contributo para o estudo do abastecimento de Água à cidade de braga na idade moderna

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    CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA À CIDADE DE BRAGA NA IDADEMODERNA. O LIVRO DA CIDADE DE BRAGA 1737

    CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA À CIDADE DEBRAGA NA IDADE MODERNA. O LIVRODA CIDADE DE BRAGA 1737

    MARIA DO CARMO RIBEIRO*

    MANUELA MARTINS**

    1. INTRODUÇÃO

    O tecido urbano de Braga na Idade Moderna constitui um palimpsesto repletode marcas físicas que foram sendo inscritas no plano da cidade ao longo da suaancestral história ocupacional que remonta aos finais do século I a.C., data em quefoi fundada a cidade romana de Bracara Augusta (Martins, 2000; 2004).

    Graças ao cruzamento de dados de natureza distinta tem sido possível elabo-rar plantas interpretativas para as grandes fases históricas de ocupação da cidade(romana, medieval, moderna), mas, também, analisar a transformação de aspetosconcretos do urbanismo de Braga, designadamente, o sistema viário, o parcelamen-to, os quarteirões e alguns edificados, considerados estruturantes na morfologia

    urbana, como acontece, por exemplo, com as muralhas. Igualmente, foi possívelperceber que uma grande parte dos componentes da morfologia urbana foi herdadados períodos anteriores, muito embora, com transformações adaptativas resultan-tes de novas formas de pensar o espaço urbano (Ribeiro, 2008). Todavia, a análisede uma temática tão complexa como o urbanismo requer, necessariamente, a rea-

    *  Professora auxiliar da Universidade do Minho. Investigadora do CITCEM. Investigadora doProjeto de Bracara Augusta. [email protected]

    **  Professora catedrática da Universidade do Minho. Investigadora do CITCEM. Responsávelpela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. Investigadora responsável pelo Projeto deBracara Augusta. [email protected]

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    lização de estudos complementares, que permitam caracterizar a sua diversidadee especificidade ao longo da ocupação da cidade.

    Este artigo, inserido no âmbito das investigações que procuram analisar acidade de Braga na longa duração, pretende constituir um contributo preliminarpara o estudo do abastecimento de água ao núcleo urbano durante a Idade Mo-derna, o qual contribui, igualmente, para uma valorização da análise diacrónicado provimento de água à cidade desde a Antiguidade.

    O estudo do abastecimento de água pressupõe, necessariamente, a análise de variados aspetos do urbanismo, onde, desde logo, se destacam o local onde a águaera captada, os meios e técnicas utilizados na sua captação e posterior conduçãopara chafarizes, fontes, tanques, edifícios públicos e/ou privados. Trata-se, de facto,

    de uma temática bastante interessante devido à sua complexidade e à necessidadede cruzar diferentes fontes de informação que permitam analisar os vários aspetosrelacionados com este elemento indispensável à vida urbana: a água.

    Para a concretização dos nossos objetivos utilizámos uma metodologia mul-tidisciplinar, baseada no cruzamento dos dados fornecidos por diferentes fontesde informação, dando particular destaque a uma fonte escrita – o Livro do tombodos bens e propriedades, foros e pensões pertencentes ao senado da câmara seculardesta cidade de Braga, existente no Arquivo Municipal de Braga, que passaremos adesignar como Livro da Cidade, datado de 1737. Todavia, e ainda que a supracitada

    fonte documental constitua a base mais sólida e relevante para o presente traba-lho, foi igualmente ensaiado o seu cruzamento com outras fontes de informação1.Referimo-nos, concretamente, às fontes iconográficas e cartográficas disponíveis,designadamente ao  Mapa de Braunio, datado de 1594, ao  Mapa da Cidade deBraga Primas e ao  Mapa das Ruas de Braga, ambos de meados do século XVIII.Foram ainda pontualmente utilizadas as fontes materiais, nomeadamente o edi-ficado histórico, enquanto vestígio material sobrevivente e parte integrante dotecido urbano atual2.

    O presente trabalho encontra-se estruturado em duas partes. Na primeira ire-

    1  As citações documentais serão feitas em itálico, normalizando a ortografia e a pontuação.2  Neste contexto, cabe-nos valorizar a profusão e o potencial das fontes escritas existentes para

    Braga que permitem estudar o abastecimento de água à cidade desde a Idade Média e outros aspetosinterligados, designadamente, o reconhecimento detalhado do tecido urbano. A título de exemplo,refiram-se os fundos notariais, os fundos eclesiásticos do Cabido e da Mitra existentes no ArquivoDistrital de Braga, nomeadamente os Tombos das Propriedades, os Livros dos Prazos das Propriedades,referentes ao período entre 1465 e 1517, os Prazos das Casas do Cabido, mas, também, o fundo mo-nástico-conventual, designadamente os documentos de licenças para encanação de água, bem comooutras fontes diversas, como as Memórias Paroquiais de 1758, objecto de publicação sistemática paratodo o reino por parte do nosso colega José Viriato Capela.

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    A profusão de água em Braga encontra-se igualmente atestada nas fontes es-critas do período moderno, situação que terá levado à intervenção de alguns ar-cebispos, como foi o caso de D. Diogo de Sousa, nos inícios do século XVI. Entremuitas outras obras públicas, este arcebispo mandou fazer a fonte que estava a parda Igreja de N.S. A Branca3, no local onde não havia senão um charco de água ,ou a Fonte de S. Marcos4, que dantes era um charco, como aparece referido no

     Memorial das suas obras5. Todavia, apesar da abundância de água natural que terá caracterizado a cidade

    desde a Antiguidade, persistem algumas dúvidas quanto aos locais onde era cap-tada, quer no que se refere aos existentes na própria cidade, quer no que se refereaos periféricos ao núcleo urbano (Carvalho e Ribeiro, 2009).

    Atendendo às próprias dimensões da cidade na Alta Idade Média, o abas-tecimento de água intramuros seria feito, em larga medida, através de poços.Refira-se, a este propósito, que o espaço urbano alto medieval estava delimitadoa norte pela reutilização da muralha romana baixo-imperial, que passava a poucometros do lado norte da Sé Catedral, correspondendo a cerca de metade do es-paço que foi rodeado pela muralha fernandina, nos finais do século XIV (Fontes  et al., 2009).

    Todavia, com alguma probabilidade, alguns dos aquedutos romanos que trans-portariam a água para a cidade (Martins e Ribeiro, 2012) devem ter permanecido

    em funcionamento, ainda que sem grande manutenção, o que terá determinado oseu colapso em momento incerto, justificando os problemas de falta de água quea cidade irá sofrer, frequentemente referenciados na documentação histórica.

    Terá sido com o próprio alargamento da muralha no século XIV que aumentoua necessidade de obter água potável para abastecer a cidade, procurando-se novasfontes de aprovisionamento ou, com alguma probabilidade, retomando-se algumas

     já existentes. Referimo-nos, concretamente, às nascentes de captação localizadasna periferia da cidade, já utilizadas pelos romanos, mas também, à reutilização

    das condutas gerais e de distribuição urbana romanas.

    3  A.D.B., Registo Geral , livro 330, fl. 331v. onde se lê: Fez a fonte que está a par da dita igreja deSanta Maria a branca de novo, onde não havia senão um charco de água, onde nascia a dita fonte e a fez virar e correr para a cidade, com seu chafariz, peitoril e ameias.

    4  A.D.B., Registo Geral , livro 330, fl. 332 onde se lê: Fez a fonte de S. Marcos de novo com seuchafariz, peitoril e ameias da forma em que ora esta, no meio do dito caminho, a qual dantes era umcharco sem nenhuma serventia para o caminho de Guimarães, salvo da parte de cima por um caminhomuito estreito por onde não passava besta.

    5  As obras realizadas na cidade por D. Diogo de Sousa encontram-se descritas num documentointitulado Memorial das Obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer (1532-1565), realizado pelo có-nego Tristão Luís, pertencente ao A.D.B., Registo Geral , livro 330, fls. 329-334v. Este documento foipublicado por Ferreira 1928-1934, vol. II; Costa 1993 e Maurício 2000, vol. II.

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    As fontes escritas medievais revelam, não só as preocupações para melhorara captação deste bem essencial, como também as dificuldades existentes no abas-tecimento geral de água ao centro urbano. Através da sua análise ficamos a saberque, no segundo quartel do século XV, a água recolhida na cidade, através de poçosou fontes, não era suficiente para satisfazer todas as necessidades da cidade, tendoque ser captada na periferia, a cerca de uma légua de distância (aproximadamente5 km), sendo conduzida através de canos de pedra encobertos para a cidade, paraabastecer fontes, tanques e lavadouros (Marques, 1980). Os documentos permitem,igualmente, atestar que a cidade se debateu com problemas sérios de falta de águaneste período, pois, não só a água que antiigamte sohiia de viir … de fora della

     per canos e que ainda hi estavam os vãos e lavatórios que pêra ello foram fectos6,

    deixara de vir, como também, as fontes, tanques e lavadouros estavam arruinadose secos (Marques, 1980).

    Assim sendo, a aquisição de água na periferia e a sua condução para a cidadeatravés de canos encobertos é anterior ao século XV. Podemos admitir que, com oalargamento da cerca medieval e o crescimento da cidade no século XIV, terão sidoretomadas partes do sistema romano de abastecimento de água à cidade, mercê detrabalhos de reabilitação e conservação dos aquedutos.

    A referida falta de água na cidade terá constituído um problema grave e comlargas proporções, provocada em grande medida, segundo José Marques (1980),

    pela ineficaz administração municipal e régia vivida no segundo quartel do séculoXV, situação que contrastava com a anteriormente vivida, nos tempos da adminis-tração eclesiástica. Vale a pena aqui recordar que, desde 1112 e até 1790, a cidade deBraga e o seu couto constituíram um senhorio eclesiástico, condição que fez comque os arcebispos se tornassem os senhores de Braga, sendo, portanto, os grandesresponsáveis pelas obras públicas da cidade. Esta situação só será definitivamentealterada em 1790, com a sua integração definitiva na coroa. Todavia, tempos houveem que o Senhorio de Braga foi incorporado na jurisdição régia, ou seja, períodos

    de Sé Vacante, como o período em questão, ou seja, no segundo quartel do séculoXV, mas, também, entre 1728 e 1741, período em que foi escrito o Livro da Cidadede Braga, que analisaremos mais adiante.

    Dos locais de captação de água dentro das muralhas, mencionados indireta-mente nos documentos escritos medievais, sobressaem as referências a poços, aum cano de água e à Fonte de S. Geraldo.

    Apesar do levantamento da totalidade dos poços que existiriam na cidademedieval não estar concluído, sabemos que eram muitos, sendo possível referiralguns, designadamente, para o século XIV, um na Rua de Nossa Senhora do Lei-

    6  A.D.B., Gaveta de Braga, n.º 26 (Marques, 1980: 129-130).

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    te, medieval Rua de Oussias, numas casas que chamam do poço7, outro, no cimoda Rua do Souto8 e outro ainda na Rua Paio Manta9 (totalmente destruída com aabertura da Rua Afonso Henriques).

    Contudo, as referências para o século XV aumentam significativamente, nomea-damente, para a Rua do Souto10, onde existiriam 4 poços, mas, também, para aRua de Maximinos, onde se documenta um poço11 numa casa torre. Existem aindareferências relativas à Rua D. Gonçalo Pereira12, onde existiria um poço municipal,documentado desde meados do século XV13, numas casas conhecidas como «Casasdo Poço», situadas no extremo nordeste da rua. Este poço, que sobreviveu até aoséculo XIX, deverá ter constituído um dos mais importantes da cidade medieval.As casas onde se situava aparecem ilustradas no Mapa das Ruas de Braga, do século

    XVIII, correspondentes ao número 11, como se pode observar na figura 1.Uma das menções mais interessantes do abastecimento de água à cidade me-

    dieval é a que se refere a um cano. As primeiras referências, datadas dos finais doséculo XIV, utilizam esta conduta como marcador para localizar algumas ruas,como é o caso da Rua do Souto14 e da Rua de Oussias15, atual Rua de Nossa Senhora

    7  A.D.B., 1.º Livro do Tombo do Cabido (1369-1380), fls. 121-121v. onde se lê: na Rua de Ous-sias… da mão esquerda em redor primeiramente: as casas que chamam do poço em que mora PeroBermel, …

    8  Pergaminhos da Confraria de São João do Souto, n.º 51 (1337 – Junho, 4 – Rua do Souto) ondese lê: Estêvão Dornelas empraza a Alda Lourenço metade de umas casas da Rua do Souto, sitas entreo portal da referida rua e o poço (Marques, 1982).

    9  A.D.B., 2.º Livro de Tombo do Cabido [1393-1394], fl. 69, Rua de Paio Manta como vai desdea cruz ante o forno da Infanta para a albergaria de Rocamador primeiramente da mão direita comovão para a dita albergaria… As casas grandes com sua torre e pomares e poço em que morou MartimDomingues Mestre-Escola…

    10  A.D.B., 2.º Livro dos Prazos do Cabido  (1475-1492): um, como se lê no fl. 65, … Martim deGuimarães faça divisão per meio do dito poço…; outro no fl. 38v., onde se lê: … Pêro Bravo haja asditas casas e exido e faça benfeitorias de juis que melhore (…)  e faça um poço no dito exido ou nadianteira das ditas casas a três anos; outro no fl. 225v., onde se lê: – Rua do Souto – Prazo feito a João Gonçalves, emprazaram novamente com o seu exido e cavalariças e poço a João Gonçalves, seleiro,morador em Braga. 

    11  A.D.B., 1.º Livro dos Prazos Prazos do Cabido (1465-1475), fl. 21: onde se lê: … Rua de Maxi-minos em que o dito João Rodrigues ora mora com sua Torre e pertenças e exidos e poço…

    12  A atual Rua D. Gonçalo Pereira conheceu o designativo de Rua da Erva na Idade Média. Noséculo XV passa a ser designada por Rua da Judiaria, depois Rua de Santa Maria ou do Poço (Ribeiro,2008: 416-420).

    13  A.D.B., 1.º Livro dos Prazos das Propriedades do Cabido, fl. 5v., de 8 de Maio de 1466, ondese lê … desde o poço e entradas dos judeus para contra Santiago… 

    14  A.D.B., 1.º Livro do Tombo do Cabido  (1369-1380), fls. 117-117v., onde se lê: Rua do Soutodesde o cano como vai da mão direita até à porta do muro.

    15  A.D.B., 1.º Livro do Tombo do Cabido (1369-1380), fls. 121-121v., onde se lê: Rua das Oussiascomo vem do cano do canto ataa à porta do Sol da Sé.

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    Figura 1. Casa do Poço, correspondente ao número 11, no  Mapa das Ruas de Braga.

    do Leite. Através delas ficamos a saber que o referido cano, cuja proveniência édesconhecida, passava pela rua que ladeava a cabeceira da Sé Catedral e chegavaaté ao início da Rua do Souto, onde se fazia um canto, em resultado da junçãodas referidas ruas. Segundo alguns autores esta conduta abasteceria a Fonte deS. Geraldo, que deveria constituir a principal fonte de água da cidade medieval

    (Freitas, 1890). Apesar das reservas quanto à sua localização, com alguma proba-bilidade a Fonte de S. Geraldo deveria situar-se nas imediações da Sé Catedral,correspondendo à que é mencionada no século XVIII, como subterrânea, da qualainda restam vestígios, sob a Igreja da Misericórdia.

    Para além da referida fonte de água, o cano abastecia outros locais, designada-mente o Paço dos Arcebispos, nas proximidades do qual é mencionada a existênciade um cano16.

    O cano de água constituía, certamente, uma conduta de distribuição urbanaque, com grande probabilidade, transportava água da periferia, prática que apa-

    rece mencionado nos documentais medievais, já referidos, obtida nas nascenteslocalizadas a cerca de uma légua de distância (5 km).

    Dada a antiguidade da referência à sua existência, feita nos finais do séculoXIV, época em que na maior parte das cidades a água não era captada a grandesdistâncias, sendo antes obtida diretamente de poços e nascentes, podemos admitirque estaremos perante uma conduta reaproveitada do período romano. Apesardos necessários restauros e melhoramentos que terá conhecido, deveria tratar-se

    16  A.D.B., 1.º Livro de Tombo do Cabido, fl. 118, onde se lê: uma casa ante o cano que esta juntocom o paço do arcebispo.

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    Figura 2. Locais de captação de água na Idade Média, referidos no texto.

    de um cano com alguma solidez que abastecia a zona mais importante da cidademedieval, o centro religioso. Cabe referir que durante o período romano, no localonde se encontra a Sé Catedral, terá existido um edifício público que, com alguma

    probabilidade, poderá ter correspondido a um mercado (macellum), para o qualera necessário canalizar considerável quantidade de água (Fontes et al., 1997-98;Martins, 2004).

    O crescimento demográfico e económico registado em Braga, a partir do sé-culo XVI, terá contribuído para aumentar a necessidade de encontrar novos locaisde aprovisionamento de água, quer seja dentro do espaço urbano, quer seja naperiferia.

    A documentação escrita permite igualmente avaliar os sucessivos melhoramen-tos e ampliações realizados no aprovisionamento de água à cidade, acompanhando

    o próprio desenvolvimento urbano, quer seja através da abertura de novos poçosem diversos pontos da cidade, como aconteceu na última metade do século XV, na

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    Rua do Souto17, quer seja através da renovação, melhoramento e embelezamentode fontes e chafarizes já existentes, como terá ocorrido, por exemplo, no tempode D. Diogo de Sousa, com uma das fontes mais antigas da cidade, a Fonte de S.Geraldo, mas, também, com a Fonte da Carcova18 e com o Chafariz do Paço dosArcebispos19.

    Haverá, necessariamente, que fazer a distinção entre o que são os locais decaptação para uso doméstico/privado, como os poços que aparecem referidos comopropriedade emprazada nos documentos, designadamente nos Tombos do Cabidoe nos Livros dos Prazos das Propriedades do Cabido, e os locais de abastecimentopúblicos como as fontes, lavadouros ou tanques.

    Relativamente aos poços, refira-se que, nalguns casos, eram os próprios deten-

    tores do prazo que estavam obrigados à sua construção, muito embora mediantecertas condições, como se pode ler no num prazo do Cabido, referente à Rua doSouto … Faça abrir no exido das ditas casas um poço de água, cavando altura de7 braços em alto em achando água na dita altura que não seja obrigado a fazer

     poço se não quiser 20. Por outro lado, os locais para uso público, designadamente as fontes e cha-

    farizes, irão conhecer uma importância acrescida no arcebispado de D. Diogode Sousa (1509-1534), com a aplicação dos ideais renascentistas ao espaço urba-no, através da abertura e/ou regularização de algumas praças, mas, também, nafisionomia e arquitetura dos edifícios mais emblemáticos da cidade, como a SéCatedral, o Paço dos Arcebispos e o Castelo. Na realidade, D. Diogo de Sousalevou a cabo uma das intervenções urbanísticas mais importantes de Braga, con-cedendo um lugar particular às obras hídricas, designadamente à construção dechafarizes e fontes de água, ou à reparação dos já existentes, bem como à criaçãode sistemas de condução de águas, que na época corriam abundante e livrementeno solo21.

    A cidade de Braga acompanha, assim, as grandes tendências europeias que,

    sobretudo a partir do Renascimento, defendiam o embelezamento das cidadese a criação de espaços cénicos. Paralelamente, os chafarizes e as fontes de águamultiplicam-se, dotados agora de uma estrutura mais faustosa, fruto de formaselaboradas e de decoração escultória e arquitetónica.

    17  A.D.B., 2.º Livro dos Prazos das Propriedades do Cabido  (1475-1492), fl. 38v. e 3.º Livro dosPrazos das Propriedades do Cabido (1466-1500), fl. 50.

    18  Fonte atualmente oculta, localizada na atual Rua dos Capelistas.19  A.D.B., Registo Geral , Livro 330.20  A.D.B., 3.º Livro dos Prazos das Propriedades do Cabido (1466-1500), fl. 50.21  A.D.B., Registo Geral , Livro 330.

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    Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII vários outros arcebispos intervieramno abastecimento público de água à cidade de Braga, designadamente D. Rodrigode Moura Teles (1704-1728), que mandou proceder à canalização das águas dacidade (Freitas, 1890) e D. José de Bragança, que mandou construir as fontes deInfias e dos Pelames (AAVV, 1989-91), cujas pedras de armas se encontram nascapelas das Sete Fontes, complexo de mães de água que mandou monumentali-zar. Paralelamente, sobretudo a partir dos finais do século XVII, a Câmara teráinvestido fortemente na captação de água, tendo os trabalhos realizados incididoprincipalmente na zona das Sete Fontes.

    Para o século XVIII, o Padre Luís Cardoso refere que em Braga existiriam maisde 70 fontes perenes, entre públicas e particulares, algumas de maravilhosa arqui-

    tetura, como seria o caso do Chafariz da Porta do Souto e a Fonte de S. Sebastião.Algumas deitavam água por 6 bicas, outras por 4 e outras por 2. O mesmo autoracrescenta ainda que existiam mais de 800 poços, em quintais, jardins e hortas(Cardoso, 1761: 249).

    De facto, o século XVIII corresponde a um período de grande crescimentourbanístico e populacional. Em termos demográficos a Braga dos inícios do sé-culo XVIII teria aproximadamente 15 000 habitantes, estimados a partir dos 3500 fogos, sendo a sua população em meados do mesmo século, segundo os 4 039fogos atribuídos pelo Padre Luís Cardoso, de cerca de 17 000 habitantes (AAVV,

    1989-91).O aumento demográfico impulsionou o grande surto urbanístico que a cidade

    conheceu desde a primeira metade do século XVIII. Para além das grandes obrasde natureza eclesiástica merecem particular destaque as obras de índole secular.Entre estas, sobressaem a criação de novo bairro habitacional, o Bairro da Gavieira(do Quinteiro ou do Reduto) e a construção de edifícios destinados à habitação,bem como as obras que se relacionam com o provimento de água, designadamentea construção de aquedutos, chafarizes e poços (AAVV, 1989-91).

    As fontes de informação disponíveis para o século XVIII constituem um pre-cioso instrumento para documentar o abastecimento de água à cidade na IdadeModerna. Referimo-nos, às fontes iconográficas, concretamente, ao  Mapa da Ci-dade de Braga Primas, ao Mapa das Ruas de Braga e às fontes escritas.

    Todavia, a generalidade dos documentos escritos oferece informações fragmen-tadas acerca do abastecimento de água à cidade, obrigando ao manuseamento e àanálise exaustiva de uma grande variedade de documentos.

    Como exceção a este panorama, encontra-se o já referido, Livro da Cidade,produzido pelo Senado de Braga, com o objetivo de  fazer tombo, medição e de-

    marcação das suas propriedades.

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    3. O LIVRO DA CIDADE DE 1737O tombo dos bens e propriedades, foros e pensões pertencentes ao senado da câ-

    mara secular desta cidade de Braga, designado Livro da Cidade, produzido em 1737,encontra-se estruturado em três partes, contendo, a primeira, os Papéis pertencentesà fazenda do senado de 1540 e, a segunda, os Autos e vistorias da câmara e, a terceiraas Petições e mais requerimentos e outros papéis. Nos seus fólios iniciais, é redigidaa apresentação do referido tombo, dando-se a conhecer os motivos que presidiramà sua elaboração, mas, também, o conjunto de procedimentos logísticos e buro-cráticos que estiveram na origem da sua execução, onde se incluem as necessáriaspetições feitas às diferentes entidades com importância na cidade, designadamenteao rei D. João V (1707-1750) e ao Cabido de Braga, entre outras. De facto, desde

    a morte do Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles (1704-1728) e até ao provimen-to de D. José de Bragança (1741-1756) foi o Cabido que assegurou o governo doArcebispado bracarense, em período de Sé Vacante, tal como já referido.

    À semelhança do que ocorre no século XVIII com o Cabido bracarense (AAVV,1989-91), também a câmara secular sentiu necessidade de meter cobro à situaçãode desorganização em que se encontravam as suas propriedades e terras:

    Diz o Senado da Câmara da cidade de Braga que há muitos anos, que as suas propriedades e terras que o dito senado possui, e a ele pertencem como senhor delas

    não estão atombadas, nem demarcadas e por assim ser, muitas delas estão alheadas eusurpadas por várias pessoas, com quem demarcam e confrontam, e em breve tempo pertençam com maior detrimento (prejuízo) do dito senado, e porque quer o suplicanteobviar este prejuízo e evitar duvidas e demandas, e fazer tombo, medição e demarca-ção das ditas propriedades e meter «marcos» entre as propriedades com quem parteme confrontam, pede a vossa Majestade que ele faça menção mandar passar provisão para o bacharel Gonçalo António Peixoto de Vasconcelos, juiz de fora que actualmenteé na dita cidade fazer o dito tombo e demarcações e conhecer sobre as dúvidas quedemoverem e que possa nomear escrivão e receberam mercê 22.

    O tipo de bens da câmara secular de Braga a inventariar ficou bem expresso:

    … todas as casas, móveis, cartório, capelas, praças, açougues, alfandega e castelo per-tencentes ao mesmo senado: cruzeiros, fontes e chafarizes, de que o mesmo está de posse…23

    Trata-se, de facto, de um documento de singular importância para o estudo dourbanismo da cidade de Braga. Ainda que sincrónico e parcial, arrolando apenas as

    22  A.M.B., Tombo dos bens e propriedades, foros e pensões pertencentes ao senado da câmara secu-lar desta cidade de Braga, 1737, fl. 16v. Doravante, referiremos este tombo por Livro da Cidade.

    23  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 25v.

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    propriedades do senado, constitui um instrumento de trabalho bastante promissorem diversas áreas. A referida obra oferece dados extremamente detalhados do pon-to de vista da morfologia e arquitetura dos edifícios, das praças e ornato público,facultando igualmente dados bastante consistentes acerca do aprovisionamento deágua a Braga. Entre as inúmeras informações que fornece revelam-se de particularimportância para este trabalho as que se relacionam com os chafarizes, as fontes ea caixa geral das águas da cidade.

    3.1. A caixa geral das águas da cidadeO senado da câmara municipal de Braga possuía no século XVIII uma caixa

    geral das águas integrada numas casas sobradadas e telhadas, localizadas no Rossiodo Eirado dos Chãos, sensivelmente no início da atual Rua do Chãos. A partir dadescrição do Livro da Cidade podemos saber qual a sua localização precisa, bemcomo outros pormenores, como as dimensões ou características da fachada, ouo número e o tipo de aberturas. Muito embora atualmente já não existam, assimcomo a própria caixa geral das águas da cidade, estas casas podem ser localizadasno  Mapa das Ruas de Braga. Esta possibilidade resulta do facto de no Livro daCidade  constar uma descrição detalhada das casas e de se conhecerem os nomesdos residentes daquelas com que confrontam, sobretudo a partir do Índice dos

    Prazos das Casas do Cabido (AAVV, 1989-91). Como se pode observar na figura 2,as casas onde se encontrava a caixa geral das águas seriam as que se seguem aonúmero 54.

    Tem estas ditas casas da caixa geral das águas desta cidade, sitas no dito Rossio doEirado dos Chãos da parte do campo de Santa Ana, as quais são sobradadas e telhadase tem de comprido de norte a sul, pelo nascente, 6 varas e meia e pelo poente, outrastantas, com a grossura das paredes e tem de largo, de nascente a poente, pela cabeça donorte 4 varas e meia e pela do sul outras tantas também com a grossura das paredes.Partem estas casas do nascente com as casas do concelho que possui Dionísio Machado

    e sua mulher e do poente com as casas de João Ferreira, estalajadeiro e sua mulher e donorte com as casas do mesmo João Ferreira, foreiras ao Ilustríssimo cabido e do sul como rossio público, do eirado…24.

    Tem estas casas suas serventias para o sul, pelo rexio público do Eirado da parte doCampo de Santa Ana e para onde tem uma porta na loja e por cima dela suas janelasde peitoril no sobrado e tem umas frestas com suas grades de ferro para o mesmo rossioque dá luz. A caixa da água e a sua janela para o sul de serventia para o muro por ondevem o cano da água…25.

    24  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 109v.25  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 110.

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    Figura 3. Localização das casas onde se encontrava a caixa geral das águas, no  Mapa das Ruas deBraga, a seguir ao número 54.

    A caixa geral das águas era uma estrutura de pedra, alta e feita de esquadria,que tinha dentro um arco grande, por onde entrava a água. Para ela confluía a águaproveniente de diferentes locais e a partir dela era feita a redistribuição da mesma

    para o centro urbano, através de cinco canos, que canalizavam a água para cincosítios distintos.

    À semelhança do que ocorre desde a Antiguidade, era extremamente impor-tante assegurar que a água captada em zonas distantes chegasse a um reservatóriode repartição urbano, a partir do qual era distribuída para diferentes locais dacidade.

    Por exemplo, os romanos, detentores de um elaborado sistema de distribuiçãode água urbana, utilizavam já um reservatório de água, designado de castellum

    aquae ou castellum divisorium que recebia a água dos aquedutos e depois a distri-buía para fontanários e balneários das cidades (Adam, 1994; Mays, 2009).Para a Idade Moderna, período em que se assiste à modernização dos sistemas

    de abastecimento de água às cidades, designadamente através da construção degrandes aquedutos, estes reservatórios poderiam assumir-se como simples arcas,como acontece, por exemplo, na cidade de Lugo (Álvares Asorey  et al., 2001), oucomo grandes depósitos, como o Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, emLisboa, construído entre 1746 e 1834. Este último, atualmente integrado no Museuda Água, possuía no seu interior uma considerável cisterna que recebia e distribuía

    a água do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa, mandado construir pelo Rei D.João V (Caseiro et al., 1999).

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    A data da construção da caixa geral das águas de Braga, existente no séculoXVIII, é desconhecida, sendo contudo anterior a 1734, data da elaboração da fontedocumental que a refere, o Livro da Cidade.

    O sítio onde se localizava e a sua correlação com os dados que referem a pro- veniência da água que a ela chegava, que apresentaremos posteriormente, permi-tem-nos equacionar a antiguidade desta caixa de água, que inclusivamente poderáresultar da reutilização de um anterior castellum aquae romano, que se localizariano mesmo local (Martins e Ribeiro, 2012).

    Com alguma probabilidade esta caixa geral de água terá sido trasladada noséculo XIX para junto do castelo medieval, local onde atualmente existe uma cai-xa de água. Em virtude de serem desconhecidas referências escritas à existência

    desta última e às suas características construtivas e tendo em conta as destruiçõesrealizadas nos edifícios do Largo do Eirado, é possível que a caixa de água atual-mente existente corresponda à referida no Livro da Cidade, transladada aquandodas transformações urbanas deste setor da cidade (Ribeiro, 2008).

    Refira-se que toda a zona em redor do castelo medieval foi ao longo do séculoXIX fortemente alterada com a destruição de parte das casas do largo do Eirado,mas, também, com as correções ao traçado da Rua dos Chãos de Baixo e com ademolição da cadeia e da quase totalidade do castelo medieval. Estas transforma-ções urbanas ditaram, igualmente, a construção de novos edifícios, não só na zona

    do antigo castelo, como no largo do Eirado, designadamente do atual edifício doBanco de Portugal.

    3.2. Zonas de captação de águaA água que chegava a esta caixa geral era captada num poço duma quinta

    perto da Igreja de S. Vicente, mas, fundamentalmente, nas nascentes localizadasnos montes situados no território a nordeste da cidade, designadamente em Mon-tariol, Sete Fontes e Gualtar. Posteriormente, era conduzida por canos de pedra e

    alcatruzes até à caixa geral.

    Toda a água desta caixa geral vem toda por canos de pedra e alcatruzes das bouças domaragoto de Gualtar, fazenda do pinheiro de Montariol, lugar de Passos e também de um poço que está em um quintal junto da capela de São Vicente. Agora novamente por estasserem poucas se lhe acrescentam outras novas, que se andam tirando das ditas bouças domaragoto, uma que sai à cancela de velpilheira fora no monte, outra no olival que está junto às 7 fontes no caminho que saí para montozinhos e outra que se tirou dentro dasmesmas bouças, todas saem às arcas velhas e canos desta cidade26. 

    26  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 112.

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    Figura 4. Zonas de captação de água para a caixa geral das águas, com o traçado das vias romanas.

    Das condutas de água referidas no Livro da Cidade apenas é possível compro- var a existência material da conduta que provinha das Sete Fontes, bem visívelainda à superfície na zona da captação e cujo cano principal passava junto da

    Igreja de S. Vicente, seguindo pela Rua dos Chãos, onde existiam respiros e caixasde distribuição. A alusão feita no 4.º Livro do Tombo das Propriedades do Cabido (A.D.B.), datado dos finais da Idade Média, a um cano de água que passaria nosChãos, permite supor que, quer os locais de captação a norte, quer a conduta, serãomuito anteriores ao século XVIII, muito embora possam ter sido sucessivamenterenovados e requalificados.

    Quando procurámos cartografar o provável trajeto destas condutas, desde asnascentes até à caixa geral de água, fomos forçados a considerar que o percurssomais viável seria o que acompanhava as antigas vias romanas, designadamente a

    Via XVIII, para Astorga, que seguiria pela Rua dos Chãos de Baixo, passando entreMontariol e as Sete Fontes e a Via XVII, para Astorga por Chaves, que passaria por

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    Gualtar, lugar onde foram recuperados vestígios de um aqueduto romano que comalguma probabilidade se dirigia para a cidade, acompanhando aquela via romana(Carvalho & Ribeiro, 2009; Martins e Ribeiro, 2012).

    Face às características topográficas da envolvente próxima de Braga, os locaisapontados para a obtenção de água no século XVIII, constituem as alternativas mais

     viáveis e vantajosas para o abastecimento da cidade. De facto, para sul, verifica-seuma pendente em direção ao vale do rio Este, facilitando o escoamento das águasmas não a sua captação, enquanto para a parte norte e nordeste se desenvolvem as

     vertentes dos montes onde as nascentes são abundantes e cujo pendor permitia asua fácil condução para a cidade. Igualmente, as características topográficas desseslocais, com altitudes que oscilam entre os 250 e 300 m de altitude, quando compa-

    radas com a cota em que a caixa geral da água se encontraria, sensivelmente 194metros de altitude, são bastante favoráveis à condução da água, evitando-se, assim,a construção de estruturas aéreas para o seu transporte, o que parece justificar ofacto de Braga nunca ter tido um aqueduto aéreo monumental.

    Por fim, as referências existentes desde a Idade Média à captação de água naperiferia urbana, nos montes que se situariam a nordeste e nascente, a cerca de5 km de distância, bem como da sua condução para a cidade feita por meio de ca-nos, conjuntamente com as características topográficas já enunciadas, fazem suporque estas nascentes serviram não só o abastecimento de água à cidade na IdadeModerna, mas também em períodos anteriores.

    Aceitando-se como hipótese que algumas das condutas romanas de água foramsucessivamente reaproveitadas até à Idade Moderna, é igualmente presumível que acaixa geral da água moderna possa resultar da reutilização de um castelo de águaromano. Em abono desta hipótese podemos referir o próprio relato do padre LuísCardoso, escrito no século XVIII, que refere que dos tempos dos romanos, entreoutros vestígios espalhados pela cidade: Tambem ha sinais de haver aqueductos,muy usados nos tempos dos Romanos, pelos quaes vinha a agua para o provimento

    da Cidade (Cardoso, 1761: 248).Refira-se, ainda, que alguns dos grandes aquedutos modernos, construídos em

    cidades fundadas pelos romanos, tinham as suas nascentes, bem como o seu per-curso ou partes dele, coincidente com os anteriores aquedutos romanos, como é ocaso do Aqueduto da Água da Prata, de Évora ou do Aqueduto das Águas Livresde Lisboa.

    3.3. Rede de distribuição urbana

    As linhas gerais do traçado principal da rede de distribuição de água na zonaurbana podem ser aferidas através das indicações dos locais para onde a água era

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    conduzida, constantes no Livro da Cidade. Na generalidade estes canos abasteciamchafarizes, fontes e conventos.

    Assim, a partir da caixa geral, a água era conduzida para cinco sítios distintosda cidade, por cinco canos27.

    O primeiro, da parte do norte, ia para o Convento de Nossa Senhora da Penhade França, fundado em 1652, no lado sul do Campo de Santa Ana e extinto, em1874. Dele apenas sobrevive a Igreja da Penha, integrada no Asilo D. Pedro V.

    O segundo, seguia para o chafariz grande da Porta do Souto, mandado construirpelo arcebispo Dom Frei Agostinho de Jesus, no século XVII e trasladado destelocal no século XX. A água do tanque deste chafariz era repartida em … quatro

     partes a saber: a primeira em mais consideráveis quantidades para a fonte do cava-

    linho que está defronte do chafariz para nele beberem todo o género de animais. Asegunda para o hospital de S. marcos. A terceira para as casas e quintal de Francisco

     João depositário geral e a quarta e última são as vertentes e águas perdidas do memotanque as quais vão para as casas que foram do Doutor Eusébio do valle Pasanhacitas na boca da rua das águas28.

    O terceiro, a este, seguia para o chafariz de São Tiago, a fonte de São Sebastião,o Convento dos Remédios, o Colégio da Companhia de Jesus, as Casas de ManuelFalcão Cota e o Campo de São Tiago. Sabemos, igualmente, que … no campo de S.Tiago tem um repuxo onde se reparte a água que nele vem em quatro partes, a saber:

    uma que está para este chafariz [de são Tiago] que é a maior parte, outra menor para a fontana de São Sebastião e uma pena de água para os padres da Companhiae outra para a casa de Manuel Falcão Cota, Fidalgo da casa de sua majestade, queDeus guarde, morador no mesmo campo de S. Tiago. As vertentes deste chafariz quese recolhem no dito tanque vão para as religiosas de N. S. da Conceição também poraquedutos29. Dos locais referidos apenas se conservam a casa dos Falcões, o chafarizde S. Tiago e o Convento de N. S. da Conceição, na Rua de S. Geraldo.

    O quarto seguia para o Chafariz do Campo da Vinha, a Fontana do Pópulo

    e para as Religiosas do Convento do Salvador. Destes locais somente a Fonte doPópulo existe atualmente.Finalmente, o quinto conduzia água para o Chafariz da Galeria dos Paços Ar-

    cebispais, atualmente in situ.A comprovação do traçado exato por onde estes aquedutos seguiam está ainda

    por aferir, carecendo de estudos arqueológicos. Contudo, é possível começar a de-linear alguns dos seus principais trajetos, como se representa na figura 5.

    27  A.M.B., Livro da Cidade, fls. 110-110v.28  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 99.29  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 100v.

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    Figura 5. Mapa com a rede urbana de destruição de água, a partir da caixa geral da cidade, com arepresentação da muralha medieval.

    Os locais por onde passavam as diferentes condutas de água do abastecimen-to público são bastante díspares. Algumas corriam ao longo das ruas, outras emquintais e hortas, outras ainda por debaixo das casas, sabendo-se que os donos das

    casas por onde passavam os canos da água eram obrigados a mantê-los limpos edesimpedidos, como acontecia com a conduta que abastecia a Fonte da Carcova,sendo referido que … cada um dos moradores das ditas casas por onde passa éobrigado a limpar o dito cano na sua testada30, ou com a Fonte de S. Geraldo, daqual a água saía …  por um cano com seus caleiros cobertos tudo de pedra, o qualatravessa a Rua Nova, vai põe debaixo das casas dela, até sair ao campo dos Touros,e os donos das ditas casas por onde ela passa são obrigados a limpar o dito canocada um na sua testada31.

    30  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 104v.31  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 103v.

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    Figura 6. Caixa e cano deágua existente na cidade.

    O tipo de condutas era igualmente variado, muito embora se tratassem nageneralidade de canos de pedra, oscilando a terminologia usada para os descreverentre, aquedutos, canos, canos de pedra, caleiros e caleiros cobertos de pedra. Exis-tiam também caixas de distribuição da água e repuxos espalhados por diferentespontos da cidade, designadas vulgarmente de arcas e adjetivadas de velhas. Algunsdestes exemplares podem ainda ser vistos na cidade, como se pode observar nafigura 6.

    3.3.1. Os chafarizes

    Na Idade Moderna, para além da construção de grandes aquedutos, os sistemasde abastecimento de água às cidades foram igualmente modernizados através daconstrução de fontes e chafarizes.

    Os chafarizes, enquanto equipamento púbico que disponibilizava água potável,são compostos normalmente por mais do que uma bica de água, à qual é possívelaceder diretamente, podendo ter um ou mais tanques para a receber, que servemnormalmente de bebedouro para animais ou para lavagens. Segundo Walter Rossa,distinguem-se das fontes, essencialmente, por estar em lugares públicos e ser o ponto

    terminal de uma conduta de abastecimento, exclusivo ou não (Rossa, 1989). Todavia,para além da sua funcionalidade primeira, os chafarizes respondem igualmente a

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    imperativos de ordem estética, sendo compostos por espaldares, por vezes, ricamen-te ornamentados, com menção a quem os mandou edificar ou com os brasões dacidade. O espaldar ou o corpo (para os chafarizes adossados) é a parte do chafarizque lhe confere maior visibilidade no espaço urbano e um importante papel naimagem da cidade (Rossa, 1989).

    Na verdade, a distinção entre fontes e chafarizes é difícil de precisar, pois exis-tem fontes de água que se aproximam bastante das características enunciadas paraos chafarizes, como veremos para algumas fontes bracarenses.

    Para a cidade de Braga não se conhecem chafarizes anteriores aos existentes noLargo do Paço. O arcebispo D. Diogo de Sousa, no século XVI aí mandou construirum chafariz de novo para receber a água da pia porque o outro era roto, velho e mal

     feito32

    . No século XVIII o Chafariz do Paço Arcebispal, mandado construir porD. Diogo de Sousa, foi substituído por um outro mandado fazer pelo arcebispoD. Rodrigo de Moura Teles, o qual permanece ainda in situ.

    Através do Livro da Cidade ficamos a saber que na cidade existiam, no séculoXVIII, 6 chafarizes, propriedade do senado da câmara33: 1 dentro da zona amu-ralhada (Chafariz dos Paços Arcebispais) e 2 na zona imediatamente extramuros(Chafariz da Porta do Souto e Chafariz do Campo da Vinha), sendo os três dire-tamente abastecidos pela caixa geral das águas. Os outros 3 (Chafariz da Rua dosPelames ou de São Tiago, o Chafariz dos Penedos dos Chãos e o Chafariz / Fonte

    do Quinteiro) situavam-se na periferia urbana. Refira-se que o último ainda estavapor edificar, muito embora a pedra lavrada para a sua construção já se encontrasseao redor da fonte aí existente.

    Todos eles mereceram uma discrição morfológica e arquitetónica bastante de-talhada, que permite igualmente perceber quais são os mais importantes, diríamosmonumentais, como é o caso do Chafariz dos Paços Arcebispais, localizado nocoração da cidade, mas, também, chafarizes de menores dimensões, que corres-pondem aos existentes em locais mais afastados do centro.

    A título de exemplo apresentamos a descrição existente no Livro da Cidade correspondente ao Chafariz dos Paços Arcebispais, o único que permanece atual-mente no sítio original.

    Tem o chafariz que está defronte da galeria dos passos Arcebispais, o qual está assen-tado sobre um pátio para o qual se sobe por 3 degraus, de todas as partes oitavados detriângulos, nele está assentado um tanque que corre as mesmas linhas que tem 3 palmos emeio de alto, com sua moldura muito bem feita, o qual terá de circunferência 70 palmos.

    32  A.D.B., Registo Geral , Livro 30, fl. 330.33  Alguns destes chafarizes são igualmente mencionados nas Memórias Paroquiais de 1758 (Ca-

    pela, 2003: 202).

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    Do meio deste tanque nasce um pilar para receber a taça, no qual serve deadorno 4 atlantes que recebem nas

    costas, a qual é do mesmo feitio dotanque e das escadas oitavadas de tri-ângulos. Tem esta taça 6 bicas metidasnas bocas de 6 carrancas e sobre cadauma é um castelo com suas ameias.Do meio desta taça se levanta outrocastelo também oitavado de triângulossobre o qual está uma pianha com 6bicas pequenas de esguicho em roda por onde espirra água para cima e so-bre a dita pianha assenta uma figurade pedra vestida a trágica, em pé comuma esfera sobre a cabeça. Destas 6bicas da peanha cai água na referidataça e dela se despende ao povo poroutras 6 bicas de bronze que ela tem,que a colhem por canos compridos eos reditos se recolhem no dito tanque.Neste chafariz, seus castelos e esferas se simbolizam as armas do ilustríssimo senhor D.

    Rodrigo de Moura Teles, arcebispo e senhor que foi desta cidade e arcebispado, o qualmandou fazer neste lugar donde tiraram um outro que nele se encontrava, que mandoumeter dentro do terreiro do seu paço para onde vão as vertentes do mesmo chafariz. Aágua deste chafariz vem da primeira caixa geral da cidade, por aquedutos e repuxos e domesmo chafariz vai para outros aquedutos para a cozinha do passo dos arcebispos alémdas por onde vão as vertentes. Terá este chafariz 37 palmos. Toda a obra deste chafariz é perfeitíssima e a segunda em ordem ao chafariz da Porta do Souto34.

    Como podemos observar pela anterior transcrição, para além da descriçãomorfológica e arquitetónica pormenorizada dos chafarizes, este documento men-

    ciona, igualmente, a proveniência da água e os locais para onde era distribuídaposteriormente, permitindo reconstituir o trajeto aproximado das condutas queexistiriam na cidade.

    Refira-se, por exemplo, que a água para os 6 chafarizes era conduzida poraquedutos e repuxos e provinha de diferentes locais, nomeadamente, diretamenteda caixa geral da cidade, como é o caso dos chafarizes da Rua do Souto, do Campoda Vinha e dos Paços Arcebispais, mas, também, de poços e fontes, como sucedecom os restantes.

    34  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 98-99.

    Figura 7. Chafariz do Largo do Paço.

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    A água era conduzida a partir dos chafarizes para outros locais, como é o casoChafariz dos Paços Arcebispais, cuja água ia para a cozinha do Paço dos Arcebis-pos, através de aquedutos. No caso do Chafariz dos Penedos dos Chãos, as águassobrantes iam para o Convento das Religiosas do Carmo, localizado junto da atualIgreja do Carmo.

    Não menos importantes são as informações relacionadas com as caixas e re-puxos espalhados pela cidade, que recebem e distribuem a água. Por exemplo, noCampo da Vinha, contígua à Capela de Nossa Senhora do Amparo, já desaparecida,existia uma caixa que recebia água da caixa geral da cidade, de um poço da câmara,sendo distribuída para o Chafariz do Campo da Vinha, para a Fonte do Pópulo epara as religiosas do Convento do Salvador. Através de algumas indicações ficamos

    a saber, igualmente, que a quantidade de água distribuída a partir destas caixas nãoera toda igual, alguns recebiam apenas uma pena35.

    No Campo de São Tiago existia um repuxo que distribuía a água em quatropartes, a saber: uma para este chafariz que é a maior parte, outra menor para a

     fontana de São Sebastião e uma pena de água para os padres da Companhia e outra para a casa de Manuel Falcão Cota, Fidalgo da casa de sua majestade, que Deus guarde, morador no mesmo campo de S. Tiago. As vertentes deste chafariz que serecolhem no dito tanque vão para as religiosas de N. S. da Conceição também poraquedutos36.

    Os seis chafarizes referidos encontram-se representados no  Mapa da Cidadede Braga Primas, elaborado precisamente em meados do século XVIII (Fig. 8).

    3.3.2. As fontes de água

    À semelhança do que ocorre com os chafarizes, também as fontes de águaaumentam de número a partir do Renascimento. Para além da resposta às neces-sidades básicas de provimento de água, as fontes adquirem importância enquantoequipamento urbano de carácter estético que contribui para a imagem da cidade,

    ganhando formas cada vez mais aperfeiçoadas, com elaborada decoração escultóriae arquitetónica.

    Na área intramuros da cidade medieval de Braga, para além do Chafariz doPaço, existiriam apenas a Fonte de S. Geraldo, já mencionada, e a Fonte da Car-cova, mandada reparar pelo arcebispo D. Diogo de Sousa, nos inícios do séculoXVI37. Este arcebispo terá, igualmente, mandado erguer duas novas fontes na área

    35  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 99v.36  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 99.37  A.D.B., Registo Geral , livro 330, fl. 332v., onde se lê: Fez a fonte da Carcova a par do castelo

    com cano muito grande de pedraria e de grandes pedras por coberturas e todas as partes e calçadas que

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    Figura 8. Chafarizes existentes na cidade no século XVIII, propriedade do senado da Câmara no Mapa da Cidade de Braga Primas.

    protegida pela muralha medieval, conhecidas como a Fonte de Sousa e a Fonte dosJardins do Paço e, no espaço extramuros três outras, designadas de Fonte de SãoTiago, Fonte de S. Marcos, nos Granjinhos, e a Fonte de Nossa Senhora a Branca.

    A cidade irá ver aumentar o número de fontes ao longo dos séculos seguintes.Através do Livro da Cidade ficamos a saber que, no século XVIII, havia em Braga32 fontes, por vezes referidas como fontanas, e um tanque, propriedade do senadoda câmara.

    Num espaço de pouco mais de 200 anos a cidade dotou-se de cerca de 25

    novas fontes de água, segundo o Livro da Cidade. A julgar pelos dados do PadreLuís Cardoso, existiriam outras tantas. A título de exemplo, refira-se a existente noConvento dos Remédio, não mencionada no Livro da Cidade, mas que no séculoXVIII integraria este complexo religioso, e que atualmente se encontra no Jardimde Santa Bárbara. De facto, a abundância de fontes de água terá justificado a de-signação de «cidade das fontes» atribuída a Braga.

    Tal como ocorre com os chafarizes, também as fontes de água são detalhada-mente descritas no Livro da Cidade, identificando-se aspetos relacionados com a

    estão ao redor da dita fonte, a qual fonte fora antiga e estava já toda atopida e agora corria contra acidade e mandou a virar e correr contra a estrada para que dela se visse a fonte e a água .

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    sua composição estrutural, arquitetónica e escultória, mas, também, com a prove-niência das suas águas ou até mesmo com sua qualidade, referidas algumas vezescomo «milagrosas», como é o caso da água da Fonte de S. Geraldo ou da Fontede S. João, no Parque de S. João, descrita como excelente e das melhores da cidade,cujas pessoas a mandam buscar a este sítio no tempo de Verão pela sua muita fres-cura e bondade38.

    O tipo de fontes existentes é bastante díspar, havendo fontes com elaboradacomposição arquitetónica e escultória, como é o caso da fonte de São Sebastiãoa qual e toda feita de pedra de esquadria de muita perfeição, obra dórica com seuremate no meio de uma pirâmide, no alto da qual está uma cruz primacial de ferrode duas aspas e tem suas pirâmides mais pequenas, cada uma de seu lado lança a

    água por uma bica de ferro metida na boca da cabeça de um bico e dela se recolheem um tanque que toma quase toda a frente da dita fonte, o qual é também obra de

     perfeita esquadria. Está com a frente para o Norte assentada sobre um formosíssimo pátio de esquadria … e da parte do Nascente e Poente está ornado com assentostambém de esquadria de toda a perfeição, da parte do Sul tem uma escada de novedegraus que ocupa toda a largura do mesmo pátio, com seus corrimão dos lados, pelaqual se sobe da dita fonte para a capela de S. Sebastião, da parte do Norte tem esta

     fonte segundo tanque39. Outras bastante mais simples, como a Fonte de Infias …que está metida na parede... Lança a água por uma bica de ferro metida na boca de

    uma carranca, formada em uma pedra da sobredita parede. Não tem tanque algummas cai no chão…40.

    Apresentamos, de seguida, o elenco das 32 fontes de água, e do tanque, acompa-nhado de uma descrição, muito semelhante à que se encontra no Livro da Cidade,bem como da sua localização geográfica no século XVIII. Entendemos fazê-lo em

     virtude da dificuldade que existe, por vezes, em situar o local original das referidasfontes de água mas, também, de reconhecer algumas das características arquitetóni-cas e escultórias que presidiram à sua criação. Na verdade, uma parte significativa

    das fontes de água referidas no Livro da Cidade já não se encontra no mesmo local,nem ostenta os mesmos atributos do século XVIII. Uma vez que o referido Livronos faculta esses dados, entendemos útil a sua divulgação neste artigo, tendo-se,no entanto, optado por uma descrição mais sintética, e recorrendo-se, sempre quese justificou, às expressões utilizadas no documento original, que colocamos emitálico, fazendo-se menção ao fólio em que a fonte aparece caracterizada em notade rodapé. A numeração encontra-se de acordo com a sua localização no mapa da

    38  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 106.39  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 101-102.40  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105.

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    figura 7. Não foi possível cartografar as fontes que se encontram assinaladas comasterisco (*), por se encontrarem muito distantes do centro urbano.

    1. Fonte de São SebastiãoA fontana de são sebastião41 localizava-se a norte da Capela com o mesmo nome,

    no Largo das Carvalheiras. As suas características arquitetónicas já foram descritasanteriormente. Acrescente-se, todavia, que a água desta fonte vinha  da geral dacidade por aquedutos e repuxos. Distante dela, cerca de 200 palmos [44 metros],estava um repuxo pequeno e baixo. Entre ele e a fonte passavam os aquedutos, todosde pedra. Estes passavam por baixo da devesa por uma augusta subterrânea, feita de

     paredes de alvenaria, coberta de padieiras de pedra, com uma porta de entrada junto

    do dito repuxo. Atualmente, ainda é possível observar no local a grande condutade água referida na descrição. A água desta fonte caía para um grande tanque edepois desse derivava para um segundo, a norte , onde iam beber os animais, e asvertentes iam paras as casas de Dom António de Noronha, por um aqueduto feito àcusta do dono das mesmas casas. 

    2. Fonte do CavalinhoA f ontana do cavalinho da porta do souto42 situava-se junto à referida porta da

    muralha medieval, no início da atual Rua do Souto, e estava metida no torreão dos

    alpendres da alfandega, chamado vulgarmente de caramanchão que estava  para a parte do Sul. Atualmente esta zona encontra-se bastante alterada. Tratava-se de umafonte composta por um pano de esquadria formado no mesmo torreão, ornado comseus cunhais, friso, cornija e arquitrave, com seu remate de quarttellas e tarjão queacabava em pirâmide. No fim de cada cunhal tinha também uma pirâmide. Lança-

     va água por duas bicas, metidas nas bocas de dois meios cavalos, dos quais toma onome. As águas eram recolhidas  num tanque de muito boa perfeição e esquadriaovado, que tinha de comprimento 20 palmos [4,4 metros] e 7 de largo [1,54 metros] 

    e 4 de alto [0,88 metros]. A água desta fonte vinha do tanque do chafariz da Portado Souto, que lhe ficava fronteiro. A este tanque iam beber os animais e a água quedele sobejava ia por aquedutos para os passos arcebispais.

    3. Fonte da Torre do PópuloA f ontana que estava defronte da torre do populo43 encontrava-se localizada em

    frente da dita torre, ao cimo da rua das Conigas [Cónegas], atual Rua da Boavista.

    41  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 101-102.42  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 102.43  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 102 a 102v.

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    Figura 9. Fonte de Sousa mandada construir por D. Diogo de Sousa, junto à Porta Nova, no  Mapadas Ruas de Braga.

    Figura 11. Pano sobrevivente daFonte da Porta Nova de Sousa,

    na Rua D. Diogo de Sousa.

    Figura 10. anque sobreviventes daFonte da Porta Nova de Sousa.

    5. Fonte do Campo das HortasA fontana do campo das hortas45 situava-se ao cimo do referido campo, próximo

    da Porta Nova, no local onde hoje passa a Rua Andrade Corvo. Era  formada porum pano de esquadria lisa, com seu friso, cornija e arquitrave e com três pirâmidesem cima. Lançava a água pela boca de um bicho, para um tanque de esquadria queteria de comprido 22 palmos [4,84 metros] , 6 e meio em vazio de largo [1,43 metros] 

    45  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 103.

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    e 3 de alto [0,66 metros]. Este tanque era recolhido no meio, defronte da bica, commeio círculo cujo côncavo ficava para a parte de fora dele e o convexo para dentrode modo a se poder tomar a água da bica. A água desta  fonte  vinha  encanada dotanque da fonte da prassa acima descrita [Fonte da Porta Nova de Sousa] que eram as vertentes dela, para neste tanque beberem os animais. Ao Nascente e Poente desta

     fonte estavam uns assentos com seus encostos, tudo de cantaria lavrada, com umdegrau para os pés, que assentava sobre um lajeado de esquadria, com 8 palmos delargura [1,76 metros]. Os assentos ocupavam a maior parte do Campo das Hortas,

     para onde estes assentos tinham  a sua frontaria e as costas para a parte das ditashortas. 

    6. Fonte de S. GeraldoA  fonte de S. Giraldo46  encontrava-se  por   baixo do pátio da Igreja da  Miseri-

    córdia, no início da atual Rua de D. Diogo de Sousa. Era uma fonte subterrânea,e descia-se para ela por duas escadas de cantaria. Uma da banda do Nascente, quetem doze degraus e é a serventia principal. A outra da parte do Poente que tem oitodegraus, e é serventia particular da capelinha de São Giraldo, que está por cima dela,e donde tomou o nome. Entre a fonte e o pátio da Misericórdia era  charco. Estavametida  num arco de cantaria muito bem feito, formado dentro da parede do dito

     pátio. Fora do arco tinha uma pia de pedra de esquadria muito bem-feita, para a qual

    corria a água da fonte e desta era expelida por um cano com seus caleiros cobertos,tudo de pedra, que atravessava a Rua Nova, e ia por debaixo das casas, até sair aoCampo dos Touros. Os donos das casas por onde ela passava estavam  obrigados alimpar o cano, cada um na sua testada. Esta fonte estava virada para a parte Norte,e as suas águas eram  excelentes, tidas  por milagrosas. Sobre a escada do Nascentehavia duas grades de ferro, metidas no vão de três colunas que serviam para lhe darluz . Atualmente esta fonte encontra-se desativada, muito embora alguns dos seus

     vestígios ainda se encontrem sob as escadas de acesso à entrada principal da Igreja

    da Misericórdia.

    7. Fonte da Praça do Campo de TourosA  fonte da prassa do campo de touros47 encontrava-se na parede da horta dos

     passos arcebispais, na atual Praça do Município. Era de  pano de alvenaria com seuscunhais, ovado em forma de meio círculo com o côncavo para fora, com frisos e, porcima dele, tinha quatro pirâmides pequenas. Lançava a água por uma bica de pedra 

     para uma grande taça de pedra lavrada, lisa, redonda, que estava assente numa gran-

    46  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 103-103v.47  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 103v.

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    de pia, também de pedra, que a sustenta, metida quase a metade no dito meio círculoque faz o pano e a outra metade de fora dele. A água desta fonte vinha por canos da

     fontana do cavalinho da porta do souto por dentro da horta dos passos arcebispaise servia para beberem nela os animais, e as vertentes dela iam pelas estrebarias dos

     prelados por canos, para a fonte da porta de S. Francisco. 

    8. Fonte de S. FranciscoA  fonte de S. Francisco48  encontrava-se dentro da porta da muralha medieval

    designada com o mesmo nome , metida na parede da casa do forno onde se cozia o milho, na Rua do Campo (atualmente integrada na Rua Frei Caetano Brandão). Esta fonte lançava a água por uma bica de ferro, metida na boca de uma carranca

    que estava na parede da dita casa, para um tanque de esquadria, gradeado de ferro,que tinha 12 palmos de comprido [2,64 metros] , 4 de largo [0,88 metros) e 3 e meiode alto [0,66 metros]. Para a parte do Sul, junto com a parede da casa e do tanquehavia uma pia pequena de uma só pedra onde lavavam os vizinhos com a água dotanque, que para ela era lançada por uma meia bica de ferro, que estava chumbadasobre o tanque. A água desta fonte era a das vertentes da fonte da prassa do Campode Touros.

    9. Fonte da Carcova

    A f onte da carcoda49  [carcova] situava-se no alçado sul da rua que tinha omesmo nome, atual Rua dos Capelistas,  por detrás da Igreja dos Terceiros de S.Francisco. Era uma  fonte subterrânea para a qual se descia, da parte do campo davinha, por uma calçada íngreme, e da parte da Igreja dos Terceiros por uma escadade pedra de cantaria de doze degraus e pela parte da rua da fonte da carcova [Ruados Capelistas] estava defendida com uma parede baixa de 3 palmos e meio de alto[0,77 metros] que lhe servia de parapeito e estava descoberta. Era formada de um

     pano de esquadria, metido na parede do quintal das casas que Custodia Pereira pi-

    cada, tendeira da porta do souto, tinha neste sítio, e estava obrigada à sua limpeza. Esta fonte tinha uma moldura por cima, com duas ameias, entre as quais estavauma cruz lisa quadrada, assente sobre um calvário de pedra, ao modo de pedestal .No meio do pano da fonte havia um letreiro que dizia «Didacus Sousa Archiepiscopusmil quinhentos e vinte». Lançava a água pela boca de um bicho, por uma bica de

     ferro, para um tanque de esquadria com moldura, que tinha de comprido 11 palmos[2,42 metros], de largo 4 palmos [0,88 metros] e 1 de alto [0,22 metros]. A águadesta fonte nascia no terreiro dela, para a parte da Igreja dos Terceiros, distanciada

    48  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 103v.-104.49  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 104-104v.

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    38 palmos da mesma [8,36 metros]  e da sua arca ia  encanada por canos de pedra para a dita fonte. As suas vertentes iam por outro cano de pedra, por meio das casasda rua da fonte da carcova, seminário e campo da vinha e iam  sair à porta de S.Francisco, entre as casas de Domingos Ferreira, notário apostólico, e do reverendoDoutor Tomé da Mota Barreto. Cada um dos moradores das ditas casas por onde

     passa estava obrigado a limpar o dito cano na sua testada.

    10. Fonte do Pão de Trigo (Carmelitas descalças)A f onte do Pão Trigo50  localizava-se atrás da cerca das religiosas carmelitas des-

    calssas [descalças], junto da atual Igreja do Carmo. Era uma fonte de charco  eestava rodeada de paredes da parte do Nascente, Norte e Sul . Pela  parte do Poente 

    tinha uma parede baixa, quase a altura da água. Era por esta parte que as pessoasdo povo  acediam a água da fonte. Para as outras partes tinha um rego, por ondeiam as vertentes da dita fonte, para um posso [poço] de António Francisco, lavrador,

     possuidor das terras vizinhas. Era boa água e dela se aproveitavam a maior partedos moradores das ruas dos chãos e do carvalhal e campo da vinha.

    11. Fonte da PreguiçaA fonte da perguissa51 situava-se por baixo da Capela de S. Vicente, na entrada

    da rua nova do bico. Era formada por um  pano de esquadria, com moldura, e por

    cima  tinha quatro pirâmides. Lançava a água por uma bica de ferro, metida naboca de uma carranca, para um tanque de esquadria, com 14 palmos de comprido [3,08 metros] , 6 de largo [1,32 metros]  e 3 de alto [0,66 metros]. Este tanque era recolhido no meio, com o concavo para fora e convexo para dentro, para se chegar àbica. Uma parte da água nascia numa casa do senado, que possuía por aforamentoo padre João de Matos Vieira, que estava conjunta com o átrio de S. Vicente. Outra

     parte da água  vinha da geral da cidade. O senado tinha posse por contrato e obriga-ção com os possuidores das ditas casas

     para mandar consertar por dentro dascasas e, sendo necessário, romper as pa-redes delas, e fazer tudo o mais que fornecessário para a boa corrente da ditaágua. As vertentes iam  para a Quintado Doutor Santos de Araújo Alves. Comalguma probabilidade, a fonte que apa-rece representada no alçado poente da

    50  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 104v.51  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 104v.

    Figura 12. Fonte da São Vicente.

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    Rua das Palhotas, no  Mapa das Ruas de Braga, poderá corresponder a Fonte daPreguiça. Ainda hoje, em local aproximado ao descrito, existe uma fonte inativa,conhecida como Fonte de S. Vicente, muito embora com características diferentesàs enunciadas para a da Preguiça.

    12. Fonte dos Pedreiros (Palhotas)A  fonte dos pedreiros52  localizava-se

    abaixo das Palhotas, na estrada que ia para o barco do bão do bico. Era formadapor um pano de esquadria tosca, com 12

     palmos de comprido [2,64 metros] e 10 de

    alto [2,2 metros]. Estava com as costas aoNascente, tinha um  friso e por cima umacruz metida entre duas pirâmides. Lançavaa água por uma bica de pedra, para uma

     pia, redonda, onde bebiam os animais. Eratudo de pedra. A água desta fonte nascia aNascente, no público e baldio, a uma dis-tância de 100 palmos [22 metros]. As suasvertentes iam  para o ribeiro que passava

    logo abaixo.

    13. Fonte das InfiasA  fonte de Infias53  estava  metida na

     parede da Quinta de Jácome Borges Pa-checo, atual Solar de Infias ou Casa de Vale de Flores. Tratava-se de uma fontemuito simples, tal como já referido. Lançava a água por uma bica de ferro metidana boca de uma carranca, formada numa pedra da sobredita parede. Não tinha

    tanque, a água caia no chão. As suas vertentes iam pela quingosta das possinhas [Cangosta das Pocinhas]. A água nascia dentro da quinta do dito de Jácome PereiraPacheco. 

    14. Fonte das GolladasA  fonte das Golladas54  situava-se no lugar com o mesmo nome, na freguesia

    de S. Vítor, nas proximidades da atual Casa das Goladas, situada na Rua D. Pedro

    52  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 104v.-105.53  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105.54  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105.

    Figura 13. Fonte no alçado poente da Ruadas Palhotas, representada no Mapa dasRuas de Braga.

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    V. Era formada de um pano de esquadria, com seu friso e cornija e arquitrave, comuma cruz em cima metida entre duas pirâmides. Tinha uma só bica metida na bocade uma carranca. As suas águas eram recolhidas num tanque d e  esquadria, com

     friso, que tinha 10 palmos de comprido [2,2 metros] , 4 de largo [0,88 metros] e 3de alto [0,66 metros].  A água desta fonte nascia  na estrada do carvalho e descia em duas partes, das quais iam encanadas, e na distância de 10 ou 12 palmos [2 a2,2 metros] da dita fonte se juntavam num só cano, pelo qual vem ambas as águas

     juntas até chegar à dita fonte. As vertentes iam  para o campo de Henrique Feliz Machado.

    15. Fonte de Nossa Senhora a Branca

    A  fonte de Nossa Senhora a Branca55

      estava por baixo da Capela, atualmenteigreja, com o mesmo nome. Era formada de um pano de esquadria com seu friso etrês ameias em cima. Era meia subterrânea. Para ela se descia por quatro degrausda parte do Norte. Estava virada para o Poente. Deitava a água  por uma só bica,metida na boca de uma carranca de pedra. As águas eram recolhidas num tanquede esquadria, com  2 palmos de altura [0,44 metros]. No meio tinha  as armas do

     Arcebispo D. Diogo de Sousa. As águas desta fonte nasciam a Poente, por detrás damesma fonte, no público a pouca distância dela.

    16. Fonte de Trás de São MarcosA f onte de trás de São Marcos56  localizava-se  junto da rua dos granginhos. Era

    formada  por um pano de esquadria, liso, com seu friso, cornija e arquitrave assen-tados sobre quatro quarttellas com uma cruz primacial em cima, metida entre duas

     pirâmides lisas e assentada sobre um calvário de pedra. No pano desta fonte estavam as armas dos arcebispos D. Diogo de Sousa e D. Frei Agostinho de Jesus, uma deuma parte e outra de outra. Lançava a água pela boca de um bicho, a qual se reco-lhe em um tanque de esquadria que terá 20 palmos de comprido [4,4 metros] , 4 de

    largo [0,88] e 3 de alto [0,66 metros], descem-se três degraus de esquadria para elada parte da rua, e da parte dos granjinhos se entra para esta fonte a pé chão. Estava virada para o Nascente e a sua água nascia no meio da rua de trás de São Marcosem distância dela 100 palmos [22 metros] , pouco mais ou menos, e as suas vertentesiam para os prados que ficam nas costas da mesma fonte. Esta fonte foi trasladada,encontrando-se atualmente no Largo Paulo Orósio, adossada ao muro que servede suporte à Capela de São Sebastião.

    55  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105v.56  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105v.

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    17. Tanque por de Trás de São MarcosO tanque de tras de São Marcos57 ficava acima da fonte, retro ao Norte, coisa

    de 20 varas distante [22 metros], na estrada da quinagosta que ia para o Fujacal.  Era de formato quadrado, de pedra de esquadria, com 20 palmos de cada lado [4,4metros]. Servia para lavar nele a gente do povo. A água deste tanque vinha  doquintal das casas do Cónego João Soares Monteiro.  As vertentes iam para os pradosque estavam nas costas da dita fonte de tras de São Marcos.

    18. Fonte de São João (Ponte de S. João)A fonte de São João58 estava além da ponte de Guimarães, logo por baixo dela,

    conjunta com o rio Velho [rio Este]. Era de charco, feita de parede quadrada. Estava

    metade coberta de padieiras de pedra, por cima. Tinha defronte da boca que fica para o Nascente uma fileira de pedras de esquadria e dela pegavam outras duas peloNorte e Sul que fechavam a entrada da dita fonte para nela não entrarem as águasdos enxurros [das enxurradas] e ao Sul tinha uma fileira de pedras que serviam deassentos. Tal como já referido, a água desta fonte era excelente e das melhores dacidade, cujas pessoas a mandavam buscar a este sítio no tempo de Verão pela suamuita frescura e bondade.

    19. Fonte de Santo Adrião*

    A fonte de Santo Adrião59 localizava-se na carreira que antigamente se chama-va dos namorados, na atual Rua de Santo Adrião, que sai de Braga em direção aoSameiro. Atualmente ainda lá se encontra. Era formada de um pano de esquadriacom seu friso, cornija e arquitrave, tem uma cruz primacial quadrada em cima me-tida no meio de 2 pirâmides. Estava quase virada ao Sul. Lançava a água por umabica de bronze metida na boca de uma carranca, para um tanque de esquadria commoldura, que tinha 11 palmos de comprido  [2,2 metros] , 4 de largo [0,8 metros] ,e 3 de alto [0,6 metros]. A água desta fonte nascia  dentro da Quinta de Manuel

    Pimentel de Araújo e as vertentes do tanque  voltavam para a mesma quinta.

    20. Fonte dos GalosA  fonte dos galos60  estava além do rio d’Este conjunta ao mesmo rio, logo da

    outra parte dos moinhos do mesmo nome dos galos. Atualmente ainda aí se encon-tra. Era  formada de um pano de esquadria com moldura, em cima da qual tinha

    57  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 105v.58  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 106.59  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 106.60  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 106.

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    uma bica feita em uma pedra de esquadria que teria perto de 5 palmos de comprido [1,1 metros] e para ela vinha por canos de pedra desde o seu nascimento que ficava 

     perto da dita fonte em distância de 6 ou 7 varas [6,6 ou 7,7 metros] no público. Asvertentes desta fonte iam para o rio d’Este.

    23. Fonte dos Pelames (1)* antes da Ponte dos Pelames (S. Geraldo)A  fonte dos pellames63  situava-se aquém da ponte dos pellames, ao fundo da

    atual Rua de S. Geraldo , junto do mesmo rio d’Este. Era de charco, feito na terra. A água nascia debaixo da calçada da rua dos pellames ao pé da mesma ponte. Nãotinha obra alguma de arte mas toda da natureza. Era publica e dela se aproveitavam os vizinhos. A sua água era excelente, cujas vertentes iam para o rio d’Este. 

    24. Fonte dos Pelames (2)* depois da Ponte dos Pelames (S. Geraldo)A fonte dos pellames64 estava da outra parte da ponte além do rio D’Este, entre

    ela e os moinhos de António Machado de Almada, que hoje são da viúva, que ficoudo mestre de campo Vicente Huet. Era de charco, coberta de padieiras de pedra.Tinha em toda, pela parte do Norte, Sul e Poente uma parede e da parte do Nascenteestava  aberta e só tinha um degrau de pedra por onde se descia  para ela. Estava toda no público.

    25. Fonte de Urjais*A  fonte de urjais65 era de pedra de cantaria e estava  quase igual com a terra.

    Lançava água por uma bica de pedra que tem seu nascimento junto da mesma fonte,no qual tem uma arca coberta de uma grade de pedra, da qual vai por canos de

     pedra a dita água para a dita bica e se recolhia num tanque pequeno de esquadria,que tinha 6 palmos de comprido [1,32 metros] , 4 de largo [0,88 metros] e 1 de alto[0,22 metros] ou pouco mais ou menos, por estar quase destruído.

    26. Fonte de S. Pedro de MaximinosA f onte de São Pedro de Maximinos66 situava-se logo por baixo da antiga  igrejade São Pedro de Maximinos, nas proximidades da atual Praceta Padre Sena Freitas,em Maximinos. Era feita de um pano de esquadria com seu friso, cornija e arquitravee três pirâmides em cima. Estava metida na parede da horta de baixo do Abade deSão Pedro de Maximinos, na quingosta que passava  entre ela e o campo do passal

    63 A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107.64  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107.65  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107.66  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107-107v.

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    ou pomar da residência do mesmo abade. A água nascia  dela em distância de 8varas [1,76 metros], mais ou menos, e daí ia encanada para a dita fonte, a qual eralançada pela boca de um bicho e recolhida em um tanque baixo de esquadria, queteria  2 palmos de alto [0,44 metros]. Estava meio subterrânea e descia-se para ela

     por dois degraus.

    27. Fonte de Pereiras (Maximinos)*A fonte de pereiras67 localizava-se junto do lugar de pereiras, na mesma freguesia

    de São Pedro de Maximinos, metida entre uma quingosta. Era natural e não tinha obra alguma de artífice. Nascia entre uns penedos. Era baixa e quase fazia uma poça.Servia somente para a gente do povo lavar roupa e outras coisas.

    28. Fonte do Penedo (Maximinos)*A f onte do penedo situava-se por baixo do lugar do penedo, da mesma freguesia

    de São Pedro de Maximinos, para a parte do Norte dele. Era  de charco coberta de padieiras e dela se tirava a água com cântaros, por não ter bica e estar igual com aterra. Nascia a água dela no mesmo lugar e estava  toda no público por debaixo dahorta de Jerónimo Lopes da Freguesia de Cabreiros, que era prazo de Nossa Senhorada Oliveira da Vila de Guimarães.

    29. Fonte de Cones (Maximinos)*A fonte de cones68 estava no lugar de cones, na freguesia de São Pedro de Maximi-

    nos. Era tosca e a água saía por uma bica de pedra, metida na parede de um campoque possuíra  Maria Francisca, já defunta, e naquele tempo possuía  um sobrinhoque morava no Couto de Tibães. A bica estava por cima do rego da água que  vinha da fonte do penedo. Nascia  a água desta fonte dentro do dito campo que possuíra

     Maria Francisca e aí era de charco. Do seu nascimento  vinha  por canos de pedradescobertos até à dita bica.

    30. Fonte de São Frutuoso (Real)*A fonte de São Frutuoso69 estava metida na parede da cerca dos religiosos capu-

    chos e dela saía por uma pedra lisa aonde tinha uma bica de bronze, e se recolhia emuma pia quadrada pequena de esquadria. As vertentes iam da dita pia para dentrodo convento. A água desta fonte nascia por baixo de um campo da Quinta de Diogoe Bravo de Menezes distante dela coisa de 120 varas [22 metros]  de donde  vinha 

    67  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107v.68  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107v.69  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 107v.-108.

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    encanada por canos de pedra em partechãos e em parte por cima de paredese junto da mesma fonte no terreiro daIgreja de S. Frutuosos passava por umnovo arco de esquadria, que atravessava o caminho que vinha de São Lourençoda Ordem para o mesmo convento de S.Frutuoso e freguesia e igreja de São Je-rónimo. Esta água e aqueduto meteu-oo arcebispo, o senhor D. Diogo de Sousa

     para os religiosos do dito convento de

    S. Frutuoso, e para o povo, para o quemandou fazer um cano de fonte nestelugar de pedra de esquadria com seutanque também de esquadria e depoisdo serviço ao povo, a que sobejava ia 

     para dentro do convento para os religio-sos, os quais fizeram haverá 5 anos  [acontar da data do Livro da cidade] e seaproveitaram da pedra e reformaram a

    dita fonte e aunque agora está e somente dela deixaram as armas do dito ilustríssimo prelado que estão na dita fonte e as meteram sobre a dita bica incorporadas na dita parede da sua cerca. Esta fonte ainda existe atualmente.

    31. Fonte de São Jerónimo (Real)*A fonte de S. Jerónimo70 localizava-se atrás da Igreja Matriz do mesmo santo. Era 

    de charco, metida em um arco sobre que assentava um pano, tudo de esquadria, comsua moldura e suas ameias em cima. Tinha no meio, por cima do arco, as armas do

    ilustríssimo D. Diogo de Sousa. Era quase subterrânea. Tinha parede tosca ao redor para a defender das águas dos enxurros, com sua entrada e dela se descia  para adita fonte por seis degraus de pedra.

    32. Fonte de São Tiago (Rua da Boavista)A  fonte de São Tiago71  localizava-se na rua da Cónega, atual Rua da Boavista.

    Era  formada por um pano de esquadria com moldura e cinco ameias. Por cima, nomeio, tinha um nicho com uma imagem de São Tiago. Por baixo dele tinha as armas

    70  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 108-108v.71  A.M.B., Livro da Cidade, fl. 108v.

    Figura 15. Fonte de São Frutuoso.

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    do ilustríssimo D. Diogo de Sousa, com um letreiro que diz «Didacus a Sousa Arce-bispus 1531». Por baixo deste letreiro estava meio corpo de um bicho, por cuja bocasaía a água, que era recolhida num tanque de esquadria, com moldura, que tinha decomprido 18 palmos [ 3,96 metros ], com seus assentos, os quais ambos terão 20 palmosde comprido [4,4 metros] com seus frisos por cima. Esta fonte estava virada para oNorte e a água dela nascia para a parte do Poente, dentro da quinta de Sebastião deFaria Machado. Tinham , uma da outra, em distância de 120 palmos [26,4 metros] ,

     pouco mais ou menos.

    33. Fonte da Naya (Maximinos)*A  fonte da Naya72  localizava-se na estrada que ia para a Vila de Barcelos. Era

    feita de um pano de esquadr