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CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE CIÊNCIAS À EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS CONTRIBUTIONS OF TEACHING SCIENCE EDUCATION ETHNIC- RACIAL RELATIONS Maria da Conceição Costa Melo<[email protected]> Universidade Federal de Pernambuco Resumo: Este trabalho discute contribuições do Ensino de Ciências para o cumprimento da Lei 10.639/2003, pela qual o Ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira éobrigatório no país e,dasDiretrizesCurriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais, conforme Parecer CP 03/2004.Nessa perspectiva foi realizada uma oficina, no Curso de Pedagogia, na disciplina dePesquisa de Prática Pedagógica V e Seminários,numa Universidade Pública, no Estado de Pernambuco,focada na construção das ideaiscientíficas segundo ocontexto sócio-cultural-econômico e histórico, no qual são construídas. Com base no corpus do discurso escrito,pelos futuros docentes a partir da resolução de uma situação- problema, foram constituídas duas categorias de análise: determinismo biológico e determinismo cultural. A análise aponta o Ensino de Ciência como uma prática extremamente promotora da igualdade dos sujeitos, independentemente do seu pertencimento étnico-racial. Abordagem da Ciência como uma atividade humana, sócio histórica e cultural, utilizada para interpretar a realidade, mas que não é a realidade, por meio de uma linguagem, nomeada científica, que tem se modificado ao longo de sua história, nas aulas de Ciências favorece a (des)construção de ideias arraigadas no imaginário da sociedade brasileira, podendo contribuir dessa maneira para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Palavras-chave:Formação inicial, História das Ciências, Educaçãodas Relações Étnico- Racial. Abstract:This paper discusses contributions of Science Teaching for the fulfillment of the Law 10.639/2003, in which the teaching of African history and African- Brazilian culture is mandatory in the country and the Curriculum Guidelines for the Education of Racial-Ethnic Relations, as opinion CP 03 /2004. In this perspective a workshop was held in the School of 5362

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CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE CIÊNCIAS À EDUCAÇÃO DAS

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

CONTRIBUTIONS OF TEACHING SCIENCE EDUCATION ETHNIC-

RACIAL RELATIONS

Maria da Conceição Costa Melo<[email protected]>

Universidade Federal de Pernambuco

Resumo: Este trabalho discute contribuições do Ensino de Ciências para o cumprimento da

Lei 10.639/2003, pela qual o Ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira

éobrigatório no país e,dasDiretrizesCurriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais,

conforme Parecer CP 03/2004.Nessa perspectiva foi realizada uma oficina, no Curso de

Pedagogia, na disciplina dePesquisa de Prática Pedagógica V e Seminários,numa

Universidade Pública, no Estado de Pernambuco,focada na construção das ideaiscientíficas

segundo ocontexto sócio-cultural-econômico e histórico, no qual são construídas. Com base

no corpus do discurso escrito,pelos futuros docentes a partir da resolução de uma situação-

problema, foram constituídas duas categorias de análise: determinismo biológico e

determinismo cultural. A análise aponta o Ensino de Ciência como uma prática extremamente

promotora da igualdade dos sujeitos, independentemente do seu pertencimento étnico-racial.

Abordagem da Ciência como uma atividade humana, sócio histórica e cultural, utilizada para

interpretar a realidade, mas que não é a realidade, por meio de uma linguagem, nomeada

científica, que tem se modificado ao longo de sua história, nas aulas de Ciências favorece a

(des)construção de ideias arraigadas no imaginário da sociedade brasileira, podendo contribuir

dessa maneira para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Palavras-chave:Formação inicial, História das Ciências, Educaçãodas Relações Étnico-

Racial.

Abstract:This paper discusses contributions of Science Teaching for the fulfillment of the

Law 10.639/2003, in which the teaching of African history and African- Brazilian culture is

mandatory in the country and the Curriculum Guidelines for the Education of Racial-Ethnic

Relations, as opinion CP 03 /2004. In this perspective a workshop was held in the School of

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Education, discipline Research and Teaching Practice Seminar V, a public university in the

state of Pernambuco, focused on the construction of scientific ideals according to the socio -

cultural -economic and historical context in which they are built. Based on the corpus of

written discourse, the future teachers from the resolution of a problem situation, were

established two categories of analysis: biological determinism and cultural determinism. The

analysis indicates the Teaching of Science as an extremely practical promoting equality of

individuals, regardless of their ethnic and racial belonging. Approach to science as a human

activity, historical and cultural partner, used to interpret reality, but that is not reality through

language, named Science, which has been modified throughout its history, in science classes

favors the (de) construction of ideas rooted in the imagination of Brazilian society,

contributing in this way for the Education of Racial-Ethnic Relations.

Keywords: Initial training, History of Science, Education Ethnic and Racial Relations.

INTRODUÇÃO

Sinais de hostilização ao povo negro têm sido frequentes no mundo e noBrasil, a utilização do

estereótipo ao homem e a mulher negra tem origem desde o período colonial, passado mais de

quatrocentos anos mantem-se presente nos dias atuais, atuando como uma forma de controle

sobre esta população. Diferentes espaços e meios de comunicação têm reforçado os

estereótipos negativos relacionados com o povo negro fortalecendo a visão etnocêntrica,

impregnada no imaginário da sociedade brasileira, a partir depadrões culturais, por meio dos

quais expressam os comportamentos e as formas de ser a realidade dos outros povos,

desqualificando-o e suas práticas.

Estas ideias racistas que permeiam a sociedade atual, inclusive o ambiente escolar, estão

enfronhadas no modo das pessoas entenderem e agirem diante do mundo, transmitindo a

impressão de que se trata de ideias sem um marco histórico, com um início, produtos de uma

criação humana. Porém, desde o ano de 2003, o Ministério da Educação tem sugerido às

Secretárias Estaduais e Municipais e o Ensino Superior, em particular os Cursos de Pedagogia

e de Licenciatura a realização de políticas e práticas voltadas para a formação de professores e

professoras para aEducação das Relações Étnico-Raciais.

Nessa perspectiva, foi realizado uma oficina, intitulada “O ensino de ciênciasnuma

perspectiva dedesconstrução de estereótipos e preconceito ao povo negro” na disciplina

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dePesquisa de Prática Pedagógica V e Seminários, no Curso de Pedagogia da Universidade

Federal de Pernambuco, cuja ação docente foi mediada pela utilização da História das

Ciências objetivando a desconstrução de ideias etnocêntricas. A partir deste ponto de

interação entre prática e ação são levantadas contribuições que o Ensino de Ciências pode

promover para a promoção de práticas de ações afirmativas voltadas à população negra,

apresentadas neste trabalho.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

A Lei nº 10.639/2003, que introduziu na Lei n 9.394/1996 – das Diretrizese Basesda

EducaçãoNacional- a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana refleterecomendaçõesacordadas pelo Brasil na III Conferência Mundial contra o

Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância, em

Durban, África do Sul, em 2001. As DiretrizesCurriculares Nacionais contidas nos termos do

Parecer CNE/CP nº 3/2004 (BRASIL, 2004a)e da Resolução CNE/CPI2004 (BRASIL,

2004b) estabelecem a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Trata-se de uma temática que merece maior atenção no âmbito do espaço escolar e no Ensino

Superior, pois o número de pesquisa sobre esta questão ainda encontra-se muito incipiente no

mundo acadêmico, mesmo o cenário atual cobrando daEducação o cumprimento doseu

compromisso social: a formação de cidadãs e cidadãos há um descompasso entre ela e as

novas exigências exigidas pela sociedade brasileira.

Na sociedade contemporânea, no âmbito das relações dos grupos sociais, há uma

supervalorização do que Henry Gireux (1996, apud SILVA, 2007, p. 07) chama branquitude

normativa, ou seja, a valorização de traços do branco europeu como a norma social e natural

dos seres humanos. Para Silva (2007, p. 06)

Ahipervalorizarão da aparência nórdica e concomitante desvalorização das características fenotípicas relacionadas a indígenas e negros/as atuam como discursos que hierarquiza os grupos raciais, ou seja, posições de poder simbólicos e econômicos para brancos e subalternidades para indígenas e negos/as.

Sendo assim, o discurso do professor/a se converte em objeto de estudo no meio acadêmico

por se ter evidências que o discurso educacional é um dos que mais influencia a sociedade,

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perdendo apenas para o midiático (DIJK, 2010, p. 72). Neste sentido, identificar o(s)

discurso(s) presente(s) nas escolas é fundamental para a desconstrução de práticas racistas,

visto que os sistemas educacionais é um meio pelo qual se pode perpetuar ou mudar a

apropriação dos discursos. Segundo Foucault (2010):

Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, um instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.

De acordo com Dijk (2010)as representações mentais socialmente compartilhadas,são

expressas, formuladas, defendidas e legitimadas por intermédio da escrita e da fala, ou seja,

por intermédio do discurso. Essas representações se nutrem de maneira sutil e silenciosa por

meios diversos na sociedade, em particular na escola. Pesquisas têm revelado que o livro

didático em vários países ocidentais continua reproduzindo estereótipos sobre a etnia negra,

valorizando de forma intensa as atividades e produtos culturais do mundo eurocêntrico

(BLONDIN, 1990; KLEIN, 1985; PREISWERK, 1980; VAN DIJK, 1993, apud VAN DIJK,

2010).

O conceito de etnia para caracterizar os grupos humanos com base em fatores culturais, como

a nacionalidade, a religião, a língua, as tradições e afiliação tribal a qual pertence é mais

adequado que o conceito de “raça”.Segundo Munanga e Gomes (2006, p. 176 e 177), “o

conceito de etnia é mais adequado porque não emprega o sentido biológico, atribuído à raça, o

que colabora para superação da ideia de que a humanidade se divide em raças superiores e

raças inferiores”.

2.2 O DISCURSO E O ENSINO DE CIÊNCIAS

O discurso na perspectiva de fenômeno constitutivo da sociedade fundamenta a Análise de

Discurso Crítica (ADC). Para esse aporte teórico-metodológico é importante considerar a

análise linguística como método de estudo da mudança social (FAIRCLOUGH, 1989, 2001,

2003), destacando a linguagem como prática social, ou seja, como processo de construção da

realidade na interação sociocomunicativa, no qual estruturas linguísticas atuam como modo

de ação sobre o mundo e sobre as pessoas.

Esse modelo proposto por Fairclough (2001a) que tomou como base Foucault (1997, 2003),

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Bakhtin (1997 e 2003), entre outros, aponta o meio social como um universo organizador da

atividade linguística, a qual funciona como modo de interação e produção social.

Considerando o discurso como prática social, Fairclough (2001a) propôs um modelo

tridimensional de Análise de Discurso, integrando as práticas discursivas às sociais. Esse

modelo tridimensional aponta uma relação entre texto (discurso) e prática social mediada pela

prática discursiva, que concentra processos sociocognitivos de produção, distribuição e

consumo do texto, além “de processos sociais relacionados à ambientes econômicos, políticos

e instituições particulares” (RESENDE, 2011, p. 28).

Entende-se dessa maneira que a ACD estuda as práticas discursivas mediadoras entre texto e

prática social, apontando sua significação e como ela pode promover a mudança social ou ser

utilizada como um instrumento de poder, “por parte de quem, em que instância social e em

que período histórico” (MELO, 2009). Assim, é possível apontar o modo como o abuso do

poder, a dominação e a desigualdade são representados, reproduzidos e combatidos por textos

orais e escritos no contexto social e político.

Por esta razão, o que se constata é que “a maioria da população é incapaz de aceder aos

conhecimentos científicos, que exigem um alto nível cognitivo” (GIL-PEREZ & VILCHES,

2001-2004, apud CACHAPUZ, 2005, p.29), o que dificulta o entendimento das relações entre

ciência e sociedade, impedindo esses indivíduos de tomarem decisões em defesa de uma

melhoria na qualidade de vida e na defesa de valores que construa uma sociedade mais justa e

igualitária. Isso comprova que a “educação é uma maneira política de manter ou de modificar

a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”

(FOUCAULT, 2010), seja dando acesso aos discursos privilegiados ou omitindo-os.

Para que educação possibilite o acesso ao discurso científico é necessário que o educador

reveja sua prática pedagógica. Pois o que se percebe é que o discurso circulante nas aulas de

ciências está mais relacionado ao tempo de escolarização e de formação dos educadores do

que com os decorrentes das pesquisas na área de Ciências Naturais e na área de Didática das

Ciências, produzidas durante o início do século XXI (HEWSON e HEWSON, 1987;

TRIVELATO, 1993; ADAMS e KROCKOVER, 1997; BEACH e PERSON, 1998 e

HEWSON et al, 1999 apud CARVALHO, 2004).

Os estudos em análise crítica do discurso vêm mostrando que a relação entre discurso e a

sociedade tem uma função relevante na forma como cada grupo social se organiza. Por esse

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motivo Fairclough (2001) afirma que a natureza do discurso é dialética, tanto constituem

quanto refletem a realidade social. Sendo assim, pode-se afirmar que uma sociedade é produto

das práticas discursivas que nela circula e ao mesmo tempo ela é produtora dessas práticas. Se

os estudos apontam que a maioria da população é incapaz de ascender ao discurso científico é

porque precisa haver uma dialética de outra ordem que não a da relação entre a ciência,

sociedade e educação.

Percebe-se então a importância dalinguagem científica se fazer presente em sala de aula seja

compreendida como uma prática social, historicamente construída por homens e mulheres,

passível de mudanças, de controle dos limites e finalidades do conhecimentocientífico, ou

seja, ela não se constrói de forma neutra, visto que se encontra atrelada aodiscurso

estruturador da sociedade vigente (CARVALHO, 2004).

METOLODOLOGIA

A pesquisafoi do tipo qualitativa (estudo de caso), pois oferece meios de descrever os dados

que configuram um processo de ensino-aprendizagem, mas não pretende generalizar,

contando com a participação de trinta e quatro (34) estudantes.

CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS SOCIAIS:

Educandos e educandasdo Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, que

fazem a disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica V,comcarga horária de cento e cinquenta

(150) horas aulas, sendo sessenta horas (60) horasdestinadaa formação docente

nauniversidade e noventas (90) horasdedicadas aoestágio no espaço escolar.

CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA

Trata-se de uma disciplina ministrada de forma interdisciplinar por três educadoras deárea

específicas (Matemática, Geografias e Ciência), cujas intervenções pedagógicas são

planejadas e vivenciadas de maneira compartilhada. Durante a formação docente acontecem

oficinas, momento que cada professora possui para intervir de forma mais específica em sua

área. Nesses momentos amplia-se a discussão no sentido de aprofundar a reflexão sobre o

Ensino de Ciências, a partir de questões levantadas por parte de pesquisadores nesta área,

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cujas respostas se mantêm abertas, e carecem ser colocadas, pois se trata de uma estratégia

que permite refletir sobre compromisso científico e social desta prática na escola.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para analisar a compreensão de professores e professoras sobre a noção de “raça”, foi

realizada uma oficina para fomentar a Educação das Relações Étnico-Raciais no Ensino de

Ciências:

Contextualização do contexto social e educacional;

Aplicação de uma situação-problema;

Desenvolvimento de uma ação docente quanto à importância da História das Ciências

para (des) construção deestereótipos e preconceito ao povo negro

Por fim,o corpus que caracteriza o discurso utilizado para abordar o conceito de “raça” nas

aulas de ciências, apresentado na dimensão de Resultados e Discussão possa se constituir

como elementos de contribuiçãopara a desconstrução da visão etnocêntrica presente no

imaginário social das pessoas, inclusive entre os futuros professores e professoras.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A oficina, da qual este trabalho discute contribuições do Ensino de Ciências para a

desconstrução de estereótipos e preconceitos ao povo negro, ocorreu durante o mês de abril do

ano em curso, intitulada “O ensino de ensino de ciênciasnuma perspectiva dedesconstrução de

estereótipos e preconceito ao povo negro”. Iniciou-se problematizando o que ensinarnas aulas

de ciências, pois a escolha datemáticaprecisa proporcionar o entendimento de algo do mundo

visto que os conteúdos escolares necessitam ser socialmente contextualizado.

Estratégias deste tipo possibilita a compreensão da relevância da abordagem da temática.

Nesta oficina, aapresentaçãoLeinº 11.645, de 11de março de 2008, quealterou a Lei nº 9.394,

de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,

estabelecendo a obrigatoriedade no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da

temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” e a distribuição do mapa da

violência no Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPE), divulgada em 2013, na qual aponta os dez estados mais violentos para

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pessoas negras e homossexuais, serviram como instrumentos que fundamenta a importânciade

se trabalhar nas aulas de Ciências questões relacionadas a temática.

Assim, o Ensino de História de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas, da constatação

da discriminação por cor, gênero e orientação sexual no Brasil,emboraestas temáticas

sejamtrabalhadas pedagogicamente pelas Áreas de Ciências Sociais, o Ensino de Ciências tem

muito a contribuir, a própria Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-

Raciais, instituída pela resolução CNE/CP 3/2004, sinaliza essa contribuição.

Para isso, um dos caminhos a perseguir é o desenvolvimento de abordagem investigativa,

recorrendo a História da Ciência entendida por Chassot (2011) como prática de ação

fomentadora da criticidade. No entanto, o uso desta se torna bastante potencializadora quando

se problematiza para o que ensinar de Ciências e como ensinar Ciências a partir de uma

resolução-problema. Compreendendo a ação docente nesta perspectiva a coleta docorpus de

análise foi obtida com base numa situação deste tipo.

Situação-Problema

ALei nº 10.639/2003 instituindo a obrigatoriedade do Ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira possibilitou o Conselho Nacional de Educação a aprovar o parecer que propõe as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais, em 2004. As “Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais”, contendo sugestões de ações pedagógicaspara o Ensino Superior e Educação Básica e destacando que os conteúdos da área de ciências poderão ser fortes aliadosao combate de posturas etnocêntricas, foi publicado em 2010. Nesse caso,comovocê pode abordar o conteúdo “raça” nas aulas de Ciências numa perspectiva de desconstruirestereótipos e preconceitoatribuídos ao povo negro?

Quadro01– Situação-problema proposta à resolução

Omodelo de organização do ensino a partir da noção de situação-problema coloca os

educandos frente a uma tarefa, que seja capaz de mobilizá-los, permitindo que eles realizem

aprendizagens precisas, recorrendo ao seu sistema cognitivo Essa forma de organizar permite

que os interesses dos alunos sejam mobilizados, pois (MEIRIEU, op. cit, p.168):

Os discentes são colocados em situação de construção de conhecimentos;

A estrutura da tarefa permite que todos participem efetuando as operações mentais

solicitadas;

O raciocínio de cada aluno é considerado;

Os resultados obtidos são identificados em termos de aquisição pessoal; 5369

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Ocorre um trabalho metacognitivo.

Para que os educandos realizem um trabalho metacognitivo é necessário envolvê-los/as num

processo de reflexão e construção sucessivas, nos quais sejam capazes de interpretarem e

reinterpretarem mentalmente uma situação, recorrendo a aspectos conceituais apreendidos,

enquanto experimentaram situações semelhantes, com as quais se encontram. Para isso, o

ensino precisa conduzi-los à identificação de como suas construções pessoais se sucedem no

campo cognitivo, num determinado momento (COLL et al, 2000).

Essa estratégia de ensino, situação-problema, proposta por Meirieu (1998), corresponde a

momentos de construção de conhecimentos, à medida que educandos, estejam no processo

deescolarização ou deformação, efetuam operações mentais, elaborando hipóteses

e/ouatitudes, para resolver a situação.

Assim, com base nas hipóteses expressam no discurso dos futuros docentes foram elaboradas

duas categorias deanálise, nomeadas de Determinismo Biológico e Cultural, agregadas por

semelhanças quanto às possíveis formas de prever o evento, a partir de suas visões, dispostas

no gráfico 01 a seguir:

Gráfico 01 – Visão predominante dos/aseducandos/as

No entanto, dos 50% das hipóteses que constitui a categoria de análise Determinismo

Biológico 41% estão comprometidas com o sentido de “raça” na perspectiva biologizante, ou

seja, a noção de “raça” está associada às características físicas e biológicas, no campo do

50%50%

Como você pode abordar o conteúdo “raça” nas aulas de Ciências numa perspectiva de desconstruir estereótipos e preconceito atribuídos ao povo

negro?

Determinismo Biológico Determinismo Cultural

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pensamento do racismo científico que preponderou entre o século XVIII estendendo-se até a

metade do século XX, uma visão amplamente eurocêntrica.

Apenas 09% destas revelamter entendimento das s transformações sofridas no mundo das

Ciências na segunda metade do século XX e início do século XI. Estes compartilhadas de

ideias semelhantes as que foram incluídas na categoria de análise Determinismo Cultural.

De um modo geral, 59% das hipóteses estão muito próximasdas circulantes entre as Ciências

Sociais/ Humanas e as Biológicas/Biomédicas sobre acondição humana, suas delimitações e

determinações biológicas e culturais. Todavia, 41% destas apontam para uma visão na qual os

conhecimentos científicos representam verdades imutáveis, não se modificando ao longo da

história das Ciências. Sabe-se, portanto que visões deste tipo comprometem tanto a forma de

representar o mundo quanto de agir no e sobre o mundo,pois o desconhecimento deque as

teorias científicas se modificam, em geral pelo acúmulo de evidências avessas

promovemrupturas,além disso, osacontecimentos não ocorrem de forma linear, mas

modificaçõessucessivas.

Outro aspecto importante no discurso do corpus analisado foram os conteúdos escolares

apontados como suporte para a abordagem do conceito de “raça”, sendo essesemsua maioria

das áreas de Ciências Biológicas. Porém, ao tentar explicá-losesses eram comprometidos

pelavisão de conhecimento etnocêntrica, presente também no mundo da ciência. Estas ainda

apresentavam sinais do conhecimento científico produzido durante a revolução francesa,

industrial e o descobrimento dos povos. Período histórico, no qualmuitos conceitos das

Ciências Naturais foram transpostos para Ciências Sociais,sendo usados por ambas para

explicar a sociedade humana. Assim, o saber científico articulado ao fazer pedagógico

permite repensar sobre as realidades que se configuram historicamente, revisitar conceitos,

criando assim possibilidades de acomodá-los às novas realidades. O observe o Gráfico 02.

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Conteúd

Conteúd Sociais

Gráfico 02 – Conteúdos escolares favoráveis à abordagem do conteúdo de “raça” nas aulas de Ciências

Percebe-se então o quanto o Ensino de Ciências tem a contribuir na desconstruçãode

estereótipos e preconceitos contra o povo negro, em particular a utilização da História das

Ciências,proposto tanto no corpus analisado quanto na ação docente durante a oficina.

Pesquisas têm apontando que a utilização da História da Ciência favorece a compreensão

dasrelações entre o processo de produção de conhecimento na Ciência e contexto social,

político, econômico e cultural, na qual ela encontra-se vinculada, podendo ser abordado como

conteúdo de ensino e si mesma ou como fonte inspiradora para a definição de conteúdos e

para a proposiçãode estratégias de ensino (NARDI, 2002).

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES

Considera-se então que o Ensino de Ciências pode contribuir na desconstrução de estereótipos

e preconceitos contra o povo negro. Ação docente analisada sinaliza ferramentas de ensino,

entre as quais o uso direto e indireto História da Ciência. Por isso, a relevância de envolver

futuros docentes em vivências pedagógicas centradas na discussão em torno da construção das

ideias científicas com base na época sócio- histórica e cultural, no foram elaboradas. Desse

modo, estabelece condições para a compreensão do discurso científico como passível de

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reformulação,substituição ou até mesmo abolição das ideias que o constitui, dando margem

para um ensino comprometido com a igualdade de direitosde todos/as cidadãs e cidadãos.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FAIRCLOUGH, N Discurso e Mudança Social.Coordenadora da Tradução: Izabel

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NARDI, R.(org) Questões atuais no Ensino de Ciências. São Paulo: Escrituras Editora,

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