contribuições para o estudo da geografia de portugal

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este aviso.

Contribuições para o estudo da geografia de Portugal

Autor(es): Carvalho, Anselmo Ferraz de

Publicado por: Museu Mineralógico e Geológico

URLpersistente: http://hdl.handle.net/10316.2/37951

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Page 2: Contribuições para o estudo da geografia de Portugal

PUBLICAÇÕES DO MUSEU MINERALÓGICO E GEOLÓGICO DA UNIV. DE COIMBRA

MEMÓRIAS E NOTÍCIASN.° 22

Contribuições para o estudo

da geografia de Portugal

ANSELMO FERRAZ DE CARVALHO

POR

C O I M B R AT I P O G R A F I A D A A T L Â N T I D A

1 9 4 8

Page 3: Contribuições para o estudo da geografia de Portugal

Tivemos a honra de iniciar na Universidade o ensino da Geografia de Portugal, com a regência da respectiva cadeira na Faculdade de Letras, que acabava de se orga­nizar pela grande reforma dos estudos universitários de 1911.

Em 1915 o nosso discípulo, hoje o eminente professor Doutor Amorim Girão, publicou com o titulo «Geografia Física de Portugal» um estudo, como desenvolvimento das nossas lições durante esse ano. Fomos depurando e com­pletando as notas colhidas para essas lições e agora, perto de abandonarmos o serviço universitário, apresentamos de novo algumas delas na persuasão de ainda serem úteis a quem se entregue ao estudo da Geografia de Portugal.

Mas de uma coisa estamos certos: é do valioso conjunto de elementos fornecido pelo mapa em relevo executado no Museu Geológico. Conhecíamos o notável relevo da Suiça, de Péron: dele adquirimos algumas secções para o nosso museu; aqui se encontram também belíssimos relevos de Amadeu Aureli, do Serviço Geológico Italiano, como o do Maciço do Monte Branco, o dos vulcões Laziale, etc. e sempre reconhecemos o seu valor em estudos geológicos e geográficos. Mesmo para quem esteja habituado ao exame minucioso das cartas ordinárias, com as suas curvas de nível bem patentes, é incomparavelmente mais sugestiva a

NOTA PRÉVIA

Page 4: Contribuições para o estudo da geografia de Portugal

análise de um mapa em relevo, cujas escalas horizontal e vertical sejam convenientemente escolhidas.

Resolvemos fazer executar a reprodução em relevo da carta de Portugal na escala de 1/1oo.ooo, da Comissão de Serviços Geodésicos. Conservando essa escala horizontal, exagerámos quatro vezes a vertical, representando por folhas recortadas em cartão, com a espessura de um milí­metro, as áreas limitadas pelas curvas de nível, cujo afas- tamento é de 25 metros de altitude.

Foram assim também construídos os relevos de Amadeu Aureli. É processo mais simples e mais económico de que 0 seguido por Péron, com o uso de um pantógrafo especial.

Alguns dos nossos colaboradores do Museu aceitaram o fatigante trabalho, realizando-o com o mais rigoroso cuidado — decalque das curvas de nível, recorte a buril das folhas de cartão, construção final do relevo, tudo se fez na reprodução fiel das folhas da carta. Com os meus agradecimentos, quero deixar aqui os seus nomes: Adriano Ferreira, Duarte Guimarães e Miguel Barata, a quem, por fim, coube 0 maior quinhão.

No final deste trabalho apresentamos sete fototipias do relevo, acompanhadas de pequenas noticias a chamar a atenção para formas que consideramos mais importantes.

As bases para o estudo geográfico de Portugal são os trabalhos da nossa antiga comissão de Serviços Geológicos, ou mais propriamente os de Nery Delgado e Paul Choffat.

I V

Page 5: Contribuições para o estudo da geografia de Portugal

V

Os autores das nossas cartas geológica e hipsométrica, nas suas comunicações e monografias, deixaram dispersos numerosos fragmentos que nos compete reunir e completar. Procurei fazê-lo, com o respeito devido aos dois insignes geólogos.

Da sua obra pouco haverá que abandonar. Impõe-se agora continuá-la : detalhar várias facetas, corrigir uma ou outra interpretação de harmonia com novas observa- ções. Assim não concordámos com a associação feita por Choffat da orografia do sistema castelhano-português e da orla mesozoico ocidental (pág. 52, 4), assim como nos parece sem justificação a ideia de um golfo avançando do mar, ao longo da vertente norte daquele sistema, pela bacia da Louzã} pela de Seia (pág. 6 5 ) . . .

Para estudos tectónicos falta-nos 0 conhecimento mais profundo das nossas regiões sismicas. Algumas conclu­sões se podem tirar das relações entre a sismicidade e a tectónica da região de transição entre o planalto de Évora e as baixas entre Sado e Guadiana, no prolongamento oci­dental do vale da Ribeira de Ardila. Haverá nesta região um conjunto de falhas na direcção Leste-Oeste?

Será em grande extensão do tipo monoclinal a delimi­tação norte da área abatida da bacia do Tejo ? A separa­ção entre o bordo ocidental do Maciço Ibérico e a orla meso e cenozoica ocidental não será uma região de sismi­cidade elevada em relação com o sistema de falhas geolo­gicamente reconhecidas na área a ocidente de Coimbra ?

Há muito que estudar neste país, cuja beleza é realçada pela variedade das suas formações geológicas, pela diver­

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VI

ANSELMO FERRAZ DE CARVALHO.

Coimbra, Novembro de 1948.

sidade do seu relevo. Quando teremos uma carta gravi- métrica, que venha justificar ou anular a hipótese que formulámos para a explicação do contraste entre as regiões no norte e ao sul do Tejo (pág. 38)?

Não fazemos aqui um resumo bibliográfico. As comu­nicações e as memórias publicadas pela Comissão do Ser­viço Geológico são, como dissemos, as bases destes estudos.

No importante trabalho do Dr. H. Lantensach, Portu­gal, publicado pela Casa Justus Perthes, de Gotha, encon­tra-se a mais completa biliografia geográfica portuguesa

(2.a parte, 1937).

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Dados gerais — Hipsografia — Estrutura geológica

CAP. I

1) Situação e limites de Portugal continental — Aoeste da Península Ibérica, alonga-se, de norte a sul o ter­ritório português. De forma grosseiramente rectangular e com 89.106 quilómetros quadrados de superfície, tem os lados ocidental e meridional banhados pelo Oceano Atlân­tico, num desenvolvimento de cêrca de 800 quilómetros. A norte e nascente, a fronteira é formada por secções de alguns rios ou corre através das terras, em geral sem subordinação ao relêvo.

São fronteiriços os rios — Minho, ao norte, desde a con­fluência com o seu afluente Trancoso, sete quilómetros a montante de Melgaço, até à foz, abaixo de Caminha; — o Douro, a leste, a partir de doze quilómetros acima de Miranda do Douro, até Barça d’Alva, onde se interna em Portugal, depois de receber as águas do afluente Águeda. Este, vindo do sul, forma vinte e cinco quilómetros de fron­teira. O Tejo limita o território português, de leste para oeste, em cincoenta quilómetros, entre a confluência dos dois rios limites, o Erjes, que vem do norte, e o Sever que vem do sul. Entre Badajoz e Eivas, desde a confluência do Caia até às alturas de Monsaraz, serve de fronteira o Gua­diana. Este rio entra depois em terras portuguesas para voltar a constituir fronteira, do Pomarão à foz. No Poma- rão recebe o Guadiana as águas do Chança, rio fronteiriço por umas dezenas de quilómetros.

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E mais extensa a fronteira seca, a raia sêca, caprichosa, a cortar muitas vezes os acidentes do relevo. Realmente não se fixaram por alinhamentos montanhosos nem por desenvolvimento de vales profundos as fronteiras entre Por­tugal e Espanha; não separam as duas nações peninsula­res secções longas dos rios mais importantes : as principais cordilheiras portuguesas são prolongamento de cordilheiras espanholas, e os maiores rios de Portugal, descendo de Espanha, só em pequena parte dos seus cursos servem de limites.

Na reconquista cristã, constitue-se, a ocidente, o Con­dado Portucalense, que, dilatado para o sul com os territó­rios de Coimbra, Leiria, Santarém e Lisboa, pelo esforço de D. Afonso Henriques se transforma no Reino de Portu­gal. Paralelamente extendiam as suas conquistas os outros reinos cristãos; e, em 1267, pela conquista do Algarve, com­pleta-se o território de Portugal na Península. Sob o mesmo impulso continua a expansão para a África do Norte, para o Algarve de Além-Mar, começada na conquista de Ceuta, em 1415.

Os portugueses lançam-se depois na exploração do Mar encorporando as ilhas oceânicas da Madeira e dos Açores, e, dilatando as navegações e conquistas, fundam um vasto império.

A Gente que, pelo sublimado esforço dos seus maiores, assim teve constituído o seu território nacional, não pode deixar de ser zeloza dêle. Por oito séculos Portugal tem mantido íntegro o seu quinhão na Península, embora os seus limites não sejam barreiras geográficas de difícil trans­posição. A separação política voluntária, defendida com tenacidade, mais e mais diferenciava o povo português dos povos da Espanha, não obstante, a partir de certo momento, terem trabalhado simultâneamente na obra imensa da difu­são da civilização cristã. Línguas diferentes, distintas aspi­rações nacionais teem separado Portugal de Espanha : a colonização de extensos e ricos domínios ultramarinos, para o qual é enorme o trabalho realizado, constitue hoje o ele­

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vado ideal da nação portuguesa. Da sua antiga missão civi- lizadora provém o paralelismo das relações afectivas e de extraordinário valor económico que unem a Espanha e Por­tugal à América Latina.

2) Zonas altimétricas— A superfície continental portu­guesa é de 89.106 quilómetros quadrados e aparece repartida na carta hipsométrica da Comissão do Serviço Geológico em oito zonas altimétricas, cujos limites, agrupamento e valor relativo constam do seguinte quadro:

Zonas baixas

Zonas médias

Zonas subalpinas

As zonas baixas e médias são de culturas e matas ; as subalpinas, de pastagens.

O vale do Tejo estabelece a divisão do país em duas secções: ao norte, uma de altitude média elevada ; ao sul, outra de menor altitude média, em que a zona mais alta é de 700 a 1.200 metros e esta apenas com 81 quilómetros quadrados.

Tem como pontos culminantes os picos de S. Mamede a leste de Portalegre, e de Foia, na Serra algarvia de Mon- chique, respectivamente com 1.025 e 902 metros.

O corte ou perfil de Portugal ao longo de um meridiano médio impõe naturalmente esta divisão (fig. 1). Só na secção do norte aparecem as zonas sub-alpinas e nela teem extensões consideráveis as zonas médias mais elevadas, com 9.741 quilómetros quadrados entre 700 e 1.200 metros e 14.135 quilómetros quadrados entre 400 e 700 metros.

A grandeza relativa das áreas a diversos níveis apresen-

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ta-se comodamente na curva hipsográfica geral (fig. 2). Por ela se calcula a altitude média de Portugal: 240 metros.

São bem diferentes as curvas hipsográficas das secções norte e sul em relação ao Tejo: a altitude média da pri­meira é de 370 metros; a da segunda 160 metros (fig. 3 e 4).

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Em cerca de 5,5 por cento da superfície total as cotas são inferiores a 25 metros. A partir da foz do Minho esta zona baixa orla, com pequena largura, o litoral até à praia de Espinho, insinuando-se para o interior ao longa dos vales de alguns rios. De Espinho ao Cabo Mondego desenvolve-se a grande extensão de dunas e terrenos inundados de Aveiro, de forma triangular, avançando o vértice para leste pelo vale do Vouga e tendo por base, a oeste, a linha quási

rectilínea, da costa. Juntando-lhe as secções inferiores dos vales do Vouga, Águeda e Sertoma a superfície desta parte da zona baixa aproxima-se de 85o quilómetros quadrados.

Para o sul do Cabo Mondego tem pouca extensão a zona baixa do litoral, sendo digna de nota apenas a região orien­tal do Algarve, em relação com a parte inferior do vale do Guadiana. Mas no interior, nos vales do Tejo e do Sado, tem o desenvolvimento máximo as planícies baixas: no vale do Tejo alargam-se, por mais de 170 quilómetros,

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com 1.600 quilómetros quadrados e uma pequena faixa de terrenos mais altos as separam das baixas do Sado, cuja área excede 400 quilómetros quadrados. Nas bacias dos dois rios, em ligação com a anterior, expande-se a zona de 25 a 5o metros de altitude, que no resto do país ape­nas forma orlas estreitas na transição para mais elevadas superfícies.

Um carácter que domina tantos aspectos geográficos da

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parte sul de Portugal é o predomínio das duas zonas médias, de 5o a 200 metros e de 200 a 400 metros. A primeira tem na bacia do Tejo 6900 quilómetros quadrados; e no Baixo Alentejo, entre o Sado e o Guadiana, atravessando o país de lado a lado, tem a extensão de 9.800 quilómetros quadrados. A segunda, no Alto Alentejo, na região nor­deste, entre o Tejo e o Guadiana, tem 8.000 quilómetros quadrados; e no Algarve setentrional, formando a base da sua região montanhosa, alarga-se por 3.3oo quilómetros qua­drados. Ao sul do Tejo a superfície total de cotas entre 5o a 400 metros, é de 31.ooo quilómetros quadrados, mais de 82 por cento da área total.

Em oposição a isto, o carácter planáltico da secção ao

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norte do Tejo afirma-se pela grandeza das zonas de 200 a 400 e de 400 a 700 metros, a primeira com 12.500, a segunda com 14.100 quilómetros quadrados, ern conjunto, 26.600 quilómetros quadrados, ou seja mais de 51 por cento da extensão total. Também é importante a zona de 700 a 1.200 metros, repartida pelas diversas vertentes monta­nhosas ou formando largos planaltos, como o que estabe­lece a união das Serras da Estrela e da Gata.

Exclusivamente na secção norte se encontram as zonas alpinas, que formam numerosas áreas das serras mais ele­vadas: a norte do Douro as mais extensas pertencem às serras da Peneda e do Gerez, no Alto Minho, respectiva- mente entre os rios Minho e Lima, e Lima e Cavado. Mas é a sul do Douro, no maciço da Estrela, que teem o consi­derável valor de 224 quilómetros quadrados, repartidos por nove fracções de altitudes inferiores a 1.400 metros e duas apenas com altitude superior, subindo, na explanada do marco geodésico da Estrela, a 1.991 metros, altitude máxima de Portugal.

3) Estudo elementar da estrutura geológica de Por­tugal. Generalidades — Na estrutura geológica da Penín­sula Ibérica avulta o papel desempenhado pelo grande maciço arcaico precâmbrico e primário, de forma trapezoidal e que tem por lados, a sul, a linha tirada do Cabo de S. Vicente para o Cabo da Nau; a norte, o litoral da Galiza e das Astúrias; a ocidente, uma linha do Cabo Finisterra ao Cabo de S. Vicente; e, a oriente, uma linha irregular tirada do planalto de Múrcia para as Astúrias, ao longo da base ocidental dos Montes Ibéricos.

Este grande maciço, a Meseta-Ibérica dos geólogos espa­nhóis, é verdadeiramente o núcleo da nossa Península. A ele se prendem as outras unidades da estrutura geológica ibé­rica : em Portugal, as orlas mesozó e cenozoicas ocidental e meridional e as bacias terciárias do Tejo e Sado; em Espanha, as formações mesozoicas da Meseta-Ibérica, as bacias terciárias do Ebro e do Gualdaquivir as quais, por

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Secção portuguesa de maciço ibérico. — Pela sua cons­tituição separam-se as regiões a norte e a sul do Tejo. Mesmo pela altitude média e pelo relevo elas são dife­renciadas. Como sabemos, a altitude média da parte norte é de 370 metros, a altitude média da parte sul é de 160 metros.

O relevo da parte sul é bastante atenuado, assumindo, em termos gerais, a forma de peneplano, no qual as mon­tanhas são restos de dobras desmanteladas pela erosão, ou massas mais recentes de formações eruptivas granitóides — Serras de Ossa, de Monfurado.

Largas ondulações do terreno são as formas dominantes em grande parte do Alentejo, tão pouco rico em cursos de água.

O relevo da parte norte é vigoroso, com alinhamentos montanhosos elevados e profundos vales intermediários.

Vamos descrever sob o ponto de vista geológico, sepa­radamente, cada uma destas partes.

a) Sub-maciço setentrional. — Predominam os aflora­mentos graníticos, envolvidos por terreno arcaico, xisto-cris­talino, ou por formações precâmbricas, o primeiro domi­nando no Minho e Trás-os-Montes, as segundas especialmente nas Beiras.

Extensas manchas silúricas se encontram a nordeste e sul de Trás-os Montes. Nelas assentam Bragança, Vimioso, Moncorvo. Também é silúrica a região mais elevada do Marão; e uma facha estreita corta o Douro, estendendo-se de Valongo às vizinhanças de Castro Daire.

seu lado, separam a Meseta respectivamente das grandes regiões montanhosas Pirenaica e Bética.

O maciço ibérico é dividido em duas secções — seten­trional e meridional — pelo vale do Tejo, ou pelo sopé do grande sistema montanhoso que se alonga a norte daquele vale e que compreende as Serras de Guadarrama, de Cre­dos, da Gata, da Estrela, terminando com a Serra da Lousã.

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De resto, pequenos afloramentos carboníferos aparecem no flanco ocidental da serra de Valongo (S. Pedro da Cova) e a norte e oeste do Buçaco.

A Serra do Buçaco e as cristãs que com ela se alinham para o sul, são silúricas. Ao norte de Abrantes outro grande afloramento, especialmente do silúrico inferior, culmina na Serra da Amêndoa.

b) Sub-maciço meridional. — No alto Alentejo há exten­sões consideráveis de arcaico, através do qual romperam massas ígneas de rochas granitóides, principalmente dioritos, mas também grandes áreas são silúricas, como toda a que se estende de Vila Viçosa a Barrancos. Devemos desde já apontar a notável formação de calcáreo arcaico, envolvida pelo silúrico, na região de Extremoz.

Entre o Sado e o Guadiana, o vasto Baixo Alentejo é principalmente constituído por carbonífero inferior, culm, associado com o devónico e cortado de onde a onde por erupções de pórfiro diorítico.

O culm ainda se estende pelo norte do Algarve, for­mando as suas serranias setentrionais, com excepção de Monchique, que é um levantamento eruptivo de rochas sie níticas e outras, ricas em bases alcalinas.

c) Orlas mesozoicas. — Uma linha recta de Espinho a Tomar separa o maciço ibérico da sua orla mesozoica oci­dental. A base, formada pelo triássico, repousa em discor­dância sobre o bordo do maciço, em ligação com precâmbrico, silúrico, carbonífero e arcaico.

Para ocidente desta linha de contacto escalonam-se os terrenos secundários. Afloram em tiras alongadas de norte a sul e que regularmente se sobrepõem, o triássico e as séries jurássicas, — liássico e dogger.

Depois, mais para ocidente, há as massas de Canta­nhede, de Pombal, de Porto de Mós, de Monte Junto, com tectónica variada e em relação com extensos afloramentos cretácicos.

E-se tentado a imaginar uma bacia marinha, alongada de norte a sul, e na qual prosseguisse activa sedimentação

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secundária, ladeada por maciços antigos — a leste o maciço ibérico, a oeste outro maciço abatido, mas que deixou como vestígios as Berlengas. Estas ilhas são formadas por gra­nito, gneisses e xistos arcaicos e o grupo que formam com os Farilhões testemunharia afloramentos muito extensos. E também digna de notar-se a tira alongada na costa de S. Pedro de Muel, com dez quilómetros de comprimento e com muito menos de um quilómetro de largura. Esta tira de formações secundárias eleva-se sobre o mar em alcan­tilados por vezes imponentes.

A orla mesozoica meridional é uma delgada facha na parte ocidental mas que alarga na região central do Algarve; estreita depois para oriente, de modo que nas proximidades do Guadiana, em Castro Marim, já fraccionada, não tem mais de um quilómetro de largura. A orla mesozoica começa pelas formações de arenitos do triássico e depois apresenta em sucessão, de norte a sul, o liássico e o dogger ou o liássico e o malm. Há também afloramentos cretácicos espalhados, dos quais os mais importantes são um ao norte de Albufeira, outro ao norte de Olhão.

A orla mesozoica aderem massas terciárias, como as miocenas e pliocenas da Praia da Rocha e de Lagos, corta­das em alcantilados pitorescos pela erosão marinha. Na metade oriental, há na costa extensas formações arenosas, de abandono recente, e que apresentam o maior desenvolvi­mento em frente de Faro e Olhão.

d) Bacias terciárias do Tejo e Sado. — Desenvolvem-se em extensões consideráveis as formações terciárias das bacias dos dois rios. Realizaram-se sedimentos em lagunas natu­ralmente dependentes de vários golfos de que são redução os estuários actuais. E muito activa a sedimentação na bacia do Tejo, enriquecendo os terrenos inundáveis do Ribatejo.

A deposição das areias pelo mar, alongando-se de Espi­nho ao cabo Mondego, fecha por oeste a ria de Aveiro, cujo preenchimento pelas aluviões do Vouga vai progre­dindo.

Devemos também mencionar, em virtude da sua gran­

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deza, as regiões terciárias e quaternárias das bacias do Mondego e do Liz.

4) Os ferrenos arcaicos e precâmbricos — a) Terre­nos arcaicos. — Ao norte do Douro, o mais desenvolvido afloramento do arcaico é em Trás-os-Montes. Abrange uma larga área que compreende Vinhais, Bragança, Murça, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Mogadouro.

Há outros afloramentos mais ou menos extensos em torno de Alijó e Carrazeda de Anciães, de Miranda do Douro, a norte e sul de Chaves, e em torno e a sul de Montalegre.

As manchas de Montalegre, Chaves, Miranda do Douro e a área das imediações de Bragança são formadas por gneisses e micaxistos. No resto da província predominam os xistos anfibólicos, cloríticos, talcosos ou simplesmente argilosos.

No Minho o afloramento mais importante encontra-se entre os rios Minho e Lima, atravessa este rio em Ponte de Lima e prolonga-se para o sul do Cávado, estreitando a ocidente de Vila Verde e Braga.

Ao norte do Lima, na parte oriental, predominam os gneisses, na ocidental os micaxistos, que também são as rochas mais frequentes entre Ponte de Lima e Braga.

Além destas há grande número de pequenas manchas dispersas no meio dos granitos, cujos afloramentos formam a maior parte da província.

Para o sul do Douro, no alongamento das áreas arcai­cas que se dispõem a leste e oeste dos granitos do Porto, estende-se uma larga mancha que abrange a Feira e Oli­veira de Azemeis e que pelo norte continua na vertente da Serra de Arada, passando da bacia do Paiva para a parte alta da bacia do Vouga, atingindo Vila da Igreja: pelo sul transpõe os rios Caima e Vouga e atravessa a Serra do Caramulo.

Entre estes prolongamentos encontra-se um grande aflo­ramento de granito.

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A mancha arcaica é em grande parte formada por gneis­ses, associados intimamente aos granitos, que, na opinião do grande geólogo português Nery Delgado, a quem se devem os estudos dos nossos terrenos arcaicos, serão de idade posterior aos gneisses.

Os granitos aparecem assim como formações ígneas intrusivas, dentro dos gneisses.

Marcando o bordo ocidental do maciço ibérico, são notá­veis as pequenas manchas do arcaico, que se alongam a leste de Coimbra, do Luso até ao sul de Miranda do Corvo ; e a oeste de Figueiró dos Vinhos, de Aguda, por Dornes, a Fer­reira do Zêzere.

A leste de Tomar estas manchas alargam-se na bacia do Zêzere, descendo até Vila Nova de Constância.

A nordeste de Abrantes, encontra-se a mancha do Sar- doal. O vale do Tejo, de Alvega para baixo, por Abrantes, até Tancos, apresenta afloramentos repetidos dos terrenos arcaicos que assim aparecem na base das formações ter­ciárias.

No Alto Alentejo devemos indicar as formações arcaicas de Portalegre, Flor da Rosa, Assumar, Arronches e Campo Maior. Com elas se relacionam os afloramentos mais oci­dentais de Chança, Galveias e outros menores, na proximi­dade de Eivas.

Na secção nordeste êste grande afloramento consta de gneisses e xistos metamorfoseados pela acção do granito porfiróide, que, em muitas partes, os rompe e que geral- mente os envolve. Os xistos incluem estratos dum quartzito negro, lidite, que aflora em muitos pontos e que também aparece nas vizinhanças de Abrantes e do Sardoal.

Os xistos mais frequentes são anfibólicos ou anfibólico- -cloríticos, e argilosos. Aos xistos anfibibólicos estão subor­dinados calcáreos, os quais formam uma facha que do Crato, por Assumar, se estende até perto de Campo Maior. No prolongamento desta facha, para noroeste, encontram-se os calcáreos do Rocio de Abrantes.

Paralelamente à grande formação arcaica de Portalegre

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— Campo Maior, dispõe-se para sudoeste a que contém Estremoz e que se alonga de Souzel às proximidades do Alandroal.

Esta é isolada, e cercada inteiramente por xistos silú- ricos. Constituem-na estratos calcáreos cristalinos, tendo intercalados leitos de xistos cloríticos. Nesta região encon­tram-se com abundância e variedade os melhores mármo­res portugueses.

A extensa mancha de Évora tem a mesma orientação, noroeste-sueste, e compreende,— ao norte, Arraiolos e Mon- temór-o-Novo, com a Serra de Monfurado; e, ao sul, Viana, Portei, alcançando Serpa e a Serra de Ficalho. E’ de com­posição muito variada: os gneisses micáceos e os xistos anfibólicos formam largas faixas que alternam, se repetem e teem subordinadas massas lenticulares de calcáreos. Rochas eruptivas — granitos, e dioritos, rompem com frequência os gneisses e xistos, exercendo sobre eles as suas poderosas acções metamórficas.

No Baixo-Alentejo, a sul de Beja, e separada da anterior por uma tira estreita de terrenos primários, desenvolve-se de Santa Victória para leste, passando além do Rio Chança, uma extensa área arcaica em que predominam xistos de sericite.

b) Terrenos precâmbricos. — As massas rochosas do precâmbrico», ao qual geralmente se devem referir as áreas marcadas com Cb1 na carta geológica de 1899, sao forma- das por grauvaques, xistos argilosos e quartzitos. A estra­tificação é em geral bem visível, embora sejam comuns disposições tectónicas muito complicadas. E’ realmente fre­quente encontrar estratos verticais, flancos de dobras aper­tadas, enormes conjuntos de estratos inclinados em inversão de estratificação, restos de dobras deitadas e profundamente desmanteladas pela erosão. Através do precâmbrico rom­pem grandes massas graníticas, sendo comuns fenómenos de intenso metamorfismo de contacto nas regiões invadidas pelas formações eruptivas.

E notável a extensão do precâmbrico nas Beiras, onde

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constitui as serras da Lousa e Arganil. Forma largas man­chas no coração da Serra da Estrêla, e o Douro corta uma extensa região de xistos precâmbricos. Quási coincidem os limites desta última mancha e os da região produtora dos vinhos do Alto Douro, demarcada pelo Barão Forester.

5) As formações paleozoicas—a) Câmbrico. — Os terrenos câmbricos constituem a mancha que primitiva­mente Nery Delgado designava formação câmbrica do Alto Alentejo, e marcada na carta geológica por Cb2. Nos seus estratos encontram-se níveis fossilíferos que conteem restos de uma fauna rica em trilobites. As espécies dominantes destes crustáceos pertencem aos géneros Paradoxides e Hicksia; a êles se associam outros trilobites, lamelibrân- quios, cefalópodes e braquiópodes.

As rochas calcáreas predominam neste afloramento. Orientado do noroeste para sueste, estende-se de Alter do Chão à margem direita do Guadiana, nas imediações de Eivas.

b) Silúrico. — O período silúrico compreende duas épo­cas ordoviciana e gothlandiana, ou, o que é o mesmo, o sistema silúrico divide-se nas duas séries a que se aplicam aqueles nomes ou que simplesmente se designam por silú­rico inferior e superior.

Neste período o mar avançou sobre grande parte do maciço ibérico. Com grande uniformidade de constituição litológica e encerrando os mesmos vestígios de vida, um extenso manto de formações sedimentares viria recobrir áreas anteriormente emersas e sujeitas a demoradas acções erosivas. A base do sistema silúrico é em quási todos os afloramentos portugueses e nos seus prolongamentos por Espanha constituída por camadas sucessivas de quartzitos, que repousam em discordância de estratificação sobre for­mações variadas — arcaicas, precâmbricas e câmbricas e sobre rochas ígneas graníticas.

A uniformidade de composição dos estratos que formam a base dos afloramentos representados isoladamente na carta

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geológica — no norte e no sul de Trás-os-Montes, no Marão, em Valongo, no Buçaco, na serra que se eleva a norte de Abrantes, na região de Portalegre, leva-nos realmente a considerá-los como fragmentos de uma formação sedimen­tar unida, e que recobriu grande parte do antigo núcleo da Península.

Exceptuando a região silúrica que no Alentejo se alonga de Fronteira a Barrancos e envolve a mancha arcaica de Estremoz, todas as outras teem na sua parte inferior estra­tos de quartzitos, num conjunto espesso.

Os estratos silúricos, muito enrugados pelos diastrofis- mos hercinienses, apresentam geralmente as pregas ou rugas orientadas de NW. a SE.

Os alinhamentos montanhosos foram profundamente ata­cados pela erosão, deixando contudo frequentes testemunhas representadas pelas cristãs silúricas que cortam transversal­mente muitas das actuais serras. São notáveis os alinha­mentos montanhosos de Valongo, do Buçaco e S. Miguel de Poiares, de Fajão às Sarnadas, cortado pelo Zêzere, o da Serra do Muradal, cortado pelo Tejo nas portas do Rodão, o de Penha Garcia e Monfortinho e os das serras de Por­talegre.

A resistência dos quartzitos explica a conservação destas cristãs. Já as formações xisto-argilosas do sistema se vão encontrar no fundo dos vales, como o de Valongo, e o que ladeia por oeste a Serra do Buçaco.

Os quartzitos da base do silúrico exibem com frequên­cia fossilizações características de Bilobites. Aparecem na face inferior dos estratos formas salientes, muito alongadas e entrecruzadas, cuja largura pouco ou nada varia em todo o seu comprimento. Teem ligeiro sulco longitudinal que as divide em dois lóbulos, geralmente ornamentados com pequenas rugas oblíquas em relação ao eixo.

Ainda não há acordo dos paleontologistas sobre a inter­pretação dêstes fósseis. Para Nery Delgado eram impres­sões de algas; segundo o paleontologista sueco Nathorst seriam moldagens das escavações praticadas numa super­

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(1) Deve se a Nery Delgado uma notável monografia sobre os ter­renos dêste sistema em Portugal.

fície lodosa por animais que se arrastassem, como certos crustáceos.

Devemos notar que, seja qual for a interpretação a dar- -lhes, são os Bilobiles fósseis característicos, muito frequen­tes nos níveis inferiores do ordoviciano.

Nos xistos argilosos e grauvaques, os fósseis mais abun­dantes são de graptolites, trilobites e braquiópodes.

Vamos dar pequenas notícias dos afloramentos prin­cipais ( i).

Silúrico de Trás-os-Montes. — A mancha mais extensa é a de nordeste da província. E principalmente formada pelo silúrico superior, no qual as rochas dominantes são xistos argilosos, finos, encerrando graptolites característicos. É muito notável a formação calcárea, associada aos xistos, na região de Vimioso.

Nas pedreiras de Santo Adrião os calcáreos são crista­linos, sacaróides e de grão fino. Brancos ou cinzento-azu­lados, são susceptíveis de belo pulido. As variedades claras são translúcidas.

Na parte sueste da província, compreendida entre o Sabor e o Douro, encontra-se outro grande afloramento silúrico, dividido pela erosão em três manchas distintas. Forma-as o silúrico inferior, com quartzitos e xistos quartzo­sos grosseiros na base, e em seguida xistos que se sobre­põem em enorme espessura. Os quartzitos apresentam as fossilizações características dos Bilobites.

Na Serra de Roboredo, a leste de Moncorvo, estes quartzitos encerram um notável jazigo de minério de ferro, hematite.

Os estratos de quartzito do silúrico inferior constituem a região mais elevada da Serra do Marão. Estes quartzitos, com Bilobites, formam uma elevada escarpa, que assenta do

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lado oriental da serra sobre as camadas do precâmbrico. Para ocidente, sucedem-lhes xistos cinzento-escuros, muito micáceos, ardósias, e de novo xistos grosseiros carregados de cristais de quiastolite. Pertence todo êste conjunto de estratos ao silúrico inferior.

O silúrico superior desenvolve-se a oeste e norte da serra e é formado por um complexo de xistos cinzentos e esverdeados com graptolites, tendo intercalados leitos de lidites e calcáreos. A esse complexo sobrepõem-se xistos e grauvaques avermelhadas.

Silúrico de Valongo. — Compreendemos nesta designa­ção a facha orientada do noroeste para sueste, que, da pro­ximidade da costa e a um e outro lado da foz do Cávado, depois de se bifurcar a sul de Valongo, atinge e ultrapassa o Douro, chegando a parte oriental a poucos quilómetros de Sobrado de Paiva, prolongando-se a ocidental pelo norte de Arouca, até ao maciço granítico do sul de Castro Daire.

Em termos gerais, pode considerar-se esta facha como uma anticlinial deitada sobre o seu flanco ocidental, que repousa sobre granitos, terrenos arcaicos e precâmbricos, e na qual aparecem entalados, com inversão de estratificação, estratos do carbonífero, do silúrico superior e do silúrico inferior. O flanco oriental é mais dilatado e formado pelo silúrico superior. A anticlinal, partida longitudinalmente, está corroída pela erosão: ao longo do seu eixo desen­volve-se um vale alongado, pelo qual foram postas a des­coberto as formações interiores do enrugamento.

Um corte transversal da facha, nas alturas de Valongo, atravessa de ocidente para oriente, a partir dos terrenos arcaicos — primeiro, estratos carboníferos, estratos do silú­rico superior, e sucessivamente os estratos do silúrico infe­rior, desde os mais elevados, aos quartzitos com bilobites da base; depois, repetem-se estes estratos em ordem ascen­dente, encontrando-se de novo o silúrico superior.

Nesta região o silúrico inferior, acima dos xistos quar-

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tzosos grosseiros e quartzitos da base, é formado por xistos argilosos, de dureza e cor variadas, com algumas camadas muito fossilíferas, encerrando graptolites, braquiópodes e numerosos trilobites.

Entre os xistos encontram-se as possantes camadas de ardósias, exploradas intensamente na vertente ocidental da Serra da Murta, que forma o limite do afloramento do silú- rico inferior, a leste de Valongo.

O silúrico superior começa por estratos de grauvaques, em conjunto muito espesso na Serra da Murta. As grauva­ques sucedem xistos grosseiros, por seu lado recobertos por xistos finos, com graptolites abundantes e de novo grauva­ques vermelhas.

Silúrico do Buçaco. — Como a de Valongo, a mancha silúrica do Buçaco alonga-se de noroeste para sueste, passa em Penacova para o sul do Mondego, e surge dos abati­mentos da bacia da Louzã-Arganil, em S. Miguel de Poia- res, a leste de Serpins e nos Penedos de Gois.

Os estratos silúricos curvam-se nesta mancha numa sin- clinal, cujo bordo oriental, mais eivado, forma a cumeada da Serra do Buçaco e cujo vale, muito estrangulado a leste de Penacova, alarga à medida que se avança para o norte.

Predomina o silúrico inferior. Na sua base apresenta grande espessura um conjunto de grauvaques vermelhas e quartzitos, de que os mais elevados encerram os caracterís- ticos Bilobites.

Aparecem a seguir xistos variados, com faunas ricas em graptolites, trilobites e braquiópodes.

O silúrico superior tem menor desenvolvimento, apare­cendo na parte norte da mancha, entalado entre duas fachas do silúrico inferior.

Formam-no principalmente xistos argilosos.O fundo da sinclinal apresenta de onde a onde aflora­

mentos de rochas eruptivas diabásicas, e calcáreos marmó­reos, como em Sazes, a sul da Pampilhosa.

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Em alinhamento com a faixa do Buçaco, aparece, cortado pelo Tejo nas Portas do Rodão, o afloramento da Serra do Muradal.

Devemos apontar também as faixas, quási paralelas, de Castelo Branco, Monforte, Penha Garcia e tantas outras da Beira Baixa, restos de antigas rugas que a erosão atacou. Todas teem composição semelhante : estratos de quartzitos com bilobites, associados a xistos com trilobites e braquió- podes.

Afloramento da bacia do Zêzere. — Da extremidade oci­dental da Serra da Louzã, onde forma o pico do Espinhal, estende-se para o sul um grande afloramento dos terrenos silúricos. Contém o vale do Zêzere, desde a sua curvatura a sul de Figueiró dos Vinhos, até às alturas de Ferreira do Zêzere. Depois a mancha desenvolve-se para oriente, a norte do Sardoal e de Mação. Forma aí a Serra da Amêndoa.

A composição deste afloramento é semelhante à do Buçaco. O silúrico inferior, com os seus quartzitos e xis­tos, encerra os mesmos fósseis característicos. Sucede-lhe o gothlandiano, formado na base por xistos com cefalópodes e graptolites e terminado por quartzitos finos, brancos, com manchas ferruginosas ou, nas camadas superiores, quartzitos de cor vemelha viva.

Afloramento da região de Portalegre. — Nas abas res- pectivamente nordeste e sudoeste das Serras de S. Julião e S. Mamede encontram-se duas fachas silúricas, na mesma orientação das da Beira Baixa e que se prolongam para Espanha. A do nordeste contém Marvão, a do sudoeste começa perto de Castelo de Vide e contém Alegrete e Esperança.

A esta última liga-se uma tira estreita que passa a sudoeste de Portalegre e que na maior extensão só contém silúrico inferior.

A composição destes afloramentos é idêntica à dos ante­

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riores. O ordoviciano, de baixo para cima, é formado por quartzitos com bilobites, xistos com graptolites e xistos com polipeiros ; o gothlandiano, por grauvaques, xistos com graptolites e quartzitos e arenitos do cimo da Serra de S. Mamede.

Grande afloramento do Alentejo. — Desde a Ribeira da Seda, entre Chança e Maranhão, desenvolve-se para sueste, passando a fronteira além de Barrancos, o mais extenso afloramento dos terrenos silúricos em Portugal. Envolve a mancha arcaica de Estremoz, a ocidente da qual forma as cristãs da Serra de Ossa. Na parte noroeste é parcialmente coberto por mioceno lacustre e em diversas regiões inter­rompido por afloramentos de rochas eruptivas, como a leste e oeste de Fronteira e em torno de Reguengos.

A composição desta mancha é diferente das que foram descritas. Nery Delgado distinguiu nela sete grupos distin­tos de estratos; três pertencem ao ordoviciano, quatro ao gothlandiano. Os estratos ordovicianos são de xistos, grau­vaques e quartzitos, estes últimos sem bilobites e encer­rando camadas de ardósias em exploração perto de Bar­rancos.

Os estratos gothlandianos são de xistos, calcáreos e grau­vaques.

Em termos muito gerais, não atendendo à frequente repetição das rugas desgastadas pela erosão, a grande man­cha forma uma sinclinal com as formações do silúrico infe­rior a leste e oeste, envolvendo as do silúrico superior (1).

c) Devónico. — N a região de Portalegre e na grande mancha silúrica do Alentejo é muito íntima a associação dos estratos devónicos inferiores com os do silúrico superior. Geralmente sobre xistos anfibólicos ou quartzitos com grap-

(1) Na carta geológica não veem representados os últimos estudos de Nery Delgado, sendo uniformemente colorida a mancha do Alentejo e representada como silúrico superior.

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tolites, do gothlandiano, repousam em concordância arenitos do devónico inferior, com fósseis, principalmente trilobites. Assim o afloramento paleozoico de Portalegre é uma bacia sinclinal cujos estratos inferiores são ordovicianos e os supe­riores devónicos; e no grande afloramento do Alentejo, mais ao sul, os xistos gothlandianos entalam no centro das suas sinclinais sedimentos xistosos devónicos.

Também na bacia de Valongo, para o norte, em S. Felix, na do Zêzere, na pequena mancha de Dornes e na de Amên­doa, aparecem grauvaques e xistos devónicos, associados aos terrenos silúricos.

Mas, em todos estes afloramentos devónicos das regiões setentrionais em relação ao maciço arcaico do Alto Alentejo, apenas é representado o devónico inferior, faltando as pas­sagens graduais para o permo-carbonífero, que ao norte do Tejo só é representado pelos terrenos hulhíferos de S. Pedro da Cova e do Buçaco.

Ao sul e a sudoeste daquele maciço, desenvolve-se, em transgressão sobre as rochas que o formam, a grande man­cha xistosa que encerra fossilizações de cefalópodes do devó­nico superior e com frequência as curiosas impressões ver- miformes de Nereítes. Por nela se encontrarem as minas de S. Domingos, tem sido designada por faixa de xistos com Nereítes, de S. Domingos.

As camadas carboníferas dispõem-se sobre aquêles xis­tos do devónico superior sem discordâncias visíveis, sendo contínua a sedimentação marinha até ao fim do carbonífero médio. O conjunto dos sedimentos apresenta caracteres das formações em águas relativamente profundas.

d) Permo-carbonífero. — Este sistema divide-se em qua­tro séries, que são, da inferior para a superior: a) culm e dinantiano; b) westefaliano e muscoviano; c) estefaniano e uraliano; d) pérmico.

Os dois nomes para as três primeiras referem-se a faciés diferentes: a faciés culm é detrítica, a dinantiana, calcárea; as faciés westefaliana e estefaniana são carboníferas; a mus- coviana e uraliana, marinhas, com sedimentação calcárea.

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Toda a parte de Portugal, ao sul da larga faixa devónica dos xistos com Nereítes de S. Domingos, até aos terrenos secundários do Algarve meridional, é formada por sedimen­tos enrugados, atribuídos na carta geológica ao culm, mas que estudos mais recentes repartem pelo culm e pelo mus­coviano. E um imenso afloramento de xistos e de grauva­ques, assentando em concordância, como já dissemos, sobre os xistos devónicos de S. Domingos, e encerrando uma fauna em que predominam cefalópodes e lamelibrânquios caracte­rísticos.

Tais terrenos carboníferos, em que estão representados portanto o carbonífero inferior e o médio, teem faciés mari­nha e não são formações hulhíferas, ricas em camadas de car­vão mineral. Essas formações pertencentes ao carbonífero superior, ou estefaniano, constituem, no Alentejo, os peque­nos afloramentos do Moinho de Ordem, perto de Alcácer do Sal, e, no norte de Portugal, o de S. Pedro da Cova. Um e outro aparecem em transgressão sobre terrenos mais anti­gos e submetidos com êles às mesmas deformações.

A oeste e norte da Serra do Buçaco, prolongando-se, com interrupções a leste da Anadia, até poucos quilómetros de Águeda, há uma mancha da nossa carta geológica que representa os terrenos do pérmico inferior. Encerrados em possantes estratos de conglomerados, encontram-se nestes terrenos estratos hulhíferos, com restos de uma flora abun­dante em fetos, e que encerra exemplares de uma conífera característica do pérmico inferior.

Os terrenos do Permo-carbonífero com estratos de hulha formam em Portugal, repetimos, os afloramentos do Moinho da Ordem, os de S. Pedro da Cova e seu prolongamento para o sul do Douro e o do Buçaco.

Os terrenos carboníferos do Moinho da Ordem teem sido irregularmente explorados. Em S. Pedro da Cova e no Pejão, a sul do Douro, a exploração é activa. No Buçaco houve duas tentativas de exploração, com a aber­tura dos poços de Santa Cristina e do Salgueiral, actual­mente abandonados.

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6) As formações mesozoicas. Generalidades. — Asformações mesozoicas portuguesas são bem distintas das que lhe servem de base. Entre a deposição dos nossos mais elevados estratos paleozoicos, os do Permo-carboní­fero do Buçaco, e o início das sedimentações secundárias, longos tempos decorreram, durante os quais o diastrofismo e a erosão prepararam as superfícies sobre que se desen­volveram os novos depósitos. Por isso nos aparecem os primeiros estratos triássicos em discordância de estratifica­ção com os terrenos que lhes servem de base, e os primei­ros fósseis secundários nos revelam faunas e floras muito distanciadas das anteriores.

Em Portugal, as formações triássicas iniciam um largo ciclo geológico de sedimentação, a que não falta caracte­rístico início por depósitos grosseiros, que constituem um verdadeiro conglomerado de base.

a) Triássico. — Os terrenos triássicos aparecem ao longo do bordo ocidental do maciço ibérico, numa tira contínua de Aveiro a Tomar, e nos farrapos desligados de S. Tiago de Cacem e da Carrapateira, ao norte do Cabo de S. Vicente. Vêmo-los assentando em discordância de estratificação sobre formações variadas: arcaicas, precâmbricas, silúricas e car­boníferas.

Do Cabo de S. Vicente a Castro Marim, próximo do Gua­diana, estende-se um longo afloramento triássico, que mostra em discordância sobre o carbonífero inferior, a base das for­mações secundárias da nossa província do Algarve.

Há outros pequenos afloramentos dispersos, como os da bacia do Liz, os costeiros de S. Pedro de Muel, os da região abatida das Caídas da Rainha e Óbidos e o de Albufeira, no Algarve.

Em todos eles nos aparecem formações detríticas, geral­mente arenitos mais ou menos avermelhados. E por terem em torno de Silves característicos afloramentos e não apre­sentarem semelhanças estreitas com outras formações euro­peias delas contemporâneas, Paul Choffat deu-lhes o nome local de Grés de Silves.

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Na grande faixa de Aveiro a Tomar podem geralmente distinguir-se no triássico dois conjuntos de estratos: inferior, formado por conglomerados e arenitos corados de vermelho pela hematite; superior, formado por arenitos claros, bran­cos, ou com delgadas camadas alternadamente brancas e vermelhas. Os arenitos finos e os arenitos grosseiros, com calhaus rolados, encontram-se nos dois conjuntos; só no inferior aparecem os conglomerados de grandes blocos.

Na região de Coimbra, o triássico inferior tem vários estratos com fósseis vegetais, outros com os carbonatos de cobre, azurite e malaquite, em concreções. Aparecem, intercalados, estratos de argilas escuras, com vestígios de equisetáceas.

No Algarve os arenitos são geralmente vermelhos, em parte compactos em parte margosos, e por vezes conteem calhaus rolados ou angulosos.

Perto de S. Bartolomeu de Messines aparecem leitos com azurite e malaquite.

Aos terrenos triássicos ligam-se estreitamente, tanto na faixa ocidental como na meridional, conjuntos de estratos de arenitos tenros, muito argilosos, calcáreos margosos e calcáreos dolomíticos, os quais pelos seus fôsseis pertencem já às divisões inferiores do liássico.

Estas divisões eram designadas por Paul Choffat com os nomes locais de camadas de Pereiros e camadas de Coimbra.

b) Jurássico. — O sistema jurássico divide-se em três séries, liássica, dogger e malm. Esta última foi subdivi­dida por um dos autores da nossa carta geológica em infe­rior ou lusitaniano e superior ou neojurássico (1).

Jurássico inferior (liássico). — Os terrenos liássicos, à parte as camadas inferiores de transição entre o triás-

(1) Na carta geológica estão os terrenos jurássicos representados por quatro tons de azul e marcados com as letras J1, J2, J3, J4.

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sico e os calcáreos de Coimbra, são francamente calcáreos. As camadas de transição são formações litorais ou laguna- res detríticas, arenosas, argilosas e com delgados leitos de calcáreos margosos. Já conteem alguns leitos espessos de calcáreos dolomíticos.

A maior mancha liássica vai da Pampilhosa a Tomar, com a máxima largura um pouco para o sul de Condeixa. Aparecem muitas manchas a ocidente de Anadia e Mea- lhada e um afloramento extenso forma a parte norte do planalto de Cantanhede; também é liássico o sopé norte da Serra da Boa Viagem; e entre outros, ainda indicamos as pequenos afloramentos de Verride, Soure, região de Lei­ria, de S. Pedro de Muel, planalto do Porto de Moz, penín­sula de Peniche, Arrábida e região de S. Tiago de Cacem.

No Algarve também o liássico forma uma extensa man­cha, quási contínua do Cabo de S. Vicente à longitude de Loulé. Mais para leste há pequenas manchas em relação com os terrenos triássicos que lhes ficam ao norte.

No grande afloramento oriental, depois dos terrenos de transição, a parte inferior, calcárea, é uma grande massa de calcáreos dolomíticos de cor amarelada, umas vezes compacta, outras vezes com leitos margosos.

Parte da cidade de Coimbra assenta nesta formação, a que, como dissemos, Paul Choffat deu o nome de cama­das de Coimbra. No terço superior destas camadas encon­tram-se fósseis característicos do liássico.

As partes média e superior são formadas por calcáreos margosos, fendilhados e com larga representação de cefaló- podes — amonites, nautilos e belemnites — lamelibrânquios, gastrópodes e braquiópodes.

No Algarve, a totalidade do liássico é formada por cal­cáreos dolomíticos, muito mais compactos que os de Coim­bra, subcristalinos, não margosos e de cor rosada ou cin­zenta. Na sua fauna predominam os gastrópodes.

Nos outros afloramentos, que se não apresentam intima- mente ligados ao bordo do maciço antigo, mas antes como ilhotas separadas dele por terrenos mais recentes, predomi­

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Jurássico médio (doggerj.—Devemos primeiro apontar uma grande mancha ligada ao maciço antigo: forma a Serra de Sicó, entre Condeixa e Pombal, e estende-se depois, para o sul de Ancião, constituindo o bordo do abatimento de Vila Nova de Ourém, e o maciço de Porto de Moz, acima do qual se eleva a Serra de Aire.

A ocidente do maciço de Porto de Moz, o dogger forma as cumeadas das Serras da Mendiga e dos Candieiros. Outras manchas, isoladas, formam a parte meridional do planalto de Cantanhede, as cumeadas das Serras da Boa Viagem e de Monte Junto.

No Algarve ocidental, o jurássico médio orla pelo sul quási continuamente o liássico; no Algarve oriental, só aparece em ilhotas, dispersas dentro da grande mancha do lusitaniano, como as de Loulé e do norte da Serra de Guilhim.

E’ variada a composição do jurássico médio. O andar inferior, na parte oriental da grande mancha do norte, é formado por calcáreos compactos, quási sem fósseis. Per­tencem-lhe os calcáreos das importantes pedreiras de Chão de Maçãs. Em Cantanhede, Soure e parte ocidental do maciço de Porto de Moz, os calcáreos são brancos, tenros e ricos em cefalópodes. Os que se extraem das pedreiras de Ançã são notáveis pela alvura e finíssimo grão, e teem sido muito empregados pelos canteiros de Coimbra.

Ao andar médio pertencem calcáreos brancos oolíticos, como os dos arredores da Batalha, com que foi edificado o célebre mosteiro.

O andar superior é de calcáreos margosos. Os do Cabo Mondego empregam-se para a fabricação de cal hidráulica.

No jurássico médio do Algarve aparecem calcáreos diver­sos, recobertos por calcáreos margosos.

nam, inferiormente, as margas vermelhas, geralmente gipsí- feras, e, acima delas, calcáreos dolomíticos.

Na Serra da Arrábida e em S. Tiago de Cacem o liás­sico é formado por calcáreos dolomíticos.

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Jurássico superior (malm). O andar inferior. — A o norte do Tejo, o lusitaniano de Paul Choffat forma a parte alta da vertente sul e poente das Serras da Boa Viagem e de Verride.

Começa em Pombal um extenso afloramento que abaixo da Serra de Sicó se desenvolve e contorna por norte, leste e sul a grande mancha cretácica de Vila Nova de Ourem. Prolonga-se depois para o sul, a oriente da Bata­lha, constituindo, no bordo ocidental do maciço de Porto de Moz, a Serra do Alqueidão; e, ainda mais para o sul, forma o vale do Lena, e o que pelo ocidente acompanha a Serra dos Candieiros.

Junto da costa, a norte e sul da concha de S. Martinho, forma as Serras das Pescarias e do Bouro; outros aflora- mentos importantes aparecem a sul e sudoeste de Óbidos; e outro forma a Serra de Monte Junto. Este prolonga-se do sul do Cercal a Torres Vedras. A ocidente de Vila Franca de Xira, uma larga mancha compreende o vale de Arruda, uma formação de calcáreos negros do lusitaniano e do neojurássico cinge a massa eruptiva da Serra de Sin­tra e sobre ela apresenta alguns curiosos fragmentos.

Ao sul do Tejo, uma tira estreita constitui a parte meri­dional da Serra da Arrábida; e levantam-se pequenos aflo­ramentos na região de S. Tiago de Cacem e Carrapateira. Na parte ocidental do Algarve, o lusitaniano forma a Ponta de Sagres; na parte oriental, forma uma área muito extensa, que se alonga do nordeste de Tavira a Boliqueime, por mais de 5o quilómetros de comprimento e aproximadamente io de largura, nas alturas de Loulé.

As formações do lusitaniano dividem-se em duas secções: inferior, na sua generalidade calcárea; superior, argilosa ou arenosa. Mas em muitas regiões os calcáreos da divisão infe­rior foram precedidos por depósitos argilosos, com intercala­ção de estratos de lenhite.

Os carvões do Cabo Mondego pertencem a êste nível inferior do lusitaniano. Nos terrenos lusitanianos compreen­didos entre Pombal, Leiria, Rio Maior e Tomar, há nume­

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rosos depósitos de lenhite, dos quais os que formam a região mineira do Lena são activamente explorados.

Na parte meridional desta região e na de Pombal estes carvões são, como os do Cabo Mondego, do lusitaniano infe­rior. Os outros, como os da Batalha, aparecem em níveis mais elevados, já do lusitaniano superior.

O andar superior do malm. — O neojurássico de Paul Choffat tem a sua mancha mais setentrional a ocidente da região cretácica de Vila Nova de Ourem, ao sul de Pom­bal. Depois de pequenos afloramentos nas proximidades de Leiria e Batalha, encontram-se estes terrenos numa larga área que envolve Alcobaça, Bombarral e Lourinhã e que alcança, a sul de Cadaval, a vertente setentrional de Monte Junto. Entre Tôrres Vedras e Alemquer e ao sul do Rio Sizandro, entre o mar e o Tejo, são os terrenos dominantes.

Mencionamos ainda o seu aparecimento no contorno da Serra de Sintra, e na vertente norte da Serra da Arrábida, desde o Cabo Espichei às proximidades de Setúbal.

No Algarve oriental, orla pelo sul e oeste a grande área do lusitaniano, desde o meridiano de Albufeira até leste de Tavira.

No Algarve o neojurássico é formado por calcáreo dolo- mítico e arenitos; na Arrábida por calcáreos e conglomera­dos. Ao norte do Tejo é geralmente detrítico, predominando arenitos finos, micáceos e com cimento argiloso e calcáreo. Constitui terrenos de notável fertilidade e ricos em águas, como os do planalto de Alcobaça e os de Bombarral.

Nos afloramentos do sul de Tôrres Vedras aparecem calcáreos mais ou menos margosos.

c) Cretácico. — Na carta geológica o cretácico é repre­sentado por quatro cores correspondentes às quatro secções estabelecidas por Paul Choffat: cretácico inferior, cretácico médio, turoniano e senoniano (1).

(1) Sôbre as côres, as diferentes manchas são marcadas por C1, C2, C3, C4 e C5. Estas duas últimas marcas, sôbre a mesma côr, corres-

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Simplificando este estudo, reuniremos as duas primeiras secções no eocretácico, ou cretácico inferior e as duas últi­mas no neocretácico, ou cretácico superior.

Inferiores ao turoniano, mas associadas a ele nesta divi­são, marcam-na acentuadamente certas camadas calcáreas que encerram uma fauna rica em ouriços, gastrópodes e lamelibrânquios e um amonite característico, Neolobites Vibrayeanus, pelo qual são designadas. A aparição desta fauna assinala uma completa mudança petrográfica em todo o cretácico português: às margas calcáreas, margas e are­nitos, formações detríticas da divisão inferior, sucedem cal- cáreos mais ou menos puros, persistentes em espessuras consideráveis; e é só no turoniano superior que reaparecem formações de materiais detríticos, de transporte.

Cretácico inferior. — Ao sul de uma linha tirada do norte da Ericeira para Alverca, exceptuando as massas eruptivas de Sintra, o seu contorno jurássico, extensas extrusões basál- ticas e as formações terciárias a norte de Lisboa, a região limitada pelo mar e pelo Tejo é constituída pelo cretácico inferior, e dele forma o maior afloramento português.

No contorno da Serra de Sintra encerra calcáreos pre­tos; e em toda a sua parte meridional, com o domínio dos calcáreos, o cretácico inferior é de faciés acentuadamente marinha. Na região cretácica de Belas o calcáreo já tem, na base, associados arenitos e à medida que se avança para norte os calcáreos vão cedendo o seu lugar a arenitos, que já exclusivamente formam o cretácico da região de Bucelas e que dão solos em que a fertilidade se acentua à medida que o grão é mais fino e o cimento mais argiloso.

Ao norte de Torres Vedras há um grande afloramento de arenitos cretácicos, que forma pela sua aridez uma man-

pondem a faciés diversas de senoniano: arenitos com faciés marinha, de Mira; e a generalidade das outras formações, de areias, margas ou gêsso, flúvio-marinhas, lagunares ou lacustres.

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cha de charneca no meio dos férteis terrenos do neojurássico

que a envolvem. A oeste de Óbidos há uma mancha seme­

lhante.

Deve mencionar-se especialmente o afloramento do Cer­cal, na extremidade setentrional do maciço de Monte Junto: nos seus arenitos aparecem os vestígios mais antigos de plantas dicotiledóneas na Europa. A flora do Cercal parece ter vivido in situ e ter-se acumulado num depósito de águas doces.

O marquês de Saporta, que estudou a flora mesozoica de Portugal, agrupou as dicotiledóneas do Cercal em dois géneros novos Dicotylo- phyllum e Choffatia.

Depois, mais para o norte, apresenta a nossa carta grande número de manchas do cretácico inferior, no planalto de Coz, no promontório da Nazaré, a sul do planalto de Porto de Moz, na região de Leiria, em Vermoil, em Condeixa e a norte de Vila Nova de Ourém.

Esta última é a de maior extensão e corresponde a uma vasta região abatida entre as Serras de Sicó e Pombal e o maciço de Porto de Moz. O abatimento de Vila Nova de Ourém prolonga-se pela depressão cretácica de Ancião.

Todos estes afloramentos e ainda os que orlam as Serras da Boa Viagem e de Verride e, pelo sul, o planalto de Can­tanhede, estendendo-se de Montemor-o Velho à Pampilhosa, são formados por arenitos, saibros e conglomerados, e teem geralmente uma cobertura de estratos de calcáreos margo­sos e em certos pontos de calcáreos francos, uns e outros pertencentes ao cretácico superior.

É êste recobrimento margo-calcáreo ou calcáreo que torna separá­veis muitas formações detríticas do cretácico inferior de outras petrogrà- ficamente semelhantes, mas pertencentes aos terrenos cenozoicos.

Até Torres Vedras não há lacuna entre o jurássico e o cretácico, emquanto que, mais ao norte, falta um conjunto

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de estratos da base do cretácico e a erosão corroeu uma parte do jurássico. Como exemplos podem aprerentar-se a região a oriente de Leiria, onde a cretácico repousa sobre o lusitaniano, as de Ancião e do norte de Coimbra em que ele assenta sobre o dogger ou sobre o liássico.

No Algarve, o cretácico inferior é formado por calcáreos marinhos na extremidade oriental, entre Tavira e Marim ; por arenitos e conglomerados na parte central, ao norte de Albufeira e na ocidental, próximo de Lagos e da Praia da Luz.

Uma tira do cretácico inferior acompanha pelo norte a Serra da Arrábida. Também aí é detrítico, excepto no extremo ocidental, onde aparecem calcáreos e calcáreos margosos.

Cretácico superior.—Dissemos já que o conjunto infe­rior dos seus estratos é formado por calcáreos, geralmente muito compactos.

Estes calcáreos que, de harmonia com a carta, chamare­mos turonianos, no Algarve aparecem em pequenos aflo­ramentos ao norte de Faro; e a erosão desmantelou-os na Arrábida antes de se depositarem os terrenos miocenos. Mas, ao norte do Tejo, restos deles, com frequência, cobrem e protegem da erosão as camadas desagregáveis das forma­ções inferiores. Assim, no abatimento circular de Vila Nova de Ourém, os estratos turonianos só ficaram coroando os saibros e arenitos na metade meridional.

Na Nazaré, a base do alcantilado sobre que se erguem as antigas muralhas é formada por arenitos finos, com leitos de argilas tendo impressões de folhas. Acima deles esten­dem-se os calcáreos turonianos.

São muitos os afloramentos do turoniano numa linha curva que de Pataias, por Leiria, Pombal, Soure, Redinha e pela orla meridional das Serras de Verride e da Boa Via­gem, se prolonga até à Figueira.

Estes calcáreos encerram muitos fósseis de Amonites.Para o norte de Cantanhede, encontra-se a grande área

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da Gândara, quási inteiramente formada pelo plioceno, no meio da qual aparecem afloramentos turonianos de tipos especiais, argiloso ou arenoso.

Também as interrupções do plioceno põem a descoberto a secção mais elevada do cretácico superior, o senoniano da carta geológica, formado por arenitos e margas com gesso e argilas. Desde as alturas de Vagos até ao Vouga, o plioceno quási desaparece e a superfície é unicamente for­mada pelo senoniano. Próximo de Aveiro predominam, no senoniano, argilas e cascalhos.

Devemos aqui mencionar formações de arenitos, umas vezes duros, outras tenros, que se encontram sobre o maciço antigo, não só em depressões, como as da Lousã, Arganil e Mortágua, mas também no cimo da Serra do Buçaco e do seu prolongamento para o sul. Nalguns pontos, como no Buçaco e S. Pedro de Mucela, encontram-se jazigos de fós­seis vegetais, que representam a mesma flora das formações senonianas da Gândara.

O senoniano só se encontra a norte do Mondego.A extensão do cretácico na parte portuguesa do maciço

ibérico mostra que os lagos terciários desta parte da penín­sula foram precedidos por lagos cretácicos.

Na parte meridional da orla mesozoica, em Runa, Pero Pinheiro, Belas, Alcântara (Lisboa) o turoniano é calcáreo, de faciés características — com hipurites e radiolites.

Em Pero Pinheiro são largamente extraídos do turoniano mármores que exibem grande variedade de cores e textura.

7) As formações cenozoicas — a) Eoceno.— Entre o período cretácico e o período mioceno falta-nos uma larga documentação representada por formações sedimentares. O eoceno e o oligoceno não são fàcilmente determináveis: o pri­meiro dêstes períodos ficou assinalado por violenta activi­dade ígnea, que se desenvolveu especialmente na região ao norte de Lisboa, em relação com o preenchimento de numerosos veios e diques, e formação de extensos mantos basálticos. O maior, com vinte quilómetros de largura,

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vai de Almargem a Vialonga; outro, mais ao sul, entre a ribeira de Lage e a de Alcântara, tem perto de quatorze quilómetros.

A espessura dêstes mantos é muito variável: excede nal­guns pontos duzentos metros; noutros não atinge um metro.

Em Carnaxide, na Ajuda, em S. Domingos de Bemfica aparecem tufos basálticos de estratificação bem reconhecí­vel, associados a margas avermelhadas e arroxeadas, com fósseis de moluscos terrestres, insuficientes para a determi­nação da respectiva idade geológica.

Os basaltos também aparecem em formações superficiais mais ou menos desenvolvidas a nordeste de Sintra, a sueste de Mafra, em Runa, perto do Rio Maior e de Landal.

Paul Choffat considerava contemporâneas dêstes basaltos as formações com faciés especial, do planalto de Coz, da Nazaré, de Maceira, do norte de Leiria e entre Souto e Bei- jouca. São conglomerados de blocos calcáreos e de quartzi­tos, com cimento margoso vermelho, dentro dos quais se encontram massas basálticas compactas e tufos basálticos. Nos conglomerados está representada a mesma fauna de moluscos da região de Lisboa.

Estas formações basálticas sobrepõem-se aos estratos cretácicos; e, nas proximidades de Bemfica, servem de base a camadas que fazem parte de um conjunto classifi­cado como oligoceno. Podem assim considerar-se eocenas.

b) Oligoceno. — Os conglomerados de Bemfica, de cimento argiloso e calcáreo, em ligação com estratos de argilas, arenitos, areias, cascalhos e, num ou noutro ponto, bancadas calcáreas, constituem uma espêssa formação flú- vio lacustre que ao norte de Lisboa se desenvolve, repou­sando a oeste sobre os basaltos e servindo a leste de base aos estratos do mioceno marinho.

Este afloramento, sobre que assentam Odivelas, Loures, Vialonga, Santo Antão do Tojal, estende-se para o norte até Alverca, junto ao Tejo. Conglomerados semelhantes se encontram em vários pontos, como no contorno norte da serra de Sintra e no centro da depressão de Runa.

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Equivalentes a estas, mas servindo de base ao mioceno lacustre na grande mancha que a ocidente do Tejo se estende de Alemquer a Tomar, encontram-se duas formações: uma inferior, de arenitos grosseiros com cimento algumas vezes calcáreo mas geralmente argiloso, branco ou avermelhado; outra, superior, de conglomerados de cimento calcáreo e calcáreos finos com raros fósseis.

Estas formações encontram-se no contacto do terciário lacustre com os terrenos mesozoicos, desde a Castanheira, a norte da Vila Franca de Xira, até ao norte de Tomar.

Em Alcanede a formação calcárea apresenta a maior expessura ; numa pequena mancha isolada dentro dos terre­nos mesozoicos, nas vizinhanças de Monsanto, a oeste de Alcanena, predomina a primeira formação em estratos are­nosos quási horizontais.

Todas elas, mais pelas suas relações estratigráficas com os terrenos miocenos bem determináveis, do que pelos fós­seis que conteem, são colocadas no oligoceno.

Falta na carta geológica a indicação dos seus afloramen­tos na orla ocidental da mancha do terciário lacustre.

Há também pequenos afloramentos oligocenos na ver­tente norte da Arrábida, das margens da ribeira de Coina às proximidades de Palmeia e Setúbal, e ainda no vale da ribeira de Odivelas, junto da povoação do mesmo nome.

c) Mioceno. Facies marinha. — Em três regiões se encontram afloramentos importantes do mioceno marinho: parte inferior da bacia do Tejo ; região da Arrábida e do Sado; Algarve.

Na margem direita do Tejo, em Lisboa e ao norte da cidade, apresenta a série o máximo desenvolvimento, sendo por Berkeley Cotter proposta a divisão dos seus estratos nos três andares — burdigaliano, helveciano e tortoniano.

Grande parte de Lisboa assenta sobre as formações do primeiro andar, que se estende muito para o norte, desde a vertente oriental do vale de Alcântara e de que há nume­rosos afloramentos a ocidente da cidade.

O burdigaliano é especialmente constituído por argilas e

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arenitos tenros. Contém as curiosas camadas de Entre Campos, exploradas em grande escala e cujas rochas são quási exclusivamente formadas por fossilizações de gastró- podes e lamelibrânquios, com elementos detríticos, calcá- reos margosos ou siliciosos.

O helveciano, em que também predominam as argilas e os arenitos, tem na base um formação calcárea relativa- mente dura, que cobre as vertentes formadas de rochas tenras e sobre a qual assentam o Castelo de S. Jorge, a Graça, a Penha de França e o forte da Ameixoeira.

Em estratos mais elevados, muito fossilíferos, foi encon­trado um fragmento de dente atribuído ao Mastodon angus- tidens.

O helveciano de Lisboa termina por calcáreos compactos, explorados nas pedreiras de Marvila, a dois quilómetros das antigas barreiras da cidade e que continuam a aparecer em Poço do Bispo, Sacavém, etc. Estes calcáreos são extraor­dinariamente fossilíferos, especialmente nas pedreiras de Marvila, em que o mar mioceno teria sido habitado por moluscos e equinodermes de grandes dimensões.

O tortoniano é constituído por areias finas, argilosas, com delgadas camadas de calcáreos margo-arenosos, que nas proximidades de Lisboa são facilmente observados em Braço de Prata e Cabo Ruivo.

As areias finas de Braço de Prata empregam-se nas ofi cinas de fundição para confeccionar moldes.

Camadas superiores do tortoniano, de arenitos de cimento argiloso e calcáreo, com muitos fósseis de lamelibrânquios, são cortadas pelas escarpas da margem do Tejo, a pequena distância da estação do caminho de ferro do Cabo Ruivo e prolongam-se muito para o norte de Vila Franca de Xira.

Na margem esquerda do Tejo, por cerca de oito quiló­metros, de Cacilhas à Trafaria, observa-se a série de coli­nas do «Outra Banda», cortadas em alcantilado pelo rio e formadas por afloramentos de mioceno, em estreita corres­pondência com os da margem direita.

Estes afloramentos teem a sua maior largura nas alturas

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de Caparica, aproximadamente três quilómetros, e o seu limite meridional é formado pelas aluviões modernas e por cascalhos e areias pliocenas.

Devemos apontar o curioso afloramento que a ocidente se alonga junto da costa, até próximo da lagoa de Albu­feira.

Depois, mais para o sul, o mioceno marinho, assentando sobre o oligoceno lacustre, forma no sopé norte da Serra da Arrábida uma tira que do mar, a oeste, se prolonga até às vizinhanças de Palmeia e de Setúbal.

No contorno oriental da bacia do Sado encontram-se numerosos afloramentos do mioceno marinho, dando-nos idéa de um extenso golfo de complicado recorte, e que se insi­nuava profundamente nos terrenos do maciço antigo.

O afloramento helveciano e tortoniano mais setentrional, propriamente na bacia do Tejo, é o de Lavre, perto de Vendas Novas.

Na parte inferior da bacia do Sado, a maior extensão do mioceno marinho é formada por calcáreos, arenitos e mar­gas das duas margens de um seu afluente, a ribeira de S. Martinho, que desagua na Boca de Palma.

Na parte média, devemos apontar os afloramentos das margens da ribeira de Odivelas, complexo de estratos de arenitos grosseiros e de argilas; e, na região mais meridio­nal, os de Ferreira do Alentejo e Alvalade.

Formações tortonianas aparecem no litoral, em Melides e Aljezur.

No Algarve, o mioceno tem os seus principais aflora­mentos no litoral ou perto dele, como os que se estendem de Lagos, com interrupções, até Quarteira ; os das proximi­dades de Faro, Olhão, Tavira e Caceia. São formados por arenitos tenros, de cimento argilo calcáreo, e por areias finas, micáceas, mais ou menos argilosas, muito fossilíferas, e de cores amareladas ou acinzentadas.

Pelos seus fósseis reconhece-se ser o helveciano repre­sentado na parte ocidental e central do Algarve ; e o torto­niano na parte oriental.

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A fauna tortoniana de Caceia contém mais de tresentas espécies e variedades de gastrópodes e lamelibrânquios.

As formações arenosas pliocenas, quaternárias e recentes ocultam outras extensões consideráveis de terrenos miocenos que apenas ficam a descoberto nos alcantilados costeiros ou nas vertentes das colinas.

Sobre as áreas mesozoicas aparecem também, de onde a onde, recobrimentos miocenos.

Faciés lacustre. — Ao grande lago terciário da bacia do Tejo afluíram muitos cursos de água com regimens variá­veis, produzindo a grande diversidade de depósitos, cuja correlação estratigráfica é difícil de estabelecer. Na parte melhor conhecida, entre a orla mesozoica ocidental e o Tejo, António Torres reconheceu no mioceno os seguintes conjuntos : arenoso, de arenitos grosseiros com fossiliza­ções de ostras (formações salobras) e de arenitos grossei­ros com intercalações de argilas, com fôsseis vegetais e vertebrados fósseis (formações arenosas de Arneiro); cal­cáreo, com fósseis (calcáreos de Pernes).

O conjunto arenoso contém muitas vezes intercalações de calcáreos compactos. A formação arenosa de Arneiro forma um afloramento extenso de Alcanede a Tremez, é cortada nas escarpas da ribeira de Aveiras e nas do limite oriental do mioceno, entre Vila Nova da Rainha e Archino.

O conjunto calcáreo, que sucede aos arenitos de Arneiro, apresenta-se em grandes afloramentos de Azambuja a Tomar e entre Rio Maior e Alcoentre.

O Alviela atravessa-os em toda a sua espessura, pondo a descoberto dois níveis de calcáreos compactos, separados por margas e calcáreos tenros.

Na margem esquerda do Tejo, a área miocena da bacia do Sorraia contém igualmente grandes extensões de forma­ção calcárea.

Nos afloramentos isolados das bacias do Guadiana e do Sado também ela desempenha papel importante.

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Devemos mencionar um grande afloramento de mioceno lacustre ao sul de Idanha-a-Nova, entre os rios Ponsul e Aravil.

d) Plioceno. — As maiores extensões do plioceno encon­tram-se nas bacias do Tejo e do Sado. Constituem-no super­ficialmente areias finas, recobrindo, como manto espesso, camadas de arenitos consolidados e grosseiros.

Estas grandes áreas pliocenas constituem planícies com ligeira inclinação a partir dos rios para a periferia das suas bacias, onde atingem em muitos pontos altitudes superiores a cem metros.

A composição dêstes terrenos é mais variada na secção ocidental, na península de Setúbal, onde, na base das massas arenosas, se encontram camadas de arenitos ver­melhos grosseiros, muito ferruginosos e blocos rolados de tamanhos variados. São os arenitos e conglomerados das falésias do Alfeite e de Setúbal, considerados como repre­sentação do plioceno mais antigo, e que encerram fósseis marinhos e vestígios de plantas terrestres transportadas pelos rios.

Na margem direita do Tejo, os afloramentos pliocenos são relativamente muito menos extensos, mas teem maior importância do que a avaliada pela carta geológica, em que só é representada como pliocena uma pequena área em torno do Cartaxo. Constituem-na arenitos grosseiros argilosos e areias finas, brancas e seitas, com intercalação de estratos de argilas.

Esta formação arenosa, os arenitos do Cartaxo, esten­de se realmente de Azambuja a Tomar e apresenta grande espessura, cerca de 90m, em Santarém, onde, em corte quási a prumo, flanqueia o Tejo. Aqui, como no Vale de Santarém, os estratos de argilas encerram fósseis vege­tais.

Na cidade e no seu contorno a formação arenosa é coberta por estratos calcáreos quási horizontais, uns mar- gosos, sem fósseis, outros compactos, ricos em fossilizações de lamelibrânquios e gastrópodes de água doce.

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O plioceno é representado por depósitos arenosos de pequena extensão situados perto da costa entre os cabos da Foca e Carvoeiro.

De Aveiro até ao sul das Caídas da Rainha, atingindo a Serra d’El-Rei e Roliça, encontra-se grande extensão de terre­nos do plioceno separados em três secções pelos afloramen­tos secundários de Buarcos e Verride e da região de Leiria.

A parte mais oriental da grande mancha pliocena encon­tra-se entre esta cidade e Soure. E formada por arenitos imperfeitamente cimentados, encerrando argilas com fósseis vegetais e camadas de linhite.

São muito interessantes os estudos da evolução das condições geo­gráficas na bacia inferior do Tejo, baseados em relações de posição e nos caracteres litológicos e paleontológicos dos terrenos que a formam e dos que constituem o seu contorno.

O fim do cretácico foi assinalado por movimentos de emersão, muito generalizados no nosso território.

Em virtude dêles, na orla mesozoica, produziram-se fracturas sôbre as quais, especialmente na região de Lisboa, se desenvolveu intensa acti­vidade eruptiva, com expansão superficial de lavas basálticas e projecção explosiva dos materiais dos tufos vulcânicos.

Passado o período eruptivo, o relevo montanhoso criado pelos movi­mentos tectónicos e pelas acumulações vulcânicas foi, sob um regimen torrencial, corroído pela erosão, depositando-se os materiais transpor­tados nas depressões do vale inferior do Tejo, que então lentamente abatia.

E a fase oligocena, com as suas formações detríticas, entre elas os conglomerados de Bemfica, que, como vimos, bordam quási continua­mente por oeste a bacia miocena.

Nos primeiros tempos miocenos o mar não penetraria muito na grande bacia lacustre, mas o golfo das proximidades de Lisboa ter- -se-ia profundado e desenvolvido no tortoniano, para em seguida de novo se retrair, no plioceno. Entretanto os estratos miocenos eram, pode supor-se, enrugados, desenvolvendo-se duas anticlinais, uma, ao norte, compreendendo as formações de Lisboa e da Outra Banda, outra, ao sul, correspondendo à Serra da Arrábida. Entre elas ficaria a sincli­nal da parte média da península de Setúbal.

O mar teria sido repelido do baixo vale do Tejo e o rio encheria o seu estuário com os materiais arrancados aos terrenos primários e secundários dos pontos mais elevados da sua bacia hidrográfica.

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Os afloramentos mais ocidentais, geralmente separados do mar pelas dunas modernas, mas fechados entre terre­nos mesozoicos das alturas da Nazaré para o sul, são geralmente constituídos por areias finas, associadas a peque­nos calhaus rolados, e por cascalhos mais ou menos argi­losos.

Nas partes em ligação com as dunas, as areias destas e as areias pliocenas confundem-se, servindo muitas vezes a presença de fragmentos rolados de rochas para o reconhe­cimento do plioceno.

Os terrenos pliocenos estão geralmente cultivados, em- quanto que, exceptuando as suas zonas plantadas de pinhais, as dunas estão incultas.

Os terrenos encaixados nas formações mesozoicas nas regiões das Caldas da Rainha, de Alfeizirão e do Valado, conteem jazigos de fósseis, representando uma fauna variada de moluscos marinhos. Encontram-se esses jazigos espa­lhados ao longo do contacto com os afloramentos mesozoicos ocidentais.

Ao norte do Mondego, na Gândara, a área pliocena é muito vasta, atingindo perto de trinta e seis quilómetros de largura entre a Anadia e os Palheiros de Mira.

Perto do litoral, ao sul do Douro, há as pequenas man­chas da Granja, Valadares, Madalena; e, ao norte, as de Mindelo e Apulia.

Devemos também mencionar o plioceno do vale do Lima, estendendo-se ao longo da margem sul, desde Darque até dois ou três quilómetros a juzante de Ponte de Lima; e o do vale do Minho, nas regiões de Monsão e de Valença.

Em Trás-os-Montes são notáveis as formações pliocenas da veiga de Chaves e a que se alonga ao norte de Sendim, na parte mais oriental da província.

No Algarve meridional, entre as formações mesozoicas e o litoral, há grande número, de afloramentos arenáceos, pliocenos.

A pequena distância das costas ocidentais desta província e do Alemtejo, de Aljezur a S. Tiago de Cacem estende-se

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uma longa faixa de terrenos pliocenos, que ao norte se ligam com os da bacia do Sado.

8) As formações quaternárias. — a) Pleistoceno gla­cial.— No período pleistoceno, as montanhas meridionais da Europa foram sede de intensa acção erosiva pelos gelos. Em Portugal, nas regiões montanhosas mais elevadas e no seu contorno, encontram-se frequentes vestígios de glaciação. Com efeito, na Serra da Estrêla há vastas áreas desgastadas por acção glaciar, nas quais aparecem rochas estriadas e blocos erráticos.

Apresentamos como exemplo o Covão Grande da Lagoa Comprida, os vales de Unhais da Serra, de Alvoco da Serra e de Loriga.

Dentro da Serra da Estrêla são conhecidas importantes formações morénicas, como, no vale do Zêzere, a do Aper­tado, abaixo do Covão dos Cântaros e a de Valhelhas, na margem esquerda do rio, próximo da povoação deste nome.

Mas os vestígios de intensa glaciação também se reco­nhecem em torno e a distância do nosso maior maciço montanhoso, podendo imaginar-se, além do glaciar do vale do Zêzere, outros, também muito extensos, encaixados nos vales do Alva e do Ceira e aos quais se devem atribuir os restos de espêssos e largos depósitos, com o tipo dos boulder-clays, e que se encontram nas regiões de Arganil e Góis.

b) Pleistoceno não glacial. — Há pelo nosso país grande número de depósitos dos diversos tipos do pleistoceno.

São comuns nos flancos dos vales dos nossos rios, a alturas variáveis, massas de cascalhos e argilas que teste­munham a forte acção erosiva das torrentes e cursos de água permanentes, especialmente durante as últimas fases do período.

Em muitas das nossas regiões calcáreas são notáveis as formações de tufos e travertinos, como os dos vales do Alviela, do Almonda, da ribeira de Rio Maior e os exten­sos depósitos de Condeixa.

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O maior dêstes últimos depósitos estende-se de Serna- che até ao rio de Mouros, ao sul de Condeixa-a-Velha.

Nas partes baixas das ravinas que cortam os planaltos constituídos superiormente pelos tufos pleistocenos, conti­nuam a formar-se novos tufos, que, como os primeiros, encerram numerosos detritos de vegetais e vestígios de moluscos actuais.

Em camadas relativamente profundas, foi por Paul Choffat descoberto um molar de elefante, atribuído ao Elephas meridionalis ou ao Elephas antiquus e os ossos de um hipopótamo, que concordam com os do Hipopotamus

major.Como exemplo de formações lacustres, apontamos as da

grande bacia da Lousã-Arganil, de Mortágua, de Ceia, e do sopé oriental do Caramulo.

Depósitos recentes. — Como os tufos que se veem for­mando desde as primeiras fases do período pleistoceno, também as aluviões dos rios continuam nos tempos que decorrem, sem que possa rigorosamente demarcar-se o fim daquele período.

As mais importantes aluviões actuais são nas regiões baixas do Tejo, do Mondego e do Vouga.

A maior extensão de dunas oceânicas repousa sobre o plioceno, ligeiramente inclinado para o mar, e desenvol­ve-se numa faixa de cento e sessenta quilómetros de com­primento, de Ovar à Nazaré, unicamente interrompida pelo Cabo Mondego e com largura variável, entre três e nove quilómetros.

9) As formações ígneas. — a) Granitos. — Aproxima­damente três quartos do nosso país pertencem ao maciço ibérico, em cuja formação, como sabemos, entram as rochas arcáicas, precâmbricas, paleozoicas e os granitos. As dos três primeiros grupos terão extensão pouco diferente nas duas secções — do norte e do sul do Tejo; mas os granitos teem incomparavelmente maior extensão ao norte do Tejo.

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Algumas outras rochas ígneas intrusivas aparecem em afloramentos de pequenas dimensões.

Os granitos formam a maior parte do Minho e também são muito extensas as áreas graníticas de Trás-os-Montes, da secção inferior da bacia do Douro e das Beiras Central e Trasmontana.

Mas, da uniformidade por que os granitos veem repre­sentados na carta, não deve supor-se que se trate duma formação em todos os pontos semelhante : os granitos teem composição mineralógica variada — com uma só mica ou duas micas, turmaliníferos, anfibólicos, com granadas, com zircão; apresentam texturas diversas; e são de idades dife­rentes.

Assim, no centro da província do Minho, é comum o granito porfiróide, com grandes cristais de feldspato. Por vezes estes granitos são cortados por filões também graníti­cos, de grão mais fino, mais compactos e resistentes à erosão.

No Gerez há afloramentos de granitos róseos pegmatí- ticos, cortados por diques de rochas de grão fino.

São variados os granitos da região granítica do Porto, aparecendo entre eles granitos anfibólicos. Nesta região os afloramentos alongam-se com orientação entre norte e noroeste, paralelamente à faixa silúrica de Valongo.

Para o sul do Porto, os gneisses biotíticos ou de duas micas, do arcáico, são com frequência interrompidos por injecções, umas vezes de granitos grosseiros, de mica preta, granititos, outras de granitos finos, de mica branca, granu- litos. A noroeste da Vila da Feira o granulito forma uma mancha alongada aproximadamente elítica; e entre a mesma vila e Espinho, no meio de gneisses, há um núcleo de gra- nitito.

Da decomposição dos feldspatos provieram nalguns pon­tos desta região jazigos muito valiosos de caulino, como o do Souto, próximo de Mosteiro, concelho da Feira.

São também variados os granitos das Beiras.Em muitos pontos os granitos são finíssimos e resistentes

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à decomposição; noutros aparecem os granitos «dente de cavalo», com grandes cristais de ortoclase e que, em vastas áreas dão lugar, pela desagregação dos seus materiais, a terrenos de grão grosseiro, como em torno da Guarda.

O Dão, a montante de Santa Comba, corta uma forma­ção de granitos turmaliníferos, com grandes e perfeitas cris­talizações dêste mineral.

Nesta região é notável a acção metamórfica exercida pelo granito sobre as formações precâmbricas, dentro das quais se encaixou.

Na Beira Baixa há também muitos afloramentos de gra­nitos que romperam através dos xistos precâmbricos, sobre os quais exerceram metamorfismo intenso.

Assim aparecem os granitos do Sabugal, de Castelo Branco e da região de Penamacor e Monsanto.

Nas regiões de Portalegre e de Évora os granitos são intrusivos nas diversas rochas arcáicas, alterando-as profun­damente.

A serra de Sintra dá-nos exemplo de uma formação gra­nitoide, atravessando os terrenos jurássicos e cretácicos e que deve ser de intrusão cenozoica.

b) Sienitos e foiaitos; dioritos e pórfiros.— As rochas sieníticas encontram-se em associação com os granitos na serra de Sintra, e tendo por constituinte a anfíbola sódica, riebeckite, ligam-se, em torno de Alter Pedroso, à parte norte de um maciço gábrico, intrusivo nos terrenos câm- bricos do Alto Alemtejo.

Os sienitos eleolíticos, que são, com outras aliadas, as rochas da formação eruptiva de Monchique, receberam de um dos seus picos — o monte da Foia — o nome de foiaitos.

A maior área diorítica é a de Beja, Ferreira do Alem­tejo e Cuba. A sua desagregação e decomposição se devem os terrenos muito férteis da região. Os dioritos acompanham em parte uma formação de pórfiros, a qual se estende de Vendas Novas a Serpa e que, em contraste com os dioritos, produz solos pobres. Os dioritos estão em relação com o silúrico e com os xistos devónicos : rompem e alteram os

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xistos silúricos em S. Saturnino e Veiros e não apresentam fenómenos de metamorfismo de contacto com os xistos devó- nicos de Nereites. Pode fixar-se assim a sua idade, entre o período silúrico e o devónico.

No distrito de Leiria há grande número de pequenos aflo­ramentos de dioritos. Os mais notáveis são o do morro do castelo da cidade e os de S. Bartolomeu e Monte Redondo.

Os gabros são rochas relativamente raras. Aparecem pequenas massas em associação com os dioritos do Alemtejo e a maior no Cabo de Sines.

As rochas basálticas já fizemos referência em relação com as formações eocenas.

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Relêvo de Portugal

CAP. II

1) Generalidades—Vamos tentar expor os aspectos mais interessantes da orografia de Portugal, enquadrados na classificação esquemática dos agentes orogénicos, no sen­tido mais geral; e, pelo que respeita às superfícies emersas, — o diastrofismo, o vulcanismo, a erosão.

Há relevos que podemos chamar estruturais; outros são esculturas trabalhadas pelos agentes erosivos, que, não sendo perturbada ou renovada a sua acção, tendem a atenuar, quási a apagar, as formas que criavam ou vincavam. Evolucionam as formas da superfície e está espalhada a consideração das fases de juventude, maturidade e velhice.

De emersão geologicamente muito remota, tem o maciço ibérico sido campo de prolongado trabalho de erosão. Mas as duas secções portuguesas desse maciço são bem diversas: a do norte, em relação ao Tejo, planáltica, com extensas zonas de altitudes entre 400 e 700 metros ; a do sul, pene- plânica, com predomínio das pequenos altitudes, entre 5o a 200 metros e em que o conjunto das zonas entre 5o e 400 metros compreende mais de 82% da superfície total.

No desenvolvimento do relevo da secção norte aparece a erosão como agente de actividade forte e, onde haja pro­gressivos levantamentos, de actividade renovada. Esta sec­ção planáltica é cortada por vales profundos e muitos deles são tão próximos que as respectivas vertentes se encontram em cristãs estreitas. Algumas das nossas serras do norte não serão mais que alinhamentos montanhosos desta origem.

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Ao sul do Tejo encontramos em geral o trabalho erosivo avançado até à última fase, como o demonstram largas ondu­lações da superfície, só de onde a onde perturbadas pela maior resistência de certas massas geológicas.

A erosão com frequência domina o desenvolvimento das formas superficiais, embora devamos considerar o traba­lho dos seus diversos agentes condicionado pela tectónica. Com frequência se reconhece em regiões de diastrofismo relativamente recente as formas por êle criadas assim como a substituição de relevos tectónicos antigos por novos rele­vos formados pelos processos erosivos. São bem conhe­cidas inversões totais de relêvo, elevando-se, por exemplo, um alinhamento montanhoso no eixo de uma sinclinal antiga.

Agora uma referência às duas formas de actividade ígnea ou vulcanismo, no sentido geral — a intrusiva, eleva­ção de massas magmáticas, que, sem alcançarem a super­fície, solidificam dentro da crusta e extrusiva, com a expansão superficial de lavas. Da primeira proveem as rochas ígneas plutónicas; da segunda as rochas ígneas vul­cânicas. Geralmente as extrusões são dependentes das intrusões, de que são manifestação superficial; e raras são as falhas profundas sem manifestação vulcânica. Os movi­mentos diastróficos de enrugamento são também acompa­nhados da deslocação de massas profundas, constituindo-se como que um recheio ígneo das pregas montanhosas.

2) Relevos ígneos — Na descrição geológica do país apresentámos exemplos da invasão de diversas formações geológicas pelas rochas intrusivas, especialmente granitos, que, pela remoção das massas de recobrimento, nos apa­recem constituindo tantas das nossas regiões montanhosas.

Merecem referência em conjunto, como formas de relêvo devidas à acção ígnea, as duas serras de Monchique e de Sintra, semelhantes por tantos aspectos geográficos. São geologicamente comparáveis: elevações de rochas eruptivas, rompendo a primeira através dos estratos de tectónica ator­mentada do carbonífero inferior, na parte ocidental do

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Algarve; elevando-se a segunda, junto ao mar, entre as for­mações calcáreas mesozoicas a ocidente de Lisboa. Com os seus picos agudos, formados por blocos descarnados e resistentes à intempérie, vales ricos de nascentes permitindo culturas delicadas, prosperando nas suas vertentes os casta­nheiros de que há extensos revestimentos na de Monchique, as duas serras assemelham-se muito. Vistas a distância apresentam no seu recorte os mesmos caracteres e ambas se diferenciam completamente das regiões que as cercam.

Na orla mesozoica ocidental há grande número de peque­nas montanhas vulcânicas. O castelo de Leiria foi edificado em cima dum cabeço diorítico que se levanta sobre uma for­mação de calcáreos margosos. São dignos de referência os picos eruptivos que se elevam na área deprimida a ocidente do planalto de Alcobaça, como os de Famalicão e especial­mente o de S. Bartolomeu.

3) Orografia da orla mesozoica ocidental, ao norte do Tejo — A orla mesozoica ocidental apresenta-nos interes­santes relações entre o relevo e a tectónica criada pelo diastrofismo.

São levantamentos num arco de concavidade para sudoeste, inclinando nesse sentido os seus estratos, as serras do Cabo Mondego e de Verride, separadas pelas fracturas a que se deve o corredor profundo pelo qual o rio Mondego encontra a sua passagem para o mar. Avan­çando para o sul, passada a depressão de Soure, den­tro da qual corre o rio Arunca, afluente do Mondego a leste da serra de Verride, alinha-se quási de norte a sul o levantamento dos calcáreos do jurássico médio da serra do Rabaçal-Sicó, em que as mais elevadas cotas são de 585 e 550 metros. O relêvo atenua-se na região relativamente deprimida que separa esta serra do planalto extenso, de forma triangular, com vértice para o sul e cujos lados orien­tal e ocidental se elevam respectivamente nas serras de Aire (677 m.) e da Mendiga (538 m.).

Na descrição geológica apontamos aquela depressão, em

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que predominam formações tenras do cretácico e que é atra­vessada pela linha férrea de Lisboa ao Porto na sua passa­gem da bacia do Tejo para a do Mondego.

O planalto que se ergue ao sul é, em parte, o levanta­mento de um maciço tabular de calcáreos do jurássico médio, cortado por falhas, das quais um sistema o divide em dois blocos entre que fica compreendida a curiosa bacia de Minde.

A superfície do maciço é seca e de aspecto cársico, em virtude da fácil descida das águas pluviais pelas diaclases dos calcáreos tabulares. A circulação profunda, abundante, emerge em nascentes de grande caudal, olhos de água, como os dos rios Almonda e Alviela, afluentes do Tejo.

As falhas que limitam a ocidente êste maciço de Porto de Mós alongam-se de norte a sul dando lugar ao vale do rio Lena em cujas vertentes afloram os estratos do malm inferior.

As camadas de linhite encerradas nesta formação teem sido exploradas com intensidade variável.

A ocidente eleva-se a serra dos Candieiros, como uma anticlinal que se prolonga por uns trinta quilómetros na direcção norte-sul e com a maior altitude de 613 metros.

No extremo meridional, nas proximidades do Rio Maior, a serra dos Candieiros é cortada por falhas com que se relaciona o abatimento das Alcobertas, acidentado por coli­nas de acumulação basáltica.

No flanco oeste do abatimento abrem-se grutas com belas formações estalactíticas.

A sul da Serra dos Candieiros, entre Santarém e as Caídas da Rainha, a orla mesozoica forma uma região baixa em que emerge o afloramento basáltico do Landal, na mesma linha dos afloramentos anteriores.

Eleva-se depois, de leste para oeste, a Serra de Monte- junto, importante acidente no relevo da orla mesozoica em que se atinge a cota de 666 metros.

E formada por um maciço calcáreo do jurássico médio,

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retalhado por falhas, e que se ergue acima das formações, também calcáreas, do jurássico inferior.

Deve agora mencionar-se o vale do rio Sizandro, que, depois de banhar Torres Vedras, corre para o mar. Limita pelo norte numa área planáltica de que se levantam a sudoeste as massas eruptivas da serra de Sintra. O planalto é profundamente ravinado, conjugando-se o Vale do Sizan­dro e os outros, mais ao sul, que também abrem para oeste, com os das ribeiras afluentes do Tejo num sistema de cortes transversais, leste-oeste, aproveitados pelo Duque de Wel- lington para o estabelecimento da defesa de Lisboa, e conhe­cidos na geografia militar do país por linhas de Torres.

Voltando ao relevo da parte média da orla mesozoica, merece referência a plataforma que acompanha por ocidente a serra dos Candieiros e depois o planalto, corroído pela erosão, e que se estende a sul de Alcobaça. Mais para oci­dente é notável o abatimento, entre falhas, da bacia plio­cena do Valado, Alfeizirão e Caídas da Rainha.

O mar entra nesta depressão, invadindo a concha de S. Martinho e a lagoa de Óbidos, por duas interrupções da muralha montanhosa do litoral, constituída pelas serras das Pescarias e de Bouro. São levantamentos de massas estra­tificadas do jurássico, sob as quais, na proximidade de S. Martinho do Porto, se descobrem estratos dos arenitos gipsíferos do triássico. As falhas que explicam o abatimento da bacia assinalam-se por afloramentos eruptivos, como o alteroso morro de S. Bartolomeu e as colinas alinhadas de Famalicão, formações de rochas dioríticas, em contraste tão acentuado com as rochas estratificadas da região.

Pelo norte dêste abatimento, que assim se desenvolve para o sul, ao longo de falhas transversais prolongadas na plataforma submarina e nela delimitando extenso e dilatado sulco, ergue-se o alcantilado cretácico da Nazaré. Projec- tado para o mar, constitue um promontório que abriga a planície costeira sobre que se desenvolve a formosa praia.

Alinhado com o alcantilado da Nazaré, para o interior,

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ergue-se o planalto de Coz, que, mais para leste, avança até à extremidade setentrional da serra dos Candieiros.

Ainda mais para o norte, colinas das diversas formações secundárias dispõem-se ao longo de um arco que a partir de Pataias, a uma légua da costa, passa por Leiria na direc­ção de Pombal, e avança até à orla da serra de Sicó. Constituem parte de uma alongada ruga anticlinal que con­torna a região de sedimentação terciária mencionada na descrição geológica. O relevo desta região é adoçado, sul­cando-a o Liz e alguns afluentes, enquanto outros pequenos rios correm para o norte e desaguam no Mondego.

Na acidentação da orla mesozoica ocidental, e sempre em estreita dependência da sua tectónica, é notável o pla­nalto que se alarga entre o vale do Mondego e Cantanhede, maciço secundário em que afloram, do norte para o sul, os terrenos do jurássico inferior, do jurássico superior e do cretácico. Os caracteres dos respectivos afloramentos super­ficiais são bem distintos e com êles se conjuga a variedade das suas aplicações agrícolas e os diversos aspectos da vege­tação espontânea e do revestimento florestal.

4) Relêvo da região da transição entre a Meseta e a orla mesozoica. — Ao norte de Coimbra, na região de Anadia e na extremidade setentrional da serra do Buçaco, o limite da meseta corta obliquamente enrugamentos de estra­tos permo-carboníferos e silúricos. Forma depois uma estreita faixa de terrenos arcaicos, que se prolonga para o sul de Coimbra, até além de Miranda do Corvo.

No topo ocidental da serra da Louzã, a meseta termina por afloramentos de terrenos precâmbricos, parcialmente reco­bertos por um conjunto possante de estratos dos quartzitos rígidos do silúrico inferior, que, em disposição tabular e forte inclinação para ocidente, mergulham, na base da serra, sob os conglomerados e arenitos triássicos da orla mesozóica.

Daqui para o sul, até Tomar, o bordo da meseta é geral­mente cortado nos terrenos arcaicos.

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Não queremos deixar de acentuar aqui a brusca mudança na orientação do relevo, ao passar-se, nesta secção da meseta, dela para a orla mesozóica adjacente, assim como a indepen­dência entre os seus limites e a direcção dos afloramentos das massas geológicas que entram na sua estrutura.

A orla mesozóica, nesta região de contacto com a meseta, é formada por longos afloramentos, desenvolvidos de norte para sul, primeiro dos terrenos triássicos, depois de terrenos liássicos e, a seguir, do jurássico médio. Na sobreposição dos estratos triássicos, quási uniformemente inclinados para oeste, há discordância completa com as formações anterio­res, pertencentes à meseta. Pelo seu caracter arenoso, pelas camadas de conglomerados que se encontram na sua base, dão-nos idéia das condições litorais de sedimentação no iní­cio de um ciclo geológico, cujas fases se desenrolaram na área submarina profunda, na geosinclinal secundária, que se formou ao longo do bordo do maciço ibérico. O ciclo encerrou-se : aos calcáreos das fases médias sucederam for­mações argilosas e arenosas, à medida que o fundo se ele­vava, envolvido no complexo diastrofismo que assinalou os primeiros tempos da era terciária.

Com o levantamento progressivo dos estratos secundá­rios, escalonam.se, do lado da meseta, os afloramentos triás­sicos e jurássicos ; as tensões a que foram submetidos pro­duziram falhas e rugas geralmente alinhadas do norte a sul. Estas deformações dirigiram a erosão; e assim predominam nesta área alinhamentos montanhosos de pequena altitude e vales que se submetem de forma bem impressiva àquela orientação. Eis alguns exemplos : o vale aproveitado no traçado da linha férrea da Pampilhosa a Coimbra, o do rio Eça, entre Miranda do Corvo e o Mondego; mais a oci­dente, o que baixa de Alvorge às proximidades de Condeixa e que se conjuga, para o sul, com o largo vale que desde Ancião chega até Tomar.

Esta orientação do relevo, cujas linhas principais cortam ortogonalmente as que dominam na região visinha da meseta,

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leva-nos a considerar as duas com independência, sem a subordinação que tem levado a imagmar*se um grande sis­tema, coluna vertebral da Península Ibérica, serpeando desde o cabo da Roca até à extremidade oriental da serra de Guadarrama.

Para a explicação das formas criadas pelo diastrofismo da geosinclinal de que temos tratado, parece admissível decompor os seus movimentos segundo as diversas secções afectadas, mas tendo presente, em primeiro lugar, o levan­tamento do bordo oriental, na parte em que se liga com a submeseta setentrional. Para sul, e já a ocidente da submeseta meridional, o fundo da geosinclinal, cortado por falhas, elevou-se entalado entre duas regiões que abateram, a bacia terciária do Tejo, a leste, a depressão oceânica de que emergem as Berlengas e os Farilhões, a oeste.

As fracturas que considerámos a propósito da separação das duas secções da meseta ibérica, cortariam também a orla mesozóica ocidental, entre Torres Novas e o promon­tório da Nazaré. Talvez com ela possamos relacionar a depressão de Minde, abatimento entre as falhas que atraves­sam o grande maciço secundário das serras de Aire e da Mendiga. O sistema de falhas leste-oeste prolonga-se para fora da costa e com ele se relaciona o extenso e profundo vale submarino, às vezes chamado canal da Nazaré.

5) Orografia da orla mesozóica ocidental, ao sul do Tejo.— Para o sul da região planáltica que envolve a serra de Sintra, a orla mesozóica ondulou-se em rugas anticlinais e sinclinais, orientadas de leste para oeste, e interrompidas, do lado do mar, por uma depressão con­tornada por um arco de círculo de concavidade para oci­dente e cujos extremos emergem nos cabos Raso e Espichei.

O canal de saída do esteiro do Tejo para o mar, em frente de Lisboa, parece o resultado de fracturas com aba­timento da região intermédia. A sinclinal que ladeia pelo sul o elevado bordo meridional dêste abatimento é ampla e rebaixada, contendo a lagoa de Albufeira, vizinha do litoral.

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Mais para o sul levanta-se a serra da Arrábida, conjunto de anticlinais e sinclinais, acompanhadas de fracturas parale­las, e que se sobrepõem parcialmente. Formam-nas estra­tos secundários e terciários, do oligoceno e do plioceno. A serra da Arrábida é dissimétrica : a vertente sul, do Cabo Espichel a Setúbal, emerge abruptamente do mar, como bordo de falhas de amplo rejecto vertical e profunda imer­são do bloco meridional.

A serra da Arrábida levanta-se assim numa das secções mais pitorescas da nossa costa, a proteger a foz do Sado e o importante porto piscatório de Setúbal. Para oriente des­taca-se a altura coroada pelo castelo de Palmeia e sobran­ceira à extensa planície dos terrenos pliocenos das bacias do Tejo e do Sado.

6) Orografia da orla mesozóica meridional. — Naorla meso e cenozoica do Algarve também se reconhece concordância entre o relevo e o diastrofismo em que foram envolvidas as suas formações.

Em primeiro lugar, como impressão colhida no exame da carta relevo da província, um sistema de linhas domi­nantes na direcção NW-SE, a partir da foz do rio Mira, pro­longa-se pela costa baixa do Algarve na secção que a oriente de Albufeira mais dilata para o sul o território de Portugal. Os vales ao longo dos quais foi lançado o caminho de ferro entre Saboia e S. Bartolomeu de Messines, na direcção do vale do rio de Mira, pertencem a esse sistema, pelo qual se desliga no Baixo Alentejo e no Algarve uma área triangular em cuja estrutura e orografia domina a massa eruptiva de Monchique. Um dos vértices do triângulo avança para sudoeste, e é truncado pelo recorte do Beliche, entre as pontas de S. Vicente e de Sagres.

A oeste do alinhamento considerado, a costa algarvia de barlavento ergue-se em pitorescos alcantilados, mordi­dos pela erosão marinha e de que são presa fácil espe­cialmente os estratos miocenos, arenosos e tenros. E curiosa a disposição tabular do afloramento jurássico de Sagres,

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dominando o mar em corte vertical, no soberbo terraço evo­cativo da memória do Infante.

A vasta área triangular ter-se-ia elevado em conjunto num movimento associado com a ascenção das massas ígneas que romperam através das formações do culm, nos picos gémeos da serra de Monchique, a Foia e a Picota.

Nesta parte ocidental do Algarve, a orla meso e ceno­zoica apresenta-se numa disposição simples, com os seus afloramentos alongados de leste a oeste e como que escalo­nados, desde as tiras setentrionais do triássico aos farrapos costeiros do mioceno, não mencionando pequenos acidentes, como o do levantamento da ilhota triássica e jurássica na zona litoral de Albufeira, e a da ponta da Carrapateira, ao norte do Cabo de S. Vicente.

O Algarve oriental tem o seu litoral, baixo e arenoso, dilatado para o sul na complexa rede de canais e ilhas em frente de Faro e de Olhão, avançando para o extremo meri­dional do país. Para o norte elevam-se, dentre as baixas pliocenas, afloramentos do cretácico inferior, dispostos de leste para oeste e em contacto, do lado norte, com outros do neo-jurássico, e todos eles orlando meridionalmente a massa extensa e elevada do lusitaniano. Os seus estratos atingem alturas de duzentos a trezentos metros, mais ou menos alinhados na parte norte, e deles, na aba sul, surgem os montes Guilhim (310m ) e S. Miguel (4o8m), o primeiro formado por massas calcáreas do jurássico médio, o segundo por massas eruptivas basaltoides.

A leste de Guilhim, profundo vale transversal dá passagem à estrada que desce de S. Braz de Alportel para Estoi e Faro.

Dentro deste importante afloramento do lusitaniano encon­tra-se Loulé. Pelo norte é limitado pelo vale profundo, que, vindo do oriente, abre em Paderne, para se inflectir brus­camente para o sul, na continuação de um vale transversal, sobre as massas do liássico que se estendem mais para o norte. Abaixo de Paderne forma este vale o limite do que chamaremos massiço de Loulé e por ele se estabelece

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contacto entre o lusitaniano e uma larga mancha de neo- -jurássico. Deve pertencer ao sistema de fracturas a que nos referimos e com as quais relacionamos a divisão do Algarve nas duas secções, oriental e ocidental.

Do vale da ribeira de Odelouca, a ocidente de Silves, até além de Salir, desenvolve-se a grande área do liássico, dividida pelo corte transversal, a norte de Paderne, numa parte ocidental de altitudes reduzidas e noutra oriental for­mando serra elevada, com altitudes de 314 e 317 metros. Pelo norte acompanham esta serra as depressões de Alte e de Salir, respectivamente a oeste e a leste.

Depois, para o norte, vem o contacto com o maciço paleozoico do Caldeirão, no qual as maiores elevações for­mam um arco de concavidade voltada a nordeste e em cujos extremos oriental e ocidental se atingem 523 metros (Alçaria do Cume) e 578 metros (Mu).

Não merecem descrições minuciosas as formas de super­fície das extensas áreas de sedimentação terciária das bacias do Tejo e do Sado e das que, àquem das areias do litoral, formam as depressões do Vouga, do Mondego e do Liz. São, em termos gerais, planícies construídas por sedimen­tação lacustre ou em golfos e esteiros que avançavam pro­fundamente para o interior e devidas também ao trabalho de aluvião dos rios. Planícies extensas, cuja regularidade típica tem nas aluviões recentes do Ribatejo a sua mais per­feita representação.

7) Orografia da secção meridional do maciço ibérico.— As duas secções são separadas pelo Tejo. Já emitimos a hipótese da existência de falhas, correndo de leste para oeste, em ligação com movimentos relativos opostos, de elevação na parte norte, de abatimento na parte sul. Estes movimentos diferenciais apresentariam grande amplitude numa grande extensão da submeseta meridional portu­guesa, determinando nela a bacia de sedimentação ceno­zoica do Tejo e do Sado.

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De harmonia com as deduções da isostase, teria profun­das repercuções no relevo geral a divisão dêste bloco con­tinental em dois compartimentos de densidades médias dife­rentes, o do norte, menos denso, com predomínio dos granitos e exclusão de rochas ígneas básicas e pesadas ; o do sul, mais denso, tendo, como rochas ígneas dominantes, os dio­ritos augíticos, como em Alter Pedroso e Eivas, ou biotíticos e hornblendicos, como no distrito petrográfico de Evora. Aos dioritos se associam sienitos, pórfiros, gabros e diaba- ses. Nesta região são notáveis as formações piritosas, cuprí- feras, os jazigos de minério de ferro, no Alvito, etc.

O compartimento meridional ainda se fragmentaria, sub­mergindo os fundos das bacias terciárias, abatendo relativa­mente menos a grande extensão primária do Baixo Alentejo, e mantendo-se a níveis mais elevados o Alto Alentejo.

No desenvolvimento do relevo do Alentejo a erosão tra­balhou sem perturbações, seguindo-se as diversas fases do seu trabalho geológico até se generalizar a forma de pene- plano. E sugestiva a sobreposição das cartas geológica e hipsográfica desta parte do país. A variedade de cores por que na região de Beja, por exemplo, são representadas na primeira formações geológicas diversas, contrapõe-se na segunda uma tinta única.

a) Baixo Alentejo. O castelo de Beja eleva-se sobre uma extensa área docemente ondulada, quási plana. A ero­são tudo regularizou no seu trabalho metódico e sem per­turbações. A ribeira das Alcaçovas, o Xarrama e a ribeira de Odivelas, descem lentamente do Alto do Alentejo para o rio Sado e os seus vales e as regiões intermediárias são apenas largas ondulações da superfície, em que se apaga­ram os carácteres próprios dos terrenos que afloram.

Os diversos rios do Alentejo não renovaram o trabalho erosivo, quer pela elevação geral ou parcial das bacias hidrográficas, quer pela descida do seu nível de base : envelheceram. Entre o Sado e o Guadiana, na extensão de 9.800 quilómetros quadrados, o Baixo Alentejo tem

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altitudes inferiores a 200 metros. A norte e sul de esta vasta região deprimida elevam-se, destacadamente, o Alto Alentejo e, mais lentamente, o maciço que se prolonga pela secção oriental do Algarve e no qual se destaca uma área de concavidade para nordeste, linha de alturas a que fizemos referência, a serra do Caldeirão. É o bordo ocidental e meridional do maciço e que começa a elevar-se para o sul de Almodovar, na separação das bacias do Guadiana e do rio de Mira, até atingir 578 metros no alto de Mu e 523 no extremo sueste, na Alcaria do Cume. Na vertente externa do maciço os declives são relativamente rápidos, com ribei­ras profundas, de que merecem anotar-se a de Odelouca e a da Arada, ambas a correr para ocidente e indo desaguar ao esteiro de Portimão. Os declives são mais brandos para nordeste, baixando para o Guadiana muitas ribeiras, como as de Cobres, Oeiras, Vascão, Foupana e Odeleite.

A ocidente e nordeste do maciço, na região compreen­dida por ele e pela serra de Monchique, as bacias da ribeira de Odelouca e a do rio de Mira emaranham-se na extensa depressão por que entra no Algarve a linha férrea vinda de Beja, por Garvão e Saboia.

Em Portugal, como na Espanha, o limite meridional da Meseta apresenta perfil dissimétrico, geralmente com decli­ves suaves para o interior e bruscos para o exterior, o que tem levado à falsa concepção de um extenso sistema mon­tanhoso, a Cordilheira Mariânica, a prolongar-se por mais de 5oo quilómetros desde a serra de Alcaraz, a oriente, até às montanhas do Algarve, no extremo ocidental.

O limite meridional da Meseta corta obliquamente sis­temas de enrugamentos montanhosos que se orientam de oesnoroeste a sulsueste, mas sem que, por falhas extensas e profundas na direcção daquele limite, se alinhem blocos montanhosos, na formação de um sistema especial, sobre­posto aos anteriores. O bordo meridional do grande maciço ibérico será apenas o corte de um vasto planalto ondulado, cujo declive geral se dispõe para o interior.

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Em menor escala se encontra uma disposição semelhante no bordo ocidental do maciço, na parte média do Alentejo, em que as serras de Grandola e do Cercal teem as maiores alturas do lado do mar e descem sob fraco declive para o vale do Sado. A serra de Grandola com a maior altura, a da Atalaia, 325 m., a oeste daquela vila, é limitada do lado do mar e a norte por falhas quási ortogonais. Para sul de S. Tiago de Cacem abate, entre falhas correndo de leste para oeste, a região que a separa da serra, mais meridional e cuja maior elevação, de 337 metros, fica a ocidente do Cercal. Marcando pelo norte o prolongamento ocidental da região abatida, avança para o mar o Cabo de Sines, esporão resistente à erosão marinha e em cuja estru­tura prodominam rochas ígneas, gábricas. É o extremo sul do largo arco por que se desenvolve a costa arenosa a par­tir da foz do Sado.

A bacia do Sado, na sua maior extensão planície de sedimentações largamente ondulada e na qual o rio e seus afluentes ligeiramente entalham os leitos, contrasta com a parte oriental do Baixo Alentejo, peneplano em que a ero­são apagou as impressões que a tectónica e a variedade petrográfica necessàriamente teriam imposto às formas ante­riores do relevo.

No peneplano a oriente de Beja, o Guadiana, e, na fron­teira, o seu afluente Chança correm geralmente em barrancos sulcados profundamente através de vastas superfícies com níveis entre ioo e 200 metros de altitude. Assim se apre­senta o Guadiana mesmo na pitoresca secção navegável que, a partir de Mértola, se prolonga quási até à foz.

Para além do Guadiana, o território de Portugal depois de abandonar o limite que lhe é dado pelo Chança dilata-se para oriente, na bacia da ribeira de Ardila, até às terras de Barrancos. Como acidente de relevo digno de menção aparece aqui a serra de Ficalho, com a brusca elevação a altitudes superiores a 400 metros e com o ponto mais alto, 518 metros, erguido no extremo sul a dominar as povoações

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fronteiriças de Rosales de la Frontera e de Ficalho. A serra alinha-se de sueste para noroeste, na mesma direcção do curioso troço do vale do Guadiana, a norte de Moura e entre os pontos de confluência das ribeiras Degebe e de Ardila.

Dominam na serra de Ficalho as formações arcaicas e são notáveis os mármores nelas incluídos. Devemos apon­tar a existência de nascentes termais, as de Moura, em associação possível com as condições tectónicas que esbo­çamos, levantamento da serra do Ficalho, ladeada a poente por fracturas que se prolongam para noroeste no vale de abatimento aproveitado pelo Guadiana e pelo curso inferior do Degebe.

A oeste de Moura, o Guadiana primeiro contorna, depois atravessa uma bacia de sedimentação lacustre, do mioceno. Estendem-se estes depósitos de um lago terciário desde a ribeira de Ardila, a leste, até próximo da Vidigueira, a oeste, acompanhando o sopé das alturas que marcam por êste lado o limite do Alto Alentejo.

b) Alto Alentejo. No Alto Alentejo consideramos pri­meiro o planalto de Évora. A belíssima cidade tem nêle posição excêntrica, a noroeste. Para o ocidente abre-se lar­gamente a cintura de terras altas que o limita, na região situada entre as serras do Monfurado e os cabeços a sul de Viana, e que se reparte entre as bacias hidrográficos do Xar- rama e da ribeira das Alcaçovas. São tributárias da última as alturas que a oeste de Evora separam as bacias do Tejo e do Sado. O Xarrama contorna Évora por oriente, alar­gando-se a sua bacia pelas terras elevadas, mas de lentos declives, que pelo norte cingem o planalto e que são também tributárias do Degebe, afluente do Guadiana.

A nordeste de Évora eleva-se a serra de Ossa, grupo de enrugamentos paralelos, na direcção NW.-SE., de altitu­des entre 400 e 5oo metros, alcançando 698. É mais um curioso resto dos tão generalizados sistemas de rugas herci- nienses, em que se encontram envolvidas formações silúri- cas e devónicas e a sua base arcaica.

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Conservando o mesmo paralelismo, mais para leste, ali- nham-se as alturas doutro conjunto menos elevado, mas que se dilata de Souzel a Alandroal. Na parte central, de for­mações arcaicas, sobe-se a 452 metros na pirâmide geodé­sica do Caixeiro, a sul de Souzel, e a 473, 486, pelo norte - de Alandroal. Na vertente ocidental desta extensa lomba encontra-se Extremoz e, no oriental, Vila Viçosa e Borba.

Não deixaremos sem referência as elevações silúricas das proximidades de Monsaraz, dispostas como vestígio do prolongamento para sul dos enrugamentos da serra da Ossa.

A parte meridional do planalto de Évora acidenta-se na região montanhosa de Portei, cortada a leste pelo vale do Degebe e constituindo a oeste a bacia elevada da ribeira de Odivelas. Atravessa a maior largura desta área monta­nhosa a estrada que, por Monte de Trigo, Portei e Vidi­gueira, liga Évora a Beja. A norte da Vidigueira encontra-se o ponto mais elevado, marcado pela pirâmide geodésica de Mendro (406 m.).

Já nos referimos á forma escarpada por que do Alvito à foz da ribeira de Ardila é cortado a sul o planalto de Évora. Também notámos que esta escarpa domina a região lacustre que se estende de perto da Vidigueira até Moura.

Entre as bacias do Caia, que corre para o Guadiana, e do Tejo, para o qual concorrem em grande número as ribei­ras que se vão juntar à ribeira da Raia, como as de Seda, de Sarrazola, de Vide, dispõe-se o alinhamento que vai de Alter Pedroso e Cabeço de Vide, até Vila Fernando e Vila Boim, a ocidente de Eivas.

E agora chegámos à secção mais elevada do Alto Alen­tejo, à região fronteiriça de Portalegre, cujas serras são nitidamente restos dos enrugamentos hercinienses, em que se encontram envolvidas as formações estratificadas do silú­rico e do devónico.

A primeira serra vai de Castelo de Vide a Nossa Senhora da Esperança, culminando no alto de S. Mamede, com 1025 metros de altitude : a segunda, a mais oriental,

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corre de Marvão, por Porto da Espada, a S. Julião, tendo o ponto mais elevado, 971 metros, em território espanhol. Estas serras representam topos dos dois flancos de uma sinclinal orientada de NW. a SE. e em cujo fundo ficaram comprimidas as massas devónicas, predominando nas cristãs elevadas os quartzitos resistentes do silúrico.

A constituição geológica desta região e a sua respectiva tectónica associam naturalmente as serras de S. Mamede e de S. Julião com a de S. Miguel-Muradal, cortada pelo Tejo em Vila Velha do Rodão, e com a serra de S. Pedro, na região espanhola vizinha.

8) Orografia da secção setentrional do maciço ibé­rico— Enquanto na Sub-Meseta meridional portuguesa as formas de relêvo são geralmente adoçadas, esbatidas, domi­nando as planícies e as largas ondulações de superfície de um vastíssimo peneplano, pelo contrário, na Sub-Meseta setentrional as formas são vigorosamente esculpidas. Impo­nentes alinhamentos de montanhas, altas e grandes serras se alongam, separando os profundos vales dos rios. Com a sua altitude média elevada, com as suas montanhas a deter­minarem a abundância de precipitações atmosféricas, apa­rece-nos como uma região de grande actividade erosiva.

O exame rápido da carta hipsométrica de Portugal dá-nos uma viva impressão de preponderância da direcção NE-SW na orientação das principais linhas do relêvo nesta metade setentrional do país. Mas também se nos revela, em deta­lhes insistentemente repetidos, a importância da direcção normal, NW-SE, na disposição de linhas secundárias.

a) Seiras da Estrêla e da Guardunha.—Fixam pri­meiro a nossa atenção as cordilheiras da Estrela e da Guar­dunha, que, desprendendo-se para ocidente do planalto fronteiriço sobre que assentam Guarda, Almeida e Sabugal, manteem acentuado paralelismo. Separa-as o vale do rio Zêzere, o maior afluente português do Tejo, e obedecem à primeira orientação indicada.

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A Cordilheira da Estrela é a mais importante de Portu­gal. Formam-na, começando por leste, as serras da Estrela, de S. Pedro do Açor ou de Arganil e a da Louzã.

A Serra da Estrela, geralmente granítica, como o pla­nalto da Guarda, encerra, contudo, entalada nas suas rugas, uma área alongada de norte para sul em cuja constituição entram xistos e grauvaques precâmbricas. A sua topografia é complicada: a uma sucessão de rugas que se vão elevando do planalto referido para ocidente, sobrepõe se um conjunto de vales longitudinais, como os de Alva e do Mondego, do lado norte, e o mais profundamente escavado vale do Zêzere, pelo lado sul. No topo ocidental, dêstes vales há um pequeno planalto ligeiramente convexo, subindo a 1991 metros, cor­tado em escarpa voltada a nascente e dominando o vale Zêzere por dois esporões de empolgante grandeza. Têm na toponímia local o nome de Cântaros. E o Cântaro Gordo e o Cântaro Magro constituem as formações naturais mais belas desta serra portuguesa que, pelas suas vistas soberbas sobre um horizonte de extraordinário alcance, através de uma atmosfera de transparência rara, tão poderosa atraeção exerce sobre naturalistas ou simples amadores de turismo.

São interessantes os vestígios de glaciação, quer nas zonas elevadas, em que aparecem lagoas de desgaste ou de barragem glaciar, quer nos vales, como os do Zêzere e de Unhais da Serra, que encerram restos de moreias e teem fun­dos de rochas estriadas, juncados de blocos erráticos. Tam­bém nas serras mais ocidentais, especialmente na de Arganil, foi de grande actividade a acção glaciar: na aba norte, junto daquela vila, ladeia a serra uma formação morénica impor­tante; e no seu interior ter-se-ia estabelecido um grande glaciar no vale longitudinal do rio Ceira. Este afluente do Mondego sai da serra pelo vale transversal de Gois, junto de cuja abertura, por oeste, se encontram massas conside­ráveis duma moreia terminal.

Por ocidente, limitamos a serra da Estrêla na região relativamente baixa entre Seia, ao norte, e Unhais da Serra, ao sul. E aproximadamente o limite, passando por S. Romão,

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Valezim e Loriga, entre a imponente mole granítica da Estrela e as formações precâmbricas, geralmente xistosas, que formam as outras serras da cordilheira.

A Serra de S. Pedro do Açor ou de Arganil é pro­fundamente ravinada pela erosão torrencial, devendo-se naturalmente à glaciação pleistocena a curiosa forma de circos apresentada por certas bacias que desaguam para o norte.

No mapa em relevo, de que apresentamos uma gravura, sobresaem em cristãs transversais, ultrapassando para o sul o vale do Zêzere, os estratos duros formados por quartzitos silúricos. Os seus afloramentos são representados na carta geológica por estreitas faixas dirigidas NW para SE.

A oeste do vale que dá passagem, para fora da serra e para o norte, ao rio Ceira, próximo da vila de Gois, eleva-se uma massa possante dos quartzitos silúricos, formando os Penedos de Gois, perfeitamente alinhados com a serra do Buçaco.

Começa nos Penedos de Gois a Serra da Louzã. Ao seu limite ocidental, no corte das formações da Meseta em frente da orla mesozoica, consideramos nós também como última montanha do extenso Sistema Central Divisório ou Lusitano- -Castelhano. Já nos referimos a ele quando descrevemos o relêvo na região de ligação entre a Meseta e a orla meso­zoica ocidental. As camadas muito inclinadas dos quartzitos formam o Pico do Espinhal, que, com os Penedos de Gois, oferecem, em virtude da sua aspereza, flagrante contraste com as lombas arredondadas dos xistos precâmbricos da serra.

A Cordilheira da Estrela é acompanhada na base do seu flanco norte por um alinhamento de bacias em que se realizaram sedimentações nas últimas fases do cretácico, na era terciária e ainda na quaternária. Primeiro a da Louzã, em que predominam as formações de argilas, areias

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e cascalhos do cretácico superior, senonianas; depois a de Arganil, que ainda conserva de uma maneira tão perfeita o aspecto do lago quaternário esgotado pelo rebaixamento do leito do rio Alva, que lhe corre a norte, para o Mondego; por. fim, a bacia quaternária de Seia, no sopé norte da parte mais elevada da Estrela.

Conjuga-se a existência destas bacias com a forma por que do mesmo lado se ergue toda a cordilheira, num res­salto nítido, brusco, acima do extenso planalto da Beira Alta. Mostra-o bem o corte da bacia do Mondego, entre os pontos mais elevados da Estrela e do Caramulo. Esta serra, de maneira inteiramente semelhante, surge a noroeste do planalto.

Na figura seguinte (fig. 5) além dos perfis longitudinais do Mondego e de alguns afluentes, encontra-se o corte trans­versal da sua bacia, entre a Estrela e o Caramulo.

Mas, já o dissemos, individualizada, destacando-se tão fortemente na orografia portuguesa por este aspecto da sua face norte, a cordilheira da Estrela desprende-se de uma vasta superfície com altitudes entre 800 e 1000 metros, sobre que se eleva a cordilheira espanhola das Serras da Gata e de Erancia, orientada paralelamente e situada mais ao sul. Assim entra no grande sistema orográfico da Península, cuja designação conviria fixar em Sistema Central Castelhano- -Português.

A este mesmo sistema pertence a cordilheira da Guar- dunha, que quási rigorosamente se alinha com aquelas ser­ras espanholas. Porém, entre o planalto da Guarda e do Sabugal e as primeiras elevações orientais da Guardunha, a superfície baixa lentamente para oeste, e sobre ela correm alguns afluentes do Zêzere. Também parte do planalto se inclina para nordeste, formando a secção mais elevada da bacia do Coa, tributário do Douro. No contorno desta bacia levantam-se o Jarmelo, 939m, a nordeste da Guarda e a serra de S. Cornélio-Malcata, ao sul do Sabugal. Esta serra con­tinua-se para além da fronteira atingindo 1257 metros (Mesas). Os afluentes mais importantes do Zêzere a descer sobre a

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vertente sudoeste do planalto são, começando pelo norte, as ribeiras da Gaia, de Caria e da Meimoa, entre cujos vales as cristãs sobem a 600 e 800 metros.

Por um pitoresco vale transversal, a jusante de Valhelhas, sai o rio Zêzere das rugas profundas da serra da Estrela; e, mudando de direcção em frente de Belmonte, corre, depois de receber a ribeira da Gaia, por largo vale, a Cova da Beira, flanqueado, a norte e noroeste, pela Estrela a sul, pri­meiro pelas alturas que acompanham a ribeira da Meimoa, depois pela serra da Guardunha. Chamaremos àquela linha de alturas serra da Meimoa, ou de Penamacor. A Guardu­nha eleva-se sem contrafortes ao sul do Fundão, e nas ver­tentes e no sopé encontram-se além daquela vila as ridentes povoações de Alcaide, Fatela, Vale Prazeres, Alpedrinha. Entre a Guardunha e a serra de Penamacor uma região baixa e extensa permite fácil passagem da bacia do Tejo, aqui representada pelo sistema de ribeiras tributárias do Ponsul, para a do Zêzere ou do seu afluente a ribeira da Meimoa.

Contornando por esta região deprimida o topo oriental da Guardunha, foi traçada a linha férrea da Beira Baixa, na passagem de Castelo Branco para a Covilhã.

A Cova da Beira constitue nas províncias centrais do país uma sub-região de excepcional fertilidade e em que a paisagem oferece não só pequenos quadros cheios de encanto mas também amplos panoramas, como os que se observam da Covilhã, situada a 700 metros de altitude, na vertente da serra da Estrêla e a dominar a parte mais dilatada do vale. Do outro lado, na base da Guardunha, encontra-se a importante vila do Fundão, rodeada de famosos pomares e soutos de castanheiros.

Depois, para oeste, o vale do Zêzere segue sinuoso entre elevadas serras e nalgumas secções, como a montante de Pedrógão, profundamente estrangulado. O prolongamento da Guardunha, a cordilheira da Guardunha, bifurca-se pelo rasgar do vale de Oleiros à Certã, ultrapassada a muralha

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transversal dos quartzitos silúricos, que em afloramento sem interrupção se prolonga de Fajão, no vale do Ceira, às Sar- nadas. O ramo norte acompanha o Zêzere e não excede a altitude de 800 metros; o do sul é menos simples e mais elevado, atingindo 1080 metros no Cabeço Raínho.

Quási toda a cordilheira da Guardunha é formada por xistos e grauvaques precâmbricas; só na extremidade orien­tal os granitos rompem esse invólucro. Por eles é formada a região mais alta que, no pico da Guardunha, alcança 1223 metros.

São dificílimos, impossíveis mesmo, estudos tectónicos em massas sedimentares, cujo metamorfismo nos indica demorada acção das forças do diastrofismo, e através das quais a erosão rasgou cortes que revelam as mais comple­xas perturbações dos estratos.

Como mera hipótese se poderão relacionar as serras que o vale do Zêzere separa considerando-as elevação de um sistema de rugas paralelas, na direcção nordeste- -sudoeste, um vasto anticlinorium, ao longo de cujo eixo a erosão tivesse aberto sulco mais profundo, excavando simultâneamente outros menores, no desenvolvimento de numerosos vales longitudinais, uns tributários do primeiro, outros abrindo para fora do sistema. Por outro lado as sinuosidades, os meandros encaixados, do Zêzere e dos outros rios paralelos conjugadas com as numerosas faixas silúricas que transversalmente cortam estas serras, induzem-nos à consideração de um relêvo anterior, herciniense, com a forma de sistema de enrugamentos normais àqueles, forma fre­quente em grande parte do maciço peninsular. Pertencem a êste sistema as serras testemunhas do Alto Alentejo e outras do norte do Tejo a que já temos feito referências.

A cordilheira da Guardunha termina em frente da depressão que desde as proximidades de Figueiró dos Vinhos se estende para sul. Dentro dela o Zêzere rompe a secção inferior do seu curso. Estamos no limite oci-

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dental do maciço ibérico; e já fora dele, a bacia do Zêzere fecha-se a oeste por série de alturas da orla mesozoica alinhadas do norte para sul desde Ancião a Alvaiazere.

Em oposição com a cordilheira da Estrêla esta não ter­mina pelo sul de forma nítida, não a acompanham depres­sões. Entre ela e o Tejo há uma grande área que alarga para oriente, repartida pelas bacias hidrográficas do seus afluentes Ocresa e Ponsul. O rio Ocresa recebe as águas da vertente meridional da serra da Guardunha; do Ponsul é tributária à vertente sul da cristã que, no prolongamento daquela serra, fecha o vale da ribeira da Meimoa, cristã a que nos referimos e que chamámos serra da Meimoa ou de Penamacor.

Ainda merecem novas referências os afloramentos dos quartzitos do silúrico e os acidentes de relevo a que dão origem. Na parte ocidental da área de que nos ocupamos, entre o Zêzere e o Tejo, eleva-se a serra da Melriça (1) ou da Amêndoa, depois, mais para leste, a do Muradal, cor­tada pelo Ocresa e, no desfiladeiro das Portas de Rodão, pelo Tejo. Já associámos esta serra silúrica com as alente- janas de S. Miguel e de Portalegre e com a serra espanhola de S. Pedro.

São também curiosos os afloramentos que passam por Castelo Branco, S. Martinho e Monforte. E no limite orien­tal desta região mencionámos a mancha que forma a serra de Penha Garcia e que passa para lá da fronteira.

O forte relevo determinado por estas massas duras de quartzitos silúricos, embutidas nas formações mais tenras de grauvaques e de xistos argilosos do precâmbrico, originou lagos miocenos, como o de Vila Velha de Rodão, no vale do Tejo, acima das Portas do Rodão, o de Sarzedas, tribu­

(1) Na geodesia portuguesa toma-se como médio o meridiano do ponto geodésico da Melriça.

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tário do Ocresa e o maior, drenado pelo Ponsul e pela ribeira de Aravila, que se alargava por muitos quilómetros ao sul de Idanha-a-Nova. Desgastando pouco a pouco a passagem por entre massas rígidas, estes rios regularizaram o seu perfil longitudinal, baixando o caudal da saída até esgotar aquelas bacias.

Descem da Guardunha para Castelo Branco e Idanha-a­-Nova grandes afloramentos graníticos que imprimem à pai­sagem e às explorações agrícolas aspectos em flagrante contraste com os dominantes nas áreas xistosas que os rodeiam, embora as condições de clima sejam geralmente idênticas. E assim posta em relevo a influência da consti­tuição geológica na caracterização das regiões naturais.

b) Planalto da Beira Alta. — Ao norte da cordilheira da Estrêla, a Beira Alta, uma das mais belas províncias de Por­tugal, é na sua maior extensão formada por um vasto pla­nalto. Inclina docemente para sudoeste; e sendo principal­mente tributária do Mondego também largamente contribui com as suas águas para o Vouga e para o Douro, que dela recebe um afluente importante, o Paiva. Cortada por nume­rosos cursos de água, muitos convergindo entre si em ângulos agudos, conserva o aspecto geral de planalto pela concor­dância das alturas que separam os seus vales, dentro de tão aproximados limites de altitude que um mesmo plano todas abrangeria. E a impressão que se recebe quando se con­templa esta privilegiada região de pontos elevados da Estrêla e numa sugestiva vista de conjunto quando se examina o mapa em relêvo cuja fotografia publicamos.

Êsse mapa apresenta-nos com nitidez os contornos do planalto. A barreira que o limita por sueste, constituída pela cordilheira da Estrêla, contrapõe-se, a poente, um con­junto notável de montanhas alinhadas de SSW para NNE. Formam-no, começando pelo sul, a Serra do Caramulo, a Serra de S. Macário e o extremo oriental da Serra de Mon- temuro. Em todo êle se observa o mesmo erguer brusco

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em frente do planalto; e, acentuando ainda a separação, vales profundos ou bacias lacustres dissecadas acompanham o alinhamento montanhoso, alongando:se na sua base.

Assim, uma extensa bacia, com depósitos quaternários a indicarem pequenos lagos extintos, ladeia a Serra do Cara- mulo: é designada por Vale de Besteiros e tem justa fama a beleza da sua paisagem a que as montanhas, cultivadas até grande altura, dão um fundo grandioso e de colorido variado. Para o extremo norte um profundo vale de fractura, rectilíneo, o vale de Riba Má, corre no sopé da serra, abrindo sobre o do rio Vouga. Não deixaremos esquecido o facto, nesta região várias vezes repetido, da localização de nascentes termo-minerais junto destas fracturas: as ter- mas de S. Pedro do Sul ou Caldas de Lafões, que são as mais importantes da Beira Alta e das mais frequentadas do país, constituem disso um exemplo interessante.

Separado do Caramulo pelo Vale do Vouga, eleva-se agora para o norte o Maciço da Gralheira, a que pertence, formando limite ao planalto, a Serra de S. Macário. E ao vale de fractura de Riba-Má corresponde deste lado o que o rio de Sul aproveita para levar ao Vouga as suas águas.

O profundo vale do rio Paiva estabelece a divisão entre os maciços da Gralheira e de Montemuro, que já flanqueia o rio Douro. Enquanto as maiores altitudes do Caramulo e da Gralheira pouco excedem 1070 metros, o ponto mais ele­vado de Montemuro sobe a 1082 e outros há com 1278, e 1210.

As maiores alturas de Montemuro ficam a leste do maciço e, desse lado, cortam-se vales alinhados e abrindo para o Douro e para o Paiva.

Na região alta da Portela de Bigorne uma extensa espla­nada pertence ao topo mais setentrional do planalto, cujo rebordo, depois, na direcção NW-SE, segue sempre elevado ao encontro com o da Guarda, na região de Vila-Franca-das- -Naves. A esta aresta do grande planalto da Beira Alta dão-se, começando pelo norte, os nomes de Serras de Leo-

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mil, da Senhora da Lapa e de Pisco; e de uma altura que nela se mantém vizinha de 800 metros desce-se lentamente para sudoeste, abruptamente, no sentido oposto, para os vales dos rios Tedo e Távora. Os dois vales conjugam-se na região baixa que Moimenta da Beira domina, formando assim uma depressão contínua ao longo da aresta.

O curso superior do Távora captou da bacia do Dão os afluentes da sua vertente oriental, entre Sernancelhe e Tran­coso: os respectivos vales têm a orientação dos do planalto, aparecendo nitidamente como o seu prolongamento. Lutam nesta região o Douro e 0 Mondego para o alargamento das suas bacias hidrográficas, como, dentro do planalto, no ângulo norte, parecem tê-lo feito o Vouga e o Paiva, conseguindo êste levar para o Douro a afluência de ribeiras que pertenceriam ao primeiro. Estes factos têm certa importância na caracte­rização do rio Douro e como indicadores na evolução do relêvo do ainda tão misterioso Maciço Galaico-Duriense.

Falta-nos descrever o quarto lado do trapézio formado pelo planalto da Beira-Alta, o de sudoeste. E o lado menor, a que dão particular realce as rugas silúricas do Buçaco e seu prolongamento para além do Mondego, atingindo nos Penedos de Gois a Cordilheira da Estrêla. Para êle desce suavemente a vasta área tabular. Antes que 0 Mondego o transponha, vêm juntar-se-lhe o Alva, rio das montanhas do sul, e o Dão, rio exclusivamente planáltico e que só na parte inferior do curso recebe o Dinna e o Criz, afluentes que atravessam o vale de Besteiros e de que é tributária a face interior do Caramulo.

Paralelamente a esta muralha do Buçaco há outra mais oriental de que apenas se vê o esboço por uma cristã inter­rompida que ligaria a extremidade sul da serra do Caramulo à serra de Arganil. Só a oeste dela se reúnem o Mondego e o Dão; e na parte norte da área compreendida entre as duas muralhas há uma curiosa bacia lacustre, hoje esgotada, que tem o sugestivo nome de Bacia de Mortágua. Na orla meridional do antigo lago encontram-se restos de sedimentos

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cretácicos, como os da bacia da Louzã, sendo igualmente cretácicas as massas estratificadas que revestem a cumiada da Serra do Buçaco, o que provoca o maior interesse para a interpretação dos factos geográficos que toda esta pequena região enfeixa num conjunto notável.

Entre as duas rugas paralelas, o Mondego, o Dão, a Ribeira de Mortágua e especialmente, na parte sul, o Alva descrevem as mais complicadas curvas, constituindo um exemplo perfeito de meandros profundos. Para fora delas, a ocidente, ergue-se um pequeno maciço precâmbrico e arcáico a que se encostam as colinas secundárias de Coim­bra e que é cortado pelo Mondego, antes de entrar nos seus campos, realmente muito dêle, porque num extenso estuário interior os construiu com as suas aluviões.

O pequeno maciço é rodeado a sul e oriente por forma­ções cretácicas.

O planalto da Beira-Alta aparece-nos como uma área tabular entalada entre duas regiões que experimentaram grandes deformações orogénicas, separada delas por falhas profundas e extensas, em dois grupos que convergem para sudoeste. O grupo meridional alonga-se com a Cordilheira da Estrela, o mais setentrional faz face ao alinhamento do Caramulo-S. Macário-Montemuro. Somos irresistivelmente tentados a transpor o vale do Douro e, talvez exagerando uma extraordinária homologia, a associar a este último ali­nhamento as Serras do Marão e de Alvão, imaginando um vasto sistema montanhoso, sempre acompanhado ao longo da sua base oriental por alinhamentos de fracturas e depressões.

Também não pode omitir-se uma referência neste lugar à perfeita concordância entre a linha de depressões da base da Cordilheira da Estrêla e a que constitui o vale do Douro na secção, a jusante de Miranda, em que serve de fronteira às duas nações peninsulares.

A oeste das Cimas de Mogadouro, na junção do Douro com os seus afluentes Sabor, vindo do norte, Côa, do sul, encontra se o mais claro efeito de fracturas com desliga­

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mento lateral, apresentado pela parte portuguesa da Meseta: as fracturas têm a direcção norte-sul, e o bloco ocidental, foi arrastado para o sul. Entre as fracturas, uma longa depres­são contém a última parte do vale do Côa, um troço do vale do Douro, outro do Sabor e, prolongando êste para o norte, a Veiga de Vilariça, notável pela sua extraordinária fertili­dade, conjugando-se nela um solo de excepcional riqueza com as mais favoráveis condições de clima.

O diastrofismo, que durante a Era Terciária tão profun­damente afectou a Península, manifesta se na Meseta, que é um grande maciço mais rígido, menos plástico do que os fundos marinhos que o envolviam, por deslocações de blocos cortados por fracturas e que uns em relação aos outros aba­teram ou se elevaram. Na secção portuguesa da Sub-Meseta Setentrional o movimento de conjunto teria sido de elevação lenta e progressiva, mantendo sempre a actividade erosiva dos rios que a sulcam.

O levantamento da Cordilheira da Estrêla nas últimas fases da sua orogenia parece não ser mais do que um caso particular no conjunto destas deslocações.

A área planáltica da Beira-Alta teria a sua parte mais ocidental desgastada pela erosão a ponto de se apagar o relêvo herciniense, de que há tantos vestígios nos aflora­mentos portugueses dos terrenos silúricos. Dos quartzitos duros e espessos do silúrico inferior proviriam os materiais para a enorme formação geológica que constitui o conglo­merado de base triássico, na fase de sedimentação secun­dária do ciclo geológico que se desenrolou a oeste da Meseta.

No fim do período cretácico houve mesmo transgressão marinha sobre aquela região, mais abatida entre as suas falhas laterais, de modo que se estenderam os depósitos senonianos nos fundos de um golfo que se insinuava muito para o interior, abrangendo as bacias da Louzã e de Mor­tágua e a área do Buçaco.

Depois, como se de um arrastamento para oeste, de que dependessem as deformações da orla mesozoica, fosse con­comitante um conjunto poderoso de forças tangenciais em

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direcção normal às antigas rugas hercinienses, a região beirã, a oriente de Coimbra, além de se elevar como um bloco, teve o seu relevo paleozoico renovado, surgindo na área comprimida os restos duma sinclinal silúrica e constituindo-se por maior levantamento do flanco oriental a extensa lomba de que o Buçaco faz parte, e que se ergueu coroada de tão curiosa maneira por um farrapo do manto cretácico sob que estava oculta. Os rios Mondego e afluentes foram obriga­dos às mais tortuosas voltas para abrirem caminho através das rugas que assim se iam transversalmente elevando.

Ao norte do Mondego, o maciço do Caramulo, que tão abruptamente se eleva voltado a sueste, sobre o vale de Besteiros, apresenta a vertente ocidental mais dilatada e intensamente ravinada pela erosão do Águeda e dos seus afluentes.

Uma secção do Vale de Vouga, a jusante de S. Pedro do Sul, na linda região de Lafões, separa o maciço do Caramulo do da Gralheira. E entre o prolongamento deste maciço para oeste e o de Montemuro rasga-se profunda­mente o vale do Paiva, que por brusca inflexão para norte cai normalmente sobre o rio Douro, próximo de Entre-os- -Rios. Neste ponto aflue ao Douro o seu mais importante tributário no território português, o Tâmega, que desce de elevadas montanhas galegas.

A extensa região baixa, ocidental, acima de que se ele­vam estes maciços montanhosos, têm o litoral construído de areias, geralmente onduladas em dunas e recobertas por extensíssimos pinhais; encerra a ria de Aveiro e uma pla­taforma pouco elevada que se estende pelo sopé das mon­tanhas.

A parte meridional desta plataforma recebe o nome de Bairrada. O extremo setentrional da serra do Buçaco ele­va-se sobre a Bairrada e esta região oferece a quem a vê da Cruz Alta deslumbrante e amplo panorama para cuja beleza muito contribuem a massa verde dos seus pinhais e as esmeradas culturas entre as quais sobressai a da vinha.

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c) Orografia das terras ao norte do Douro. — As vicis­situdes de grande complexidade por que passou a região do Mondego, antes que se alcançassem as formas actuais do seu relevo, não tiveram repercussão forte na parte mais próxima do mar e que o Douro atravessa. Com efeito, de Espinho para o norte, o Maciço ibérico vem ao contacto do mar e a linha de costa, até à foz do Minho, contrasta, pela simpli­cidade, com a das rias galegas, tão caprichosamente recor­tadas e é bem diferente da que se desenvolve para o sul.

O grande bloco, predominantemente granítico e arcaico, do norte de Portugal é cortado pelo vale do Douro e este rio dele sai directamente para o mar. Outros vales profun­dos, de traçado geralmente rectilíneo, retalham a parte seten­trional: uns abrem para o mar, outros entram obliquamente no rio Douro. Entre eles alinham-se as serras que divergem dos altos nódulos montanhosos da Galiza.

A orografia é simples: entre ovale do Minho e o do Lima prolonga-se a serra da Peneda. A parte oriental, mais ele­vada, em que a maior altitude é de 1415 metros, é granítica. Os vales conjugados que dão passagem de Arcos de Vale de Vez para Monção separam-na da ocidental, em que pre­dominam micaxistos e gneisses de que irrompem picos gra­níticos também. E assim constituído o monte de Santa Luzia, que se eleva a 552 metros, sobre o mar, junto de Viana do Castelo.

A sudoeste da depressão que, entre Guizo de Lima e Verin, liga na Galiza as bacias elevadas do Lima e do Tâmega, eleva-se acima de 1200 metros a área fronteiriça de Montalegre, sobre a qual se ergue a serra de Larouco, cujo pico mais alto no território português é de 1548 metros. Nesta região elevada nasce o rio Cavado, que, correndo para WSW, entra no mar em Espozende.

O vale do Cavado é flanqueado do norte pela Serra do Gerez, do sul pela Serra das Alturas, uma e outra ramifi­cadas para ocidente: da primeira desliga-se, pela abertura do vale intermédio do rio Homem, a Serra Amarela conti­nuada pela do Oral e que vem morrer junto da costa entre

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o Neiva e o Lima; da segunda, separam-se, divergindo, as serranias de entre o Cavado e o Ave e de entre o Ave e o Tâmega.

Só na zona mais baixa, perto do mar, aparecem as rugas hercinienses, de relevo muito apagado, mas em direcção nor­mal ao anterior. Merecem referência as pequenas serras de S. Félix e de Valongo. A primeira, cortada pelo mar, entre Póvoa do Varzim e Espozende, alinha-se com perigosos escolhos, os Cavalos de Fão, que, emergindo pouco, tor­nam perigosa a navegação costeira. Nas serras de Valongo, com os estratos silúricos, foi enrugado e comprimido um conjunto de estratos carboníferos cujos carvões se exploram nas minas de S. Pedro da Cova. Tectònicamente consi­deram-se estas serras e o seu prolongamento para o sul do Douro como uma anticlinal deitada sobre o flanco ocidental e profundamente desmantelada pela erosão à qual se deve atribuir o vale que contém a povoação do Valongo.

O vale do Tâmega tem grande importância orográfica. Ao sul da serra galega de S. Mamede encontra-se a antiga bacia lacustre de Verin e de Chaves. E um abatimento entre fracturas sobre que se localizaram nascentes termais de remota fama. O Tâmega atravessa-o saindo encostado ao bordo ocidental e corre depois por um vale largo e pro­fundo que delimita o imponente grupo de montanhas das Serras do Alvão e do Marão. Nesta, um cume formado por quartzitos silúricos alcança 1415 metros de altitude. Entre as duas serras dispõe-se o vale do Olo, que corre para o Tâmega.

A noroeste do pico do Marão, a portela de Espinho dá passagem a uma das mais belas estradas de turismo em Portugal, a de Amarante a Vila Real. Descendo para Vila Real, a estrada contorna a bacia elevada da Campeã, que lhe fica pelo norte, e é acompanhada do lado oposto por por- fundíssimo vale, rasgado nas faldas do Marão e que desce para o Corgo.

As Serras do Marão e do Alvão separam-se das outras trasmontanas pelo sistema de fracturas do vale do Corgo,

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que se relacionam pelo norte com as da área abatida de Chaves-Verim, depois de cortar a região das Pedras Salgadas e de Vidago.

Assim se desliga da Serra do Alvão a da Padrela, desen volvendo se também a leste do vale do Corgo a área pla- náltica de Vale-Paços, Murça e Alijó, com declive para sul e para a bacia de Mirandela e assim tributária do Douro e do Tua.

Acima de Mirandela unem-se para formar o Tua os dois rios Tuela e Rabaçal ; e, transposta aquela bacia, o Tua lança-se para o Douro correndo no apertado barranco que separa os planaltos de Alijó e de Carrazeda de Anciães. O Tuela e o Rabaçal descem da Galiza e entre os seus vales, em Portugal, eleva-se ao norte de Vinhais, a Serra da Coroa, afloramento silúrico em que a maior altitude é de 1273 metros.

Do elevado e extenso maciço que se levanta em Espa­nha entre as bacias hidrográficas do Esla e do Sil, desta­ca-se para sul o alinhamento montanhoso que separa os vales do Tuela e do Sabor. Entra em Portugal ao norte de Bragança, com 1416 metros de altitude, no afloramento gra­nítico de Montesinho ; para sul forma a serra da Nogueira, de que se pode considerar um prolongamento a serra de Bornes. Mas entre as duas encontra-se a área, relativamente deprimida, de Macedo de Cavaleiros.

Já nos referimos às alturas de Mogadouro, entre os vales do Sabor e do Douro e que poderão ligar-se com o planalto que se estende para o norte, entre Vimioso e Miranda do Douro.

O vale do Douro na secção fronteiriça é geralmente um profundíssimo barranco, a testemunhar a vigorosa acção erosiva do rio. Antes de encontrar o território português, baixa 100 metros em trinta quilómetros; e ao longo da fron­teira cai, em menos de cincoenta quilómetros, de 5oo metros, em Miranda, a 400 metros, em Sendim. Ao internar-se em Portugal, em Barca d’Alva, o nível médio é de 175 metros, na Régua de 5o e daí para baixo, no troço entalado entre

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os maciços de Montemuro e do Marão, em vinte e cinco qui­lómetros, baixa 25 metros.

Os afluentes portugueses do Douro descem, em geral, abruptamente sobre êle ; e é notável a forma por que o grande rio alcança o mar: corta um canal estreito e pro­fundo através das massas graníticas do Porto e de um e outro lado da foz há terraços costeiros levantados.

A regularidade da costa portuguesa, do Douro ao Minho, apresenta flagrante contraste com o recorte complicado da costa galega. Nesta, os rios indicam progressivo abati­mento, acompanhado pela invasão pelo mar numa área pro­fundamente atacada pela erosão ; na outra, terá havido estabilidade, ou, em curtas secções, progressivo levanta­mento, com a renovação consequente da actividade erosiva dos cursos de água que a sulcam.

Aos vestígios de levantamento de antigas praias na foz do Douro, outros se podem associar, como os das massas graníticas do litoral, a norte e sul da foz do Lima.

Em toda a extensa mole de formações xistosas e graní­ticas que constitui a parte portuguesa do maciço ibérico cor­tada pelo Douro, as características gerais do relêvo fornecem a mais segura indicação do sentido positivo dos movimentos verticais que a afectam. Certos blocos ter-se ão elevado mais: entre os cortes do Tâmega e do Corgo, ergueram se às alturas do Marão fragmentos de estratos silúricos, de que encontramos representação abundante a níveis baixos, nas serras do Valongo.

Depois da entrada do Douro em Portugal constitue o seu vale uma das mais importantes formas de relêvo na parte norte do país. A depressão da Régua, entre Monte­muro e o Marão, separa profundamente os dois maciços e faz pensar na existência de fracturas condicionando para jusante o vale do rio. Mas acima da Régua e até Barca d’Alva poderia imaginar-se uma sinclinal de flancos precâm­bricos e fixar no seu fundo o curso do Douro, desviando o da direcção nordeste sudoeste que trazia desde Miranda. As massas xistosas precâmbricas da sinclinal ficam com-

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primidas entre extensos afloramentos graníticos e dentro delas irá o Douro rasgando o seu leito, em que numerosos rápidos, pontos, constituem sérios riscos para a navegação.

Como o Douro, os seus afluentes e outros rios que ao norte correm directamente para o mar abundantemente ali­mentados no seu regime torrencial, exercem enérgica erosão, dominando o desenvolvimento das formas superficiais tão profundamente esculpidas nesta parte de Portugal.

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CAP. III

As costas de Portugal

Para o estudo das nossas costas encontram-se actual­mente preciosos elementos nas cartas litológicas publicadas pela Missão Hidrográfica da Marinha. Por elas se reconhece que a parte compreendida entre a foz do Minho e Espinho é atacada e destruída pelo mar, aqui em directo contacto com as massas rochosas graníticas e xisto-cristalinas, sendo por elas constituída a baixa plataforma litoral (pág. 8o).

Destes pequenos fundos emergem com frequência penhas­cos, leixões, ou se elevam pequenos baixios, particularmente entre a foz do Lima e a do Cávado. O porto de Leixões, abrigo artificial construído na foz do rio Leça, tem os seus molhes apoiados sobre massas rochosas naquelas condições. Os depósitos costeiros de areias aparecem nas pequenas praias abrigadas em reentrâncias da costa.

Os portos situados na foz dos diversos rios do norte, excepto o do Porto, têm actualmente o seu valor reduzido pela difícil entrada, mesmo a pequenos navios de cabotagem. Contudo a riqueza em pescaria explica que se aproveitem, e bem assim certas praias abertas como Póvoa do Varzim e Espinho, para centros de actividade de uma população de pescadores arrojados e laboriosos.

De Espinho ao Cabo Mondego e da foz do Mondego às Pedras Negras de S. Pedro de Muel, a costa é rectilí­nea, construída pelo mar, como se uma corrente costeira para o sul depositasse as areias nos antigos recuos do litoral.

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O Cabo Mondego, no extremo ocidental do levantamento de tipo monoclinal da serra secundária de Buarcos, serviu de apoio à deposição das areias que rectificaram a parte setentrional desta secção da costa. O afloramento, tam­bém secundário, de S. Pedro de Muel, projectado para oci­dente e cortado em tira estreita pelo mar, constituiu um bloco saliente e rígido, com efeito análogo para a formação arenosa litoral ao sul da foz do Mondego.

As dunas entre Espinho e o Cabo Mondego interrom- pem-se na Barra de Aveiro e por esta abertura, artificial­mente regularizada, vem comunicar com o mar a região de lagoas e canais chamada, em conjunto, a Ria de Aveiro. A semelhança entre ela e um haff báltico tem sido apon­tada por vários autores. Por detraz das acumulações litorais de areias, vasto esteiro tem sido progressiva e irregularmente reduzido por depósitos de aluviões trazidas pelos rios que a ele afluem. Uns, como o Ul, descem directamente do anfi­teatro montanhoso oriental; o Vouga junta aos materiais que transporta da sua extensa bacia interior os que são levados por Caima, pelo Águeda e Alfusqueiro e pelo Cértoma.

A Ria de Aveiro desenvolve-se muito para o norte e para o sul da sua Barra. Esses ramos são separados do mar por estreitas barreiras de dunas.

Dobrado o Cabo Mondego a linha de costa curva-se para formar a baía de Buarcos, ficando depois a descoberto as massas rochosas através das quais abre para o mar o estuário do Mondego.

Para o sul das Pedras Negras, com o alcantilado pito­resco do Penedo da Saudade, a costa elevada prolonga-se até ao promontório da Nazaré, de origem tectónica, e que, na concavidade da costa que protege pelo norte, abriga a a praia e o seu notável porto de pesca.

Em toda a costa ao norte do promontório da Nazaré, em relação com o litoral arenoso, os fundos marinhos, também de areias, baixam suavemente, acompanhando a linha litoral, em paralelismo acentuado, os limites dos 10,

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2o, 3o metros de profundidade. Mas no prolongamento da depressão que o alcantilado da Nazaré domina pelo norte, desenvolveu-se para ocidente uma espécie de canal, fundos marinhos que a partir da costa descem a 100, 200, 500 e 1000 metros, acentuando-se assim o alinhamento tectó- nico a que nos referimos e que merece estudos demorados.

O canal submarino da Nazaré dilata-se muito para oci­dente, curvando-se no contorno de um banco rochoso que se estende ao largo da Península de Peniche e serve de base às ilhotas e escolhos das Berlengas e dos Farilhões. A erosão marinha construiu esse banco, corroendo as serras das Pes­carias e de Bouro, separadas pela entrada do mar na con­cha de S. Martinho. A segunda daquelas serras atinge ao sul a Foz do Arelho pela qual tem saída para o mar a Lagoa de Óbidos.

A Península de Peniche é uma formação de calcáreos liássicos associados com rochas eruptivas, ligada ao conti­nente por rebaixado istmo de areias. A ponta ocidental da Península, em frente de elevados penhascos resistentes à ero­são marinha, é o Cabo Carvoeiro.

Para o sul do istmo de Peniche, até ao Cabo da Roca e mais para o sul até ao Cabo Raso, são terras altas as que enfrentam o mar, excepto em pequenas praias arenosas nal­gumas reentrância da costa ou na foz de ribeiras que descem das massas elevadas da orla mesosoica dentre a bacia do Tejo e o mar.

No Cabo da Roca a serra eruptiva de Sintra é brusca­mente desmantelada pelo mar, mas, no seu avanço para ocidente, o fundo marinho eleva-se e assim a linha batimé- trica de 100m, que a norte e sul, nas alturas da Praia das Maçãs e do Cabo Rsao está a menos de dez quilómetros da costa, afasta-se para mais de trinta ao largo do Cabo da Roca.

Para o sul deste cabo interrompem-se, frente ao mar, os enrugamentos da complicada tectónica das regiões de Lisboa e da Arrábida e a costa transversalmente os corta dando entrada aos estuários do Tejo e do Sado.

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Na descrição do relevo da orla meso e cenozoica ociden­tal (pág. 54) relacionou-se o desta região com o desenvolvi- memento de duas anticlinais postmiocenas, uma ao norte, compreendendo as formações de Lisboa e da Outra Banda, outra ao sul correspondente à Serra da Arrábida. Entre elas ficaria a sinclinal da parte média pela qual teria saída para o mar o estuário interior do Tejo, antes que tivesse abatido entre fracturas o fundo canal que se abre a oeste de Lisboa.

Nos fundos marinhos, ao largo, alongam-se as deforma­ções, cuja progressivo ajustamento se manifesta pela alta sismicidade desta região submarina.

A anticlinal da Arrábida, interrompida bruscamente em frente do Cabo Espichei, tem o flanco sul desmoronado por falhas em cujo prolongamento oriental se encontra o estuário do Sado. Fecha-o do lado do mar a Península de Troia, e a costa desenvolve-se em curva ampla e regular como se o Cabo do Sines oferecesse apoio à deposição das areias que a formam.

Bem diferente é a costa entre o Cabo do Sines e o do S. Vicente, de novo esculpida pela erosão marinha sobre as formações paleozoicas, a apresentar geralmente a aspecto de alcantilado irregular, interrompido de onde a onde por pequenas praias e orlado por escolhos que atestam a sua origem. Alguns restos das massas arruinadas formam pequenas ilhas, como a do Pecegueiro, uns doze quiló­metros ao norte da única interrupção importante em toda esta longa costa, formando-se em Vila Nova de Milfontes um estreito golfo a que aflui o rio Mira.

O extremo sudoeste da Europa é formado pela pequena península algarvia que termina no Cabo de S. Vicente e na Ponta de Sagres entre os quais fica a pitoresca baía do Beliche.

A oriente da Ponta de Sagres até à Ponta de Atalaia abri­ga-se um pequeno porto, que, com a explêndida baía de Lagos, uns vinte quilómetros para oriente, têm na história dos descobrimentos o mais assinalado lugar.

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O litoral meridional do Algarve divide-se em duas secções muito diferentes. A ocidental, de barlavento, que corre da Ponte de Sagres até à Quarteira, a leste de Albufeira; e a oriental, de sotavento, que se extende dali à foz do Guadiana. A primeira, alta e recortada, dispõe-se em ampla curva côn­cava para sul; a segunda, sem recortes, baixa e arenosa, desenvolve-se em arco convexo para o sul e cujo ponto meridional forma o Cabo de Santa Maria. E o extremo sul de Portugal, nos 36° 57' 36" de latitude N.

A costa de barlavento é alcantilada, com aspecto pito­resco de ruína causada pelas ondas batendo massas de cal­cáreos cortados por diaclases e falhas e tendo intercalados leitos tenros de arenitos ou argilas. Litoral de uma região que lentamente abate, apresenta numerosas saliências e reen­trâncias e uma larga baía, a de Lagos, abrigada do oeste pela extensa ponta da Piedade. As curvas batimétricas cingem a linha do litoral com perfeito paralelismo, reproduzindo as suas irregularidades.

A costa de sotavento apresenta a simplicidade relacionada com a deposição de areias sobre uma plataforma litoral que progressivamente vai emergindo. Além das numerosas ilhas formadas em frente de Faro, desenvolve-se longo cordão lito­ral, interrompido de onde a onde, na Barra Nova de Faro, na de Olhão, na da Fuseta, na de Tavira e que atinge a barra do Guadiana.

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A parte portuguesa do Maciço Galaico Duriense, grande bloco, predominantemente granítico e arcaico, é cortada pelo vale do Douro: outros vales profundos retalham a parte setentrional e abrem para o mar ou se conjugam obliquamente com o vale daquele rio (pág. 75 e seguintes).

A orografia é simples. Entre o vale do Minho e o do Lima prolon­ga-se a serra de Peneda; a sudoeste da depressão galega que liga as bacias do Lima e do Tâmega, eleva-se a área de Montalegre, com a Serra do Larouco.

O vale do Tâmega tem grande importância orográfica (pág. 78). Atravessa o abatimento entre fracturas, antiga bacia lacustre de Verim e de Chaves, mas abandona-o a sul de Chaves e vai delimitar o grupo de montanhas do Alvão e do Marão. Estas serras separam-se das outras transmontanas por sistemas de fracturas que descendo do norte atingem, pelo vale do Corgo, o vale do Douro, na Régua (pág. 79).

Do elevado e extenso maciço que se ergue na Galisa, entre as bacias dos rios Esla e Sil, destaca-se para o sul o alinhamento montanhoso que em Portugal separa os vales do Tuela e do Sabor (pág. 79).

O vale do Douro na região fronteiriça é um profundíssimo bar­ranco a testemunhar a vigorosa acção erosiva do rio.

FOLHA I

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O Douro, ao internar-se em Portugal, tem o nível médio de 175 metros, desce a 5o metros na Régua e no troço entalado entre os maciços de Montemuro e do Marão, em vinte e cinco quilómetros, baixa 25 metros. Os seus afluentes descem em geral abruptamente sobre ele; e o grande rio alcança o mar por um canal estreito e profundo, através das massas graníticas do Porto (pág. 80).

O vale do Douro, abaixo de Barca de Alva, parece uma inclinai de flancos precâmbricos, em que as massas xistosas ficaram comprimidas entre poderosas moles graníticas.

O maciço galaico-duriense divide-se em blocos em geral afectados, na parte portuguesa, por movimentos de elevação, de amplitude diversa. Entre os cortes do Tâmega e do Corgo ergueram-se nas alturas do Marão fragmentos de estratos silúricos de que encontramos representação, a níveis baixos, nas serras de Valongo (pág. 80).

A leste da linha de depressões Régua-Verin alarga-se a área planál­tica de Vale Passos, Murça e Alijó (pág. 79).

A oeste das Serras do Mogadouro, na junção do Douro com o Sabor e o Coa encontra-se o mais claro exemplo de fracturas com desligamento lateral. Entre fracturas, de direcção norte sul, longa depressão contém o último troço do vale de Coa, outro do Douro e ainda outro do Sabor e, continuando para norte, forma a Veiga da Vilariça (pág. 75).

No alto Douro domina o clima característico, de que um dos factores será a intensidade e qualidade das radiações solares o que impõe estudos actinométricos rigorosos. Bem os merece a mais pre­ciosa região vinícola portuguesa.

FOLHA II

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FOLHA III

Na parte central, o Planalto da Beira Alta individualiza-se como vasto trapézio tabular, entalado entre a Cordilheira da Estrela e a Serra do Caramulo associada à Serra de S. Macário e ao extremo oriental de Montemuro (págs. 71 e 74).

Vales profundos ou bacias lacustres dissecadas acompanham estes alinhamentos montanhosos.

O lado nordeste do trapézio, a partir da Portela de Bigorne, é formado pelas Serras de Leomil, da Senhora da Lapa e do Pisco. O lado sudoeste, o menor, é constituído pelos enrugamentos silúricos do Buçaco e seu prolongamento até aos Penedos de Gois, dentro da Cordilheira da Estrela.

Nesta folha tem particular realce a Cordilheira da Estrela, de que se dá notícia desenvolvida nas páginas 63 a 70, do texto. E tam­bém muito interessante o maciço do Caramulo, com a parte mais elevada constituída por dilatado afloramento granítico, cujas formas, pela sua aspereza, tão vincadamente contrastam com as lombas arre­dondadas das formações xistosas.

A região ocidental, sobre que é sobranceiro este maciço, encerra a Ria de Aveiro e prolonga-se pela Bairrada e pelo planalto que se estende ao norte dos campos do Mondego (pág. 52).

Merece especial atenção o predomínio da orientação NNE.-SSW. nas formas de relevo da parte oriental do maciço da Estrela. É a direc- ção do vale superior do Zêzere e de tantos alinhamentos montanhosos e vales secundários, como as alturas que se erguem sobre a Cova da Beira e região de Belmonte.

Para. o norte, fora da Estrela, também a apresentam os acidentes de relevo que ultrapassam o vale do Mondego, nas regiões de Celorico da Beira e Trancoso.

Nesta secção oriental do maciço da Estrela ficou aprisionada dentro das massas graníticas a área xistosa precâmbrica de Manteigas e a bacia

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superior do Mondego. A formação precâmbrica apresenta profundas alterações metamórficas, em relação com a invasão eruptiva.

Destes efeitos de metamorfismo de contacto apresenta a grande mancha precâmbrica das Beiras numerosos exemplos. A sua tectónica, com acidentes de pequena envergadura, anticlimais e sinclinais repe­tindo-se com grande frequência, uma microtectónica, como às vezes se diz, corresponde ao enrugamento de camadas de um tecido late­ralmente comprimido entre blocos rígidos, neste caso as intrusões das massas graníticas.

Nesta secção do relevo também fixa a nossa atenção o Cabo Mon­dego, no extremo da Serra de Buarcos (pág. 49).

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FOLHA IV

Em primeiro lugar chamamos a atenção para a zona de transição entre a Meseta e a Orla Mesozóica. O limite da Meseta é formado na região de Coimbra e para o sul até além de Miranda do Corvo por uma faixa estreita de terrenos arcaicos. Da mesma maneira se apre­senta desde o topo ocidental da Serra da Louzã até Tomar.

A Orla Mesozóica é, nesta zona de contacto com a Meseta, for­mada por longos afloramentos, desenvolvidos de norte para sul, pri­meiro de terrenos triássicos, depois dos liássicos e a seguir do jurássico médio.

Predominam aqui alinhamentos montanhosos de pequena altitude em relação com rugas e falhas na direcção norte-sul (pág. 52 e segs). Há brusca mudança na orientação do relevo ao passar-se da Meseta para a Orla Mesozóica.

Depois note-se o corte da sub-Meseta setentrional, marcado pelo vale do Tejo a montante da Barquinha (pág 54).

Os acidentes evocados a propósito da separação das duas secções da Meseta abrangeriam também a Orla Mesozóica entre Torres Novas e o promontório da Nazaré, em relação com as falhas que atravessam o maciço do Porto de Mós e a serra da Mendiga (pág. 54).

Na parte oriental da falha elevam-se as serras da região de Porta­legre, com os seus afloramentos silúricos na mesma orientação dos da Beira Baixa (pág. 20), restos de antigos enrugamentos que a erosão em parte desmantelou.

Na Orla Mesozóica ocidental, à bacia de Vila Nova de Ourém, o abatimento circular de Vila Nova de Ourém, de Choffat, sucede, para o sul, o planalto de Porto de Mós, retalhado por falhas e por falhas separado do enrugamento da serra dos Candieiros.

No extremo sul, a serra de Montejunto, separada da anterior pela região baixa entre Rio Maior e Caldas da Rainha.

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Chamamos a atenção para o planalto de Molianos, a acompanhar por oeste a serra dos Candieiros. Do lado oposto tem esta serra o pro­fundo vale das Alcobertas em parte obstruído por massas basálticas.

Do lado do mar, a região abatida entre sistemas de falhas e para o interior das serranias costeiras das Pescarias e do Bouro. Dentro do abatimento, a concha de S. Martinho e a lagoa de Óbidos.

Para o norte de S. Martinho os cabeços eruptivos de Famalicão e mais para o norte o morro de S. Bartolomeu, emergindo das areias cobertas de pinheiros, a oeste de Valado dos Frades.

O promontório da Nazaré é sobranceiro ao vale submarino que contorna o banco em que assentam as Berlengas e sobre que se eleva a Península de Peniche.

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FOLHA V

Nesta folha chama primeiro a atenção a variedade de aspectos da nossa costa, ao norte do Gabo da Roca, da Foz do Tejo ao Cabo Espichei, e a queda abrupta para o mar na Serra da Arrábida, abrigando o portinho de pesca de Cezimbra. A seguir à foz do Sado os areais de Troia, no começo da curva tão regular que se prolonga até ao Cabo de Sines, onde avança para o mar uma curiosa formação eruptiva.

Oferecem certa simetria os estuários do Tejo e do Sado, em rela­ção com vastas planícies desenvolvidas pela deposição das aluviões transportadas por aqueles rios e seus afluentes e que são separadas por extensa área de cotas inferiores a 25 metros.

A secção da Orla Mesozoica, entre o Tejo e o mar, apresenta o seu complicado relevo produzido pela erosão a trabalhar sobre for­mações geológicas diversas, enrugadas e cortadas de falhas, através das quais romperam massas vulcânicas, que se elevaram, como na Serra de Monsanto, ou se expandiram em mantos de onde a onde recobertos por formações geológicas posteriores (pág. 51).

A Serra de Sintra destaca-se a ocidente como imponente erupção de rochas granitoides, através das massas sedimentares secundárias e a exibir as características formas cuja aspereza contrasta com o ado­

çado dos contornos na área que a rodeia (pág. 49).No Cabo do Espichei termina a Serra da Arrábida, conjunto de

sinclinais e anticlinais, cortado ao sul por falhas e com profunda imersão do bloco meridional (pág. 55).

Em baixo a fototipia abrange parte da bacia do Sado e o bordo ocidental do Maciço Ibérico, em que as serras de Grândola e do Cercal têm as maiores altitudes do lado do mar (pág. 6o).

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FOLHA VI

Está aqui representado o Alto Alentejo pelas terras elevadas do nordeste, com as regiões de Portalegre, Eivas e Estremoz, e em que a orientação geral do relevo è NW-SE, mesmo no desenvolvimento das mais apagadas linhas.

Para noroeste tudo se vai escondendo sob os terrenos terciários

da bacia do Tejo.Na parte central individualiza-se o planalto de Évora, em que as

largas o dulações da superfície correspondem às bacias do Degebe, tribu­tário do Guadiana, e do Xarrama e Ribeira de Alcaçovas correndo para o Sado. Pelo norte o contorno eleva-se, culminando a sul de Monte- mor o Novo, nas serranias de Monfurado. A nordeste elevam-se as rugas da serra da Ossa.

Pelo sul as terras altas de Portei e Viana são sobranceiras à grande planície de Beja, como se extensas falhas corressem de ocidente para oriente, desviando o curso do Guadiana, a oeste de íMoura, e prolon­gando-se pelo vale da Ribeira de Ardila, na direcção de Barrancos.

Ao sul dessa linha estende-se o Baixo Alentejo, peneplano em que de onde a onde se observam testemunhas da antiga orografia, como a pitoresca Serra do Ficalho.

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FOLHA VII

Ao norte, esta folha compreende larga área do Baixo Alentejo, com centro em Almodóvar, e o montanhoso Algarve setentrional, A oeste a bacia do Rio Mira; a leste,, na dilatada vertente norte do maciço do Caldeirão, estendem-se as ribeiras de Cobres, de Oeiras, de Vascão (págs. 58-59-6o).

Destacam-se as duas partes do Algarve setentrional, a oriente o maciço do Caldeirão a ocidente a Serra de Monchique, com o seu núcleo eruptivo, a surgir dentro dos complicados enrugamentos do culm. A Serra de Monchique prolonga-se para sudoeste, pelo Espinhaço de Cão, até ir morrer no Cabo de S. Vicente.

Também se divide em duas partes o Algarve meridional, orla meso e cenozoica meridional do país (pag. 55). Corta-o o sistema dominante de linhas de relevo na direcção NW-SE e que, na sua parte mais pró­xima do mar, é tão impressivamente representado pelo vale da ribeira que desce de Paderne e tem a sua foz num ponto a oeste de Quarteira, e carateriza-o também o conjunto de serras e vales na acidentação das massas geológicas secundárias e na direção E. W.

Para ocidente daquele ponto a costa ergue-se em pitorescos alcan­tilados, mordidos pela erosão marinha; para oriente, o litoral, baixo e arenoso, dilata-se para o sul na complexa formação de ilhas e canais, em frente de Faro e de Olhão (pág. 56).

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