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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS NA HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU ITAJAÍ 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA

CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A

EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS NA

HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU

ITAJAÍ 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura – ProPPEC

Curso de Pós-Gradução Scricto Sensu

Programa de Mestrado Acadêmico em Educação - PMAE

YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA.

CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A

EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS NA

HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU

Pesquisa em andamento apresentada ao colegiado do PMAE para o exame de qualificação, requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação. Orientador: Prof. Dr. Angel Pino Sirgado.

ITAJAÍ 2009

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YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA.

CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A EDUCAÇÃO:

UM ESTUDO DE PADRÕES SOCIOCULTURAIS DA HISTÓRIA NA CHINA

ATRAVÉS NA OBRA DE ZHANG YIMOU

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Angel Pino Sirgado. (Orientador)

Prof.ª Dr.ª Edite Xavier.

Prof.ª Dr.ª Maria Helena Vilares Cordeiro.

Prof.ª Dr.ª Luciane Maria Schlindwein. (Suplente)

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À minha mãe, Jenny Coelho de Souza Liberato, à Prof.ª Dr.ª Edite Xavier e à

minha filha, Camila Liberato de Souza, pela sabedoria, apoio e dedicação no

processo de elaboração desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela beleza da vida, fonte de transformações e criações.

A meus pais, Afonso e Jenny Liberato, por me ensinarem a buscar

conhecimento para contribuir ética e cientificamente no crescimento do próximo.

A meu esposo Roosevelt, compreensivo nos momentos de ausência e

solidário nas horas em que passei pesquisando.

A meus filhos Gabriela e Gustavo, pelo apoio na captação das imagens

cinematográficas.

A minha filha Camila, pelo compartilhamento incansável na produção e

correção dos trabalhos científicos.

Ao Prof. Dr. Angel Pino Sirgado, pela orientação e dedicação na condução

desta dissertação.

Aos componentes da banca de avaliação, Prof.ª Dr.ª Maria Helena Vilares

Cordeiro e Prof.ª Dr.ª Edite Xavier, pelas contribuições dadas.

Ao jornalista Renan Xavier, pela competência na programação visual da

apresentação da dissertação.

Ao povo chinês, civilização milenar de uma riqueza na expressão simbólica

que reflete na construção da identidade cultural coletiva de uma nação que outrora

foi a maior do mundo.

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RESUMO

A civilização chinesa é uma das mais antigas do mundo, sendo que suas raízes

histórico-culturais remontam há mais de 5 mil anos. Sua importância é comparável a

de outras civilizações clássicas, como a grega e a egípcia, e, assim como estas,

traçou um legado cultural e padrões comportamentais que reinam até os dias de

hoje. O objetivo geral deste trabalho é mostrar, através da obra do cineasta chinês

Zhang Yimou, o papel que a linguagem cinematográfica pode desempenhar na

educação, como meio de identificar, contextualizar e correlacionar símbolos que

representam a história cultural de uma sociedade. Os objetivos específicos são

identificar quais os elementos da imagem iconográfica chinesa que expressam seus

padrões culturais; fazer uma análise descritiva da imagem e de suas relações com

as transformações na história da China; compreender a imagem como descrição

visual de fatos culturais; mostrar a função simbólica que desempenha a imagem na

obra do cineasta Zhang Yimou como representação dos ciclos culturais que marcam

a história da China; e produzir uma metodologia que possibilite ao aluno, através da

imagem, a identificação de padrões culturais passíveis de serem analisados e

correlacionados a outros setores da vida cultural, como o pensamento e a produção

artística, situando-os na época de sua criação e mostrando sua influência na

sociedade atual. Para tanto, fez-se uso da triangulação metodológica, um composto

de análise iconológica, análise semiótica das imagens e reação estética. O resultado

da aplicação desse método de pesquisa educacional é a produção de conhecimento

pela apropriação de determinados padrões socioculturais na história da China. O

aluno elabora representações mentais a respeito do seu objeto de estudo, partindo

de uma temática inicial, e tece articulações a partir das categorias criadas, com base

nas análises iconológica, semiótica e na reação estética. A contribuição fundamental

do presente trabalho é mostrar que o texto fílmico, ou seja, a linguagem audiovisual,

através da semiótica, pode ser a mediadora na aquisição de conhecimentos sobre

diferentes padrões culturais das sociedades. Assim, o sistema educacional é

enriquecido com um método inovador que possibilita ampliar a cognição através de

outras imagens cinematográficas similares.

Palavras-chave: Linguagem cinematográfica. Imagem iconográfica. Análise

semiótica. Padrões culturais. Sistema educacional.

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ABSTRACT

The Chinese civilization is one of the oldest in the world, with its historical and

cultural roots back more than 5 thousand years. Its importance is comparable to

other classical civilizations such as Greek and Egyptian, and, as such, drew a

cultural legacy and behavioral patterns that prevail to this day. The general objective

of this study is to show, through the work of Chinese filmmaker Zhang Yimou, the

role that film language can play in education as a means to identify, contextualize

and correlate symbols that represent the cultural history of a society. The specific

objectives are identify the elements of Chinese iconographic image that express their

cultural patterns; make a descriptive analysis of the image and its relations with the

transformations in the history of China; understand the visual image as description of

cultural events; show the symbolic function that the image performs in the work of

filmmaker Zhang Yimou as representation of the cycles that mark the cultural history

of China; and produce a methodology that enable the student to identify through the

image cultural patterns that can be analyzed and correlated with other sectors of

cultural life, such as thought and artistic production, placing them at the time of its

creation and showing its influence in society nowadays. Thus, it was made use of

methodological triangulation, a method consisting of iconological analysis, semiotic

analysis of images and aesthetics reaction. The result of applying this method of

educational research is the production of knowledge through the ownership of certain

sociocultural patterns in the history of China. The student develops mental

representations of their object of study, from an initial theme and articulates from the

categories created, based on the iconological analysis, semiotics and aesthetics

reaction. The key contribution of this work is to show that the film text, in other words

audiovisual language, through semiotics, can be the mediator in the acquisition of

knowledge about different cultural patterns of societies. Therefore, the educational

system is enriched with an innovative method that allows extending cognition through

other similar cinematographic images.

Key words: Film language. Iconographic image. Semiotic analysis. Cultural patterns.

Educational system.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Síntese das categorias de análise dos filmes................................................ 55 Quadro 2: Síntese dos símbolos encontrados nos filmes............................................... 56 Quadro 3: Análise iconológica do filme Nenhum a menos (1999) – Diretor: Zhang

Yimou............................................................................................................ 65 Quadro 4: Análise semiótica do filme Nenhum a menos ................................................ 66 Quadro 5: Análise iconológica do filme Um longo caminho (2005) – Diretor:

Zhang Yimou................................................................................................. 71 Quadro 6: Análise semiótica do filme Um longo caminho .............................................. 72 Quadro 7: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou ................ 75 Quadro 8: Análise semiótica do filme Herói ................................................................... 76 Quadro 9: Análise iconológica do filme Lanternas vermelhas (1991) – Diretor:

Zhang Yimou................................................................................................. 80 Quadro 10: Análise semiótica do filme Lanternas vermelhas ........................................... 81 Quadro 11: Análise iconológica do filme O sorgo vermelho (1987) – Diretor: Zhang

Yimou............................................................................................................ 87 Quadro 12: Análise semiótica do filme O sorgo vermelho................................................ 88 Quadro 13: Análise iconológica do filme Happy times (2001) – Diretor: Zhang

Yimou............................................................................................................ 91 Quadro 14: Análise semiótica do filme Happy times ........................................................ 92 Quadro 15: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou ................ 96 Quadro 16: Análise semiótica do filme Herói ................................................................... 97 Quadro 17: Análise iconológica do filme O clã das adagas voadoras (2004) –

Diretor Zhang Yimou ................................................................................... 101 Quadro 18: Análise semiótica do filme O clã das adagas voadoras ............................... 102 Quadro 19: Análise iconológica do filme A maldição da flor dourada (2006) –

Diretor Zhang Yimou ................................................................................... 107 Quadro 20: Análise semiótica do filme A maldição da flor dourada................................ 108 Quadro 21: Análise Iconológica do filme A história de Qiu Jú (1992) – Diretor:

Zhang Yimou............................................................................................... 112 Quadro 22: Análise semiótica do filme A história de Qiu Jú ........................................... 113 Quadro 23: Análise Iconológica do filme Tempo de viver (1994) – Diretor: Zhang

Yimou.......................................................................................................... 117 Quadro 24: Análise semiótica do filme Tempo de viver.................................................. 118 Quadro 25: Análise Iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou.............. 122 Quadro 26: Análise semiótica do filme Herói ................................................................. 123 Quadro 27: Civilização chinesa: Da Muralha da China ao Estádio Ninho de

Pássaro, cinco mil anos de história, cultura e arte, analisados através da obra cinematográfica de Zhang Yimou................................................... 178

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Sala de aula da vila rural....................................................................................... 65 Figura 2: Tijolo, trabalho infantil ........................................................................................... 66 Figura 3: Signos nacionais de ordem: bandeira e hino......................................................... 66 Figura 4: TV como comunicação de massa ......................................................................... 66 Figura 5: Ópera chinesa ...................................................................................................... 71 Figura 6: As montanhas como solidão ................................................................................. 71 Figura 7: Almoço comunitário .............................................................................................. 72 Figura 8: Pai japonês........................................................................................................... 72 Figura 9: Escrita chinesa no papel ....................................................................................... 75 Figura 10: Escrita chinesa na caixa de areia........................................................................ 75 Figura 11: Escola de caligrafia ............................................................................................. 76 Figura 12: Escola de caligrafia – mestre .............................................................................. 76 Figura 13: Ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas ............................. 80 Figura 14: Lanternas vermelhas........................................................................................... 80 Figura 15: Casa de punição das esposas ............................................................................ 81 Figura 16: Plantação de sorgo vermelho.............................................................................. 87 Figura 17: Ritual de produção de vinho................................................................................ 87 Figura 18: Ritual de casamento ........................................................................................... 88 Figura 19: Invasão japonesa................................................................................................ 88 Figura 20: Homem chinês rejeitado (buquê de flores).......................................................... 91 Figura 21: Mulher chinesa com interesse econômico (buquê de flores) ............................... 92 Figura 22: Espada usada nas artes marciais ....................................................................... 96 Figura 23: Lutas na reflexão ................................................................................................ 96 Figura 24: Artes marciais ..................................................................................................... 97 Figura 25: Guerreiro Herói ................................................................................................... 97 Figura 26: Ritual do enterro do Herói ................................................................................... 97 Figura 27: Instrumentos musicais usados na dança do eco ............................................... 101 Figura 28: Bailarina da dança do eco................................................................................. 101 Figura 29: Dança do eco.................................................................................................... 102 Figura 30: Morte da heroína............................................................................................... 102 Figura 31: Luta entre exército de Tang e Rebeldes............................................................ 102 Figura 32: Objetos de bronze – Palácio Imperial – Dinastia Tang...................................... 107 Figura 33: Celebração da Festa dos Crisântemos ............................................................. 107 Figura 34: Palácio Imperial ................................................................................................ 108 Figura 35: Família Imperial – Dinastia Tang....................................................................... 108 Figura 36: Imperador da dinastia Tang com o príncipe Jie................................................. 108 Figura 37: Comemoração de um mês do filho de Qiu Jú.................................................... 112

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Figura 38: Batizado do filho de Qiu Jú ............................................................................... 112 Figura 39: Cidade Grande.................................................................................................. 112 Figura 40: A mulher rural lutando por justiça junto ao oficial do povoado........................... 113 Figura 41: Passeata do partido de Mao ............................................................................. 117 Figura 42: Invasão japonesa.............................................................................................. 117 Figura 43: Livros de regras contratuais.............................................................................. 118 Figura 44: Show de sombras ............................................................................................. 118 Figura 45: Soldados da Guarda Vermelha de Mao ............................................................ 118 Figura 46: Sinos de Bianzhong .......................................................................................... 122 Figura 47: Palácio do imperador Qin.................................................................................. 122 Figura 48: Soldados do exército de Qin ............................................................................. 123 Figura 49: Imperador Qin na sala do trono......................................................................... 123 Figura 50: Zhonguo............................................................................................................ 133 Figura 51: Crânio do homem de Pequim, Homo erectus pekinensis .................................. 146 Figura 52: Doze desenhos tradicionais .............................................................................. 149 Figura 53: 1º Imperador da China: Qin............................................................................... 150 Figura 54: Grande Dragão ................................................................................................. 161 Figura 55: Chiang Kaishek, líder do Partido Nacional da China ......................................... 166 Figura 56: Mao Tse-Tung, líder do Partido Comunista Chinês........................................... 170 Figura 57: Leitura do Livro Vermelho de Mao durante a Revolução Cultural...................... 173 Figura 58: Cineasta chinês Zhang Yimou .......................................................................... 182

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SUMÁRIO CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO..................................................................................13 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..............................................................................13 1.2 OBJETO DA PESQUISA.....................................................................................16 1.3 OBJETIVO GERAL..............................................................................................16 1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...............................................................................16 1.5 HIPÓTESES........................................................................................................17 1.6 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................17 CAPÍTULO II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................20 2.1 SOBRE O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM

CINEMATOGRÁFICA .........................................................................................20 2.2 TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS....................................................................24 2.3 ICONOLOGIA: ANÁLISE DAS IMAGENS ATRAVÉS DA TRANSMISSÃO

E TRANSMUTAÇÃO DA HISTÓRIA “ENTRE” OS INTERVALOS FIXOS..........27 2.4 DOS ESTOICOS A CHARLES S. PEIRCE: A SEMIÓTICA COMO

MEDIADORA NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM ATRAVÉS DA ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL DAS CIVILIZAÇÕES ..........32

2.5 A REAÇÃO ESTÉTICA SUSCITADA PELA ARTE COMO FORMA DE EXPLICAR O COMPORTAMENTO HUMANO NA CONSTITUIÇÃO DA TOTALIDADE DO SENTIDO ..............................................................................42

CAPÍTULO III - METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA...............................................................................................45 3.1 ETAPAS METODOLÓGICAS PARA OBTENÇÃO DAS IMAGENS A

SEREM ANALISADAS........................................................................................46 3.1.1 Seleção de filmes .............................................................................................46 3.1.2 Edição digital dos filmes ...................................................................................52 3.1.3 Análise das imagens cinematográficas capturadas em fotos (método

Framing) .........................................................................................................53 CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS FILMES..................................................................57 4.1 ANÁLISE DO FILME NENHUM A MENOS (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)...........57 4.1.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................58 4.2 ANÁLISE DO FILME UM LONGO CAMINHO (CATEGORIA: EDUCAÇÃO) ......67 4.2.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................68 4.3 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: EDUCAÇÃO) ................................73 4.3.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................73 4.4 ANÁLISE DO FILME LANTERNAS VERMELHAS (CATEGORIA:

GÊNERO FEMININO).........................................................................................77 4.4.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................78 4.5 ANÁLISE DO FILME O SORGO VERMELHO (CATEGORIA: GÊNERO

FEMININO) .........................................................................................................82 4.5.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................83

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4.6 ANÁLISE DO FILME HAPPY TIMES (CATEGORIA: GÊNERO FEMININO) ......89 4.6.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................90 4.7 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: ESTÉTICA E ÉTICA DA

MORTE)..............................................................................................................93 4.7.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................94 4.8 ANÁLISE DO FILME O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (CATEGORIA:

ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE).......................................................................98 4.8.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..............................99 4.9 ANÁLISE DO FILME A MALDIÇÃO DA FLOR DOURADA (CATEGORIA:

ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE).....................................................................103 4.9.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ............................104 4.10 ANÁLISE DO FILME A HISTÓRIA DE QIU JÚ (CATEGORIA:

RELAÇÕES DE PODER)..................................................................................109 4.10.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................110 4.11 ANÁLISE DO FILME TEMPO DE VIVER (CATEGORIA: RELAÇÕES DE

PODER) ............................................................................................................114 4.11.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................115 4.12 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: RELAÇÕES DE PODER)..........119 4.12.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética ..........................120 CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................124 REFERÊNCIAS.......................................................................................................129 ANEXOS .................................................................................................................133 APÊNDICE..............................................................................................................179 GLOSSÁRIO...........................................................................................................188

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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO

Neste capítulo introdutório, objetiva-se apresentar as considerações iniciais

acerca do objeto da pesquisa, assim como o próprio tema em questão, os objetivos

da investigação, suas hipóteses e justificativa.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Chamada de “Dragão Dançante”, símbolo da antiguidade, da continuidade e

da tendência ao esplêndido isolamento da China, a Grande Muralha, com seus

6.700 km não é uma, são muitas. O imperador Qin Shi Huangdi construiu o primeiro

trecho três séculos antes da era cristã. Na descrição de um poeta, “o dragão

dançante sob a noite estrelada” permanece como a maior obra já construída pelo

homem, ecoando através dos séculos a mesma mensagem silenciosa: “a China é

eterna”.

Como um povo de um bilhão e trezentos milhões de habitantes, o terceiro

maior país do mundo em extensão e o primeiro mais populoso do planeta, com

apenas 11% do seu território aproveitado para agricultura, tornou-se o grande

milagre chinês? Nos últimos trinta anos, os chineses assombraram o Ocidente com

seu crescimento. De fábrica do mundo, com mão de obra barata, a China torna-se

competitiva na economia e na tecnologia.

Em 08 de agosto de 2008, na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, o

mundo viu um espetáculo de cores, formas, ritmos, não apenas apresentado pela

beleza, como por seu simbolismo. Dirigido pelo cineasta chinês Zhang Yimou, reuniu

espetáculo e tecnologia para contar a história da China. Das dinastias imperiais à

rota da seda, por mar e terra, foi compondo uma espécie de ópera da alma da

China, temperada por referências a invenções fundamentais, como o papel, a

impressora, a pólvora e a seda. Yimou se valeu da caligrafia dos ideogramas, da

coreografia das artes marciais, do teatro e de Confúcio (551 – 479 a.C.), educador e

filósofo cujos ensinamentos em ditados e aforismos influenciam o modo de viver e

de pensar dos chineses. Confucionista foi a maneira com que Yimou deu as boas

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vindas a todos. A frase Friends have come from far, how happy we are1, declamada

assim por 2008 dançarinos ao som de uma percussão poderosa, é um ditado do

mestre de dois milênios e meio antes de Cristo.

Os chineses permanecem sob uma ditadura? Sim. A pobreza no meio rural é

extrema? Sim. Na extraordinária história da China, a dimensão dos acontecimentos

só é superada pela velocidade com que eles se sucedem. Em menos de cem anos,

o país deixou de ser uma sociedade arcaica para se transformar numa potência

global. Enfrentou guerras, invasões estrangeiras, fomes coletivas e quatro

revoluções.

Há o “milagre grego”, que o mundo conhece através de seu legado cultural. E

qual seria o “milagre da China”? Esta é uma pergunta que tem concentrado

atenções de análises e estudos por todo o planeta. Todos os países querem

compreender o que está por trás do impressionante e rápido crescimento

tecnológico, econômico e educacional da China, nos últimos 28 anos, desde a

abertura de mercado que ocorreu após a morte do líder comunista Mao Tsé-Tung,

que governou o país de 1949 a 1976.

Na busca por explicar como se desenvolve o conhecimento humano, Platão

(427 – 347 a.C.) excluiu a hipótese de que as ideias derivam dos sentidos, elas são

pura “visão intelectual”, uma representação da imagem projetada na tela da mente.

“Se alguém vê, escuta ou percebe alguma coisa por meio de qualquer sensação,

acontece que, além de tomar conhecimento dessa coisa, vem a sua mente uma

outra [...], que esse alguém se recordou.” (PLATÃO, 2005, p. 87).

As imagens, assim como as histórias, informam. Aristóteles (384 – 322 a.C.)

sugeriu que todo o processo de pensamento requereria imagens. Nada está no

intelecto sem antes ter passado pelos sentidos. Assim, o conhecimento surge da

experiência sensível. “Ora, no que concerne à alma pensante, as imagens tomam o

lugar das percepções diretas [...]. Portanto, a alma nunca pensa sem uma imagem

mental.” (MANON, 1992, p. 45).

Bacon (1561 – 1626) observou que todas as imagens de que o mundo dispõe

já se acham encerradas na memória desde o nascimento. A partir de Bacon, as

qualidades sensíveis dos objetos, como cores e sons, foram sistematizadas através

de um método que classifica as impressões dos sentidos. “[...] todas as percepções,

1 Amigos vieram de longe, como estamos contentes. (nossa tradução).

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tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana [...].”

(BACON, 1995, p. 89).

Desta forma, a imagem aparece na obra do cineasta chinês Zhang Yimou

numa filmografia de dez filmes, de 1987 a 2006, e, em 2008, na abertura dos Jogos

Olímpicos, como expressão simbólica de uma nação de grandeza histórico-cultural

de cinco mil anos, como possibilidade de visão retrospectiva e prospectiva na

construção da consciência cultural coletiva.

Em uma iconologia, imagens são retomadas como modelo e reescrevem

criticamente a história. Sendo assim, o processo de presentificação do passado é

uma nova representação e aprendizado para se compreenderem os sistemas de

símbolos significantes (linguagem, arte, mito, ritual, etc.).

Trata-se de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e

construídos pelos homens para explicar o mundo. O que importa, segundo a história

cultural, é conduzir a análise num percurso que vai do significante para o significado,

do material (imagem) para o simbólico (sistemas de signos), e da cultura para os

grupos sociais que a produzem. A cultura, então, caracteriza-se como uma

construção social que dá sentido à realidade de um determinado povo (chinês)

historicamente datado e localizado. Assim, Chartier (1990, p. 45) dá uma definição

para essa história: “A história cultural, tal como a entendemos tem por principal

objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada

realidade social é construída, pensada, dada a ler [...].”

Esta pesquisa justifica-se na área da educação porque a partir do

conhecimento de padrões culturais da civilização chinesa, encontrados pela análise

da imagem iconológica e pela mediação semiótica, pode-se explorar o objeto de

conhecimento, indicando um modo de compreender e de apreender alguns aspectos

da cultura chinesa.

Assim sendo, com a utilização da imagem cinematográfica de Zhang Yimou,

pretende-se conhecer a cultura chinesa em alguns dos seus aspectos, usando como

forma de investigação metodológica “um estudo de caso da China” que revela,

através das análises iconológica, semiótica e da reação estética, o que pode ser

feito com outras imagens cinematográficas similares para aquisição de

conhecimentos nos diferentes padrões culturais das sociedades.

Da mesma forma como foram extraídos padrões culturais sobre determinados

temas dos filmes chineses de Yimou, como posição da mulher na sociedade

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patriarcal, relações de poder político, sistema educacional e devoção à pátria,

revela-se a possibilidade de utilizar esse método inovador e criativo para extrair

padrões dos mais diversos objetos de estudo. No âmbito do sistema educacional

brasileiro, por exemplo, a interpretação de filmes nacionais a partir de categorias

preestabelecidas seria um exercício de reflexão crítica dos alunos capaz de ampliar

seu potencial cognitivo e sensitivo.

Consequentemente, o método aqui exposto engloba a participação ativa dos

alunos na produção de seu próprio conhecimento, demonstrando que a atitude

integradora é a contribuição máxima em termos de educação.

1.2 OBJETO DA PESQUISA

O objeto da pesquisa é investigar o papel da imagem cinematográfica como

mediadora semiótica no processo educacional de aquisição de conhecimentos sobre

os padrões histórico-culturais da China.

1.3 OBJETIVO GERAL

A pesquisa tem como objetivo geral mostrar, por meio da obra do cineasta

chinês Zhang Yimou, o papel que a linguagem cinematográfica pode desempenhar

na educação, como um meio de identificar, contextualizar e correlacionar símbolos

que representam a história cultural de uma sociedade.

1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Os objetivos específicos da pesquisa são:

a) identificar quais os elementos da imagem iconográfica chinesa que

expressam seus padrões culturais;

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b) fazer uma análise descritiva da imagem e de suas relações com as

transformações na história da China;

c) compreender a imagem como descrição visual de fatos culturais através da

forma, cor, material, época, ritmo, movimento e representação simbólica

desses fatos;

d) mostrar a função simbólica que desempenha a imagem na obra do cineasta

Zhang Yimou como representação dos ciclos culturais que marcam a história

da China;

e) produzir uma metodologia que possibilite ao aluno, através da imagem, a

identificação de padrões culturais passíveis de ser analisados e

correlacionados a outros setores da vida cultural, como o pensamento e a

produção artística, situando-os na época de sua criação e mostrando sua

influência na sociedade de hoje.

1.5 HIPÓTESES

Como hipóteses de pesquisa, apresentam-se:

Hipótese 1: A presente pesquisa parte da hipótese de que a análise da

linguagem cinematográfica da obra de Zhang Yimou deve permitir acesso ao

conhecimento de aspectos importantes da história cultural da China.

Hipótese 2: A confirmação da hipótese 1, no caso específico da China,

permite inferir que a análise da linguagem cinematográfica pode ser um excelente

meio pedagógico de acesso ao conhecimento da história e da cultura de uma

determinada sociedade humana.

1.6 JUSTIFICATIVA

A imagem tem hoje presença significativa na vida social. Nesta pesquisa,

procura-se descobrir o papel da imagem no campo da educação, considerando o

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atual estágio de desenvolvimento da possibilidade técnica de reprodução de

imagens e sons. O objetivo é colocar a imagem na educação, não apenas como

uma questão metodológica, mas também epistemológica e simbólica, tentando

articular relações entre imagem e conhecimento. Trabalhando na perspectiva de que

o processo de produção de imagens e sons tem gerado uma nova linguagem, e

considerando seu poder de sensibilização, de atração e de detalhamento de fatos, o

material visual opera nesta pesquisa como documentação complementar dos fatos

culturais e das práticas sociais analisadas, no intuito de ampliar as perspectivas de

compreensão da história e cultura do povo chinês.

De acordo com o processo de transculturalismo vigente na atualidade, as

diferentes matrizes culturais dos povos se aproximam entre si pelos meios de

comunicação de última geração e das viagens de intercâmbio acadêmico, comercial

e turístico, favorecendo processos de globalização. Assim sendo, faz-se oportuno

pesquisar padrões culturais que influenciam comportamentos sociais, a fim de

aumentar o grau de compreensão dos alunos para diferenciar e enriquecer o

processo educacional.

A educação é um dos processos mais preciosos e importantes na vida dos

povos. Sendo a educação escolar um conjunto de sistemas curriculares baseado em

teorias, métodos e técnicas interligados às ideologias e ao poder político e

econômico, além das necessidades de cada época e região, a interação com a

massa crítica do corpo docente e com as escolhas vocacionais do corpo discente

torna-se inevitável. Em decorrência do somatório de todas essas forças, a educação

escolar sofre e influencia as mudanças que ocorrem nos paradigmas científicos

dentro de uma determinada cultura.

Em função do caráter multifacetado da prática educativa, sua interpretação

será tanto mais rica quanto forem as fontes que buscam explicá-la em sua totalidade

(SOUSA, 1999).

Os novos paradigmas científicos que se configuram no limiar do século XXI

(LÈVY, 1999; MORAN, 2000), em especial sobre o papel da transformação gradual

dos signos externos em internos no direcionamento do comportamento humano

(VYGOTSKY, 1934), sinalizam a configuração de uma cibercultura, com redes

planetárias que permitem a circulação da informação, gerando conhecimento e

desafiando os cânones postulados até então, dos estados estáveis e certezas.

Com a intensificação do processo de globalização, o planeta se transformou

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em uma aldeia global, de modo que atualmente os padrões culturais e educacionais

cambiam sistemas, e processos de aprendizagem que se alimentam mutuamente se

assimilam e se modificam, interferindo no modus vivendi dos padrões de

comportamento educacional, político e econômico, na cadeia produtiva e comercial,

miscigenando culturas.

O reconhecimento de que “grupos humanos, nações, civilizações” não são

todos iguais, obriga a “olhar”, como afirma Peirce (2008), para além da experiência

imediata, a aceitar e reconhecer as diferenças e a descobrir que outros povos têm

uma história também rica e instrutiva. O conhecimento das outras culturas torna,

pois, cada indivíduo consciente da singularidade de sua própria cultura e, também,

da existência de um patrimônio comum ao conjunto da humanidade.

Dessa forma, esta pesquisa justifica-se na área da educação porque a partir

do conhecimento de padrões culturais da civilização chinesa, encontrados pela

análise da imagem iconológica e pela semiótica, pode-se obter “perfis existenciais”

resultantes de sistemas de significados criados historicamente, em termos dos quais

se dá forma, ordem, significado e direção à vida. Faz-se uma possível análise na

qual se buscam os enunciados de certos discursos, de certos regimes de verdade,

próprios de uma época, produzidos, veiculados e recebidos de formas muito

específicas, que falam de um certo tempo e lugar, de determinadas relações de

poder, de uma certa dimensão de homogeneização e produzem sujeitos de uma

certa identidade; categorias e noções de análise a respeito dos contornos da relação

entre a linguagem das imagens, e dos sons e a educação.

Esta pesquisa centra-se nos símbolos da imagem cinematográfica como

cerne da metodologia para o desenvolvimento de uma análise crítica. Ao entrar em

contato com a imagem, o espectador desenvolve sua capacidade crítica,

estabelecendo uma relação de aprendizagem com o objeto em questão. Ao olhar a

imagem atentamente, o indivíduo pode descrevê-la e ao observar o que vê, pode

analisá-la; ao significar, interpreta, e ao decidir acerca do valor, transforma a

imagem em registro de uma época.

Espera-se que esta pesquisa possa mostrar o papel que as imagens, em

geral, e as cinematográficas, em particular, podem desempenhar nos processos

educativos, em especial no campo educacional.

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CAPÍTULO II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, são apresentadas as bases que fundamentam a pesquisa, no

que diz respeito ao universo cinematográfico e às teorias que alicerçam a análise

feita, quais sejam: a iconologia, a semiótica e a reação estética.

2.1 SOBRE O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA

Há vários conceitos para a palavra imagem. Do latim imago, é um fenômeno

de origem bioneurológica, que permite aos organismos portadores de sistema

nervoso captar a realidade externa, tornando-a experiência interna.

A imagem nascente, como função que permite evocar objetos,

acontecimentos e situações ausentes, tem uma participação necessária e

insubstituível no acabamento da inteligência sensório-motora como representação

figurativa dos objetos ausentes. Os receptores sensoriais são projetados para

detectar informação em nível energético, porque tudo é composto por partículas

atômicas vibrantes e giratórias, constituindo um campo eletromagnético.

Toda visão que pode ser apreendida ao se olhar para o mundo é dividida em

bilhões de pequeninos pixels. Cada pixel é composto de vários átomos e moléculas

em vibração. As células da retina no fundo do olho detectam o movimento dessas

partículas atômicas. Átomos que vibram em diferentes frequências emitem variados

comprimentos de onda de energia, e essa informação é eventualmente codificada

como cores diferentes pelo córtex visual na região occipital do cérebro. Uma imagem

visual é construída pela habilidade do cérebro de reunir grupos de pixels na forma

de margens. Diferentes margens com diferentes orientações, vertical, horizontal,

oblíqua, combinam-se para formar imagens complexas. Diferentes grupos de células

no cérebro acrescentam profundidade, cor e movimento ao que se vê. (TAYLOR,

2008).

A contribuição da imagem na construção do real corre por conta da

coordenação dos esquemas da inteligência sensório-motora e de sistemas de ações

(objetivas e representativas) que permitem atribuir uma objetividade, uma

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espacialidade, uma causalidade e uma temporalidade aos comportamentos dos

objetos exteriores, fora de toda ação imediata do sujeito. A imagem intervém no

acabamento dessa construção como elemento simbólico que permite levar em conta

figurativamente os objetos em seus deslocamentos, localizações, significações e

relações não diretamente perceptíveis (TAYLOR, 2008).

Fazendo uma análise dos diferentes conceitos de imagens, conclui-se que a

imagem corporal virtual inclui a representação mental de um objeto externo sensível

(corpo) e a recombinação da imagem acústica resultante dos significantes e dos

significados, que caracterizam a linguagem e que o sistema nervoso humano é

capaz de processar, criando o pensamento com sua potência em fluir (XAVIER,

2003).

Pela origem, a imagem é um fenômeno natural. Tratando-se de um organismo

humano, ela é também um fenômeno cultural que resulta de um complexo processo

mental de conversão dos sinais em conjuntos imagéticos portadores de significação.

Tem origem natural quando a fonte é o mundo dos elementos e fenômenos da

natureza: fluir de sensações. Tem origem cultural quando a fonte é o conjunto das

coisas produzidas pelos homens, ou seja, o conjunto das obras humanas (mídia)

que constitui o mundo da cultura (vai-se produzindo de fora para dentro do sujeito

para construir um significado que o autor deseja: imagens artificiais).

O ser humano transmite informações através de imagens criadas, sejam

imagens estáticas, quando por ordenação de pigmentos sobre algum suporte,

geralmente utilizando técnicas de fotografias, desenhos, pinturas, esculturas e

outras das Artes Visuais; ou imagens dinâmicas, como imagens em movimentos

mímicos, rítmicos, acústicos e cinematográficos, ou imagens virtuais, transmitidas

pelas tecnologias da informação e da comunicação (TICs). São inseridas nesse

grupo, ainda, as figuras de linguagem, nas suas relações representativas, as

imagens artísticas e tecnocientíficas, resultantes da recombinação de significantes e

significados capazes de criar uma semiose interminável, gerando redes de

significações (XAVIER, 2003).

Crosta (1993) sinaliza ser notável a capacidade que o sistema visual humano

possui para reconhecer padrões. O objetivo do processamento de imagens é o de

remover essas barreiras, inerentes ao sistema visual humano, facilitando a extração

de informações a partir de imagens.

O texto visual em seu todo é tido como um conjunto de estruturas produtivas,

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cujo modelo pressupõe expressão visual; elementos de expressão (figuras

geométricas e ângulos de câmera); níveis sintagmáticos (figuras iconográficas,

tipologia da montagem, etc.); blocos sintagmáticos com função textual (montagem,

tipos de enquadre, narrativa-cronologia temporal, diferentes pontos de vista); níveis

intertextuais; tópico, gênero e tipologia de gêneros.

Ou seja, a leitura da imagem se dá pela apreensão da coerência que

perpassa todos os elementos de textualidade descritos. A imagem, neste caso, é

contextualizada numa perspectiva gestaltiana que evidencia a relação do todo/parte,

sustentada pela coerência. Com isso, o texto icônico é um todo que, uma vez

enquadrado por uma moldura, é individualizado e único, e sua significação é

apreendida pela análise de cada um de seus elementos, isto é, pela possibilidade de

segmentação da imagem. Dessa forma, é a visualidade que permite a existência, a

forma material da imagem, e propriedades como a representatividade, garantida

pela referencialidade, sustentam a possibilidade de leitura da imagem e reafirmam o

seu status de linguagem. Assim sendo, a imagem cinematográfica torna-se visível

através da análise e da interpretação e por um efeito de sentido que se institui entre

a imagem e o olhar e a possibilidade do recorte multidimencionada a partir das

formações sociais em que se inscrevem tanto o sujeito-autor quanto o sujeito-

espectador.

A análise da interpretação da imagem pressupõe também a relação com a

cultura, o social, o histórico, com a formação social dos sujeitos. E revela de que

forma a relação imagem/interpretação está sendo administrada em várias instâncias.

Toda arte é, antes de tudo, uma maneira de “percepção”. Quando expressa essa

percepção por meio da visão e da audição, traduz um conceito artificial, um artifício,

um artefato. No caso do cinema, o artefato é uma película sensibilizada pela luz,

revelada e novamente impressionada pela luz, no momento da projeção. Das

nostálgicas lanternas mágicas da China às modernas técnicas de projeções digitais,

cinema é, na tela, luz e sombra. A imagem no cinema se define, então, a partir de

uma constituição, cujos elementos são a fala, os ruídos, os sons, a música. Cinema

é espetáculo. Ou seja, tudo o que chama a atenção, atrai e prende o olhar. O

cinema criou os grandes planos e as panorâmicas e, da mesma forma,

espetacularizou o ínfimo, o detalhe, com tal nitidez e de uma forma tal que nenhuma

outra linguagem é capaz de criar. O espectador sabe que está vendo um filme, sabe

que entre o representado e sua representação existe uma mediação, um ponto de

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vista (FECÉ, 1998). É do lugar desse intervalo entre o representado e a

representação que o cinema permite, ao interpretar a imagem, projetar outras

imagens, cuja materialidade não é da ordem da visibilidade, mas da ordem do

simbólico. O cinema, então, como o espetáculo visto, proposto pela câmera numa

revelação direta entre olho e lente. Mas há elementos de imagem que sugerem a

construção, pelo espectador, de outras imagens. Esses elementos, muitas vezes,

são sugeridos pelo ângulo e movimento da câmera (quase sempre associados à

sonoridade/música, ruído ou à própria interrupção do som), ou pelo jogo de cores,

luzes, etc. São elementos implícitos que funcionam como índices, antecipando o

desenrolar do enredo. A análise do filme pelo espectador passa, assim, pela

inferência destas imagens sugeridas que atribuem ao texto audiovisual o caráter de

sua heterogeneidade. Um dos aspectos de heterogeneidade encontra-se no

conceito de policromia, que recobre o jogo de imagens e cores no qual formas,

cores, imagens, luz, sombra, etc. remetem a diferentes perspectivas que favorecem

a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem como a apreensão de

diferentes sentidos, no plano da análise simbólica.

Cinema é arte contemporânea, síntese poética, alegoria e realidade, tempo e

espaço. Compreender cinema, portanto, é, também, compreender o tempo no seu

transcorrer, na sua duração, que, muitas vezes, se desvincula do tempo físico da

projeção. Cada filme, com o estilo cinematográfico que o adota, cria um tempo que

lhe é peculiar, além do tempo que a história pretende relatar. Além das paisagens

privativas que o tempo histórico dos filmes expressa através de locações, estúdios e

cenários exclusivos, as narrativas cinematográficas falam, ainda, de um tempo que

transcorre de maneira própria. O tempo na narrativa cinematográfica está na ação

que imprime o ritmo. O tempo, no filme, vai além das palavras ditadas pelos

personagens, não se restringe ao descrito pela ação da câmera. Está no que é

falado pelos personagens, mas também está na paisagem, na arquitetura, nas

roupas, nos gestos, nos enfeites de corpo e de ambientes. Sempre há pelo menos

dois tempos que, em fragmentações constantes, vão revelando uma escultura de

muitas faces.

O pensamento dialético e a assunção do princípio da totalidade, sua imersão

na filosofia, sociologia, literatura, estética e na linguística, entre outras áreas do

conhecimento, seus pressupostos metodológicos e estético-ontológicos,

desautorizam a discussão e a ênfase no enfoque exclusivamente epistemológico e

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semiológico da categoria “sentido”. Ao contrário, levam ao questionamento do rumo

que se está dando para a compreensão da categoria “sentido” na escalada do

século XXI. Assim, a noção da mediação semiótica do desenvolvimento psicológico

em Vygotsky engloba não apenas as funções cognitivas, mas, igualmente, a

dimensão afetiva, os sistemas de relação e de ação, ou seja, a categoria sentido

atrelada aos códigos do sentido (como sensação) ou à experiência (como

percepção, cognição), sendo que os fenômenos psíquicos são inter-relacionados e

indissociáveis do todo.

A psicanálise representava uma das correntes desse momento, e um dos

méritos de Freud foi ter transgredido a hegemonia da razão, libertando o sentido da

necessidade de responder pela veracidade do conhecimento. O sentido é revelado

quando se explica a função das manifestações psíquicas na conduta humana.

Essa nova forma das relações entre material e forma que desencadeia a

resposta estética é uma relação especificamente humana em resposta à contradição

(catarse), à estrutura da obra de arte vista como um processo que transforma os

sentimentos e os sentidos. Segundo Vygotsky (2008), uma nova sociedade e um

novo homem. Reflexões que chamam a atenção para a importância de que as

emoções são compreendidas em suas conexões com sistemas psicológicos mais

complexos e abrangentes, ou seja, não apenas a partir da perspectiva da vida

individual de uma determinada pessoa, mas também aspectos pessoais

incorporados ao grande círculo da vida social. É nessa unidade de sentimento e

fantasia que se baseia qualquer arte. Assim, a partir da inovação do método

objetivo-analítico de Vygotsky, é possível apreender a contradição dialética

forma/conteúdo, introduzir a relação entre as emoções e a fantasia de forma a

perceber a obra de arte como uma totalidade dinâmica de correlação e integração

em um processo de subordinação construtiva com os fatores correspondentes.

2.2 TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS

A técnica cinematográfica consiste em um recurso para obter impacto

emocional, fundamental para a eficácia cognitiva do conceito-imagem, através de

certas particularidades.

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A pluriperspectiva é a capacidade que tem o cinema de saltar

permanentemente da primeira pessoa (o que vê ou sente o personagem) para a

terceira (o que vê a câmera) e também para outras pessoas ou semipessoas que o

cinema é capaz de construir, chegando ao fundo de uma subjetividade.

Evidentemente, na montagem, há elementos de imagem que sugerem a construção

(pelo espectador) de outras imagens. Esses elementos, muitas vezes, são sugeridos

pelo ângulo e movimento da câmara (quase sempre associados à sonoridade:

música, ruído), ou à própria interrupção do som, ou pelo jogo de cores, luzes, etc.

São elementos implícitos que funcionam como índices, antecipando o desenrolar do

enredo. O trabalho de compreensão do espectador passa, assim, pela inferência

dessas imagens (sugeridas) que atribuem ao texto não-verbal o caráter de sua

heterogeneidade.

A manipulação de tempos e espaços permite avançar e retroceder, impor

novos tipos de espacialidade e temporalidade, como só a imaginação consegue

fazer. O corte cinematográfico, por sua vez, a pontuação, a maneira particular de

conectar cada imagem com a anterior, a sequência cinematográfica, a montagem de

cada elemento, o fraseado cinematográfico.

O jogo de formas, cores, imagens, luz, sombra, etc. remete à semelhança das

vozes no texto, a diferentes perspectivas instauradas pelo eu na e pela imagem, o

que favorece não só a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem

como a apreensão de diferentes sentidos no plano discursivo-ideológico, quando se

tem a possibilidade de interpretar uma imagem através de outra.

O conjunto de elementos visuais possíveis de recorte favorece uma rede de

associações de imagens, o que dá lugar à interpretação do texto não-verbal. A

apreensão dessas relações revela o discurso que se instaura pelas imagens,

independente da sua relação com qualquer palavra.

Ao se interpretar a imagem pelo “olhar”, e não através da palavra, apreende-

se sua matéria significante em diferentes contextos. A interpretação se efetiva,

então, por esse efeito de sentidos que se institui entre o olhar, a imagem e a

possibilidade do recorte, a partir das formações sociais em que se inscreve tanto o

sujeito-autor do texto quanto o sujeito-espectador.

Para Ferro (1992), todo filme é um documento, independente de seu tema

central se remeter a um passado remoto ou imediato. E ele dirá tanto quanto for

questionado, pois sempre vai além do seu conteúdo.

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Toda imagem é histórica, na medida em que ela é produto de seu tempo e carrega consigo, mesmo que de forma indireta, sub-reptícia e muitas vezes inconsciente para quem a produziu, as ideologias, as mentalidades, os costumes, os rituais e os universos simbólicos do período em que foi produzido (NÓVOA; NOVA, 1998, p. 34).

Com o surgimento dessa lógica de observação do mundo, o uso da câmara

escura entra em sintonia com os novos discursos plásticos. Panofsky (2007)

categoriza a importância que o sistema de representação tem no espaço pictural, na

história e no panorama da evolução das artes visuais. Para o autor, o sistema

perspectivo não é apenas uma questão de leis geométricas, mas também de uma

elaboração de formas simbólicas que procuram identificar um conteúdo intelectual

como modo sensível de representação.

A imagem cinematográfica funda precisamente outro tipo de conceito

compreensivo da realidade, do qual não se exige o mesmo tipo de coerência exigida

do conceito tradicional. O filme conceitua imageticamente aquilo a que se refere,

articulando-o e proporcionando-lhe inteligibilidade.

Uma das formas possíveis de leitura de um filme é através da semiótica de

Peirce, na qual há uma relação com o fato de que o cinema utiliza determinado tipo

de signos. De acordo com Lévy (1991), todos os elementos da imagem

cinematográfica remetem a um significado. Nesse aspecto, a palavra e o som

acrescentam à imagem uma dimensão de grande importância. Por outro lado, a

imagem indicial do cinema pode perfeitamente mostrar ou relacionar os mais

diversos signos simbólicos ou icônicos. Em conjunto, tudo isso faz do cinema uma

máquina semiótica de extrema riqueza.

Concluindo, o homem cria imagens através de diferentes recursos técnicos,

sendo que cada cultura configura o universo simbólico pelo qual se representa e,

como o simbólico é eterno, as imagens sobrevivem ao corpo biológico que os criou,

transcendendo através dos séculos.

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2.3 ICONOLOGIA: ANÁLISE DAS IMAGENS ATRAVÉS DA TRANSMISSÃO E

TRANSMUTAÇÃO DA HISTÓRIA “ENTRE” OS INTERVALOS FIXOS

Há muito que o homem deseja reproduzir o movimento da vida, o que pode

ser observado nas imagens deixadas no interior das cavernas, nas quais desenhos

de animais e pessoas procuravam sugerir o movimento, dando ideia de um realismo

contínuo. As imagens que representam movimento são, elas mesmas, imagens

fixas. Essa iconologia do intervalo deriva da necessidade de compreensão da arte

como uma zona de não fixação, fora de qualquer fixação formal, como estigma de

um movimento. No entanto, a percepção do movimento não permite ver a

impossibilidade da sua representação. Diante da imagem cinematográfica, tem-se a

percepção de que o que se vê não passa diante dos olhos, mas é, pelo contrário,

uma memória fugidia de alguma coisa que já foi vista, pelo “canto do olho”, como

movimento.

Nos primórdios da civilização, há um cenário original dos primeiros elementos

da escrita pictográfica nas camadas da Noosfera. Segundo Chardin (2001), surge o

Sinantropo, do latim Sina, “China” e do grego anthropos, “homem”; Homem de

Pequim, o fóssil que apresenta simultaneamente caracteres simiescos e

hominídeos, descoberto em Chu-ku-tien, nas proximidades de Pequim, em 1929. Na

Ásia Oriental, sinais de evolução foram encontrados perto de Pequim, quando

arqueólogos encontraram o Sinantropo em seu habitat, numa gruta atulhada, onde

sobram instrumentos feitos de pedra e mistura com ossos queimados.

No período Neolítico, os ancestrais já aparecem em grupos, em volta do fogo,

caracterizando o nascimento da Civilização. Depois da pedra lascada, a pedra

polida, a cerâmica, o cobre, o bronze, o ferro, a tecelagem, a agricultura, o rebanho.

Pelo comércio dos objetos e pela transmissão das ideias, organizam-se as tradições,

desenvolve-se uma memória coletiva. Tudo isso demonstrava-se articulado também

com o “Passo da Reflexão”, um verdadeiro avanço cultural, importantíssimo para a

humanidade.

Para Chardin (2001), o Sinantropo transforma a chama (fogo) numa fogueira

à boca da caverna, não somente para afastar animais selvagens, mas também para

aquecer, iluminar e assar alimentos. Isso demonstra que pela “reflexão” surgiram os

primórdios da Humanidade. E, dessa mudança fundamental, todo o resto se segue.

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Aparece a complexidade dos direitos e dos deveres nas diversas estruturas

comunitárias à sombra das grandes civilizações. A necessidade da pesquisa e de

invenção desenvolve-se sob a forma reflexiva.

A Pictografia, do latim pictu, “pintar”, e do grego gràpho, “escrever”, é o

sistema de imagens (sinais e figuras pintadas) que constitui uma escrita sintética,

baseada em representações simplificadas da realidade. Os homens primitivos a

criaram em rochedos e paredes de cavernas. A “cultura de imagens” compreende

não apenas a materialidade, mas também a densidade simbólica do discurso

pictórico. Entre a imagem e os signos, do corpo à história, há uma coleta de

significantes que recebem uma conexão dentro de uma lógica das cenas

construídas pelo artista numa narrativa da história. Disso resulta a instauração de

uma sincronia, no presente, encontrando sua conexão e seu sentido em imagens

extraídas da história da arte, passando à condução de imagens cinematográficas. É

a “cultura de imagens”, como elemento fundamental na história da civilização. É a

história da cultura elaborada por meio das imagens.

A imagem visual, em Cardoso e Mauad (1997), é um texto-ocorrência em que

a iconicidade tem a natureza de uma conotação veridictória (um juízo) culturalmente

determinada: uma espécie de faz de conta realista de fundo cultural. Isto é,

narrativas em que o receptor ou emissor do discurso visual interpreta as imagens

como sendo representações fiéis da realidade, mas estruturadas pela cultura.

Alguns dos mais famosos semiólogos e teóricos da Arte interpretam as

imagens dentro deste princípio, possuindo propriedades culturais que determinam a

sua forma final.

uma cultura, ao definir seus objetos, remete a códigos de reconhecimento que indicam traços pertinentes e caracterizantes do conteúdo [...]. Um esquema gráfico reproduz as propriedades relacionadas de um esquema mental. (CARDOSO; MAUAD, 1997, p. 57).

Para Gombrich (2000), todo artista visual (pintor, escultor, arquiteto, fotógrafo,

cineasta) é condicionado em seu trabalho por padrões culturais de fundo

inconsciente, as schematta, que acabam por interferir em seu estilo artístico

(padrões estéticos e sociais vigentes de forma consciente).

Ferro (1992) já atentava para a percepção do filme como fonte e objeto

imagético. Não se pode simplesmente contrapor as imagens cinematográficas com a

tradição escrita. É necessário perceber o filme como testemunho (documento),

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integrando-o ao contexto social em que a obra surge. Para tanto, é necessário

considerar os elementos que ultrapassam as intenções de quem realizou e produziu

o filme. Podem ser tanto elementos de ordem individual quanto ideologias da

sociedade como um todo: contexto social, econômico, político, cultural e religioso de

uma época. É o que Ferro denomina de “zonas ideológicas não visíveis da

sociedade”. São juízos de valores e de moral expressos pelas culturas, como a

forma de alimentação, de se vestir, a maneira de um “oriental” pensar e seguir

determinados comportamentos, principalmente quando contrastado com outros

povos ou culturas.

Partindo da premissa de que a arte sempre traz consigo um sentido, Panofsky

(2007) expõe em sua obra a análise dos objetos imagéticos através de seu tema,

símbolos e significados inerentes à história da arte. Ao apresentar a arte por meio de

seus aspectos temáticos, esse teórico formula os conceitos de iconografia e

iconologia, orientando seu estudo a uma percepção não apenas simbólico-cultural,

mas, também, histórica. Ele exemplifica mencionando que, ao levantar o chapéu

educadamente, esse gesto é “resquício do cavalheiro medieval: os homens armados

costumavam retirar os elmos para deixarem claras suas intenções pacíficas”,

enfatizando a importância dos costumes cotidianos e de uma certa sensibilidade

para se compreender as representações simbólicas.

Para melhor compreensão desses conceitos, o autor mostra uma metodologia

fundamentada em três níveis de análises, que, por sua vez, são baseadas na

descrição, na identificação e na compreensão da obra de arte. Os gestos são

carregados de significados que se manifestam em três níveis:

a) Nível “primário”, aparente ou natural: nível mais básico de

entendimento, esta camada consiste na percepção da obra em suas

formas puras. Tomando-se, por exemplo, uma pintura da Última Ceia, se

observada apenas no primeiro nível, poderia ser percebida somente como

uma pintura de treze homens sentados à mesa. Este primeiro nível é o

mais básico para o entendimento da obra, despojado de qualquer

conhecimento ou contexto cultural. Ou seja, é apreendida pela

identificação de certas configurações de linha e cor, ou determinados

pedaços de bronze ou pedra, como representativos de objetos naturais

tais que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim por

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diante, pela percepção de algumas qualidades expressionais. Esta

descrição tem como finalidade identificar as formas puras, ou seja, os

elementos, as cores, os formatos, assim como as expressões e as

variações psicológicas inerentes às imagens. Panofsky, a fim de alcançar

o significado intrínseco das representações, considera que uma análise de

obras de arte deva-se fazer em três fases:

fase pré-iconográfica;

fase iconográfica; e

fase iconológica.

A fase pré-iconográfica corresponde a esse primeiro nível, abordando o

significado primário ou natural na identificação de um aspecto ou de um pormenor,

observando uma obra de arte. É quando a experiência cotidiana interpreta

automaticamente o significado de uma expressão, de um gesto, de uma

representação, de uma figura ou motivo numa obra de arte. São identificados

expressões ou fatos naturalmente condicionados à familiaridade com cultura ou

civilização. Assim, nesta fase, está convocada como instrumento de pesquisa a

experiência cotidiana ou cultural. História do estilo: compreensão da maneira pela

qual, sob diferentes condições históricas, objetos e eventos são expressos pelas

formas.

b) Nível “secundário”, convencional ou fase iconográfica: este nível

avança um degrau e traz à tona a equação cultural e o conhecimento

iconográfico. Desta fase é exigida mais do que uma experiência cotidiana

ou cultural (significado primário ou natural), é necessário o conhecimento

adquirido de leituras dirigidas aos temas e conceitos das imagens,

histórias ou alegorias que se analisam numa obra de arte. Uma

observação iconográfica está, então, sujeita a uma interpretação e

identificação escrupulosa das imagens ou outros motivos expostos na obra

examinada, proporcionando um correto estabelecimento de datação e,

muitas vezes, a autenticidade da obra de arte. Portanto, a correta

utilização da iconografia obriga o observador a possuir um conhecimento

dos conceitos e temas que o autor da obra de arte dominava quando a

executou. Os símbolos são imagens que veiculam a ideia, não de objetos

e pessoas concretas e individuais, mas de noções gerais e abstratas.

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Iconografia, do grego eikon (imagem) e graphia (escrita), implica um método

de proceder puramente descritivo ou, até mesmo, estatístico. “A iconografia é,

portanto, a descrição e classificação das imagens [...].” (PANOFSKY, 2007, p. 37).

Ao fazer esta análise, a iconografia é de auxílio incalculável para o estabelecimento

de datas, origens, autenticidade.

Ainda segundo o mesmo autor, a [...] identificação de tais imagens, histórias e alegorias é o domínio daquilo que é nominalmente conhecido por “iconografia”. De fato, uma análise do “tema em oposição à forma”, enfoca, principalmente, à esfera dos temas secundários ou convencionais, ou seja, ao mundo dos assuntos específicos ou conceitos manifestados em imagens, estórias e alegorias, em oposição ao campo dos temas primários ou naturais manifestados nos motivos artísticos. (PANOFSKY, 2007, p. 41).

História dos tipos: compreensão da maneira pela qual, sob diferentes

condições históricas, temas ou conceitos são expressos por objetos e eventos.

c) Nível “intrínseco”, de conteúdo ou análise iconológica: este nível

considera a história pessoal, técnica e cultural do observador para

entender uma obra de arte. A arte não é um incidente isolado, mas um

produto de um ambiente histórico. O historiador da arte se pergunta: o que

isto significa? A iconologia não se limita à descrição do que está numa

obra de arte, procura o significado, isto é, desvela o significado simbólico

do tema exposto na obra de arte. Apesar dessas três fases de análise

serem apresentadas separadamente, não quer dizer que sejam aplicadas

assim. Se não houver uma correta identificação iconográfica dos motivos,

a interpretação iconológica fica irremediavelmente comprometida.

Panofsky (1995) menciona a necessidade de o investigador precisar ter

uma espécie de “sexto sentido”, uma capacidade de observação sumária

do conteúdo da obra de arte, evidenciando uma contradição no aspecto

em que defende, ao mesmo tempo, que o estudo iconológico sério

depende de um apoio iconográfico baseado em conhecimentos ou

documentos que comprovem as conclusões a que o investigador chegou.

Logo, apesar de a iconografia e a iconologia serem, em certo aspecto,

diferenciadas, elas funcionam como um todo em uma análise.

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Em suma, o autor propõe, para a análise de um objeto visual qualquer,

primeiramente sua descrição; depois, seu correlacionamento com outros elementos

formadores da cultura da qual faz parte; e, finalmente, nesse correlacionamento, o

surgimento da possibilidade de descobrir seu significado intrínseco e sua função

naquela sociedade, transformando-o em registro de uma época. Com a realização

dessas etapas, chega-se ao ponto em que o objeto visual, descrito, identificado e

decodificado, passa a explicar, em conjunto com outros documentos ou

solitariamente, no caso de ser ele o único registro restante, o momento histórico, a

conjuntura em que ele foi concebido, suas finalidades, seus objetivos. Dessa

maneira, servindo para explicar um momento da história, o objeto visual alçado à

categoria dos documentos conformadores dessa mesma história. História dos

sintomas culturais ou símbolos: compreensão da maneira pela qual, sob diferentes

condições históricas, tendências essenciais da mente humana são expressas por

temas e conceitos específicos.

2.4 DOS ESTOICOS A CHARLES S. PEIRCE: A SEMIÓTICA COMO MEDIADORA

NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM ATRAVÉS DA ANÁLISE

HISTÓRICO-CULTURAL DAS CIVILIZAÇÕES

Não é de hoje que as neurociências abordam temas que antes eram

exclusivos da filosofia e da psicologia. As experiências místico-religiosas, a natureza

ilusória do “eu”, a criação artística, enfim, tudo o que diz respeito ao universo do

comportamento e dos valores humanos desperta cada vez mais a atenção desse

saber, cuja meta primordial é conhecer os mistérios da mente.

Cientistas que usam a música ou a linguagem como ferramentas para

explorar a vida neural têm colaborado para derrubar velhos dogmas e refazer o

mapeamento do cérebro. O cérebro humano tem cem bilhões de células nervosas e

mais de cinquenta substâncias neurotransmissoras. Estima-se que o potencial de

conexões entre os neurônios chegue a cinquenta trilhões. Qualquer comportamento

complexo depende de diversos grupos de células ligados por circuitos.

Segundo Taylor (2008), o lado direito do cérebro entende que é o poder da

força da vida de 50 trilhões de gênios moleculares que esculpem a forma. Ele

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entende que todos são ligados uns aos outros em um complexo tecido do cosmos, e

marcha com entusiasmo no ritmo do próprio tambor. Fazendo o homem parte dos

seres biológicos, qualquer que seja a informação processada passa pelos

hemisférios direito e esquerdo do cérebro. O lado direito manifesta-se intuitivo,

sensível à comunicação não verbal, sempre presente no aqui e agora, pensando por

painéis de imagens. O lado esquerdo, por sua vez, desenvolve sua capacidade de

organizar, categorizar, descrever, analisar a informação de forma a identificar

padrões e, consequentemente, a própria identidade de cada um através do pensar

na forma de linguagem “eu sou”.

Para que exista comunicação entre os seres humanos, eles devem ter em

comum certa porção de realidade, portanto o sistema nervoso deve ser virtualmente

idêntico na capacidade de perceber informação do mundo externo, processar e

integrar essa informação no cérebro e ter, ainda, sistemas similares de expressão

entre eles, pensamento, linguagem e ação.

Como explicar, descrever e analisar as experiências do homem, em todos os

momentos da vida? Como apreender, reagir e interpretar tudo aquilo que é

percebido pelo homem, não somente em nível de sistema biológico? A resposta é

simples: pela relação estabelecida entre fenômeno-signo-pensamento. Os estudos

da linguagem podem se encaixar nessa ação triádica. A linguagem seria o signo,

que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é,

sistemas de significação. Dessa forma, surge a semiótica, como a “arte dos sinais”, a

ciência geral dos signos e da semiose, que estuda toda a experiência e pensamento

do homem. A semiótica tem, assim, a sua origem na mesma época que a filosofia.

Da Grécia até os dias atuais ,vem-se desenvolvendo continuamente.

Segundo os historiadores, 75% do vocabulário científico e filosófico existente

provém de Aristóteles. De fato, os gregos, os pais da razão, elevaram a história

cultural da humanidade a um novo patamar: a invenção da razão. Mostraram aos

homens como pensar. Segundo Eco (1984), a ideia de uma doutrina dos signos

surge com os estoicos. Para Todorov (1977), a história da semiótica pode ser

dividida em dois períodos: o clássico (dos gregos até o fim do século XVIII), cujas

principais linhas envolvem Aristóteles e Platão, os estoicos e Santo Agostinho, e o

período romântico, após o século XVIII. Hipócrates (460 – 375 a.C.), o grego “pai da

medicina” foi o primeiro a suspeitar que o cérebro fosse a “sede do pensamento e da

emoção”.

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O pensamento grego mostra a história da filosofia ocidental, a qual começa

num período em que o sentido do horizonte levanta o olhar dos homens dos mitos e

rituais, das crenças e costumes correntes da tradição grega da Ásia Menor. Dessa

forma, em uma civilização assentada, a regularidade dos fenômenos naturais e sua

conexão em largas áreas de experiência, torna-se significante. Durante séculos,

historiadores questionaram a origem dessa “cultura”, mais especificamente quanto

ao “milagre grego”. Esse conhecimento teria nascido por si mesmo ou dependeu de

contribuições da cultura de outras civilizações?

O trabalho de formulação da experiência grega culminou nas magníficas

doutrinas de Platão e Aristóteles. Ambos têm sua raiz em Sócrates. Platão (427 –

347 a.C.) definia o homem como animal racional político, para além das coisas

sensíveis, do que se vê, ouve, sente por meio dos sentidos e, ainda, das formas

inteligíveis: o mundo das ideias ou formas. Para Platão, pensamento e discurso são,

pois, a mesma coisa, salvo que é o diálogo interior e silencioso da alma consigo

mesma que denomina pensamento. Toda sua concepção gira em torno da relação

entre as formas ou ideias e o mundo empírico da realidade cotidiana. Platão

intercambiava as palavras gregas ideia e eidos (eidos como “forma”). Para Platão,

signo (semeion) seria “presságio”, daí o sentido de “revelar” atribuído ao signo.

Aristóteles (384 – 321 a.C.) se interessava em estudar desde a natureza

visível (física) ao mundo das ideias (metafísica), da estrutura do pensamento (lógica)

às leis que governam a sociedade (política), do comportamento do homem (ética e

psicologia) à poética. Aristóteles concebia o homem como ser sui generis, em cuja

natureza se inscreve a capacidade racional de organizar a convivência humana em

busca da excelência. O organismo é levado da potencialidade à realidade pela forma

e, essa forma aristotélica confere um impulso interior residente em cada organismo e

motiva seu desenvolvimento. O universo de Aristóteles possuía uma notável

consistência lógica de crença na força do pensamento humano, para compreender

racionalmente o mundo onde o signo é a presença de algo ausente que ele

representa. Esse conceito de signo leva a uma semiótica não linguística, para a qual

o fenômeno é compreendido como uma lei universal.

Os estoicos (Séc. II a.C. – Séc. II d.C.) eram materialistas e, ao referir-se ao

signo, criaram um modelo o qual influenciou Charles S. Peirce (1839 – 1914). Dessa

forma, o signo era denominado a partir de algo diretamente evidente, mas que

conduzia a concluir a respeito da existência de algo que não o era. Exemplo:

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fumaça, logo, fogo. Portanto, o modelo estoico de signo tem a forma de uma

implicação (relação), sendo que as variáveis são proposições pelas quais se

expressam os fenômenos.

Santo Agostinho (354 – 430), na obra De Magistro, afirma que, quando se

escreve uma palavra, apresenta-se para os olhos um signo que desperta na mente o

que se percebe com o ouvido. Santo Agostinho fornece uma série de conceitos que

vêm a constituir os elementos básicos de uma semiótica como teoria dos signos.

Resolve a relação entre a proposição signo–conclusão–significado realizando a

articulação entre teoria dos signos e teoria da linguagem. Para ele, os signos são a

espécie da qual os signos linguísticos são um gênero, como tantos outros signos

(emblemas, gestos, sons, etc.).

A semiótica, como teoria geral dos signos, tem a sua etimologia do grego

semeion, que significa “signo” e sema, que pode ser traduzido por “sinal” ou “signo”.

Peirce (2008) afirma que a semiótica é a ciência dos signos e dos processos

significativos (semiose) na natureza e na cultura. Ocupa-se do estudo do processo

de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia.

Essa ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico: Artes Visuais, Música,

Fotografia, Cinema, Gestos, Religião, Ciência, etc. Partindo do exame de categorias,

em que se revela a tríade fenomenológica (firstness, secondness, thirdness), O autor

apresenta a observação e a experiência como a gênese de todo conhecimento. Com

a faculdade fisiológica de ver, descreve minuciosamente e generaliza a experiência

apreendida para evidenciar o fenômeno. “Ver”, sem a venda de pré-concepções, é o

olhar do artista, como evidencia Peirce (2008, p. 98): “Essa é a faculdade do artista

que vê, por exemplo, as cores que aparecem na natureza do modo como se

apresentam [...]. Este poder observacional do artista é o que mais se requer no

estudo da fenomenologia.”

O autor concluiu que tudo o que parece a consciência assim o faz numa

gradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de

toda e qualquer experiência. Essas categorias foram denominadas qualidade,

reação e mediação. Peirce preferiu fixar-se na terminologia de Primeiridade,

Segundidade e Terceiridade.

A Primeiridade (Firstness) consiste na presença de imagens diretamente à

consciência, é uma impressão (sentimento) não analisável, sem uma consciência

propriamente dita. O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor,

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cor, textura, odor, matiz à consciência imediata, aquilo que se oculta ao

pensamento. Nessa medida, a primeiridade é presente e imediata, numa relação

sensível, é original, sem relação com outros fenômenos do mundo, onde se vê

aquilo tal como é, por exemplo, uma flor.

Segundo Santaella (1985),

[...] o primeiro (primeiridade) é presente e imediato, de modo a não ser segundo para uma representação. Ele é fresco e novo, porque, se velho, já é um segundo em relação ao estado anterior. Ele é iniciante, original, espontâneo e livre. Porque senão seria um segundo em relação a uma causa. Ele precede toda síntese e toda diferenciação; ele não tem nenhuma unidade nem partes. Ele não pode ser articuladamente pensado; afirme-o e ele já perdeu toda sua inocência característica, porque afirmações sempre implicam a negação de uma outra coisa. Pare para pensar nele e ele já voou. (SANTAELLA, 1985, p. 112).

A Segundidade (Secondness), na arena da existência cotidiana,

continuamente esbarra em fatos externos, reais, que não cedem ao sabor de

fantasias internas. Nisto consiste o caráter de segundidade: “conflito”. Não é o não

analisável da primeiridade, mas necessita dela para existir. Existir é estar numa

relação, tomar lugar nas determinações do universo, resistir e reagir, ocupar um

tempo e um espaço particulares. O aspecto segundo é o mundo do pensamento,

sem, no entanto, a mediação de signos. Representa uma consciência reagindo ante

o mundo, em relação dialética, uma relação dual. É a categoria da comparação, por

exemplo, uma flor é o nome genérico para rosas, margaridas, etc. Assim sendo, o

fato de existir está nessa corporificação material.

Nas palavras de Santaella (1985, p. 65), “é a compulsão, a absoluta coação

sobre nós de alguma coisa que interrompe o fluxo de nossa quietude, obrigando-nos

a pensar de modo diferente daquilo que estivemos pensando, que constitui a

experiência”.

A Terceiridade (Thirdness) contém as duas outras categorias citadas. A

primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, sua

originalidade e liberdade. A Segundidade é aquilo que dá à experiência seu caráter

de luta, reação. Finalmente, terceiridade, no que concerne ao pensamento,

corresponderia ao nível simbólico, sígnico, no qual se representa e interpreta o

mundo. Não é um caráter passivo, primeiro, mas a união deste com o segundo,

acrescentando um fator cognitivo. Há uma síntese intelectual e laboração cognitiva.

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Na terceiridade é posta uma camada interpretativa entre a consciência

(segundidade) e o percebido (primeiridade). Essa é a função de mediação, que

possibilita a linguagem e a cognição, um número maior de fenômenos.

A terceiridade é a categoria que relaciona um fenômeno a um terceiro termo,

gerando, assim, a representação, a semiose, os signos em si. Por exemplo, uma flor

pode representar a mocidade, a pureza, a candura, além do próprio tipo vegetal.

Para Peirce (2008), [...] aquele elemento da cognição que não é nem sentimento nem o sentido de polaridade, é a consciência de um processo, e isto, na forma do sentido de aprendizado, de aquisição de desenvolvimento mental, é eminentemente característico da cognição. Este é um tipo de consciência que não pode ser imediato porque cobre um certo tempo, e isso não apenas porque continua através de cada instante desse tempo mas porque não pode ser contraído para caber num instante. Difere da consciência imediata tal como uma melodia difere de uma nota prolongada. Tampouco pode a consciência dos dois lados de um instante, de um evento súbito, em sua realidade individual, abarcar a consciência de um processo. Esta é a consciência que une os momentos de nossa vida. É a consciência da síntese. (PEIRCE, 2008, p. 113).

Ainda segundo Peirce (2008), parece, portanto, que as verdadeiras categorias

da consciência são: primeira, sentimento, a consciência passiva da qualidade, sem

reconhecimento ou análise; segunda, consciência de uma interrupção no campo da

consciência, sentido de resistência, de um fato externo ou outra coisa; terceira, a

consciência sintética, reunindo tempo, sentido de aprendizado, pensamento.

Nesse caráter fenomenológico, Peirce começou a esquadrinhar seu sistema

filosófico. Dessa forma, a fenomenologia transformou o modo de percepção do

mundo. Essa experiência do mundo tende à produção do pensamento e da

cognição, e se expressa em representações gerais. Tais representações constituem

o pensamento mediático. A partir daí, têm-se delineados os pressupostos

fundamentais para uma teoria dos signos como mediação entre o objeto e a

consciência, que se constitui na semiótica propriamente dita. Da tríade

fenomenológica, Peirce extraiu a tríade semiótica, com a divisão dos signos em

ícones, índices e símbolos.

Para esclarecer a definição de signo, o autor estabeleceu o conceito de

relação sígnica. Toda relação sígnica envolve o signo propriamente dito, como

mediador entre o objeto e seu interpretante. O significado de um signo é outro signo,

que se chama de interpretante. O termo aqui não se refere à pessoa que interpreta,

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mas ao que ocorre na mente do intérprete. Esse interpretante pode ser uma

imagem, uma ideia, uma palavra, sentimento, etc.

Tendo suas categorias e a noção de signo, Peirce estabeleceu uma rede de

classificações sempre triádicas dos tipos de signo, tomando como base as relações

em que ele se apresenta. A relação mais elementar entre essas tríades se dá

tomando-se a relação do signo consigo mesmo (primeiridade), com seu objeto

dinâmico (segundidade) e com seu interpretante (terceiridade). Ao se pegar um

signo com seu objeto em aspecto icônico, tem-se:

um representâmen, cuja Qualidade Representativa é uma sua Primeiridade como Primeiro. Ou seja, a qualidade que ele tem qua coisa o torna apto a ser um representâmen. Assim, qualquer coisa é capaz de ser um substituto para qualquer coisa, com a qual se assemelhe. (PEIRCE, 2008, p. 64).

O ícone representa, então, seu objeto como qualidade, qualquer coisa,

podem ser imagens, que representam seus objetos por semelhança, diagramas, que

representam os objetos por relações análogas entre as partes. Dessa forma, um

ícone é um signo que possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu

objeto não existisse, tal como um risco feito a lápis, representando uma linha

geométrica.

Partindo novamente da relação do signo com seu objeto, agora em caráter de

segundidade, encontra-se o índice. Aqui, o signo permanece bem mais restrito e

concreto, pois “indica”, atrai a atenção para o objeto particular sem descrevê-lo.

Examinemos alguns exemplos de índices. Vejo um homem que anda gingando. Isso é uma indicação provável de que é marinheiro. Vejo um homem de pernas arqueadas usando calça de veludo, botas e uma jaqueta. Estas são indicações prováveis de que é um jóquei ou algo assim. Um quadrante solar ou um relógio indicam a hora. Os geômetras colocam letras em partes diferentes de seus diagramas e, a seguir, usam estas letras para indicar essas partes. Tudo o que atrai atenção é índice. Tudo o que nos surpreende é índice, na medida em que assinala a junção entre duas porções de experiência. Assim, um violento relâmpago indica que algo considerável ocorreu, embora não saibamos exatamente qual foi o evento. Espera-se, no entanto, que ele se ligue com alguma outra experiência. (PEIRCE, 2008, p. 67).

Assim sendo, um índice é um signo que, de repente, perderia seu caráter que

o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter

se não houvesse interpretante. É uma parte representada de um todo anteriormente

adquirido pela experiência subjetiva ou pela herança cultural. Exemplo: onde há

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fumaça, há fogo. Quer isso dizer que através de um indício obtêm-se conclusões. A

principal característica do signo indicial é a ligação física com seu objeto, como uma

pegada é um indício de quem passou.

Em terceiridade, ao ter-se o símbolo como ponto de partida, vê-se, no signo

em si mesmo, um caráter de lei, ou o signo no qual o modo de significação é o mais

completo, no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se

referindo àquele objeto. Qualquer palavra comum, como “dar”, “pássaro”, “casamento”, é exemplo de símbolo. O símbolo é aplicável a tudo o que possa concretizar a idéia ligada à palavra; em si mesmo, não identifica essas coisas. Não nos mostra um pássaro, nem realiza, diante de nossos olhos, uma doação ou um casamento, mas supõe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas associar a palavra. (PEIRCE, 2008, p. 73).

Um símbolo, para Peirce (2008), é um representâmen cujo caráter

representativo consiste exatamente em ser uma regra que determinará seu

interpretante. Todas as palavras, frases, livros e outros signos convencionais são

símbolos. Ora, encontra-se a palavra símbolo, desde cedo, usada para significar

uma convenção ou contrato. Aristóteles chama o substantivo de “símbolo”, isto é, um

signo convencional.

Nesse aspecto podem ser encontrados os códigos, não especialmente um

código genético, por exemplo, mas a linguagem como código criado na esfera

humana. Na forma expressa de terceiridade, percebe-se que o terceiro sempre

precisa do primeiro e do segundo para sua existência, pois, se assim não fosse, não

teria seu caráter designativo ou qualitativo numa lei, ou num processo superior

humano.

O tempo presente caracteriza-se pelo século da comunicação. Para alguns, o

mundo constituiria uma autêntica “aldeia global”, habitada por “tribos”, possibilitadas

uma e outra pelas novas tecnologias de informação e comunicação. “Comunicar”

significa “tornar comum”. No processo de comunicação, que pode ser entendido

como a troca de uma mensagem entre um emissor e um receptor, os signos

desempenham um papel fundamental. Sem signos, não há mensagem, nada se

pode pôr em comum (DELORS, 2006).

Para Peirce, pai da semiótica moderna, a mente não é uma tabula rasa, nem

um conjunto de formas a priori nas quais se encaixam os dados sensíveis. A mente

é uma cadeia de signos, pelos quais o mundo é apreendido. Como afirma o autor, só

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se pensa com signos. Assim, surge a semiótica, como a ciência ou teoria geral da

produção dos signos. A semiótica, atualmente, é um campo de grande amplitude e

variedade teórica. Sempre que se pensa, tem-se presente na consciência algum

sentimento, imagem, ritmo, concepção ou outra representação que sirva como

signo.

Daí vem a necessidade básica do “significar”, que certamente é óbvia apenas

no homem: a necessidade de o homem transformar o mundo natural captado pelas

impressões de mensagens sensoriais num universo simbólico que permite a

construção de um complexo conceitual. Para Peirce (2008), o universo é semiótico,

e o homem interage com os sinais, lendo os que o antecedem e formulando novos

sinais em suprimento das necessidades emergentes. A visão de Peirce sobre o

universo resultará no entendimento das cognições, das ideias e até do homem,

como entidades semióticas; e como tal, um signo se refere a outras ideias e a outros

efeitos do mundo a que se reflete um passado.

Significar, que na sua origem etimológica do latim revela “fazer sinal”, implica

algum tipo de ação comunicativa intencional entre seres humanos. O homem, então,

surge como a única espécie capaz de transformar o mundo e a si mesmo através de

sua capacidade imaginativa (imaginário), atribuir significação (simbólico), e recriar o

real. Sendo a significação um valor agregado às coisas, à natureza e ao próprio

homem, a semiótica surge como mediadora entre os instrumentos que permitem aos

homens agirem sobre a natureza e transformá-la, dando origem ao conjunto das

produções materiais que formam o campo da cultura e o simbólico, que constitui um

sistema de signos que permite aos homens atribuir significação à realidade do

mundo e às coisas produzidas por eles.

Dessa forma, a significação não é algo pronto que circule através dos signos,

mas algo que é objeto de constantes reelaborações em função das condições

histórico-culturais de cada intérprete. Pensar palavras, gestos, imagens, sons,

movimentos, na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e

que seja usada para impor um significado à experiência. Tudo que for necessário

para obter informação adicional no sentido de agir, assim como as histórias, rituais,

costumes, melodias, valores, as ideias, atos, emoções, são produtos culturais, não

são apenas simples expressões da existência biológica, psicológica e social: são

seus prerrequisitos, são o locus. Isso permite pensar a significação como um

processo de produção ou semiose no qual a capacidade de significar, mais do que

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criar instrumentos, permite ao homem a transformação do mundo natural num

universo simbólico, universo de representações ou universo cultural.

Sendo assim, torna-se fundamental um “olhar” à teoria dos signos, a

semiótica, como forma de análise de diversas representações, sejam elas verbais,

sonoras ou visuais para as ciências cognitivas e as teorias educacionais.

Uma das possibilidades de aplicação da semiótica é através do estudo de

análise de imagens. Amplia-se aqui o conceito de imagens para além do sentido

iconográfico, pois o conceito de simbólico trata as imagens em significados além dos

ícones. Mesmo não conhecendo o código e o contexto da imagem e do autor, pode-

se analisá-la por seus elementos estruturantes. Esse método permite a

fragmentação da imagem e trabalha os procedimentos relacionais de seus

elementos estruturantes e suas significações. Assim, a análise semiótica de imagens

possibilita um diálogo de relações e abrange um universo de possibilidades

potencializadas pela imagem em movimento: o Cinema.

Como o homem construiu esse sistema de significação existencial? Do

biológico: um corpo, um cérebro que transforma impulsos eletroquímicos em sinais,

signos para o psicossocial. Do individual, subjetivo, interno, para o coletivo, externo,

resultado das produções humanas: a cultura das civilizações.

Charles Darwin demonstrou há um século e meio que o cérebro evoluiu, mas

apenas recentemente pôde-se afirmar que o mesmo ocorreu com a mente. Não há

evolução sem mudança. Logo, pergunta-se como e o que mudou no pensamento

humano ao longo dos tempos. Partindo do cérebro como fonte cultural, como fonte

de significações, o organismo inteiro vai se transformando à medida que o homem

se “olha” dentro de uma perspectiva histórico-cultural.

No olhar do artista, do cientista, do homem frente ao fenômeno analisado,

surge a materialidade e o simbólico, o biológico e o psicossocial, a semiótica como

um sistema sígnico capaz de ressignificar o processo de evolução do homem.

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2.5 A REAÇÃO ESTÉTICA SUSCITADA PELA ARTE COMO FORMA DE

EXPLICAR O COMPORTAMENTO HUMANO NA CONSTITUIÇÃO DA

TOTALIDADE DO SENTIDO

A psicologia, constituída em uma ciência particular para compreender a mente

humana, tem como um de seus principais debates a produção/criação de sentidos e

a necessidade do homem de dar sentido à vida.

Para compreender a categoria “sentido” no pensamento de Vygotsky (1896 –

1934), adotou-se a análise do subtexto, isto é, a gênese e intencionalidade de seus

textos. Com base na leitura de A tragédia de Hamlet: o príncipe da Dinamarca e

Psicologia da arte, pensamento e linguagem, Vygotsky (2001; 2008) faz inúmeras

referências a poetas e obras literárias para mostrar que a reação estética

experimentada pela arte é imprescindível para a psicologia poder explicar o

comportamento humano, e que o sentido é a categoria mais importante da

consciência. O sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por

toda a riqueza dos momentos existentes na consciência.

Como contribuição à psicologia, Vygotsky oferece a explicação da gênese e

da constituição das funções psicológicas superiores, enfatizando a mediação da

linguagem e as relações entre palavra e pensamento na confirmação da

consciência.

Vygotsky postula também que a consciência não se esgota na palavra, e a

dimensão semântica da palavra não esgota a configuração do sentido, não

contempla a totalidade da categoria sentido, porque não dá conta do sentido do

todo. Para isso, é necessário trazer a estética, porque insere as sensações e as

emoções que Vygotsky define como um reflexo na consciência, portanto, a

psicologia da arte elucida o enigma dos sentidos ao incluir as emoções estéticas.

Desta forma, as reflexões de Vygotsky sobre a arte ajudam a compreender

que o signo semântico é indissociável do signo estético. A originalidade da visão

psicológica da arte é o reconhecimento da arte como técnica social do sentimento

que parte da análise dos mecanismos da arte para chegar à síntese psicológica.

Assim, ao afirmar que a arte é um conjunto de signos estéticos destinados a suscitar

emoções nas pessoas, Vygotsky está propondo que a análise desses signos recria

os fenômenos psicológicos que correspondem aos mecanismos da arte.

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A fase inicial do desenvolvimento da teoria histórico-cultural do

desenvolvimento humano de Vygotsky é caracterizada pela investigação da arte,

dos produtos e processos do comportamento artístico. Baseada nessa teoria, a

psicologia da arte esboçada por Vygotsky constitui o primeiro modelo de uma

psicologia dialética que investiga o papel central da função semiótica (significação

dos signos) na vida psicológica e as relações fundamentais entre a realidade sócio-

histórica do desenvolvimento humano e as estruturas e processos da psique

individual. O surgimento da função simbólica, analisada principalmente através das

modificações que o surgimento da linguagem provoca no comportamento e nas

capacidades mentais, intelectuais e emocionais na criança, modifica a relação da

criança com o mundo que a cerca e consigo mesma. Ao modificar seu campo de

ação possível, seus interesses e seu comportamento, substitui as estruturas

sensório-motoras e intelectuais por novas concepções presentes e possibilidades

futuras. Desse modo, o despertar da função simbólica se introduz na relação entre o

sujeito e a realidade que o cerca; o signo como uma estrutura dual ou mediadora

existindo no mundo objetivo da percepção como objeto interno. A mediação é, de

início, relação instrumental. A criança age na realidade por intermédio do adulto. O

uso dos signos modifica o universo perceptivo da criança, modifica a relação entre

as funções mentais, modifica a natureza dos processos mentais. O uso dos signos

efetua a passagem das funções inferiores para as superiores caracterizadas pela

natureza social, cultural e histórica. As funções psicológicas superiores formam-se

no diálogo e nas trocas sociais e diferenciam-se, na formulação de Vygotsky, num

processo de interiorização dessas relações.

Para Vygotsky, se a psicologia da arte estuda o comportamento estético,

englobando tanto a produção quanto a recepção da obra de arte, também pretende

conhecer e estabelecer as leis psicológicas que explicam o influxo da arte sobre o

homem, a recepção da obra de arte propiciada pela reação estética e pela catarse

que revela o comparecimento da arte/estética na constituição do sentido. Na análise

da resposta estética, portanto, a função do signo artístico, como a de socializar a

emoção de “trazer ao círculo da vida social os aspectos mais íntimos da experiência

humana” (VYGOTSKY, 2001, p. 45), corresponde aos processos psicológicos que

respondem à estrutura de estímulos da arte, apreende a contradição dialética, entre

a forma (matéria e conteúdos culturais) e o conteúdo, conferindo uma qualidade

nova à dinâmica das relações entre material e forma da obra de arte e permite

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estabelecer as leis psicológicas que regem a psicologia da arte.

Para Vygotsky, a ideia central da psicologia da arte é o reconhecimento da

arte como técnica social do sentimento. Essa nova qualidade das relações entre

material e conteúdo que articula a resposta estética tem a função de conciliar os

sentimentos opostos na consciência do apreciador, num momento de resolução e

solução da contradição, a catarse, que, na reação estética, conforme Vygotsky, tem

um conteúdo diferente da concepção psicanalítica da descarga de energia

emocional e possui uma qualidade distinta do significado de catarse de Aristóteles,

porque, além de educativa, é transformadora. Na arte, a dialética entre o individual e

o social, os aspectos mais íntimos e pessoais do ser, incorporam-se ao grande

círculo da vida social.

A arte introduz cada vez mais a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno, modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que sem ela teriam permanecido indeterminadas e imóveis. [...] Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isso deixar de continuar social. (VYGOSTKY, 2001, p. 56).

Por isso, a arte é o social em cada um, reflexão fundamental à compreensão

do sentido estético-ontológico. O sentido da arte na psicologia antecipa a

reconstrução da categoria sentido nas relações entre significado, sentido, emoções,

pensamento e palavra, sem com isso deixar de ser social.

Vygotsky (2008) chama a atenção, também, para a formulação do sentido

como a “soma de todos os fatos psicológicos” em pensamento e linguagem e para a

formulação que aparece na psicologia da arte como a “síntese psicológica”. Assim,

permite pensar que a categoria sentido tem implicações mais profundas, que

superam a atribuição de sentidos e significados da linguagem e da comunicação

humana e não se fixa aos postulados da semântica das palavras, mesmo porque o

próprio autor alerta que o sentido se separa da palavra, pode ultrapassar e até

mesmo existir sem palavras.

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CAPÍTULO III - METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA IMAGEM

CINEMATOGRÁFICA

Esta é uma pesquisa descritiva, qualitativa de análise da imagem, cujo

tratamento dos dados apresenta uma combinação de diferentes teorias originadas

da história da arte com a iconologia, da filosofia com a semiótica e da psicologia da

arte com a reação estética, caracterizando a triangulação metodológica.

Denzin (1989, p. 45) enfatiza o fato de que a “triangulação do método

continua sendo a estratégia mais sólida da construção da teoria”. Num primeiro

momento, a triangulação foi conceitualizada como uma estratégia para a validação

de resultados obtidos com métodos individuais. O foco, no entanto, se direciona para

embasar, completar e ampliar a produção do conhecimento adquirido através dos

métodos qualitativos. A triangulação metodológica representa, então, mais uma

alternativa para a validação que amplia o escopo, a profundidade e a consistência

nas investigações metodológicas. (DENZIN, 2000; FLICK, 2002).

Esta pesquisa qualitativa tem por meta fazer jus à complexidade da realidade,

à captação do fenômeno que exige mais que mensuração de dados. Seja como for,

esses questionamentos e análises mostram que os quadros teóricos que sustentam

as hipóteses de trabalho são discutíveis, porque se trata de filigramas da alma

humana, profundas e sensíveis, cuja formalização é árdua. As teorias estão muito

aquém da riqueza do fenômeno, permitindo análises interpretativas restritas dos

dados, que terão de ser formalizados. Todavia, frente a um universo complexo, não

linear, a formalização deve captar a intensidade do fenômeno. Para isso ser

possível, é necessário trabalhar-se com um pequeno grupo, que jamais representará

a totalidade da cultura chinesa, mas pode ser a representação da história da China

de determinados padrões culturais.

Dessa forma, o uso da imagem cinematográfica de Zhang Yimou ocupa o

lugar de ilustração, ou seja, de “estudo de caso”, como forma de conhecer a cultura

chinesa. Utilizam-se recursos da iconologia, semiótica e psicologia da arte, o que

pode ser feito com outras imagens cinematográficas similares, para aquisição de

conhecimentos da cultura de outras sociedades. A iconografia e a simbologia

presentes na obra de Zhang Yimou “representam” a realidade cultural da China,

como outras podem “representar” a realidade cultural de outras sociedades. Assim

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sendo, o “estudo de caso” da China se limitaria à análise das imagens

cinematográficas na obra de Zhang Yimou utilizando as seguintes categorias:

relações de poder político, gênero feminino, educação, estética e ética da morte.

3.1 ETAPAS METODOLÓGICAS PARA OBTENÇÃO DAS IMAGENS A SEREM

ANALISADAS

As etapas metodológicas para obtenção das imagens analisadas envolvem

desde a seleção dos filmes ao recorte das cenas para análise e ao framing para a

captura das imagens.

3.1.1 Seleção de filmes

Inicialmente, foram selecionados quais filmes seriam utilizados nesta

pesquisa. Ficou estabelecido que seriam dez filmes do cineasta chinês Zhang

Yimou, no período de 1987 a 2006, que representam desde a formação do Império

chinês até os dias atuais na apresentação da abertura dos Jogos Olímpicos de

2008.

Para acesso aos filmes, foram utilizadas estratégias de locação e compra de

DVDs via internet. Apenas cinco filmes são distribuídos no Brasil:

a) Nenhum a menos (1999);

b) Herói (2002);

c) O clã das Adagas Voadoras (2004);

d) Um longo caminho (2005);

e) A maldição da flor dourada (2006).

Os demais tiveram de ser adquiridos via internet:

a) O Sorgo Vermelho (1987);

b) Lanternas vermelhas (1991);

c) A história de Qiu Jú (1992);

d) Tempo de viver (1994);

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e) Happy Times (2001).

Todos os filmes foram, então, percebidos através de um primeiro olhar que

delimitou trechos a serem analisados com mais profundidade nesta pesquisa. A

delimitação de trechos foi importante também para que a Banca Examinadora

pudesse avaliar o material, já que o conjunto de todos os filmes equivale a mais de

15 horas.

As sinopses dos filmes são apresentadas a seguir, por ordem cronológica:

a) O sorgo vermelho (1987): A história se passa em meados das décadas

de 20 e 30, contando a história de uma jovem noiva prometida a um velho

moribundo, dono de uma destilaria de vinho na província de Shandong. O

ambiente é rural, os moradores da região não são muitos. A jovem é

conduzida de sua cidade para o futuro marido por carregadores

desajeitados. Há o trabalhador apaixonado pela jovem e, principalmente,

há o grupo, a turma de companheiros. O tempo passa. O marido é

misteriosamente assassinado e a jovem se torna a herdeira de uma

destilaria de vinho e sorgo. São retratados a violência do mundo de fora

com a ocupação japonesa, o heroísmo desajeitado da população e a

esperança representada pelos comunistas.

b) Lanternas vermelhas (1991): A história se dá no início do Séc. XIX, na

China. Um homem muito rico mantém as tradições de sua família, como

manter casamento com diversas esposas ao mesmo tempo, fazendo-as

tomar as refeições diariamente juntas e colocando-as para morar numa

espécie de vila particular onde cada uma tem sua casa de frente para a

outra. Todos dos dias o marido escolhe com qual delas vai passar a noite

e o sinal é a colocação de inúmeras lanternas vermelhas na porta da casa

escolhida. Cada uma delas espera na porta de sua casa. O filme é focado

na quarta esposa, uma jovem que chegou a cursar a faculdade, mas foi

obrigada pela família a se casar. Cada uma das esposas tem

personalidade e idade diferentes e cada uma usa de suas armas para ter a

preferência do marido.

c) A história de Qiu Jú (1992): Uma jovem grávida trava uma batalha

jurídica e existencial em busca do seu senso moral de justiça. Qiu Jú mora

no campo de plantação de pimenta, está grávida do primeiro filho e,

juntamente a seu marido, pede autorização ao chefe local para utilizar

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uma parte da terra na construção de uma casa para armazenar a pimenta.

O chefe nega o pedido. Irritado, o marido da jovem ofende verbalmente o

chefe. Em resposta, o chefe chuta com força seus testículos. Depois de

levar o marido ao médico, Qiu Jú percebe que houve abuso na atitude do

chefe. Sentindo que seu marido sofreu uma injustiça, ela espera que o

chefe “peça desculpas”. Para tanto, buscará uma resposta através de

procedimentos jurídicos.

d) Tempo de viver (1994): Parte da história da China do século XX, dos

anos 40 aos anos 80, abrangendo a invasão japonesa e a Revolução

Cultural. O filme começa com uma cena de jogo e de apostas a qual

apresenta um homem do povo que, de inveterado jogador e herdeiro de

bens, se transforma em operador de marionetes. A guerra chega. O

chinês luta por sua sobrevivência, levando consigo, numa caixa de

madeira com os bonecos.

e) Nenhum a menos (1999): Inspirado em uma história real, narra a

experiência de uma jovem de 13 anos, chamada para substituir o mestre,

que precisa se ausentar para cuidar da mãe doente. Em uma pequena

escola rural, na época do governo de Mao, uma professora trabalha

ensinando crianças no interior da China. Há várias faixas etárias em

condições precárias. Assim, a jovem assume com o velho mestre o

compromisso de que, quando ele retornasse, não haveria “nenhum a

menos“ entre os alunos. A jovem empreende uma incessante busca a um

dos alunos que “se evade” da escola, em busca de trabalho na cidade

grande.

f) Happy times (2001): Zhao, aos 50 anos, decide antecipar a

aposentadoria. Ele se deixa enganar por uma gorducha viúva que o

convence a se casar. Ela acredita que Zhao é dono de um rentável hotel.

Pede ao noivo de presente de casamento uma importância em dinheiro.

Ajudado por um amigo, eles transformam um velho ônibus numa espécie

de motel ambulante. Zhao conhece uma jovem cega que lhe pede

emprego como massagista no motel, mas a polícia logo leva seu “motel

ambulante”, mudando sua sorte. g) Herói (2002): O filme é ambientado na China Antiga, quando sete reinos

lutavam pelo domínio do território que viria a formar o país. O reino de Qin

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é o mais forte e o seu monarca o mais determinado a unir os territórios,

formando um vasto Estado sob seu reinado. A trama gira em torno do

herói, um guerreiro que entra no palácio do imperador Qin alegando ter

matado os inimigos mortais do soberano. Como prova, carrega as armas

dos três maiores guerreiros da região: Espada Quebrada, Neve Flutuante

e Céu. Em audiência com o imperador, o herói explica como conseguiu

vencer guerreiros aparentemente superiores a ele. É no relato do herói

que toda a história se desenvolve, em três versões: a dele próprio, a do

imperador e a que mostra como tudo realmente aconteceu. Herói conta

uma história de lutas, de amor à pátria e, sobretudo, sobre o sacrifício

humano em prol de um bem maior.

h) O clã das adagas voadoras (2004): O filme retrata a história da dinastia

Tang, outrora poderosa, e em atual decadência. O Imperador é

incompetente e o governo corrupto não controla mais a nação. Surge o

Clã das Adagas Voadoras, Aliança secreta onde os rebeldes armados

juntam-se em protesto ao governo. Dois guardas do exército chinês têm a

missão de investigar o envolvimento de uma cortesã cega que chega à

cidade. Em ambientes rurais da China feudal, o capitão do exército chinês

faz-se passar por um guerreiro solitário e salva a bailarina revolucionária

da prisão. Em seguida, a acompanha até a casa secreta do “Clã das

Adagas Voadoras”. Neste percurso, a história se desenvolve na relação

entre os três personagens: os dois capitães do exército e a bailarina

revolucionária.

i) Um longo caminho (2005): A história trata do pescador japonês Takata,

que está de relações cortadas com o filho, desde a morte da mãe. Sua

nora lhe contata informando que seu filho possui câncer de fígado, o que

inevitavelmente o levará à morte. Takata viaja até Tóquio tendo em vista a

reconciliação com o filho, que se recusa a vê-lo. A nora lhe empresta uma

fita de vídeo que contém um documentário inacabado sobre a Ópera

Chinesa. Para terminar a obra, é necessário que o cantor Li represente a

ópera Riding Alone for Thousands of Miles. Após ver o vídeo, Takata

decide viajar pelo sul da China e gravar a atuação de Li, como forma de

realizar uma das últimas vontades do filho.

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j) A maldição da flor dourada (2006): O filme retrata o período da China

medieval, na dinastia Tang, por detrás das coloridas paredes do Palácio

Imperial, em que se escondem inúmeros segredos capazes de desabar a

dinastia. Um deles é da imperatriz que mantém uma relação incestuosa

com seu enteado, o príncipe herdeiro do trono. O Imperador, tomando

conhecimento, instrui o médico da Corte a ministrar um veneno à

imperatriz, em vista ao tratamento de uma anemia. O príncipe “Jie”,

quando descobre os planos de assassinato de sua mãe, associa-se à

conspiração da imperatriz para tomar o poder na noite da “Festa dos

Crisântemos”.

O cinema chinês começou os primeiros passos no século XX com uma

grande diversidade de estilos e correntes, sendo os realizadores de filmes

classificados por gerações. Assim, tem-se a primeira geração, de 1905 a 1932; a

segunda geração, de 1932 a 1949; a terceira geração, de 1950 a 1960; a quarta

geração, de 1960 a 1980); a quinta geração, de 1982 a 1989; e a sexta geração, de

1990 até a atualidade.

Os membros da quinta geração, da qual Zhang Yimou faz parte, partilham o

fato de terem frequentado a Academia de Cinema de Pequim e concluído seus

estudos em 1982. Com a compra da primeira máquina fotográfica, Yimou

apresentou o seu portfólio de fotografias. As portas da academia abriram-se perante

a evidência do seu talento como fotógrafo. Participou como diretor de fotografia na

primeira obra de Chen Kaige, Yellow Earth, em 1984, que marcou o início da quinta

geração do cinema chinês. O que as suas câmeras captaram tinha invariavelmente

uma marca visual muito forte, suportada por um modelo narrativo estruturado de

forma diferente do que até então era produzido nos estúdios, segundo modelos de

produção ortodoxos. Imperava uma lógica de negação de tudo o que pudesse se

constituir como veículo de difusão de ideias contrárias às teses defendidas pela

Revolução Cultural. As câmeras só podiam ser utilizadas como instrumentos de

propaganda com intuito de “educar” as massas.

A quinta geração, de Yimou, afirmou-se por oposição às anteriores, mediante

a seleção de temas humanistas, com uma preocupação etnográfica. O desempenho

do indivíduo como motor da história, em contraponto com o coletivismo. Os heróis

são seres humanos com os quais é fácil se identificar. O individualismo se sobressai

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e estabelece um novo padrão nos dramas que discorrem na tela, nos mais diversos

enquadramentos. Outro aspecto que começa a aparecer nos filmes desta fase é o

intenso erotismo e sensualidade que as personagens femininas projetam. É o caso

de Sorgo Vermelho e de Lanternas Vermelhas. A sexualidade surge como um elo

estruturante nas narrativas e deixa de ser um tabu a evitar, como fora até então.

O microcosmo da aldeia é a representação da China. Os homens,

frequentemente prepotentes e austeros, sugerem a velha ordem instituída do regime

patriarcal. As mulheres, jovens heroínas, guerreiras, encarnam as virtudes e

revelam-se como protagonistas da mudança. Mudança era a chave dos novos

valores que as reformas promoviam.

Os filmes da quinta geração afirmaram-se como um testemunho de uma nova

mentalidade enriquecida com a capacidade crítica de julgar o passado e refletir

sobre os excessos cometidos pelas massas revolucionárias das décadas de 60 e 70.

Reescreve-se a história da China através da linguagem cinematográfica.

Visualmente, nos filmes de Yimou, existe uma grande preocupação e cuidado

com a fotografia, a luz, as cores e as texturas, resultando num enorme apuro visual,

umas de suas principais características. Com o foco na qualidade das fotografias

obtidas, a cor, a luz e a textura de suas imagens imprimem um ritmo ora contido, ora

intenso, preciso e adequado, à cultura oriental, a qual retrata de forma verossímil.

Nos filmes A história de Qiu Jú (1992) e Nenhum a menos (1999), Yimou

emprega uma estrutura narrativa muito próxima do chamado estilo documental de

filmagem, feita em locações reais, sem cenário fictício montado e contando com o

apoio de atores não profissionais.

Na última década, Yimou se dedicou às produções de filmes Wu Xia: o

cinema do movimento, do guerreiro de artes marciais que luta pela lealdade, justiça

e honra, imortalizado em lendas sobre grandes mestres com poderes mágicos.

Fazem parte deste gênero os filmes Herói (2002), O clã das adagas voadoras (2004)

e A maldição da flor dourada (2006). Esses três filmes exibiram o talento de Yimou

como mestre de efeitos visuais.

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3.1.2 Edição digital dos filmes

A seleção de cenas levou em conta imagens com maior abrangência em

signos de representações culturais. São cenas capazes de representar o simbolismo

presente durante diferentes ciclos culturais da China em determinados momentos

históricos. Os trechos foram selecionados através do software de edição digital

Windows Movie Maker, segundo os passos descritos:

a) importar mídia: pausa/dividir/pausa;

b) publicar filme: selecionar nome do arquivo;

c) configuração: DV-AVI (PAL);

d) salvar na pasta: arquivo filmes.

Os trechos foram separados e, posteriormente, montados seguindo a

sequência cronológica do filme. O produto final da montagem foram filmes mais

curtos, utilizados na análise e apresentação. Os filmes precisaram passar por um

segundo processo de edição digital, no qual o áudio de todos os filmes foi

equalizado. Devido à composição de cada filme, eles precisaram ser readequados

quanto à disposição em tela. Este processo aconteceu com filmes que haviam sido

adquiridos em formato de cinema conhecido como widescreen (caracterizado por

tarjas pretas nas extremidades horizontais da tela que permitem a exibição da

imagem na proporção de 16:9). Precisaram ser readequados ao formato padrão de

televisão (cuja proporção é de 4:3). Este processo permitiu que os filmes fossem

exibidos ocupando toda a tela em aparelhos televisores tradicionais, em

computadores e, em equipamentos de datashow.

Ao mesmo tempo em que se procedia ao corte e à montagem do segundo

filme, foram selecionadas cenas específicas para análise, as quais seriam

transformadas em imagens estáticas, permitindo impressão e apresentação. Foi

aplicado o processo de framing, que consiste em criar um novo arquivo de fotos a

partir de um arquivo de imagem em movimento. O processo foi realizado através do

mesmo software de edição digital para a seleção dos trechos, Windows Movie

Maker, por meio dos passos a seguir:

a) importar mídia;

b) selecionar filme;

c) selecionar imagem;

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d) pausar;

e) capturar imagem;

f) salvar na pasta: identificar o nome das fotos e selecionar arquivo fotos.

As imagens precisaram passar por processo de edição mais apurado para

que apresentassem características de melhor visibilidade para a análise. Algumas

imagens precisaram de cortes específicos para que apresentassem detalhes e

símbolos que seriam analisados posteriormente. Nenhum material recebeu

distorções em sua composição estética, alteração significativa de cor ou inclusão de

elementos.

3.1.3 Análise das imagens cinematográficas capturadas em fotos (método framing):

A análise das imagens se deu como segue:

a) dados de identificação do filme:

filme,

diretor,

ano de realização;

b) categorias para análise iconológica:

época,

material,

forma,

cor,

ritmo,

movimento,

símbolo;

c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado

simbólico:

época,

tema,

significado.

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d) seleção das categorias para análise dos filmes: relações de poder, gênero

feminino, educação, estética e ética da morte;

e) etapas para análise dos filmes: os filmes são considerados como um todo,

anotando-se as impressões, as questões e os padrões de significado mais

evidentes, construindo uma matriz de todos os elementos identificados.

Destacam-se as cenas-chave. São realizadas microanálises de cenas e

sequências individuais que devem levar a descrições e padrões

detalhados. Para responder à questão de pesquisa, na busca por

“padrões”, é necessário estabelecer relações entre as teorias Iconológica,

semiótica e reação estética na análise da imagem cinematográfica como

forma de adquirir conhecimento sobre uma determinada cultura.

Através da teoria Iconológica, se propõe uma análise estrutural da imagem na

qual o objeto visual é descrito, identificado e decodificado, passando, assim, a

explicar em linguagem de materiais, formas, temas e significados, em conjunto com

as outras teorias (semiótica e reação estética), um determinado momento da cultura

da China.

Com base na semiótica, aborda-se a imagem por meio da análise do

significado simbólico, ou seja, pelo sistema sígnico da linguagem interpretativa e

relacional.

Como “modelo” de uma psicologia da arte dialética, a teoria da reação

estética investiga o papel central da função semiótica na vida psicológica e as

relações fundamentais entre a realidade histórico-cultural do desenvolvimento

humano e as estruturas e processos da psique individual. Ou seja, a teoria da

reação estética implica a arte e a estética na constituição do sentido.

Por fim, são estabelecidos padrões culturais obtidos através da análise dos

filmes.

As etapas metodológicas com suas respectivas categorias de análise dos

filmes estão presentes no Quadro 1.

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I) ICONOLÓGICAS (PANOFSKY)

Época Material Forma Cor Ritmo Movimento Símbolo

FILME DATA TEMA

1. O sorgo vermelho 1987 Posição da mulher chinesa numa sociedade patriarcal, crueldade dos japoneses nas comunidades rurais invadidas.

2. Lanternas vermelhas 1991 Poder do homem sobre a mulher, disputa nas relações femininas, cumprimento das tradições familiares na cultura chinesa.

3. A história de Qiu jú 1992 Luta pela justiça em face do direito.

4. Tempo de viver 1994 Fases de transição política na China. Invasão Japonesa à Revolução Cultural.

5. Nenhum a menos 1999 Sistema Educacional negligenciado pelo governo nas áreas rurais, a evasão escolar, o trabalho infantil, o poder da televisão.

6. Happy times 2001 Padrões educacionais de comportamento da mulher chinesa na atualidade, sentido do coletivo no grupo de trabalho.

7. Herói 2002 Unificação da linguagem, oral e escrita, luta pela causa patriótica de União da China, criação do exército do Imperador Qin.

8. O clã das adagas voadoras 2004 Corrupção nas relações de poder na época da Dinastia Tang.

9. Um longo caminho 2005 Resgate das relações familiares (pai-filho), sistema de reeducação (penitenciária), choque cultural (Japão-China).

10. A maldição da flor dourada 2006 Confrontos familiares pelo poder na família Imperial da

Dinastia Tang.

II) SEMIÓTICA (PEIRCE)

EDUCAÇÃO GÊNERO FEMININO ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE

RELAÇÕES DE PODER

II) REAÇÃO ESTÉTICA (VYGOSTKY)

Quadro 1: Síntese das categorias de análise dos filmes

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Os símbolos encontrados nos filmes de Yimou encontram-se no Quadro 2. CATEGORIAS

FILMES EDUCAÇÃO GÊNERO FEMININO

ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE

RELAÇÃO DE PODER

1. O sorgo vermelho

Campos de plantação de sorgo (comunidade rural) Rituais de celebração (casamento, fabricação do vinho)

Noiva prometida pela imposição patriarcal

Heroísmo dos trabalhadores rurais contra os invasores japoneses

Pai versus filha Marido versus esposa Soldados japoneses versus comunidades rurais chinesas

2. Lanternas vermelhas

Tradições familiares para o casamento com diversas esposas (rituais de almoço das esposas, massagens dos pés, lanternas vermelhas acesas)

Esposas subservientes

Punição com a morte em caso de transgressão das regras familiares

Homem chinês versus esposas Disputa entre as esposas

3. A história de Qiu jú

Relevância do modelo jurídico de justiça

Luta da mulher pela justiça

Hierarquia nas diferentes instâncias da lei versus cidadão

4. Tempo de viver

Uniforme cáqui com braçadeira vermelha, livro vermelho, bandeira (modelo político da Revolução Cultural) Show de sombras (cultura artística)

Mulher maoísta (participação política e militar)

Baionetas dos soldados japoneses Passeatas nas ruas

Livro de regras convencionadas Livro vermelho de Mao Estudantes da Guarda Vermelha Japonês versus chinês

5. Nenhum a menos

Sala de aula, giz, carteira, quadro, professor e aluno Sino, hino e bandeira (signos nacionais de ordem)

Professora de comunidade rural

Luta para não perder aluno

Prefeito (autoridade local) Hierarquia professor – aluno Meios de comunicação (TV)

6. Happy times

Padrões educacionais de comportamento do homem chinês (confuciano) e da mulher chinesa (novo status) Grupos (espírito comunitário)

Status econômico --------

Poder baseado em valores econômicos (mulher)

7. Herói

Escola de caligrafia (pincel, tinta, mestre) Academia de artes marciais e exército

Guerreira Ave fênix

Ritual de enterro do herói Guerreiros, imperador

Palácio (dragão) Exército Imperador

8. O clã das adagas voadoras

Academia de artes marciais Artes: dança do Eco (canto, dança, música)

Guerreira, bailarina

Grupo revolucionário

Vingança versus paixão Soldados do governo versus guerreiros do clã

9. Um longo caminho

Aprendizado e expressão do amor paterno Almoço coletivo Reeducação na penitenciária

Nora (mediadora na relação pai/filho)

Pai japonês protagoniza a dor da perda da paternidade

Pai versus filho Regras da cultura chinesa Líder comunitário

10. A maldição da flor dourada

Regras do imperador para a família imperial e para o exército

Imperatriz protagoniza o sacrifício (quebra das regras)

Confrontos familiares pelo poder

Estandarte (imperador) Flor dourada (imperatriz) Aparato dos soldados Palácio Imperador versus família imperial versus nação

Quadro 2: Síntese dos símbolos encontrados nos filmes

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CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS FILMES

O presente capítulo expõe a análise dos filmes a partir das diferentes

categorias preestabelecidas.

4.1 ANÁLISE DO FILME NENHUM A MENOS (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Nenhum a menos,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 1999;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 3):

época: período Mao Tsé-Tung (1949-1976),

material: terra, madeira, papel, tinta, bastonete de sulfato de cálcio,

ferro, tecido,

forma: carteira, caderno, quadro-negro, giz, tijolo, sino, bandeira,

cor: tons de amarelo (na vila), colorido (na cidade),

ritmo: lento (vila rural), apressado (cidade grande),

movimento: substituição de professor, evasão escolar, trabalho infantil,

resgate do aluno, processo de conscientização do professor,

símbolos: prefeito (representante da autoridade local), giz (material

escolar precioso), carteira (de dia para aula, à noite como cama), tijolo

(trabalho infantil e aprendizado matemático na prática), sino – hino ao

presidente Mao –, hasteamento da bandeira (signos nacionais de

ordem), TV (comunicação de massa), professora (heroína da

educação), e alunos (coletivo).

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c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado

simbólico (conforme Quadro 4):

época: 1949-1976,

tema: sistema educacional negligenciado pelo governo nas áreas rurais

(professores, alunos, material escolar e instalações) a evasão escolar,

o trabalho infantil, o poder da televisão,

significado: crise na educação.

4.1.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética Em Nenhum a menos, Yimou retrata uma comunidade rural, ainda na época

do governo de Mao Tsé-Tung e os problemas com a substituição de um professor.

Inspirado em uma história real, com elenco de amadores, inclui momentos de humor

cativante. Com enredo e fotografias marcadas pela precisão e concisão de

documentário, o filme brilha por seu lirismo, sua poesia e a característica de mimesis

como no teatro grego: a verossimilhança.

Na primeira cena, vê-se um homem, de costas, caminhando em uma estrada

de terra. À sua frente, uma paisagem composta por montanhas em diferentes tons

de verde. Pequenas construções que parecem ser de argila compõem a cena. À

medida que ele caminha, uma jovem surge no canto esquerdo da tela. Ela anda

depressa e até corre para conseguir acompanhá-lo. A câmera, nessa primeira

sequência de cenas, fica praticamente imóvel. Ninguém fala, não há música de

fundo, o silêncio só é quebrado pelo som ambiente, pelos passos, pelo ruído de

alguns insetos, pelo canto dos pássaros. Esses recursos de polifonia e policromia

citados acabam por imprimir a este trecho do filme uma certa lentidão, que parece

ser a mesma velocidade com que o tempo escoa naquele lugar: uma pequena vila

rural no interior da China. Assim, todos os elementos do filme parecem ser utilizados

para atribuir um certo grau de realismo à história. Uma “edição da realidade” como

forma de construção da linguagem cinematográfica. Nessa sequência de cenas,

tem-se a sensação de que cada take pode ser comparado a uma pintura, sobretudo

pelo aspecto “amarelado”. É uma vila extremamente pobre, localizada em um lugar

árido, quase deserto.

Em cena, sai o professor Gao, que trabalha ensinando crianças de várias

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faixas etárias, em condições precárias, onde a educação é negligenciada pelo

governo. A escola é simples, pobre e extremamente carente em termos de recursos

educacionais. Professores, alunos, material escolar como o giz, ferramenta básica

de trabalho dos educadores, é cuidadosamente economizado. A professora só pode

usar um giz por dia. A mesa do professor está quebrada, e os alunos sentam-se em

bancos de madeira, sem conforto.

Entra em cena Wei, uma jovem de treze anos, para substituir o mestre que

precisa se ausentar para cuidar da mãe doente. A jovem adolescente se mostra

despreparada, inexperiente e até desmotivada para um trabalho sério. Vários de

seus alunos dormem na escola, improvisando camas com as carteiras que usam

durante o dia.

O que a atraiu foi o dinheiro prometido. O professor Gao viu a turma diminuir

de quarenta alunos, no início do ano letivo, para vinte e oito. Antes de viajar,

promete a Wei mais dez yuans de pagamento se ela conseguir que nenhum aluno

abandone a escola.

Este conflito de ambiente público e privado, escola e casa, respectivamente,

se traduz no cuidado e na valorização que os alunos dão às coisas mais simples,

como o giz usado pela professora Wei. Em uma briga com seu aluno rebelde Zhang,

a professora esmaga todo o giz que o professor Gao lhe deixara. O fato é lamentado

com pesar no diário de uma das alunas, que dormia na escola. Só aí Wei passa a

realmente dar importância àquele insignificante instrumento, mas único, da escola.

Até então, a escola era cuidada apenas por quem via nela sua própria casa.

Como recém-chegada, foi necessário que Wei aprendesse aos poucos o que cada

coisa significava ali.

A sequência em que Wei inicia suas atividades como professora mostra, no

primeiro dia de aula, uma jovem perdida, sem saber como lidar com as crianças. As

crianças sem os limites demarcados com rigor e afeto, pelo velho mestre, começam

a imprimir um novo ritmo à narrativa. Falam mais, fazem bagunça, conversam,

brigam. O prefeito chega ao local e vê a professora sentada na porta da sala de aula

e as crianças dispersas, correndo e brincando. Ele grita com Wei e a repreende pela

desordem. Os símbolos nacionais estão presentes nesta cena: o sino, o hastear da

bandeira e o hino ao presidente Mao, como forma de agrupar e pôr em ordem as

crianças.

Nessa cena, em que Wei é repreendida pelo prefeito, percebe-se a utilização

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de um plano de conjunto para mostrar a relevância de cada personagem diante da

hierarquia vigente. Assim, a figura do prefeito está em destaque, na parte superior

do enquadramento. Sua cabeça está posicionada acima da professora e das

crianças, evidenciando uma situação de autoridade e poder. O prefeito como

representante da comunidade zela para que a professora desempenhe sua função

corretamente, caso contrário sua prefeitura perde recursos.

Dessa forma, praticamente obriga a jovem professora a entrar na sala de

aula, depois faz as devidas apresentações e solicita que os alunos a cumprimentem.

Um aluno não reconhece a garota como professora, entretanto.

A cena sequencial apresenta um embate entre o prefeito e o garoto, que se

recusa a chamar a jovem de professora. Diante da teimosia do menino, o prefeito,

irritado pela desobediência, acaba abusando da sua autoridade. Ele “xinga” o garoto

e ameaça usar a força física para fazê-lo obedecer.

A situação de conflito problematiza as relações interpessoais no ambiente

escolar. A imposição, a violência psicológica, a falta de habilidade da jovem

professora, o abuso da autoridade e a humilhação, o medo de o professor perder um

aluno, do prefeito em perder recursos, são componentes de uma complexa relação

mediada pelo poder na qual as identidades são negociadas, partilhadas e

contestadas.

A evasão escolar é mostrada quando a menina atleta tem a chance de

escapar da pobreza e, por mérito próprio, fazer parte das vitórias da nação chinesa.

É uma chance rara, que lhe possibilitará o acesso a outros lugares e a uma nova e

melhor educação, enquanto os outros alunos ficam na escola paupérrima e, dessa

forma, são “excluídos” de qualquer possibilidade de educação e salvação.

Ao longo da narrativa, a pobreza continua fazendo vítimas. O trabalho infantil

surge quando se ausenta outro aluno, desta vez o menino Zhang, que parte para a

cidade à procura de um emprego que possa sustentá-lo e à sua família. Este é o

momento de virada da escolinha, que deixa de ser um depósito de pobreza e de

sofrimento para tornar-se o cenário de transformação, promovida pela união de

professora e alunos.

Impulsionada pelo dever de ir atrás do aluno perdido, Wei e os alunos se

juntam ao redor de contas que ela mesma não sabe como resolver e que devem

levá-la até a cidade para buscar Zhang. Depois do aprendizado da matemática

prática, vem o heroico esforço da professora e das crianças, de carregar tijolos para

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levantar o dinheiro necessário. Professora e crianças se sacrificam para salvar uma

criança, em torno de um problema único, com a única arma disponível a uma classe

de crianças semianalfabetas, sem muitas alternativas menos sofridas, a de carregar

tijolos.

A postura de Wei e de seus alunos mostra um progresso em todos os níveis

na “educação” oferecida pela escola. A união das crianças e sua preocupação com o

colega tornou a todos responsáveis por ele e, indiretamente, pela evasão escolar.

A matemática ensinada por Wei pode ser apenas prática, visando a um fim

imediato e limitado ao problema representado pela ausência do aluno Zhang, mas

ela foi mais competente por ensinar solidariedade e união do que as músicas que

falavam de um país justo e igualitário como recurso de edição. Ou seja, “dá vida” à

história. Os planos e cortes revelam polifonia. É justamente quando Wei vai para a

cidade à procura de Zhang que se vê a edição compor uma intersecção entre as

duas realidades: o campo e a cidade se fundem na figura da jovem professora, que

tenta se adequar às exigências do novo contexto. A rodoviária é o lugar de

confluência entre essas duas realidades. É lá que Zhang se perde e é lá que a

busca da professora Wei realmente tem início.

A sequência em que Wei procura o serviço de alto-falante para tentar localizar

Zhang evidencia o descompasso entre a sua cultura e os valores nas relações

interpessoais dos grandes centros. Impaciente com a longa explanação de Wei

sobre o desaparecimento do menino, a funcionária entrega-lhe papel e lápis para

que a mensagem a ser lida seja redigida. Mas o texto escrito pela jovem professora

é longo, expressa as razões da vinda do menino para a cidade, fala do cotidiano

difícil da vida na vila, da pobreza, da doença da mãe de Zhang. A funcionária,

armada de uma caneta e da “couraça”, exige objetividade. “Nada disso interessa”,

diz ela cortando a parte do texto que conta a história do menino. A funcionária

esclarece que a mensagem a ser lida precisa dizer: “como o menino é, como estava

vestido, quando exatamente desapareceu, onde estarão esperando por ele”. Esses

são os elementos essenciais a um aviso de desaparecimento, texto que jamais seria

utilizado na vila, onde todos se conhecem pelo nome.

Como a chamada oral não surte efeito, Wei decide, inspirada em um quadro

de avisos, espalhar cartazes, que redige com “paciência oriental”. Gasta seus

últimos recursos em papel, pena e nanquim, virando a madrugada.

Um viajante que compartilhava com a menina o pernoite na rodoviária lê e

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comenta: “não vai adiantar”. “As pessoas não leem, têm preguiça até de pegar o

telefone”, diz, afastando-se e deixando antever que uma impaciência ocidental,

mesclada a um crescente individualismo, parece ser a marca de todas as grandes

cidades no mundo.

A persistente professora vai atrás dele e exige uma interferência que

ultrapasse a crítica e aponte alternativas naquele universo desconhecido por ela. “É

só aparecer na TV, a cidade toda vai saber”, sugere o viajante. Wei desiste de afixar

os cartazes e procura a TV.

A persistência aliada ao acaso, ao poder da televisão, possibilitam que Wei

tenha seus “quinze minutos de fama”. Uma jovem professora que busca um aluno

evadido da zona rural e perdido num grande centro. Uma personagem perfeita para

uma matéria sobre educação no campo, a ser veiculada no telejornal “China Hoje”,

percebe, com seu faro jornalístico, o diretor da emissora.

Na cena da entrevista, a edição do filme se confunde com a edição do

telejornal. Foco na apresentadora que pergunta, foco na menina com a voz

entrecortada e, volta para a apresentadora que continua com a entrevista. Wei

continua em silêncio, “close” em Wei que, contendo o choro, suplica a Zhang que

volte.

Somente uma menina poderia ousar trilhar um caminho, um objetivo,

mostrando uma das características mais marcantes, talvez um pressuposto da

profissão de professora: a perseverança. Ao ser instigada por uma aluna, quando

iniciou a exercer seu cargo de professora, a acabar com a bagunça, ela ouve que

tem de fazer algo “por ser professora”. Começa aí seu processo de

amadurecimento, crescimento, a sua conscientização, transferindo da esfera privada

para o âmbito púbico, pelo fato de que a verdadeira transformação humana inicia-se

dentro de si mesmo, como no caso da professora Wei.

Neste filme, há um retrato do sistema educacional chinês, ilustrado pela saga

heroica da professora de uma comunidade rural em busca de resgatar o aluno que

abandonou os estudos para trabalhar na cidade. O seu problema torna-se uma

vitória pequena, mas indiscutivelmente de toda uma vila. Zhang volta e é um a

menos na estatística da evasão escolar. O filme reforça a crise na educação como

fator de todos. O mundo capitalista subdesenvolvido e desenvolvido, assim como o

mundo socialista, representado pela China, sofrem suas consequências. Mesmo em

um sistema supostamente igualitário, existem crianças atletas ou gênios que

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escapam à pobreza. As verdadeiras soluções, no entanto, aparecem com o

comprometimento de toda a sociedade com os problemas.

Nesse processo de “edição”, tendo como foco a linguagem cinematográfica

como categoria, a educação, busca-se construir um sentido entre os recursos

utilizados pelo cineasta e o enredo da história.

O cinema se apresenta como uma reflexão sobre o ser humano e sua

universalidade, embora, neste filme, tantas diferenças se destaquem de modo tão

forte. As semelhanças também podem ser surpreendentes. A apresentadora do

telejornal, não fosse pelos olhos amendoados e o idioma falado, bem poderia estar

apresentando uma edição na TV brasileira, pelo gestual, corte de cabelo, roupa e,

sobretudo, o modo de conduzir a entrevista.

A educação, com diferenças e semelhanças, com possibilidade de perceber

identidades, entre realidades tão distintas e a TV, quase elimina as diferenças,

produzindo semelhanças.

O filme problematiza a condição da mulher e da criança, uma vez que a China

é tradicionalmente um país com arraigados valores patriarcais. Uma sociedade em

que o homem é reconhecido como a figura de poder e autoridade. Nesse sentido, os

paradoxos são intencionalmente utilizados no filme para abordar a questão da

identidade e da diferença, ou seja, para substituir um experiente e conceituado

professor de cabelos brancos, aparece uma menina inexperiente, tímida e sem

credibilidade diante de uma sala de aula repleta de crianças. A inversão de papéis

coloca em xeque as representações ao contestar as identidades estabelecidas e

reconhecidas.

A escola da vila rural de Shuiquan representa um território contestado,

constituído por mecanismos de produção e reprodução de desigualdades. Naquele

lugar, distante e pobre, percebe-se que a condição da criança imersa em uma

situação de desigualdade social e economia é enfatizada. Por outro lado, a grande

cidade é denunciada como local de exploração do trabalho infantil e injustiça social.

O filme apresenta o momento atual da cultura chinesa e problematiza a

condição social da criança e da mulher, quando mostra que as minorias estão

buscando espaço de expressão na arena política e social. Os papéis sociais estão

mudando e entrando em choque com os valores patriarcais. Assim, a China do

passado, representada pelo prefeito, não sabe lidar com a China do futuro,

representada pelas crianças. E a China do presente, representada pela professora,

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está totalmente perdida, não sabe conciliar dois mundos tão distantes. A

representação é, então, utilizada no filme como uma forma de conhecimento e de

divulgação das minorias. Ela é, nessa perspectiva, central na formação e produção

da identidade social e cultural.

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Época período Mao Tsé-Tung (1949-1976)

Material terra, madeira, papel, tinta, bastonete de sulfato de cálcio, ferro, tecido

Forma carteira, caderno, quadro-negro, giz, tijolo, sino, bandeira

Cor tons de amarelo (na vila), colorido (na cidade)

Ritmo lento (vila rural), apressado (cidade grande)

Movimento substituição de professor, evasão escolar, trabalho infantil, resgate do aluno, processo de conscientização do professor

Símbolo

prefeito (representante da autoridade local); Giz (material escolar precioso); Carteira (de dia para aula, à noite como cama); Tijolo (trabalho infantil e aprendizado matemático na prática); Sino, hino ao presidente Mao, hasteamento da bandeira (signos nacionais de ordem); TV (comunicação de massa); Professora (heroína da educação); Alunos (coletivo)

Quadro 3: Análise iconológica do filme Nenhum a menos (1999) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação

Figura 1: Sala de aula da vila rural

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

1949 – 1976

Escola primária de Shuiguan (comunidade

rural na época do governo de Mao Tsé-

Tung)

Prefeito (representante da autoridade local)

Giz, quadro, carteira (material escolar e instalações: educação negligenciada)

Tijolo (trabalho infantil e aprendizado matemático na prática)

Sino, hino ao presidente Mao, hasteamento à bandeira (signos nacionais de ordem)

Alunos (coletivo)

Professora (heroína da educação)

Cidade grande (impessoalidade)

TV (poder da comunicação de massa)

Na época do governo de Mao, em uma comunidade rural chinesa negligenciada pelo governo, a

professora luta por seus alunos, principalmente um evadido. Utiliza

várias estratégias para resgatá-lo: o trabalho coletivo dos alunos para

conseguir dinheiro e o poder da TV para localizá-lo.

Quadro 4: Análise semiótica do filme Nenhum a menos Categoria: Educação

Figura 2: Tijolo, trabalho infantil

Figura 3: Signos nacionais de ordem: bandeira e hino

Figura 4: TV como comuni-cação de massa

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4.2 ANÁLISE DO FILME UM LONGO CAMINHO (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Um longo caminho,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2005;

b) Categorias para análise iconológica (conforme Quadro 5):

época: tempo atual,

material: tecidos coloridos, fita de filme, pinturas faciais, alimentos

diversos,

forma: trajes e personagens característicos na ópera chinesa,

máscaras faciais, máquina filmadora, banquete comunitário,

cor: vermelho, amarelo, preto, branco, tons de azul,

ritmo: lento (aldeia de pescadores), apressado (na luta contra a morte),

movimento: viagem pelo sul da China, gravação da performance na

ópera Um longo caminho, interação cultural, aprendizado e expressão

do amor paterno,

símbolo: a natureza: o mar (para o pai), as montanhas (para o filho);

solidão de um mundo sem afeto; Fita de vídeo (resgate do afeto na

relação pai e filho); Almoço comunitário (interpenetração cultural);

Herói do afeto (pai japonês);

c) Identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 6):

época: tempo atual,

tema: resgate das relações familiares (pai e filho), sistema de

reeducação (penitenciária), confronto cultural (Japão – China),

significado: resgate da paternidade.

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4.2.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

Longo é o caminho, cheio de percalços, que percorre o Sr. Takata até os

confins da China para filmar Li Jiamin, contando a ópera popular Um longo caminho.

Riding Alone for Thousands of Miles é uma popular história chinesa que narra a

épica aventura do general Guan Yu, que percorre um longo caminho para se reunir

com o amigo a quem tratava como irmão, o senhor da guerra Liu Bei. O título tenta

traçar um certo paralelo entre a lenda e a tentativa de Takata em completar os

desígnios do seu filho.

Um dos aspectos mais fascinantes do filme passa pelo confronto cultural. O

pescador japonês Takata vive em uma ilha isolada, numa casa simples, desprovida

de meios de comunicação e se encontra de relações cortadas com o filho desde a

morte da mãe. A morte, neste filme, é representada pela ausência da indústria

audiovisual na vida dos personagens. O velho japonês, que depois de perder a

mulher se recolhe a uma aldeia de pescadores, não tem sequer televisão. Sua tela é

a natureza, que atrai sua atenção durante horas. É a extrema solidão de um mundo

sem afeto. Certo dia, Rie, a esposa do filho, contata Takata, informando-o que o filho

está com câncer no fígado, o que o levará inevitavelmente à morte. Rie empresta um

vídeo a Takata, que contém um documentário inacabado que o filho realizou sobre a

ópera chinesa. Após ver o documentário, Takata decide viajar pelo sul da China e

gravar a atuação de Li, tendo em vista cumprir a vontade de seu filho.

Takata é um japonês, que se encontra imerso numa China rural, onde não

entendendo a língua dos habitantes e possuindo um tradutor que não ajuda muito

neste aspecto. Provém de um país democrático, que se confronta com os aspectos

particulares de uma república “musculada” pela democracia e o controle. Apesar das

naturais dificuldades, a interpenetração cultural funciona bem, e a amizade e o

respeito nascem entre os representantes de ambos os povos, unidos por problemas

que superiorizam qualquer língua ou postura social.

O trabalho pedagógico de Yimou, neste filme, está voltado para a relação

pai/filho e as reservas emocionais que podem advir deles. Assim sendo, toda a

jornada de Takata justifica-se pelo aprendizado do amor paterno e da importância da

expressão desse amor. A morte de seu filho é então sublimada por essa lógica e

não se faz sentir dramaticamente. Mais importante do que a relação efetivada é a

solução moral do conflito e a celebração dos sentimentos. Os dados do mundo saem

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do âmbito da experiência para erigir lições que promovem a educação dos

personagens e dos espectadores.

É nesse sentido que Takata pode encontrar o amor pelo filho, de forma

atravessada, no afeto do menino gerado pelo cantor Li e criado por toda a sua

aldeia, garantindo não apenas a sua redenção como pai frustrado, como a redenção

do cantor. Se, onde a distância era a maior possível, devido a seus padrões culturais

japoneses, a afetividade pôde irromper e unir um homem e uma criança, no campo

de uma relação familiar dada, não há o que justifique a não expressão de um

sentimento, independente da cultura.

A simbologia ganha largamente sobre a concretude dos fatos em toda a

extensão do roteiro que sustenta o filme. O próprio registro da performance de Li

revela-se desnecessário, o contato real de Takata com seu filho também. Vencer

todas as provas que se interpõem no seu caminho em direção a essa “conquista”,

para Takata, é a superação de uma relação fria e complicada e a abertura para um

amor sem contenções.

Essa “descoberta” e esse amor estão também transfigurados ao longo do

caminho percorrido pelo personagem, na relação estabelecida entre ele e a cultura

chinesa, com a qual trava contato. Se, para seu filho, o refúgio nos confins desse

imenso país correspondia a um reflexo de sua solidão – “ele ficava por muito tempo

olhando as montanhas”, diz a tradutora –, para Takata, pisar o mesmo caminho é

encontrar seu filho e descobrir um pouco sobre ele. Ao desbravar um mundo

desconhecido que lhe revela um sentido de interação humana, como na cena de

receptividade, junto à aldeia que o acolhe para o almoço comunitário, esse

sentimento de contraste da afetividade surge nos contrastes dos tons

monocromáticos e frios do Japão para o colorido das manifestações culturais

chinesas; da frieza de uma relação distante para o calor de uma ampla receptividade

e uma terna sensibilidade para com a sua causa.

Takata é uma espécie de herói do afeto, de baluarte do amor paterno

entravado pelas complicações da vida, um estrangeiro em missão nobre, para o qual

todos abrem caminho e cuja tarefa é saudada e endossada sem restrições, além de

alguns empecilhos legais, rapidamente superados.

As lágrimas vertidas pelos personagens são doces e estéreis, porque

carregam consigo a certeza de uma conciliação final. A ideia de redenção está

presente quando no meio dos altos e baixos de Takata, surge o relacionamento com

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o pequeno Yang Yang, o filho do cantor Li, que o pai nunca conhecera.

Pode-se sentir perfeitamente o silencioso sofrimento de um pai que só se

apercebe realmente do quanto o filho significa para ele quando se descobre que vai

perdê-lo para sempre. Esse sofrimento é uma espécie de choro diferente, um choro

invisível, do coração. É mais apelativo e tocante.

Takata contribui para uma aproximação de Yang Yang com seu pai. No fundo,

funciona como um elo, não completamente desinteressado, que tenta evitar um

afastamento semelhante ao que assombra a sua vida. A apresentação das

fotografias de Yang Yang ao pai é um momento de muita comoção. Vários “presos”,

que estão na penitenciária, para serem reeducados, choram. Li pode não ter

conseguido ver seu menino, mas assim que cumprir pena irá certamente encontrá-lo

e ele o acolherá, da mesma forma que Takata não foi capaz de falar uma última vez

com seu filho doente, mas obteve, à distância, o reconhecimento do seu afeto. Toda

a jornada do Sr. Takata não é apenas uma aventura pessoal, mas uma espinha

dorsal que organiza e centra a narrativa em torno dos princípios morais que o filme

se propõe a resgatar.

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Época tempo atual

Material tecidos coloridos, fita de filme, pinturas faciais, alimentos diversos

Forma trajes e personagens característicos na ópera chinesa, máscaras faciais, máquina filmadora,

banquete comunitário

Cor vermelho, amarelo, preto, branco, tons de azul

Ritmo lento (aldeia de pescadores), apressado (na luta contra a morte)

Movimento viagem pela sul da China, gravação da performance na ópera Um longo caminho, interação

cultural, aprendizado e expressão do amor paterno

Símbolo

a natureza: o mar (para o pai), as montanhas (para o filho); solidão de um mundo sem afeto; fita

de vídeo (resgate do afeto na relação pai e filho); almoço comunitário (interpenetração cultural);

herói do afeto (pai japonês)

Quadro 5: Análise iconológica do filme Um longo caminho (2005) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação

Figura 5: Ópera chinesa

Figura 6: As montanhas como solidão

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

Tempo atual

Viagem de um pescador japonês à aldeia

próxima da cidade de Lijiang (China)

Pai japonês (herói do afeto)

Ópera chinesa (máscaras, trajes, pinturas faciais)

Almoço comunitário (interpenetração cultural)

Mar e montanhas (solidão)

Marcha dos presos na penitenciária (reeducação)

Regras culturais chinesas (no povoado e na penitenciária)

Pescador japonês da atualidade necessita entrar em contato com

vários ambientes, onde convive com diferentes segmentos da cultura comunitária chinesa. Vivencia a hospitalidade das comunidades

simples, o estilo artístico da ópera chinesa, o sistema penitenciário de reeducação. Sente, na viagem, a

solidão de um pai que procura resgatar o vínculo afetivo com o filho que está prestes a morrer de câncer.

Quadro 6: Análise semiótica do filme Um longo caminho Categoria: Educação

Figura 7: Almoço comunitário

Figura 8: Pai japonês

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4.3 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: EDUCAÇÃO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Herói,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2002;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 7):

época: de 221 a 207 a.C. (dinastia Qin),

material: tinta, madeira, areia, papel,

forma: pincel, caixa de areia,

cor: vermelho, preto, branco,

ritmo: intenso (na escola de caligrafia), reflexivo (na areia do deserto),

movimento: deslizar do pincel no papel ou na areia,

símbolo: caracteres chineses (caligrafia);

c) Identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 8):

época: de 221 a 207 a.C.,

tema: unificação da linguagem oral e escrita,

significado: a prática da caligrafia como forma de refinar as habilidades,

aumentar a força e o grau de reflexão.

4.3.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

No filme Herói, Yimou apresenta o primeiro imperador da China, Qin, que tem

o desejo de unificação territorial e cultural, o que é mostrado com a necessidade

de erradicar variações na escrita. É bom que um povo tenha regras de linguagem

oral e escrita unificadas para evitar extermínio de uma cultura.

Nas cenas, em que o vermelho vivo predomina, os personagens estão

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envoltos em paixões, ciúmes, lutas. O vermelho é usado também como tinta por

estudantes guerreiros na escola de caligrafia, indicando a intensidade com a qual se

dedicam à tarefa de escrever. A vitalidade e o ritmo das pinceladas determinam a

representação. A caligrafia chinesa, a mais antiga das artes, nas cenas da escola de

guerreiros aprendizes, através do pincel, do papel e da tinta vermelha, passa a

sensação numa forma de beleza da imagem em pintura, de beleza do dinamismo na

dança, de beleza do ritmo na música.

Na cena de iniciação à escola de caligrafia, pelos soldados do exército de

Qin, o guerreiro Céu “quebra” a flecha enquanto escreve “Nossa Terra”.

O contraste entre a escrita e as artes marciais está presente também na cena

de combate na biblioteca, em que as espadas repousam enquanto os guerreiros

aprendizes desenham os caracteres.

Caligrafia e artes marciais têm a mesma origem e princípios. Praticar a

caligrafia é refinar a habilidade e aumentar a força. A essência da caligrafia é

assimilada pela alma. O mesmo acontece com as artes marciais.

Na cena final do diálogo entre o imperador Qin e o protagonista, o

ensinamento deixado pelo guerreiro Espada Quebrada e revelado pelo rei é que “o

verdadeiro ideal de um guerreiro é depor a sua espada e, sobretudo, se sacrificar

em prol de um bem maior a todos”.

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Época De 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)

Material tinta, madeira, areia, papel

Forma pincel, caixa de areia

Cor vermelho, preto, branco

Ritmo intenso (na escola de caligrafia), reflexivo (na areia do deserto)

Movimento deslizar do pincel no papel ou na areia

Símbolo caracteres chineses (caligrafia)

Quadro 7: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Educação

Figura 9: Escrita chinesa no papel

Figura 10: Escrita chinesa na caixa de areia

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

De 221 a.C. a 207 a.C.

Dinastia Qin

Escola de caligrafia (mestre, guerreiros, pincel, papel, tinta, caixa de areia, caracteres chineses)

Artes marciais (ordem, disciplina, habilidade, força)

Escrita chinesa (unificação da linguagem escrita e registro simbólico)

Na dinastia Qin, o sistema educacional, através das escolas de caligrafia e artes marciais, ensina,

além dos caracteres chineses, disciplina, ordem, habilidade e que, acima das armas, as mentes devem ser capazes de resolver conflitos e

gerar paz.

Quadro 8: Análise semiótica do Filme: Herói Categoria: Educação

Figura 11: Escola de caligrafia

Figura 12: Escola de caligrafia - mestre

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4.4 ANÁLISE DO FILME LANTERNAS VERMELHAS (CATEGORIA: GÊNERO

FEMININO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Lanternas vermelhas,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 1991;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 9):

época: 1920,

material: papel, seda, vidro, fogo,

forma: lanternas vermelhas,

cor: tons de vermelho,

ritmo: batidas nos pés para massagem, música par anunciar a

colocação das lanternas vermelhas,

movimento: ritual de acendimento e colocação das lanternas

vermelhas,

símbolo: lanternas vermelhas como representação de status para a

esposa escolhida pelo seu senhor;

c) Identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 10):

época: 1920,

tema: poder do homem sobre a mulher, disputa nas relações

femininas, cumprimento das tradições familiares na cultura chinesa,

significado: dentre os padrões culturais de comportamento, um dos

mais importantes é o das lanternas vermelhas. A esposa escolhida

pelo senhor da casa para passar a noite, tem as lanternas de sua casa

acesas e recebe um tratamento privilegiado do seu senhor e toda a

criadagem.

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4.4.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

Em As lanternas vermelhas, Yimou constrói um filme pautado na eterna

disputa feminina. O enredo se desenvolve no início do século passado, onde um rico

comerciante mantém muitas das tradições de sua família, como manter casamento

com quatro esposas ao mesmo tempo.

A primeira esposa é a mais velha e submissa, a segunda esposa lhe deu um

filho e é manipuladora, a terceira esposa é artista e a quarta esposa é universitária.

Esta última é uma jovem, vendida por seu pai, como forma de melhorar a condição

de vida de sua família. Sob o manto da condição subserviente da mulher na tradição

cultural da China dos anos vinte, ela assume o lugar da quarta concubina e logo se

vê atropelada pelas disputas de poder das outras esposas.

As tradições chinesas são mantidas e exigidas em muitas cenas. Evidenciam-

se rituais que devem ser cumpridos. Na cena de chegada da quarta concubina, um

“mestre” lhe apresenta aos rituais com os padrões determinados de comportamento

da cultura chinesa: massagem dos pés, apresentação às outras três concubinas,

apresentação à criada particular, lugar para almoçarem e orarem diariamente juntas,

e o local onde cada esposa tem sua casa, de frente para a outra, numa espécie de

vila particular. Todos os dias o marido escolhe com qual delas vai passar a noite e o

sinal é a colocação de inúmeras lanternas vermelhas na porta da casa escolhida.

Cada uma delas espera ansiosamente na porta de sua casa.

O ritmo de espera vai sendo quebrado pela terrível guerra estabelecida entre

as esposas. Cada uma das mulheres tem personalidades e idades bem diferentes e

cada uma usa de suas estratégias para ter a preferência do marido. Não há limites,

não há pudores, não há escrúpulos.

Yimou abdica da figura masculina no filme. O poderoso “marido” não é

capturado em cena de forma a poder distinguir sua fisionomia. Como recurso técnico

cinematográfico, a câmera se afasta, sendo impossível a visualização da figura do

marido. O foco é a disputa interna entre as concubinas. O poder do homem sob a

mulher está entranhado em todas as ações das quatro esposas. A inveja, o ciúme, a

traição e o desejo de ser melhor que as outras aparecem quando uma finge estar

doente, outra inventa uma gravidez, e outra, a magia negra. Tudo é válido, desde

que seja a escolhida, desde que a lanterna vermelha esteja na porta da sua casa.

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Uma vez escolhida, tem atenção, amor, prazer, status. Dessa forma, o poder

do marido é exercido quanto à escolha, como forma de gratificar as esposas. No

entanto, quando as tradições rituais não são cumpridas, há punições.

Na cena da “casinha de punição”, é madrugada, na neve e a terceira esposa

é carregada por serviçais e trancafiada na torre. Há gritos, lamentos, gemidos e

silêncio. A morte da terceira esposa é anunciada. Ela foi punida com a vida porque

traiu o seu marido. O rico comerciante, o marido, o homem dos anos vinte é “dono”

da vida e da morte de suas esposas.

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Época 1920

Material papel, seda, vidro, fogo

Forma lanternas vermelhas

Cor tons de vermelho

Ritmo batidas nos pés para massagem, música para anunciar a colocação das lanternas vermelhas

Movimento ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas

Símbolo lanternas vermelhas como representação de status para a esposa escolhida pelo seu senhor

Quadro 9: Análise iconológica do filme Lanternas vermelhas (1991) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Feminino

Figura 13: Ritual de acendimento e colocação das lanternas vermelhas

Figura 14: Lanternas vermelhas

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

China dos anos vinte, vila particular, um rico senhor mantém casamento com

diversas esposas, segundo tradições de sua família.

Ritual de preferência do esposo (massagem dos pés, almoço das esposas, casa de punição)

Padrões familiares de comportamento da época

Em 1920, os padrões culturais familiares chineses atribuem ao esposo o poder de escolha das mulheres que compõem sua casa. A preferida para convivência íntima recebe tratamento privilegiado do esposo e de sua criadagem. As esposas que não

cumprem as regras das tradições chinesas são punidas, às vezes, com a

morte.

Quadro 10: Análise semiótica do filme Lanternas vermelhas Categoria: Feminino

Figura 15: Casa de punição das esposas

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4.5 ANÁLISE DO FILME O SORGO VERMELHO (CATEGORIA: GÊNERO

FEMININO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: O sorgo vermelho,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 1987;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 11):

época: década de 30,

material: plantação de sorgo, barro, sangue,

forma: destilaria de vinho, tigela, armas,

cor: vermelho, tons de terra e campos verdes,

ritmo: canto alegre dos condutores da jovem prometida, canto em

oração da comunidade de fabricantes de vinho (ao deus do vinho),

rajada de metralhadora (japoneses),

movimento: transporte da jovem prometida, ritual de produção do vinho

artesanal, invasão japonesa, libertação da mulher,

símbolo: o sorgo vermelho, a heroína de uma sociedade patriarcal;

c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado

simbólico (conforme Quadro 12):

época: década de 30,

tema: posição da mulher numa sociedade patriarcal, crueldade dos

japoneses nas comunidades rurais de fabricantes do vinho,

demonstração do espírito comunitário,

significado: luta pela liberdade da mulher chinesa numa comunidade

patriarcal e retrógrada.

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4.5.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

O sorgo vermelho é um filme que busca uma certa simplicidade. O ambiente é

rural, os moradores da região não são muitos. Há uma noiva de um velho

moribundo, há a destilaria de vinho, há o trabalhador apaixonado e há a turma de

companheiros. E, há, ainda, a violência do mundo de fora imposta por bandidos na

vida cotidiana e a posterior crueldade japonesa, imposta às comunidades rurais.

Ambientado na década de trinta, numa província rural perto de Schandong,

todas as imagens do filme parecem assumir alguns significados. É uma obra arte ao

mesmo tempo sobre a posição da mulher numa sociedade patriarcal e sobre os

abusos sofridos pelos chineses durante a invasão japonesa.

A câmera de Yimou movimenta-se para cima da cabeça de seus

personagens, mostra uma ampla paisagem rural e evoca um espetáculo de imagens

que funciona à perfeição, construindo uma narrativa de grande intensidade visual e

dramática. O vermelho tem presença marcante e, em determinado momento, o

sangue, o vinho e a cor do céu misturam-se para compor a cena. Este filme mostra a

sedução por uma certa magia cinematográfica completamente despudorada. As

cenas parecem se desenvolver com o encanto de uma narrativa ainda leve,

desarmada, que transmite uma sensação de pureza a qual, mesmo enganadora, é

fascinante.

É um filme sobre situações reais, pessoas simples, esquecidas do mundo e

um tanto isoladas em uma vasta paisagem que mistura campos verdes e muita terra

e sangue.

Na primeira cena, o narrador diz ser neto da personagem principal e, quando

começa a contar sua história, o rosto de Jieur, personagem feminina da trama,

assume um espaço na escuridão. Com um sorriso capaz de conquistar qualquer um,

reforça a fonte de construção do roteiro de que todos os conflitos provêm da

convivência e muitos podem ser resolvidos de acordo com os códigos da época.

As mulheres, nesse determinado momento da história, passavam, como

mostra Jieur, a maior parte de suas vidas inseridas no cotidiano masculino da

produção rural, contribuindo também com os serviços braçais e com a confecção de

produtos para venda e subsistência.

Prometida a um homem velho e leproso, o destino de Jieur parece condenado

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ao enfado, à desgraça e ao meio de vida inimaginável mediante essas imposições.

Vendida como mercadoria, seu rosto parece não se mover enquanto é transportada

por homens, todos cantando alegremente. Ao pararem de cantar é possível ouvir o

choro de Jieur e, de repente todos esses homens se comovem. Nem todos os

homens são brutamontes e briguentos.

Na sequência da cena, Jieur é tocada no pé por seu futuro marido, que

mostra um pequeno sinal de afeto, o primeiro.

Apesar de se sentir presa, primeiramente condenada a viver com um homem

doente e no fim da vida, ela não perde as esperanças. Conduzida virgem ao esposo,

Jieur se recusa a fazer sexo com ele, mas entrega-se apaixonadamente a Zhancio,

um dos seus condutores, nos campos de sorgo, matéria-prima para a produção do

vinho da região na província de Schandong, no norte da China. O tempo passa. O

marido doente morre e Jieur se torna a herdeira de uma destilaria de vinho de sorgo.

Como várias cenas do filme, o caso amoroso tem início nos campos de

plantação de sorgo. A paisagem nasce como um dos símbolos mostrados, assim

como a presença da figura feminina no centro dos problemas, tendo de fazer

escolhas cruciais para sua vida e à dos demais membros do vilarejo.

Na sequência de produção desse vinho artesanal, vê-se a comunidade de

fabricantes apresentarem seus rituais. Assim que os primeiros litros do néctar

sagrado saem destilados, todos os fabricantes, cerca de sete homens, param para

fazer uma oração ao Deus do vinho, inclusive mostrando uma pintura do Baco

chinês na parede.

A oração é uma música que fala do poder de cura do vinho e, principalmente,

da veneração à entidade. Ele é reverenciado e, ao final, todos bebem uma tigela do

vinho em agradecimento divino à bebida. Há uma sensação de camaradagem

coletiva. Nessa cena, entre os colegas da destilaria, a atenção está voltada para

disposição em resolver os problemas surgidos na busca de um ideal da comunidade.

Através dos olhos de Jieur, continua-se a assistir a mudanças, ora

assustadamente, ora delineando a paisagem de um outro homem pela tela, um

grande camponês que, mais tarde, torna-se pai de seu filho.

Jieur vive em um mundo de homens pacatos, às vezes soberbos e confiantes

demais. Tem pulso para controlar esses arroubos sem que tenha que apelar para a

força de suas palavras, talvez ainda inexistente. Do encontro com o amor à

realidade dos conflitos territoriais, em nenhum momento ela parece completamente

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abalada, como se fosse uma prisioneira previamente condenada.

Nas cenas de tortura dos japoneses, Jieur tampa os olhos do filho para que

ele não veja o que todas as pessoas do vilarejo estão presenciando a morte de

homens trabalhadores rurais de sua comunidade. Os conflitos nesse pequeno

vilarejo assumem proporções impensáveis quando esse mundo de atrocidades é

passado ao primeiro plano e as pessoas envolvidas constroem seus olhares

segundo a ótica da guerra desumana e à qual não estavam habituadas. Os

pequenos problemas de lutas entre vilarejos transformam-se em problemas de luta

entre nações.

Na sequência final do filme, quando Jieur declara vingança aos invasores

japoneses, é possível ver surgir outra mulher distante daquela cuja sensação de

insegurança é mostrada nas primeiras imagens. E a pior cena vem a acontecer

quando a jovem Jieur passeia pelos campos carregando alimentos junto a uma

mulher. Seu filho grita pela mãe enquanto soa a rajada de metralhadora. Chineses

da resistência saem das matas portando as únicas armas de que dispõem:

recipientes cheios de vinho quente feitos com o sorgo das plantações.

A câmera percorre os corpos ao chão, alguns parcialmente soterrados, e o

vermelho mais uma vez compõe a paisagem visual da cena final. Sangue e vinho

mesclam-se a falsas esperanças, à vida cotidiana simples, ao canto do filho

desesperado para que ocorra a impossível volta da mãe, e ao olhar do pai

impassível contra a paisagem. Homens e mulheres mortos assassinados com seus

corpos empilhados na terra que lhes deu o “néctar vermelho”, o sorgo, o vinho.

Nesse filme, Yimou mostra Jieur, primeiramente confinada em uma paisagem

rural e esquecida. A mulher como protagonista, e não mais coadjuvante de uma

cultura patriarcal e retrógrada, questiona a si própria sobre a liberdade e os

agravantes pagos a partir de sua escolha. Dessa forma, é possível ver no rosto de

Jieur a expressão de sofrimento e de sua tristeza, seu modo de olhar as crueldades

de sua China, sem perder a feminilidade, doando algo parecido com o olhar de uma

criança para com algumas de suas primeiras experiências importantes na vida.

Escolhe não viver afogada nessas regras e em suas mentiras, quando se recusa a

consumar o casamento com um homem leproso, o mesmo que a comprara.

A mulher e os campos de plantação de sorgo sofrem com os golpes da

crueldade e injustiça do homem, da morte de um bandido armado aos encantos da

descoberta do amor nas plantações do sorgo, da bebedeira vergonhosa, do

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sacrifício do trabalhador rural imposto pelos soldados japoneses. O filme mostra

uma divisão entre a natureza, como pano de fundo nas plantações de sorgo e o

heroico percurso de Jieur, que não perde a esperança pela brutalidade vivida por ela

e por seu país.

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Época Década de 30

Material Plantação de sorgo, barro, sangue

Forma Destilaria de vinho, tigela, armas

Cor Vermelho, tons de terra, campos verdes

Ritmo

Canto alegre dos condutores da jovem prometida

Canto em oração (ao Deus do Vinho) da comunidade de fabricantes de vinho

Rajada de metralhadora (japoneses)

Movimento

Transporte da jovem prometida

Ritual de produção do vinho artesanal

Invasão japonesa

Libertação da mulher

Símbolo Sorgo vermelho

A heroína de uma sociedade patriarcal

Quadro 11: Análise iconológica do filme O sorgo vermelho (1987) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Feminino

Figura 16: Plantação de sorgo vermelho

Figura 17: Ritual de produção de vinho

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

Década de 30

Província rural próxima de Shandong

Mulher chinesa protagonista dos valores patriarcais

Ritual de casamento

Cantos de celebrações (casamento e ritual do vinho)

Comunidade de produtores de vinho

Sorgo vermelho

Aparatos de guerra

A mulher chinesa cumprindo o ritual de casamento imposto pelo patriarca em conflito com os seus desejos.

Espírito coletivo na comunidade rural de fabricantes de vinho (sorgo vermelho) e seus rituais de celebração.

Invasão japonesa, revelando a sua crueldade sobre as comunidades rurais.

Quadro 12: Análise semiótica do Filme: O Sorgo Vermelho Categoria: Feminino

Figura 18: Ritual de casamento

Figura 19: Invasão japonesa

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4.6 ANÁLISE DO FILME HAPPY TIMES (CATEGORIA: GÊNERO FEMININO)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Happy times,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2001;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 13):

época: tempo atual,

material: planta, cédula de papel, lâminas de metal,

forma: buquê de rosas, dinheiro, ônibus-motel,

cor: rosa, vermelho, azul, verde,

ritmo: pedalar da bicicleta, trabalho de recuperação do ônibus, visitas à

“noiva”,

movimento: transformação de um velho ônibus em “motel ambulante”,

símbolo: padrões educacionais de comportamento do homem chinês

(confuciano) e da mulher chinesa (novo status);

c) identificação da imagem iconológica para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 14):

época: tempo atual,

tema: padrões educacionais de comportamento da mulher chinesa na

atualidade, sentido do coletivo no grupo de amigos,

significado: nova posição de poder nas suas escolhas que as mulheres

chinesas ocupam nas relações.

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4.6.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

O filme se passa na atualidade e tem como personagem Zhao, um chinês de

cinquenta e poucos anos que decide antecipar sua aposentadoria. Ele se deixa

enganar por uma gorducha viúva, com dois filhos, que o convence a se casar.

Na cena do “compromisso firmado”, a noiva, um tanto gananciosa, pede ao

noivo cinquenta mil iuaes de presente de casamento, acreditando erroneamente que

Zhao é o dono de um rentável hotel.

Ajudado por seu amigo Li, Zhao vai realmente tentar se virar como hoteleiro,

para conseguir o dinheiro. Assim, surge um velho ônibus abandonado que eles

transformam numa espécie de “motel ambulante”.

Na cena de visita ao ônibus-motel, os casais entram, são servidos com uma

bebida, pagam, conversam, e querem fechar a porta. Zhao não permite.

Pode-se sentir nessas cenas o conflito que se estabelece em todas as formas

de expressão de Zhao. Os casais e seu amigo Li tentam argumentar, mas ele

continua irredutível. “A porta tem que ficar aberta”. Na sequência da cena, ele

devolve o dinheiro. Seus padrões educacionais de comportamento não permitem

que ele ganhe dinheiro desrespeitando as regras culturais. Acaba o negócio do

motel ambulante.

Em visita a sua noiva Zhao, vai de bicicleta e, sempre leva um buquê de rosas

vermelhas que ele apanha do lixo da floricultura, de forma que parece novo e bonito.

Na última cena de encontro com sua noiva, como sempre, vai de bicicleta, leva o

buquê renovado e surpreende-se com o que vê. Sua noiva demonstra surpresa com

sua presença, não querendo deixá-lo entrar. Na sala, Zhao avista um buquê de

verdade, vozes alegres vindas do interior do apartamento, o que o deixa incrédulo.

Sua noiva diz saber de sua situação financeira, mencionando saber que não

tem hotel, seus buquês são um arremedo, e seu futuro incerto, o que usa para

justificar sua escolha. Tem “outro noivo”, que pode lhe dar uma vida segura e manter

sua família. Dessa forma, sua “ex-noiva”, a mulher chinesa da atualidade, está numa

nova posição de poder nas relações. Ela ocupa o lugar da possibilidade de escolha

de um novo status nas relações e tem o poder de ação nos novos padrões culturais.

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Época tempo atual

Material planta, cédula de papel, lâminas de metal

Forma buquê de rosas, dinheiro, ônibus-motel

Cor rosa, vermelho, azul, verde

Ritmo o pedalar da bicicleta, trabalho de recuperação do ônibus, visitas à “noiva”

Movimento transformação de um velho ônibus em “motel ambulante”

Símbolo padrões educacionais de comportamento do homem chinês (confuciano) e da mulher chinesa

(novo status)

Quadro 13: Análise iconológica do filme Happy times (2001) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Gênero feminino

Figura 20: Homem chinês rejeitado (buquê de flores)

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

Tempo atual

Cidade da China

Homem chinês de meia idade, próximo à aposentadoria (padrões confucianos)

Mulher chinesa (interesse econômico)

Buquê de flores (status)

Porta aberta do motel ambulante (padrões educacionais do comportamento confuciano)

Em um ambiente urbano, na China atual, o homem chinês de padrões de comportamento confuciano impacta com os novos padrões de comportamento feminino focados nos valores econômicos.

Quadro 14: Análise semiótica do Filme Happy times Categoria: Gênero feminino

Figura 21: Mulher chinesa com interesse econômico (buquê de flores)

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4.7 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Herói,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2002;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 15):

época: de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin),

material: metal, tecidos coloridos, madeira,

forma: armas (espada e kwan kao usadas nas artes marciais),

diferentes cores de vestimenta do herói (vermelho, preto, branco, azul

e verde), flechas, pano vermelho que cobre o caixão do guerreiro herói,

cor: vermelho, preto, branco, verde e azul,

ritmo: determinado pelas lutas: ora na ação, ora na reflexão,

determinado pelas cores: vermelho (intenso), azul e branco (paz),

verde (vivacidade) e preto (morte),

movimento: nas lutas, nos silêncios, nas reflexões, no sacrifício da

vida,

símbolo: o guerreiro herói pela pátria; a espada deposta (paz e união

do povo em prol de sua pátria);

c) Identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 16):

época: de 221 a 207 a.C.,

tema: luta pela causa patriótica de união da China,

significado: todo sacrifício individual deve ser feito pelo guerreiro até

com a própria morte para apoiar o imperador na preservação da Pátria

Unida.

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4.7.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

O filme Herói é ambientado na China Antiga (de 221 a 207 a.C.) quando os

sete reinos lutavam pelo domínio do território que viria a formar o país. O reino de

Qin era o mais forte e o seu imperador o mais determinado a unir os territórios, a

cultura, a Nação. A unidade de tudo e todos, “sob o céu”, formavam um vasto estado

sob o seu reinado.

No filme, Yimou constrói uma lenda histórica, patriótica, utilizando todos os

valores morais e espirituais da filosofia oriental, do qual faz parte um velho provérbio

chinês, segundo o qual o melhor lutador da história chinesa deve lutar pelo seu país

e pelo seu povo. Por esse ponto de vista, Herói trabalha para convencer o

espectador de que a “causa” merece todo e qualquer sacrifício.

Herói é uma obra com grande força estética, dispondo de flashbacks, com

várias interpretações de uma realidade já consumada: a morte dos três assassinos.

Na cena de apresentação do guerreiro ao rei, um oficial de baixo estatuto,

xerife de província, herói sem nome, diz ter matado os três guerreiros e apresenta as

suas armas como prova.

A história é contada através de várias versões, a do guerreiro sem nome, a do

imperador e a que mostra como tudo realmente aconteceu.

Nas cenas do diálogo de Sem Nome com o imperador, os diferentes

flashbacks do filme são diferenciados pela cor predominante das cenas e pelas

roupas usadas pelos personagens. Cada uma dessas cenas conta com uma

tonalidade predominante, assim, ao decorrer da projeção, há cenas em vermelho,

azul, verde, preto e branco.

Uma obra de arte para os sentidos, cirurgicamente coreografada e

apaixonadamente filmada. A própria estrutura estética e ética do protagonista flui,

sugerindo a execução de um ritual, uma celebração dos sentimentos mais primitivos

com os quais o homem vem tendo contato desde sempre; uma encenação pura das

emoções através das cores e movimento. A paixão com o vermelho, o amor com o

azul, a juventude com o verde, a morte com preto, a verdade com o branco fazem da

obra, acima de tudo, um canto de socorro, um pedido de paz.

As lutas em Herói são como pinturas móveis, lúdicas, coloridas, mais

carregadas de reflexão do que de ação. Os silêncios são fundamentais, são para ser

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escutados. A solução não passa por vencer, eliminando fisicamente o inimigo, mas

por aceitar ou não um ideal patriótico, que justifica os maiores sacrifícios, incluindo a

condenação de relações amorosas em prol do amor à Pátria.

Yimou segue a tradição chinesa na narrativa de Herói. O guerreiro número um

do país deve cuidar primeiro do seu povo. Todo sacrifício individual deve ser feito

para apoiar o imperador na preservação da Pátria unida. Assim, Sem Nome entende

que se não matar o imperador, é melhor para o povo, porque a guerra terminará. O

guerreiro Sem Nome, de artes marciais, depõe sua espada. O desejo de matar não

mais existe, somente a paz.

Neste filme, Yimou entoa um hino de paz onde o protagonista é a presença

salvadora dos heróis, que lutam por uma causa, por um ideal e um bem maior,

sugerindo que, além da matança, existe outro nível de ser pautado na filosofia das

artes marciais.

Ética e confiança são parte da tradição das artes marciais, que aparece nas

cenas entre Herói e Espada Quebrada e, também, na cena final do filme, do

guerreiro Sem Nome e o imperador. A confiança é construída entre eles.

O guerreiro da morte transforma-se no herói da paz. Luta para unir e não para

dividir sua Pátria, sacrificando até mesmo sua própria vida. Torna-se um herói ao

desistir de matar o imperador Qin, em prol de uma China unida e sem guerras a que

ele chama: “Nossa Terra”. Ele desiste de sua missão e acaba morto.

Assim, Yimou revela o guerreiro Sem Nome como o herói da paz. Desde sua

apresentação através do ritual estético nas artes marciais até sua morte pela causa.

Tem-se no ritual de sua morte, os soldados do Imperador, chineses como o

guerreiro, que carregam seu corpo reverenciando-o com todas as pompas de um

herói do povo. O guerreiro chega ao palácio do imperador como assassino e sai dele

eleito pelo povo eticamente como o mártir que morre pela união da “Nossa Terra”.

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Época De 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)

Material metal, tecidos coloridos, madeira

Forma

armas (espada e kwan kao usadas nas artes marciais), diferentes cores de vestimenta do herói

(vermelho, preto, branco, azul e verde), flechas, pano vermelho que cobre o caixão do guerreiro

herói

Cor vermelho, preto, branco, verde e azul

Ritmo determinado pelas lutas: ora na ação, ora na reflexão, determinado pelas cores: vermelho

(intenso), azul e branco (paz), verde (vivacidade), preto (morte)

Movimento nas lutas, nos silêncios, nas reflexões, no sacrifício da vida

Símbolo o guerreiro herói pela pátria; a espada deposta (paz e união do povo em prol de sua pátria)

Quadro 15: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte

Figura 22: Espada usada nas artes marciais

Figura 23: Lutas na reflexão

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

221 a.C. a 207 a.C.

Dinastia Qin

Guerreiro Herói (morte pela pátria unida)

Artes marciais (armas: espada e kwan kao)

Lutas (ação e reflexão)

Espada deposta (morte do guerreiro Herói)

Ritual do enterro

Na dinastia Qin, a ética assimilada pelos guerreiros é de que todo sacrifício individual deve ser feito pela Pátria. Herói é quem dá a vida para apoiar o imperador a manter a Pátria unida.

Quadro 16: Análise semiótica do filme Herói Categoria: Estética e ética da morte

Figura 24: Artes marciais

Figura 25: Guerreiro Herói

Figura 26: Ritual do enterro do Herói

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4.8 ANÁLISE DO FILME O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (CATEGORIA:

ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: O clã das adagas voadoras,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2004;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 17):

época: 859 a.C. (Dinastia Tang),

material: couro, madeira e seda, tecidos coloridos, bambu, água, grãos

de cereal, plantas,

forma: instrumentos musicais: pipa (de corda) e jiegu (percussão),

vestimentas coloridas da bailarina, floresta de bambu, neve, grãos de

feijão (dança do eco), campos de flores,

cor: rosáceo, azulado e pérola (na casa das peônias), verde (campo de

bambu), branco (na neve), amarelo (campos de flores),

ritmo: sons dos instrumentos musicais, das batidas dos feijões nos

tambores, dos galopes dos cavalos na floresta, das lutas, das folhas

caindo, do apito na floresta, da neve caindo,

movimento: apresentação da dança do eco, lutas no bambuzal e no

campo, fugas e duelo na neve,

símbolo: bailarina cortesã da casa das peônias, grupos revolucionários

secretos: clã das adagas voadoras, dança do eco, heroína do amor.

c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 18):

época: 859 a.C.,

tema: corrupção nas relações de poder na época da dinastia Tang,

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significado: a bailarina de grandes habilidades na dança e nas artes

marciais desenvolve um balé de desafio, numa luta por vingança que

sucumbe ao amor, sacrificando sua vida em prol da vida de seu

amado.

4.8.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

O filme se passa durante o final da dinastia Tang, no ano de 859 a.C., em

ambientes rurais da China feudal. Muitos grupos revolucionários levantam-se contra

o governo corrupto, dentre eles o clã das adagas voadoras.

Dois agentes do governo, capitão Jin e capitão Leo, descobrem a existência

de uma habilidosa dançarina cega, Mei, na famosa casa das peônias, que pode ser

a filha do antigo líder do clã. Todo o enredo do filme se desenvolve à volta dos três

personagens principais, existindo como pano de fundo as lutas para apresentar um

triângulo amoroso no centro da história.

O filme trabalha diferentes níveis de movimento, como a dança (na cena da

dança do eco), as lutas (na cena do campo de bambuzal) e as fugas (nas cenas de

perseguição a Mei).

Yimou cria, dessa forma, um universo onde a história e a fantasia se misturam

e se transformam em aventura pura, capturado pelo imaginário coletivo.

Na sequência do encontro de Mei com o capitão Leo, na casa das Peônias,

um verdadeiro balé de fantástica coreografia se desenvolve com movimentos

harmoniosos, precisos, suaves, em perfeita sintonia com a música e as cores vivas e

luminosas. Esta é uma dança de desafio, em que a “bailarina cega” acompanha o

ritmo do toque dos feijões que Leo atira aos tambores.

Toda a temática inicial do filme é uma estratégia para enganar os

espectadores, deixando-os desarmados para as cenas que surgirão. Mei, após

vencer o último teste, quando todos os feijões são arremessados nos tambores,

acaba se revelando ao tomar uma das espadas do capitão Leo e tentar assassiná-lo.

Eles lutam, mas, enfim, a bailarina cega é presa. Ele a interroga e tortura, embora a

trate de uma forma carinhosa, tocando-a como se tocasse uma flor, não uma

prisioneira.

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A câmera de Yimou dirige a maioria das cenas do filme na procura de cortes e

angulações que simulem os interstícios romântico-reflexivos, rompendo com a ação

estética, embora a embasem.

Neste filme, Yimou apresenta uma estética feminina, notavelmente sensível

para captar o interior da alma feminina, numa multiplicidade de movimentos, sons e

cores. Em tal estética ocorre a cena em que Mei tapa a boca de Jin com a mão,

impedindo que ele fale. Um gesto delicado, em contrapartida às suas habilidades

nas artes marciais. Embora ela tenha domínio na arte da luta, é apenas uma moça

tímida quanto ao amor. Aqui se percebe a proximidade dos sentimentos de paixão,

amor e vingança intimamente relacionados entre os três personagens principais.

Na sequência final do filme, Leo atenta contra vida de Mei, furioso por ela ter

se apaixonado por Jin, e lhe crava uma adaga no peito, enquanto Jin volta para levá-

la consigo, encontrando-a ferida. Eles lutam, enquanto uma nevasca começa a cair.

O céu e a terra parecem iguais de tão branco que ficam, apenas com a neve se

tingindo de vermelho pela gota de sangue que cai do ferimento de Mei. A luta final

entre Jin e Leo termina no sacrifício de Mei em prol de ambos.

Nesse filme, a personagem feminina, Mei, se torna uma heroína do amor,

defendendo esta causa em todos os sentidos, na dedicação, no saber e na maestria

no uso das armas, nas artes marciais e, até mesmo, no sacrifício da própria vida.

O percurso de Mei passa da aventura para uma tonalidade trágica que

domina o final. Momento de opções inevitáveis de amor, de vida e de morte, que

marcam os três personagens para sempre.

Como signo visual, a cegueira cinematográfica construída por Yimou através

de sua personagem Mei produz significados paradoxais. Talvez, a raiz da beleza, a

verdade das coisas, o amor, deixem o espectador momentaneamente cego, como a

personagem de Yimou.

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Época 859 a.C. (Dinastia Tang)

Material couro, madeira e seda, tecidos coloridos, bambu, água, grãos de cereal, plantas

Forma instrumentos musicais: pipa (de corda) e jiegu (percussão), vestimentas coloridas da bailarina,

floresta de bambu, neve, grãos de feijão (dança do eco), campos de flores

Cor rosáceo, azulado e pérola (na casa das peônias), verde (campo de bambu), branco (na neve),

amarelo (campos de flores)

Ritmo sons dos instrumentos musicais, das batidas dos feijões nos tambores, dos galopes dos cavalos na

floresta, das lutas, das folhas caindo, do apito na floresta, da neve caindo

Movimento apresentação da dança do eco, lutas no bambuzal e no campo, fugas e duelo na neve

Símbolo bailarina cortesã da casa das peônias, grupos revolucionários secretos: o clã das adagas voadoras,

dança do Eco, heroína do amor

Quadro 17: Análise iconológica do filme O clã das adagas voadoras (2004) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte

Figura 27: Instrumentos musicais usados na dança do eco

Figura 28: Bailarina da dança do eco

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

859 a.C.

Dinastia Tang

Bailarina da casa das peônias (artista e guerreiro)

Dança do eco (dança típica chinesa com acompanhamento de instrumentos musicais de corda e percussão e batidas dos feijões nos tambores)

Bambus (floresta e lutas no bambuzal)

Campos de flores (amor da guerreira pelo soldado)

Grupo revolucionário (clã das adagas voadoras)

Gota de sangue na neve (morte da bailarina, heroína do amor)

Na dinastia Tang, em 859 a.C., a heroína sacrifica sua vida para salvar uma causa política e os soldados que a amam, envolvendo a trilogia: vingança, paixão e amor.

Quadro 18: Análise semiótica do filme O clã das adagas voadoras Categoria: Estética e ética da morte

Figura 29: Dança do eco

Figura 30: Morte da heroína

Figura 31: Luta entre exército de Tang e rebeldes

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4.9 ANÁLISE DO FILME A MALDIÇÃO DA FLOR DOURADA (CATEGORIA:

ESTÉTICA E ÉTICA DA MORTE)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: A maldição da flor dourada,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2006;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 19):

época: Séc. X (Dinastia Tang),

material: bronze, metal dourado, tecidos coloridos, papéis coloridos,

flores, substância líquida, pó de origem medicinal,

forma: armas e armaduras dos guerreiros, ornamentos dourados nas

vestimentas e enfeites do palácio imperial, paredes coloridas do

palácio, crisântemos amarelos, chá, veneno,

cor: vermelho, amarelo, azul, verde, laranja, rosa, branco,

ritmo: intenso nos confrontos,

movimento: confrontos familiares, envenenamento da imperatriz,

realização da Festa dos Crisântemos, queda do estandarte do

imperador, banquete da família imperial,

símbolo: estandarte do imperador, trajes dourados da família imperial,

ornamentos pessoais da imperatriz (coroa, pentes, anéis), ornamentos

dourados pessoais do imperador e de seus filhos, ritual de celebração

à mesa da família imperial na Festa dos Crisântemos (poder).

c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 20):

época: Séc. X,

tema: confrontos familiares na família imperial pelo poder,

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significado: de acordo com o código confuciano da época, a hierarquia

das relações deve ser respeitada segundo o critério: os pais aos filhos,

os homens às mulheres, os governantes aos súditos, caso contrário a

punição é a morte.

4.9.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

O filme conta a história da dinastia Tang, na China do século X. O imperador

Ping é um homem poderoso que construiu um império vasto, dominado pela

grandiosidade e pela opulência.

Em uma das cenas iniciais, quando o imperador regressa de surpresa ao seu

reino com o seu segundo filho, o príncipe Jie, ocorre o primeiro confronto familiar.

Uma luta curta e puramente demonstrativa entre o imperador e o segundo filho

termina com a declaração do imperador: “Nunca adquiras pela força aquilo que eu

não te der”.

Yimou apresenta uma narrativa na qual tudo gira essencialmente em torno de

relações de poder no seio de uma família poderosa, ou seja, a do próprio Imperador.

Por detrás das coloridas paredes do palácio, escondem-se inúmeros segredos: as

costumeiras traições, os escândalos, o choque provocado pelas relações

incestuosas, capazes de desabar a dinastia Tang.

Em A maldição da flor dourada, Yimou traz para os espectadores um dos

mais exóticos e magníficos cenários do mundo cinematográfico, repleto de cor de

luxúria. Mais impressionante ainda, é o guarda-roupa envergado pelos personagens

que, por vezes, tocam o signo da extravagância, como os detalhes e as cores nos

trajes da família real. Percebe-se que esta beleza visual se sobrepõe à narrativa do

filme, dando um toque de plasticidade.

Em uma das cenas, o imperador descobre que sua esposa mantém uma

relação adúltera com o seu enteado, o príncipe Wan, o herdeiro do trono, e instrui ao

médico da corte que junte um veneno de origem persa ao remédio ministrado à

imperatriz para a cura de sua “anemia”.

O ritual de envenenamento é servido através de poucas doses do veneno

adicionado ao chá, a fim de provocar uma loucura crescente na imperatriz, que a

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levaria inevitavelmente à morte. O imperador mantém em segredo a relação com

sua primeira esposa, e mãe do príncipe Wan, dando a entender que ela faleceu.

Dessa forma, presta-lhe homenagem todos os anos na cerimônia mais importante

do reino: a Festa dos Crisântemos.

Entre as relações de poder na família real, vai, portanto, começar uma luta

entre o imperador e a imperatriz. De um lado, o imperador tenta matar sua esposa

envenenando-a lentamente e, de outro lado, a imperatriz articula um golpe de

governo com a ajuda do príncipe Jie para matar seu marido.

No meio de toda essa turbulência familiar, encontra-se o príncipe Jie, que

tenta manter a harmonia. No entanto, quando descobre os planos de assassínio de

sua mãe, que estão a ser levados a cabo pelo pai, associa-se à conspiração da

imperatriz, que passa por uma tomada de poder, pela queda do estandarte do

imperador, a ser efetuada na noite da Festa dos Crisântemos.

Na sequência da cena de tomada do palácio, na luta entre os soldados do

imperador e os soldados do príncipe Jie, aprecia-se um cenário estético com os

mais diferentes contrastes, dos coloridos e detalhes das roupas dos soldados com

seus lenços bordados em crisântemos dourados pela imperatriz para identificar seus

soldados, às suas armas que representam a violência, habilidade e usurpação.

Esses mesmos soldados apresentam paradoxos estéticos através da

sensação de leveza produzida pelo lenço dourado tingido de vermelho pelo sangue

dos soldados adversários e pela sensação de brutalidade sentida sobre os pés

desses soldados ao pisotearem os crisântemos amarelos que formam um tapete ao

longo do pátio no palácio imperial.

O amarelo das flores, o vermelho do sangue dos soldados e o dourado dos

lenços misturam-se nesse cenário para compor a cena que culmina com a queda do

estandarte do imperador. O príncipe Jie, para, hesita à frente do estandarte de seu

pai, lembra-se dos princípios éticos ensinados pelo imperador: “Nunca tomes pela

força aquilo que eu não te der”. O estandarte é derrubado.

Na cena final, Yimou mantém o cenário particularmente pomposo e artificial,

com exagero estético, vazio de sentido, carregando os olhos dos espectadores com

um colorido de flores, entre o vermelho, o amarelo e o branco, organizando de forma

a circundarem a mesa onde acontece a celebração do ritual da família imperial na

Festa dos Crisântemos. Nessa sequência, os trajes usados pela família real são

dourados. O ouro cobre seus corpos do lado de fora e internamente o “veneno” do

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poder corrói e apaga a luz da ética.

O imperador, como forma de punir seu segundo filho, o príncipe Jie, que

usurpa contra seu poder, lhe diz que a única possibilidade de salvar sua vida é dar o

“chá” para sua mãe, a imperatriz.

Neste filme, Yimou mostra através do príncipe Jie o herói do amor filial. O

príncipe escolhe morrer segundo seus padrões éticos num ritual de sacrifício à sua

própria vida, ao invés de presenciar o sofrimento que levaria sua mãe à morte.

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Época Século X (Dinastia Tang)

Material bronze, metal dourado, tecidos coloridos, papéis coloridos, flores, substância líquida, pó de origem

medicinal

Forma

armas e armaduras dos guerreiros, ornamentos dourados nas vestimentas e enfeites do palácio

imperial, paredes do palácio coloridas, crisântemos amarelos, chá, veneno

Cor vermelho, amarelo, azul, verde, laranja, rosa, branco

Ritmo intenso nos confrontos

Movimento confrontos familiares, envenenamento da imperatriz, realização da Festa dos Crisântemos, queda

do estandarte do imperador, banquete da família imperial

Símbolo

estandarte do imperador, trajes dourados da família imperial, ornamentos pessoais da imperatriz

(coroa, pentes, anéis), ornamentos dourados pessoais do imperador e de seus filhos, ritual de

celebração à mesa da família imperial na Festa dos Crisântemos (poder)

Quadro 19: Análise iconológica do filme A maldição da flor dourada (2006) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Estética e ética da morte

Figura 32: Objetos de bronze – Palácio Imperial – Dinastia Tang

Figura 33: Celebração da Festa dos Crisântemos

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

859 a.C.

Dinastia Tang

Imperador (poder)

Família imperial (hierarquia do poder)

Palácio imperial (paredes coloridas, ornamentos dourados)

Soldados (armas, vestimentas e aparato militar)

Estandarte do imperador (poder)

Chá (envenenamento da imperatriz)

Príncipe Jie (herói do amor filial)

Em 859 a.C., na dinastia Tang, a imperatriz procura vingar a morte de seu pai, cujo poder fora usurpado pelo seu marido e atual imperador. Convenciona com seu filho, o príncipe Jie, matar o imperador na festa dos Crisântemos, tornando-o sucessor ao trono. Revela uma rede de relações familiares saturada de paixões, conflitos, desejos de poder e morte. Apenas o imperador sobrevive.

Quadro 20: Análise semiótica do filme A maldição da flor dourada Categoria: Estética e ética da morte

Figura 34: Palácio Imperial

Figura 35: Família imperial – Dinastia Tang

Figura 36: Imperador da dinastia Tang com o príncipe Jie

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4.10 ANÁLISE DO FILME A HISTÓRIA DE QIU JÚ (CATEGORIA: RELAÇÕES DE

PODER)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: A história de Qiu Jú,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 1992;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 21):

época: atual,

material: plantas, papel, cédula de papel, alimentos variados,

forma: plantação de pimenta, petição judicial, dinheiro, almoço

comemorativo de nascimento,

cor: vermelho, amarelo, azul, branco,

ritmo: calmo (campo), impessoal (cidade grande),

movimento: venda da pimenta, uso de meios de transporte precários

para chegar às diferentes instâncias da lei, dar à luz seu primeiro filho,

comemoração de um mês da criança,

símbolo: luta da mulher por mudança nas relações sociais de poder,

heroína da justiça;

c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 22):

época: atual,

tema: luta pela justiça em face do direito,

significado: quem tem senso crítico e duvida do status quo vigente de

uma cultura eminentemente patriarcal, luta pelo reconhecimento do

direito.

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4.10.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

A história de Qiu Jú apresenta uma narrativa feita em locações reais, sem

cenário fictício montado, muito próximo do estilo documental de filmagem. O filme

faz um mergulho na cultura chinesa, do campo bucólico e afetivo das relações, até a

impessoalidade calculista e, muitas vezes, pouco humana da cidade grande.

A fotografia é primorosa e seu ritmo contido, preciso e adequado à cultura

oriental que retrata, de forma muito verossímil. O filme se passa nos tempos atuais,

num remoto povoado da China, onde a protagonista Qiu Jú, uma esposa grávida,

trava uma batalha jurídica e existencial em busca do seu senso moral de justiça,

acreditando na possibilidade de mudança das relações sociais de poder. Numa

cultura eminentemente patriarcal, ela luta contra o conformismo submisso de seu

marido, que crê que seu chefe tem poder absoluto sobre si, podendo decidir, de

forma a se embasar no senso comum, sobre o emprego da força física.

Toda a trama se desenvolve a partir de um conflito que não é presenciado,

mas é relatado pelos próprios personagens.

Qiu Jú vive no campo de plantação de pimenta, num distante povoado, está

grávida do primeiro filho e, com seu marido, pede autorização ao chefe local para

utilizar uma parte do terreno para a construção de uma casa. O chefe nega o pedido,

alegando que a lei apenas autoriza o uso da terra para plantar, e não para construir.

O marido de Qiu Jú ofende verbalmente o chefe, dizendo que ele “só criará galinhas”

(uma referência ao fato de o chefe só ter tido filhas mulheres). Como resposta, o

chefe chuta com força os testículos do marido de Qiu Jú. Depois de levar o marido

ao médico, Qiu Jú, mesmo sendo quase analfabeta, percebe que houve um abuso

de poder do chefe, pois não havia motivo para uma atitude violenta como aquela e

diz que o marido poderia levar uns “cascudos”, mas nunca ter sua fertilidade

comprometida. Sentindo que seu marido sofreu uma injustiça, abuso de poder e uma

ofensa moral por parte do chefe, ela sai em busca da justiça, com uma espécie de

intuição de que ela teria um sentido de retratação ética. Ela espera que o chefe peça

desculpas e se arrependa por seus atos abusivos.

Nas cenas iniciais, Qiu Jú contata, no povoado, o oficial Li para mediar o

conflito, do ponto de vista jurídico. O chefe aceita entrar num acordo, propondo-se a

pagar as despesas médicas do marido e seu salário. Qiu Jú vai ao encontro do

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chefe, mas a mediação fracassa, na medida em que o chefe se recusa a pedir

desculpas, jogando o dinheiro no chão e exigindo que Qiu Jú se curve para alcançá-

lo, várias vezes. Ela não aceita o pagamento, dizendo que a luta pela justiça não

acabou. Para ela, o abuso de poder injusto do chefe tornou-se a repetir. Qiu Jú não

queria o dinheiro, mas justiça. O chefe, porém, responde só ter concordado em

pagá-la para não contrariar o oficial e exige que Qiu Jú curve a cabeça cada vez que

apanhar uma nota por vinte vezes par que estejam quites.

A partir desse momento, a luta de Qiu Jú em torno da busca da concretização

de justiça, através de procedimentos jurídicos, tem início. Ela vende a pimenta,

utiliza meios de transporte precários, vai até a comarca em Beijing, depois ao

tribunal, enfrenta as dificuldades da falta de honestidade na cidade grande e a

decisão jurídica é a mesma: pagamento das despesas médicas, mais o salário da

vítima. Como último recurso, ela decide recorrer ao tribunal intermediário do povo,

que solicita uma nova perícia médica em seu marido. O descrédito dela é visível,

pois ela começa a perceber como as relações de poder, a noção de controle e o uso

da linguagem parecem preponderar sobre a justiça moral.

Na sequência, quando Qiu Jú tem dificuldades graves no parto e precisa ir

para um hospital, o chefe é procurado pela parteira para salvar sua vida e a do bebê.

A princípio, ele se recusa a ajudá-la, mas acaba cedendo e salvando a ambos.

Na cena de preparação da festa do nascimento da criança, ela visita o chefe e

expressa sua enorme gratidão por ter salvado a vida deles, convidando-o para a

comemoração. Na cena final, na festa, Yimou mostra como a alegria domina o

coração de Qiu Jú, que em nenhum momento parece lembrar-se do problema de

seu marido. O filme sugere que houve uma espécie de compensação ética na

atitude do chefe. Se ele causou um dano, colocando a fertilidade de seu marido em

risco, quando o chutou, o desequilíbrio foi sanado com a realização de um bem

maior, na sua atitude de salvá-la da morte, junto ao filho. O chefe torna-se herói para

a família.

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Época atual

Material plantas, papel, cédula de papel, alimentos variados

Forma plantação de pimenta, petição judicial, dinheiro, almoço comemorativo de nascimento

Cor vermelho, amarelo, azul, branco

Ritmo calmo (campo), impessoal (cidade grande)

Movimento venda da pimenta, uso de meios de transporte precários para chegar às diferentes instâncias da

lei, dar à luz seu primeiro filho, comemoração de um mês da criança

Símbolo luta da mulher por mudança nas relações de poder sociais, heroína da justiça

Quadro 21: Análise iconológica do filme A história de Qiu Jú (1992) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de Poder

Figura 37: Comemoração de um mês do filho de Qiu Jú

Figura 38: Batizado do filho de Qiu Jú

Figura 39: Cidade grande

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

Tempo atual num remoto povoado da

China, em um campo de plantação de

pimenta

Mulher rural (heroína da justiça)

Plantação de pimenta (produtores)

Ofensa verbal (“só criaria galinhas”, referência ao fato de o personagem só ter tido filhas mulheres)

Diferentes instâncias da lei (oficial do povoado, comarca em Beijing, tribunal)

Dinheiro jogado ao chão (reconhecimento do abuso do poder)

Pedido de desculpas (reconhecimento do abuso do poder)

Mulher de região rural luta em defesa de seu esposo, ofendido pelo patrão, que pelo senso comum, tem poder

absoluto sobre todos, podendo decidir até a respeito do emprego da

força física. Percorre todas as instâncias da lei na busca por justiça.

Quadro 22: Análise semiótica do filme A história de Qiu Jú Categoria: Relações de poder

Figura 40: A mulher rural lutando por Justiça junto ao oficial do povoado

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4.11 ANÁLISE DO FILME TEMPO DE VIVER (CATEGORIA: RELAÇÕES DE

PODER)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

título da obra: Tempo de viver,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 1994;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 23):

época: dos anos 40 aos anos 80,

material: metal, tecidos, couro, madeira, palitos de madeira, papel,

forma: armas, bótons, caixa dos bonecos de marionete, show de

sombras, livros vermelhos de Mao, uniformes, cartazes,

cor: cinza, branco, vermelho, cáqui, preto, amarelo, azul,

ritmo: das botas e armas dos soldados, da música no show de

sombras, dos hinos cantados nas passeatas e festas comemorativas,

movimento: ocupação das províncias chinesas pelo exército japonês,

ajuntamento do povo em passeatas e festas,

símbolo: livro, bóton, braçadeira e bandeira vermelhas, hino ao

presidente Mao, uniforme cáqui, show de sombras;

c) identificação da imagem para obtenção do significado simbólico (conforme Quadro 24):

época: dos anos 40 aos anos 80,

tema: fases de transição política na China (da invasão japonesa à

revolução cultural),

significado: luta de um homem do povo chinês pela sua sobrevivência

em meio a diferentes modelos políticos de poder.

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4.11.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

Em Tempo de viver, Yimou traça em leves pinceladas como se de um quadro

se tratasse, parte da história da China do Séc. XX. Precisamente, dos anos 40, com

a invasão japonesa, aos anos 80, abrangendo a Revolução Cultural.

A narrativa do filme apresenta um homem do povo que, refletindo sobre os

meandros que a vida tece, de herdeiro de bens e inveterado jogador de apostas,

transforma-se em operador de marionetes. Lutando por sua sobrevivência,

acompanha os diferentes modelos políticos de poder pelos quais a China passa,

desde os anos 40 até os anos 80.

Na ação do personagem, vai-se entrando pouco a pouco num mundo mais

familiar, onde se revela, sem pudor, toda sensibilidade oriental, também universal. O

“ser” humano chinês, a alma humana, é universal, pois se alimenta das mesmas

necessidades arcaicas.

Na cena em que o operador de marionetes deixa sua cidade, leva consigo

apenas uma caixa de madeira, porque tudo o mais perdeu no jogo de apostas. Sua

única riqueza são os bonecos de marionetes. Não há mais dinheiro, casa ou família,

somente os bonecos. Uma oportunidade, uma ideia, uma inovação.

Década de 40, a guerra chega. Os japoneses empunham baionetas com

facas na ponta e o operador de marionetes empunha bonecos na ponta dos palitos.

Através do seu sofrimento causado pelas atrocidades cometidas pelo exército

japonês de ocupação, estabelece-se um “padrão” de real ser humano naquele

período da história da China.

O “chinês” luta por sua sobrevivência num esforço de autocultivação dentro

de padrões de paciência, pacifismo e honra. Confuciana é sua trajetória. Silenciosa,

profunda e vivificante. Num esforço constante, encontra uma alegria que o faz

esquecer suas dores. Através do show de marionetes, da caixa de bonecos de

marionetes, do grupo de músicos e operadores, constrói uma nova vida numa

espécie de paixão pela autonomia dentre tanta opressão. Sua arte, expressa pelo

show de sombras, transmite a leveza operacional e o companheirismo do conjunto.

Na performance dos “atores”, com os bonecos perto da cortina branca, tendo ao

fundo as velas acesas para projetar suas sombras, tem-se a sensação de um oásis

no meio do deserto. Luzes tênues que tremulam, palitos que seguram bonecos de

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papel, acompanhados por música que narra as estórias da cultura chinesa.

Nessas cenas aparecem os contrastes mobilizados por Yimou, a beleza do

conjunto de signos apresentados na forma de manifestação artística cultural da

China, pelo show de sombras, e a demonstração da cultura da guerra, com seus

signos representados pela violência, pelo poder.

A cena em que o operador de marionetes se encontra de regresso à sua

cidade, esposa e filhos, marca o início da década de 60. É a festa de casamento de

sua filha. Seu país, a China, encontra-se sob o domínio do movimento de massas,

tendo como alvos principais a doutrinação política dos jovens estudantes. O noivo de

sua filha é um jovem integrante da Guarda Vermelha de Mao. Desta forma, oferece

com orgulho seus bens mais preciosos como presentes aos futuros sogros, os

signos da revolução cultural: livros vermelhos de Mao e bótons com emblemas

amarrados com fitas vermelhas.

O povo e os estudantes, especialmente, exaltam os ensinamentos dos livros

vermelhos, promovendo passeatas onde cantam hino em homenagem a Mao,

promovendo-o a um status de deus terreno. O jovem noivo comunga desse

fenômeno de fervor revolucionário, saindo em passeatas nas ruas vestido em traje

militar, calça e túnica cáqui com braçadeira vermelha e quepe com emblema

vermelho.

Mao quer o poder central de uma China unificada. Para isso, dá poder aos

jovens, seus guardas vermelhos, que cada vez mais exacerbados, punem e

humilham aqueles que não comungam do mesmo ideal político. Na cena do hospital,

quando a filha do operador de marionetes chega para ter seu filho, Yimou mostra

como a situação se complica quando as jovens estudantes soberbas não têm

competência para atendê-la. O jovem militar da guarda vermelha, seu marido, traz o

médico, um dos expurgados em rituais de humilhação pública, levado às ruas com

um cartaz pendurado ao pescoço. Não há mais tempo para salvar a vida de sua

esposa.

Assim, Yimou revela, neste filme, que, por detrás dos signos de

representação do poder, o que há sempre são pessoas, um mundo de pessoas que,

mesmo disfarçadas atrás de um uniforme cáqui ou com um jaleco de médico,

mostram que ainda o que tem maior valor, ou seja, a “vida”, está ao alcance da mão

de qualquer um.

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Época dos anos 40 aos anos 80

Material metal, tecidos, couro, madeira, palitos de madeira, papel

Forma armas, bótons, caixa dos bonecos de marionete, show de sombras, livros vermelhos de Mao,

uniformes, cartazes

Cor cinza, branco, vermelho, cáqui, preto, amarelo, azul

Ritmo das botas e armas dos soldados, da música no show de sombras, dos hinos cantados nas

passeatas e festas comemorativas

Movimento ocupação das províncias chinesas pelo exército japonês, ajuntamento do povo em passeatas e

festas

Símbolo livro, bóton, braçadeira e bandeira vermelhos, hino ao presidente Mao, uniforme cáqui, show de

sombras

Quadro 23: Análise iconológica do filme Tempo de viver (1994) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de Poder

Figura 41: Passeata do partido de Mao

Figura 42: Invasão japonesa

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

Dos anos 40 aos anos 80, fases de transição

política na China (invasão japonesa à Revolução Cultural)

Livros de regras contratuais (registro de valores econômicos e identificação digital)

Show de sombras (caixa de madeira com bonecos de marionetes)

Aparatos de guerra japoneses (baionetas)

Soldados da Guarda Vermelha de Mao (uniforme cáqui, braçadeira, bóton)

Livros vermelhos de Mao, passeatas, cantos ao presidente Mao (Revolução Cultural)

Entre os anos 40 e 80, o personagem atravessa diferentes fases de transição política, lutando por sua sobrevivência. De família rica, torna-se jogador inveterado de apostas que perde tudo. Torna-se um artista do show de sombras durante a invasão japonesa. Reunindo sua família, atravessa o período da revolução maoísta, tendo de se adaptar a todas as mudanças ideológicas.

Quadro 24: Análise semiótica do filme Tempo de viver Categoria: Relações de poder

Figura 43: Livros de regras contratuais

Figura 44: Show de sombras

Figura 45: Soldados da Guarda Vermelha de Mao

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4.12 ANÁLISE DO FILME HERÓI (CATEGORIA: RELAÇÕES DE PODER)

A análise do filme foi feita com base nas seguintes informações:

a) dados de identificação do filme:

filme: Herói,

diretor: Zhang Yimou,

ano de realização: 2002;

b) categorias para análise iconológica (conforme Quadro 25):

época: de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin),

material: metal, fogo, cera, tecidos, terracota, pilares de madeira,

colunas entalhadas de bronze, paredes de tijolos,

forma: trono do imperador com figura de um dragão e uma fênix

entrelaçados de bronze, bandeiras empunhadas pelos soldados de

Qin, colunas do palácio imperial, armas e vestimentas dos soldados,

sinos de Bianzhong, velas, Muralha da China,

cor: amarelo, vermelho, cinza e preto,

ritmo: toque dos sinos e tambores no palácio, estalar das espadas dos

soldados, ritual de acendimento das velas na sala do trono do

imperador, trote dos cavalos, corrida das bigas,

movimento: ordem, disciplina, proteção na formação dos soldados,

símbolo: soldados do exército de Qin;

c) identificação da imagem para obtenção de significado simbólico (conforme Quadro 26):

época: de 221 a 207 a.C.,

tema: criação do exército do imperador Qin para a unificação da China,

significado: poderio e liderança do imperador.

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4.12.1 Análise triangular: iconologia, semiótica e reação estética

No filme Herói, Yimou revela aos espectadores o Imperador Qin, que, usando

de extrema força, habilidade e determinação, por volta de 201 a.C., unifica os sete

reinos, formando o Estado unificado chinês. O Imperador jamais se resigna a morrer.

Assim, cria um exército para protegê-lo durante sua vida após a morte. É com esse

objetivo que o exército de terracota é construído. São estátuas feitas de barro cozido

em tamanho natural, colocadas estrategicamente como se estivessem prontas para

a batalha, refletindo o poderio e liderança do imperador. Uma obra de grande

conteúdo representativo em nível de precisão, ordem, disciplina, habilidade,

proteção e devoção que o povo chinês tem para com seu representante.

Entre as medidas adotadas por Qin para garantir seu poder e seu império

unido, oferece a entrega de elevadas recompensas contra os guerreiros que querem

assassiná-lo. A tarefa parece impossível, mas um oficial de baixo estatuto é levado à

presença do imperador, alegando ter matado os três assassinos e apresentando

suas armas como prova de sua maestria como guerreiro.

Herói é naturalmente um filme patriótico, com lutas travadas pelo herói de

Yimou, que se revolta contra um imperador déspota, responsável pela morte de

milhares de pessoas, lutando por uma causa nobre e pelo bem maior de um povo.

Os métodos do imperador não são exatamente camuflados ou branqueados quando

Yimou mostra a cena dos guerreiros estudantes na escola de caligrafia. São civis

inocentes, alunos que demonstram uma resistência passiva, não são soldados,

enfrentam a morte agarrados à sua cultura até o fim. Mesmo assim, o imperador não

lamenta sua aniquilação.

O imperador se autoproclama “filho do céu” e o seu palácio é vedado à

aproximação das pessoas comuns. Ninguém pode chegar a menos de cem passos

do imperador, na sala de audiência. Nela, atrás de seu trono, há uma figura em

bronze de um dragão e uma fênix entrelaçados que reproduz a união celeste e

terrestre, que significa a fusão entre o céu e a terra, simbolizando o poder e a

harmonia entre o imperador e a imperatriz. Nessa sala, onde se realizam

solenidades oficiais e rituais importantes, o protagonista tem sua entrevista com o

imperador.

Na cena para anunciar a entrada do herói, tocam-se os sinos de Bianzhong,

acendem-se as chamas das velas que estão perfiladas à frente do trono do

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imperador e colocam-se as três espadas dos guerreiros diante delas. Os soldados

se enfileiram na praça e o imperador senta-se no alto de seu trono. As velas acesas

clareiam a sala e os sinos e tambores ressoam, criando um ambiente sagrado e

solene. Há, ainda, uma força intimidadora no ar, marcando o poderio e a liderança

do imperador.

Yimou apresenta o personagem do imperador Qin como um guerreiro

destemido que, com sua espada, une o passado ao presente, criando um Império

unido. Vence as revoltas, as traições, cria um exército organizado e numeroso com o

qual submete os grupos étnicos e tribais sob seu domínio. Instala um sistema

político de controle total a que subjuga seu povo e cria um conjunto de caracteres,

uma nova escrita, estabelecendo um universo simbólico único pelo qual o povo se

comunica. Constrói parte da Grande Muralha da China e deixa os soldados de

terracota, representações culturais do seu poder, da dinastia Qin. Seu exército é o

símbolo desse poder: fiel e combativo, criando figuras de heróis, iniciando um

sistema de defesa, principalmente o imperador Qin, que deixa o espírito de união,

disseminando o sentido e o orgulho de pertencer ao Império Chinês, o que significa

que a força da China vem da ligação mútua e da união do povo chinês em prol do

que chamam “nossa terra”.

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Época de 221 a 207 a.C. (Dinastia Qin)

Material metal, fogo, cera, tecidos, terracota, pilares de madeira, colunas entalhadas de bronze, paredes

de tijolos

Forma

trono do imperador com figura de um dragão e uma fênix entrelaçados de bronze, bandeiras

empunhadas pelos soldados de Qin, colunas do palácio imperial, armas e vestimentas dos

soldados, sinos de Bianzhong, velas, Muralha da China

Cor amarelo, vermelho, cinza e preto

Ritmo toque dos sinos e tambores no palácio, estalar das espadas dos soldados, ritual de acendimento

das velas na sala do trono do imperador, trote dos cavalos, corrida das bigas

Movimento ordem, disciplina, proteção na formação dos soldados

Símbolo soldados do exército de Qin

Quadro 25: Análise iconológica do filme Herói (2002) – Diretor: Zhang Yimou Categoria: Relações de poder

Figura 46: Sinos de Bianzhong

Figura 47: Palácio do Imperador Qin

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CONTEXTUALIZAÇÃO SÍMBOLOS SIGNIFICAÇÃO

De 221 a.C. a 207 a.C.

Dinastia Qin

Imperador Qin (poder)

Palácio do Imperador (trono com figura de um dragão e uma fênix entrelaçados, colunas entalhadas, sinos de bronze de Bianzhong, velas postas à frente do trono)

Soldados do exército Qin (armas, vestimentas, aparato de formação militar)

O imperador Qin, que reinou na China entre 221 e 207 a.C., depois que uniu os sete reinos, sentado em seu trono no Palácio Imperial, revela através dos símbolos presentes no palácio o seu poder e liderança sobre o exército e sobre o povo.

Quadro 26: Análise semiótica do filme Herói Categoria: Relações de poder

Figura 48: Soldados do exército de Qin

Figura 49: Imperador Qin na sala do trono

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CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem tem hoje presença significativa na vida social. Nesta pesquisa, a

imagem cinematográfica, através da obra de Zhang Yimou, ganha status de “estudo

de caso” na educação, não apenas como uma questão metodológica, mas também

cultural, articulando relações entre imagem, símbolos e conhecimento.

Ciência e tecnologia interferem de forma marcante nos rumos das sociedades

e, consequentemente, na educação, criando uma nova linguagem a partir da

reprodução de imagens e sons num processo inovador na formação de um ser

humano universal, capaz de discutir a relação entre os saberes, as sensações e as

reflexões críticas. Ao estabelecer a relação entre imagem cinematográfica, história,

arte e educação, pode-se realizar a investigação do objeto de estudo, permitindo o

entendimento das questões histórico-culturais, situando-as na época de sua criação

e mostrando sua influência na sociedade atual. Considerando essas relações,

buscaram-se os enunciados de certos discursos de regimes de verdade próprios de

uma época, produzidos, veiculados e recebidos de formas específicas, que falam de

uma determinada contextualização e que apresentam relações de poder. Na

expressão de seus valores culturais, produzem sujeitos com padrões

comportamentais de homogeneização na construção de sua identidade.

Dessa maneira, a questão focal da relação entre imagem e educação é a

relação do homem com a tecnologia. Falar de imagens no cinema é falar da relação

entre o “olhar” humano repleto de saberes, experiência, criatividade, reflexão crítica

e o “olhar” a partir de um olho técnico com possibilidade de recortes. Ao interpretar a

imagem, apreende-se sua matéria significante em diferentes contextos. O resultado

dessa interpretação, da ordem do simbólico, é a produção de outras imagens. A

imagem fílmica do cinema é divertimento e arte, um meio de comunicação que

transmite mensagem e principalmente som e imagem. Atrai e prende o olhar. Cria os

grandes planos e as panorâmicas, da mesma forma que espetaculariza o ínfimo, o

detalhe, com uma nitidez que nenhuma outra linguagem é capaz de criar. Revela o

visível e aquilo que não é visível, mas faz ver.

Sendo assim, a imagem cinematográfica de Zhang Yimou é, então, o

espetáculo visto, proposto pela câmera, numa revelação direta olho-máquina.

Pela lente de Zhang Yimou, revelam-se os símbolos como representação dos

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ciclos culturais que marcaram a história da China. O olhar do cineasta mostra,

também, a relação da cultura com o social, o histórico, a arte e com a formação

social da identidade do povo chinês.

Assim, a partir da imagem icônica, por um efeito de sentidos que se institui

entre o olhar, a imagem e a possibilidade do recorte, pode-se conhecer de que

forma a relação imagem fílmica/interpretação é administrada nas diferentes

instâncias da cultura chinesa por Zhang Yimou.

Para compreensão desse processo de análise, foram selecionados dez filmes

do cineasta Zhang Yimou, compreendendo o período de 1987 a 2006, que

representam desde a formação do Império Chinês até os dias atuais da China, além

da abertura e do encerramento das Olimpíadas de 2008:

a) 1987 - O sorgo vermelho;

b) 1991 - Lanternas vermelhas;

c) 1992 - A história de Qiu Jú;

d) 1994 - Tempo de viver;

e) 1999 - Nenhum a menos;

f) 2001 - Happy times;

g) 2002 - Herói;

h) 2004 - O clã das adagas voadoras;

i) 2005 - Um longo caminho;

j) 2006 - A maldição da flor dourada;

k) 2008 - Abertura e encerramento das Olimpíadas.

Posteriormente, efetuou-se a seleção de cenas através do software de edição

digital Windows Movie Maker, obtendo como produto final da montagem filmes mais

curtos, utilizados na análise. Foi aplicado o programa framing, que consiste em criar

um novo arquivo de imagens estáticas ou fotos a partir da captura da imagem no

arquivo de filme previamente selecionado. O processo foi realizado através do

mesmo software Windows Movie Maker, permitindo a impressão e apresentação das

imagens.

Nesta pesquisa, a análise descritiva das imagens cinematográficas apresenta

uma combinação da teoria iconológica (Panofsky), da semiótica (Peirce) e da reação

estética (Vygotsky), caracterizando a chamada triangulação metodológica.

Na aplicação da metodologia, foram selecionadas as categorias: “educação”,

“gênero feminino”, “relações de poder” e “estética e ética da morte” para análise das

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imagens cinematográficas. Propõe-se, após a identificação das imagens, a

descrição de suas formas, sua correlação com estabelecimento de contextualização,

seu significado e sua função simbólica na sociedade e, por fim, um exercício de

sensibilidade que permita a compreensão da totalidade do fenômeno apreendido

através dos elementos: forma, material, imagem, tema, significado, sentido,

condicionamentos culturais e sociais.

Esta análise da imagem permite ao espectador apreender conhecimento,

possibilitando o seu crescimento, uma vez que oferece material para o exercício de

reflexão e de sensibilidade integradas.

Algumas das representações simbólicas encontradas nos filmes de Zhang

Yimou foram:

a) o aprendizado para os chineses reside no treino de um sistema de

práticas;

b) Homem e natureza constituem uma única sociedade que tem ciclos de

mudanças;

c) A sabedoria chinesa tem fins políticos;

d) O sistema familiar preserva padrões de comportamento profundamente

arraigados no código confuciano de conduta baseado no treinamento de

jovens para o autocontrole e obediência em aceitar padrões de status na

hierarquia familiar e oficial do governo;

e) Absorção do indivíduo pela natureza e pela expressão da coletividade;

f) O homem se aperfeiçoa por meio da educação, pelo seu próprio esforço

de autocultivação (meditação) e pelo cumprimento das regras de

sobriedade (concede status moral);

g) Maior ênfase aos deveres do que aos direitos;

h) O dever mais importante é a lealdade (devoção filial, devoção ao Estado,

devoção ao marido);

i) Os caracteres da escrita chinesa não são representações de palavras,

mas símbolos de ideias;

j) A ordem universal se realiza graças a uma participação ativa dos

chineses, tendo como efeito uma disciplina civilizatória;

k) Mudança no status da mulher: da sociedade patriarcal a novos padrões de

comportamento baseados nos valores econômicos;

l) Crueldade dos japoneses nas comunidades rurais invadidas;

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m) A educação estatal chinesa cria soldados, heróis que lutam pela união da

sua pátria, a despeito de qualquer sacrifício individual, pelo bem da sua

terra;

Considerando a simbologia presente nos filmes de Yimou, que se processa

na mediação estabelecida entre o olhar que produz a imagem e o olhar do

espectador que a interpreta, permite-se estabelecer uma analogia com o objeto

educação como referência por meio da qual as relações na sociedade e na cultura

são constituídas. Abordar a questão da imagem no campo educacional é abordar a

relação entre o sensível e o racional. Entrar na história narrada nos filmes de Zhang

Yimou, como experiência de vida, traz a emoção de, percorrendo seus meandros,

diálogos, cores e sons, rever, ao mesmo tempo, aspectos da universalidade da

cultura e do comportamento humano.

O método de análise exposto neste trabalho é um exercício de abstração que

define padrões culturais a partir do enquadramento dos filmes em categorias

preestabelecidas, o que não só amplia o potencial cognitivo, como também a

capacidade sensitiva. Os filmes objeto de interpretação crítica podem ser de temas

tão variados quanto queira o educador, expandindo a criatividade dos alunos em

todas as matérias. Transportando tal recurso para os mais diversos sistemas

educacionais, inclusive o brasileiro, pode-se esperar que os alunos adquiram uma

capacitação reflexiva para desenvolver multicompetências. Segundo Vygotsky

(2001), os fenômenos psíquicos são inter-relacionados e indissociáveis do todo, o

que exige do sujeito uma ação totalizadora que engloba as dimensões cognitiva e

afetiva.

As imagens cinematográficas surgem, assim, como protagonistas de uma

ação pedagógica, participando na elaboração do conhecimento através da interação

do mundo real e suas representações com o universo simbólico.

Educar por intermédio da imagem cinematográfica, considerando as novas

formas de relação pedagógica, é criar condições para o espectador conhecer o

mundo através de imagens sobre as quais ele possa pensar, refletir, analisar,

criticar, relacionar e experienciar a intuição e a sensibilidade.

Concluindo, esta dissertação teve como proposta básica a criação de uma

metodologia, entrelaçada com os fundamentos teóricos de Panofsky, Peirce e

Vygotsky, para a compreensão do imenso conjunto de sinais que as obras

cinematográficas transmitem como fonte de conhecimento para os alunos. Através

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deste trabalho, os educadores podem ter mais ferramentas para analisar, relacionar

e compreender com seus educandos, desde as primeiridades das configurações dos

sinais, como suas evoluções que se remetem de signos para signos, até a

complexidade que envolve os padrões culturais e suas significações.

Educar no século XXI requer do sistema educacional, envolvendo educador e

educando, um aumento da consciência e consequente reflexão de que se vive em

um mundo globalizado, continuamente informado pela conexão das mídias de última

geração, que mobilizam tomadas de decisões que incluem a análise de múltiplas

variáveis. Essa complexidade envolve diferentes culturas que se influenciam

continuamente. Sendo que os educandos vivem assistindo a filmes e estão

conectados em áudio e vídeo com informações que transcendem as salas de aula,

esta dissertação quer contribuir para que os educadores possam partir para

pesquisas mais eficazes com o propósito de compreenderem os significados dos

conteúdos do universo midiático no qual a nova geração de alunos está imersa.

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ANEXOS

CIVILIZAÇÃO CHINESA Da Muralha da China ao Estádio Ninho de Pássaro,

cinco mil anos de história, cultura e arte (Síntese Apresentada no quadro 27)

CHINA

Nome oficial: Zhonghua Renmin Gongueguo, “país do meio” em chinês,

República Popular da China (RPC); é uma das civilizações mais antigas do mundo,

com as suas raízes histórico-culturais que remontam há mais de cinco mil anos.

A cidade de Pequim ou Beijing é a capital da China, sendo tanto o centro

político, como o centro cultural, científico e educativo, além do eixo das

comunicações do país.

De dimensões continentais, a China é o país mais populoso do planeta, com

uma população de 1,306 bilhões de habitantes; com políticas rígidas para controle

de natalidade. Moeda: iuan chinês. “Yuan” em chinês significa “objeto redondo”.

Dia da independência Nacional: é comemorado no dia 1.º de outubro de

cada ano, marcando a fundação do People’s Republic of China.

Possui uma área de 9.572.909 km², com um relevo de grandes montanhas,

planícies e colinas que ocupam 65% da superfície continental.

Localiza-se a leste da Ásia, com uma sucessão de planaltos descendo na

direção (O – L); montes da Ásia Central e bacia do rio Tarim (NO). Cordilheira do

Himalaia (SO); deserto de Gobi e planalto da Mongólia (N); planalto do Tibet (O e

centro); planície da Manchúria (NE) e da China Setentrional.

Composição da população: já existiram na China mais de uma centena de

grupos étnicos. Em termos numéricos, a etnia dominante é a dos Han, com 92%.

Dos 8% restantes, o governo da República Popular Chinesa reconhece 55 grupos

étnicos.

Principais cidades: Xangai, Pequim (Beijing), Tianjin, Sheyang, Wuhan,

Guanzou (Cantão).

Figura 50: Zhonguo Fonte: HTTP://ptwikipedia.org/wiki/china

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Economia da China:

a) Produtos agrícolas: arroz, batata-doce, trigo, milho, soja, cana-de-açúcar,

tabaco, algodão em pluma, batata, juta, legumes e verduras;

b) Pecuária: equinos, bovinos, búfalos, camelos, suínos, ovinos, caprinos, aves;

c) Mineração: carvão, petróleo, chumbo, minério de ferro, enxofre, zinco,

bauxita, asfalto natural, estanho, fosforito;

d) Indústria: têxtil (algodão), materiais de construção (cimento), siderúrgica

(aço), equipamentos eletrônicos.

Idioma: o mandarim, a língua oficial da China, é utilizado por 94% da

população, e dialetos regionais (predomina o cantonês).

Religião: a filosofia chinesa teve um impacto extremo na cultura do seu povo,

tanto em nível erudito quanto em nível popular. As raízes da filosofia chinesa estão

no Confucionismo, Taoísmo e Budismo. O budismo é a religião com o maior número

de seguidores: 20,1%. (CHINA, news.bbc.co.uk, 2009)

Escrita: o sistema de escrita chinesa possui 50.000 caracteres, dos quais

7.000 são os mais usados. Apesar desse grande número, análises mostram não

mais do que oito riscos básicos: ponto, traço, risco perpendicular para baixo, risco

para baixo e para a esquerda, ou risco caindo para a esquerda, risco em forma de

curva, ou risco caindo para a direita, gancho, risco para cima e para a direita, e

dobra ou entrelaçamento. Esse sistema ideográfico requer uma sociedade culta e

com uma boa formação, uma vez que é baseado, principalmente, em conceitos, e

não em fonética.

A caligrafia chinesa é uma arte oriental. Mas o que a torna uma arte? É muito

semelhante ao que ocorre com a pintura. Caracteres chineses são utilizados para

expressar o mundo espiritual do artista. Assim como as pessoas têm fisionomias

diferentes, elas também terão caligrafias e escritas diferentes. Através da forma,

manuseio do pincel, apresentação e estilo, a caligrafia como um trabalho de arte

comunica a moral, o caráter, as emoções, sentimentos estéticos e a cultura do

artista para os leitores, afetando-os pelo poder de apelo e alegria da beleza.

A caligrafia não é somente uma técnica prática para escrever caracteres

chineses, mas também uma arte oriental única, de expressão, aprendizado ou

disciplina. Como um modo de aprendizado, é rica em conteúdo, incluindo a evolução

dos estilos de escrita, desenvolvimento de regras e técnicas, história da caligrafia,

escritores e sua herança na arte, e avaliação da caligrafia como um trabalho de arte.

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Esse modo de aprendizado é vasto e profundo, formando uma importante parte da

cultura chinesa.

Os estudiosos da caligrafia chinesa acreditam que essa forma de arte tenha a

beleza da imagem na pintura, a beleza do dinamismo na dança e a beleza do ritmo

na música.

Com uma história de quatro a cinco mil anos, a arte da caligrafia é rica e

profunda em conteúdo e tem atraído a atenção de artistas ao redor do mundo.

Arte: a arte registra as ideias e os ideais das culturas e etnias, sendo, assim,

importante para a compreensão da história do homem e do mundo. A verdadeira

essência da arte e do artista é poder transformar a realidade de acordo com seus

ideais e pensamentos.

O milagre da arte lembra outro milagre do Evangelho: “a transformação da

água em vinho, e a verdadeira natureza da arte sempre implica algo que transforma

[...]”. (VYGOTSKY, 2001, p. 45).

“Nada existe realmente que se possa dar o nome de arte, existem somente

artistas.” (GOMBRICH, 2000, p. 98). Arte pode ser sinônimo de uma beleza

transcendente. Arte é um fenômeno cultural. A verdadeira essência da arte e do

artista é poder transformar a realidade de acordo com seus ideais e pensamentos.

A arte possui a função transcendente, ou seja, manchas de tinta sobre uma

tela, ou palavras escrita em um papel, os estados da consciência humana,

abrangendo emoções, percepção e razão (PEIRCE, 2008), essa seria a principal

função da arte.

A montagem de uma obra de arte requer técnica, criatividade e conhecimento.

Apenas com a catarse a arte se manifestará em sua plenitude. “[...] a arte é uma

espécie de sentimento social, prolongado, ou uma técnica de sentimentos.”

(VYGOTSKY, 2001, p. 54). A sublimação da paixão produz a arte. (VYGOSTKY,

2001).

Nas personagens de Tolstoi, a arte exige resposta, motiva certos atos e

atitudes. Em Nietzsche, a arte sugere que o motivo está contido no ritmo: “Ele gera

uma vontade irresistível de imitar, de colocar-se em uníssono não só com os passos

que os pés lhe facultam como também com a alma que segue a medida... Aliás, terá

havido para o homem antigo e supersticioso algo mais útil que o ritmo?”

(VYGOSTKY, 2001, p. 78).

Caracterizada pela serenidade e permanência das formas expressivas e pela

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rigidez de valores estéticos, a cultura chinesa procurou sempre, através das suas

realizações artísticas, a harmonia com o universo. Com a abertura da cultura

chinesa ao exterior, durante a dinastia Ching, tornou-se evidente, em paralelo com a

exportação de artefatos artísticos para todo o mundo ocidental, a apropriação pela

China de outras linguagens estéticas.

A arte chinesa é significativa não apenas pela beleza, mas também porque foi

a maior fonte de inspiração para todo o Oriente: Japão, Coreia, Tibete, Mongólia,

Indochina e Ásia Central. A Europa também deve à China muitos dos seus impulsos

artísticos, bem como a introdução de variadas técnicas, principalmente na cerâmica

e na tecelagem. A postura em relação às artes apresentava muitas diferenças entre

a China e o Ocidente. O amador erudito, por exemplo, tinha geralmente um status

mais elevado do que o profissional, e não havia distinção entre belas artes e artes

aplicadas. Na verdade, a caligrafia na China há muito tempo já era considerada a

mais nobre das artes.

A pintura era uma forma desenvolvida da caligrafia, e ainda hoje as duas

apresentam relações bem próximas. O pintor, em vez de pintar seus quadros em

telas ou madeira com tintas a óleo, geralmente trabalhava em seda ou papel com

aquarela. Além disso, a vitalidade e o ritmo das pinceladas era mais importante que

o naturalismo da representação.

O escultor utilizava pedra, madeira ou bronze, mas algumas vezes modelava

ou revestia suas obras com laca, uma forma de arte originária da China. A porcelana

também foi fabricada pela primeira vez na China, mais de mil anos antes que o

segredo de sua manufatura fosse conhecido na Europa, no início do século XVIII. O

jade é outro tipo de material associado à China, tendo sido utilizado na confecção de

objetos rituais, armas cerimoniais, joias e pequenas esculturas.

As casas dispõem, na maioria das vezes, de um só andar, espalhando-se por

grandes terrenos, com jardins e pátios entre as várias alas, embora palácios,

templos e pagodes sejam mais altos. Os telhados também são construídos sobre

portões, pontes, muralhas e monumentos. Vários telhados aparecem, muitas vezes,

uns sobre outros, com os beirais formando graciosas curvas para cima, uma das

características mais típicas da arquitetura chinesa.

A arte chinesa tem fascinado pessoas de todo o mundo. Cerâmica, pintura,

caligrafia, desenhos animados antigos, artes folclóricas, show de sombra, ópera

(ópera de Pequim), dança (dança do Leão e dança do Dragão), artes marciais,

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esculturas em jade, marfim e bronze, são alguns exemplos da arte chinesa.

O show de sombras é um tipo de drama que tem suas raízes na China. A

lenda diz que o Imperador Wudi (156 – 87 a.C.) estava deprimido com a morte de

sua concubina favorita, Lady Li. Para ajudá-lo a superar essa tristeza, um artista

esculpiu uma figura de madeira semelhante a ela e projetou sua sombra numa

cortina para que o imperador pudesse vê-la, consolando-o com a crença de que a

sombra era o espírito da concubina. Essa crença permaneceu até o início do show

de sombras.

Os bonecos de sombra de hoje são feitos de couro, ao invés de madeira, pela

simples razão de que o couro é muito mais leve, mais fácil de ser manipulado e

transportado. Os bonecos de couro são pintados com várias cores para mostrar

suas diferentes qualidades – bom ou mau, feio ou bonito. Durante a performance, os

“atores” são segurados perto de uma cortina branca e as sombras coloridas de seus

moldes são projetadas sobre ela por uma forte luz ao fundo. Movidos por palitos,

eles desempenham seus papéis, acompanhados de música, com sua atuação ou

canto feito pelos operadores.

O show de sombras se tornou muito popular no começo da dinastia Song,

quando as festas nacionais eram marcadas pela apresentação de várias peças de

sombras. Durante a dinastia Ming, havia 40 a 50 equipes de show de sombras só na

cidade de Beijing.

Algumas pessoas podem ter ido muito longe ao alegar que o show de

sombras chinês foi o precursor da indústria cinematográfica, mas ele certamente

contribuiu para enriquecer o show business mundial da época. Atualmente, tempos

em que o cinema e a televisão se espalharam pelo mundo, turistas estrangeiros na

China ainda se entusiasmam para ver uma apresentação dessa anciã arte

dramática.

Durante séculos, a antiga civilização chinesa foi conhecida somente através

de registros escritos. Agora a arqueologia moderna está revelando os segredos

desse mundo antigo, com surpreendentes descobertas através de obras realizadas

em bronze, tesouros em informações sobre o passado da China.

O desenvolvimento da metalurgia do bronze envolveu mineração, fundição e

os minérios que contêm cobre e estanho, dois metais que se ligam para produzir

bronze. O bronze foi usualmente utilizado para fazer melhores ferramentas para a

agricultura e melhores armas para entrar em guerra. Na China antiga, os mais

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talentosos trabalhadores de bronze foram colocados para fabricar vasos para

preservar água e alimentos para serem utilizados em cultos e rituais.

A civilização chinesa no início dos anos da Idade do Bronze foi uma

sociedade altamente estratificada, governada por um rei todo-poderoso e seus

nobres. De acordo com a religião da dinastia Shang, o rei tinha o seu poder derivado

de seus divinos ancestrais, cujos espíritos poderiam influenciar o curso dos

acontecimentos se fossem propiciados com oferendas e sacrifícios. O bronze, assim,

estava relacionado ao poder e à divindade.

Em 1976 foi descoberto um navio de bronze, cujo registro de inscrição revela

que foi encomendado apenas oito dias após a derrota dos Shangs para a captação

do auspicioso Bronze. Os navios de bronze mais antigos descobertos até o

momento são datados de 1800 a.C.

As decorações em vasos do Shang parecem ricas de significado. A

decoração mais frequentemente utilizada é o “mascarar de animal”, que, na verdade,

é composto por duas criaturas mostrando cabeça-de-cabeça no perfil.

As peças de jade da China antiga foram preservadas porque elas foram

enterradas nos túmulos. Durante a dinastia Shang, membros da realeza foram

enterrados não apenas com os seus bronzes, cerâmicas, armas e amuletos, mas

também com os seus servos, guarda-costas, cavalos, carros e cocheiro.

Uma versão dessa prática da era imperial chinesa foi descoberta em 1974 por

agricultores que estavam cavando um poço para a sua comuna. Os numerosos

guerreiros, os soldados de terracota, enterrados menos de uma milha a partir da

tumba do primeiro imperador de Qin (221 – 210 a.C.), fazem parte de uma das mais

surpreendentes descobertas em toda a história da arqueologia. O Primeiro

Imperador foi ao túmulo escoltado por mais de 7000 figuras de homens, cavalos e

charretes de terracota. Eles não foram carimbados a partir de moldes, mas foram

modelados individualmente, despidos, pintados e equipados com armas reais e as

artes de representar o Imperador do exército terrestre.

Os fabulosos bronzes e figuras em terracota representam as mais brilhantes

descobertas feitas na última arqueologia da Idade de Bronze chinesa. Em muitos

casos, elas confirmam a veracidade das antigas lendas, como se fizessem luz sobre

uma civilização há muito eclipsada e obscura. Sua descoberta é uma grande

contribuição para a compreensão ocidental do esplendor e grandeza da antiga

civilização chinesa.

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O que a arte das máscaras representa para a ópera de Pequim? A arte das

máscaras e da maquiagem facial nas óperas chinesas tem uma longa história. Na

China anciã, havia uma forma de dança chamada nuo, apresentada em cerimônias

rituais para espantar os fantasmas e almas malévolas e para libertar a população

das epidemias.

Na dinastia Tang (618 – 907), máscaras eram aplicadas na comédia e, ao

mesmo tempo, artistas começaram a pintar suas faces para se transformar em seres

sobrenaturais.

Maquiagens e pinturas faciais são uma arte especial nas óperas chinesas,

mostrando com perfeição as diferentes personagens, assim como suas disposições

e qualidades morais por meio de exagero artístico, combinando pinturas faciais

verossímeis e simbolismo. A maquiagem facial também serve para expressar apreço

ou repúdio pelas personagens.

Diferentes cores, como vermelho, amarelo, azul, branco, preto, roxo, verde,

dourado e prateado, são usadas para a maquiagem facial. A cor principal numa

maquiagem facial simboliza a disposição da personagem. Vermelho indica devoção,

coragem e nobreza. Amarelo significa ambição, intensidade, sabedoria e diversão.

Azul representa lealdade, espiritualidade, intuição e astúcia. Branco sugere pureza,

mistério, transcendência, traição e astúcia. Preto simboliza rudeza, brutalidade e

medo. Roxo significa nobreza, sofisticação, inspiração, fé e prosperidade. Dourado e

prateado são cores usualmente utilizadas para deuses e espíritos.

Dança: Assim como o idioma chinês, a dança chinesa possui seu próprio

vocabulário, semântica e estrutura sintática que permitem a um dançarino expressar

completamente seus pensamentos e sentimentos com facilidade e graça no palco.

A arte da dança chinesa traça suas origens até mesmo antes do

aparecimento dos primeiros caracteres escritos chineses. Potes de cerâmica foram

encontrados no sítio de escavação de Sun Chia Chai no Município de Tatung, na

província chinesa ocidental de Chinghai, que descreve figuras dançantes coloridas.

Um estudo desses artefatos arqueológicos revela que o povo da cultura Neolítica

Yangshao do quarto milênio a.C., aproximadamente, já coreografava danças em

grupo nas quais os participantes fechavam os braços e batiam seus pés no chão

enquanto cantavam com acompanhamento instrumental.

A dança chinesa foi dividida em dois tipos, civil e militar, durante os períodos

Shang e Chou do primeiro milênio a.C. Na dança civil, os dançarinos seguravam

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bandeiras de penas em suas mãos, simbolizando a distribuição dos frutos da caça

ou pesca do dia.

No vasto grupo de dança militar, por outro lado, os dançarinos levavam armas

em suas mãos e se moviam em grupos com movimentos coordenados. Esses

movimentos evoluíram para os movimentos usados em exercícios militares. Os

chineses usaram movimentos coreográficos das mãos e pés para expressar sua

reverência aos espíritos do céu e da terra, para representar aspectos de suas vidas

cotidianas e para dar expressão sentimentos compartilhados de alegria e prazer. A

dança também era uma arte de apresentação prazerosa, tanto para os artistas como

para o público.

Após a criação da Agência de Música na Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.),

um grande esforço foi feito para colecionar canções e danças folclóricas. Devido à

estável situação política durante a Dinastia Tang, a dança na China entrou em um

período brilhante sem precedentes. A corte imperial da Dinastia Tang fundou a

Academia Pear Garden, a Academia lmperial e o Templo T'ai-ch'ang, reunindo os

melhores talentos da dança do país para executar a magnífica, imponente e

incomparável dança "Música dos Dez Movimentos". Essa dança incorporava

elementos de formas de dança dos povos da China, Coreia, Sinkiang, Índia, Pérsia e

Ásia Central em uma dança colossal. Ela apresentava complexas técnicas de

movimento corporal e fazia grande uso de fantasias coloridas e de gala e suportes

para provocar os refinados movimentos de dança. Poesia, canções, um enredo

dramático e música de fundo foram incorporados para criar uma abrangente

produção de multimídia rica em conteúdo e brilho. Esse era um predecessor da

moderna Ópera chinesa.

A dança do Leão e a dança do Dragão são as duas formas de dança da

cultura chinesa. Geralmente encontradas em celebrações festivas. A dança do Leão

teve origem na China cerca de mil anos atrás. Tradicionalmente, o leão é

considerado uma criatura guardiã e aparecia na coletânea budista. A dança é

tradicionalmente acompanhada por gongos, tambores e foguetes.

O povo chinês frequentemente usa o termo “descendentes do Dragão” como

sinal de identidade étnica. A dança do Dragão é um espetáculo no qual os músicos,

com os tradicionais tambores, pratos e gongos, acompanham o “Dragão”, que dança

enfatizando a chegada do Ano Novo chinês em Chinatowns ao redor do mundo.

A dança do Dragão começou a ser documentada na dinastia Han (206 – 220),

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até o fim da dinastia Song (960 – 1279) e ficou muito popular. Tradicionalmente,

aparecia sempre em festejos que celebravam boa colheita ou clima favorável à

agricultura, que mostram a prosperidade da vida. Mais tarde, a dança virou também

um show de técnica folclórica especial. Hoje, ela aparece muito em festejos

diferentes ou em inauguração de empresas e de eventos.

A “dança do eco” mostra a exibição de uma dança típica chinesa, na qual

tambores marcam o ritmo, feijões são jogados na direção deles, lembrando pinturas

da época em que mulheres dançavam com tambores e pratos na ponta dos dedos.

A música na China parece datar de antes da civilização chinesa, e

documentos e artefatos fornecem evidência de uma cultura musical bem

desenvolvida ainda na Dinastia Zhou (1122 – 256 a.C.). A música instrumental é

tocada com instrumentos de solo ou conjuntos pequenos de instrumentos de corda,

flautas, e vários pratos, gongos, e tímpanos. A escala tem cinco notas. Os tubos de

bambu estão entre os instrumentos musicais conhecidamente mais antigos da

China. Os instrumentos estão tradicionalmente divididos em categorias baseadas

em seu material de composição: pele, abóbora, bambu, madeira, seda, barro, metal

e pedra. A música escrita mais antiga é Solidão da Orquídea, atribuída a Confúcio.

A música chinesa está entre as mais antigas do mundo. Entre os instrumentos

mais conhecidos estão as flautas, gongos, sinos e cítaras. Enquanto alguns

instrumentos – de caráter elitista – acabavam restritos à nobreza (caso, por

exemplo, da cítara Qin ou da viola Erhu), outros, como os gongos, tambores e

flautas, tinham presença garantida nas festas populares e até nas cerimônias

religiosas. Descobertas arqueológicas recentes mostram quão antiga é a relação

entre a China e a música. No sítio arqueológico de Jiahu (Henan), em 1999,

pesquisadores localizaram as mais antigas flautas produzidas pela civilização

chinesa. Construídas com ossos ocos de aves, as flautas, datadas de nove mil anos,

possuem entre cinco e nove furos e, até o momento, são as mais antigas peças do

gênero encontradas intactas.

Outro achado extraordinário ocorreu em 1978 em Hubei, quando arqueólogos

que trabalhavam na tumba do Marquês de Yi, personagem do Período dos Reinos

Combatentes (475 – 221 a.C.), encontraram um jogo de 64 sinos do tipo Bianzhong

em bronze. As peças dão a medida do desenvolvimento da música na China:

percutido em diferentes pontos, cada sino é capaz de emitir duas notas diferentes,

sendo, por isso, conhecidos como “sinos de duas notas”.

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Além das flautas, encontraram-se mais instrumentos musicais da Idade da

Pedra Polida, sinos de terracota, Qing (um instrumento de percussão, feito de pedra

ou jade) e tambores. Esses instrumentos musicais cobrem um período bem longo e

foram encontrados amplamente na China. Por isso, eles devem ser os principais

instrumentos musicais dessa época e desenvolveram-se muito mais tarde.

O Tai Chi Chuan é uma arte marcial chinesa. Esse estilo de arte marcial é

reconhecido também como uma forma de meditação em movimento. Os princípios

filosóficos do Tai Chi Chuan remetem ao Taoísmo e à Alquimia Chinesa. A relação

de Yin e Yang, os Cinco Elementos, o Ba Gua (Oito Trigramas), o Livro das

Mutações (I Ching) e o Tao Te Ching de Lao Zi são algumas das principais

referências para a compreensão de seus fundamentos. Os textos clássicos do Tai

Chi Chuan, escritos pelos mestres, orientam a vencer o movimento através da

quietude, vencer a dureza através da suavidade e vencer o rápido através do lento.

Os criadores do Tai Chi Chuan basearam sua arte na observação na natureza – não

apenas na observação dos animais, mas no estudo dos princípios na interação entre

os diversos elementos naturais. Sendo o homem parte dessa natureza, o

conhecimento destes princípios e de como atuam no corpo humano, estudados pela

Medicina Tradicional Chinesa, revelam o Tai Chi como uma fonte efetiva de energia

que se encontra em seu interior, situada na região do corpo nomeada pelos

chineses de Dantian Médio.

Os ideogramas que compõem a palavra Tai Chi Chuan significam:

a) Tai significa “o maior”, o “mais alto”, originalmente se referia à parte mais alta

do telhado – “cumeeira”;

b) Chi significa “supremo”, “absoluto”;

c) Chuan significa punho, aqui simbolizando “soco”, “luta a mãos livres”, “boxe”.

Documentos históricos consideram o general chinês Chen Wang Ting (1600 –

1680) o criador do estilo Chen de Tai Chi, que ganhou grande projeção e está na

raiz da origem dos estilos praticados pelas outras linhagens/famílias.

Além das contribuições culturais da arte, outras quatro grandes invenções

chinesas na área da tecnologia marcaram profundamente a história cultural das

civilizações: bússola, impressão, papel e a pólvora. Algumas outras invenções:

ábaco oriental, besta (arma), leme e sistema de velas (navegação). Símbolos nacionais pretendem unir as pessoas através da criação visual,

verbal, icônica ou representações nacionais do povo, princípios, metas, ou a história.

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Geralmente símbolos nacionais são emprestados a partir do mundo natural.

Símbolos nacionais oficiais de um país são sua bandeira, brasão (emblema), selo e

carimbo das dinastias, suas cores, animais, plantas, hinos, Chefe de Estado.

Símbolos nacionais não oficiais são os mitos nacionais, adornos, danças, heróis,

instrumentos, etc.

São símbolos nacionais da China:

a) Bandeira nacional da República Popular da China: adotada em 1949, sua

cor vermelha simboliza o espírito da revolução e as cinco estrelas significam a

unidade do povo da China sob a liderança do Partido Comunista Chinês.

b) Brasão de armas da República Popular da China: o emblema nacional da

República Popular da China contém uma representação da porta de entrada

da Cidade Proibida na Praça Tiananmen em Pequim, num círculo vermelho.

Por cima dessa representação, estão cinco estrelas que se encontram

também na bandeira da República Popular da China. As cinco estrelas

representam a união dos povos chineses. Algumas pessoas interpretam

essas cinco estrelas como a união das cinco principais nacionalidades,

enquanto outras as interpretam como as cinco principais classes sociais. O

círculo é rodeado por uma borda que contém espigas de arroz e de trigo, que

simbolizam a filosofia maoísta de uma revolução da agricultura, assim como

os agricultores. Na parte inferior, encontra-se uma roda dentada que

representa os operários industriais. Foi oficializado como emblema nacional

em 1950. c) Hino nacional: o hino nacional da República Popular da China, composto em

1935 e originalmente conhecido como o Mar do Voluntariado, descreve a ira

do povo chinês contra a agressão imperialista e a sua determinação em

proteger a sua pátria contra invasores. d) Cores nacionais: vermelho e amarelo. e) Animal nacional: o panda gigante é o animal nacional da China. O dragão

chinês é o símbolo da monarquia feudal da China. Ele representou o poder, a

inteligência e a criatividade do imperador da China durante os anos do

sistema feudal, sendo, também, um sinal de riqueza entre as pessoas. f) Heróis: segundo a mitologia grega e o folclore, um herói (masculino ou

feminino) normalmente atende as definições do que é considerado bom e

nobre na cultura originária. Normalmente, a disponibilidade para o

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autossacrifício para o bem maior é considerada como a mais importante

característica de um herói. Na história da China, há alguns dos melhores

heróis da época e o país continua a ser o berço de muitos corações

corajosos, que podem ser justamente chamados de heróis nacionais. Todos

eles encarnam a identidade da nação. Alguns heróis nacionais da

Antiguidade: Bao Gong, nascido em abril de 999 d.C., um alto funcionário da

Dinastia Song, admirado pelo seu rigor na defesa e justiça, e por sua posição

contra a corrupção entre os funcionários do governo; Lin Zexu, nascido em

1785, era um temível diplomata, famoso por sua luta ativa contra posições em

divisas de ópio importado. Como herói moderno, destaca-se Mao Zedong,

nascido em 1893, uma das figuras mais importantes na história do mundo

moderno, um grande líder revolucionário, cujo pensamento é a mais alta

expressão do marxismo. Levou o Partido Comunista da China para a vitória

da Guerra Civil e, consequentemente, para a criação da República Popular da

China em 1.º de outubro de 1949.

Política: durante mais de 2000 anos, o Estado chinês manteve basicamente a

mesma estrutura criada por Qin Shi Huangdi, o primeiro e o mais celebrado

imperador. Ele unificou sete reinos no que viria a ser chamado para sempre de País

do Meio. Era um Estado centralizado e autoritário, com moeda comum e escrita

unificada. Além da primeira Grande Muralha, deixou, para guardar sua tumba, os

fabulosos guerreiros de terracota.

Depois da unificação sob o Império Qin, a China foi dominada por mais dez

dinastias, muitas das quais comportavam um complexo sistema de reinos,

principados, ducados, condados e marquesados. O poder era centralizado, contudo,

na figura do imperador, ainda coadjuvado por ministros civis e militares e,

principalmente, por um primeiro-ministro. Aconteceu de, por vezes, o poder político

ser tomado por oficiais (eunucos) ou familiares. As relações políticas com regiões

dependentes do império (reinos tributários) eram mantidas à base de casamentos,

coligações militares e ofertas. Atualmente, a China é governada pelo Partido

Comunista Chinês fundado por Mao Tsé-tung, que realizou a planificação econômica

chinesa.

Educação: em apenas três décadas, a China conseguiu erguer um sistema

de ensino eficiente o bastante para emplacar duas de suas universidades entre as

melhores do mundo (segundo rankings mundiais que medem a produção

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acadêmica), formar nada menos que 1,2 milhão de pesquisadores com doutorado,

reduzir o analfabetismo a 4%, colocar 21% dos jovens na universidade e 5,9% de

artigos publicados em periódicos científicos internacionais (em relação à produção

mundial). As salas de aula do país absorvem 240 milhões de estudantes de todos os

níveis. É a maior concentração de alunos do mundo.

CHINA: A HISTÓRIA DE UMA CIVILIZAÇÃO MILENAR ATRAVÉS DA CULTURA E DO PENSAMENTO CHINÊS (FAIRBANK, GOLDEMAN, 2007)

China antiga:

O Rio Amarelo e as origens da civilização chinesa

China medieval:

Dinastias Sui e Tang - reunificação e esplendor do império

China imperial:

Dinastia Manchu controlava sociedade agrícola

Colapso do sistema imperial e o advento da República

China republicana:

Chiang Kai-shek e o domínio do Kuomintang

Camponeses abrem caminho para a Revolução

China comunista:

Camponeses se juntam ao movimento revolucionário

Conflito entre China e URSS e o Grande Salto

O Livro Vermelho de Mao e a Revolução Cultural

Deng Xiaoping promove reformas econômicas

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O RIO AMARELO E AS ORIGENS DA CIVILIZAÇÃO CHINESA

A civilização chinesa é uma das mais antigas

civilizações conhecidas, quase tão antiga quanto as

que existiram no Egito e na Mesopotâmia. O Império

chinês já existia muitos séculos antes de Roma se

tornar uma das maiores potências do mundo antigo e

continuou existindo séculos após a queda do Império

Romano.

Assim como a cultura grega serviu de modelo

e inspiração para diversos povos do Ocidente, a

cultura chinesa influenciou o desenvolvimento cultural

de diversos países vizinhos, dentre os quais, o Japão

e a Coreia. Os chineses também foram responsáveis

pela descoberta da pólvora e pelas invenções do

papel e da bússola.

Não bastasse tudo isso, a cultura chinesa sobrevive ainda hoje e, segundo

muitos analistas econômicos, a China deverá se tornar em décadas futuras a maior

economia do mundo, posição atualmente ocupada pelos Estados Unidos.

A China atual é um país de dimensões continentais. A presença de grupos

humanos no território em que hoje é a China é bastante remota, tanto que lá foram

achados os vestígios de fósseis do chamado Homem de Pequim, cujo nome

científico é Homo erectus pekinensis, um dos mais antigos hominídeos (a família à

qual pertence a nossa espécie). Esse provável antepassado da espécie humana

viveu há mais de 400 mil anos, andava ereto e é possível que já soubesse utilizar o

fogo. Na parte leste do território que veio a se tornar a nação chinesa, é onde se

encontra a chamada Grande Planície de China. Dois rios que nascem nas

montanhas correm por ela: o Huang-Ho (também chamado de rio Amarelo) e o

Yang-Tsé-Kiang. Semelhante ao que ocorreu no Egito em relação ao rio Nilo, o rio

Huang-Ho favoreceu o desenvolvimento da agricultura e o surgimento de cidades na

região.

Figura 51: Crânio do homem de Pequim, Homo erectus pekinensis, encontrado entre 250.000 a 400.000 anos atrás. Fonte:www.educacao.uol.com.br/historia

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Às margens do rio Amarelo

Durante muito tempo, acreditou-se que as margens do rio Huang-Ho foram o

berço de toda a civilização chinesa. Escavações arqueológicas mais recentes

levaram os historiadores a concluírem que as margens do rio Huang-Ho foram

apenas um dos centros de difusão de uma das várias culturas que originou a

civilização chinesa.

Em 1986, foram encontrados no sudoeste da China, na vila de Sanxingdui,

objetos de bronze da mesma época da Dinastia Shang (aproximadamente 1500 –

1050 a.C.), mas com um estilo muito diferente do de objetos da mesma época

encontrados no leste do país. Esses e outros achados são exemplos de que o

processo de povoamento e o desenvolvimento cultural da China antiga foram muito

mais complexos do que se imaginava.

As primeiras dinastias

Diferentes linhagens de reis e imperadores governaram a China. Costuma-se

dividir a história da China Antiga nos períodos em que cada uma dessas linhagens

ou dinastias governou o país. Assim, esses períodos podem ser divididos em duas

épocas: Época das três dinastias régias e Época Imperial, que durou de 221 a.C. ao

ano 1911 da nossa era.

CHINA ANTIGA: AS CINCO PRIMEIRAS DINASTIAS CHINESAS

Dinastia Xia (2205 – 1818 a.C.)

A existência da dinastia Xia ainda é motivo de controvérsia entre os

historiadores. Mesmo entre os que acreditam que essa dinastia tenha existido, não

há consenso em relação às datas de sua duração.

Dinastia Shang (aproximadamente entre 1500 – 1050 a.C.)

Até cem anos atrás, aproximadamente, tudo o que se sabia a respeito dessa

dinastia era o que estava escrito em documentos produzidos durante as épocas das

dinastias Zhou e Han, centenas de anos após a queda da dinastia Shang. Por isso,

muitos historiadores ocidentais duvidavam da existência dessa dinastia, afirmando

que os relatos sobre ela não passavam de mitos.

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A maioria dos historiadores chineses, no entanto, sempre aceitou esses

relatos, citando-os como fontes históricas confiáveis. Descobertas arqueológicas

comprovaram a existência da Dinastia Shang. Entre os achados arqueológicos

estavam objetos de bronze; inscrições gravadas em ossos e cascos de tartaruga e

sepulturas. Pode-se dizer que os mais antigos registros escritos da história da China

surgiram durante a dinastia Shang. A mais antiga forma de escrita conhecida surgiu

na China dos Shang.

Arte e cultura: bronze, música

Depois de um período pré-histórico bastante obscuro, a evolução da arte

chinesa pode ser dividida em cinco longos períodos, para os quais, no entanto, não

existem limites bem claros. Registros definitivos datam da segunda parte da dinastia

Shang, cujos trabalhos mais importantes são os vasos de bronze para sacrifícios, de

formas rígidas e decorados principalmente com motivos animais de significado

religioso.

Dois instrumentos musicais, importantes na Dinastia Shang e que tiveram

muita influência na história toda são o sino e o Qing. O tambor de Shang é também

bem caracterizado. Existem hoje dois tambores de Shang, ambos de bronze,

simulações de tambores de madeira. Um deles foi desenterrado em 1977, na

província de Hubei, e o outro sobreviveu, sendo passado de geração a geração. Os

dois são bem feitos e delicados, evidenciando o estilo do tambor de Shang.

Dinastia Zhou (aproximadamente entre 1050 – 256 a.C.)

Os Zhou (também chamados de Chou) eram uma poderosa família vinda do

oeste do país. Derrubaram os Shang e assumiram o poder. Para obter apoio,

costumavam distribuir terras aos seus aliados. Esse apoio vinha de famílias nobres,

que detinham riquezas. Cada uma dessas famílias governava uma cidade ou

província.

Em caso de guerra, eles ajudavam o exército do rei, fornecendo soldados,

armas ou alimentos. Os territórios controlados por essas famílias foram ficando cada

vez maiores e a China acabou sendo dividida em sete principados. Na prática, essa

divisão acabou fortalecendo essas famílias e diminuindo o poder do imperador.

Não demorou para os sete principados entrarem em guerra entre si. Essa

guerra durou anos (480 – 221 a.C., período conhecido como "Época dos Estados

Guerreiros") e foi vencida pelo primeiro reino de Qin (ou Chin). Esse reino era

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afastado dos outros que se enfrentaram entre si. Por isso, sofreu menos os efeitos

das guerras e se tornou o mais rico e poderoso. Os reis de Qin organizaram um

grande exército e equiparam seus soldados com espadas e lanças de ferro, uma

inovação para a época. A vantagem sobre os inimigos era que uma espada de ferro

podia cortar ao meio uma feita de bronze.

Arte e cultura: 12 desenhos tradicionais e música

As cores amarelo claro e azul escuro da

veste imperial chinesa têm o seguinte

significado: a cor amarelo claro (do Rio

Amarelo) representa a terra amarela, boa sorte

e poder e a cor azul escuro significa o céu azul.

O sol, a lua e as estrelas foram

escolhidos por causa de sua claridade. O

dragão se representa com o seu espírito, que

significa que o imperador é inteligente e criativo.

As montanhas são bem calmas, representando

que o imperador pode acalmar tudo. Hua Chong, um pássaro parecido com a fênix,

que representa o talento na literatura e significa que o imperador é erudito. Zong Yi,

um aparelho usado em sacrifício, que tem desenhos de um tigre e de uma cobra e

representa a lealdade e a devoção do imperador. A alga dá o sentido de ser limpo e

impecável. O fogo representa a luz. O arroz dá o sentido de ser branco e alimento às

pessoas. Fu, um tipo de machado, é bordado em branco e preto, significa que o

imperador é decidido. Fu são dois arcos em preto e azul, o que significa que o

imperador sabe distinguir entre o bem e o mal.

Esses desenhos começaram a aparecer na veste imperial na dinastia Zhou.

Mais tarde, eles se tornaram desenhos especiais para vestes imperiais, e

permaneceram durante todas as dinastias. Eram verdadeiros símbolos do poder

imperial na China antiga. Os símbolos do dragão e da fênix viraram, depois,

símbolos privilegiados do imperador e da imperatriz.

A música chinesa remonta ao amanhecer da civilização chinesa. Documentos

e artefatos dão provas de uma cultura musical bem desenvolvida, já a partir da

Dinastia Zhou. A música chinesa foi influenciada pela música do Livro de Canções,

Figura 52: 12 desenhos tradicionais Fonte:www.minhachina.com/arteroupaimperialcor

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por Confúcio e pelo poeta e estadista chinês Qu Yuan, sendo baseada em

instrumentos de percussão, que mais tarde deram sequência aos instrumentos de

palheta.

Os chineses criaram diversos instrumentos musicais, como o zheng, o xiao e

o erhu, incluindo, também, um tipo de oboé chamado suona.

Dinastia Qin (221 – 207 a.C.)

Usando de extrema força, o rei de Qin, vencedor da

guerra que marcou o final da dinastia Zhou, conquistou um

território após o outro e os incorporou ao seu reino. Por volta

do ano 221 a.C., ele já havia conquistado quase toda a

China. Esse rei assumiu o título de Qin Shi Huangdi, que

significa "primeiro rei de Qin". Ao concentrar o poder em

suas mãos, Qin Shi Huangdi se tornou o fundador do Império

Chinês. Foi ele quem estabeleceu, pela primeira vez na

História, um Estado unificado chinês.

Entre as medidas adotadas por Qin para garantir a

unidade do império, estavam a adoção de um único

sistema de pesos e medidas, de escrita e de moeda em

todo o Império. Para vigiar os outros nobres, Qin ordenou que os antigos

governantes dos principados se mudassem para a capital. Esses nobres foram

obrigados a entregar suas armas, fundidas e transformadas em estátuas e sinos.

Qin também promoveu a realização de concursos públicos para o

preenchimento de cargos. A intenção do imperador era selecionar os candidatos

mais qualificados para ocupar os cargos públicos. Tratava-se de um sistema

inovador para a época, pois os candidatos eram escolhidos com base no mérito e

não na origem social ou por "apadrinhamento".

Por isso, costuma-se dizer que foi na China que surgiu a ideia de

meritocracia. Os funcionários que ocupavam esses cargos públicos se

encarregavam de tarefas como cobrar e arrecadar impostos, administrar os

recursos, etc.

Outra medida adotada por Qin foi o recrutamento de camponeses para

trabalharem na construção de obras públicas. Uma dessas obras foi a construção da

Figura 53: 1º Imperador da China: Qin Fonte: Xi’an Cartographic Publishing House

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famosa Grande Muralha, cujo primeiro trecho começou a ser construído durante o

reinado desse imperador. Os camponeses também eram recrutados para o serviço

militar.

Antes de morrer, Qin ordenou que fossem feitas cerca de sete mil estátuas de

guerreiros para serem colocadas a 1.500 metros a leste de seu túmulo. Essas

estátuas eram de terracota (argila cozida em forno) e foram feitas em tamanho

natural. Além disso, foram feitas algumas estátuas de cavalos em tamanho natural, e

mais de cem carros de madeira. Esse "exército" guardaria o túmulo do imperador,

afugentando ladrões e intrusos.

Para a construção do mausoléu do imperador foram utilizados cerca de 700

mil trabalhadores. Após alguns anos de serviço, esses trabalhadores teriam sido

enterrados vivos por ordem do imperador, para que a obra permanecesse em

segredo.

Arte e cultura: a Grande Muralha, os soldados de terracota e música

O segundo período de evolução da arte chinesa tem início com a unificação

da China em 221 a.C., durante a dinastia Qin, com o imperador Shi Huangdi, o

construtor da Grande Muralha. Objetos de bronze e jade constituem os mais

importantes exemplos da arte desse período. Além disso, também foram

encontrados vasos de cerâmica vitrificada e figuras em sepulturas.

A Agência de Música Imperial, estabelecida primeiro na Dinastia Qin (221 –

207 a.C.), estava muito expandida sob o império do Imperador Han Wu Di (140 – 87

a.C.) e ordenou supervisionar a música da corte e a música militar e determinou que

a música folclórica estaria oficialmente reconhecida. Em dinastias subsequentes, a

revelação da música chinesa estava fortemente influenciada por músicas

estrangeiras, especialmente as da Ásia Central.

A Dinastia Qin foi um período de iniciação em vez de transição. Na Dinastia

Qin, houve duas organizações que administraram os negócios da música: uma se

chamou de "Tai Yue", responsável pela música utilizada em eventos oficiais; a outra

se chamou de "Yue Fu", responsável por procurar e escolher boas músicas para o

imperador se divertir.

Nesse período foi escrito o livro Li Ji, que caracteriza o nascimento da

partitura. Documentaram-se duas maneiras diferentes de bater tambor em duas

regiões distintas. O livro usou os caracteres “quadrado” e “redondo” para indicar o

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tambor grande e o tambor pequeno. O tambor é o instrumento mais antigo e é

relativamente fácil documentar os toques.

Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.)

Com a morte do imperador Qin, teve início uma grande crise política na

China. Aproveitando-se dessa crise, um líder chamado Liu Bang tomou o poder e

inaugurou a dinastia Han. Uma das características dessa dinastia foi a política de

presentes, que consistia em conceder presentes caros aos seus vizinhos da Ásia

central. Tratava-se de uma forma de comprar aliados.

Esses presentes consistiam em grandes quantidades de tecidos de seda,

espelhos de bronze, perfumes, peças de cerâmica e joias. Além dos presentes, os

Han ofereciam banquetes e festas a seus vizinhos. Foi na época dos Han que os

chineses, que se julgavam o centro do mundo (daí chamarem seu país de "Império

do Meio") descobriram que outros povos viviam a oeste de suas fronteiras,

souberam inclusive da existência de um certo Império romano. Isso ocorreu quando

Wu Ti, um imperador Han, enviou no ano de 138 a.C. uma missão diplomática à

Ásia Central, com o objetivo de estabelecer uma aliança com os turcos para

combater os hunos.

Arte e cultura: templos, música

Um dos acontecimentos mais importantes da dinastia Han foi a introdução do

budismo, proveniente da Índia e da Ásia Central, uma vez que os templos e

mosteiros budistas se tornaram os grandes patrocinadores e guardiões das artes.

Os exemplos mais bem preservados são aqueles que, segundo o modelo indiano,

foram escavados nas faces das rochas, decorados com esculturas e afrescos. Esses

templos pertencem ao terceiro período da arte chinesa, cujo clímax foi atingido pelas

dinastias Sui (581 – 618) e Tang (618 – 907). A China foi unificada após um período

de invasões de guerra civil, quando todas as artes floresceram.

Num livro escrito na Dinastia Han, descreveu-se uma música tocada do Se,

falando que as mãos se moviam muito rápido em cima das cordas, bem como

insetos voadores rodeando. E isso é o que falta na música do sino e do Qing, bons

para tocar músicas solenes e respeitosas.

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Rota da seda

A construção de outros trechos da Grande Muralha nessa mesma época

ajudou a abrir um caminho da China para o Ocidente. Ao ser ampliada, a Muralha

acabou atravessando regiões montanhosas e desertos (inclusive o famoso deserto

de Gobi). Poços profundos foram cavados para fornecer água para as caravanas. O

caminho ficou conhecido como "A Rota da seda".

A demanda por seda chinesa estava alta em mercados como a Pérsia, a

Turquia, a Índia e até o Império romano. Os dois impérios, romano e chinês, sabiam

um da existência do outro, mas a enorme distância, aliada à dificuldade de

transporte da época, tornou inviável um contato mais estreito entre eles.

Durante a Dinastia Han, a China conheceu um considerável aumento da

população e uma série de avanços técnicos. Entre esses avanços estavam a

invenção do carrinho de mão (bastante útil para transportar cargas pesadas em

caminhos estreitos e tortuosos); o aperfeiçoamento da produção de ferro (com o

qual faziam objetos como espadas e estribos) e a invenção do moinho movido a

água, usado para moer cereais e na fundição de ferro e cobre.

Revoltas camponesas

Apesar do desenvolvimento técnico, os camponeses, que constituíam a

imensa maioria da população, continuavam enfrentando condições ainda muito

precárias de vida. Por isso, durante os dois primeiros séculos da Era Cristã,

ocorreram violentas revoltas camponesas, duramente reprimidas. Segundo

historiadores da corrente marxista, especialmente nos países que adotaram o

regime socialista, a escravidão por dívidas era comum na China durante a Dinastia

Han.

Outros historiadores discordam, afirmando que não existia escravidão, mas

sim, uma forma de servidão. Em todo caso, escravos ou servos, a certeza é uma só:

os camponeses viviam em condições miseráveis e eram extremamente explorados

pelos poderosos. As revoltas camponesas contribuíram para o enfraquecimento do

Império, o que trouxe o fim do domínio dos Han. O Império da China acabou se

dividindo em três reinos: Wei (no norte), Wu (no oeste) e Shu (no leste e no sul).

Essa divisão em três reinos durou do ano 220 a.C. ao ano 265 da Era Cristã.

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CHINA MEDIEVAL: DINASTIAS SUI E TANG: REUNIFICAÇÃO E ESPLENDOR

DO IMPÉRIO

Ameaças à unidade política chinesa

Em 221 a.C., com a dinastia Qin, surgia, pela primeira vez, um Estado

unificado chinês. A dinastia seguinte, os Han, que governou a China de 206 a.C. ao

ano 220 da nossa era, consolidou essa unificação. Tal unidade política não resistiu e

o país se dividiu em três reinos independentes: Wei (no Norte), Shu (no Oeste) e Wu

(no Leste).

No ano 552, essa China dividida estava prestes a ser invadida pelos turcos,

mas isso não aconteceu, pois uma divisão política também ocorreu entre eles,

dando início, mais tarde, no ano 581, a uma guerra que opôs o Turquestão do oeste

e o Turquestão do leste.

Esse conflito entre os turcos foi encorajado pelos chineses, pois afastava

deles a possibilidade de uma invasão. Livres do perigo, os três reinos chineses

começaram a lutar entre si. Cada um era controlado por uma elite guerreira e

proprietária de terras, semelhante aos senhores feudais da Europa medieval. Após

muitas batalhas, finalmente, no ano 589, um desses nobres, cujo nome era Wendi,

saiu vitorioso e reunificou a China, dando início à dinastia Sui (589-618).

Dinastia Sui

Wendi, o primeiro imperador Sui, encontrando um país arrasado pela guerra,

ordenou o corte de gastos com "mordomias", que beneficiavam apenas os membros

da nobreza, e tentou melhorar as condições de vida dos camponeses, paupérrimos.

Tais medidas não agradaram a certos nobres, que logo tramaram e

assassinaram o imperador. Em seguida, substituíram-no por seu filho, Yangdi, que,

diferente do pai, preferia gastar a economizar.

Assim, o segundo imperador Sui aumentou os gastos com "mordomias" e

obras "faraônicas", beneficiando a nobreza que o havia colocado no trono. E quem

pagou a conta desse aumento nos gastos foram os camponeses, que passaram a

ser ainda mais explorados.

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O Grande Canal

A obra mais importante construída durante o governo do segundo imperador

Sui foi o Grande Canal, que ligava os dois principais rios da China. Ele facilitou o

transporte do imposto pago em arroz até as duas capitais do país na época, na

bacia do rio Amarelo: Chang'an, a oeste, e Luoyang, a leste.

Apesar da importância econômica do Grande Canal, sua construção significou

grandes sacrifícios para o povo chinês: milhares de camponeses foram convocados

para trabalhar na obra e vários deles morreram enquanto realizavam a tarefa. Não

bastasse isso, cada homem convocado representou braços a menos para trabalhar

nos campos. Consequentemente, houve queda na produção agrícola, o que

significava menos comida no país.

O imperador também pretendia que o Grande Canal fosse um instrumento

para sua política expansionista e a vizinha Coreia foi um dos primeiros alvos, porém,

o exército chinês foi arrasado na série de guerras travadas contra o reino coreano.

Estima-se que as baixas chinesas superaram a marca de dois milhões. Das 305 mil

tropas enviadas para lutar na Coreia, apenas duas mil e setecentas retornaram. O

alto custo dessas derrotas militares, tanto em dinheiro quanto em vidas humanas,

contribuiu para o fim da dinastia Sui.

O imperador se tornou cada vez mais impopular e, no ano de 618, acabou

sendo assassinado por seus próprios ministros. Outros fatores que contribuíram

para a sua queda foram as invasões de nômades turcos no território chinês e os

excessivos gastos com luxos no palácio – à custa dos impostos pagos pelos mais

pobres.

O início da Dinastia Tang

Pouco antes do assassinato de Yangdi, numa das capitais do império, Daxing,

que se localizava no oeste, um general rebelde chamado Li Yuan, proclamou

imperador um dos netos do monarca. Esse general também "homenageou" Yangdi,

concedendo-lhe o título de "imperador aposentado". Tais medidas só foram

reconhecidas nos territórios controlados por ele.

Antes de se rebelar, Li Yuan governava uma província e era leal ao

imperador. Um de seus filhos, o segundo, Li Shimin (também se escreve Li Shih-

Min), foi quem encorajou o pai a rebelar-se. Quando as notícias sobre a morte de

Yangdi chegaram, Li Yuan depôs o neto do imperador e colocou a si mesmo no

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trono, dando início à dinastia Tang (618-907).

Dentre todos os filhos do primeiro imperador Tang, Li Shimin era o mais

ambicioso e o que mais demonstrava talento para a política. O irmão mais velho, Li

Jiancheng, sentindo-se preterido (pois, por ser o primogênito, considerava-se o

herdeiro do trono por direito), uniu-se a Li Yuanji, o quarto filho de Li Yuan, para

conspirar contra o irmão. A conspiração fracassou e ambos acabaram mortos numa

emboscada preparada pelo irmão que pretendiam eliminar. Li Shimin tomou como

esposa a viúva do irmão mais novo.

No ano 626, o primeiro imperador Tang abdicou do trono em favor de Li

Shimin que, ao assumi-lo, adotou um novo nome: Taizong (também se escreve Tai-

Zung), que significa "segundo imperador de uma dinastia". Portanto, Tang Taizong

significa nada menos que "segundo imperador da dinastia Tang".

Arte e cultura: pintura, cerâmica, ópera e arquitetura

O século X marca o início do quarto período da arte chinesa, que culminou na

dinastia Tang, época em que a arte chinesa atingiu seu apogeu. O grande feito

desses séculos foi a transformação da simples pintura de paisagens numa arte

maior. Teve a mesma importância neste período a cerâmica, inigualável tanto pela

nobreza da forma quanto pela beleza da decoração.

A ópera chinesa é uma forma de teatro popular que tem atravessado

fronteiras para chegar ao público internacional. A ópera chinesa, especialmente a

Ópera de Pequim, foi extremamente popular por séculos. A música é muitas vezes

gutural com vocais de alta frequência, geralmente acompanhada por suona, jinghu,

e outros tipos de cordas e instrumentos de percussão. O agir é baseado em alusão

com gestos, pés, e outros movimentos corporais que expressam tais ações, como

andar de cavalo, remar um barco, ou abrir uma porta. Remonta à dinastia Tang e o

elenco era majoritariamente voltado a prazeres pessoais de imperadores.

Na arquitetura chinesa, as casas dispõem, na maioria das vezes, de um só

andar, espalhando-se por grandes terrenos, com jardins e pátios entre as várias

alas, embora palácios, templos e pagodes sejam mais altos. Os telhados também

são construídos sobre portões, pontes, muralhas e monumentos. Vários telhados

aparecem, muitas vezes, uns sobre os outros, com os beirais formando graciosas

curvas para cima, uma das características mais típicas da arquitetura chinesa.

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Tang Taizong, imperador mestiço

O segundo imperador Tang era de origem chinesa, por parte do pai, e turca,

por parte da mãe. Esse fator contribuiu para que a dinastia Tang fosse caracterizada

pela mescla de elementos das duas culturas e fosse mais aberta para inovações,

rompendo com algumas das antigas tradições chinesas.

Taizong incorporou várias tropas turcas ao exército chinês, nomeando oficiais

turcos e utilizou esse exército contra os próprios reinos turcos. O império dos Tang

era multicultural: além de turcos e chineses, também abrigava comunidades de

origens indiana, persa e árabe, entre outras.

Reforma agrária e concursos públicos

Durante o reinado de Taizong, o governo tomou medidas que contribuíram

bastante para o desenvolvimento da China. Uma delas foi a reforma agrária: o

imperador desapropriou as terras que pertenciam aos seus inimigos (era uma forma

de evitar que os nobres se rebelassem contra o imperador) e as dividiu entre os

camponeses que nela trabalhavam (conquistando, assim, apoio popular).

A imperatriz Wu Hou

A política de Taizong foi continuada por seus sucessores, dentre os quais, Wu

Hou, uma das concubinas de Li Shimin, única mulher a ser reconhecida oficialmente

como imperatriz da China.

Quando um imperador chinês morria, as mulheres, que faziam parte do

harém, eram obrigadas a viver reclusas. Muitas delas eram enviadas para algum

convento budista, geralmente próximo ao túmulo do imperador, onde tinham suas

cabeças raspadas e passavam o tempo rezando pela alma do morto para que ele

fosse feliz em sua próxima reencarnação.

Wu Hou escapou desse destino porque seus atributos teriam impressionado o

filho de Taizong, o imperador Gaozong. Ela governou ao lado de Gaozong, de 670 a

683 e, sozinha, de 690 a 705, quando morreu. O seu sucessor foi seu filho,

Zhongzong.

Fase de prosperidade

Durante a dinastia Tang, a China conheceu uma fase de grande prosperidade

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e progresso técnico e material. Entre as inovações que marcaram o período, está o

aparecimento do primeiro relógio mecânico, no ano 732, inventado por um monge

budista chinês.

Outras invenções que marcaram o período foram a bússola e a técnica de

imprimir livros. Enquanto na Europa, nos mosteiros católicos, os chamados monges

copistas tinham de transcrever manualmente livros antigos para obter novas cópias,

na China já era possível imprimir vários exemplares de um mesmo livro.

Essa mesma técnica de impressão permitiu que as provas para os concursos

públicos chineses da época fossem impressas. Durante a dinastia Tang, a China

teve suas fronteiras ampliadas e o comércio se expandiu. O período também foi

marcado pela fundação de várias escolas de medicina, não apenas na capital,

Chang'an, mas também nas províncias.

Uma das consequências do desenvolvimento econômico foi o extraordinário

aumento da população, favorecido pela melhoria nas condições de vida da maioria

dos habitantes. Segundo o primeiro censo, realizado em 754, a população da China

já havia ultrapassado a faixa dos 50 milhões, um número excepcional para a época.

Essa prosperidade, no entanto, não durou para sempre. O final da dinastia

Tang foi conturbado, marcado por uma série de crises. Durante o reinado de

Taizong, os camponeses pagavam impostos em espécie (entregando parte do arroz

que plantavam) ou na forma de trabalho; mas, a partir de 780, o governo passou a

exigir que os impostos fossem pagos em dinheiro. Tal exigência era impossível de

ser cumprida pela maioria dos camponeses e, por isso, muitos deles perderam suas

terras.

Perseguição aos budistas

Outro problema que surgiu foi a escassez de cobre e outros metais para

cunhar moedas. Naquela época, o dinheiro era todo na forma de metal. Falta de

metal era igual a falta de dinheiro. O governo colocou a culpa nos templos budistas,

que usavam bronze e outros metais para construir seus sinos e estátuas.

Em meados do Século IX, o imperador começou a confiscar todos os objetos

de metal dos templos budistas para derretê-los e cunhar novas moedas. Outra

medida foi baixar um decreto que acusava o budismo de ser uma religião

estrangeira (surgiu onde hoje é o Nepal), que estava enfraquecendo o país. O

governo se apropriou das terras onde estavam vários mosteiros budistas. Alguns

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foram destruídos, enquanto outros foram transformados em edifícios públicos.

Devido à extensão da China, essas medidas antibudistas só conseguiram ser

cumpridas em algumas regiões. Nas outras, eles continuaram praticando sua

religião nos templos e mosteiros.

A decadência da dinastia Tang

Outros problemas assolaram o país: uma grande seca e uma praga de

gafanhotos trouxeram a fome e provocaram uma série de revoltas camponesas.

Uma delas ocorreu no século IX, quando vários camponeses famintos saquearam as

duas capitais, Chang'an e Luoyang. Apesar de derrotada, essa rebelião enfraqueceu

o exército chinês e contribuiu para o declínio da dinastia Tang.

A partir do ano 902, teve início uma longa guerra civil, que levou ao

esfacelamento do país em vários reinos menores. Em 906, o general Zhu Wen

depôs o último imperador Tang e deu início ao período das cinco dinastias, 907 –

960, também conhecido como período dos dez reinos.

A China voltou a ser reunificada somente a partir do ano 960. O responsável

pelo feito foi o general Zhao Kuangyin, que deu início a uma nova dinastia – a dos

Song (960 – 1279), que conseguiram reunificar a maior parte da China, exceto a

parte norte, governada por um povo mongol. Durante essa dinastia, a China se

tornaria pioneira no uso do papel-moeda e da pólvora.

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CHINA IMPERIAL: ARTE E CULTURA: PINTURA, CERÂMICA, ESCULTURA EM

MARFIM E JADE

O último grande período da arte chinesa vai do reinado dos imperadores Ming

(1368 – 1644) até a última dinastia dos Manchu (1644 – 1912). A pintura e a

cerâmica mantiveram o alto nível e novas técnicas de fabricação de porcelana foram

desenvolvidas, especialmente a pintura azul vitrificada e a utilização de cores

esmaltadas sobre a vitrificação. Notável habilidade também foi demonstrada nos

trabalhos de escultura em marfim e jade.

A dinastia Manchu controlava sociedade agrícola

Nas últimas duas décadas do Século XX, a República Popular da China

atraiu a atenção do mundo em razão do seu acelerado crescimento econômico e

intenso processo de modernização social. A China emerge como potência mundial

e, segundo todas as estimativas, o país está destinado a ocupar uma posição de

destaque no cenário internacional no transcurso do Século XXI.

O progresso e o desenvolvimento econômico e social da China estão

fortemente assentados sobre o regime comunista, que se estabeleceu com a

Revolução de 1949. Para compreender a vitória revolucionária dos comunistas, bem

como a China contemporânea, é imprescindível considerar primeiramente os

períodos históricos precedentes, em que o país esteve sob domínio imperial e,

posteriormente, sob o regime republicano.

Durante o período em que vigorou o sistema imperial, a China era uma

sociedade predominantemente agrária, permanecendo assim até as vésperas da

Revolução de 1949. Ao contrário da Europa medieval, porém, a China imperial não

conheceu o feudalismo, e pode-se dizer que o sistema de vassalagem e as

concessões de terra em troca de serviços militares (que representavam a base do

sistema feudal ocidental) sempre foram muito limitados naquele país.

A dinastia Manchu (1644 – 1911) representou a última fase do sistema

imperial. O poder político estava fortemente centralizado nas mãos dos imperadores

que se sucederam no trono: Nurhachi (1616 – 1625); Huang-Taiji (1625 – 1643);

Shunzhi (1643 – 1661); Kangxi (1661 – 1722); Yongzheng (1722 – 1735); Qianlong

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(1735 – 1796); Jiaqing (1796-1820); Daoguang (1820 – 1850); Xianfeng (1850 –

1861); Tongzhi (1861 – 1875); Tzu Hsi (1875 – 1908); e Xuantong (1908 – 1912).

Os imperadores controlavam o vasto país por meio de um extenso aparelho

administrativo, constituído por uma classe de funcionários recrutados segundo

critérios burocráticos (chamado de sistema de exames). A estrutura econômica se

baseava na produção agrícola e a sociedade chinesa era composta por uma

diminuta classe de proprietários de terras e uma grande maioria de camponeses.

Arte e cultura: o “Grande Dragão”

Em agosto de 1878, os primeiros selos

“Dragões” (Dragonstamps) foram colocados à venda,

em Tientsin e outros lugares. Eles foram impressos

pelo Departamento Estatístico de Xangai, em 1.º de

janeiro de 1878. Trata-se da primeira emissão oficial

dos Correios Imperiais da China (Imperial customs

post). Os selos da emissão tipo “Grande Dragão”

mostram que o dragão representado é um dragão do

ar chamado “LUNG”, o qual é o tipo de dragão mais

popular na China. Ele está “flutuando” entre as nuvens

e sobre o mar. Cada selo tem no centro um dragão guardião, “protegendo” a “pérola

da noite”, que supostamente possui virtudes miraculosas contra a doença.

Estrutura fundiária

Um dos principais fatores, talvez o mais importante, para se compreender a

estrutura fundiária da sociedade chinesa é entender o mecanismo social de

acumulação material, que estava fortemente baseado na relação entre o serviço

burocrático imperial e o investimento na compra de terras.

A classe proprietária de terras era constituída por clãs familiares. Para

assegurar a propriedade da terra e aumentar a fortuna material da família era

importante que algum membro do clã obtivesse um cargo oficial junto à estrutura

burocrática imperial. As fortunas obtidas por meio do serviço imperial eram

investidas em terras.

Em teoria, os cargos oficiais estavam abertos a todos, incluindo até mesmo os

Figura 54: Grande Dragão Fonte:www.girafamania.com.br/asiatico/china

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162

camponeses mais pobres, mas a ausência de um sistema de educação popular

diminuía consideravelmente as chances daqueles que não pudessem contar com o

apoio de uma família rica para custear os estudos, que exigiam muitos anos de

dedicação.

Controle da mão de obra camponesa

Entre os funcionários burocráticos, havia uma nítida distinção entre aqueles

que possuíam ou não formação cultural e grau acadêmico. Os "intelectuais"

formavam a classe de funcionários burocráticos que possuíam formação acadêmica

(mandarins). Sendo a propriedade da terra o fator decisivo na dominação da mão de

obra camponesa, os cargos oficiais mais importantes (que interessavam à classe de

proprietários) eram justamente aqueles que diziam respeito ao controle das terras.

Além disso, o proprietário de terras dependia da burocracia imperial para a

realização de benfeitorias, como grandes obras de irrigação e a construção de

sistemas de controle de águas adequados, que ajudassem a obter boas colheitas.

O sistema político cumpria, portanto, a dupla função de assegurar a

propriedade e de fazê-la render. Mas, além de realizar essas duas funções, a

burocracia imperial cumpria o papel de manter a ordem, evitando que o crescimento

da população de camponeses ameaçasse os direitos de propriedade.

Colapso do sistema imperial e o advento da República

Na ausência de obrigações feudais surge, na China imperial, controlada pela

dinastia Manchu, a questão de se saber como a classe de proprietários fundiários

conseguia obrigar os camponeses a trabalharem na terra. De acordo com

estudiosos do período, o trabalho dos camponeses era baseado em contratos de

arrendamento do tipo capitalista. Evidentemente, havia variações regionais, mas

pode-se dizer que, na maioria das zonas agrícolas, o proprietário fundiário fornecia a

terra e os camponeses, a mão de obra.

Sabe-se que, por volta de 1810, cerca de 80% das terras cultivadas na China

estavam em poder da classe dos grandes senhores fundiários e o restante, 20%,

pertencia aos camponeses. A colheita era dividida entre ambos e, ao que tudo

indica, a troca em espécie prevalecia até mesmo nos pagamentos de impostos

devidos ao imperador.

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Superpopulação de camponeses

A existência de uma superpopulação de camponeses interessava diretamente

aos senhores proprietários fundiários, pois facilitava o arrendamento das terras

através de um maior grau de extração de excedente econômico. Ou seja, num

contexto social de superpopulação, a competição entre os camponeses diante da

necessidade de prover o próprio sustento levava-os a trabalhar nas terras por níveis

cada vez mais baixos de remuneração (neste caso, a porção de alimento produzido).

As pressões da grande massa de camponeses sobre as terras cultiváveis

aumentaram consideravelmente no final do Século XXVIII e se agravaram nas

décadas seguintes, transformando-se num fator importante a contribuir para minar a

estrutura social.

Urbanização e industrialização

A urbanização e a industrialização ocorreram tardiamente na China. O

sistema imperial, em particular a burocracia administrativa, impediu o quanto pôde a

modernização do país, evitando a adoção da agricultura comercial, o surgimento de

uma burguesia comercial e núcleos urbanos autônomos capazes de contrapor-se

aos grandes proprietários fundiários (como ocorreu na Europa Ocidental, na última

fase do feudalismo).

Avanços na urbanização e industrialização começaram a ganhar fôlego no

final do Século XXVIII, diante de dois processos concomitantes: a decadência da

máquina administrativa imperial e as pressões externas provenientes das nações

europeias ocidentais, que tinham interesses militares e comerciais na China.

O domínio tradicional da classe culta de funcionários-intelectuais declinou nas

zonas costeiras, permitindo, assim, o surgimento de núcleos urbanos e o

aparecimento de uma burguesia comercial nativa que se opôs às pretensões de

centralização do poder político sob o sistema imperial.

Novas forças sociais

O sistema imperial tentou, em vão, controlar as novas forças sociais e

econômicas que se desenvolviam rapidamente e ameaçavam a manutenção da

unidade política e territorial da China. Mesmo assim, foi somente em 1910 que se

verificou um nítido impulso no sentido de as classes comerciais burguesas se

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libertarem da influência da burocracia imperial.

De qualquer modo, as áreas territoriais mais avançadas urbana e

industrialmente permaneceram sob controle estrangeiro até a segunda metade do

Século XX. Até a data mencionada, a sociedade chinesa permaneceu

predominantemente agrária, com uma classe média numericamente insignificante e

politicamente dependente.

Colapso do sistema imperial

O sistema imperial chinês foi minado por forças internas que tinham

interesses conflitantes. Essa situação levou o país a um período de anarquia, que

resultou na mudança do regime político e a proclamação da República.

Pode-se afirmar que, até o final do Século XIX, as classes dominantes

chinesas (ou seja, os proprietários fundiários) continuaram a ser a base de

sustentação de todo o sistema imperial. Fatores externos, sobretudo ligados às

pressões militares de nações europeias, levaram, no entanto, a classe dominante

chinesa a se dissociar. O principal fator de desintegração do sistema imperial

emergiu diante das necessidades crescentes dos últimos governantes da dinastia

Manchu de concentrar recursos materiais e financeiros para fazer frente às rebeliões

internas e aos inimigos externos. As necessidades materiais e financeiras só

puderam ser atendidas a partir da destruição do amplo sistema de privilégios que

unia a burocracia administrativa e a classe fundiária.

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CHINA REPUBLICANA: CHIANG KAI-SHEK E O DOMÍNIO DO KUOMINTANG

No final do Século XIX, o sistema imperial chinês começou a ruir diante das

tensões políticas provocadas por rebeliões sociais internas, ameaças de invasão

estrangeira e divisão da classe dominante.

O enfrentamento dos problemas que ameaçavam o sistema imperial

necessitava de vultosos recursos econômicos. A dinastia Manchu ficou diante de

dois dilemas. Primeiro, precisava criar um sistema eficiente de impostos. Para isso,

teria de acabar com os privilégios da pequena nobreza que representava a classe de

proprietários fundiários vinculados à burocracia, que drenava boa parte dos recursos

extraídos dos súditos em forma de impostos. Segundo, precisava encorajar o

comércio e a indústria, estimulando a geração de novos recursos financeiros em

forma de tributos e o surgimento de uma nova classe social (a burguesia industrial)

para contrabalançar o poder da pequena nobreza "parasitária".

A partir de 1860, a China mergulhou num período de caos social, conflitos

políticos internos e ameaças de invasão militar estrangeira. Todas as tentativas de

salvar o sistema imperial não tiveram êxito. A cobrança e transferência dos impostos

e tributos sobre a terra e sobre a circulação de mercadorias, bem como a influência

sobre os camponeses, escaparam quase que por completo do controle do poder

central. A exploração das massas camponesas pelos senhores rurais aumentou

consideravelmente. Os camponeses perderam os direitos tradicionais, que lhes

garantiam proteção com base no código de exploração legítima, mas "limitada" (ou

seja, dentro dos padrões de dignidade prevalecentes nos códigos morais da época).

O crescente descontentamento dos camponeses desencadeou inúmeras revoltas no

campo, todas eficazmente exploradas pelos revolucionários comunistas, que

ganharam influência contribuindo diretamente para elevar a tensão social e provocar

mais divisão das forças políticas nacionais.

Os senhores rurais e os pequenos comerciantes reagiram à crise do sistema

imperial coligando-se entre si a partir de seus interesses regionais. Para garantir o

poder em determinada região, as elites rurais formaram exércitos locais. No contexto

de militarização crescente das elites rurais regionais, o poder central desapareceu e,

com ele, a capacidade de manter a ordem social.

A proclamação da República, em 1911, representou tão somente a

formalização de uma situação político-institucional que já existia de fato, ou seja, o

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declínio do poder imperial. Nas duas décadas seguintes, porém, as classes

dominantes chinesas foram incapazes de se aliar para formar um governo de

unidade nacional. Nesse contexto, a sociedade chinesa ficou profundamente dividida

e entrou numa fase de desagregação ainda mais intensa, que perdurou até a

Revolução Comunista de 1949.

Domínio do Kuomintang

O Kuomintang foi o movimento republicano conduzido pelo Partido

Nacionalista da China. O partido foi liderado pelo militar Chiang Kai-shek, que tentou

a todo custo unificar a China, com a formação de um governo nacional. Para

concretizar essa tarefa, os republicanos que integravam o Kuomintang combateram

incansavelmente os comunistas e os "senhores da guerra" (denominação dada aos

proprietários rurais que haviam formado exércitos regionais para manter o controle

político e econômico nos seus respectivos domínios territoriais).

Contando com um exército poderoso, Chiang Kai-

shek conseguiu estabelecer, em 1927, controle sobre a

maior parte do território da China e estabelecer um poder

central que ficou sob a liderança do Kuomintang. Não

obstante, na China daquele período, qualquer programa

político de unificação nacional que pretendesse ser estável

e duradouro dependia de um amplo consenso entre as

classes sociais, que estavam em conflito latente diante de

seus interesses profundamente divergentes.

Com o apoio das velhas classes de proprietários

rurais e de parcelas importantes das novas classes

industriais e comerciais emergentes, Chiang Kai-shek

liderou uma série de golpes militares e constituiu um

governo ditatorial. A aliança das classes dominantes chinesas, no âmbito do

Kuomintang, deu origem a um programa político de modernização social

extremamente conservador e reacionário.

O governo central passou a reprimir com extrema violência os trabalhadores

urbanos e, principalmente, os comunistas que lideravam as revoltas e a sublevação

de camponeses. Em 1934, as forças militares do governo central desfecharam um

forte golpe no movimento comunista, forçando-o a abandonar as suas posições no

Figura 55: Chiang Kai-shek, líder do Partido Nacional da China Fonte:www.pt.wikipedia.org/wiki/chiangkai-shek

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sul do país.

Camponeses abrem caminho para a Revolução

Nas últimas décadas que antecederam o fim do sistema imperial na China, as

revoltas camponesas ampliaram-se enormemente diante da ruptura da coesão

social no âmbito da aldeia. A fome, a exploração brutal e a repressão aos

camponeses, que se juntavam aos movimentos de revolta e sublevação, deram

origem a uma situação insustentável, que transformou a zona rural das províncias do

interior da China num ambiente marcadamente violento.

Os comunistas chineses desempenharam um importante papel ao

canalizarem o crescente descontentamento das massas camponesas para as

tarefas revolucionárias de destruir a estrutura social existente. Desde a fundação do

Partido Comunista Chinês, em 1921, os comunistas tentaram, sem sucesso, seguir

a ortodoxia marxista, que preconizava o levante revolucionário com o apoio do

proletário urbano.

Exército de Libertação Popular

O líder máximo do movimento comunista revolucionário chinês, Mao Tsé-

Tung, porém, abandonou essa estratégia e conduziu a formação de um Exército de

Libertação Popular, integrado, majoritariamente, por camponeses. As ofensivas

militares contra os comunistas, por parte do governo de Chiang Kai-shek,

continuaram, mas, em 1937, o governo central precisou enfrentar um novo inimigo:

os invasores japoneses. A luta contra a ocupação japonesa fortaleceu os

comunistas.

Ocupação japonesa

Em julho de 1937, o Japão atacou e ocupou parte do território da China. Os

comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung, e os nacionalistas, liderados Chiang Kai-

shek, firmaram uma aliança estratégica para combater o inimigo comum. A

ocupação japonesa favoreceu os comunistas de dois modos: eliminou a elite rural e

forjou a solidariedade entre as massas rurais oprimidas.

Primeiramente, a ocupação das províncias chinesas pelo exército invasor fez

com que os funcionários do Kuomintang e os senhores rurais abandonassem o

campo em direção às cidades, deixando, portanto, os camponeses entregues à

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própria sorte. Essa situação permitiu que os comunistas estreitassem os laços com

as massas rurais. Por outro lado, as campanhas japonesas de perseguição e

extermínio no campo estimularam a maior coesão das massas camponesas.

A influência crescente dos comunistas deu origem a tendências

colaboracionistas por parte dos líderes do Kuomintang, que, temerosos com as

possibilidades de uma revolução social, apoiaram-se nas forças invasoras e lutaram

contra os comunistas. Os comunistas, porém, conseguiram maior adesão das massas

camponesas, com promessas de reforma agrária e com a adoção de uma nova

organização política nas aldeias conquistadas. A ocupação das forças japonesas na

China chegou ao fim depois da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial.

Guerra civil e revolução de 1949

Após a vitória sobre o invasor, tanto os comunistas como o Kuomintang

tentaram ampliar a influência e o controle sobre o território chinês. Ambas as forças

políticas antagônicas retomaram, então, a guerra civil que tinha sido suspensa. A

guerra civil foi travada entre os anos de 1946 e 1949. O Kuomintang era militarmente

mais forte nas cidades, enquanto os comunistas tinham maior força nos campos. A

estratégia do líder comunista Mao Tsé-Tung foi a de cercar as cidades a partir dos

campos.

A vitória dos comunistas foi gradual e começou com o controle total da região

norte da China, em 1948, onde está localizada a província da Manchúria, que, na

época, era a mais importante do país, devido a seus imensos recursos econômicos.

Progressivamente, os comunistas avançaram para o restante do território chinês.

Em 1949, os comunistas chineses finalmente conseguiram expulsar os

nacionalistas para a ilha de Taiwan e proclamaram a República Popular da China.

Os líderes do Kuomintang que abandonaram o território da China continental

trataram de instaurar um governo ditatorial na ilha de Taiwan, contando com apoio

militar dos Estados Unidos, que perdura até hoje. Até 1980, os nacionalistas

mantiveram o país sob uma ditadura de partido único. A relação entre Taiwan e

China é tensa, pois os comunistas consideram Taiwan uma província renegada,

parte da China.

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Arte e cultura: influência da política revolucionária nas artes

A revolução comunista de 1949 e a criação da República Popular da China

sob a liderança de Mao Tsé-Tung introduziram uma incontornável dimensão política

em todas as formas de expressão artística. Os movimentos vanguardistas foram

banidos e tachados como "formalismo burguês". Por outro lado, a revolução também

propiciou o renascimento de formas artísticas ancestrais e ensinou o povo a

valorizar suas tradições no campo das artes, o que resultou em valiosa restauração

e descoberta de tesouros artísticos do passado, como o folclore, assumido como

valioso produto de exportação e importante fonte de rendimentos.

CHINA COMUNISTA: CAMPONESES SE JUNTAM AO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO

A revolução comunista na China foi um processo que começou em 1927 e

terminou em 1949. No transcurso desses vinte e dois anos, a revolução atravessou

quatro fases distintas.

A primeira fase se caracterizou pela eclosão de uma guerra civil envolvendo

os nacionalistas e os comunistas, que combateram em algumas cidades do sul do

país. O exército nacionalista foi liderado pelo general Chiang Kai-shek e, nos

primeiros três anos de guerra, conseguiu derrotar e expulsar das grandes cidades os

comunistas e seus seguidores.

A severa derrota dos comunistas nas zonas urbanas, principalmente nas

cidades de Shangai, Gengzhou e Changsha, desencadeou uma autocrítica dentro

do Partido Comunista Chinês (PCCh), levando Mao Tsé-Tung à liderança partidária.

Mao Tsé-Tung estabeleceu uma nova estratégia revolucionária, voltando-se às

zonas rurais em busca do apoio das massas camponesas.

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A Longa Marcha

Dos anos que vão de 1930 a 1937 a Revolução

atravessa a segunda fase. O conflito se generalizou por todo

o território chinês, levando milhões de homens a pegar em

armas. No início, porém, a estratégia maoísta de criação dos

chamados sovietes rurais (cujo desdobramento esperado

era a organização das guerrilhas camponesas, que iriam

deflagrar a guerra revolucionária) se deparou com alguns

obstáculos, entre eles a dificuldade de vencer o poderoso

exército nacionalista que perseguiu os comunistas pelo

interior do país.

Habilmente, Mao Tsé-Tung conduziu os comunistas por quase dez mil

quilômetros pelo interior do país, no que ficou conhecida como a célebre Longa

Marcha (1934 – 1935), até chegarem à província de Shensi, onde se instalaram e

permaneceram sob a coordenação e proteção do soviete de Yenan.

Em 1937, o Japão invade militarmente a China e o exército nacionalista passa

a combater os japoneses. Concentrados na província de Shensi, os comunistas

fortalecem suas posições com a organização do Exército Popular de Libertação,

formado majoritariamente por milhões de camponeses explorados e empobrecidos,

que aderem em massa ao movimento revolucionário.

Inimigo comum: os japoneses

Mesmo assim, a vanguarda revolucionária comunista decidiu unir forças com

o exército nacionalista na luta contra o inimigo comum da China: os japoneses. Tem

início, então, a terceira fase do movimento revolucionário, denominada de coalizão

das forças comunistas e nacionalistas, que durou de 1938 a 1945.

Depois de oito anos de intensos combates, os japoneses são finalmente

derrotados na China e também pelos aliados na Segunda Guerra Mundial. Os

comunistas saem fortalecidos na guerra de libertação nacional e retomam a guerra

civil contra os nacionalistas, dando início à quarta e última fase do movimento

revolucionário.

Finalmente, em 1949, o Exército Popular de Libertação derrota os

Figura 56: Mao Tsé-Tung, líder do Partido Comunista Chinês Fonte:www.learner.org/channel/courses/worldhistory/archive.html

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nacionalistas, que se refugiam na ilha de Taiwan e formam um governo ditatorial,

separando-se da China continental como um Estado independente. Vitoriosos, os

comunistas fundam a República Popular da China.

Ao assumirem o poder, os comunistas tinham pela frente enormes tarefas

diante de um imenso país, muito populoso e com muitas riquezas naturais, mas

atrasado em vários aspectos: tecnológico, científico, educacional, social e

econômico. A China pós-revolucionária é uma nação desorganizada, falida e em

ruínas.

Construção de uma nova China

Os problemas mais urgentes de época eram a inflação galopante e a

paralisação da produção industrial e rural. Depois de muitas décadas de penúria e

humilhação, o povo chinês ansiava por mudanças que melhorassem sua condição

de vida. Gradualmente, a indústria e o comércio foram nacionalizados. As finanças

foram equilibradas e a reforma agrária realizada.

Os hábitos e costumes tradicionais do povo foram abruptamente alterados. O

Estado declarou a educação popular uma obrigatoriedade. A prostituição e o uso de

drogas, antes endêmicos, passaram a ser considerados crimes. As mulheres, por

outro lado, se libertaram do concubinato (que as mantinham numa relação de

subordinação ao marido).

Os revolucionários desfecharam uma feroz perseguição a todas as classes de

indivíduos que tinham ligações com os nacionalistas. Funcionários estatais,

administradores de empresas, pequenos e médios proprietários urbanos e rurais,

membros de associações religiosas e tradicionais, entre outros segmentos sociais,

foram declarados "inimigos do povo".

A população foi oficialmente estimulada a participar, engajando-se na

denúncia, julgamento e condenação dos acusados. Todo esse processo foi marcado

pelo uso de violenta repressão contra os opositores do socialismo. Como exemplo

dessa política oficial, estima-se que cerca de dois milhões de indivíduos

pertencentes à classe de proprietários rurais perderam a vida porque resistiram à

socialização e à coletivização das terras.

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Conflito entre China e URSS e o Grande Salto

A construção do socialismo chinês recebeu inicialmente um valioso apoio da

Rússia (URSS). A ajuda soviética veio em forma de assessoramento técnico,

científico e, principalmente, financeiro. Entre 1950 e 1956, a assistência soviética

contribuiu decisivamente para a recuperação e posterior desenvolvimento da

economia chinesa.

Repressão de dissidentes

No início, Mao Tsé-Tung permitiu que o revisionismo aflorasse na China com

a Campanha das Cem Flores, que pode ser entendida como a aceitação por parte

do Estado da crítica contra o sistema socialista, tanto por parte de ativistas,

intelectuais, quadros do Partido Comunista Chinês (PCCh) e também do povo em

geral. Depois de um brevíssimo período, movimentos de contestação e ondas de

protesto irromperam por todo o país, levando Mao a interromper a política de

tolerância e liberalização e reprimir violentamente os dissidentes e críticos.

Além de conflitar com os soviéticos na questão do revisionismo, os chineses

criticaram a doutrina de coexistência pacífica, por ela ter levado a URSS a se

aproximar das potências capitalistas ocidentais, em particular dos Estados Unidos,

estreitando as relações diplomáticas e abandonando a política de enfrentamento.

Em 1959, duas atitudes da URSS irritaram ainda mais os dirigentes chineses.

A primeira envolveu a recusa do Estado soviético em fornecer ajuda à China para

desenvolver armamentos nucleares. A segunda derivou do apoio da URSS à Índia

numa questão, envolvendo um litígio fronteiriço com a China. Esses fatores geraram

muita desconfiança dentro da China e fez com que os dirigentes chineses se

afastassem da URSS.

Em 1960, a tensão entre a China e a URSS alcançou o clímax. Os soviéticos

interromperam o auxílio técnico, financeiro e militar. Os chineses tiveram de contar

com seus próprios recursos a fim de seguir na construção do socialismo. Foi nesse

contexto que a China abandonou o planejamento econômico com base nos Planos

Quinquenais (1949 – 1954) e colocou em prática uma nova política de

desenvolvimento econômico e social, oficialmente chamada de o Grande Salto para

Frente (1958 – 1960).

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Grande Salto

O Grande Salto tinha como premissa a mobilização de todos os recursos

humanos da China, em particular da massa camponesa, que constituía cerca de

80% da população, a fim de acelerar o desenvolvimento econômico e a igualdade

entre todos num curto período de tempo. Ironicamente, porém, o Grande Salto foi

um desastre completo, que levou à desorganização da economia chinesa e ao

aumento da fome no campo, acarretando a morte de milhões de camponeses.

O núcleo do projeto desenvolvimentista era a autossuficiência e a

autossobrevivência, ou seja, cada vilarejo deveria produzir os alimentos e os bens

necessários. A obsessão para atingir metas de produção, porém, levou os dirigentes

chineses a dispensarem o conhecimento técnico e o planejamento antecipado,

precipitando o surgimento de problemas insolúveis para o país.

As minas de carvão que se proliferaram por todo o país arruinaram os

campos férteis; o cultivo irregular de determinados grãos e alimentos ocasionaram o

cansaço do solo; a construção de represas sem o devido planejamento e estudo

técnico arruinou os solos, tornando-os imprestáveis para o cultivo; as máquinas

agrícolas careciam de peças de reposição, entre inúmeros outros problemas.

O fracasso do Grande Salto abriu caminho para uma autocrítica por parte de

Mao Tsé-Tung e o surgimento de uma dissidência dentro do PCCh. Com apoio de

partidários influentes, Liu Shao-chi e Deng Xiaoping assumiram a condução dos

assuntos internos. Mao Tsé-Tung teve seus poderes diminuídos, mas ainda assim

manteve controle sobre o Exército Popular de Libertação. A tentativa de Mao Tsé-

Tung de retomar seus poderes resultou na Revolução Cultural (1966 – 1975).

O Livro Vermelho de Mao e a Revolução Cultural

O desastre econômico e social provocado pelo

Grande Salto para Frente (o projeto de desenvolvimento

experimentado pela China entre os anos de 1958 e 1960)

gerou conflitos internos de grandes proporções no PCCh,

abrindo caminho para a perda de poder de Mao Tsé-Tung.

A direção política do Estado chinês ficou nas mãos

de um triunvirato integrado pelo vice-presidente, Liu Shao-

chi; pelo primeiro-ministro, Chu Enlai, e pelo dirigente Figura 57: Leitura do Livro Vermelho de Mao durante a Revolução Cultural Fonte:www.educacao.uol.com.br/historia/china-comunista-3.jhtm

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partidário, Deng Xiaoping. As críticas que emergiram do seio do PCCh, contrárias ao

governo de Mao Tsé-Tung, eram válidas em razão do retrocesso econômico e social

provocado pelo projeto desenvolvimentista idealizado pelo dirigente chinês.

Durante os três anos de vigência do Grande Salto, estima-se que cerca de

16,5 milhões de chineses (em sua maioria, camponeses) tenham morrido de fome e

doenças causadas por desnutrição. Para recuperar a economia, os novos dirigentes

do Estado chinês reavivaram alguns princípios característicos do sistema capitalista,

como, por exemplo, recompensas por esforços no trabalho. Eles também

desmontaram as comunas rurais e readotaram o gerenciamento técnico na

condução da produção econômica.

Construção do socialismo e o Exército de Libertação Popular

Mao Tsé-Tung não perdeu o poder por completo. Ele manteve-se como líder

supremo do Exército de Libertação Popular (ELP) e, com o apoio dos militares e de

facções políticas atuantes dentro do PCCh, Mao retomou as rédeas do Estado

chinês, reconduzindo a seu modo a construção do socialismo.

A lealdade do ELP ao PCCh e de ambos ao próprio Mao Tsé-Tung se

fortaleceu à medida que as relações internacionais da China com seus vizinhos

fronteiriços ameaçaram a integridade do território chinês. No início dos anos 60, as

relações da China com a Índia e a ex-aliada URSS se deterioraram ainda mais.

Nessa mesma conjuntura, Mao e seus aliados lançaram um programa de educação

política objetivando converter todos os soldados do poderoso ELP em comunistas

fiéis e obedientes ao PCCh.

Mao deflagrou, em 1965, a contraofensiva sobre as facções políticas rivais

dentro do PCCh, que controlavam o Estado chinês. Ele criticou ferozmente aqueles

que preconizavam a readoção de alguns princípios capitalistas na economia, além

de apontar a burocratização e o elitismo que já se manifestavam dentro e fora do

PCCh.

Mao também defendeu a transferência do controle da Revolução para as

mãos das massas (camponeses e operários), sob coordenação do Partido, como

forma de avançar na construção de um sistema socialista próximo da igualdade

absoluta. Para atingir esses objetivos, Mao Tsé-Tung decidiu aplicar ao conjunto da

sociedade chinesa um vasto programa de educação política, seguindo o modelo

aplicado ao ELP.

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175

Revolução cultural

A Revolução cultural começou oficialmente no outono de 1965. Com apoio do

ELP, Mao e seus seguidores coordenaram um amplo expurgo que atingiu todas as

esferas da vida social, política e econômica. Membros do PCCh, burocratas,

políticos, militares e cidadãos comuns foram atingidos por uma onda repressiva.

A esposa de Mao, Jiang Qing, se transformou na figura dominante nas artes.

Chamada de ditadora cultural, Qing exerceu domínio absoluto e determinou o que

podia ser escrito, pintado, editado, cantado e exibido nos teatros e cinemas. Muitos

cursos universitários foram fechados, professores e diversos profissionais ligados à

produção artística perderam seus cargos e foram banidos para o campo.

Os alvos principais da doutrinação política que permeava a Revolução cultural

foram os jovens, em particular os estudantes de nível médio e universitário. Os

jovens foram dispensados das aulas e o Estado providenciou alimento, transporte e

alojamento para que percorressem o país, de cidade em cidade, como aguerridos

militantes de esquerda.

O Livro Vermelho e a Guarda Vermelha

Usando uma braçadeira vermelha em um dos braços, milhões de jovens

formaram a Guarda Vermelha. A base doutrinária para a ação dos militantes era o

célebre "Livro Vermelho" de Mao.

Um dos trechos do livro dizia: "O pó se acumula se um quarto não é limpo

com frequência, nossas faces ficam imundas se não forem lavadas com frequência.

A mente de nossos camaradas e o trabalho de nosso Partido também podem ficar

empoeirados e também precisam ser varridos e lavados. O provérbio 'a água

corrente nunca fica choca e os vermes nunca roem uma dobradiça' significa que o

movimento constante impede a contaminação pelos germes e outros organismos".

Os militantes da Guarda Vermelha tinham por encargo desfechar a crítica aos

revisionistas, aos direitistas, aos burgueses, aos burocratas do Partido e do Estado

e, até mesmo, àqueles que adotavam estilos ocidentais de comportamento. Além da

crítica, eles também humilhavam e castigavam todos que resistiam à doutrinação

socialista.

Durante o período em que a Guarda Vermelha atuou, a sociedade chinesa foi

abalada por perseguições, execrações e julgamentos sumários em praças públicas.

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A Guarda Vermelha cometeu muitas atrocidades e espalhou o terror pela China.

Também ocorreram muitos conflitos, alguns deles de grande proporção,

principalmente no final da década de 1960, envolvendo militantes extremistas da

Guarda Vermelha e as massas.

A Guarda Vermelha, formada por milhões de jovens militantes, se dedicava à

doutrinação socialista. Não era, porém, um agrupamento juvenil coeso e disso

resultou o surgimento de facções rivais que lutaram entre si, agravando ainda mais o

conflito político.

No início dos anos 70, a selvageria e desordem provocadas na sociedade

chinesa pela atuação dos militantes da Guarda Vermelha trouxeram enormes

problemas políticos para Mao Tsé-Tung. No seio do ELP e do PCCh surgiram

críticas cada vez mais contundentes diante do caos e descontrole social e político

provocados pelas ações da Guarda Vermelha.

Mao se curvou aos críticos e ordenou o desmonte da Guarda Vermelha e a

desmobilização e dispersão dos dezoito milhões de jovens. Gradualmente, Mao

reconduziu a política chinesa de volta ao centro e reconheceu a necessidade do

Estado e da nação chinesa de contar com o apoio de todos os cientistas, técnicos

especializados, administradores e educadores que haviam sido purgados e exilados.

Luta pelo poder

A morte de Mao Tsé-Tung reacendeu a luta pelo poder dentro do PCCh. O

conflito partidário foi breve. A facção de direita (ou seja, os comunistas pragmáticos)

obteve uma expressiva vitória. Os novos dirigentes desfecharam uma perseguição

contra as facções mais radicais de esquerda. A esposa de Mao e seus aliados mais

próximos, por exemplo, foram banidos definitivamente da política chinesa.

O Comitê Central do PCCh tornou público um relatório em que assinalava: "A

história mostrou que a Revolução Cultural, laborando em erro e capitalizada por

claques contrarrevolucionárias, levou à comoção intestina e trouxe a catástrofe para

o Partido, para o Estado e para todo o povo".

Na perspectiva do líder revolucionário Mao Tsé-Tung, porém, temia-se que a

burocratização e a apatia política e social se consolidassem. Por isso, em toda sua

vida, Mao defendeu com bastante veemência que a sociedade chinesa fosse

abalada com frequência por movimentos de massa, como aquele promovido pela

Revolução cultural.

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China como potência econômica mundial

Com a morte de Mao, Deng Xiaoping se tornou secretário-geral do PCCh e se

transforma no dirigente máximo da China, governando o país de 1976 a 1997. Deng

Xiaoping promoveu inúmeras reformas econômicas, cujo desdobramento, depois de

uma década, foi a implantação de uma economia de mercado nos moldes

capitalistas.

Na década de 1990, as reformas do sistema produtivo se aprofundaram ainda

mais e resultaram em um vertiginoso crescimento da economia chinesa, cujas bases

são os investimentos estatais e o capital estrangeiro (atraído para a China num

volume sem precedentes na história do país e do continente asiático).

A China atual é um país continental marcado pela diversidade cultural, étnica

e linguística. Um exemplo disso é chamarmos de língua chinesa o que, na verdade,

é o mandarim, um dos vários dialetos falados no país e cujo ensino é obrigatório em

todas as províncias.

Em Hong-kong, por exemplo, ex-possessão britânica, recentemente

reintegrada à República Popular da China, a língua falada pelos habitantes é o

cantonês, incompreensível para chineses de outras regiões.

O turista estrangeiro que visitar os rincões da China encontrará diversas

minorias étnicas. Atualmente, o governo chinês reconhece a existência de pouco

mais de cinquenta grupos. Entre eles, podemos destacar as etnias hui e cazaque.

A minoria hui, por exemplo, é de religião muçulmana, que proíbe o consumo

da carne de porco, a principal iguaria da cozinha chinesa. Ela jamais conseguiu se

integrar inteiramente ao resto da população e costuma estar envolvida em revoltas

separatistas. Por sua vez, o grupo cazaque compartilha mais laços culturais com os

turcos do que com os han, a etnia dominante no país. É encontrado em partes da

China e também na Rússia, Mongólia, Uzbequistão e Cazaquistão (onde é maioria).

De acordo com todos os prognósticos, por volta do ano de 2030 a China se

transformará na maior economia do mundo. O Estado comunista chinês, porém,

resistiu politicamente à desagregação da ex-URSS e ao fim do socialismo no leste

europeu. Os dirigentes comunistas chineses mantiveram a China fechada

politicamente e governam o país com base na ditadura do partido único.

Uma questão que surge com frequência no debate político e nos círculos

acadêmicos ocidentais é saber até quando a China se manterá politicamente

fechada e resistirá às pressões por reformas políticas liberalizantes e democráticas.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Programa deMestrado Acadêmico em Educação – PMAE

YARA COELHO DE SOUZA LIBERATO DE SOUSA CONTRIBUIÇÕES DA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA PARA A EDUCAÇÃO: UM

ESTUDO DE PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS NA HISTÓRIA DA CHINA ATRAVÉS DA OBRA DE ZHANG YIMOU

ÉPOCAS DA CHINA

ANTIGA MEDIEVAL IMPERIAL REPUBLICANA COMUNISTA ATUAL

Fundação do Partido Comunista Chinês em

1921

Dinastia Shang (1500 – 1050 AC) Objetos de bronze e os mais antigos

registros escritos da história da China Instrumentos musicais: sino e o tambor de

Shang Dinastia Zhou (1050 – 256 AC) 12 desenhos tradicionais das vestes

imperiais Influência musical do Livro das Canções,

Confúcio

Dinastia Sui Grande Canal

(navegação: arroz)

Imperador Ming (1368 – 1644)

Pintura em porcelana FILMES:

SORGO VERMELHO

TEMPO DE VIVER

Invasão japonesa (1937)

Diversidade cultural, étnica e lingüística (mandarim)

Abertura do mercado econômico

para capital estrangeiro

Apresentação das Olimpíadas

“Um mundo, um sonho”

FILMES:

A HISTÓRIA DE QIU JÚ

NENHUM A MENOS

HAPPY TIMES

UM LONGO CAMINHO

Interação entre chineses e estrangeiros

Dinastia Quin (221 – 207 AC) FILME: HERÓI Soldados de terracota A grande Muralha Unificação dos Sete Reinos Sistema único de peso e medidas, de

escrita e de moeda Criação do exército de Quin (ordem,

disciplina, devoção, poder) Sistema de meritocracia Dinastia Han (206 AC – 220 DC) Rota da seda Instrumento musical: Se

FILMES:

O CLÁ DAS ADAGAS VOADORAS

A MALDIÇÃO DA FLOR

DOURADA

Dinastia Tang (859 AC) Apogeu da arte chinesa;

arquitetura; Palácio Imperial. Multicultural Invenções: primeiro relógio

mecânico, bússola, impressão Grupos revolucionários

FILME:

LANTERNAS VERMELHAS

Imperador Manchu (1644 – 1912) Controle da sociedade

agrária (proprietários fundiários

Selos Dragões Sistema de exames

Proclamação da República em 1911

Revoltas camponesas

Proclamação da República Popular da

China, liderada por Mao Tsé-Tung (1949)

Revolução Cultural

(1966 – 1975) (Livro Vermelho de Mao

e os jovens da Guarda Vermelha)

Deng Xiaoping promove

reformas econômicas Mudanças no status da mulher Luta pelo salário

Quadro 27: Civilização Chinesa: Da Muralha da China ao Estádio Ninho de Pássaro, 5 mil anos de história, cultura e arte, analisados através da obra cinematográfica de Zhang Yimou

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APÊNDICE

Cinema

Imagem em movimento: De acordo com Xavier (2003) e Stasior (1998), as

imagens digitalizadas em movimento são motivadas por operações de combinações

de flutuações de pontos em matrizes de pixels, gerando cenas e possibilitando a

interação do homem com as mídias. Tecnicamente, um tipo de transformação de

informação detecta o movimento, sendo que cada informação possui propriedades,

gerando padrões passíveis de serem representados Existe um mistério no seio do pensamento sobre a arte que é centrada no que

se passa entre duas imagens. Isto é, nas imagens que representam movimento,

sendo elas mesmas, imagens fixas. O movimento, no entanto, é o destino da

apropriação da imagem, seja em que contexto for.

Origem

Há muito que o homem deseja reproduzir o movimento da vida. Nobre (1982)

mostra que, desde os primórdios, o homem já tinha uma preocupação em estudar o

movimento. Existem registros de desenhos rupestres nas grutas de Altamira (na

Espanha) que datam de 12000 a.C., nas quais desenhos de animais e pessoas

procuravam sugerir um movimento, dando ideia de um realismo contínuo. A

linguagem desenvolvida pela ilusão de movimento do cinema provoca no homem

sensações e emoções que se desencadeiam a partir da estética do olhar e vêm

ocorrendo desde as primeiras projeções.

O jogo de sombras do teatro de marionetes oriental é considerado um dos

mais remotos precursores do cinema. Surge, na China, por volta de 5000 a.C. e

caracteriza-se pela projeção, sobre paredes ou telas de linho, de figuras humanas,

animais ou objetos recortados e manipulados. Há um conjunto de operadores em

que um operador narra a ação e outros tocam instrumentos e movimentam as

marionetes compondo uma narrativa que quase sempre envolve príncipes,

guerreiros e dragões.

Experiências posteriores com a câmara escura (uma caixa fechada, com um

pequeno orifício coberto por uma lente) e a lanterna mágica (uma caixa cilíndrica

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iluminada a vela), constituem os fundamentos da ciência óptica, que torna possível a

realidade cinematográfica.

No século XIX, começam a surgir os primeiros ensaios de Joseph Niepce

sobre a fotografia que, no final desse mesmo século, é colocada em movimento

pelos irmãos Lumière. Auguste e Louis Lumière idealizaram o cinematógrafo em

1895, ocorrendo a primeira exibição pública em 28 de dezembro de 1895, em Paris.

Os filmes exibidos eram bem curtos, filmados em preto e branco e sem som. O

aparelho, uma espécie de ancestral da filmadora, era movido a manivela e utilizava

negativos perfurados, substituindo a ação de várias máquinas fotográficas para

registrar o movimento.

Antes das primeiras projeções públicas realizadas pelos irmãos Lumière, em

1895, o fenakistoscópio, desenvolvido pelo físico Joseph Plateauera (1832), já

maravilhava milhares de pessoas. Esse invento só pôde ser desenvolvido porque o

físico “percebeu que, para recuperar o movimento, é necessário decompô-lo em

uma série de imagens fixas quase idênticas”. (CHARLIER, 1995).

Com os irmãos Louis e Auguste Lumière, essa linguagem foi adquirindo maior

consistência e criando um meio de expressão que viria a caracterizar a maior

invenção já produzida com o nome de arte: um aparelho mecânico que capta ilusões

e desejos e se aventura a trazer, por meio de planos, de lentes e de luz, um mundo

em movimento que estabelece um diálogo possível entre a realidade e a fantasia.

Se com os Lumière essa “caixa mágica” conseguiu mover o mundo, levando

para a tela de projeção a vida, que passa a ter uma característica de espetáculo e a

ser traduzida por meio de uma linguagem documental, já com Georges Méliès (1861

– 1938) tem-se o cinema encantando o público com estórias de ficção criadas por

meio de cenários, atores, iluminação artificial e efeitos de trucagem que forneciam

ao cinema os primeiros passos para a criação de uma linguagem que seduz pela

ilusão e pela ação dramática e narrativa.

Primeiros filmes

Méliès foi diretor, ator, produtor, fotógrafo e figurinista, sendo considerado o

pai da arte do cinema.

Pequenos documentários e ficções são os primeiros gêneros do cinema. A

linguagem cinematográfica se desenvolve, criando estruturas narrativas. Na França,

na primeira década do século XX, são filmadas peças de teatro, com grandes nomes

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no palco, como Sarah Bernhardt. Em 1913, surgem, com Max Linder, que mais tarde

inspiraria Charles Chaplin, o primeiro tipo cômico e, com o Fantômas, de Louis

Feuillade, o primeiro seriado policial.

Cinema mudo

O cinema nasceu mudo, característica que tinha como principal vantagem a

universalidade: um único filme era exportado para vários países, com o custo

adicional apenas das traduções de alguns intertítulos.

Segundo Doctorow (2001):

Os primeiros cineastas aprenderam a transmitir significado sem o emprego da linguagem. Em sua maior parte, as fichas com letreiros dos filmes mudos só confiavam na inteligência não-verbal atribuída à platéia. O gênero do filme é indicado pelos portentosos letreiros de abertura. As tomadas iniciais situam o filme e identificam a época em que a ação transcorre. Uma certa cena é iluminada e a câmera toma posição para criar clima e informar à platéia como esta deve considerar o que está vendo, até que ponto a história é séria ou não, se devemos encarar os personagens objetivamente ou não, como estamos sendo solicitados a compartilhar de suas aventuras. Os componentes materiais do filme são sincronizados com seu tema. Os atores se vestem, têm cortes de cabelo ou penteados de modo a indicar a idade, classe econômica, status social, instrução e até o grau de virtude. Tais componentes são direcionados para demonstrar o estado de espírito dos personagens com atitudes ousadas, gestos, expressões faciais e movimentos dos olhos. Por causa de tudo isso, a cena tem um peso que se desenvolve sem palavras. O que se vê e se sente é um contexto demonstrativo no lugar de palavras proferidas. (DOCTOROW, 2001, p. 112).

Cinema falado

O advento do som, nos Estados Unidos, revoluciona a produção

cinematográfica mundial. Os anos 30 consolidam os grandes estúdios e consagram

astros e estrelas em Hollywood. Os gêneros se multiplicam e o musical ganha

destaque. A partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra, há um renascimento das

produções nacionais: os chamados cinemas novos.

Em 1929, o cinema falado representava 51% da produção norte-americana.

Outros centros industriais, como França, Alemanha, Suécia e Inglaterra, começavam

a explorar o som. A partir de 1930, Rússia, Japão, Índia e países da América Latina

recorriam à nova descoberta.

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ZHANG YIMOU

Natural de: X’ian, Shaanxi, China.

Nascimento: 14 de novembro de 1951.

O cineasta chinês Zhang Yimou, mestre de

cerimônia da abertura dos Jogos Olímpicos de

Pequim, é conhecido por suas epopeias

patrióticas e por projetos gigantescos. As

imagens criadas por ele mostram um espetáculo

futurista, com imensos blocos brancos em

movimento, imitando uma onda, e projeções de

luz na forma de animais nas laterais do Estádio Nacional, o Ninho de Pássaro. No

centro, um imenso pergaminho é deslocado, sobre o qual os dançarinos evoluem.

Também há um imenso globo, além de centenas de figurantes agitando bandeiras

vermelhas, enquanto outros batem tambores.

Foi revelado ainda que o espetáculo conta a longa história da China, sob as

cores de fogos de artifício, e presta uma homenagem às vítimas do terremoto de

maio, em Sichuan.

Aos 46 anos, Zhang Yimou, como a China, teve uma história difícil. Filho de

um oficial do Kuomintang, que lutou contra o Exército Vermelho durante a guerra

civil chinesa, Zhang foi obrigado a interromper seus estudos aos 16, durante a

Revolução Cultural, quando foi enviado ao campo para ser "reeducado". Durante

esse processo, trabalhou três anos em uma fazenda e sete anos em uma

tecelagem.

Após descobrir a fotografia, Zhang conseguiu se inscrever na Escola de

Cinema de Pequim, aos 27 anos e, em 1984, experimentou seu primeiro sucesso

com Chen Kaige em "Terra amarela", que conta a difícil vida dos camponeses no

norte da China.

Considerado um dos principais expoentes da quinta geração de cineastas do

Pós-Guerra, o equivalente da "Nouvelle vague", produziu "O sorgo vermelho", uma

história de amor que tem como pano de fundo a invasão japonesa do país, nos anos

de 1930. Com esse filme, conquista o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 1998,

e se torna conhecido internacionalmente.

Autor de "Adeus, minha concubina", em 1991, enfrentou a censura do

Figura 58: Cineasta chinês Zhang Yimou Fonte:www.google.com.br/article/Aleqm5hpavrkyuz91wodoke8kqonocidw

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governo, que viu na história uma crítica ao regime. Seu filme "Tempo de viver",

ganhador do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, em 1994, também

passou muitos anos na lista dos censores.

Mesmo assim, Yimou rejeita qualquer ideia de deixar o país para trabalhar no

exterior. "Não posso considerar ficar separado do país no qual eu cresci", disse ele

em uma entrevista, insistindo em que "não entendo o público estrangeiro e nem

mesmo falo inglês".

Depois de celebrar o indivíduo, ele se dedica a grandes projetos, lançando-se

nos filmes de sabre tradicional, com Herói, a história do primeiro imperador da

China, antes de filmar Cidade Proibida, cuja produção teve o mais importante

orçamento do cinema chinês.

Filmografia

1987 - O sorgo vermelho (Hong gao liang)

1991 - Lanternas vermelhas (Da hong deng long gao gao gua)

1992 - A história de Qiu Jú (Qiu Jú da guan si)

1994 - Tempo de viver (Huozhe)

1999 - Nenhum a menos (Yi ge dou bu neng shao)

2001 - Happy times (Xingfu shiguang)

2002 - Herói (Ying xiong)

2004 - O clã das adagas voadoras (Shi mian mai fu)

2005 - Um longo caminho (Qian li zou dan qi)

2006 - A maldição da flor dourada (Man cheng jin dai huang jin ji)

2008 - Abertura e encerramento das Olimpíadas

Prêmios

Ganhou dois prêmios no British Academy of Filme and Television Arts

(BAFTA) de melhor filme estrangeiro por Lanternas vermelhas (1991) e

Tempo de viver (1994).

Recebeu duas indicações no Independent Spirit Awards de melhor filme

estrangeiro por Lanternas vermelhas (1991) e A história de Qiu Jú (1992).

Recebeu uma indicação ao Prêmio Bodil de melhor filme não americano

por Nenhum a menos (1999).

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Ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Cannes por Tempo de

Viver (1994).

Ganhou o prêmio ecumênico do júri no Festival de Cannes por Tempo de

viver (1994).

Ganhou o grande prêmio técnico no Festival de Cannes por Operação

Xanghai (1995).

Ganhou duas vezes o Leão de Ouro no Festival de Veneza por A história

de Qiu Jú (1992) e Nenhum a menos (1999).

Ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza por Lanternas vermelhas

(1991).

Ganhou o prêmio Lanterna Mágica no Festival de Veneza por Nenhum a

menos (1999).

Ganhou o prêmio Sergio Trasatti no Festival de Veneza por Nenhum a

menos (1999).

Ganhou o prêmio UNICEF no Festival de Veneza por Nenhum a menos

(1999).

Ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim por O sorgo vermelho

(1987).

Ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Berlim por O caminho para

casa (1999).

Ganhou o prêmio ecumênico do júri no Festival de Berlim por O caminho

para casa (1999).

Ganhou o prêmio Alfred Bauer no Festival de Berlim por Herói (2002).

Ganhou o prêmio de melhor filme – Voto Popular – no Sundance Film

Festival por O caminho para casa (1999).

Ganhou o prêmio de melhor filme – Voto Popular – na Mostra de Cinema

de São Paulo por Nenhum a menos (1999).

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ERWIN PANOFSKY

Erwin Panofsky nasceu em Hannover em 1892, graduou-se em 1914 na

Universidade de Friburgo, depois de estudar nas Universidades de Berlim, Munique

e Friburgo. Em 1916, casou-se com Dora Mosse, também historiadora de arte. Em

1924, aparece a primeira de suas grandes obras, Ideia, que tratou da história das

ideias na história da arte. Sua carreira em história da arte levou-o a lecionar nas

universidades da Alemanha de 1920 a 1933. Ele também esteve envolvido na

organização de concertos de música de câmara, especialmente de Mozart. Durante

esse período, Panofsky começou a desenvolver a abordagem iconológica à história

da arte em suas conferências e publicações, destacando sua preocupação com o

conteúdo em contraposição à forma e análise estilística.

Panofsky analisou filmes de uma maneira completamente nova. Do cinema,

disse ele, “não foi uma expressão artística que deu origem à descoberta e

aperfeiçoamento gradual de uma nova técnica, mas sim uma invenção técnica que

deu origem à descoberta e perfeição progressiva de uma nova arte”. Ele teve um

papel importante na obtenção de apoio para a criação de um departamento de

cinema do Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1934. Dois anos mais tarde,

Panofsky emitiu uma palestra sobre o cinema no Metropolitan Museum of Art, e foi

coberto pela Nova York Herald Tribune de sua “aparentemente sem precedentes e

bastante surpreendente legitimação cultural do cinema” como arte.

Abandonou a Alemanha quando os nazistas tomaram o poder em 1933, por

ser de ascendência judia, e instalou-se nos Estados Unidos, para onde havia viajado

como professor convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos

Avançados da Universidade de Princeton (1935-1962), mas também trabalhou nas

universidades de Harvard (1947-1948) e Nova York (1963-1968). Morreu no ano de

1968.

CHARLES S. PEIRCE

Charles S. Peirce (1839 – 1914). A tentativa mais elaborada e mais decidida

de explicação dos sinais e seu significado foi, de longe, a do lógico norte-americano

Peirce. Cientista, matemático, historiador, filósofo e lógico, é considerado o fundador

da moderna semiótica. Graduou-se com louvor pela Universidade de Harvard em

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Química, fez contribuições importantes no campo da biologia, psicologia,

matemática, filosofia e geodésia. Peirce, como diz Santaella (1983), foi um

“Leonardo das ciências modernas”. Peirce foi o enunciador da tese anticartesiana de

que todo pensamento se dá em signos, na continuidade dos signos, do diagrama

das ciências, das categorias do pragmatismo.

Ao morrer, em 1914, Peirce deixou doze mil páginas publicadas e noventa mil

páginas de manuscritos inéditos. Os manuscritos foram depositados na

Universidade de Harvard. Caso raro na filosofia contemporânea, a filosofia de Peirce

constituiu-se em um sistema no qual a lógica, a ética, a estética, a metafísica,

formam uma unicidade que não permite entender uma sem as outras.

Num artigo datado de 14 de maio de 1867, Peirce definiu Lógica como a doutrina

das condições formais da verdade dos símbolos, isto é, da referência dos símbolos

aos seus objetos. Mais tarde, quando reconheceu que a ciência consiste em

inquérito, não em doutrina, sendo a história das palavras a chave para o significado

delas, acabou se apercebendo, como escreveu em 1908, que para o estudo da

“referência geral dos símbolos aos seus objetos ver-se-iam obrigados a realizar

também pesquisas das referências em relação aos seus interpretantes, assim como

de outras características dos símbolos e não só dos símbolos, mas de todas as

espécies de sinais. Por isso, atualmente, o homem que pesquisa a referência dos

símbolos em relação aos seus objetos será forçado a fazer estudos originais em

todos os ramos da teoria geral dos sinais”. Essa teoria tem o nome de semiótica e os

seus aspectos essenciais foram desenvolvidos num artigo da revista Monist (1906),

sob o título de Prolegomena to an Apology for Pragmaticism.

LIEV S. VYGOTSKY

Liev S. Vygotsky (1896 – 1934), professor e pesquisador, foi contemporâneo

de Piaget, nasceu em Orsha, na Bielorússia. Viveu na Rússia, sendo uma das

figuras mais importantes da escola psicológica russa.

Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como

resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da

aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua questão central é a aquisição de

conhecimentos pela interação do sujeito com o meio, especialmente no que se

refere “ao estudo do papel dos signos”, que se constitui no direcionamento para

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estudar o comportamento humano.

As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conhecimentos

remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo

de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização.

Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores com internalização

mediada pela cultura.

O que impressiona na obra de Vygotsky é a diversidade. Ele tentou reunir

todos os aspectos das condutas humanas numa abordagem explicativa de conjunto,

ou seja, a elucidação dos fenômenos segundo o modelo das ciências da natureza,

que depende da explicação que está ao longo da história e desenvolvimento social

do homem. Logo, para a cultura educacional humana, não é tão essencial apenas a

existência dos signos externos que direcionam o comportamento, mas também a

transformação gradual desses signos externos e internos.

Vygotsky dedicou dez anos de sua atividade científica (de 1915 a 1925) ao

estudo dos problemas da crítica das artes e da literatura, da estética e da psicologia

da arte. A atenção voltada para a natureza simbólica da imagem artística foi levando

Vygotsky a evoluir gradualmente para a elaboração de uma teoria enriquecida pelas

ideias gerais da sociologia, psicologia, fisiologia, para explicar a “função da arte”.

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GLOSSÁRIO

CULTURA

Vinda do latim, que tem o sentido de “cultivar”, significava, na antiguidade

romana, o cuidado do homem com a natureza.

A cultura é o campo instituído pela ação dos homens que agem escolhendo

livremente seus atos, dando a eles sentido, finalidade e valores na formação de um

complexo sistema de padrões comportamentais de crenças, de costumes e das

instituições sociais, transmitidos coletivamente a partir de uma sociedade. Na

realidade, sociedade e indivíduo não são antagônicos. A cultura fornece a matéria-

prima, os instrumentos técnicos que permitem aos homens agir sobre a natureza,

transformando-a, dando origem ao conjunto das produções materiais humanas que

formam o campo da cultura.

Pode-se, então, definir a cultura como criação de símbolos significantes,

constituindo uma ordem simbólica da lei, de sistemas de controle estabelecidos a

partir da atribuição de valores às coisas, aos humanos e suas relações. Os símbolos

surgem tanto para representar como para interpretar a realidade, dando-lhe sentido

pela presença do humano no mundo. É, portanto, a criação de uma ordem simbólica

da sexualidade, da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do

profano.

Cultura se define, pois, como criação de práticas comportamentais, ações e

instituições pelas quais os homens se relacionam entre si e com a natureza e dela

se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a (rituais, fabricação

de instrumentos técnicos ou ferramentas), formas de guerra e paz; ainda, a cultura

como criação de obras de sensibilidade e da imaginação: as obras de arte e como

criação de obras da inteligência e da reflexão: as obras de pensamento, isto é, a

ciência e a filosofia.

PENSAMENTO

Do latim pensare, que significa “ficar em suspenso, pesar, examinar, avaliar,

ponderar”. O pensamento é a tomada de consciência, a capacidade de refletir sobre

os dados reunidos pela experiência, pela percepção, pela imaginação, pela

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memória, pela linguagem, a fim de compreender os fenômenos cognitivos e

possibilitar a elaboração de conceitos.

Ao pensar, células neurais são ativadas num processo mental no qual o

cérebro, ou seja, os neurônios transformam impulsos elétricos e bioquímicos em

imagens, dando uma representação conceitual na qual a imagem participa como

auxiliar simbólico. Então, o que vem da percepção sensório-motora, da imaginação e

da memória é colocado em movimento. Apreende-se o sentido das palavras,

estabelecem-se relações e comparações para obter significações, algumas vindas

da experiência sensível, outras do raciocínio, outras formadas pelas relações entre

imagens, palavras, lembranças e ideias anteriores.

CONSCIÊNCIA

Capacidade humana para conhecer e para saber que sabe, que conhece. É um

conhecimento das coisas e de si, uma reflexão sobre esse conhecimento. É uma

atividade sensível e intelectual dotada da capacidade de análise e síntese, de

representação dos objetos por meio de ideias e de avaliação, compreensão e

interpretação desses objetos por meio de juízos. É o sujeito do conhecimento. É o

homem que se reconhece como diferente dos objetos, cria ou descobre

significações, institui sentidos, elabora conceitos, ideias, juízos e teorias. Por ser

dotado de reflexão, o sujeito é um saber de si e um saber sobre o mundo,

manifestando-se como sujeito de percepção, de imaginação, de memória, capaz de

falar e pensar.

PERCEPÇÃO

É o conhecimento sensorial de formas ou de totalidades organizadas e

dotadas de sentido. É o conhecimento de um sujeito corporal para o qual a

experiência é dotada de significação mediante sua história de vida, fazendo parte de

seu mundo e de suas vivências. A percepção é, assim, uma relação do sujeito com o

mundo exterior que depende das coisas e de seu corpo. Envolve toda a

personalidade, a história pessoal, a afetividade, os desejos. Percebe-se o mundo

qualitativamente (cores, formas, sabores, texturas, sons, etc.), afetivamente (amado

ou odiado, prazeroso ou doloroso, etc.) e valorativamente (bom ou mau, belo ou feio,

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etc.). Assim, a percepção oferece um acesso ao mundo dos objetos práticos e

instrumentais, orientando para a ação cotidiana e para uma forma de conhecimento

e de ação fundamental nas artes, capazes de criar uma “outra realidade”, como no

teatro, na música, na pintura, no cinema.

O cérebro, além do processo perceptivo, seletivo, memoriza as informações

recebidas e seleciona os movimentos motores possíveis, visando a uma ação

prática, mas, toda percepção se prolonga em ação nascente. À medida que as

imagens, uma vez percebidas, se fixam e se alinham nessa memória, os

movimentos que as continuavam modificam o organismo, criam no corpo novas

disposições a agir. (BERGSON, 1934).

MEMÓRIA

Memória é uma atualização do passado na qual células do cérebro registram

e gravam percepções e ideias, gestos e palavras através de fatos, acontecimentos,

coisas, pessoas e relatos experienciados. Pode-se dizer que, no processo de

memorização, entram componentes objetivos e componentes subjetivos. São

componentes objetivos as atividades físico-fisiológicas e químicas de gravação e

registro cerebral das lembranças. São componentes subjetivos o significado

emocional ou afetivo do fato ou da coisa para alguém, o prazer ou a dor que este

fato ou alguma coisa produziram nesse mesmo alguém.

A memória não é um simples lembrar, mas revela uma das formas

fundamentais da existência, que é a relação com o tempo e, no tempo, com aquilo

que está invisível, o passado. A memória é o que confere sentido ao passado como

diferente do presente e do futuro, podendo permitir compreendê-lo. Memória

imaginativa e memória repetitiva: assim, progressivamente vai-se constituindo uma

experiência de uma ordem e que se deposita no corpo; uma série de mecanismos

combinados, com reações as mais numerosas e variadas às reações externas, com

réplicas todas prontas a um número continuamente crescente de interpretações

possíveis. É dessa forma que Bergson (1934) descreve o primeiro tipo de memória

como imaginando (é a memória espontânea), e a segunda como repetindo.

Das duas memórias, a primeira parece ser a memória por excelência, a

imaginativa, que está presente na imagem da memória dos sonhos, nos devaneios,

essencialmente fugidia à vontade consciente. A segunda, que os psicólogos

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estudam mais comumente, é o hábito, esclarecido pela memória. “Para evocar o

passado sob a forma de imagem, é necessário poder abstrair-se da ação presente,

saber ligar-se a todo custo ao inútil, é necessário querer sonhar. Somente o homem

é capaz de um esforço deste gênero.” (BERGSON, 1934).

É dessa forma que, para Bergson, o corpo, situado no espaço como um

centro de ação, pode, através de mecanismos cerebrais, prolongar toda a percepção

numa escolha, que implica consciência da ação motora em função do “esquema

motor” de que dispõe, ou seja, do conjunto de ações motoras que o corpo pode

absorver durante sua vida.

IMAGINAÇÃO

A imaginação é a capacidade da consciência para criar os objetos imaginários

ou objetos na forma de imagens mentais. É a atividade individual, subjetiva, que se

alimenta da materialidade do mundo real com capacidade de reelaboração,

constituindo imagens materializadas com significação. Dessa forma, pela

imaginação, é possível relacionar-se com o ausente e com o inexistente. Imaginar

um objeto é relacionar-se com a imagem desse objeto, isto é, com o objeto

existente, mas ausente, ou com um objeto ausente, porque ainda inexistente. Essa é

a capacidade criadora da imaginação, capaz de tornar ausente o que está presente,

de tornar presente o ausente e criar o inexistente. É por isso que a imaginação tem

também uma força prospectiva, isto é, consegue inventar o futuro.

LINGUAGEM

A linguagem é a forma propriamente humana da comunicação, da relação

com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.

É um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação

entre pessoas e para a expressão de ideias, valores e sentimentos. Esse sistema de

signos tem função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa. A linguagem é,

hoje, o valor social mais atuante num mundo de comunicações, em toda a extensão

de sua conceituação técnica e humana, desde a fala articulada do homem até os

enunciados simbólicos, sígnicos, de caráter prático e englobante das expressões

coletivas ou sociais resultantes do convívio e transmissão de emoções

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experienciadas pelo coletivo. Fala articulada e simbolização sonora coletiva são as

funções da linguagem, como sistema de sinais simbólicos convencionados em uma

cultura para a arte da comunicação, envolvendo a cadeia de signos: ícones, índices,

símbolos com os códigos próprios de cada época de determinada civilização.

SIMBOLISMO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO: REAL – IMAGINÁRIO – SIMBÓLICO

Real: é o plano em que acontece a existência humana, a realidade em si, e

onde o homem exerce sua ação transformadora da natureza. Ele constitui, ao

mesmo tempo, o lugar de ancoragem do homem no universo e o que é externo a

ele. Designa uma qualidade das coisas, pessoas ou acontecimentos que tenham

existência em si.

Imaginário: é o plano onde convergem os sinais emitidos pelos objetos que

povoam o real. É a realidade no homem, ou seja, a realidade interiorizada na forma

de imagens mentais que ele reelabora por sua capacidade criadora e que se tornam

parte do mundo da sua subjetividade.

Simbólico: é o plano da realidade transformada pelo homem que retorna ao

seu estado de realidade em si, mas agora em forma representativa. É o universo

criado pelo inconsciente coletivo como desdobramento do real num plano diferente

de existência que o torna significante e inteligível. Trata-se de instâncias na literatura

filosófica e psicológica, pois elas definem a natureza humana e o que o homem é

capaz de ser e fazer.

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