometer o sentido original do controle abstrato de

constitucionalidade que é a defesa da ordem constitucional. Em contrapartida, os Ministros

Celso de Mello, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Octávio Gallotti

acompanharam o Relator. Assim a ADIn nº 913 não foi conhecida por ilegitimidade ativa ad

causam. Porém, isso não prejudicou a discussão sobre o tema, tendo em vista que

oportunamente, a questão da constitucionalidade da ADC foi devidamente examinada pelo

Supremo Tribunal Federal.

4.1.2 A prejudicial de inconstitucionalidade

Com a extinção da ADIn nº 913, a ADC nº 1 voltou a ter curso normal. Moreira Alves,

em 20 de agosto de 2003, levantou então questão de ordem para discutir a constitucionalidade

da Emenda Constitucional nº 3, na parte em que instituiu a ação declaratória de

constitucionalidade, visto que a matéria era de extrema relevância, inclusive ao ponto de ter

sido proposta uma ADIn. Para tanto, determinou abertura de vista dos autos ao Ministério

Público para proferir parecer face a prejudicial de inconstitucionalidade da ADC. Em

13.10.2003 o Vice-Procurador-Geral da República se manifestou pela rejeição da questão de

ordem, no sentido de que a Emenda Constitucional nº 3 não violava nenhum preceito

constitucional.

O representante do Ministério Público formulou parecer baseado na argumentação

aduzida na ADIn nº 913, qual seja, a ação declaratória de constitucionalidade ameaçava a

livre função judicial, violava o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do

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contraditório, bem como o acesso ao Judiciário e a separação dos Poderes, todos impassíveis

de modificação por Emenda Constitucional, conforme art. 60, § 4º da Constituição de 1988.

No parecer ministerial fez-se uma sucinta revisão história sobre as representações e

ações diretas de inconstitucionalidade, inclusive as oportunidades em que o Procurador-Geral

da República era o único legitimado ativo dessas ações e as propunha, mediante provocação

de terceiro, com parecer em favor da constitucionalidade da norma. Citou-se também que essa

tendência foi abolida depois da alteração do Regimento Interno de 1970, quando Supremo

Tribunal Federal não mais permitiu ajuizamento de representações em que, na prática,

buscava-se a declaração de constitucionalidade.

Em seguida, iniciou seu raciocínio que justificava a conclusão do parecer em favor da

constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3. Aduziu que o principal objetivo da ação

declaratória de constitucionalidade era a manutenção da certeza e da segurança jurídica, isto é,

da previsibilidade das conseqüências jurídicas advindas das ações humanas. É uma

necessidade dos homens que exista essa segurança para que haja vida em sociedade. Essa

certeza, portanto, deve ser característica essencial das normas jurídicas.

Num Estado sob a égide de uma Constituição, toda e qualquer lei ou ato normativo

cujos conteúdos sejam com ela incoerentes devem ser extintos e excluídos do ordenamento

jurídico. Essa é a essência do controle de constitucionalidade. Para o Ministério Público, o

acórdão que declarasse a constitucionalidade de determinada norma não interferiria na

liberdade da atividade judicial, pois o trabalho do juiz é efetuar uma adaptação da norma geral

e abstrata às variadas relações humanas e conflitos a ele submetidos.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar ação declaratória de constitucionalidade

determinará, por meio do efeito vinculante, que os demais juízes se submetam a uma

interpretação específica da norma. Essa interpretação necessariamente é constitucional e a

função criadora do juiz de adaptar a norma às relações humanas continuará existindo, agora

dentro da moldura da interpretação constitucional estabelecida pelo STF. Em resumo, é

justificada a limitação da liberdade na criação judicial, através da vinculação da decisão

proferida em sede de ação declaratória de constitucionalidade, pela necessidade interromper a

insegurança jurídica existente em determinadas questões envolvendo lei ou ato normativo

federal. A excessiva demora na harmonização da jurisprudência causaria transtornos,

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violações de diretos, desencadearia conflitos de proporções excepcionais, que poderiam ser

evitados com o julgamento de uma única ADC.

Em relação ao argumento de que a ação declaratória de constitucionalidade feriria o

contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e o acesso ao Judiciário, o Vice-

Procurador-Geral da República salientou que nessa espécie de ação o processo é

necessariamente objetivo, pois se trata de controle de constitucionalidade concentrado. Assim,

não há partes, nem contraditório, mas sim a discussão sobre a constitucionalidade da norma

em si, sem interferência de direitos subjetivos. Declarada a norma constitucional, os

jurisdicionados continuariam livres para provocar o Judiciário e se fazerem partes em

processo, com a garantia do contraditório e da ampla defesa. A diferença residiria no fato de

que os atingidos pela norma já saberiam, ao menos teoricamente, da resposta a ser dada pelos

demais órgãos do Poder Judiciário, que obrigatoriamente deveriam seguir a interpretação da

norma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. O eventual desrespeito a esta

interpretação admitiria reclamação perante o STF.

Por fim, em relação ao raciocínio de que a ação declaratória de constitucionalidade

transgride o princípio da separação dos Poderes e atribui ao Supremo Tribunal Federal a

condição de órgão consultivo, o parecer ministerial explicou que o autor da ADC deve

demonstrar interesse de agir quando revela o estado de grave incerteza existente sobre a

interpretação de uma norma, refutando todos os juízos que baseiam o entendimento de que

esta norma é inconstitucional. O STF, assim, não é meramente consultado, mas chamado a

decidir questão de generoso valor, notadamente, por se tratar de defesa da ordem

constitucional que, naquele momento, encontra-se fortemente ameaçada. Em nenhum

momento o Judiciário interfere na alçada de outros Poderes ao declarar a constitucionalidade

de uma lei ou ato normativo.

No dia 21 de outubro de 1993, a questão de ordem ADC nº 1 foi levada a julgamento no

plenário. Moreira Alves apresentou o relatório da questão prejudicial e votou em favor da

constitucionalidade da nova espécie de controle concentrado pela via da ação declaratória de

constitucionalidade, nos termos do novo texto do art. 102 da Constituição, inclusive

estabeleceu as normas de processamento no Supremo Tribunal Federal, visto que o

constituinte preferiu não discriminar estas regras no bojo da Constituição.

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Moreira Alves inicialmente estabeleceu as características do controle de

constitucionalidade no Brasil, suas raízes e desenvolvimento, tal como se fez no item 2.4

deste trabalho, e esclareceu o papel da nova ação declaratória de constitucionalidade. Deu

destaque ao problema que originou esta nova ação: no Brasil não havia, e não há, o princípio

do stare decisis. Assim, as decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade

pelo Supremo Tribunal Federal, embora possuam efeito erga omnes, não impedem que os

demais juízes hierarquicamente inferiores decidam de maneira contrária. A ação declaratória

de constitucionalidade, com seu efeito vinculante, funcionaria como um instrumento rápido e

eficiente que uniformizasse a jurisprudência nesses casos de grave controvérsia judicial,

causada por decisões contraditórias entre si, baseadas em interpretações diferentes de uma

mesma norma.

Em seguida, descreveu como ocorre o processamento das ações em sede de controle

concentrado de constitucionalidade, acompanhando o parecer do Ministério Público: trata-

sede processo objetivo, sem partes, cujo intento é a defesa da Constituição e não de interesses

subjetivos. Portanto, não há necessariamente integrante no pólo passivo da ação direta de

inconstitucionalidade, quando, por exemplo, ocorre a dispensa de pedido de informações ao

Poder ou órgão do qual emanou a norma impugnada, conforme o Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal, art. 172. Porém, na ação declaratória de constitucionalidade a

ausência do legitimado passivo sempre ocorrerá, já que o seu autor busca apenas a declaração

de constitucionalidade, deseja elucidar a grave controvérsia judicial existente sobre

determinada norma.

Segundo o Ministro, nos processos objetivos de controle concentrado de

constitucionalidade são utilizados meios de exercício de uma forma específica de jurisdição, a

jurisdição constitucional, que se caracteriza pelo ato político de fiscalização dos Poderes,

inclusive do próprio Judiciário. O Supremo Tribunal Federal analisa a harmonia entre a

constituição e as leis e atos normativos. Com essa linha de raciocínio decidiu pela

improcedência do pedido de que a Emenda Constitucional nº 3, quando instituiu a ação

declaratória de constitucionalidade, violou os princípios do devido processo legal, ampla

defesa, contraditório.

Quanto ao acesso ao Judiciário e à redução da liberdade dos juízes, Moreira Alves

aduziu que a decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tanto na ADIn

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quanto na ADC, são dotadas de eficácia erga omnes, consagrada pelo legislador constituinte

originário, de maneira que os demais juízes são atingidos pela declaração de

constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Isso quer dizer que a

liberdade criadora do juiz não foi diminuída com a Emenda Constitucional nº 3, apenas houve

uma alteração na maneira como será controlada eventual desobediência de decisão emanada

pelo Supremo Tribunal Federal por parte dos demais membros do Judiciário: através da

reclamação. Assim, o controle difuso continua a existir em harmonia com o controle

concentrado, bem como não foi diminuído o acesso ao Judiciário.

No que se refere à alegação de que o Judiciário passa a ser mero órgão consultivo, ou

mesmo legislador, ferindo assim o princípio da separação dos Poderes, em virtude da ação

declaratória de constitucionalidade, o Ministro destacou que, para o Supremo Tribunal

Federal conhecê-la, era necessária a demonstração de séria controvérsia judicial no âmbito do

controle difuso de constitucionalidade, que constitua num risco de presunção de

constitucionalidade da norma objeto da ação. O autor deveria ainda apresentar os argumentos

a favor e contra a constitucionalidade da norma, de maneira que o Supremo Tribunal Federal

tivesse subsídios suficientes para decidir sobre a questão. Assim, o Judiciário, por meio de seu

órgão de cúpula, credenciado pela Constituição, decide sobre questão que ameaça a ordem

constitucional vigente, sem interferir ou sobrepujar o processo legislativo, nem figurando

como órgão consultivo dos legitimados ativos.

Cabe salientar que este último entendimento do Ministro Moreira Alves foi obra

unicamente de sua interpretação da Emenda Constitucional nº 3, tendo em vista que o texto

constitucional reformado não prevê a necessidade da demonstração da controvérsia relevante,

o que teoricamente possibilitava a livre interposição de ações declaratórias de

constitucionalidade sem necessidade de comprovação de controvérsias. Apenas com a Lei nº

9.868/1999, art. 14, III, essa demonstração foi exigida por uma norma. No entanto, como se

demonstrará adiante, o próprio Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento da ADC nº 1,

entendeu ser essa demonstração um pressuposto de caráter inato da ADC para o conhecimento

da ação.

Por fim, Moreira Alves sugeriu uma forma de processamento da ação declaratória de

constitucionalidade, nos moldes da ação direta de inconstitucionalidade. Solicitou que a parte

autora juntasse documentação relativa ao processo legislativo da Emenda Constitucional nº 3,

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de maneira que fosse analisada, inclusive, eventual inconstitucionalidade formal. Fez observar

que, no caso, o autor demonstrou a existência de controvérsia judicial que pôs em risco a

presunção de constitucionalidade da norma objeto da ação.

Como não havia lei regulamentando o processo, o Ministro salientou que resta inviável

a participação de terceiros que defendam a inconstitucionalidade da norma, mesmo os

habilitados a fazê-lo por meio de ação direta de inconstitucionalidade. Não havia também a

necessidade do Advogado-Geral da União manifestar-se como curador da presunção de

constitucionalidade da norma, pois, segundo Moreira Alves, este silêncio da Emenda

Constitucional nº 3 foi eloqüente e não uma omissão. Não haveria também a figura da

assistência, nem a possibilidade de desistência do autor, bem como de ação rescisória. O

Ministério Público se pronunciaria como custos legis. Com relação ao julgamento, as regras

seriam as mesmas que regulam a ação direta de inconstitucionalidade, inclusive a do quorum

necessário para a declaração, exceto naquilo em que a nova ação se diferencie quanto ao fim

visado.

Em seguida, o Ministro Sepúlveda Pertence, antecipando seu voto, seguiu o Relator em

todos os quesitos, exceto com relação às regras de intervenção de terceiros no processo.

Tendo em vista o caráter dúplice da ação e a incompetência do Supremo Tribunal Federal em

legislar sobre intervenção de terceiros em processo judicial, o Ministro sugeriu uma solução

adequada para assegurar o contraditório: uma publicação de edital direcionado aos

legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade, para que eles possam defender a

tese de inconstitucionalidade da norma objeto da ação, apesar de não apresentar os meios de

manifestação nos autos. Todavia, não deixou claro se a comunicação serviria apenas para

cientificar o legitimado para propor uma ADIn ou se para participar nos autos da própria

ADC.

O Ministro Francisco Resek seguiu inteiramente o voto do Relator. O Ministro Ilmar

Galvão acompanhou os termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, mas defendeu a

participação efetiva nos autos da ADC dos legitimados ativos da ADIn para defenderem a

inconstitucionalidade da norma. Foi então que o julgamento da questão de ordem foi adiado

por seis dias, diante do pedido de vista dos autos formulado pelo Ministro Marco Aurélio,

prontamente deferido pelo Presidente Octávio Gallotti.

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Em 27 de outubro de 1993, o plenário voltou a se reunir para continuar o julgamento da

prejudicial de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, levantada pelo Ministro

Moreira Alves. O Ministro Marco Aurélio julgou inconstitucional a instituição da ação

declaratória de constitucionalidade nos termos da Emenda Constitucional nº 3, porque

“acabaria por abolir o direito e a garantia individuais do cidadão de somente ter a liberdade ou

bem que lhe pertença alcançados mediante o devido processo legal, ensejando, assim,

julgamento sob o pálio do livre convencimento”.13

Em relação ao procedimento da ação declaratória de constitucionalidade, Marco Aurélio

não concordou com a dispensa de manifestação do Advogado-Geral da União, que

obrigatoriamente defenderia a constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, pela

simples possibilidade de decisão do STF de improcedência do pedido, tendo em vista o

caráter dúplice da ADC.

A justificativa fundamental para seu voto encontra-se na diferença existente entre a

ADC e a ADIn. O pedido formulado nesta seria de prolação de decisão declaratória

constitutiva negativa, pois o Supremo Tribunal Federal atuaria como legislador negativo,

excluindo do ordenamento a norma objeto da ação. Caso fosse decido, v.g., que a norma não

estava em harmonia com a Constituição, nenhum direito ou garantia individual seria violado,

pois, embora a tendência dos demais órgãos julgadores fosse acompanhar o entendimento

emanado pelo STF, nada impediria que um magistrado apreciasse o pleito e o julgasse em

desconformidade com o juízo dos Ministros.

A ação declaratória de constitucionalidade, por outro lado, requer decisão puramente

declaratória, isto é, uma formalização da compatibilidade entre a norma objeto e a

Constituição, que somente poderia ser proposta pelo Presidente da República, Procurador-

Geral da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

Atualmente, com a Emenda Constitucional nº 45, o rol de legitimados da ADC foi alargado e

passou a ser o mesmo da ADIn.

Outro problema essencial achava-se no efeito vinculante em relação aos demais órgãos

do Poder Judiciário. Para Marco Aurélio isso violaria os princípios do contraditório, ampla

defesa, devido processo legal e acesso ao Judiciário. Isso ocorre porque uma eventual decisão

13ADC 1 (Questão de ordem). Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16.6.1995.

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que deliberasse pela constitucionalidade da norma atingiria centenas ou milhares de ações em

tramitação nos demais órgãos do Judiciário sem que os seus demandantes tivessem

oportunidade de se manifestar nos autos do processo objetivo. Os demais juízes seriam

obrigados a seguir o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, sem análise das

provas dos autos que fundamentariam e formariam o seu livre convencimento sobre a matéria.

O Ministro comparou a ação declaratória de constitucionalidade com a avocatória do

período militar. Para Marco Aurélio os efeitos da avocatória foram superados pela ADC. Na

avocatória ficava a critério do Supremo Tribunal Federal a decisão pela avocação, sendo que

o processo era inteiramente remetido, mantendo conservada, portanto, a relação subjetiva

existente no processo, de maneira que as partes continuariam se com a prerrogativa de se

manifestarem livremente no processo, de acordo com o princípio do devido processo legal.

A impossibilidade de manifestação nos autos do processo objetivo e o conseqüente

julgamento antecipado da lide, com base na aplicação direta e automática do juízo emanado

pelo Supremo Tribunal Federal pelos demais juízes, nas causas em que se discutia a

constitucionalidade da norma objeto de julgamento de ADC, fruto do efeito vinculante, para o

Ministro Marco Aurélio, significa que a liberdade ou bem de um cidadão deixam de ser

alcançados e protegidos pelo devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Por isso

votou pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, na parte que dispõe sobre

ação declaratória de constitucionalidade.

Carlos Velloso acompanhou o voto do Relator e a dissidência do voto do Ministro Ilmar

Galvão, sobre a questão da intervenção de terceiros no processo, observado o requisito da

pertinência temática. Lembrou, inclusive, que a decisão em sede de ação declaratória de

constitucionalidade contribui para a solução simultânea de até milhares de ações,

homenageando o princípio da economia processual. O Ministro também salientou que o

Supremo Tribunal Federal deveria aceitar a proposição de ação direta de inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo que já tivesse sido objeto de declaração de constitucionalidade em

sede de ADC, pois o que era constitucional ontem, hoje pode não ser mais.

O Ministro Paulo Brossard acompanhou a íntegra do voto do Relator. Da mesma forma

procederam os Ministros Sydney Sanches, Néri da Silveira e o Presidente Octávio Gallotti.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, vencido o Ministro Marco Aurélio, resolveu

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incidentalmente a questão de ordem suscitada por Moreira Alves, declarando a

constitucionalidade da alínea a, do inciso I e do § 2º, ambos do art. 102 da Constituição

Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993; e vencidos em parte os

Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Carlos Velloso, sobre as regras

de processamento da ação declaratória de constitucionalidade.

4.1.3 O julgamento em si

Com o julgamento da questão prejudicial, a ADC nº 1 voltou a ter seu curso

normalizado. Em 04.11.1993, Moreira Alves abriu vista novamente ao Ministério Público,

desta vez para se pronunciar sobre a constitucionalidade dos dispositivos da Lei

Complementar nº 70/91, objeto da ação. Em 16.11.1993, o Procurador-Geral da República

juntou seu parecer no sentido da procedência do pedido, para declarar a constitucionalidade

dos artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar nº 70/91.

A argumentação do Ministério Público foi de acordo com a apresentada pelos autores.

Para seu representante, a Lei Complementar nº 70/91, com fundamento no art. 195, I, da

Constituição de 1988, instituiu devidamente a contribuição social para financiamento da

Seguridade Social, em substituição do FINSOCIAL criado pelo Decreto-Lei nº 1940/82. A

referida contribuição não se confunde com as demais modalidades tributárias, visto que

possui regime próprio. Não há bitributação porque a Constituição autoriza a instituição da

contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, mesmo sendo a base de cálculo para

outro tributo. Com relação ao princípio da anterioridade, a eficácia da contribuição respeita o

disposto no art. 195, § 6º, que determina o prazo mínimo de noventa dias da data da

publicação da lei. Por fim, a arrecadação da contribuição é encargo da União, só se podendo

cogitar de atribuição a entidades descentralizadas através de delegação prevista no art. 6º do

Código Tributário Nacional.

O Ministro Moreira Alves, em seu voto, acompanhou parcialmente o parecer

ministerial, para conhecer, em parte, a ação, declarando a constitucionalidade dos artigos 1º,

2º e 10 da Lei Complementar nº 70/91, bem como das expressões “A contribuição social

sobre o faturamento que trata esta lei não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade

Social” contidas no art. 9º e das expressões “Esta lei complementar entra em vigor na data de

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sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia útil do mês seguinte aos noventas

dias posteriores, à aquela publicação” constantes no art. 13, ambos da mesma Lei

Complementar. Foram excluídas as demais expressões dos artigos 9º e 13, pois não se

relacionavam diretamente à controvérsia judicial sobre a constitucionalidade da COFINS, de

maneira que o Ministro restringiu o conhecimento da ação e, portanto, dos efeitos da decisão.

Em síntese, na sessão de julgamento do dia 01.12.1993, Moreira Alves concordou com a

argumentação dos autores, assim como o Ministério Público. Lembrou do julgamento do

Recurso Extraordinário nº 146.733 que esclareceu a natureza das contribuições sociais como

uma modalidade tributária autônoma reconhecida pela Constituição, em seu art. 195, I.

Assim, os argumentos de violação da não-cumulatividade e bitributação não prosperaram. Em

relação ao princípio da anterioridade também reconheceu que a Lei Complementar estava em

harmonia com a Constituição porque só teve eficácia depois de noventa dias decorridos da

data de sua publicação.

Os demais Ministros subscreveram integralmente o voto do Relator. Dessa forma, a

controvérsia sobre a instituição da COFINS foi devidamente solucionada, afetando e

desconstituindo de maneira imediata e automática milhares de decisões judiciais

contraditórias sobre a matéria.

4.2 Ação declaratória de constitucionalidade nº 2

Quase quatro anos de passaram para a interposição de uma nova ação declaratória de

constitucionalidade. No ano de 1997, a ADC nº 2 foi proposta pela Associação Brasileira da

Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis, sendo distribuída em 05.06.1997 ao Ministro

Carlos Velloso. O objeto da ação era o art. 4º, caput, e seus parágrafos, do Decreto-Lei nº

2318/1986, que dispõe sobre fontes de custeio da Previdência Social e sobre a admissão de

menores em empresas.

Apesar de não figurar no rol de legitimados para interposição de ação declaratória de

constitucionalidade, e ciente deste fato, a parte autora reservou sete parágrafos de sua petição

inicial para tratar sobre o tema, numa tentativa de alterar a interpretação do então § 4º do art.

103 da Constituição Federal. Baseando-se nos incisos XXXV, LIV e LV e o parágrafo 2º do

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art. 5º da Constituição, argumentou que a diferença entre os legitimados da ação declaratória

de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade feria o princípio do acesso à

Justiça, sendo que “não há nenhuma razão para a distinção havida, pois não há falta de

interesse de nenhuma das entidades excluídas [do rol de legitimados]”14

O Ministro Carlos Veloso, em despacho monocrático de 09.06.1997, negou seguimento

levando em consideração a ilegitimidade ativa ad causam, tendo em vista que a Emenda

Constitucional nº 3, de 1993, não incluiu no rol de legitimados ativos as entidades de classe

de âmbito nacional no então § 4º, do art. 103 da Constituição de 1988. Esse parágrafo,

salienta-se, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que ampliou o rol de

legitimados ativos da ADC, igualando-o com o da ação direta de inconstitucionalidade,

conforme os incisos do atual art. 103. Assim, caso essa ação seja impetrada novamente, o

Supremo Tribunal Federal determinaria o seu processamento normal.

A autora, inconformada com a decisão, impetrou agravo regimental em 24.06.1997,

repetindo o argumento de que era incompreensível a ilegitimidade ativa das entidades de

classe, pois contraria o acesso à Justiça. Aduziu ainda a agravante que a Emenda

Constitucional nº 3 feria cláusula pétrea em virtude de ter subtraído das entidades de classe o

seu direito legítimo de controlar os atos normativos. Por fim advertiu sobre a importância da

declaração de constitucionalidade do art. 67 do Decreto nº 2318/1986.

O recurso, no entanto, não foi aceito pelo pleno do STF que, em votação unânime em

07.08.1997, negou provimento ao agravo. O Ministro Relator, em fundamentação curta, não

reconheceu o pedido da autora, afirmando que eram exagerados os argumentos que

levantavam a hipótese de ferimento de cláusula pétrea quando da limitação do rol de

legitimados; inclusive sugeriu que o inconformismo da recorrente deveria ser direcionado ao

Congresso Nacional, o qual estabeleceu expressamente a legitimação para a propositura de

ADC. Portanto, a partir do julgamento desta ação, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu

uma interpretação restritiva quanto à legitimidade para interposição de ADC, julgando que o

rol estabelecido no então art. 103, § 4º, era taxativo.

4.3 Ação declaratória de constitucionalidade nº 3

14 Texto da petição inicial da ADC nº 2, disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal em: www.stf.gov.br.

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A ADC nº 3 foi promovida pela Procuradoria-Geral da República em 18.08.1997, com

distribuição datada de 21.08 do mesmo ano ao Ministro Nelson Jobim. A ação intentava a

constitucionalidade do art. 15, § 1º, incisos I e II e seu § 3º da Lei nº 9.424 de 24.12.1996, que

fixou a alíquota, base de cálculo, órgão competente para arrecadação e destinação dos

recursos recolhidos referentes à contribuição social do salário educação, disposto no art. 212,

§ 5º da Constituição de 1988.

O então Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, atendendo solicitação do

Ministério da Educação e do Desporto, sustentou em petição inicial a controvérsia judicial

existente sobre a matéria. Diversas ações judiciais foram ajuizadas no sentido de que a

referida contribuição social do salário educação só poderia ser exigida mediante lei

complementar; muitas delas com decisão favorável, com a declaração incidental de

inconstitucionalidade dos dispositivos legais da Lei nº 9.424/96. No entanto, segundo

interpretação do representante do Ministério Público, o legislador no momento que utilizou a

palavra “lei” sem utilizar o adjetivo “complementar” no texto do art. 212, § 5º deixou claro

que não havia a necessidade de lei complementar para a regulamentação da contribuição

social, até porque não se trata de competência residual da União, mas de tributo previsto

expressamente pela Constituição.

Para melhor comprovar sua tese, lembrou, inclusive, que a questão já foi objeto de

análise do Supremo Tribunal Federal em julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284 no

qual o Ministro Carlos Velloso mencionou que o salário educação era uma das contribuições

sociais gerais que não necessitavam de lei complementar para serem instituídas.

Em 12.03.1998, a Procuradoria-Geral da República peticionou a juntada as decisões

judiciais contraditórias que comprovavam a controvérsia judicial sobre o tema. Em 30.10 do

mesmo ano, a autora requereu preferência no julgamento da ação. No dia 24.11 o Ministro

Nelson Jobim solicitou informações aos Presidentes da República, do Senado Federal e da

Câmara dos Deputados. O primeiro encaminhou informações prestadas pela Advocacia-Geral

da União que complementou a controvérsia judicial, junto com manifestação da Consultoria

do Ministério da Educação, ambos a favor da constitucionalidade dos dispositivos legais. A

Câmara dos Deputados reiterou os argumentos da petição inicial e encaminhou o processo

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legislativo que resultou na Lei nº 9.424/96. O Senado Federal se manifestou de acordo os

termos da inicial.

Foi aberta vista dos autos novamente ao Ministério Público em 18.02.1999, desta vez

para se manifestar como custos legis. No dia 25.05.1999 o parecer ministerial pela

procedência da ação foi juntado aos autos. Finalmente, em 02.12.1999 a ação foi julgada

procedente, declarando-se assim a constitucionalidade do art. 15, § 1º, I e II, e § 3º da Lei nº

9.424 de 1996, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.

O voto de Nelson Jobim acompanhou a argumentação sustentada na petição inicial. A

contribuição social do salário educação não se confunde com imposto, por isso não exige lei

complementar para sua instituição. A tese de inconstitucionalidade no processo legislativo foi

rechaçada pelo Ministro, demonstrando a harmonia desse processo com o Regimento das

Casas quem compõem o Congresso Nacional. A problemática da não-cumulatividade, da

hipótese de incidência e da alíquota também foram devidamente esclarecidas e justificadas

pelo Ministro. Portanto, seu voto foi pelo julgamento integralmente procedente da ação.

Os demais Ministros acompanharam a íntegra do voto do Relator, exceto Marco Aurélio

e Sepúlveda Pertence que detectaram inconstitucionalidade no processo de tramitação da Lei

nº 9.424/96 no Congresso Nacional. Para o primeiro, o caput do art. 15 da Lei era

inconstitucional, pois sofreu alteração substancial que ensejava retorno para aprovação da

Câmara iniciadora, o que de fato não ocorreu. Já para Sepúlveda Pertence a

inconstitucionalidade estava apenas na expressão “a qualquer título” do art. 15, pois as

parcelas não salariais eventualmente recebidas pelo empregado não deveriam compor a base

de cálculo da contribuição.

4.4 Ação declaratória de constitucionalidade nº 4

O Presidente da República e as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,

em 27 de novembro de 1997, propuseram a ADC de nº 4 no Supremo Tribunal Federal. Trata-

se de pedido de declaração de constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10 de

setembro de 1997, na qual se converteu a Medida Provisória nº 1.570, de 21 de agosto de

1997, que disciplinava sobre a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Para

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comprovar a polêmica no âmbito da concessão de pedidos de antecipação de tutela contra a

Fazenda Pública, os autores juntaram variadas decisões judiciais conflitantes proferidas em

diversas partes do país.

A ADC nº 4 trouxe uma novidade no processo nesta espécie de controle concentrado.

Pela primeira vez o autor de ação declaratória de constitucionalidade pediu o deferimento de

pedido liminar, de maneira que se suspendesse, com efeito ex tunc, o julgamento das variadas

ações sobre o mesmo tema até que o Supremo Tribunal Federal julgasse o mérito da ação. Os

autores se basearam em opiniões de juristas como Gilmar Mendes e Nagib Slaibi Filho, que

defendiam a possibilidade de concessão de liminar em sede de ADC, exatamente para evitar o

agravamento da situação de insegurança jurídica normalmente demonstrada na inicial.

O problema existente em torno da constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97

estava nas graves conseqüências financeiras causadas a Fazenda Pública quando das

concessões de pedido de antecipação de tutela que determinavam as incorporações em folha

de pagamento, bem como o imediato pagamento de atrasados. Nestas ações judiciais, o

Tesouro era demandado antes mesmo de haver julgamento do recurso ex officio. A intenção

do legislador e do Presidente ao editar a medida provisória foi preservar os recursos públicos

contra decisões judiciais que ainda poderiam ser reformadas.

A ação foi distribuída ao Ministro Sydney Sanches em 27.11.1997 e submetida a

julgamento da medida liminar em 10.12 do mesmo ano. O Relator aduziu que a Emenda

Constitucional nº 3, ao instituir a ação declaratória de constitucionalidade, não estabeleceu

expressamente a possibilidade de concessão de medida cautelar. Por outro lado, a

Constituição em seu art. 102, I, p, previa manifestamente a possibilidade de medida cautelar

em ação direta de inconstitucionalidade. Apesar da inexistência de previsão constitucional,

entendeu o Relator que o poder geral de cautela era inerente à atividade jurisdicional.

Para tanto, baseou-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal proferido no

julgamento da Representação nº 933, Relator Ministro Thompson Flores, no qual foi admitida

a utilização de liminar no processo de controle abstrato de normas, mesmo na ausência de

norma autorizadora. Caso não fosse permitida a concessão de medida liminar, o Judiciário

ficaria impedido de prevenir a segurança jurídica que visa garantir a ação declaratória de

constitucionalidade, por meio da eficácia erga omnes e do efeito vinculante das suas decisões

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de mérito. Conforme o Ministro, era incompreensível um Tribunal ser impedido de acautelar

a eficácia de suas decisões de mérito.

Não se pode ignorar que em certos casos é exigida uma medida que possa garantir os

resultados e a eficácia da decisão que futuramente será proferida no processo. Para esse

provimento dá-se o nome de medida cautelar. Ademais, o poder geral de cautela é imanente

ao poder de julgar não apenas nos processos de conhecimento e de execução, mas também no

âmbito do controle concentrado de leis e atos normativos, exatamente pelo fundamento maior

existente nessa espécie de processos: a garantia da ordem constitucional.

Vencida essa limitação sobre a concessão de medida cautelar, Sydney Sanches passou

então a analisar a existência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O

primeiro ficou demonstrado com a indicação feita pelos autores de precedente já apreciado

pelo Supremo Tribunal Federal, quando o Partido Liberal ingressou com a ADIn nº 1.576,

com pedido liminar, contra o art. 1º da Medida Provisória nº 1570-1 de 26.03.1997, cujo teor

é o mesmo do art. 1º da Lei nº 9.494/97, objeto desta ADC. O STF indeferiu a suspensão

liminar do dispositivo. Assim, à primeira vista, o artigo da lei era constitucional.

A demonstração do periculum in mora foi feita pelos autores quando apresentaram as

variadas espécies de decisões judiciais contra a Fazenda Pública, especialmente a que

mandava incorporar imediatamente determinados valores aos vencimentos de servidores, ou

mesmo de grande número de servidores, sob pena de prisão. Essas condenações causavam

prejuízos financeiros graves ao Tesouro, na medida em que mesmo não sendo previstas no

orçamento devem ser pagas imediatamente.

Sydney Sanches ainda lembrou em seu voto que o Código de Processo Civil, art. 265,

IV, prevê a suspensão de processo quando a sentença de mérito depende do julgamento de

outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que

constituísse objeto principal de outro processo pendente. Assim, os processos que tivessem

como questão a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública poderiam razoavelmente ficar

suspensos até que o Supremo Tribunal Federal julgasse definitivamente a constitucionalidade

do art. 1º da Lei nº 9.424/97.

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Por outro lado, o Ministro não concordou com a concessão da medida liminar dotada de

efeito ex tunc, como requerido pelos autores, seguindo a orientação emanada nos outros

julgamentos liminares em ações de controle concentrado de constitucionalidade. De maneira

que deferiu o pedido liminar, suspendendo quaisquer processos em que se pretendesse a tutela

antecipada contra a Fazenda Pública, que tivesse como pressuposto a constitucionalidade, ou

não, do art. 1º da Lei nº 9.494/97, com efeitos ex nunc e vinculante, até que o Supremo

Tribunal Federal julgue o mérito da ADC nº 4.

No julgamento do dia 10.12.97, os Ministros Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Ilmar

Galvão acompanharam o voto proferido por Sydney Sanches. Para eles, a não concessão de

medida cautelar em ação declaratória inviabilizaria o próprio instituto, que visa notadamente à

manutenção da segurança jurídica ameaçada por decisões judiciais contraditórias sobre a

mesma matéria. É uma das formas de evitar a crescente descrença no sistema jurídico no

Estado Democrático de Direito brasileiro. Para Nelson Jobim, o Supremo Tribunal Federal

chamou para si, autorizado constitucionalmente, a capacidade de assegurar em todo território

brasileiro a vigência plena das normas compatíveis com a Constituição.

O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, pediu vista dos autos para proferir seu voto,

pois tinha dúvidas sobre a cogitação de uma ação declaratória de constitucionalidade

objetivando a eficácia inerente à própria norma objeto da ação, eficácia a obstaculizar o

acesso ao Judiciário, no campo da medida cautelar, com as conseqüências previstas nas

normas processuais que se revelam o contraditório, o campo próprio do exercício do direito

de defesa tanto pelo cidadão quanto pelo Estado.

Em 05.02.98 o julgamento da medida cautelar da ADC nº 4 voltou ao seu curso, com a

apresentação do voto do Ministro Marco Aurélio. Seu julgamento é coerente ao proferido na

ADC nº 1, quando julgou inconstitucional a Emenda Constitucional nº 3, nos dispositivos que

criaram a ação declaratória de constitucionalidade. Além disso, justificou sua decisão através

da demonstração de imperfeições processuais advindas com a eventual concessão de medida

liminar em ADC.

Segundo Marco Aurélio, as autores requereram não a suspensão de um ato normativo,

mas de atos judiciais formalizados em processos, muitos deles ainda em curso, sob a

nomenclatura e eficácia de tutela antecipada, sem quem o Supremo Tribunal Federal decida

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os casos isoladamente. Não há concessões de medida cautelar em ações meramente

declaratórias, pois se assim fossem julgadas, seriam verdadeiras antecipações de tutela.

Ainda haverá outro problema de ordem processual. Após suposto deferimento da

medida liminar na ADC nº 4, se em algum processo for eventualmente deferida a antecipação

de tutela contra Fazenda Pública, esta poderá interpor dois recursos: agravo de instrumento,

ao tribunal a que está vinculado o juiz, e a reclamação, dirigida ao Supremo Tribunal Federal,

tendo em vista a desobediência de ordem proferida pelo órgão de cúpula do Judiciário. Caso

se escolhesse a reclamação, seria uma verdadeira queima das etapas estabelecidas pela lei

processual civil brasileira. Marco Aurélio lembrou que o próprio STF já se manifestou ser

inadequada situação em que a parte pode escolher qual órgão judicial poderá decidir sua

pretensão15 e não poderia agora mudar seu posicionamento. Não poderia, portanto, a liminar

em ADC, tendo em conta as peculiaridades da ação como espécie do controle concentrado de

constitucionalidade, requerer outra coisa a não ser o endosso do Supremo Tribunal Federal

para confirmar a imperatividade, validade e eficácia da norma.

Percebe-se no voto do Ministro que não houve a análise de eventual possibilidade de

procedência da ação com efeito ex nunc, como o fez Sydney Sanches. Houve apenas a

manifestação de que restava impossível a concessão de liminar com efeito ex tunc, pois, sem

dúvida, se assim fosse deferida, o julgamento afetaria milhares de tutelas antecipadas já

proferidas contra a Fazenda Pública, antes mesmo da distribuição da ADC nº 4.

Outro ponto fundamental do julgamento proferido por Marco Aurélio foi sobre a

eficácia e efeitos da liminar em ADC. Conforme a Constituição, somente as decisões de

mérito proferidas em ações declaratórias de constitucionalidade possuem eficácia erga omnes

e efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário e Executivo. Sendo assim, resta incabível

a concessão de liminar, pois restaria uma medida meramente decorativa no processo. Não

pode o Supremo Tribunal Federal ir além do admitido pela ordem jurídica.

O Ministro destacou, ainda, que a eventual concessão de liminar seria mais trágica que a

antiga avocatória. Nesta, o Supremo Tribunal Federal, apesar de avocar o julgamento, assim o

faz nos autos do processo, mantendo-se as partes, o pedido e causa de pedir. No caso da

15 Nesse sentido: HC nº 73.529-SP. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ 06.09.1996.

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liminar em ADC, o julgamento afeta milhares de processos em curso, sem análise em

concreto dessas ações.

Todos esses eventuais desrespeitos aos princípios constitucionais levariam

consequentemente a uma situação de insegurança jurídica, exatamente o que a ação

declaratória de constitucionalidade deseja combater. Segundo o Ministro, a questão da

segurança jurídica, da mesma forma como pode ser demonstrada pela existência de decisões

judiciais conflitantes sobre a mesma matéria, também pode ocorrer o atropelo dos direitos e

garantias constitucionais, bem como do estabelecido em lei processual; ainda mais quando

esse atropelo é feito pelo Supremo Tribunal Federal.

Foram por essas razões que Marco Aurélio julgou o descabimento de pedido liminar em

ação declaratória de constitucionalidade. Razões essas que convenceram o Ministro Ilmar

Galvão a retificar seu voto proferido na sessão de julgamento do dia 10.12.97. Salientou que

não concordava com a opinião de que não seria possível pedido liminar em ação declaratória.

Porém, estava de acordo com o entendimento de que existia a possibilidade de interferência

direta em ações judiciais em curso em todo país com a possível concessão de medida liminar.

Como nas liminares em ações diretas de inconstitucionalidade essa intervenção não ocorre,

assim também deveria ser nas ações declaratórias de constitucionalidade.

Por outro lado, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Moreira Alves e Celso de Mello

acompanharam o Relator, de maneira que julgaram procedente a viabilidade de pedido liminar

em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Esclareceu em seu voto o Ministro

Moreira Alves que o deferimento de medida de liminar, tanto em ADC quanto em ADIn, são

dispositivos de controle concentrado que obstam o controle difuso, exatamente porque, nesta

ocasião, são conflitantes. A tendência do controle de constitucionalidade no Brasil é a de

preferência pelo controle concentrado em detrimento do difuso. E essa tendência ficou mais

clara a partir de 1965, com a criação da representação de inconstitucionalidade, através da

Emenda nº 16, e se solidificou na Constituição de 1988. Esse afastamento do controle difuso

pelo concentrado, segundo Moreira Alves, não significa um atropelo dos princípios

constitucionais como assim defende o Ministro Marco Aurélio, mas uma conseqüência lógica

do sistema híbrido de controle de constitucionalidade no Brasil.

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Assim, por maioria, o Supremo Tribunal Federal julgou cabível medida cautelar em

ação declaratória de constitucionalidade. Devido ao pedido de adiamento do julgamento do

pedido de medida cautelar, o Plenário voltou a se reunir no dia 11.02.98 para continuar as

discussões sobre o alcance da citada medida.

O Ministro Sepúlveda Pertence se manifestou de acordo com o voto do Relator, que era

a de sustar a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda

Pública que tenha como pressuposto a constitucionalidade ou não do art. 1º da Lei nº 9.494.

Por outro lado, entendeu também que deveriam ser suspensos os efeitos futuros de decisões

que já tenham sido prolatadas, exatamente para evitar, no caso de declaração de

constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, que fossem desconstituídas retroativamente

decisões que deferiram a tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

Com isso, o deferimento da medida cautelar na ADC não teria eficácia ex tunc, mas

apenas ex nunc. Já o efeito vinculante seria necessário, sob pena da medida cautelar ser mero

item decorativo na ADC, pois o seu fim era exatamente evitar que se propagasse a

controvérsia judicial. Caso eventualmente um juiz julgasse contrariamente ao entendimento

proferido pelo Supremo Tribunal Federal, a parte interessada poderia interpor reclamação

para garantir a autoridade de suas decisões plenárias.

Nelson Jobim e Maurício Corrêa acompanharam o Relator, com as modificações

propostas por Sepúlveda Pertence. Porém, Marco Aurélio, coerente com seu entendimento

proferido no julgamento sobre a admissão de medida cautelar, não a deferiu, por entender que

se assim o fizesse, contrariaria as normas processuais, permitindo o acesso per saltum ao

Supremo Tribunal Federal, através da reclamação; bem como permitiria que a parte, no caso a

Fazenda Pública, pudesse escolher a melhor via para atacar a tutela antecipada contra ela

deferida.

O Ministro Néri da Silveira, por sua vez, proferiu voto deferindo a medida cautelar, para

reconhecer e afirmar que o art. 1º da Lei nº 9.494 deve ser tido como válido, até o julgamento

final da ação, e os demais juízes devem aplicá-lo normalmente. Sua decisão, na verdade, era

uma antecipação do pedido dos autores, pois declarava incidentalmente a constitucionalidade

do dispositivo legal objeto da ação. Já o Ministro Celso de Melo acompanhou o voto de

Sepúlveda Pertence.

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Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deferiu, por maioria, a medida cautelar para

suspender, com eficácia ex nunc e efeito vinculante, a prolação de qualquer decisão que

antecipe os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, que tenha como pressuposto a

constitucionalidade ou não do art. 1º da Lei nº 9.494, até o julgamento final da ADC. A

decisão sustou, também, os efeitos futuros de antecipações de tutela já concedidas, mas ainda

não executadas.

Em seguida, todos os tribunais de justiça e tribunais regionais federais do país foram

comunicados do teor da decisão. No dia 17.02.98, foi aberta vista dos autos ao Procurador-

Geral da República para apresentar parecer sobre a constitucionalidade do dispositivo legal

objeto da ação, com encarecido pedido de urgência. Logo em 02.03 do mesmo ano, os autos

foram conclusos ao Relator.

Em 21.10.1999, a matéria foi posta em julgamento. Sydney Sanches, Relator, proferiu

voto julgando procedente a ação declaratória de constitucionalidade, nos termos da inicial,

para declarar, com eficácia ex tunc e erga omnes, e com efeito vinculante aos demais órgãos

do Judiciário e do Executivo, a constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97. Nelson

Jobim, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Celso de Melo acompanharam, na íntegra, o voto do

Relator. Marco Aurélio julgou ação declaratória de constitucionalidade improcedente16. O

Ministro Sepúlveda Pertence pediu vista dos autos e até o final do mês de outubro de 2006

não se manifestou sobre a matéria.

4.5 Ação declaratória de constitucionalidade nº 5

Aos vinte e cinco dias de agosto de 1998, o Procurador-Geral da República ingressou

com a ação declaratória de constitucionalidade nº 5, com pedido de medida cautelar,

objetivando findar com a controvérsia sobre a harmonia com a Constituição de 1988 dos arts.

1º, 3º e 5º da Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997. A ação foi fruto de solicitação do

Ministro da Justiça e do Secretário Nacional de Direitos Humanos.

16 O teor dos votos dos Ministros no mérito da ADC nº 4 não estão disponíveis porque ainda não se pronunciaram todos os Ministros no seu julgamento definitivo. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

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Os dispositivos legais mencionados deram, respectivamente, nova redação ao art. 30 da

Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos; acrescentou

inciso ao art. 1º da Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, que trata da gratuidade dos atos

necessários ao exercício da cidadania; e alterou os arts. 30 e 45 da Lei nº 8.935, de 18 de

novembro de 1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro. Em síntese,

estabelecem a gratuidade do registro civil de nascimento e de certidão de óbito, pela primeira

certidão destes atos e por todas as certidões aos reconhecidamente pobres, que, segundo

argumenta o Procurador-Geral da República, estão em conformidade com o disposto no art.

5º, LXXVI, da Constituição de 1988.

A inconstitucionalidade destas normas foi argüida na ADIn nº 1.800 pela Associação

dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), tendo como Relator o Ministro

Nelson Jobim. Em 06.04.1998, o pedido de medida cautelar foi indeferido, vencidos Marco

Aurélio e Maurício Corrêa. Para estes, a Lei nº 9.534 estabeleceu gratuidade dos registros de

nascimento e das certidões de óbito além do disposto constitucionalmente, pois determinou

que não apenas os reconhecidamente pobres deixassem de pagar pelos registros e certidões,

mas toda e qualquer pessoa que solicite, pela primeira vez, esses serviços. Até o final do mês

de outubro de 2006 o Supremo Tribunal Federal não julgou o mérito desta ação direta de

inconstitucionalidade.

A ADC foi distribuída ao Ministro Octávio Gallotti, mas teve que ser redistribuída,

diante da prevenção de Nelson Jobim, Relator da ADIn nº 1.800 que trata do mesmo objeto.

Em 17.11.1999, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deferiu o pedido de

medida cautelar da ADC nº 5, com eficácia ex nunc e efeito vinculante, para suspender, até o

julgamento definitivo da matéria, a prolação de decisão em processos que digam respeito a

legitimidade constitucional dos dispositivos objeto da ADC nº 5, como também sustar os

efeitos de eventuais decisões não transitadas em julgado e de todos os atos normativos que

negaram a validade do disposto nos artigos 1º, 3º e 5º da Lei nº 9.534/97.

A tese vencedora tanto aqui quanto na ADIn nº 1.800 se baseou na interpretação

sistemática da Constituição, na medida em que é estabelecido em seu art. 5º, LXXVII, a

gratuidade, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania. Os registros de

nascimento e de óbito seriam atos que, respectivamente, davam início e punham termo à

cidadania. Esse inciso se sobreporia ao LXXVI, que estabelece a gratuidade, aos

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reconhecidamente pobres, dos citados registros. Em primeiro lugar porque, numa

interpretação literal, mesmo os reconhecidamente pobres não teriam o registro de óbito

gratuito, apenas a certidão. Além disso, a Constituição não estabelece que apenas os

reconhecidamente pobres não pagarão pelo registro de nascimento e certidão de óbito,

cabendo a interpretação de que outras pessoas poderão ingressar neste conjunto. O que o

constituinte quis foi garantir a gratuidade, pelo menos, aos mais pobres.

Outra questão fundamental são os emolumentos do art. 236 da Constituição e o fato de

que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do

poder público. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sólida em determinar que o

serventuário não é empresário e o particular não é sua clientela. Assim, emolumentos são

taxas que constituem especial retribuição devida ao Estado, em razão da prestação de serviço

público. Assim, como o Estado não é obrigado a instituir taxas para a prestação de serviços

públicos, não existe regra que sujeite a instituição de emolumentos para todo e qualquer ato

praticado pelos serviços notariais e de registro. Assim, a gratuidade da expedição desses

documentos seria compensada pelos emolumentos cobrados em outras espécies de serviços.

Os demais Ministros acompanharam o voto de Nelson Jobim, exceto Celso de Mello,

porque não estava presente e Carlos Velloso, Maurício Corrêa e Marco Aurélio. Estes dois

últimos mantiveram o teor de seus votos proferidos na ADIn º 1.800. Maurício Corrêa,

baseando-se em preocupação com a situação financeira dos oficiais de registro civil,

especialmente os mais isolados, que essencialmente sobrevivem da expedição de certidões de

nascimento e de óbito. Marco Aurélio votou de acordo com a manifestação em sede da

medida cautelar na ADC nº 4, quando exprimiu a incompatibilidade do pedido liminar com a

espécie de ação declaratória de constitucionalidade, mesmo sabendo da existência da Lei nº

9.868, publicada sete dias antes do julgamento da cautelar na ADC nº 5. Marco Aurélio ainda

salientou que se o voto do Relator estivesse em harmonia com a Constituição, não haveria

necessidade lógica de existência do inciso LXXVI, bastando apenas a regra da gratuidade

para os atos necessários ao exercício da cidadania. Inclusive citou o precedente da ADIn nº

1.148, quando se discutiu a matéria interpretando a norma como a beneficiar apenas os

comprovadamente pobres. Dessa forma, deferiu-se a medida cautelar requerida pelo

Procurador-Geral da República.

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Como a ADC nº 5 e a ADIn nº 1.800 possuem objetos idênticos, mas pedidos contrários

entre si, as duas passaram a tramitar juntas como se única ação fosse. Em 29.03.2006, o

mérito foi julgado apenas por Nelson Jobim, que julgou procedente a ADC e, por

conseqüência, improcedente a ADIn, tendo em vista que o Ministro Ricardo Lewandowski

pediu vistas dos autos e até o final do mês de outubro de 2006 não apresentou seu voto,

estando suspenso o julgamento definitivo da ação.

4.6 Ação declaratória de constitucionalidade nº 6

A ação declaratória de constitucionalidade nº 6 teve a mesma negativa de seguimento da

ADC nº 2. A autora da ação foi a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB),

assistida pela Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado de São Paulo, filiada à

própria CSPB, e pelo Sindicato da União dos Servidores do Poder Judiciário no Estado de São

Paulo, e seu pleito era a declaração de constitucionalidade do art. 578 da Consolidação das

Leis do Trabalho (CLT), que prevê a contribuição sindical.

A data de distribuição do processo foi em 10.09.1998. No dia seguinte, o Ministro

Relator Moreira Alves negou seguimento por despacho monocrático. O entendimento do

Ministro é fruto da ausência de previsão constitucional das confederações sindicais no rol de

legitimados a proposição de ação declaratória de constitucionalidade do antigo § 4º do art.

103 da Constituição Federal, revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Não

houve interposição de recurso, o que levou o processo à seção de arquivo.

4.7 Ação declaratória de constitucionalidade nº 7

Da mesma forma que a ADC nº 2 e nº 6, a ADC nº 7 teve negado seguimento por

ilegitimidade ativa. Dessa vez, o Município e a Câmara Municipal de Chorozinho no Estado

do Ceará propuseram a ação em 06.04.1999, mesmo não estando incluídos no grupo de

legitimados à ADC, com o pedido de declaração de constitucionalidade do art. 31 da Lei

Orgânica do próprio Município. Trata-se de dispositivo legal que prevê a reeleição, para um

único período subseqüente, dos membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal de

Chorozinho-CE. O Ministro Relator Maurício Corrêa, em 09.04.1999, não conheceu a ação.

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Decorreu prazo para recurso e nada foi interposto. Os autos foram, por conseqüência,

remetidos ao arquivo.

4.8 Ação declaratória de constitucionalidade nº 8

No dia 09 de junho de 1999, foi distribuída ao Ministro Celso de Mello a ADC nº 8,

com pedido de medida cautelar, proposta pelo Presidente da República, requerendo a

constitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999, revogada pela

Lei nº 10.887, de 18 de junho de 200417.

Os dispositivos, objeto da ação, tratavam sobre a contribuição para custeio da

previdência social dos servidores públicos ativos e inativos, e dos pensionistas dos três

Poderes da União. O autor juntou à inicial diversas decisões judiciais em sede de mandados

de segurança, ações civis públicas e ações ordinárias nas quais os juízes federais julgaram

com o pressuposto de inconstitucionalidade e de constitucionalidade dos arts. 1º e 2º da

referida Lei, comprovando assim a controvérsia judicial como pressuposto de admissibilidade

da ADC.

A controvérsia judicial é explicada pelas decisões contraditórias que determinam a

necessidade de lei complementar para instituir e majorar contribuição social. No entanto, não

prosperou por ser tema pacífico no Supremo Tribunal Federal, inclusive discutido na ADC nº

1, a necessidade de lei complementar apenas nos casos expressamente previstos no texto

constitucional. Outro ponto de importância abordado pelas decisões é o fato de que, em

13.10.1999, diversos institutos da Seguridade Social eram regulados pela Emenda

Constitucional nº 20, que não permitia a instituição de contribuição de seguridade social sobre

inativos e pensionistas da União. Também foi examinada a questão do confisco, do equilíbrio

atuarial, da irredutibilidade de vencimentos, da progressividade das alíquotas e do direito

adquirido, todos sob a ótica da contribuição dos servidores.

17 Não serão analisados detidamente os fatos e argumentos sobre a constitucionalidade dos dispositivos legais objeto desta ADC nº 8 porque a ordem constitucional que dirigia a Seguridade Social na época do julgamento da liminar foi alterada pela Emenda Constitucional nº 41, que permitiu a contribuição dos servidores inativos e pensionistas da União. Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 10.887/2004 que revogou a Lei nº 9.783/99. A análise do julgamento será feita com o intuito de evidenciar o objeto da ação as conseqüências advindas das decisões dos Ministros.

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O Presidente da República postulou ainda concessão de medida cautelar, com eficácia

ex tunc e efeito vinculante, até o julgamento final da ação, para que ficassem suspensas as

decisões judiciais que impedissem o desconto da contribuição dos servidores ativos e inativos,

e dos pensionistas, de maneira que esse desconto fosse feito para financiar a Previdência.

Em resumo, Celso de Mello julgou procedente o pedido de concessão de medida

cautelar feito pelo autor, porém entendeu não ser possível a contribuição de servidores

inativos e pensionistas, sob o regime da Emenda Constitucional nº 20, porque ofenderia o

princípio da não-incidência (art. 40, § 12, Constituição de 1988), e do equilíbrio atuarial. Para

o Ministro a escala de progressividade contida no art. 2º da Lei nº 9.783 viola o art. 150, IV,

da Constituição, que veda a utilização de tributo como confisco, além de que a vigência

temporária das alíquotas sinalizava um desvio de finalidade quantos aos valores arrecadados

destinados a cobrir déficit passado da Previdência, pois contrariava sua destinação

constitucional específica.

Assim, o pedido de medida cautelar foi deferido pelo Relator, com eficácia ex nunc e

com efeito vinculante, apenas em relação ao art. 1º da Lei nº 9.783: a contribuição dos

servidores ativos sob a alíquota de 11% (onze por cento). A prolação de quaisquer decisões,

baseadas no pressuposto de constitucionalidade, ou não, deste dispositivo legal, relativo à

alíquota da contribuição dos servidores ativos, ficou suspensa até o julgamento final da ação,

bem como os efeitos futuros de decisões já proferidas.

Marco Aurélio, coerente com os votos proferidos nas ações declaratórias nº 4 e nº 5,

indeferiu a preliminar de cabimento da medida cautelar, bem como indeferiu sua concessão.

Nelson Jobim e Moreira Alves acompanharam o Relator, mas ampliaram o deferimento do

pedido, declarando constitucional o art. 2º da Lei nº 9.783. Os demais acompanharam a

íntegra do voto do Ministro Celso de Mello.

Em 19.05.2004 Celso de Mello proferiu decisão extinguindo a ADC nº 8, tendo em vista

a perda de seu objeto, com a revogação do art. 2º da Lei nº 9.783/99 pela Lei nº 9.988 de 19

de julho de 2000, que inclusive determinou a restituição aos servidores dos valores

eventualmente deles cobrados em virtude do disposto neste artigo. Mais tarde, em junho de

2004, conforme já mencionado, toda a Lei nº 9.783 foi revogada pela Lei nº 10.887, que

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estipulou novas regras de contribuição segundo o regime estipulado pela Emenda

Constitucional nº 41.

4.9 Ação declaratória de constitucionalidade nº 9

A proposição da ação declaratória de constitucionalidade nº 9 foi fundamentada na

controvérsia judicial acerca da constitucionalidade da criação da Câmara de Gestão da Crise

de Energia Elétrica e das regras que ajustavam o programa de racionamento estabelecido com

o intuito de impedir uma situação na qual a produção e a oferta de energia elétrica fosse

menor que a sua demanda.

O Governo Federal, diante da estiagem ocorrida no início do ano de 2001 e a

conseqüente baixa nos reservatórios das usinas hidroelétricas de praticamente todo o país, foi

obrigado a editar a Medida Provisória nº 2.152-2, de 1º de junho de 2001, cujos arts. 14, 15,

16, 17 e 18 foram objetos da ação declaratória nº 9, proposta pelo Presidente da República,

com pedido de concessão de medida cautelar. Esses dispositivos estabeleceram metas de

consumo e as formas de cobrança de tarifa de energia elétrica, de acordo com a faixa de

consumo residencial, comercial, industrial e rural, inclusive estipulando a penalidade de

suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Diversas ações judiciais foram propostas pelos consumidores alegando a

inconstitucionalidade das referidas normas, de maneira que as decisões proferidas nos

processos foram contraditórias e causaram inegável insegurança jurídica, sem contar o risco

que as medidas judiciais que declararam incidentalmente a inconstitucionalidade dos

dispositivos poderiam acarretar ao programa de racionamento.

O Ministro Néri da Silveira recebeu a ação distribuída em 11.06.2001, por prevenção,

tendo em vista que em 06.06.2001 foi proposta, pelo Partido Social Liberal, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 2.468 em face de dispositivos legais da Medida Provisória nº 2.152-

2, entre eles, inclusive, os que foram objeto da ADC nº 9. Por conseqüência lógica, as duas

ações passaram a tramitar conjuntamente. A controvérsia girava em torno, essencialmente, da

constitucionalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica e do regime especial de

tarifação previstos na Medida Provisória nº 2.152-2.

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O julgamento da medida cautelar da ADC nº 9 foi realizado no dia 27.06.2001. Porém,

após o relatório e da sustentação oral do Advogado-Geral da União, na época o atual Ministro

Gilmar Ferreira Mendes, o julgamento foi adiado diante do adiantado da hora da sessão. No

dia seguinte, o julgamento foi retomado e o Supremo Tribunal Federal, por maioria, deferiu a

cautelar para suspender, com eficácia ex tunc e com efeito vinculante até o julgamento final

da ação, a prolação de qualquer espécie de decisão judicial que tenha como pressuposto a

constitucionalidade, ou não, dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória nº 2.152-2, inclusive os

efeitos futuros de decisões já proferidas, tendo como base a mesma questão de

constitucionalidade.

Os Ministros decidiram ser cabível ação declaratória de constitucionalidade de medidas

provisórias. Embora seu prazo de validade seja, de certa forma, de curta duração, as medidas

provisórias são atos normativos federais e, portanto, podem ser objeto de ADC, segundo a

Constituição de 1988, no texto incluído pela Emenda Constitucional nº 3. Néri da Silveira

indeferiu a liminar, por não encontrar plausibilidade jurídica no pedido.

O Ministro não vislumbrou harmonia com a Constituição Federal a suspensão do

fornecimento de energia elétrica aos consumidores, mesmo aqueles que não cumprirem as

metas de consumo estipuladas, por não existir causa legítima que justifique a punição. Nem

mesmo o perigo iminente de insuficiência na provisão de energia elétrica aos consumidores.

Também não encontrou compatibilidade entre o texto constitucional e o regime especial de

tarifas, primeiro porque desrespeita o princípio da proporcionalidade, segundo porque sua

arrecadação não se destina a remunerar as distribuidoras e concessionárias, mas financiar os

bônus a serem concedidos àqueles que cumprirem as metas. Isso, na verdade, significa a

criação de nova espécie de tributo, que somente poderia ter sido realizada mediante lei

complementar.

Ellen Grace abriu divergência, para julgar totalmente procedente a cautelar,

concordando com o regime especial de tarifas e com a suspensão do fornecimento de energia

elétrica. Para tanto, fundamentou-se no entendimento proferido no Recurso Extraordinário nº

117.315, de maneira que interpretou ser a tarifa especial a mesma natureza da tarifa ordinária:

forma de contraprestação pela entrega do serviço. Não notou violação ao princípio da

proporcionalidade, nem mesmo interpretou a suspensão do fornecimento como dupla punição

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ao consumidor que não respeitar as regras, pois era uma forma de garantir que os mais

abastados, capazes de pagar a sobretarifa, contribuíssem com o plano de racionamento.

O Ministro Nelson Jobim acompanhou a divergência. Maurício Corrêa também,

abstraindo de qualquer exame sobre as questões de inconstitucionalidade das medidas,

alegando que a própria sociedade já entendeu a necessidade extrema do programa de

racionamento de energia elétrica, e já proclamou sua constitucionalidade. Carlos Velloso

entendeu que a Medida Provisória 2.152-2 dispõe sobre política tarifária e está de acordo com

o art. 175, parágrafo único, III da Constituição. Sepúlveda Pertence e Sydney Sanches

também seguiram a divergência.

Moreira Alves salientou que, no regime da Constituição de 1988, a tarifa é considerada

preço político, podendo ter efeitos que extravasam aquilo que é o normal do preço público: o

pagamento de prestação de serviço. O preço político pode servir para regular a política

tarifária, a fim de que se permita às concessionárias a obrigação de manter o serviço

adequado.

Marco Aurélio, sozinho, acompanhou o Relator, afirmando que não poderia votar sob o

ângulo sociológico, para corrigir um mal maior, abandonando as normas constitucionais. O

Ministro salientou que a Câmara Gestora da crise energética poderia alterar livremente o

regime de tarifas estabelecido pela Medida Provisória, ou seja, algo inteiramente dissonante

com a ordem constitucional. O Ministro Sepúlveda Pertence lhe perguntou onde estava o juiz

que, defrontando-se com um conflito de interesses, primeiro encontra a solução justa e depois

vai procurar a fundamentação na Constituição. Marco Aurélio respondeu que não mudou sua

postura neste aspecto, mas, na espécie, não conseguiu se desvencilhar da garantia

constitucional da prestação do serviço segundo as necessidades do usuário. Para o Ministro, a

sobretarifa configurava-se como empréstimo, mesmo com a garantia de que não seria

utilizada pelas concessionárias.

A ADC nº 9 foi a primeira a ser interposta sob o regime da Lei nº 9.868/99, que dispõe

sobre o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e das ações

declaratórias de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo seu art. 21,

parágrafo único, concedida a medida cautelar, a parte dispositiva da decisão deve ser

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publicada no prazo de dez dias, devendo o Supremo Tribunal Federal julgar o mérito da ação

em cento e oitenta dias, sob pena de perda da sua eficácia.

A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em 08.08.2001. Em 20.11 do mesmo

ano foi aberta vista dos autos ao Procurador-Geral da República para se manifestar sobre a

constitucionalidade dos dispositivos legais objeto da ação, cumprindo com o disposto no art.

19 da Lei nº 9.868. Em 03.12, o Ministério Público apresentou parecer em favor da declaração

de constitucionalidade dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória 2.198-5, de 24 de agosto de

200118.

Em 13.12.2001 foi julgado o mérito da ADC nº 9, cumprindo com o prazo disposto no

art. 21, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99, pois, do contrário, a eficácia da medida cautelar

deferida seria perdida, de maneira que a suspensão de decisões seria extinta. O julgamento foi

basicamente uma repetição do ocorrido na concessão da medida cautelar. As questões

fundamentais foram decididas: 1) O valor arrecadado com a sobretarifa seria destinado a

custear despesas adicionais das concessionárias além de premiar os poupadores de energia

elétrica; política essa de acordo com o art. 175, III da Constituição; 2) Atendeu-se aos

princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; 3) A suspensão do fornecimento de

energia se fez necessária como exercício de solidariedade social mínima, assegurada a

notificação prévia e a apreciação de casos excepcionais.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, julgou inteiramente uma ação

declaratória de constitucionalidade, após ter deferido medida cautelar, de maneira que foi

declarada a constitucionalidade, com eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos

órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, dos arts. 14 a 18 da Medida Provisória nº

2.152-2, que na época do julgamento estava sob o nº 2.198-5, de 24 de agosto de 2001.

4.10 Ação declaratória de constitucionalidade nº 10

A ação declaratória de constitucionalidade nº 10 foi proposta por Dinete Lessa, uma

brasileira, viúva, com sessenta e nove anos de idade, em 20.05.2004. Seu desejo era a

18 A Medida Provisória objeto da ADC nº 9 foi, originariamente, a MP nº 2.152-2, que estava em vigor na época da propositura da ação. Ela tem origem na MP nº 2.147 e sofreu alterações e reedições sob os números: 2.148-1, 2.152-1, 2.198-3 e 2.198-4, culminado com a MP nº 2.198-5, de 24 de agosto de 2001.

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declaração de constitucionalidade do art. 2038, § 1º, I do Código Civil, que dispõe sobre a

vedação da cobrança de laudêmio ou prestação análoga de bem aforado, sobre o valor das

construções ou plantações.

Interessante notar que a autora interpôs a ação declaratória de constitucionalidade mais

para benefício próprio e menos para levar ao Supremo Tribunal Federal uma grave

controvérsia jurídica sobre lei ou ato normativo federal. Tentou, com a proposição da ADC,

buscar que o Município do Rio de Janeiro, como senhorio do imóvel, se escusasse de exigir o

pagamento do laudêmio como requisito para se registrar a transferência de enfiteuta. Essa

intenção é notória quando a autora usa as expressões: “propor uma ação declaratória de

constitucionalidade contra o Município do Rio de Janeiro” e “requer de Vossa Excelência (...)

intimar o Município do Rio de Janeiro, a acatar incontinente esta decisão e, (sic) adequar o

Órgão gerencial às normas de não obrigatoriedade ao não pagamento do laudêmio e foro”,

grifos nossos.

O Ministro Carlos Britto, em 25.05.2004, negou seguimento à ação, visto que a

Constituição não conferiu legitimidade ativa a Sra. Dinete Lessa para propor ação declaratória

de constitucionalidade, mas apenas ao Presidente da República, às Mesas do Senado e da

Câmara dos Deputados e ao Procurador Geral da República. A Emenda Constitucional nº 45,

do mês de dezembro de 2004, ampliou o rol de legitimados, mas não ao ponto de nele incluir

o cidadão. Neste grupo figuram apenas os órgãos políticos de maior representatividade do

país e as entidades privadas de âmbito nacional. Mesmo que fosse admitida a hipótese do

conhecimento da ADC nº 10, o Supremo Tribunal Federal a indeferiria, pois se tratava de

interesse particular, um conflito de interesses entre duas partes específicas, características

básicas de uma ação ordinária, e não uma ação espécie de controle concentrado de

constitucionalidade.

4.11 Ação declaratória de constitucionalidade nº 11

Pela primeira vez uma ação declaratória de constitucionalidade foi interposta por um

Governador do Distrito Federal, um dos novos legitimados a propor ADC trazidos pela

Emenda Constitucional nº 45, que deu a mais recente redação do art. 103 da Constituição de

1988. Em 28.11.2005 foi distribuída a ADC nº 11 ao Ministro Cezar Peluso. Pediu o autor

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que fosse declarada a constitucionalidade do art. 1º-B da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de

1997, artigo incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001.

O referido dispositivo determinava prazo de trinta dias para a oposição, pela Fazenda

Pública, de embargos à execução. Apesar de reeditada por trinta e cinco vezes e sua última

edição datar do ano de 2001, até o final do mês de outubro de 2006 a matéria ainda se

encontrava em tramitação no Congresso Nacional.

É importante ressaltar que a vigência da Medida Provisória nº 2.180-35 é regulada pela

Emenda Constitucional nº 32, de 2001, cujo art. 2º dispõe que as medidas provisórias editadas

em data anterior à data de publicação da referida Emenda, que é o caso da MP nº 2.180,

continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até

deliberação do Congresso Nacional. Outro ponto fundamental trazido no bojo da Emenda

Constitucional nº 32 é a proibição expressa de edição de medida provisória sobre matéria de

direito processual civil; regra estabelecida no texto mais recente do art. 62, § 1º, I, b da

Constituição de 1988.

O autor apresentou a teórica controvérsia judicial relevante, requisito de admissibilidade

para o conhecimento da ação declaratória de constitucionalidade, bem como dissertou sobre a

harmonia do dispositivo com a Constituição de 1988. Explanou ainda que as Procuradorias da

Fazenda Pública, especialmente ao do Distrito Federal, possuíam extrema dificuldade para

cumprir o prazo original de dez dias para oposição embargos, pois existia alta demanda de

processos, além de que muitos deles tratavam de cálculos de grande complexidade. Chegou ao

ponto de dizer que nem os trinta dias do novo prazo eram suficientes, motivo pelo qual o

Presidente da República editou a MP nº 2.180-35, de 2001. Requereu a concessão de medida

cautelar para suspender os julgamentos de processos que envolvam a aplicação do art. 1º-B da

Lei nº 9.494 de 1997, acrescentado pela MP nº 2.180, de 2001. Por fim solicitou a declaração

de constitucionalidade do art. 1º-B do referido diploma legal.

Apesar de apresentado em mesa para julgamento em 13.02.2006, a ADC nº 11, bem

como seu pedido de concessão de medida cautelar estavam pendentes de julgamento até o

final do mês de outubro de 2006.

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4.12 Ação declaratória de constitucionalidade nº 12

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pela primeira vez ingressou com uma

ação declaratória de constitucionalidade em 02.02.200619, dando origem à ADC nº 12,

distribuída ao Ministro Carlos Britto. A intenção da autora era a declaração de

constitucionalidade da Resolução nº 7/05 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que

explicita as condutas que caracterizam o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, descreve o

nepotismo como prática ilícita, e prescreve prazo para exoneração dos ocupantes de cargo de

provimento em comissão e funções gratificadas que se encontrarem nas situações tolhidas na

citada Resolução, dentre outras medidas não menos importantes.

Discorreu a autora em sua petição inicial sobre a pertinência temática entre o objeto da

ação e o interesse da AMB; enquadrou a Resolução nº 7/05 como ato normativo federal;

demonstrou a relevante controvérsia judicial existente em muitas partes do território

brasileiro, a competência do Conselho Nacional de Justiça para proibir práticas de nepotismo;

a não violação do princípio da separação dos Poderes, nem do princípio Federativo, como

também demonstrou que a Resolução não restringe direitos de servidores públicos e de

terceiros.

Para tanto, baseou-se nas seguintes teses: 1) O CNJ tem o poder-dever de zelar pela

observância do art. 37 da Constituição de 1988 e apreciar a validade de atos administrativos

praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º, II); 2) Eficácia jurídica dos

princípios constitucionais. Vedação ao nepotismo é regra constitucional que decorre do

núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas; 3) O Poder Público

está vinculado não apenas à legalidade formal, mas à juridicidade, conceito mais abrangente

que inclui a Constituição; 4) A Resolução nº 7/05 do CNJ não afeta o equilíbrio entre os

Poderes, por não subordinar um Poder a outro, nem tampouco o princípio federativo, por não

subordinar um ente estatal a outro; 5) A Resolução nº 7 do CNJ não encontra óbice em

eventuais direitos de terceiros contratados pela Administração e não há qualquer violação a

direitos de servidores.

19 Note-se que a mesma Associação dos Magistrados Brasileiros ingressou com ação direta (ADIn nº 913) intentando a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, que criou a ação declaratória de constitucionalidade. Mais tarde ingressou com outra ação direta (ADIn nº 3.367) impugnando a Emenda Constitucional nº 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça.

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A autora requereu ainda a concessão de medida cautelar para suspender, com eficácia ex

tunc e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, o julgamento de processos que

envolvam a aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ, até o julgamento definitivo da ADC nº

12, como também os efeitos de decisões já proferidas que declararam inconstitucional algum

dispositivo da referida Resolução.

Em julgamento, datado de 16.02.2006, o Supremo Tribunal Federal deferiu a medida

cautelar nos termos requeridos pela autora, com algumas ressalvas levantadas por Carlos

Britto e aprovadas pela maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio que a indeferiu. A ADC

não foi conhecida com relação ao art. 3º, pois o Conselho Nacional de Justiça editou a

Resolução nº 9/05, que alterou a Resolução nº 7/05, objeto da ação. O STF emprestou

interpretação conforme aos incisos do art. 2º da Resolução, para restringir o parentesco por

afinidade da linha colateral “aos irmãos do cônjuge companheiro”; e para incluir o termo

“chefia” nos incisos II, III, IV e V do art. 2º da Resolução, pois a Constituição Federal

vinculou os cargos em comissão e as funções de confiança às atribuições de direção, de chefia

e de assessoramento.

Marco Aurélio indeferiu a liminar, pois entendeu que a eficácia ex tunc da concessão da

medida cautelar era indevida porque afastava a jurisdição e suspendiam-se atos jurisdicionais

já formalizados, que eram passiveis de impugnação por meio de instrumentos que lhe são

próprios. Além disso, a decisão do Supremo Tribunal Federal atingiria diretamente o trabalho

dos juizes hierarquicamente inferiores, pois estariam impedidos de exercer poder inato da

jurisdição: o poder geral de cautela. Coerente com seus votos proferidos nos julgamentos das

demais ações declaratórias de constitucionalidade, não concordou com a concessão de liminar

em ADC porque satisfaria necessariamente o mérito da ação: a declaração de eficácia da

norma. O Ministro também fundamentou seu voto no fato de que a Constituição não atribuiu

poder normativo ao Conselho Nacional de Justiça para legislar de forma abstrata, nos moldes

do Poder Legislativo.

O acórdão foi publicado em 01.09.2006 e no dia 15 do mesmo mês, foi aberta vista dos

autos ao Procurador-Geral da República para se manifestar sobre o pedido da autora. Até o

final do mês de outubro de 2006 o Ministério Público não havia juntado parecer, de maneira

que a ação encontra-se pendente de julgamento.

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4.13 Ação declaratória de constitucionalidade nº 13

Trata-se de ação declaratória de constitucionalidade proposta em 24.05.2006 pela

Associação Brasileira das Empresas de Trading (ABECE), entidade de classe de âmbito

nacional, e distribuída ao Ministro Joaquim Barbosa. Intenta a autora a declaração de

constitucionalidade do art. 1º da Resolução nº 71 do Senado Federal, de 26 de dezembro de

2005, que suspende a execução do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 07 de setembro de 1974,

da expressão “reduzir, temporária ou definitivamente, extinguir”, e, no inciso I do art. 3º do

Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, das expressões “reduzi-los” e “suspendêlos

ou extingui-los”.

A Resolução foi editada pelo Senado Federal baseada nos termos do art. 52, X, da

Constituição Federal, de maneira que suspendeu a execução de parte dos citados Decretos-

Lei, em virtude dos julgamentos definitivos dos Recursos Extraordinários nº 180.828,

186.623, 250.288 e 186.359. A finalidade da Resolução foi a de dar eficácia erga omnes aos

acórdãos proferidos nos referidos recursos extraordinários.

As expressões declaradas inconstitucionais autorizavam o Ministro da Fazenda a

suspender, reduzir temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que

tratavam os arts. 1º ao 5º do Decreto-Lei nº 491, de 05 de março de 1969, que regula o

crédito-prêmio do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Essa prática, conforme

decisões reiteradas em sede de controle de constitucionalidade difuso proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal, configurava delegação proibida.

Joaquim Barbosa, em despacho ordinatório, determinou que a autora comprovasse, no

prazo de dez dias, que possuía associados em pelo menos um terço dos Estados da Federação,

para que restasse demonstrada a condição de entidade de classe de âmbito nacional,

legitimada ativa a propor ação declaratória de constitucionalidade segundo o art. 103, IX, da

Constituição Federal. Essa característica básica da entidade de classe de âmbito nacional foi

determinada pelo julgamento da questão de ordem da ADIn nº 108, Relator Ministro Celso de

Mello, e desde então foi utilizada como regra para caracterizar a legitimidade ativa das

entidades privadas.

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A decisão foi publicada em 05.06.2006. Decorrido o prazo, a autora não se manifestou.

Desde então, até outubro de 2006, os autos estão conclusos ao Ministro Joaquim Barbosa.

4.14 Ação declaratória de constitucionalidade nº 14

A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), entidade de

âmbito nacional, propôs a ADC nº 14 em 20.09.2006, com medida cautelar, intentando ver

declarado constitucional o art. 16 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, com redação

dada pela Lei nº 10.506, de 10 de julho de 2002.

A problemática em torno da constitucionalidade do referido dispositivo iniciou-se como

erro datilográfico ocorrido na publicação da Lei nº 8.935, que em seu art. 16 previa a

realização de concurso de provas e títulos para o provimento de vagas, inclusive por remoção,

na atividade notarial e de registro. Porém, segundo denota a leitura das discussões

parlamentares do Projeto de Lei nº 2.248/91 da Câmara dos Deputados, a previsão legal seria

somente de concurso de prova de títulos.

A ANOREG, por conseguinte, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade,

nº 2.018, do art. 16 da referida Lei no mês de junho de 1999. O pedido de concessão de

medida cautelar na ADIn foi indeferido pelo Ministro Relator Moreira Alves, por não

encontrar relevância suficiente para o caso. Ocorre que o Presidente da República enviou

projeto de lei ao Congresso Nacional para corrigir o suposto erro cometido, sendo publicada a

Lei nº 10.506/2002, de maneira que o art. 16 da Lei nº 8.935 passou a prever apenas o

concurso de títulos para o preenchimento de vagas por remoção. Este fato resultou na perda

de objeto da ADIn nº 2.018, pois o teor do dispositivo objeto da ação passou a ter exatamente

o conteúdo buscado pela autora, tendo em vista as alterações trazidas pela Lei de 2002.

Em síntese, o entendimento da autora é o de que a necessidade de concurso público de

provas e títulos é exigida apenas nos casos de ingresso na atividade notarial e de registro,

conforme sua interpretação do art. 236, § 3º da Constituição de 1988.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, embora haja sido publicada a Lei nº

10.506, continuou a exigir provas e títulos nos concursos de remoção, motivando a proposição

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da ADC nº 14. Para comprovar a controvérsia judicial, juntou decisões proferidas pelos

Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e de

mais três Estados. Ao final de sua petição, pediu concessão de medida cautelar, para adequar

os concursos de remoção em andamento à época com o teor do art. 16 da Lei nº 8.935/1994.

O Ministro Relator Gilmar Mendes determinou, em despacho ordinatório de 02.10.2006,

a juntada de cópia do ato normativo questionado, que foi prontamente atendido pela autora.

Foi requerida participação no processo em 05.10.2006, na qualidade de amicus curiae, por

parte da Associação dos Titulares de Cartório do Estado de São Paulo. A autora, por outro

lado, peticionou requerendo que seja rejeitado o pedido da referida Associação. Até o final do

mês de outubro de 2006 os autos encontravam-se conclusos ao Ministro Gilmar Mendes.

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5 AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELA AÇÃO DECLARATÓRIADE CONSTITUCIONALIDADE

A ação declaratória de constitucionalidade foi utilizada por seus legitimados em

quatorze oportunidades. Dessas, nove foram conhecidas20 pelo Supremo Tribunal Federal,

sendo apenas três ações julgadas em definitivo e uma extinta em virtude da perda de seu

objeto. Foram sete pedidos de concessão de medida cautelar, sendo quatro deles julgados.

Com relação ao objeto das ações impetradas observa-se a predominância das discussões

envolvendo tributos. Este tema está em quatro das nove ações conhecidas. Outro objeto que

muito se aproximou com a questão tributária foi a problemática que envolveu o preço público

das tarifas de energia elétrica (ADC nº 9), e a gratuidade dos registros de nascimento e dos

assentos de óbito (ADC nº 5). Os interesses da Fazenda Pública foram discutidos em duas

oportunidades. Apenas em duas ocasiões (ADC nº 12 e nº 14) a controvérsia sobre a

constitucionalidade não envolveu direta ou indiretamente questões financeiras e o interesse da

União Federal.

Conforme a tabela a seguir, existe uma relação desproporcional entre os autores e a

quantidade de ações interpostas. Destaca-se a quantidade de ações em que o Presidente da

República, que por quatro vezes figurou como autor postulante da constitucionalidade de lei

ou ato normativo federal:

20 A ADC nº 13 não entrou nesta estatística porque está pendente de conhecimento pelo Ministro Joaquim Barbosa, que determinou a prova de que a autora seja uma entidade de âmbito nacional. Esta, por sua vez, não cumpriu com a ordem e os autos estão conclusos ao Ministro.

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Tabela nº 1:

Autores x Quantidade de ações conhecidas

QuantidadePresidente da República; Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados

2

Presidente da República (isoladamente) 2Procurador-Geral da República 2Entidade de classe de âmbito nacional 1Governador 2

Esses dados estatísticos aliados ao teor dos julgamentos proferidos pelo Supremo

Tribunal Federal repercutiram, e ainda repercutem, nas conjunturas econômica, jurídica e

política brasileiras. É o que se discutirá a partir de agora.

5.1 Implicações econômicas

À primeira vista a ação declaratória de constitucionalidade pouco se relaciona com a

economia, pois a intenção de seu autor é ver declarada a constitucionalidade de lei ou ato

normativo federal.

Quando se usa o termo economia e suas variações, inevitavelmente, entra-se num

universo diferente em relação ao Direito. Essas disciplinas, todavia, têm mantido diálogo cada

vez mais intenso. Não se quer aqui fazer uma análise profunda nas conseqüências provocadas

pela ação declaratória de constitucionalidade no sistema produtivo brasileiro, mas apenas

discutir algumas relações existentes entre o Poder Judiciário e a economia, bem como

aspectos econômicos que manifestamente sofrem ou sofreram interferência da ADC.

Nesse diapasão, a contenda sobre o grau de previsibilidade das decisões judiciais é

assunto sempre em voga. Inevitável é a pergunta do cliente ao seu advogado sobre a

probabilidade de sucesso na demanda. Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2006, p. E2), o que se

observa, principalmente nos últimos anos, é que o grau de previsibilidade das decisões

judiciais tem diminuído sensivelmente. Os profissionais da área jurídica têm se surpreendido

com o teor decisões, tendo em vista a frustração de suas expectativas baseadas no

conhecimento da lei e pelo assentado em jurisprudência.

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Essa discussão acaba envolvendo o tema da segurança jurídica: um dos principais

objetivos buscados pelo direito moderno, inclusive o vigente no Brasil. É um permanente

anseio da sociedade a previsibilidade de comportamentos, de maneira que seja possível a

convivência entre os indivíduos que a compõe, cujos interesses normalmente estão em

constante oposição. Sem essa segurança plausível, as relações humanas existiriam em número

muito menor e a instabilidade se propagaria como uma calamidade.

Entre essas relações está a economia. Os sócios e proprietários de empresas, para

garantir a continuidade de seus negócios e o crescimento do seu lucro, desejam contratar em

condições previsíveis, pois podem sofrer prejuízos com eventuais descumprimentos de

acordos. O Poder Judiciário num Estado Democrático de Direito é incumbido de um papel

preponderante: fazer cumprir as leis e a constituição. A resolução de conflitos visa à paz

social, de maneira que naturalmente a atividade econômica é facilitada. Nesta tarefa não há

espaço para decisões contraditórias que podem causar uma grave controvérsia judicial sobre

um determinado aspecto legal. Essa possibilidade inevitavelmente pode causar dano ao

patrimônio das empresas e das pessoas.

Assim, dentro de um sistema legal, a qualidade com que as leis são aplicadas pode

variar significativamente, com conseqüências relevantes para o funcionamento da economia

de um país. Isso se torna mais evidente depois das reformas econômicas implantadas nos

últimos quinzes anos por meio da política neoliberal, que tiveram o intuito de diminuir a

intervenção do Estado diretamente na economia, principalmente através de privatizações e

medidas que fomentam a abertura comercial. Como conseqüência desta assertiva, a

compreensão dos problemas que afetam o Judiciário e a proposição de soluções para essas

questões significam uma grande conquista para acelerar o desenvolvimento econômico

(PINHEIRO, 2002, p. 2). Outra implicação importante é a de que um Judiciário ágil e estável,

ao proteger a propriedade e os direitos contratuais, e que reduz a instabilidade das políticas

públicas, indubitavelmente promove o desenvolvimento econômico.

Segundo Armando Castelar Pinheiro (2002, p. 4), os principais problemas do Poder

Judiciário apontados pelos empresários são a lentidão, a burocracia e a imprevisibilidade das

decisões. O mesmo autor entrevistou magistrados pertencentes às Justiças Estadual e Federal,

nesta também foi incluída a Justiça do Trabalho, no ano de 2000, com o intuito de perceber a

visão dos magistrados sobre a problemática que gira em torno do próprio Poder que

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representam. Sobre a agilidade, 45% dos juízes apontaram que o Judiciário é ruim ou muito

ruim; os empresários, por sua vez, 91% (PINHEIRO, 2003, p. 7). Entre as principais causas

apontadas para a imprevisibilidade das decisões judiciais, sendo muito relevantes ou

relevantes, foram: deficiências no ordenamento jurídico (71%); tendência a decisões serem

tomadas por detalhes processuais (62%); freqüentes recursos a liminares (57%); falta de

preparo técnico dos juízes (40%); falta de clareza das decisões dos tribunais (40%). Isso

mostra a grande quantidade de variáveis que, na opinião dos próprios juízes, interferem no

grau de previsibilidade de suas decisões.

Numa economia globalizada, antes de aplicar seu capital, os investidores internacionais

analisam a questão da estabilidade dos entendimentos jurídicos que envolvem questões

diretamente relacionadas ao seu negócio. Conforme Coelho (2006, E2), “se o grau de

imprevisibilidade das decisões judiciais em um certo país é mais acentuado que em outro, este

último aparecerá como alternativa mais interessante para o investimento”.

Esta lógica rege o investidor porque afeta diretamente seus lucros em determinado país.

Em sendo o entendimento jurisprudencial previsível e estável, as chances de interferência no

investimento são menores, provocando uma permanência maior do capital estrangeiro no país.

Numa situação inversa, a tendência é que o país atraia investidores de risco, que procurem

especialmente a especulação do capital, buscando lucros no menor tempo possível. A questão

da estabilidade das decisões judiciais, portanto, é uma das variáveis que influencia o fluxo de

capital estrangeiro de um país.

Para Ernani Rodrigues Carvalho (2004, p. 117), o fracasso do Estado na África, o

esgotamento das ditaduras militares na América Latina e o desmantelamento do Leste

Europeu mostrou que em um país que não possui um enquadramento jurídico sólido, um

sistema judicial independente e honesto, os riscos de ocorrência de um colapso econômico e

social são extraordinários. Dessa forma, o Poder Judiciário possui a função primordial de

manter razoavelmente a estabilidade de suas decisões, para que as relações econômicas não

sofram as conseqüências do temor da instabilidade.

Esse tema possui extrema relevância, pois o crescimento econômico de países

emergentes, como o Brasil, depende de investimentos estrangeiros. Daí a necessidade da

compreensão do alcance e das conseqüências que determinadas questões podem atingir, como

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é o caso da busca da segurança jurídica. Na Constituição de 1988 são encontrados dispositivos

que indicam uma garantia mínima de segurança jurídica no país. É o caso, v.g., do art. 5º,

XXXVI, no qual se encontra a garantia de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada.

Segundo Sérgio Rocha (2006, p. 508), para se desenvolver, a política neoliberal atua em

duas áreas distintas, mas interligadas: no Poder Judiciário e no sistema legal. Na primeira

área, o objetivo principal das reformas é a alteração nas estruturas do Poder e a preocupação

com a posição ideológica dos juízes. Já na segundo campo de ação da política neoliberal,

procura-se fazer com que a produção legislativa permita uma mudança na orientação

jurisprudencial e nos resultados concretos obtidos com o acesso ao Judiciário, sempre na

busca de remoção de barreiras ao capital.

Uma das reformas de cunho neoliberal foi a promulgação da Emenda Constitucional nº

3, que criou a ação declaratória de constitucionalidade, cuja finalidade precípua é o

afastamento da insegurança jurídica causada por decisões judiciais contraditórias que

analisam a constitucionalidade, em concreto, de determinado dispositivo legal. O efeito

vinculante das decisões proferidas nesta espécie de ação, inclusive na concessão de medidas

cautelares, abrange os demais órgãos do Poder Judiciário e o Poder Executivo. Em caso de

eventual ato em desacordo com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o

interessado poderá ingressar com reclamação para garantir a autoridade das decisões do órgão

de cúpula do Poder Judiciário, controlador da constitucionalidade.

Conforme já dito, na proposição das ações declaratórias de constitucionalidade houve

uma predominância de objetos notadamente relacionados à economia. Viu-se que o Presidente

da República foi um dos principais autores de ADC exatamente para resolver, num único

julgamento questões fundamentais que interferiam nas contas públicas. Embora o interesse

direto da maioria dessas ações tenha sido da União Federal, tendo em vista a discussão sobre a

constitucionalidade de contribuições sociais, contribuições previdenciárias, alterações no

processo civil em benefício da Fazenda Pública, indiretamente, todos esses temas possuem

relação com a iniciativa privada e o cidadão, já que são eles que desembolsam os valores para

sustentar a máquina estatal e ingressam judicialmente contra a Fazenda Pública.

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Tributo é assunto do dia-a-dia das empresas e do cidadão. Dificilmente uma empresa

funciona sem um contador para controlar suas obrigações tributárias. O imposto de renda, a

CPMF e as contribuições previdenciárias são assuntos corriqueiros nas conversas das pessoas.

Por isso, decisões judiciais que decidem sobre esses temas geram conseqüências também

econômicas em praticamente todo o país, pois incidem sobre as finanças dos contribuintes.

Assim, a ação declaratória de constitucionalidade afeta a economia brasileira, pois, além

de normalmente ter como objeto questões que envolvem tributos e interesses da União,

representa um instrumento que busca a manutenção, com relativa agilidade, da segurança

jurídica nos momentos em que ela está ameaçada, nos moldes da política neoliberal.

5.2 Implicações jurídicas

As implicações trazidas pela ação declaratória de constitucionalidade e seus julgamentos

também atingem o âmbito jurídico, notadamente os órgãos do Poder Judiciário e as regras

processuais.

O órgão julgador, em tese, não pode transpor os limites da norma ao proferir uma

decisão. Cabe ao intérprete julgador analisar o dispositivo legal para compreender o seu

sentido, como etapa prévia e necessária à aplicação de seu enunciado. Já no âmbito

constitucional, a tarefa hermenêutica remete para a compreensão da constituição como

processo normativo, político, social e simbólico. Assim, interpretar a constituição não se

resume a revelar o sentido prévio das normas, mas também acrescentar significado a um

enunciado constitucional (SAMPAIO, 2005, p. 361).

O Supremo Tribunal Federal, ao realizar a interpretação de dispositivos referentes à

ação declaratória de constitucionalidade, procedeu de maneira peculiar em pelo menos cinco

oportunidades: 1) na interpretação restritiva do rol de legitimados ativos; 2) na questão do

contraditório; 3) na determinação da relevante controvérsia judicial; 4) na extensão e natureza

do efeito vinculante e; 5) no caráter da decisão que concede a medida cautelar. O resultado

dessas interpretações trouxe conseqüências jurídicas diretas, conforme se revelará a seguir.

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A Constituição Federal, até a Emenda Constitucional nº 45, estabelecia um rol taxativo

de legitimados e em número menor, se comparado ao de hoje. Até o ano de 2004, apenas o

Presidente da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o

Procurador-Geral da República poderiam propor ação declaratória de constitucionalidade. A

reforma igualou o rol de legitimados da ADC com o da ADIn, incluindo os Governadores de

Estado e do Distrito Federal, as Mesas da Assembléia Legislativa dos Estados e da Câmara

Legislativa do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o

partido político com representação no Congresso Nacional; e a confederação sindical ou a

entidade de classe de âmbito nacional.

Apesar das críticas sobre a restrição dos habilitados para propor ação declaratória de

constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, até 2004, preferiu manifestar uma conduta

restritiva e respeitou estritamente o rol estabelecido no antigo texto constitucional, negando o

conhecimento de ADC interposta por habilitados a propor ação direta de inconstitucionalidade

que ainda não possuíam legitimidade para ingressar com ADC.

Essa conduta pode ser explicada não somente pelo apego em não suplantar os limites

constitucionais do rol de legitimados, vez que outros aspectos influenciaram

fundamentalmente esse julgamento, quais sejam: o acúmulo e o excesso de processos

distribuídos e pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal, cujos índices

aumentaram sensivelmente a partir da segunda metade da década de noventa, segundo estudo

exposto no item 3.1 deste trabalho. O STF, mesmo com o crescente problema do acúmulo

excessivo de demandas, poderia ter interpretado a norma do rol de legitimados de maneira a

igualar com o estabelecido para a ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista a

aceitação do argumento de que a ADC nada mais é do que uma ADIn com sinal trocado, no

dizer do Ministro Gilmar Mendes, e na conclusão que se chegou no julgamento da

Reclamação nº 1.880, na qual foi estendido o efeito vinculante também para a ADIn.

Diante dessa restrição, quatro de dez ações declaratórias de constitucionalidade

deixaram de ser conhecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Na ADC nº 2, o Ministro Relator

Carlos Velloso aduziu em seu julgamento que a insatisfação da autora em não figurar no rol

de legitimados deveria ser dirigida ao Congresso Nacional e não ao STF, mesmo diante de

todas as semelhanças existentes entre as duas espécies de ações.

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Quando estabeleceu a pertinência temática como requisito dos autores legitimados para

interposição de ações em sede de controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal

não se baseou na interpretação literal para restringir, mais uma vez, a possibilidade de

ingresso de ações perante o Tribunal, tendo em vista que a demonstração de interesse da

entidade de classe em relação ao objeto é regra que não existe expressamente na Constituição

de 1988. Todavia, em relação ao rol de legitimados estabelecido no antigo art. 103, § 4º, sua

inteligência foi exclusivamente literal, mas com o mesmo objetivo: restringir o acesso ao STF

(ARAÚJO, 2006, p. 334).

Apesar desta discussão sobre o rol de legitimados não ser mais justificada na prática, em

virtude da atual igualdade entre os legitimados de ADIn e ADC, ela não poderia deixar de ser

evidenciada, já que durante mais de dez anos a interpretação restritiva do Supremo Tribunal

Federal regulou o conhecimento das ações declaratória de constitucionalidade. O que merece

mais destaque, não é o simples fato da ilegitimidade, mas a diferença entre os métodos de

interpretação utilizados pelo STF para alcançar o mesmo objetivo: a restrição do acesso ao

Judiciário.

Vale dizer, ainda, que o STF também aplicou a teoria da pertinência temática como

requisito para a ADC. Isso ocorreu no julgamento da medida cautelar da ADC nº 12, quando a

Associação dos Magistrados Brasileiros, na própria petição inicial demonstrou seu interesse

em relação ao objeto da ação. O Ministro Relator Carlos Britto concordou com a

demonstração da autora e conheceu da ação.

Inocêncio Mártires Coelho (1997, p. 13), sobre a atividade interpretativa assim escreve:

Se não existe interpretação sem intérprete; se toda interpretação, embora seja um ato de conhecimento, traduz-se, afinal, em uma manifestação de vontade do aplicador do direito; se a distância entre a generalidade da norma e a particularidade do caso exige, necessariamente, o trabalho mediador do intérprete, como condição indispensável ao funcionamento do sistema jurídico; se no desempenho dessa tarefa resta sempre uma insuprimível margem de livre apreciação pelos operadores da interpretação; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, então o ideal de racionalidade, de objetividade e, mesmo de segurança jurídica, aponta para o imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento subjetivo da interpretação e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo que se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenêutico. (grifo nosso)

Sem embargo, a subjetividade dos Ministros Relatores das ações declaratórias de

constitucionalidade nº 2, nº 6, nº 7 e nº 10 interferiu diretamente na interpretação restritiva em

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relação ao antigo rol de legitimados da ação declaratória de constitucionalidade. A

demonstrada situação do acúmulo de ações distribuídas perante o Supremo Tribunal Federal,

certamente, influenciou a interpretação literal do antigo art. 103, § 4º e a criação da teoria da

pertinência temática no âmbito das ações de controle de constitucionalidade.

Outra questão peculiar interpretada pelo Supremo Tribunal Federal é a existência do

contraditório no processamento do controle de constitucionalidade. No julgamento da ADC nº

1, o Ministro Moreira Alves solidificou entendimento de que se tratava de processo objetivo,

portanto, sem partes, de maneira o STF julgaria sobre a harmonia do dispositivo objeto da

ação com a Constituição Federal, e não a resolução de conflitos envolvendo interesses

individuais das partes. Assim, não caberia o argumento de que a instituição da ADC feriria os

princípios do contraditório e da ampla defesa.

Porém, os Ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso manifestaram preocupação

com o contraditório em relação à regra que impede a participação de terceiros no processo,

mesmo aqueles que fossem legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade. Para

eles, a manifestação destas entidades poderia trazer aos autos informações necessárias para

um julgamento criterioso em relação à constitucionalidade do dispositivo legal em análise.

Seriam contrapostos, dessa forma, os argumentos em favor da constitucionalidade

apresentados pelo autor, bem como haveria lugar para a manifestação dos argumentos

contrários pelos que assim pensassem.

A conclusão sobre esse ponto foi o estabelecimento da regra de que não é permitida a

manifestação de terceiros no processo, nos termos do voto do Ministro Moreira Alves, cuja

argumentação se baseou, mais uma vez, em interpretação restritiva. Para o Ministro, como se

tratava de questão eminentemente processual, somente norma legal poderia estabelecer a

intervenção de terceiros, bem como seus direitos e deveres processuais.

Mais tarde, a Lei nº 9.868/1999 trouxe em seu art. 7º, § 2º, a possibilidade de

manifestação de outros órgãos e entidades nos autos da ação direta de constitucionalidade, na

modalidade de amicus curiae, considerando a relevância da matéria e a representatividade de

seus postulantes. Embora a mesma possibilidade não tenha sido ampliada expressamente para

a ação declaratória de constitucionalidade, por causa do veto aos parágrafos do art. 18, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possibilitou a participação de terceiros pelo

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menos na ADC nº 12. Na ADC nº 14, apesar de requerido, o Ministro Relator Gilmar Mendes

ainda não se pronunciou até o final do mês de outubro de 2006.

A participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para

toda a sociedade, como é o caso dos processos em sede de controle concentrado de

constitucionalidade, cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de

Direito. Em consonância com essa idéia, Häberle (1999, p. 47) defende a necessidade de que

os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados. Quanto maior a

possibilidade de participação no processo, na medida em que maiores informações serão

trazidas à análise dos juízes, maior o grau de democracia e de legitimidade da jurisdição

constitucional.

A terceira implicação jurídica trazida pela ação declaratória de constitucionalidade está

relacionada com a relevante controvérsia judicial envolvendo o objeto da ação. O Supremo

Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 1, concluiu ser necessária a demonstração da

referida grave controvérsia, sem, contudo, existir nenhuma menção a esta exigência no texto

constitucional modificado pela Emenda nº 3/1993. Segundo o acórdão, se não houvesse a

exigência da demonstração, o STF funcionaria como um mero órgão consultivo, pois nada

impediria que os legitimados ingressassem com uma ação, por deleite, objetivando a

declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo de sua preferência.

Não há dúvidas sobre a razoabilidade e coerência na referida preocupação levantada

pelo Supremo Tribunal Federal. Inclusive essa questão foi apreciada pela Associação dos

Magistrados Brasileiros em sua petição inicial quando interpôs a ADIn nº 913, que questionou

a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3 e serviu de base para a argumentação em

favor da inconstitucionalidade da ADC, apesar de não ter sido conhecida por ilegitimidade

ativa. No entanto, o legislador não compartilhou da mesma preocupação ao instituir a ação

declaratória de constitucionalidade, fato demonstrado pela inexistência de regras impondo

requisitos de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade quando da sua

instituição pela Emenda nº 3/1993.

Em síntese, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal, através apenas de sua

jurisprudência, criou regra de admissibilidade em ações de controle de constitucionalidade

inexistente no texto constitucional. Da mesma forma que o fez quando da pertinência

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temática, a regra da demonstração de controvérsia relevante possui elementos de cunho

eminentemente subjetivo, já que somente o próprio STF irá dizer quando a controvérsia é ou

não é relevante.

No julgamento da ADC nº 8 ficou assentado que a grave controvérsia pode ser

verificada quando existe elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes,

verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e

de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional das normas objeto da ADC.

Sendo assim, quantas decisões são necessárias? Duas conflitantes entre si? Entre juízes

singulares, entre Tribunais Regionais Federais, ou há a necessidade de acórdão do Superior

Tribunal de Justiça? Não há um critério objetivo, e sim meramente subjetivo.

Não houve, até a proposição da ADC nº 1421, nenhuma solicitação, por parte dos

Ministros Relatores, de demonstração posterior à petição inicial da controvérsia envolvendo o

objeto da ação. Em todas elas os autores suficientemente conseguiram expor a insegurança

jurídica trazida pelo conflito entre decisões, inclusive na ADC nº 9, cujo objeto foi a Medida

Provisória nº 2.152-2 de 01.06.2001, e a ação foi distribuída em 11.06.2001, apenas dez dias

depois da publicação do dispositivo22.

Conforme a já citada lição de Coelho (1997, p. 13), o Supremo Tribunal Federal,

quando exerce seu papel de guardião da constituição criando regras de caráter essencialmente

subjetivo, afasta-se do ideal de racionalidade e de segurança jurídica; caminha no sentido

contrário ao princípio republicano que visa à objetividade na aplicação das normas

constitucionais. Isso representa um grave e crescente risco de manutenção e acúmulo de poder

nas mãos daquele que diz o que é a constituição.

A quarta implicação jurídica originada da instituição da ação declaratória de

constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro foi o estabelecimento do efeito

vinculante das suas decisões de mérito aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder

Executivo. Em conformidade com o que já foi explanado, o efeito vinculante possibilita que

aqueles que forem diretamente atingidos por ato praticado por quaisquer dos citados órgãos

21 As informações disponíveis sobre o processamento ADC nº 13 e nº 14, até o final de outubro de 2006, não permitem concluir que o Ministro Relator determinou a juntada de decisões judiciais contraditórias sobre o objeto da ação, que comprovassem a grave controvérsia judicial.22 A MP nº 2.152-2, teve origem na MP nº 2.147 de 15.05.2001.

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poderão propor reclamação diretamente ao Supremo Tribunal Federal, com o intuito de fazer

cumprir a decisão e de garantir a sua autoridade como órgão de cúpula do Judiciário e

controlador da constitucionalidade.

O alcance objetivo do efeito vinculante atinge não apenas a parte dispositiva da decisão,

como também seus fundamentos e motivos determinantes. É exatamente neste ponto

fundamental que ele se diferencia do efeito erga omnes. Importante salientar que, apesar desta

característica, os demais juízes podem desrespeitar livremente as decisões do Supremo

Tribunal Federal com efeito vinculante, pois o seu livre convencimento não é atingido. Nesses

casos, o juiz também não poderá sofrer represália, suspensão, advertência, ser transferido ou

impedido de promoção por merecimento. Por outro lado, no eventual desrespeito de decisão

do STF, dificilmente uma reclamação será julgada improcedente, pois é normal a análise

depurada dos argumentos em favor e contra a constitucionalidade do dispositivo legal quando

do julgamento original do processo em sede de controle de constitucionalidade.

Porém, não é apenas esse fato que desestimula decisões que contrariem o entendimento

emanado pelo STF. Pode-se alegar que o efeito vinculante ataca a independência funcional do

juiz, que consiste na inexistência, ou negação, de qualquer influência político-ideológica ou

econômica, interna ou externa ao Judiciário, sobre seus atos. Caracteriza-se como a base da

atividade jurisdicional, pois qualquer ingerência seja ela promovida por membros do próprio

Poder Judiciário, ou dos demais Poderes, ou mesmo de terceiros, seria falha suficiente para

desfigurar a Justiça, como fundamento da atividade jurisdicional impulsionada pelo juiz.

A única influência que deve vincular o juiz é a da lei (GUERRA, p. 125). Assim, com o

intuito de assegurar a independência funcional do juiz, o legislador constituinte estabeleceu

mecanismos de compensação a esta possibilidade de interferência no trabalho do juiz:

vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, conforme art. 95, I, II e III

da Constituição de 1988.

No entanto, se feita uma análise mais profunda se verá que os mecanismos que visam

garantir a independência funcional na verdade não são satisfatórios. Basta examinar a própria

estruturação interna hierárquica do Poder Judiciário. Em primeiro lugar, a organização

administrativa e financeira está sob o controle dos tribunais, sejam eles os de Justiça ou

Regionais Federais, sejam Superiores ou mesmo o próprio Supremo Tribunal Federal. Além

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dessa característica centralizadora em sua estrutura, os juízes singulares, que formam a grande

maioria dos membros do Judiciário, permanecem inertes em sua importância ou voto; nem

mesmo podem escolher o presidente do tribunal ao qual é submetido. Ressalte-se que o

presidente do tribunal é quem tem o poder de gestão propriamente dito, incluída a gerência

dos recursos financeiros.

Caso a referida autocracia não seja suficiente para justificar eventual carência de

independência funcional dos juízes, pode ser feita uma análise no próprio âmbito jurídico.

Cabe aos tribunais a função revisora das decisões singulares, podendo confirmá-las ou

reformá-las. Nessa esteira de raciocínio, a estrutura hierarquizada de revisão das decisões

naturalmente atinge a independência do juiz. Inevitavelmente, o juiz, ao decidir, terá em seu

subconsciente a estrutura hierarquizada e autocrática do poder do qual participa. O teor de sua

decisão, caso não coincida com a opinião dos seus superiores, muitas vezes, pode significar

uma influência negativa em sua ascensão funcional, tendo em vista que aqueles que revêem

seu trabalho são os mesmos que decidem sobre o futuro de sua carreira.

Sem embargo, a estruturação hierarquizada, desigual e autocrática do judiciário só

contribui para o comportamento “obediente” do juiz em relação aos seus superiores.

Independência funcional, portanto, é prerrogativa exclusiva daqueles que ocupam cadeiras em

tribunais.

Nesse contexto, o efeito vinculante é um plus que impulsiona a obediência dos juízes em

relação às decisões dos tribunais. A lei do menor esforço, mais cedo ou mais tarde,

naturalmente regerá as decisões dos juízes, pois pensarão duas vezes antes de prolatar decisão

que será cassada pelo Supremo Tribunal Federal em processo de reclamação. Raros serão os

casos que merecerão a preocupação do julgador em tentar desconstituir ou alterar

entendimento proferido pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade;

principalmente daqueles juízes que se utilizam da tópica jurídica de Viehweg23.

23 Pontes Filho (2001) defende que o efeito vinculante desnatura a técnica de interpretação conhecida como “tópica jurídica”, criada por Theodor Viehweg em sua obra Tópica e jurisprudência, cuja máxima é a determinação do ponto de partida da atividade interpretativa como sendo a problemática do caso concreto. Apenas num segundo momento, o intérprete se dirige ao ordenamento jurídico em busca de fontes para, enfim, aplicar o direito. O raciocínio indutivo do juiz tem como principal obstáculo a decisão do STF com efeito vinculante.

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O último ponto de discussão envolvendo as implicações jurídicas da ação declaratória de

constitucionalidade é a concessão de medida cautelar com efeito vinculante e eficácia ex tunc.

Conforme visto no julgamento da ADC nº 4, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a

concessão de medida cautelar é inerente a função jurisdicional e que seria um contrasenso um

juiz ou tribunal não acautelar a eficácia de suas decisões futuras.

A principal característica desta decisão é a de que, mais uma vez, o Supremo Tribunal

Federal, no uso de suas atribuições como guardião da constituição, ultrapassou limites por ela

estabelecidos. A Constituição Federal, quando instituiu a ação direta de inconstitucionalidade,

também cuidou de prever a possibilidade de concessão de medida cautelar (art. 102, I, p), com

o intuito de rapidamente suspender dispositivo legal em descompasso com o ordenamento. O

legislador da Emenda nº 3/1993, além de não ter estabelecido previsão de medida cautelar,

concedeu efeito vinculante expressamente às decisões definitivas de mérito proferidas em

ações declaratórias de constitucionalidade.

No julgamento da ADC nº 4, o STF concluiu que havia necessidade de extensão do

efeito vinculante para as medidas cautelares, para suspender decisões que tivessem como

pressuposto a constitucionalidade de dispositivo objeto da ADC. Somente dessa forma, para a

maioria dos Ministros, a insegurança jurídica trazidas por decisões conflitantes cessaria até o

julgamento definitivo da ação, garantindo a eficácia da futura decisão em favor, ou não, da

constitucionalidade do dispositivo legal.

A questão da presunção de constitucionalidade das leis não foi levantada no julgamento

da ADC nº 4. Parte da doutrina que defende a incompatibilidade de medida cautelar em ADC

argumenta que a referida medida é contraditória em si pelo simples fato da lei (nos casos em

que o objeto da ADC é uma lei) gozar de presunção de constitucionalidade (DELFIM, 2001,

p. 69; NERY JÚNIOR, NERY, 1999, p.179). Por outro lado, Sérgio Fernandes Moro (2006,

p. 67) aduz que a presunção de constitucionalidade da lei deve ser afastada em pelo menos

quatro hipóteses, de maneira que o exame judicial sobre a lei na atividade de controle de

constitucionalidade merece ser mais rigoroso: 1) tratamento desfavorável a minorias; 2)

tratamento mais favorável a grupos de acentuada influência política; 3) restrições a direitos

sociais; e 4) legislação restritiva de liberdade de expressão e do acesso à informação. Tanto

isso é verdade que existe previsão de medida cautelar em ADIn que suspende a aplicação da

lei supostamente inconstitucional até o julgamento do mérito da ação.

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Vale ressaltar que a extensão do efeito vinculante também alcançou as decisões em

ações diretas de inconstitucionalidade, pois o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da

Reclamação nº 1.880, entendeu que ADIn e ADC são ações idênticas, exceto no pedido, que

são inversos entre si. Para o Ministro Sepúlveda Pertence24 seria “kafkiano” dar efeito

vinculante a uma e negá-lo a outra, pois isto abriria a possibilidade do STF, julgando

improcedente uma ADIn, conhecer e julgar ADC sobre o mesmo objeto, mas desta vez a

decisão teria efeito vinculante. Não haveria, portanto, sentido em dar efeito vinculante apenas

às decisões proferidas em ADC.

Quando o STF concedeu a medida cautelar na ADC nº 4, o fez com eficácia ex nunc,

isto é, os efeitos da decisão atingiram, e continua atingindo (visto que não houve julgamento

definitivo), as decisões futuras dos demais juízes, como também as decisões já proferidas,

mas que ainda não tiveram satisfeitos seus efeitos. Na ADC nº 5 e na de nº 8, as medidas

cautelares foram concedidas com a mesma eficácia ex nunc.

Porém, a jurisprudência do STF caminhou no sentido de dar eficácia ex tunc para as

concessões de medida cautelar. Foi o que ocorreu na ADC nº 9, quando foi discutida a

questão do racionamento de energia elétrica. A Ministra Ellen Grace abriu a divergência

deferindo o pedido do autor para determinar eficácia ex tunc da medida cautelar. Na prática, a

decisão acauteladora do STF interferiu não apenas nos processos em que não foi decidida a

questão incidental de constitucionalidade do racionamento, mas também nas lides em que se

determinou a ordem que impediu a cobrança de tarifas especiais ou mesmo a suspensão do

fornecimento de energia elétrica.

Na prática, conforme salientou o Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADC nº 4, a

declaração de constitucionalidade com efeito vinculante em medida cautelar nada mais é que

uma antecipação de tutela. O fato de a ação ser declaratória impede a concessão de cautelar,

pois do contrário o julgador antecipa os efeitos da sentença logo na decisão liminar, que é

transitória e deve ter o caráter meramente acautelador. A concessão, é certo, visa à segurança

jurídica, notadamente porque tem como objetivo estacionar o conflito entre decisões judiciais

sobre o mesmo objeto. No entanto, assim o faz da mesma forma como a decisão definitiva

fará. Tanto isso é verdade que os votos dos Ministros proferidos no julgamento do mérito da

24 ADC-MC nº 4, DJ 21.05.1999.

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ADC nº 9 (a única com liminar e mérito julgados) foram verdadeiras cópias dos votos da

concessão da medida cautelar.

Resta, portanto, comprovada a tese de que a instituição da ação declaratória de

constitucionalidade no ordenamento constitucional brasileiro trouxe importantes e arriscadas

implicações jurídicas. Arriscadas porque a interpretação do Supremo Tribunal Federal é

baseada, muitas vezes, em elementos subjetivos que podem proporcionar a usurpação dos

limites constitucionais, conforme demonstrado nas cinco oportunidades em que assim se

procedeu a maioria do Tribunal.

5.3 Implicações políticas

Da mesma forma que as diversas interpretações do Supremo Tribunal Federal sobre a

ação declaratória de constitucionalidade trouxeram conseqüências no âmbito jurídico, essas

mesmas decisões causaram conseqüências diretas na seara da política brasileira, notadamente

por envolver discussão sobre o princípio da separação dos Poderes, a manutenção do Estado

Democrático de Direito, como também a eventual usurpação de limites constitucionais pelo

Supremo Tribunal Federal.

Cabe inicialmente destacar que a ação declaratória de constitucionalidade, através de

uma análise empírica dos seus julgamentos, proporcionou a satisfação dos interesses da União

Federal. Conforme disposto na Tabela nº 1 deste capítulo, o Presidente da República, sozinho,

foi autor de duas ações; acompanhado das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal, de mais duas. Nas duas ocasiões em que o Procurador-Geral da República foi o autor

da ADC, o interesse da União estava sendo representado de maneira indireta, pois a atuação

do representante do Ministério Público foi provocada por pedido do Ministro da Educação e

do Desporto (ADC nº 3) e por pedido do Ministro da Justiça (ADC nº 5). Outro ponto

fundamental desta discussão foram os objetos das ações: quando não foi questão tributária, foi

interesse da Fazenda Pública.

Na opinião dos juízes, o governo, em todas as esferas, recorre ao Poder Judiciário, mais

para retardar o cumprimento de suas obrigações e menos para defender direitos. Segundo

Armando Castelar Pinheiro (2002, p. 14), mais de 74% dos juízes afirmam que essa prática do

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governo federal é muito freqüente. No caso específico da ação declaratória de

constitucionalidade, o recurso ao Judiciário pelo governo federal pode ser analisado sob outro

ponto de vista. A quantidade de ações interpostas pelo Presidente da República e o objeto

discutido nestas oportunidades levam a crer que o seu objetivo foi o de rapidamente ter

decididos temas de seu interesse, notadamente por incidirem sobre questões tributárias

geradoras de receita. Inclusive, essa intenção foi discutida na tramitação da proposta de

emenda à constituição que deu origem à Emenda Constitucional nº 3; e em julgamentos do

plenário do Supremo Tribunal Federal, v.g., na Reclamação nº 1.880, conforme já explanado

nos itens 3.1 e 2.7 deste trabalho, respectivamente.

Das nove ações declaratórias de constitucionalidade conhecidas, apenas a ADC nº 5, a

ADC nº 12 e a ADC nº 14 ligeiramente fogem da regra acima, pois seus objetos

estão/estiveram indiretamente ligados a interesses financeiros de ordem pública. Nas demais,

temas polêmicos como COFINS, antecipação de tutela contra a Fazenda Pública e o programa

de racionamento, foram decididos, embora alguns liminarmente, num intervalo de tempo

muito pequeno e todos em favor do governo25. Assim, a ação declaratória de

constitucionalidade pode ser entendida como um instrumento nas mãos do governo federal

para satisfazer seus interesses de maneira eficiente perante o Poder Judiciário, através de uma

rápida decisão sobre questões controversas.

A velocidade para se chegar ao fim de discussões polêmicas é explicada pelo efeito

vinculante das decisões proferidas em ação declaratória de constitucionalidade. Há quem

defenda que o princípio da separação dos Poderes é transgredido pelo referido efeito. Ives

Gandra da Silva Martins (1994, p. 127) afirma que a violação do princípio ocorre por conta da

possibilidade de aferição da constitucionalidade de lei ou ato normativo imediatamente após

sua publicação, antes mesmo da análise da experiência derivada de sua aplicação,

transformando assim o Supremo Tribunal Federal em órgão meramente consultivo da conduta

do Poder Legislativo e do Executivo. Esse argumento, porém, não resiste à exigência da

demonstração da relevante controvérsia judicial feita pelo Supremo Tribunal Federal no

julgamento da ADC nº 1, conforme já conhecido.

25 Curioso notar que, à primeira vista, o governo não saiu vitorioso na ADC nº 8, em virtude do STF ter rejeitado o pedido de medida cautelar para declarar a constitucionalidade da contribuição dos servidores públicos inativos. Na verdade, o STF mostrou para o governo o caminho a tomar se fosse essa realmente sua intenção, evidenciando a falha da medida. A lição foi compreendida pelo governo que, antes mesmo do julgamento definitivo da ADC nº 8, conseguiu a promulgação da Emenda Constitucional nº 41 em 19.12.2003, com as reformas que possibilitaram a contribuição dos servidores inativos para o regime de previdência.

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André Brawerman (2005, p. 208) defende a violação do princípio pelo fato do efeito

vincular não apenas os demais órgãos do Judiciário e do Executivo, mas também o próprio

Supremo Tribunal Federal. Assim, para o autor, a decisão em sede de controle concentrado de

constitucionalidade seria eterna e imutável, sem chances de acompanhar eventuais

transformações da sociedade. Essa qualidade, no entanto, o efeito vinculante não possui,

conforme discutido no item 3.4.3 deste trabalho, quando se evidenciou os limites objetivos do

citado efeito.

Natacha Nascimento Tostes26 (2004, p. 88), por sua vez, levanta a hipótese de que, ao

estabelecer decisão com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal estaria a criar norma

jurídica, dispondo sobre o futuro, atribuição exclusiva do Legislativo. Em seguida expõe sua

opinião discordante com essa suposição, pois, em primeiro lugar, o efeito vinculante decorre

de expressa autorização do Poder Legislativo, ou seja, não emanou originariamente do

julgador. Em seguida, a autora se baseia na evolução da teoria clássica da separação dos

Poderes. Da praticamente completa separação, a teoria vem ganhando novos contornos, de

forma que as funções dos Poderes estão cada vez mais interligadas entre si, visando uma

melhor eficiência na atividade estatal. Na prática, não há criação de norma, e sim o

estabelecimento de sua interpretação, que deve ser seguida pelos demais órgãos judiciais e do

governo a fim de promover a uniformização das decisões e dos atos administrativos.

Lênio Streck (2004, p. 640), suscita questão semelhante: a conseqüência do efeito

vinculante das decisões em sede de interpretação conforme27, segundo o art. 28, parágrafo

único da Lei nº 9.868/1999. Para o autor, o Supremo Tribunal Federal, nestas ocasiões,

produz norma geral de eficácia erga omnes, pois estabelece que determinado dispositivo legal

é constitucional apenas se interpretado da maneira assentada pelo STF. Diante dessa

possibilidade, ainda existe o risco de estabelecimento de interpretação conforme destoante do

sentido constitucional. Dessa forma, além do Judiciário imobilizar o sentido na norma,

impedindo o desenvolvimento de novas interpretações, poderá fazê-lo em desacordo com a

constituição.

26 Embora a autora escreva sobre a súmula vinculante, trata-se do mesmo efeito das ações declaratórias de constitucionalidade. Os argumentos discutidos pela autora foram trazidos por se tratar de debate semelhante.27 No mesmo sentido, a nulidade parcial sem redução do texto, tendo em vista a semelhança da natureza essencialmente interpretativa das decisões destas duas espécies.

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Neste aspecto levantado por Streck, a estagnação da jurisprudência parece ser um

fenômeno quase inevitável, pois o juiz é compelido a não interpretar o dispositivo de maneira

diferente, pois se assim o fizer, será uma interpretação inconstitucional. Raramente haverá

hipóteses em que as partes, ou mesmo o próprio juiz, diante das peculiaridades do caso

concreto, realizarão esforço interpretativo, de acordo com suas convicções e aspirações da

sociedade, capaz de contrariar justificadamente o sentido vinculante de uma decisão. Eventual

alteração da interpretação conforme ocorrerá, se for o caso, em futura análise do mesmo

objeto pelo Supremo Tribunal Federal.

Quando se analisa a problemática da estagnação da jurisprudência não se pode olvidar

de outro problema: o desrespeito das decisões proferidas pelos tribunais superiores, em

especial pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de

constitucionalidade. A insegurança jurídica causada por esse atropelo, muitas vezes leva o

jurisdicionado a percorrer um longo, penoso e demorado percurso até ver decisão definitiva

sobre seu caso. Buscou-se, com o estabelecimento do efeito vinculante, a supressão dessa

insegurança, com uma maior previsibilidade das decisões judiciais.

Mesmo assim, o cidadão continua com a garantia de acesso ao Judiciário, para apreciar

lesão ou ameaça de seus direitos. Não é demais repetir que o efeito vinculante das declarações

de constitucionalidade, mesmo nos casos de interpretação conforme e nulidade parcial sem

redução de texto, não impede que os juízes interpretem em sentido contrário no caso concreto.

Caso assim o façam, sua decisão será submetida ao Supremo Tribunal Federal que analisará

sua fundamentação. O tempo, as mudanças na sociedade ou mesmo a alternância nas cadeiras

dos Ministros poderão possibilitar uma possível mudança do sentido da norma.

O efeito vinculante atinge expressamente os juízes e os órgãos do Poder Executivo. O

Pode Legislativo, por outro lado, não é citado pelo art. 102, § 2º da Constituição de 1988,

levando a crer que o legislador é imune às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal. Caso o texto emendado incluísse o Legislativo no rol dos atingidos pela vinculação,

certamente seria levantada a hipótese de violação do princípio da separação dos Poderes.

Conforme Habermas (1997, p. 298), a crítica à jurisdição constitucional é conduzida

quase sempre em relação à distribuição de competências entre o legislador e o juiz. É

atribuída ao primeiro a função legislativa lato sensu, através da qual produz leis gerais com

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eficácia erga omnes. Cabe ao juiz o oficio de estabelecer as premissas para a resolução dos

conflitos com base na lei. No âmbito da jurisdição constitucional, o juiz analisa a harmonia

entre o dispositivo legal e a constituição, tendo em vista o princípio da supremacia desta

última. Essa atividade engloba, inclusive, encontrar o equilíbrio entre a soberania popular

expressada no texto constitucional e a vontade da maioria representada pelo texto normativo

aprovado pelo Legislativo.

Em síntese, está nas mãos do Judiciário a tarefa de controlar a constitucionalidade das

leis e atos normativos. As decisões de mérito proferidas nesta espécie de controle vinculam,

na prática, também o legislador, embora não figurem no texto do art. 102, § 2º da

Constituição Federal. O Legislativo, é verdade, não está impedido de aprovar lei idêntica a

que foi declarada inconstitucional. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal poderá repetir a

anterior declaração sempre que provocado por algum legitimado na hipótese de aprovação de

texto legal idêntico ao declarado inconstitucional. Da mesma forma ocorrerá numa eventual

declaração de constitucionalidade pelo STF e posterior edição de lei com texto conflitante.

Assim, na prática a vinculação também atinge o legislador na sua atividade.

Essa vinculação, porém, não é eterna e imutável. Conforme já dito, o passar do tempo

traz a mudança natural das coisas, modifica as aspirações da sociedade, faz nascer novos

conflitos, idéias e convicções. A própria Constituição ou a composição do Supremo Tribunal

Federal podem ser alteradas. Todos esses fatores propiciarão a substituição da ordem

constitucional fundamentada em interpretações estabelecidas em outras épocas. Assim, a

vinculação abrange também o legislador, mas apenas num determinado contexto temporal.

Apesar de existir essa espécie de vinculação do legislador, não cabe a crítica da violação

do princípio da separação dos Poderes. Na clássica tripartição, talvez essa crítica tivesse

fundamento. No entanto, atualmente é considerada impraticável e inaceitável a separação

absoluta dos Poderes (TAVARES, 2005, p. 169). Na moderna doutrina, o objetivo

fundamental da divisão através de freios e contrapesos entre os Poderes é proporcionar um

melhor controle e fiscalização. Nesse contexto, aliado à elevação do princípio da supremacia

constitucional, foi dado ao Judiciário o papel do controle de constitucionalidade.

Outro aspecto determinante na análise da eventual violação do princípio da separação

dos Poderes está no fato do Supremo Tribunal Federal ser levado a proferir julgamentos sobre

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políticas públicas. Isso é facilmente constatado por meio de uma simples análise dos temas

das ações declaratórias de constitucionalidade propostas. Esse fato, conforme já analisado nos

itens 1.3 e 1.4 deste trabalho, é conhecido como o fenômeno da “judicialização da política” ou

“politização da justiça”. Naquela oportunidade demonstraram-se os elementos que ensejam e

caracterizam a aproximação entre a atividade jurídica e a política, assim como foi explanado o

desenvolvimento desse fenômeno no Brasil.

Sem embargo, o controle concentrado de constitucionalidade é exercício de função

predominantemente política, embora se manifeste através de mecanismos jurisdicionais,

conforme o Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto na ADC nº 1. Função política porque

modifica a ordem de convivência e de organização da sociedade, inclusive impondo conduta a

agentes públicos; mecanismos jurídicos porque o órgão de controle faz parte do Poder

Judiciário, cuja função é exercida por meio de processo.

Os direitos sociais, como saúde e educação, são exercidos através de prestações

positivas do Estado. Essas prestações são realizadas por intermédio de políticas públicas, que

são processos políticos de escolha para a realização das prioridades do governo. Assim, dentro

das possibilidades legais, o Executivo realiza seu plano de governo, atuando nas áreas de sua

preferência. Gilberto Bercovici (2003, p. 302) atesta ser plenamente viável a exigência de

prestações públicas através de processos judiciais.

Algumas questões podem ser levantadas com a possibilidade de controle de

constitucionalidade de políticas públicas. Para Eduardo Appio (2006, p. 140), essa espécie de

controle implicará a substituição da vontade dos membros dos demais Poderes pela vontade

dos juízes. Isso importaria num problema, pois os juízes não podem se transformar em

agentes públicos, já que não possuem o condão da política. Mesmo assim, não existe

impedimento para que o Judiciário exerça o controle de constitucionalidade, formal e

material, das políticas governamentais, tendo em vista que estas não devem contrastar com

conteúdo da Constituição, principalmente em relação ao estabelecido no art. 3º, que assenta os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil28 (BERCOVICI, 2003, p. 304).

28 Constituição de 1988, art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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Um outro ponto que merece ser evidenciado é sobre a legitimidade democrática do

Judiciário ante seu poder de analisar a compatibilidade das leis e atos normativos, inclusive

políticas públicas, com a Constituição Federal. No governo democrático, exige-se que não

haja limitações ao princípio da soberania popular, a não ser que decorram da própria vontade

do povo. Embora o próprio legislador tenha dedicado o papel de controle de

constitucionalidade ao Judiciário, o fato dos juízes não serem eleitos torna manifesto o caráter

não-democrático de um Estado.

André Ramos Tavares (2005, p. 494) e Sérgio Moro (2004, p. 128) defendem a

possibilidade de existência de uma relação direta entre a democracia e a jurisdição

constitucional. Para tanto, fundamentam suas opiniões no abandono de um modelo

democrático em favor de outro. Os juízes, livres de qualquer interferência ou mesmo

responsabilidade política, seriam os mais indicados a controlar a constitucionalidade das leis e

atos normativos. O julgador, ao proferir decisão através da Constituição, que é o documento

representativo da soberania popular, recebe a necessária legitimidade democrática, mesmo

para controlar atos do Legislativo e do Executivo, cujos membros são eleitos diretamente pelo

povo, mas que não podem subverter a ordem constitucional, cuja defesa é papel do Judiciário.

Assim, a base para a legitimidade da jurisdição constitucional está na vinculação ao princípio

majoritário explicitado na própria Constituição.

No mesmo sentido, Lênio Streck (2004 p. 104) defende a idéia de que na realidade

político-constitucional contemporânea, perderam força os dogmas da soberania do parlamento

e da separação dos Poderes em que se baseava a contestação à legitimidade da justiça

constitucional. O princípio da supremacia da constituição passou a ser mais importante no

Estado Democrático de Direito; assim como os Poderes Executivo e Legislativo não possuem

imunidade perante violações da ordem constitucional, de maneira que o Judiciário é

indispensável como controlador da constitucionalidade.

Conforme Häberle (2004, p. 49), a legitimação da jurisdição constitucional significa a

busca do equilíbrio entre a atividade legislativa e a interpretação constitucional dos juízes:

Indubitavelmente, a expansão da atividade jurisdicional da Corte Constitucional significa restrição do espaço de interpretação do legislador. Em resumo, uma ótima conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de Democracia.

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Além desses aspectos, a questão da legitimidade da jurisdição constitucional não pode

deixar de ser aferida pela proteção das minorias. Um grau maior de democracia ocorre quando

não apenas é assegurada a vontade da maioria, como também se garante a aplicação dos

direitos e liberdades fundamentais, a subordinação à constituição, e os mecanismos que

impeçam a sufocação das aspirações e direitos da minoria. Nesse diapasão, nada mais comum

que a proposição de ações diretas de inconstitucionalidade por partidos políticos que

compõem a minoria da representação no Congresso Nacional.

Os meios e possibilidades de acesso à jurisdição constitucional são também elementos

que ensejam um maior grau de democracia. Quanto maior for a abertura no rol de legitimados

a propor ação em sede de controle de constitucionalidade, maiores as chances de se ter

contestadas as normas inconstitucionais. No mesmo sentido com relação aos meios de acesso,

como a possibilidade de manifestação no processo na modalidade de amicus curiae, e de

requisição de informações técnicas-periciais (Lei nº 9.868/1999).

A problemática da legitimidade da jurisdição constitucional, no caso brasileiro,

encontra-se basicamente na nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A

respectiva nomeação é geralmente acompanhada de críticas de setores da sociedade,

notadamente da imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. As referidas críticas não

configuram uma novidade, existem desde a polêmica da nomeação de um médico por

Floriano Peixoto (MARTINS e WALD, 2006, p. 3). A manifestação de opinião sobre as

indicações é sempre apropriada para uma democracia, pois o Senado Federal terá melhores

condições de aprovar o candidato ao cargo.

A composição mais recente do Supremo Tribunal Federal continha e contém doses de

ecletismo. Para citar alguns membros: Sepúlveda Pertence adveio da Procuradoria-Geral da

República e é o mais antigo Ministro do Tribunal; Nelson Jobim, ferrenho defensor da

eficiência do Judiciário, foi deputado constituinte; e Gilmar Mendes que ocupou da cadeira de

Advogado-Geral da União, órgão responsável pela representação jurídica do Presidente da

República.

Não se pode negar a influência exercida pelo Presidente da República na nomeação dos

Ministros do Supremo Tribunal Federal, ainda mais quando a quantidade de nomeações de

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um mesmo Presidente soma quatro membros29, como foi ocorreu no governo Fernando

Henrique Cardoso, e seis membros30 no governo Luís Inácio Lula da Silva. O prolongamento

do mandato do Presidente, através da reeleição, possibilita uma maior quantidade de

nomeações. Com esse poder nas mãos, o Presidente poderá fazer maioria no STF, pois

dificilmente não terá conhecimento sobre o teor dos votos dos novos Ministros sobre temas

polêmicos de seu interesse.

Essa esteira de pensamento é corroborada pela análise histórica da íntima relação

existente entre o Executivo e o Judiciário no Brasil, realizada no item 1.4 deste trabalho.

Naquela oportunidade ficou demonstrado que desde a era colonial os interesses de juízes e de

governantes na maioria das vezes eram coincidentes, ou a vantagem de um significava o

proveito do outro. E isso ainda ocorre atualmente, não obstante a existência das prerrogativas

dos juízes como a independência funcional, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a

irredutibilidade dos subsídios.

Assim, a ação declaratória de constitucionalidade pode ser utilizada pelo Presidente da

República, na intenção de ver seus interesses satisfeitos através de uma única decisão do

Supremo Tribunal Federal, que vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder

Executivo. A referida satisfação dos interesses é, em suma, uma mera possibilidade. No

entanto, se analisada sob o prisma da relação histórica entre os Poderes, será constatada uma

indicação clara do caminho a ser seguido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal em

seus votos.

O problema não se limita ao fato da adesão do Judiciário aos interesses do Executivo

numa eventual decisão em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Lênio Streck

(2006, p. 282) afirma que a Constituição no Estado Democrático de Direito não contém

apenas dispositivos que protegem o cidadão contra o Estado, mas também dispositivos que

determinam a prestação de serviços estatais, conforme o citado pensamento de Gilberto

Bercovici (2003, p. 302). O grau de concretização desses direitos estabelecidos no texto

constitucional determinará, por conseqüência, o grau de ingerência da jurisdição

constitucional. Nada mais natural o teor dessa proposição, tendo em vista a função de controle

de constitucionalidade nas mãos do Judiciário e a possibilidade de meios de acesso aos

29Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes.30 Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

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legitimados para acioná-lo nos casos de descompasso entre a constituição e as políticas

governamentais. Quanto maior a incompatibilidade entre as políticas públicas (ou a falta

delas) e o texto constitucional, maior a procura ao Judiciário para fazer valer o conteúdo e

sentido da constituição.

Streck ainda salienta que, em países de modernidade atrasada como o Brasil, a inércia

por parte dos poderes Legislativo e Executivo, especialmente no âmbito de efetivação dos

direitos sociais, acentua a aceitação de uma maior da intervenção da justiça constitucional na

busca da concretização dos direitos constitucionais, em suas várias dimensões; e essa

intervenção está de acordo com a valorização da Constituição como norma superior às

demais.

A crescente intervenção da jurisdição constitucional iniciou uma tendência de

compreensão da constituição voltada apenas para o aspecto jurisprudencial, pondo-se de lado

o seu texto original, em favor da norma proveniente da interpretação do juiz (BERCOVICI,

2003, p. 306). Esse fenômeno é visível especialmente no julgamento das ações declaratórias

de constitucionalidade, nos quais a fundamentação foi muitas vezes baseada em

entendimentos jurisprudenciais previamente proferidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Diante dessa tendência, Bercovici levanta o risco da sobreposição da supremacia dos

juízes sobre a supremacia da constituição. É preciso estabelecer limites para a jurisdição

constitucional de forma que a interpretação da constituição não signifique necessariamente a

sua modificação. O texto constitucional, portanto, é o limite31 intransponível de toda e

qualquer interpretação. No Brasil, é cabal a existência de ocasiões em que esse limite não é

respeitado pelo Supremo Tribunal Federal, cujo claro exemplo é o julgamento da medida

cautelar na ADC nº 432. No dizer de Marcelo Neves, nesses casos ocorre a concretização

desconstitucionalizante, pois a concretização normativo-jurídica do texto constitucional é

31 Para Tavares (2005, p. 518), em complemento ao limite em sentido amplo que é o próprio texto da constituição, configuram limites à jurisdição constitucional: questões relacionadas à concretização de preceitos programáticos; limites na interpretação de norma; limites na desconstituição de atos dos demais órgãos constitucionais; limites na conformação do espaço dos demais órgãos constitucionais.32 Quando foi acolhida a possibilidade de pedido de medida cautelar em sede de declaratória de constitucionalidade, apesar da inexistência de previsão de medida e expressa determinação constitucional de que apenas as decisões definitivas de mérito teriam efeito vinculante. Nesse ponto, como foi tão evidente a vontade de logo declarar a constitucionalidade do dispositivo em sede de cautelar, não pararam para pensar, alguns Ministros, na possibilidade de indeferimento do pedido. O dispositivo, ocorrendo essa hipótese, seria considerado meio constitucional ou meio inconstitucional, ou simplesmente o pedido é indeferido sem maiores conseqüências?

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impedida por decisão judicial, viciada por fatores econômicos e/ou políticos, de maneira que

não existe qualquer relação consistente entre o texto e a concretização. Em suma, o STF

usurpa os poderes constituintes que lhe foram atribuídos (BERCOVICI, 2003, p. 308-310).

Assim, na hipótese de proposição e defesa de um certo grau de dirigismo constitucional e de

um nível determinado de intervenção da jurisdição constitucional, não é permitido que os

juízes desvirtuem a constituição.

No julgamento da medida cautelar da ADC nº 8, o Ministro Celso de Mello salientou

que, na jurisdição constitucional, era de fundamental importância o respeito dos valores e

limitações impostas pela Constituição. Os argumentos de necessidade e de razões de Estado

não devem prevalecer sobre o texto constitucional, por mais respeitáveis e indispensáveis que

sejam. Caso o STF os aceitasse, representaria uma ameaça às liberdades e direitos

fundamentais, à supremacia constitucional, e aos valores democráticos. Para o Ministro, se as

circunstâncias políticas, econômicas e sociais pretendem uma modificação da ordem

constitucional, essa deve ser feita em sede de reforma no seu texto, observadas as regras de

reforma, e não na sua interpretação.

Por outro lado, no julgamento da ADC nº 9, a lição de Celso de Mello não foi levada em

consideração. Em seu voto, o Ministro Maurício Corrêa, por causa da situação de

contingência trazida pela provável insuficiência de distribuição de energia elétrica no país,

disse que “seria um absurdo que o STF derrubasse as regras emergenciais ora em

implementação quando o próprio povo já as aprovou. Assim pendo que a sociedade brasileira

já proclamou, na sua alta compreensão, a constitucionalidade das medidas (...)”33. É evidente a

adesão ao argumento de necessidade sugerido pelo autor da ação, na medida em que era

fundamental a adoção do racionamento de energia elétrica, mesmo que para isso fosse

possível a imposição de penalidade de suspensão de fornecimento para os que não

cumprissem com a medida. A atitude tomada pelo Ministro Maurício Corrêa foi de tamanha

subjetividade (cujo risco já foi levantado no item 5.2) que o Ministro Néri da Silveira

salientou que acompanhava a preocupação da sociedade, mas seu papel como julgador era

interpretar a Medida Provisória em face da Constituição, mesmo que isso gerasse uma crise

sem precedentes na estrutura econômica do país.

33 ADC-MC nº 9, DJ 23.04.2004.

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Resta, assim, comprovada não apenas a possibilidade de usurpação dos poderes

constituintes atribuídos ao Judiciário, mas demonstrado que em pelo menos duas ocasiões

esse problema ocorreu no âmbito de julgamento das ações declaratórias de

constitucionalidade (ADC nº 4 e ADC nº 9). Talvez seja verdadeira a afirmação de Hamilton

(1985, p. 161) de que, nos governos em que os Poderes estão bem separados, o Judiciário,

pela natureza das suas funções, é o menos temível para a Constituição, porque é o que menos

meios tem de atacá-la. Entretanto, é fato que o Judiciário pode, em determinadas ocasiões, ser

uma ameaça concreta para a Constituição34.

Para Martonio Lima (1996, p. 81), a idéia de uma jurisdição constitucional se reveste de

um aspecto conservador, pois vai de encontro às conquistas democráticas: redefinição do

Legislativo como conseqüência do declínio do poder do monarca; deslocamento do conceito

de soberania do Estado para soberania do povo; reconhecimento da capacidade do povo de

decidir seus destinos; e o princípio da separação dos Poderes. A atribuição do controle de

constitucionalidade ao Judiciário, como uma das funções do Poder do Estado, significa,

segundo o autor, que o próprio Estado pode determinar o que lhe é permitido fazer ou não.

Nesse aspecto, o Judiciário ganhou uma importante disputa, ao lado do Executivo, que exerce

a função de nomear os juízes. Entretanto, em conformidade com o princípio da soberania

popular, o povo é quem detém a mais importante parcela do exercício do poder político:

destituir seus representantes, alterar a constituição e resistir contra ameaças a sua soberania. O

Estado, por sua vez, deve ser limitado ao que o povo estabelece através de uma constituição

ou de qualquer outra manifestação expressa de sua vontade. Por isso a opção por uma

jurisdição constitucional representa uma diminuição do grau de democracia de uma

sociedade.

A busca do ideal democrático de um Estado necessariamente tem como obstáculo o

esforço do Executivo em busca de um maior grau de governabilidade (LIMA, 2003, p. 213).

Esse conflito é gerado pela tese de que a soberania popular é limitada ao momento reservado

para a criação de uma nova ordem constitucional; a partir do momento que o texto foi

aprovado, o povo abdica de sua soberania, sendo que todos devem estar sujeitos à

34 Uma proposta para evitar esse risco é apresentada por Tushnet (1999), que analisa a forma como a Constituição pode ser vista fora dos tribunais constitucionais. Numa perspectiva interna dos Estados Unidos, o autor argumenta contra a supremacia judicial na interpretação da Constituição, contra o judicial review, aventa a possibilidade de o legislador votar propostas sobre “inconstitucionalidades” cometidas pela Suprema Corte, e como se pode ignorar o que as cortes dizem sobre a Constituição.

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constituição. A aceitação dessa proposição leva a uma maior anuência em relação ao aumento

do grau de governabilidade de um Estado.

O conceito de governabilidade pode ser expresso como a margem de liberdade ou a

capacidade de ação de que um governo dispõe, em um determinado espaço nacional ou em

um determinado ciclo do processo de gestão, para exercer seu mandato e realizar suas metas

políticas atuando sob e sobre condicionantes de caráter histórico-estrututal e conjuntural

existentes (YAMAUTI, 2004, p. 251). A governabilidade pode também ser entendida como

sendo as várias condições que determinam o espaço de possibilidade do exercício do poder e

as condições de maior ou menor eficácia dentro do qual o poder é exercido (JAGUARIBE,

1999, p. 7); ou constitui a capacidade de tomar decisões racionais, coerentes e, como tal,

capazes de serem efetivamente aplicadas (MACIEL, 2004a, p. 110).

No caso do Brasil, como país de modernidade tardia, existe uma preocupação maior na

busca pela governabilidade do que pela democracia. Entre as fontes que afetam a

governabilidade no Brasil estão: 1) a dificuldade do governo para conseguir apoio político

para aprovar seus projetos de lei no Congresso Nacional e para implementar as medidas

aprovadas em razão de fatores de ordem institucional e política; 2) a escassez de recursos

fiscais e a inadequação dos recursos técnicos e administrativos disponíveis; 3) os obstáculos

ao desenvolvimento econômico e à distribuição de renda; 4) o formato do sistema partidário e

eleitoral; e 5) a incapacidade do governo de atender às demandas que emergem da sociedade

(YAMAUTI, 2004, p. 252). Uma democracia não se baseia em consensos e unanimidades,

mas no conflito de opiniões e da livre expressão dos pensamentos, sejam eles concordantes

entre si ou não. Esse dissenso tem reflexo direto na governabilidade, especialmente no Brasil

em face das citadas complicações.

A última fonte referida que dificulta a governabilidade brasileira merece ser destacada,

pois se o governo tem problemas para atender às demandas sociais garantidas pela

Constituição, o Judiciário certamente é provocado para intervir, tendo em vista a atribuição de

controle de constitucionalidade. Nesse diapasão, o Judiciário pode ser utilizado como um

instrumento para proporcionar um maior grau de governabilidade em detrimento da

democracia, na medida em que tradicionalmente, no Brasil, é um Poder que adere aos

objetivos do Estado e que tem como traço marcante a ausência de cultura democrática de seus

membros (LIMA, 2003, p. 215 e 230).

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Atílio Boron (1994, p. 23), analisando a relação entre a democracia e os interesses

neoliberais do capitalismo, sustenta que:

o ataque aos “excessos” democráticos, paralisantes da suposta vitalidade do mercado, desemboca em uma

apologia do governo autoritário: o reconhecimento das tensões estruturais da democracia capitalista desemboca

em um argumento pelo qual esta se transforma, perversa e inexoravelmente, em uma estrutura “ingovernável”.

Será a partir desse paradigma da ingovernabilidade que haverão de ser avaliadas as possibilidades e a

congruência da democracia com as exigências cada vez mais rigorosas da reprodução do capital.

Portanto, o conflito entre governabilidade e democracia é influenciado, inclusive, pelas

instâncias econômicas, na medida em que os interesses neoliberais buscam fundamentalmente

a dispersão dos conflitos. Nesse aspecto, a ação declaratória de constitucionalidade se

apresenta como um instrumento de governabilidade em oposição à democracia, pois constitui

uma das reformas de cunho neoliberal implementada no Brasil no início da década de 1990

que teve como objetivo principal a segurança jurídica.

Tavares (2005, p. 348) salienta que cabe ao Tribunal Constitucional assegurar que as

autoridades, Poderes e entidades exerçam suas funções com o mínimo de atrito, evitando o

choque que pode ocasionar uma paralisação ou complicações nas atividades de governo.

Porém, referido choque de interesses nada mais é do que um reflexo do regime democrático.

Eventual tentativa de minimização desse conflito provocaria, proporcionalmente, uma

minimização do grau de democracia do Estado. Dessa forma, mais uma vez, a ação

declaratória de constitucionalidade pode ser vista como útil para a governabilidade no Brasil,

pois ficou demonstrado que é um instrumento do Executivo, aliado histórico do Judiciário,

para rapidamente extinguir conflitos em favor de seus interesses.

Para finalizar, cabe destacar uma última característica do Poder Judiciário que está

diretamente relacionada ao ideal democrático e a crítica que se faz à ação declaratória de

constitucionalidade. Ingeborg Maus (2000, p. 187), analisando o cenário constitucional da

Alemanha, alerta para o perigo de atribuir ao Judiciário o papel de superego da sociedade,

quando a Justiça assume a função de sua instância moral mais alta. Nessas condições, o

Judiciário não mais possui qualquer mecanismo de controle social, ao qual se deve subordinar

como instituição de um Estado democraticamente organizado; a competência do órgão que

controla a constitucionalidade não deriva mais da própria Constituição, mas de princípios de

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direito suprapositivos que o próprio órgão (tribunal) desenvolveu em sua atividade

constitucional de controle normativo, o que o leva a romper com os limites de qualquer

competência constitucional (MAUS, 2000, p. 191). Para a autora, essa condição seria um

regresso a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social, de maneira que o

Judiciário, nesses moldes, seria o próprio monarca substituído.

Streck (2004, p. 109), sobre o assunto, não concorda com a existência de intervenção

excessiva dos juízes no campo político, através do controle de constitucionalidade, baseada

fundamentalmente em parâmetros subjetivos. Para o autor, no Brasil existe um ativismo

negativo, fundamentando-se nas atitudes tomadas pelo Supremo Tribunal Federal como self

restraint: como no esvaziamento do mandando de injunção (Mandado de Injunção nº 107) e

na proibição da progressividade do IPTU do município de São Paulo (Reclamação nº 383).

No entanto, quando o STF adotou essa postura “negativa” nada mais fez do que aderir

aos objetivos do Estado em favor de um maior grau de governabilidade. No mesmo sentido

procedeu como nos já citados julgamentos em sede de ação declaratória de

constitucionalidade quando, ao invés de adotar a atitude “negativa”, ultrapassou os limites

constitucionais.

Com isso não se quer dizer que o Supremo Tribunal Federal se transformou no superego

da sociedade brasileira. O intuito dessa comparação foi apenas demonstrar que as

conseqüências do papel assumido pelo Judiciário na Alemanha possuem semelhanças com as

implicações políticas trazidas pela ação declaratória de constitucionalidade: o acúmulo de

poder do STF em prejuízo da Constituição, com reflexos diretos na democracia e na

governabilidade brasileiras.

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CONCLUSÃO

Diante do disposto neste trabalho, ficou demonstrada a necessidade de se estabelecer os

fundamentos da relação entre a evolução histórica do Estado de Direito e o surgimento do

controle jurisdicional de constitucionalidade. Em resposta à perda de suas prerrogativas em

virtude da queda do antigo regime, o Poder Judiciário adquiriu novo perfil, paulatinamente,

no decorrer da transformação do Estado Liberal em Social, e deste em Democrático35, pois

adquiriu a atribuição de controlar a harmonia entre as normas e a constituição, contribuindo

fundamentalmente para o funcionamento do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes

do Estado. Essa nova atribuição nasceu em conseqüência da elevação do princípio da

supremacia constitucional, quando a constituição passou a ser a estrutura normativa de maior

relevância e superioridade do ordenamento jurídico.

O estudo da mudança de perfil do Poder Judiciário não poderia se desvincular da análise

da relação deste Poder com a política. A atividade do controle jurisdicional de

constitucionalidade, apesar de ser exercida por instrumentos jurídicos, seu conteúdo possui

expressivo teor político, de maneira que o Judiciário conquistou lugar estratégico ao atuar em

questões em que normalmente apenas o Legislativo e o Executivo atuavam. O exercício do

controle jurisdicional de constitucionalidade é, portanto, manifestação expressa do fenômeno

da judicialização da política.

Após terem sido detidamente analisadas as características do controle jurisdicional de

constitucionalidade e sua evolução no Brasil, verificou-se que a ação declaratória de

constitucionalidade (ADC), como uma ação típica de controle concentrado com efeito

vinculante, foi criada com a finalidade de satisfazer aos interesses do Poder Executivo. A

situação fiscal do país, antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 3, exigia reformas

tributárias que certamente causariam disputas judiciais envolvendo significativo número de

litigantes. A ADC seria, portanto, o instrumento apto para fazer com que o governo federal

pudesse, rapidamente, solucionar as graves controvérsias judiciais que eventualmente se

originariam em decorrência das reformas.

35 Aqui não se quer dizer que não possa ser democrático o Estado Liberal e o Estado Social.

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A análise da jurisprudência construída pelo Supremo Tribunal Federal no

processamento das quatorze ações declaratórias de constitucionalidade propostas, permitiu

identificar implicações de natureza econômica, jurídica e política. No que tange a primeira

implicação, não se pode desvencilhar a ADC do aspecto do econômico existente na busca da

segurança jurídica, pois esta além de ser um dos principais objetivos buscados pela

implementação das reformas neoliberais ocorridas desde o início da década de 1990, é

também uma das finalidades essenciais da ADC. Nesse sentido, de acordo com a doutrina

neoliberal, um maior grau de segurança jurídica proporciona menores barreiras ao

desenvolvimento econômico de um país, na medida em que minimiza a imprevisibilidade das

decisões judiciais.

Sob o aspecto jurídico, foi demonstrado o objetivo do estabelecimento da interpretação

realizada pelo Supremo Tribunal Federal em relação aos requisitos de admissibilidade da ação

declaratória de constitucionalidade: restringir o acesso ao Judiciário em virtude do acúmulo

de processos pendentes de julgamento. Verificou-se que foi utilizada a interpretação literal do

rol de legitimados, mas que o mesmo não ocorreu em relação à teoria da pertinência temática

(emprestada da ação direta de inconstitucionalidade) e à exigência de demonstração de grave

controvérsia judicial. Em suma, o STF, através de construção jurisprudencial, aplicou a já

existente teoria da pertinência temática e estabeleceu um outro requisito de admissibilidade

para a ADC não existente no texto constitucional.

Outras duas conseqüências jurídicas advindas da construção jurisprudencial em sede de

ADC foram: a própria avaliação a da demonstração da controvérsia relevante e a possibilidade

de concessão de medida cautelar, mesmo sem haver previsão constitucional. Sem embargo, a

referida atitude do STF, na medida em que possui caráter essencialmente subjetivo, afasta a

atividade de controle de constitucionalidade do ideal de racionalidade e de segurança jurídica

que a própria ADC busca atingir. Essa conduta, além de violar o princípio republicano que

visa à objetividade na aplicação das normas constitucionais, representa um grave risco de

acúmulo de poder do órgão que possui a atribuição de guardar a constituição.

No julgamento da ADC, é assegurado o efeito vinculante não apenas à parte dispositiva

da decisão, mas também aos seus motivos determinantes. Essa característica do efeito

vinculante contribui para dificultar o desenvolvimento da jurisprudência, especialmente nas

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decisões em sede de interpretação conforme e na nulidade parcial sem redução de texto, e

para a deterioração das prerrogativas do princípio da independência funcional do juiz, já

abalado pela própria estrutura autocrática, hierarquizada e desigual do Poder Judiciário.

Em relação às implicações políticas, o exame da jurisprudência permitiu concluir o

quanto a ADC pode significar um meio à disposição do Poder Executivo para alcançar, de

maneira breve, seus objetivos. Isso ocorre não apenas porque o Presidente é o autor da maior

quantidade de ações declaratórias de constitucionalidade, mas também porque problemas de

aplicação de políticas públicas representam a grande maioria dos objetos das ações julgadas.

Além disso, a íntima relação entre o Executivo e o Judiciário, construída desde o período

colonial no Brasil, contribuem para a verificação desta conseqüência, pois a faculdade de

nomear os membros do STF permite ao Executivo, ainda mais diante do instituto da reeleição,

conduzir a formação de um entendimento majoritário em matérias de seu interesse.

A questão da legitimidade do exercício do controle jurisdicional de constitucionalidade,

especialmente diante da possibilidade de julgamento de políticas públicas, interfere

diretamente no grau de democracia do Estado. Nesse sentido, deve existir uma conformidade

entre as garantias dos direitos da maioria e os mecanismos que impeçam a extinção das

aspirações da minoria. Outrossim, a abertura na possibilidade de manifestação como amicus

curiae na ADC significa uma essencial conquista democrática, na medida em que representa

uma abertura no processo de controle concentrado.

Por outro lado, as decisões de mérito proferidas em sede de ADC não produzem efeito

vinculante apenas relativamente aos demais órgãos do Judiciário e do Executivo. Na prática,

vinculam também ao Poder Legislativo. A vinculação existe porque o STF, sem que sejam

alteradas as circunstâncias do julgamento original da ADC, certamente declararia

inconstitucional lei editada pelo Legislativo que fosse conflitante à que foi anteriormente

declarada constitucional. Essa vinculação, porém, não resiste ao tempo, que poderá modificar

a própria Constituição, a composição do STF e as aspirações da sociedade.

No Brasil, um país de modernidade tardia, o baixo grau de concretização dos direitos e

garantias fundamentais estabelecidas na Constituição favorece a um alto grau de ingerência da

jurisdição constitucional, especialmente no âmbito das políticas públicas. Isso, além de ter

sido demonstrado nos julgamentos das ações declaratórias de constitucionalidade, produziu

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sérias conseqüências no sistema político. São elas: 1) valorização da jurisprudência e da

interpretação da Constituição, em detrimento do seu texto original; 2) risco de sobreposição

da supremacia da jurisprudência, através de interpretação de caráter subjetivo e aceitação de

argumentos de necessidade e razões de Estado, sobre a supremacia constitucional; 3)

usurpação dos limites constitucionais atribuídos ao Supremo Tribunal Federal. Em pelo

menos duas oportunidades, essas conseqüências foram verificadas: na ADC nº 4 e na ADC nº

9.

Nessas ocasiões em que foram afrontados preceitos constitucionais, sem embargo,

causaram a uma situação de insegurança jurídica, exatamente o que a ADC deseja combater.

A perturbação da segurança jurídica, da mesma forma como pode ser demonstrada pela

existência de decisões judiciais conflitantes sobre a mesma matéria, também pode ocorrer nos

atropelos dos direitos e garantias constitucionais, bem como do estabelecido em lei

processual; ainda mais quando esse atropelo é feito pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse contexto surge o necessário conflito entre democracia e governabilidade. Como

no Brasil existe uma incapacidade do governo de atender as demandas exigidas pela

sociedade e garantidas pela Constituição Federal, o Judiciário é assiduamente provocado a

intervir. O Executivo, por sua vez, buscará incessantemente uma maior margem de liberdade

na sua capacidade de ação através de políticas públicas. Um dos seus instrumentos para tanto

é a utilização da ADC para, perante o Judiciário, seu aliado histórico, proporcionar um maior

grau de governabilidade, através de uma maior previsibilidade das decisões judiciais, em

prejuízo da democracia.

Assim, a ação declaratória de constitucionalidade contribui para o movimento de

acúmulo de poder do Supremo Tribunal Federal em detrimento da Constituição democrática

de 1988, possibilitando o desprezo dos limites às atribuições constitucionais que lhe foram

conferidas, bem como favorecendo um maior grau de governabilidade ao Poder Executivo.

Talvez as implicações trazidas pela ADC não se manifestassem com tanta evidência caso a

pressão da crescente demanda processual do Supremo Tribunal Federal perdesse força, ou

mesmo se houvesse uma reforma no Judiciário, de maneira que se separassem as funções de

Corte Constitucional e de Corte de Justiça. Conforme se demonstrou, a ADC, em si e na sua

finalidade, não representa uma condição sine qua non das transgressões aos dispositivos

constitucionais, até porque a ação derivou da própria construção jurisprudencial do STF na

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época das representações de inconstitucionalidade propostas com o parecer contrário pelo

Procurador-Geral da República. A maneira como o instituto ingressou no ordenamento

jurídico e as características estruturais do Poder Judiciário estimularam a utilização da ADC

como instrumento de acúmulo de Poder e facilitador de uma maior governabilidade, em

prejuízo da democracia brasileira.

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_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 3. Requerente(s): Procurador-Geral da República. Relator: Min. Nelson Jobim. 02.12.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 09.05.2003.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 4. Requerente(s): Presidente da República, Mesa do Senado Federal e Mesa da Câmara dos Deputados. Relator: Min. Sydney Sanches. 11/02/1998. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 16.02.1998.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 5. Requerente(s): Procurador-Geral da República. Relator: Min. Nelson Jobim. 17.11.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 19.09.2003.

_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 6. Requerente(s): Confederação dos Servidores Públicos do Brasil. Relator: Min. Moreira Alves. 11.09.1998. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 18.09.1998.

_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 7. Requerente(s): Câmara Municipal de Chorozinho-CE Relator: Min. Maurício Corrêa. 09.04.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 20.04.1999.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 8. Requerente(s): Presidente da República. Relator: Min. Celso de Mello. 13.10.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 04.04.2003.

_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 9. Requerente(s): Presidente da República. Relator: Min. Néri da Silveira. 13.12.2001. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 23.04.2004.

_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 10. Requerente(s): Dinete Lessa. Relator: Min. Carlos Britto. 25.05.2004. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 31.05.2004.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 11. Requerente(s): Governador do Distrito Federal. Relator: Min. Cezar Peluso. Serviço de Jurisprudência do STF.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 12. Requerente(s): Associação dos Magistrados Brasileiros. Relator: Min. Carlos Britto. 16.2.2006. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.09.2006.

_________. Ação declaratória de constitucionalidade nº 13. Requerente(s): Associação das Empresas de Trading. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Serviço de Jurisprudência do STF.

_________. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade nº 14. Requerente(s): Associação dos Notários e Registradores do Brasil. Relator: Min. Gilmar Mendes. Serviço de Jurisprudência do STF.

_________. Ação direta de inconstitucionalidade nº 689. Requerente: Federação Nacional dos Farmacêuticos. Relator: Min. Néri da Silveira. 19.03.1992. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 27.03.1992.

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_________. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade nº 907. Requerente: Confederação Nacional do Comércio. Relator: Min. Carlos Britto. 08.10.1993. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 19.10.1993.

_________. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade nº 913. Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros. Relator: Min. Moreira Alves. 18.08.1993. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 05.05.1995.

_________. Ação direta de inconstitucionalidade nº 1.946. Requerente: Partido Socialista Brasileiro. Relator: Min. Sydney Sanches. 03.04.2003. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 16.05.2003.

_________. Questão de ordem na ação direta de inconstitucionalidade nº 3.685. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Relatora: Min. Ellen Gracie. 23.03.2006. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 31.03.2006.

_________. Habeas corpus nº 70.514. Paciente: Marco Aurélio Rodrigues da Cruz e outro. Relator: Min. Sydney Sanches. 23.03.1994. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 05.04.1994.

_________. Mandado de segurança nº 20.257. Impetrante: Itamar Augusto Cautiero e outro. Relator: Min. Moreira Alves. Serviço de Jurisprudência do STF.

_________. Mandado de segurança nº 23.452. Impetrante: Luiz Carlos Baretti Júnior. Relator: Min. Celso de Mello. 16.09.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 27.09.1999.

_________. Mandado de segurança nº 23.595. Impetrante: Amaury Perez. Relator: Min. Celso de Mello. 17.12.1999. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.02.2000.

_________. Recurso extraordinário em mandado de segurança nº 24.617. Impetrante: Eduardo Jorge Caldas Pereira. Relator: Min. Carlos Velloso. 17.05.2005. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 10.06.2005.

_________. Mandado de segurança nº 24.831. Impetrante: Pedro Jorge Simon e outro. Relator: Min. Celso de Mello. 22.06.2005. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 29.06.2005.

_________. Questão de ordem na reclamação nº 397. Reclamante: Luis Carlos Salles Guimarães e outros. Relator: Min. Celso de Mello. 25.11.1992. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 21.05.1992.

_________. Reclamação nº 849. Reclamante: União Federal. Relator: Min. Néri da Silveira. 19.04.2002. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 23.05.2002.

_________. Reclamação nº 1.880. Reclamante: Município de Tumalina. Relator: Min. Marco Aurélio. 07.11.2002. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 19.03.2004.

_________. Reclamação nº 2.363. Reclamante: Município de Capitão Poço. Relator: Min. Gilmar Mendes. 23.10.2003. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 01.04.2005.

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_________. Reclamação nº 2.398. Reclamante: Hamilton de Paula Bernardo. Relator: Min. Marco Aurélio. 06.10.2005. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 24.02.2006.

_________. Representação nº 1.349. Representante: Procurador-Geral da República. Relator: Min. Aldir Passarinho. Serviço de Jurisprudência do STF.

_________. Recurso extraordinário nº 197.917. Recorrente: Ministério Público Estadual. Relator: Min. Maurício Corrêa. 24.03.2004. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 07.05.2004.

_________. Recurso extraordinário nº 226.855. Recorrente: Caixa Econômica Federal. Relator: Min. Moreira Alves. 31.08.2000. Serviço de Jurisprudência do STF. D.J. 13.10.2000.

TEXTOS EXTRAÍDOS DA INTERNET

A Justiça em números: indicadores estatísticos do Poder Judiciário – 2003. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/seminario/pdf/a_justica_em_numeros.pdf>. Acesso em 29.06.2006.

Diagnóstico do Poder Judiciário: Disponível em: <http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/diagnostico_web.pdf>. Acesso em: 28.06.2006.

Perfil das maiores demandas do , relatório realizado pelo Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília, referente a dados dos processos registrados de 1º de janeiro de 2002 a 30 de junho de 2004. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em 29.06.2006.

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Atualizado até fevereiro de 2006 por Eugênia Vitória Ribas. Brasília: STF, 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 29.06.2006.

Tabela do IPCA (índice de preços ao consumido amplo) nos anos de 1990, 1991 e 1992.

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Acúmulo de poder: 149, 169.

Controvérsia judicial relevante: 58-59, 69-72, 75-76, 79, 82-85, 96, 98, 103-05, 109-110, 112,

119, 121, 124-127, 130, 132-133, 136, 138, 140, 144, 147-

149, 171.

Democracia: 12, 19, 28, 37, 94, 147, 160-162, 166-169, 172-174.

Direitos e garantias fundamentais: 9, 35, 38, 77-78, 94, 118, 147, 161, 163, 173.

Efeito erga omnes: 47, 49, 50, 55, 57, 60, 65, 66, 68, 71, 84, 85, 87, 88, 89, 92, 103, 104, 114,

117, 120, 135, 149, 156, 158.

Efeito ex nunc: 47, 51, 90, 116, 117, 119-121, 125, 153.

Efeito ex tunc: 47, 50, 51, 90, 114-115, 117, 119-120, 125, 128, 133-134, 151, 153.

Efeito para o futuro: 47, 51, 90.

Efeito vinculante: 11, 48-50, 66, 68, 71, 85-86, 88-89, 93-95, 98, 102-103, 107-108, 114 117,

119-121, 125, 127, 130, 133, 142, 144-145, 149-153, 155-157, 170, 172.

Estado Constitucional: 22, 40.

Estado Democrático: 10, 19, 34, 37, 62, 116, 140, 154, 160, 163, 168, 170.

Estado Liberal: 10, 18, 22, 25, 40, 170.

Estado Social: 10, 18-19, 21, 170.

Emenda Constitucional nº 3: 10, 11, 34, 37, 63-64, 66, 70, 74, 82, 85, 90, 93, 96-98, 100-101,

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104-108, 110-111, 114, 116, 127, 142, 148, 155, 171.

Emenda Constitucional nº 45: 11, 68, 74, 83, 92, 93, 94, 95, 123, 131, 144.

Governabilidade: 12, 166, 167, 168, 169, 173, 174.

Judicialização da política: 10, 25, 26, 27, 30, 36, 37, 159, 170.

Pertinência Temática: 26, 94-95, 98-99, 100, 108, 133, 145, 146, 148, 171.

Poder Judiciário

Atribuições: 9, 45, 165, 167, 170, 172.

Perfil: 10, 25, 170.

Políticas públicas: 11, 28, 140, 159, 160, 163, 172-173.

Segurança Jurídica: 18-19, 48-50, 76-79, 83, 85, 98, 101-102, 114, 116, 118, 127, 140, 142-

143, 146, 148-149, 153-153, 157, 167, 171, 173.

Separação dos Poderes: 11, 15-16, 20-23, 25, 34-35, 37, 40, 55, 98, 101-102, 104, 133, 154-

160, 165.

Supremacia da constituição: 10, 22-23, 40-43, 46, 62, 75-76, 79-80, 84-85, 89, 158, 160, 164,

170, 173.

Usurpação de poder: 12, 55, 62, 154, 164-165, 173.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

A

ABRUCIO, Fernando Luiz: 34.

APPIO, Eduardo: 159.

ARAÚJO, Luiz Alberto David: 145.

ARAÚJO, Rosalina Corrêa: 31, 34.

B

BARBOSA, Rui, 33.

BERCOVICI, Gilberto: 159, 160, 163-164.

BODIN, Jean: 15.

BONAVIDES, Paulo: 15, 17-18, 22, 38, 41.

BORON, Atílio A: 167.

BOSSUET, Jacques Benigne: 15.

BRAWERMAN, André: 68, 156.

BROX, Hans: 87, 90.

BRYDE, Brun-Otto: 87, 90.

C

CANOTILHO, José Joaquim Gomes: 19.

CAMPILONGO, Celso Fernandes: 25, 27-28.

CAPPELLETTI, Mauro: 27, 41-45, 81.

CARVALHO, Ernani Rodrigues: 36, 141.

CARVALHO, José Murilo de: 32.

CAVALCANTI, Amaro: 56, 77.

CHEVALLIER, Jean-Jacques: 16.

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COELHO, Fábio Ulhôa: 139, 141.

COELHO, Inocêncio Mártires: 146, 149.

COKE, Edward: 21, 43.

COSTA, Ana Edite Olinda Norões: 26.

COSTA, Dilvanir José da: 55.

D

DALLARI, Dalmo de Abreu: 13-15.

DELFIM, Ricardo Alessi: 152.

DINIZ, Márcio A. de Vasconcelos: 26, 38-39, 41-42.

E

ENGELS, Friedrich: 14

F

FERNANDES, Bianca Stamato: 50.

FERREIRA, Olavo Alves: 49.

FILMER, 14

FLORY, Thomas: 32.

G

GUERRA, Luis López: 150.

H

HÄBERLE, Peter: 147, 161.

HABERMAS, Jürgen: 158.

HAMILTON, Alexander: 40, 43, 162.

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HOBBES, Thomas: 15.

J

JAGUARIBE, Hélio: 166.

JAY, James: 43.

JOÃO VI, D.: 53.

K

KELSEN, Hans: 9, 44-46, 51, 54.

KOERNER, Andrei: 26.

L

LESSA, Pedro: 33.

LIMA, Manuel de Oliveira: 53-54.

LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto: 45, 54, 165-167.

LOCKE, John: 14, 16, 42.

LOPES, Ana Maria D’Ávila: 19.

M

MACIEL, Débora Alves: 26.

MACIEL, Marco Antônio de Oliveira: 166.

MACIEL, Omar Serva: 49.

MADISON, John: 20, 24, 43, 50.

MAQUIAVEL, Nicolau: 15.

MARTÍN, Nuria Belloso: 21.

MARTINS, Ives Gandra da Silva: 30, 65, 68, 86, 155, 161.

MARSHALL, John: 9, 43, 44, 50.

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MARX, Karl: 14.

MAUS, Ingeborg: 168.

MEIRELLES, Hely Lopes: 78 e 87.

MENDES, Gilmar Ferreira: 46, 49, 51, 55, 57-58, 60, 61, 65-66, 68, 70-71, 75, 76, 86- 89, 114, 127, 136, 145, 147, 162.

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat: 16, 20, 25, 42, 44, 46.

MORAES FILHO, José Filomeno de: 20.

MORO, Sérgio Fernandes: 33, 152, 160.

MÜLLER, Friedrich: 16.

N

NERY, Rosa M. Andrade: 152.

NERY JÚNIOR, Nelson: 152.

NEVES, Marcelo: 164.

O

Oppenheimer, 14

P

PINHEIRO, Armando Castelar: 140, 141, 154.

PONTES FILHO, Valmir: 151.

R

ROCHA, José de Albuquerque: 21-22, 45, 77.

ROCHA, Sérgio: 142.

RODRIGUES, Lêda Boechat: 52-53.

ROUSSEAU, Jean-Jacques: 14, 16-17.

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S

SAMPAIO, José Adércio Leite: 143.

SANTOS, Ernane Fidélis dos: 84.

SARLET, Ingo Wolfgang: 19.

SCARTEZZINI, Ana Maria: 75.

SCHMITT, Carl: 9, 45, 46, 54.

SCHWARTZ, Stuart B: 31.

SILVA, Carlos Augusto: 43.

SILVA, José Afonso da: 17, 19, 39 e 41.

SLAIBI FILHO, Nagib: 67, 74, 79, 91 e 114.

SORMANI, Alexandre: 49, 57 e 74.

STRECK, Lênio Luiz: 73, 156-157, 160, 162, 168.

T

TATE, C. N.: 26

TAVARES, André Ramos: 18-19, 23, 25, 30, 35, 49, 158, 160, 168.

TORRES, Alberto: 39.

TOSTES, Natacha Nascimento Gomes: 49, 78 e 157.

TUSHNET, Mark: 165.

V

VALLINDER, T: 26.

VARGAS, Getúlio: 56.

VELOSO, Zeno: 44, 47, 49-50, 82, 84.

VIANNA, Luiz Werneck: 37.

VIANNA, Oliveira: 30 e 33.

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W

WALD, Arnoldo: 161.

WEBER, Max: 25 e 77.

Y

YAMAUTI, Nilson Nobuaki: 166 e 167.

Z

ZAFFARONI, Eugenio Raúl: 28.

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