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SILVA, J. D. Contribuições da tecnologia na construção de material didático para sala multisseriada de escolas indígenas. Porto Seguro (BA), 2015. 68 p. Monografia (Licenciatura em Computação) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, 2015. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA BAHIA CAMPUS PORTO SEGURO CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM COMPUTAÇÃO JOSÉ DANIEL DA SILVA CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA SALA MULTISSERIADA DE ESCOLAS INDÍGENAS PORTO SEGURO – BA 2015

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SILVA, J. D. Contribuições da tecnologia na construção de material didático parasala multisseriada de escolas indígenas. Porto Seguro (BA), 2015. 68 p. Monografia(Licenciatura em Computação) – Instituto Federal de Educação, Ciência eTecnologia da Bahia – IFBA, 2015.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA BAHIACAMPUS PORTO SEGURO

CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM COMPUTAÇÃO

JOSÉ DANIEL DA SILVA

CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE MATERIALDIDÁTICO PARA SALA MULTISSERIADA DE ESCOLAS INDÍGENAS

PORTO SEGURO – BA2015

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JOSÉ DANIEL DA SILVA

CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE MATERIALDIDÁTICO PARA SALA MULTISSERIADA DE ESCOLAS INDÍGENAS

Monografia apresentada à Coordenação doCurso de Licenciatura em Computação comorequisito parcial à obtenção do grau deLicenciado em Computação pelo InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia daBahia - IFBA.

OrientadorProfessor Doutor Francisco Vanderlei Ferreira da Costa

PORTO SEGURO – BA2015

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Silva, José Daniel da.Contribuições da tecnologia na construção de material didático para

sala multisseriada de escolas indígenas / José Daniel da Silva. – PortoSeguro, 2015.

xvii, 71 f.Monografia – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da

Bahia (IFBA), Campus Porto Seguro, 2015. Orientador: FranciscoVanderlei Ferreira da Costa.

1. Educação Indígena. 2. Educação Escolar. 3. Índios Pataxó/PataxóHãhãhãe (Bahia - Brasil). 4. Tecnologia. 5. Software. 6. MaterialDidático. 7. Sala Multisseriada. I. Título.

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA BAHIACAMPUS PORTO SEGURO

CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM COMPUTAÇÃO

CONTRIBUIÇÕES DA TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE MATERIALDIDÁTICO PARA SALA MULTISSERIADA DE ESCOLAS INDÍGENAS

José Daniel da Silva

Monografia apresentada à Coordenação doCurso de Licenciatura em Computação comorequisito parcial à obtenção do grau deLicenciado em Computação pelo InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia daBahia - IFBA.

OrientadorProfessor Doutor Francisco Vanderlei Ferreira da Costa

Banca ExaminadoraProfessor Doutor Francisco Vanderlei Ferreira da CostaPresidenteProfessora Especialista Roberta Gondim BritoMembroProfessor Especialista Diogo Pereira Silva de NovaisMembro

PORTO SEGURO – BA2015

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AGRADECIMENTOS

À Deus, essência de minha força e fé.À minha mãe, Ana Rodrigues da Silva, que, com todas as dificuldades, foi importante à minhaformação moral e humana.À minha família, em especial Ednilza Soares Costa e Silva, minha esposa, por seu amor,paciência, companheirismo e apoio em minha trajetória acadêmica, compartilhando seussaberes pedagógicos e experiência docente.Ao professor Francisco Vanderlei Ferreira da Costa, meu orientador em tantos momentos(PIBIC, PET e TCC), pelo constante auxílio, incentivo e otimismo na confecção destetrabalho.Aos professores e professoras das disciplinas técnicas, por validarem e ampliarem os meusconhecimentos tecnológicos, e das disciplinas de humanidades, por me apresentarem aomundo dos teóricos da educação e me motivarem a seguir a carreira docente.Ao GETI (Grupo de Estudos em Temática Indígena), representado por João Veridiano FrancoNeto, por me inserir em um novo mundo de pesquisa e discussão de temáticas indígenas epermitir participar, como autor, da publicação do livro Multiverso Indígena – abordagenstransdisciplinares.À PRPGI (Pro-reitoria de Pós-Graduação, Graduação e Inovação) por oferecer, em conjuntocom a FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia), o ProgramaInstitucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC). À Licenciatura Intercultural Indígena do IFBA campus Porto Seguro, por oferecer o programaPET Conexões de Saberes, do qual participo como bolsista e, após a graduação, continuareiparticipando como voluntário.Ambos os programas, PIBIC e PET, colaboraram para meu crescimento acadêmico e pessoal,oferecendo complementações ao curso de Licenciatura, tornando-me mais consciente ehumano no exercício da docência.Aos parceiros da iniciativa GoF (Group of Four), pela amizade, companheirismo e por dividircomigo as aspirações de lutar por uma educação com mais qualidade.Aos amigos, colegas, professores, que direta ou indiretamente, contribuíram para a minhaformação acadêmica e humana.

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RESUMO

As lutas dos povos indígenas no Brasil vão além do reconhecimento étnico e da regularizaçãodos seus territórios tradicionais. Nos últimos anos, essa luta tem abrangido também aeducação, gerando uma crescente demanda por uma educação escolar indígena diferenciada,de qualidade e autônoma. Essa educação demanda que a legislação seja cumprida, garantindoque seus professores indígenas sejam devidamente formados em suas especificidades, seucontexto sociocultural seja respeitado, a escola indígena seja realmente diferenciada, e que ospovos indígenas tornem-se participantes da sociedade brasileira. Este trabalho apresenta umadas demandas da escola indígena diferenciada, que é a elaboração de material didáticoespecífico ao contexto sociocultural, cuja demanda é grande, mas há poucas iniciativas parasupri-la, inclusive por parte governamental. Também analisa a iniciativa PET Conexões deSaberes, projeto cujo objetivo é a elaboração de material didático para sala multisseriada deescola indígena, e as contribuições da tecnologia na elaboração desse tipo de material.Apresenta como resultados das análises, os processos que vem ocorrendo na execução doprojeto, o uso que se faz da tecnologia como apoio nesses processos, os conhecimentosconstruídos pelo autor enquanto graduando da Licenciatura em Computação e bolsista doPET, e, por fim, propõe um modelo de elaboração, através de fases, que considera os papeisdos professores indígenas, da tecnologia e da comunidade indígena em todo o processo deautoria.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Indígena. Educação Escolar. Índios Pataxó/Pataxó Hãhãhãe(Bahia – Brasil). Tecnologia. Software. Material Didático. Sala Multisseriada.

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ABSTRACT

The struggles of indigenous peoples in Brazil go beyond ethnic recognition and regularizationof their traditional territories. In recent years, this fight has also covered education, creating agrowing demand for a differentiated indigenous education, with quality and autonomy. Thiseducation demands that the law is enforced, ensuring that indigenous teachers are properlytrained in their specificities, their sociocultural context is respected, the indigenous schoolbecomes really different and that indigenous people become participants of Brazilian society.This paper presents one of the demands of differentiated indigenous school, which is theelaboration of specific educational material to the sociocultural context whose demand isgreat, but there are few initiatives to supply it, including by government. It also analyzes thePET Knowledge Connections initiative, a project aimed at the development of teachingmaterial for classrooms at indigenous school and the contributions of technology in thepreparation of this material. This work presents as results of analysis the processes that haveoccurred in the execution of the project, the use made of technology to support theseprocesses, the knowledge built by the author while graduating from Degree in Computer andfellow of PET. Finally, it proposes a development model, through stages, which considers theroles of indigenous teachers, technology and indigenous community throughout the authoringprocess.

KEYWORDS: Indigenous Education. Scholar Education. Indian Pataxó/Pataxó Hãhãhãe(Bahia – Brazil). Technology. Software. Handouts. Classrooms.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Guia CAPEMA de materiais didáticos e paradidáticos em línguas indígenas.........30Figura 2 – Escolas Pataxó Hãhãhãe Caramuru Paraguacu e Pataxó Pé do Monte...................46Figura 3 - Professores Pataxó Hãhãhãe elaborando material didático......................................47Figura 4 - Exemplo de material manuscrito e ilustrações.........................................................48Figura 5 - Imagens do Laboratório Intercultural Indígena do IFBA........................................48Figura 6 - Exemplo de material manuscrito..............................................................................49Figura 7 - Exemplo de material digitado..................................................................................50Figura 8 - Exemplo de material diagramado.............................................................................50Figura 9 - Exemplo de ilustrações indígenas em livros acadêmicos........................................51Figura 10 - Área de trabalho do Adobe InDesign com um dos livros em diagramação...........54Figura 11 - Exemplo de ilustração criada diretamente na interface do InDesign.....................54Figura 12 - Exemplo de ilustração feita a mão livre (com mouse) no software GIMP.............55Figura 13 - Tela de exemplo do software Scribus.....................................................................56Figura 14 - Imagem da mesa digitalizadora Wacom Intuos Pro...............................................57Figura 15 - Mesa Digitalizadora Wacom Cintiq 13HD Pen.....................................................58Figura 16 - Processo de criação de material didático impresso para EaD................................59Figura 17 - Modelo de processo de elaboração de material didático para escola indígena......61

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Resultado de pesquisa no site do MEC....................................................................29Tabela 2 - Resultado de pesquisa no Google Acadêmico.........................................................31Tabela 3 - Escolas com turmas multisseriadas no estado da Bahia..........................................36

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPEMA - Comissão Nacional de Apoio a Produção de Materiais Didáticos IndígenasEPUB - Eletronic PublicationFNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da EducaçãoIFBA – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da BahiaIFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do NorteMEC – Ministério da Educação e CulturaPDF - Portable Document FormatPET – Programa de Educação TutorialPIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação CientíficaPIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à DocênciaPNE – Plano Nacional de EducaçãoPNLD – Plano Nacional do Livro DidáticoPPCLC - Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em ComputaçãoSEB - Secretária de Educação BásicaSECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e DiversidadeSEF - Secretaria de Educação FundamentalTCC – Trabalho de Conclusão de CursoTIC – Tecnologias da Informação e ComunicaçãoUFGD – Universidade Federal da Grande Dourados

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SUMÁRIO1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................191.1 Contextualização e motivação............................................................................................191.2 Objetivos.............................................................................................................................20

1.2.1 Geral.............................................................................................................................201.2.2 Específicos....................................................................................................................20

1.3 Metodologia........................................................................................................................212. MATERIAL DIDÁTICO....................................................................................................232.1 Livro didático......................................................................................................................232.2 Livro para comunidades indígenas.....................................................................................262.3 Educação escolar indígena e sala multisseriada..................................................................312.4 Tecnologia e educação em comunidades indígenas............................................................382.5 Novos currículos e educação indígena................................................................................403. MATERIAL DIDÁTICO PARA ESCOLAS INDÍGENAS: UMA PROPOSTA DE AUTONOMIA APOIADA NO PET......................................................................................443.1 Processos de elaboração de material didático por docentes indígenas autores...................453.2 Ferramentas tecnológicas utilizadas nos processos de elaboração dos livros didáticos. .52

3.2.1 Software de design........................................................................................................533.2.2 Outras ferramentas......................................................................................................56

3.3 Modelo de elaboração de material didático baseado na experiência do PET....................584. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................63REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................65ANEXOS..................................................................................................................................69

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1. INTRODUÇÃO

O Curso de Licenciatura em Computação, muito mais que formar um professor, forma umprofissional que fará uso de suas habilidades de forma interdisciplinar e transdisciplinar,preparando-o para atuar não somente em uma área específica, a tecnologia, mas tambémcomo mediador/agregador/disseminador da tecnologia com as demais disciplinas (linguagem,ciências, matemática, etc.). Em seu Projeto Pedagógico, o perfil do egresso da Licenciaturaem Computação tem definidas as seguintes características: formação sólida para associaçãoentre os conceitos/saberes computacionais e conceitos/saberes pedagógicos; capacidade deempregar avanços e inovações tecnológicas na educação, construindo, administrando etransformando o processo de ensino-aprendizagem; qualificação para atuação docente emcomponentes curriculares associados à Computação em cursos do Ensino Básico, Técnico eTecnológico; competência e habilidade em selecionar, empregar e participar dodesenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TICs) no contextoeducacional; comportamento ético para desempenho de suas atividades e cumprimento de suaresponsabilidade fortalecendo sua condição de profissional e cidadão. 1.1 Contextualização e motivaçãoA necessidade desse profissional, o licenciado em computação, se torna mais evidente duranteo Estágio Supervisionado em Computação, quando o graduando tem contato com a falta dedisciplina regular de informática nas escolas, com a falta de formação tecnológica dosdocentes das demais disciplinas e com a falta de infraestrutura na maioria das escolas. Assim,a tecnologia não é utilizada como ferramenta de apoio nas práticas educativas dos docentes.Esse fato dificulta inclusive o próprio estágio, uma vez que não há disciplina na gradecurricular, sendo necessário acompanhar docentes de outras disciplinas e tentar fazer a ponteentre tecnologia e estas disciplinas, ou propor cursos de extensão respaldados pela instituiçãopara que se possa estagiar na área específica. Diante desse cenário, o licenciado emcomputação deve tomar para si a tarefa de propor e, se possível, colocar em prática asmudanças necessárias.Entre tantos cenários de atuação inter e transdisciplinar do licenciado em computação, estetrabalho de conclusão de curso (TCC) trata especificamente das salas multisseriadas e doprocesso de elaboração de material didático para este ambiente escolar, com a contribuiçãodas tecnologias da informação e comunicação (TICs).

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Partindo da perspectiva de que há uma necessidade de mudanças dos materiais didáticosinstituídos, uma vez que eles não atendem as demandas das escolas indígenas, no que serefere ao seu contexto sociocultural, o presente trabalho analisa o uso das TICs na elaboraçãode material didático em formato de livro impresso, o qual está sendo construído dentro de umprojeto do Programa de Educação Tutorial (PET).O material didático elaborado pelos docentes indígenas atenderá aos dois primeiros ciclos doensino fundamental - primeiro ao quinto anos – e abrange, inicialmente, a área de Linguagem,devendo se expandir para as outras áreas. Os materiais didáticos impressos têm especialdestaque no processo de interação entre os professores (autores) e os alunos (leitores),diminuindo assim a distância que há entre os atores do processo educativo. No contexto dasala multisseriada em escola indígena, os docentes precisam planejar materiais criativos esensíveis ao seu contexto étnico e que por sua vez priorizem uma linguagem que estabeleçauma interação efetiva com os alunos no processo de ensino e aprendizagem.Ao considerarmos o papel que a tecnologia tem exercido ao longo dos últimos anos nocontexto educacional, pretende-se ampliar o debate sobre a produção de conteúdospedagógicos, com contribuição das TICs. Esta monografia acompanha o processo deelaboração de material didático feito manuscritamente pelos docentes indígenas, suadigitalização, sua diagramação em formato de livro e a elaboração de um modelo específicode fases de elaboração de material didático, que poderá ser proposto a outras escolas. Estetrabalho se propõe, assim, a verificar o processo de elaboração do material didático dentro docontexto das escolas indígenas, usando para isso um viés das novas tecnologias, e verificar, inloco, as contribuições das TICs nesse processo.1.2 ObjetivosDesta forma, o presente trabalho tem como objetivos:1.2.1 GeralAnalisar as dificuldades enfrentadas na implantação de escola indígena diferenciada eautônoma.1.2.2 Específicos

a) discutir o referencial teórico a respeito de educação indígena, escola indígenadiferenciada, sala multisseriada em escola indígena e elaboração de material didáticoespecífico;

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b) demonstrar as contribuições da tecnologia no processo de elaboração de materialdidático para sala multisseriada, de acordo com o projeto PET Conexões de Saberes e;

c) contribuir com o processo de elaboração de material didático indígena, propondo ummodelo de elaboração de material didático para escola indígena, a partir da experiênciade campo.

1.3 MetodologiaEm consonância com o Manual e Regulamento Geral do Trabalho de Conclusão de Curso doInstituto Federal da Bahia, Campus Porto Seguro, aprovado pelo Colegiado do Curso deLicenciatura em Computação, o presente trabalho está inserido na área de concentração“Prática do ensino de Computação”, e foi desenvolvido dentro das linhas de pesquisa“Educação Escolar Indígena” e “Construção de Material Didático”.Sua metodologia consiste em uma pesquisa de cunho etnográfico, que procura entender asquestões relacionadas ao tema educação escolar indígena, com ênfase nas demandas por seruma educação diferenciada e autônoma. Segundo André (1995), nos diversos trabalhos emcomunidades indígenas, os estudos etnográficos

permitem o entendimento e a descrição de como são veiculados ereelaborados os modos de ver e sentir a realidade e o cotidiano, seja o dacomunidade, seja o da sala de aula. Isso significa colocar uma lente deaumento na dinâmica das relações de interação que constituem o seu dia adia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificandoas estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar ecompreendendo o papel e a atuação de cada sujeito neste complexointeracional onde as ações, relações, conteúdos são construídos,reconstruídos ou modificados (apud Ferri, 2001, p. 41).

Wielewicki (2001, p.27), informa que a definição de etnografia encontrada nos dicionários (oestudo dos povos e sua cultura) é muito vaga e até mesmo os especialistas não possuem umadefinição unânime a respeito desta disciplina, mas um ponto em comum é sua origem naAntropologia. Para Wielewicki (2001, p. 27) “a pesquisa etnográfica propõe-se a descrever ea interpretar ou explicar o que as pessoas fazem em um determinado ambiente (sala de aula,por exemplo), os resultados de suas interações, e o seu entendimento do que estão fazendo”,ou dito de outra forma, é um tipo de pesquisa cujo objetivo é descrever o conjunto deentendimentos e conhecimentos específicos que são compartilhados pelos integrantes de umgrupo, e que guiam o comportamento desses indivíduos no contexto específico de suacultura.

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Neste sentido, a etnografia, como caminho metodológico, procurou estudar o contexto dassalas multisseriadas e identificar as contribuições da tecnologia nos processos de elaboraçãode material didático para uso neste tipo de sala de aula. A intenção é relatar as atividadesocorridas no processo de elaboração de material didático pelos professores e a comunidadeindígena, os artefatos tecnológicos utilizados e os resultados esperados desse trabalho. Esta monografia foi organizada em duas seções, além da Introdução e das ConsideraçõesFinais. Na primeira seção, ocorre a revisão de literatura, em que se apresenta e se discute osconceitos teóricos fundamentais acerca de educação escolar indígena, tecnologias dainformação e comunicação e a elaboração de material didático para salas multisseriadas. Nasegunda seção, ocorre a análise, em que se demonstra os trabalhos efetuados no PETConexões de Saberes e as contribuições da tecnologia na elaboração de material didático parasalas multisseriadas em escolas indígenas do Extremo Sul da Bahia. Por fim, a síntese dasprincipais conclusões, limitações, contribuições, bem como as sugestões para trabalhosfuturos encontram-se nas considerações finais.

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2. MATERIAL DIDÁTICO

Quando falamos de materiais didáticos, devemos entendê-los como artefatos incorporados aoambiente escolar, que contribuem para criar as condições em que se realizam os processos deensino e de aprendizagem. Podemos considerar, de forma geral, que tais materiais contribuemcom a mediação entre professor, aluno e conhecimento. Embora o maior representante domaterial didático seja o livro didático, a sua produção vai além deste tipo de mídia, uma vezque há diferentes suportes com diferentes funções. Os resultados da utilização de materialdidático, contudo, carecem de uma ampla avaliação para que se identifique como a presençadesse tipo de material em sala de aula contribui para o ensino e aprendizagem, especialmenteno que se refere ao livro didático.Para Garcia (2011, p. 8-10), mesmo que um material possa ser utilizado em diferentesdisciplinas, como mediadores que são, cada conteúdo precisa de um tipo específico dematerial que contribua efetivamente para que haja condições favoráveis ao ensino e àaprendizagem, e são necessárias atividades de pesquisa sobre esse tipo de material, comespecial destaque para o livro didático, para que se discuta e se compreenda a presença dosmesmos na sala de aula.2.1 Livro didáticoComo principal representante dos materiais didáticos, o livro didático tem seu lugar na culturae na memória visual de muitas gerações, e mesmo após tantas transformações ocorridas nasociedade, ainda mantém papel relevante com sua missão de mediador na aquisição econstrução do conhecimento, principalmente para as crianças, pois o mesmo tem a função dechamar-lhes a atenção e promover a leitura. Muitas vezes o livro didático é o único materialao qual o aluno tem contato e por isso a sua grande importância na formação do aluno(FREITAS; RODRIGUES, 2007). Hoje, no ambiente escolar, o livro didático divide suafunção de mediador com diversos outros materiais didáticos, tais como enciclopédias, mídiasaudiovisuais, softwares educativos, internet, etc., mas ainda assim ocupa um lugar central.Os livros didáticos, em suas variadas formas, possuem em comum os conteúdos a seremensinados bem como os caminhos a serem percorridos para tal, de acordo com suaestruturação metodológica e atividades propostas para serem realizadas com os alunos. Sãonesses materiais que muitos alunos encontram uma fonte de conteúdo, além daquele que lhe étransmitido pelo professor, tornando-se assim um material de leitura e consulta (GRUPIONI,

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1996, p. 426). Por outro lado, há professores que preferem não utilizá-los, preparando seupróprio material ou fazendo com que seus alunos copiem o conteúdo do quadro para seuscadernos. Outros utilizam-nos como fonte de pesquisa para preencher as lacunas que existemem sua formação docente. Ainda outros o utilizam como guia estrutural de suas práxiseducativa. Independente desses posicionamentos docentes, compreendemos a importância queos livros didáticos possuem em nosso ambiente escolar.No Brasil, o livro didático é gerido pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), estedesenvolvido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e pelaSecretaria de Educação Fundamental (SEF) – denominada atualmente de Secretaria deEducação Básica (SEB) -, ambos órgãos ligados ao Ministério da Educação (MEC). Hoje, oPNLD, tem como funções principais a avaliação, a aquisição e a distribuição de obrasdidáticas aos alunos do sistema público de ensino nos quatro ciclos do ensino fundamental(1ª/2ª, 3ª/4ª, 5ª/6ª e 7ª/8ª séries) (BRASIL, 1997, p. 43).A aquisição e a distribuição do livro didático ocorrem baseadas na escolha feita porprofessores e escolas, dentro de um universo definido pelos avaliadores do PNLD. O processoavaliativo, instituído em 1996, orienta-se por três critérios: a) de natureza conceitual, em queas obras devem isentar-se de erros ou indução aos mesmos; b) de natureza política, em que asobras devem isentar-se de preconceito, discriminação, estereótipos e proselitismo político ereligioso; e c) de natureza metodológica (a partir de 1999), em que as obras devem propiciarsituações adequadas e coerentes para o ensino-aprendizagem, com o desenvolvimento eemprego de procedimentos cognitivos, tais como a observação, a análise, a elaboração dehipóteses, a memorização, etc.Até 2002 os livros eram divididos quanto ao resultado de sua avaliação, recebendo asseguintes menções: a) recomendado com distinção; b) recomendado; c) recomendado comressalvas; e d) excluído, para os livros não aprovados. Com base nessa avaliação a SEFelabora um Guia de Livros Didáticos, utilizado pelas escolas e professores no tocante aescolha das obras a serem utilizadas (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2008).Como já citado, o livro didático é uma iniciativa que visa mostrar o caminho a ser percorridonos processos educativos, porém no dia a dia docente, estes fazem escolhas diferentes e outilizam não como único guia, mas, muitas vezes, como complemento dos seus própriosprocessos educativos, visto haver uma diferença entre a concepção dos que avaliam os livrosno PNLD e a sua real aplicação pelos docentes em seus diversos contextos escolares.

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Em uma pesquisa realizada com professoras da rede municipal de ensino de Belo Horizonte(MG), em relação ao uso de livros didáticos em sala de aula, Silva (2008) percebeu umapreferência pelos métodos tradicionais em detrimento dos novos livros de alfabetização quepossuem um viés construtivista1, pois a depender da formação e experiência dos professores eda realidade da sala de aula em que atuam, faz-se necessário a adoção de critériosdiferenciados em relação à aplicação dos componentes do livro didático.Para Silva (2008, p. 188-189), partindo de uma prática pedagógica considerada alternativa,professores tendem usar parcialmente os componentes do livro didático, pois alguns destescomponentes podem ser considerados inadequados para a prática do docente. Assim, o livrodidático não é de todo preterido, mas passa a ocupar o papel de complemento de uma práticapedagógica firmada na experiência e no contexto da sala de aula, que incluem a elaboração dematerial próprio, outros materiais impressos, tais como livros de literatura, jornais, revistasetc. e atividades criadas conforme as necessidades de aprendizado dos alunos.Dessa forma, através de um movimento em torno de critérios próprios de seleção por partedos docentes, vemos que a proposta inicial do livro didático é deslocada de seu contextooriginal, proposta esta que é ressignificada em sala de aula e reposicionam o livro didático emrelação a outros materiais. Essa ressignificação representa um rompimento com a ordenaçãodos passos de ensino e aprendizagem constantes no livro didático, que dá lugar a avaliaçãodos próprios docentes de acordo com a sua experiência diária e com a avaliação dedesempenho de seus alunos, ou seja, os docentes efetuam uma certa “reavaliação” do livrodidático, adequando-o, em conjunto com outros materiais, às suas práxis pedagógicas.

Assim, podemos dizer que as formas de uso dos livros didáticos que trazemnovidades pedagógicas para o professor são imprevisíveis, porque osprofessores usam de competências, de conhecimentos e de intuição, advindasdas práticas de sucesso. Poderíamos dizer que existem tantas práticas dealfabetização quantos são os professores alfabetizadores (SILVA, 2008, p.202).

Do ponto de vista das comunidades indígenas, a discussão a respeito do livro/materialdidático assume outra perspectiva, que apresentaremos na seção a seguir.

1  Na concepção construtivista, o enfoque se dá na construção de novos conhecimentos e maneiras de pensar, queocorrem mediante a exploração e a manipulação ativa de objetos e ideias, abstratas ou concretas, e explicam oprocesso de aprendizagem considerando as trocas que o indivíduo realiza com o meio (SOUZA, 2006, p. 42).

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2.2 Livro para comunidades indígenasCom a promulgação da Constituição Federal em 1988, foram estabelecidos os direitos dospovos indígenas, entre eles o direito assegurado do uso de suas línguas maternas e seusprocessos próprios de aprendizagem. Dentro desse processo, da construção de uma educaçãoespecificamente indígena, surgiram diversas dificuldades, desde a questão de infraestruturaaté a construção dos espaços escolares. Mas além destes, havia a questão do “fazerpedagógico”, que envolvia a formação pedagógica dos professores indígenas e a utilização dalíngua materna, muitas vezes em processo de revitalização, nos processos de ensino e naelaboração dos materiais didáticos na língua indígena e em português, tendo como base a suaprópria cultura. Monserrat (2014, p.149-150) considera que tais materiais didáticos, construídos pelosprofessores indígenas, dividem-se em dois grupos: a) os materiais de alfabetização/pós-alfabetização em sala de aula, e; b) todos os demais tipos de materiais didáticos. No primeirogrupo (alfabetização/pós-alfabetização) temos a construção da leitura/escrita utilizando-seprincipalmente imagens e palavras em língua materna a elas relacionadas. No segundo grupo,temos os aspectos da cultura indígena, relacionados com as demais disciplinas, formandoassim uma transdisciplinaridade entre a cultura indígena e as disciplinas que fazem parte docurrículo “padrão”.Geralmente esses processos de elaboração de material didático ocorrem de forma individual,pelos docentes, e apenas em determinadas escolas indígenas. Muitas vezes tal processo deelaboração é feito de forma artesanal e sem nenhum vínculo com as instânciasgovernamentais da educação. Por vezes, esse material elaborado não é reutilizado nos anosseguintes, dando lugar a novas elaborações. A ideia de uma educação escolar indígenadiferenciada traz consigo a proposta de elaboração de material didático mais profissional, sejacom a assessoria especializada, seja pela formação didático-pedagógica do professor indígena.Após pesquisas nas literaturas a respeito da produção de material didático, ficou claro que talmaterial é produzido em comunidades específicas, não abrangendo toda a comunidadeindígena brasileira, devido a sua diversidade geográfica e cultural, falta de cumprimento dasleis e de investimento governamental, como por exemplo a criação e execução de um PNLDIndígena, como ocorre com o PNLD CAMPO (FNDE).Em sua pesquisa2 nas escolasindígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, Veras (2014) encontrou um cenário onde2  O objetivo da pesquisa foi fazer um levantamento e análise dos materiais escritos em língua Guarani para, apartir do resultado, propor a produção de material que atenda às necessidades dos Guarani e Kaiowá, de acordocom sua realidade, alcançando assim uma educação de qualidade, específica e diferenciada.

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boa parte das escolas está longe do que é proposto para uma escola indígena diferenciada,pois há falta de apoio das prefeituras, falta de apoio dos coordenadores em sua maioria nãoindígenas, falta de material didático em língua indígena, e os poucos materiais encontrados,na maioria livros paradidáticos e material criado pelos docentes em conjunto com seus alunos,geralmente não são utilizados pelos docentes indígenas. Em todas as escolas pesquisadas oslivros didáticos predominantes estão em língua portuguesa, o que desvaloriza a línguaindígena e seu ensino, contraria os direitos adquiridos, e contribui para que não se alcance osideais da comunidade. Além disso, este material tem sua origem no PNLD, que traz ummaterial didático não específico para a comunidade indígena, demasiadamente desconexo, eassim os indígenas não se reconhecem na realidade apresentada por tais livros didáticos,sendo que muitos professores os abandonam, ao perceberem que em vez de formar, pelocontrário, deformam o aluno, ao ignorar a pluralidade deste país (VERAS, 2014, p.300-301).Também, percebeu-se durante a pesquisa de Veras (2014, p.285-286), que o currículo não estásendo construído conforme a legislação, respeitando a diferença e a organização dacomunidade indígena, pois o Projeto Pedagógico é quase sempre elaborado nas secretarias deeducação dos municípios ou estado, sem que haja professores indígenas participando dasdiscussões relacionadas. Percebe-se que é necessário que cada comunidade indígena nãosomente produza, como pense na publicação de materiais didáticos, dentro de suasespecificidades, em língua indígena, para serem utilizadas em suas escolas, e estes materiaisdidáticos precisam ser produzidos levando-se em conta os processos sociohistóricos própriosde cada povo indígena, para assim tornar as práticas escolares mais eficientes e essenciais naformação do indivíduo indígena, sem que o mesmo venha deixar de ser, viver e preservar seuscostumes e crenças.Outro aspecto a respeito dos livros didáticos provindos do PNLD é a questão da retratação dospovos indígenas, geralmente de forma estereotipada e preconceituosa, o que termina porinfluenciar, desde a escola, à concepção do “índio genérico”, que a maioria das pessoaspossui. Tem ocorrido críticas por parte dos avaliadores do PNLD quanto ao papel conferidoaos indígenas nos livros didáticos de história das séries iniciais do ensino fundamental. Em2013, dos 93 livros analisados os avaliadores identificaram que tais materiaisdesconsideravam a variedade étnica e cultural desses povos, além de relegá-los apenas aoperíodo colonial, como se os mesmos tivessem deixado de existir. Em 2014, na avaliação doslivros para as séries finais do ensino fundamental as críticas se repetem. Há previsão depublicação pelo MEC, de um estudo mais abrangente a respeito das falhas de representação

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dos indígenas nos livros didáticos de história da Educação Básica, visando corrigi-las(VARGAS, 2014, p.57). Para Vargas (2014, p. 57), mesmo com a Lei 11.645/2008 queintroduziu a obrigatoriedade da inserção da temática História e Cultura Indígena no currículodas escolas públicas e privadas, o que se vê, com a análise dos avaliadores do PNLD, é que háuma grande diferença entre a obrigação de tratar os temas e a forma como são abordados.Com a constante representação dos povos indígenas como seres que andam nus na mata,moram em ocas e tabas, falam tupi, não possuem escrita e não são afeitos ao trabalho, reforça-se a imagem do “índio genérico” (GRUPIONI, 1996; VARGAS, 2014).Para Grupioni (1996, p. 423), como resultado das análises feitas em 1994 pelos avaliadores doMEC em 60 livros de Estudos Sociais da 1ª a 4ª séries, “os livros didáticos continuam semostrando deficientes, empobrecedores, generalizantes, muitas vezes desatualizados emarcados por erros conceituais, estereótipos e preconceitos”. E ainda:

Os livros didáticos produzem a mágica de fazer aparecer e desaparecer osíndios na história do Brasil. O que parece mais grave neste procedimento éque, ao jogar os índios no passado, os livros didáticos não preparam osalunos para entenderem a presença dos índios no presente e no futuro. E istoacontece, muito embora as crianças sejam cotidianamente bombardeadaspelos meios de comunicação com informações sobre os índios hoje. Destemodo, elas não são preparadas para enfrentar uma sociedade pluriétnica,onde os índios, parte de nosso presente e também de nosso futuro, enfrentamproblemas que são vivenciados por outras parcelas da sociedade brasileira(GRUPIONI, 1996, p. 429-430).

Um exemplo dado por Vargas (2014, p. 58) sobre como tais representações podem influenciarna construção da imagem indígena é a fala do professor Neimar Machado de Souza, professorda Universidade da Grande Dourados (UFGD), que relata que em Campo Grande há cerca de15 mil índios urbanos ao mesmo tempo que nas escolas se ensina que tais índios vivem noprofundo da floresta em comunhão com a natureza.Santos, Martins e Saraiva (2011, p.5) mostram que uma ação importante, para mudar essequadro, tem sido a publicação de materiais didáticos construídos nos momentos de formaçãode professores, tendo como referência a prática pedagógica das diversas escolas indígenas,respeitando e valorizando o potencial artístico e literário dos docentes. Para os autores, açõesdesse tipo têm como objetivo o fortalecimento da cultura dos povos, que é elementofundamental na construção de um projeto de escola indígena diferenciada, específica,comunitária, e que contemple a interculturalidade e a diversidade, além de cumprir funçõesimportantes como: possibilitar aos alunos o acesso a material específico concernente a suacultura, fortalecer a reafirmação cultural; fornecer subsídio imprescindível ao professor na

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organização pedagógica do processo ensino aprendizagem; reunir elementos básicos parafortalecimento, valorização e divulgação da cultura dos povos; e dar visibilidade àcompetência dos professores, atores e autores do processo educativo. Contudo, além danecessidade de material didático para escolas indígenas, tais matérias precisam também ser nalíngua materna, quando esta está em uso na comunidade.Uma busca realizada no portal do Ministério da Educação e Cultura (MEC), utilizando-secomo palavra-chave o termo “material didático” e como tema específico o termo “educaçãoindígena”, levando em consideração apenas os resultados relevantes, ou seja, que tratavamespecificamente de material didático, obteve os seguintes resultados:

Tabela 1 - Resultado de pesquisa no site do MEC.Título Resumo AnoLivros valorizam culturaindígena

Obras em línguas maternas e bilíngues, com tiragem entremil e dez mil exemplares, abordam a cultura, a história,calendário de plantio, caça, pesca e festas, conhecimentosmatemáticos e de plantas medicinais, culinária, escrita,fala.

2008

Escolas indígenas recebem livros

Série de 42 livros produzidos por professores nos cursos deformação.

2008Obras valorizam cultura indígena

Produções nas línguas maternas, em português ou bilíngue,financiadas com recursos do Ministério da Educação, quesomam 36 livros, sete CDs e um DVD.

2007

Cotidiano enriquece material didático de comunidades indígenas

Material pedagógico preparado para a comunidadepotiguar, da Paraíba. São rituais típicos da tribo, que serãoestudados e discutidos pelos alunos nas escolas.

2006

Projeto desenvolve material didático para indígenas no Acre O Ministério da Educação destinou mais de R$ 23 milhões

para a educação escolar indígena, a serem investidos esteano. [Parte] dos recursos permitirão também a formaçãoinicial ou continuada em nível médio de mais de quatro milprofessores e 18 projetos de produção de material didáticoespecífico (livros, CDs e DVDs) de autoria indígena.

2006

Aprovados projetos paramaterial didático indígena

O MEC, em parceria com organizações indígenas,secretarias estaduais de educação, ONGs de apoio aospovos indígenas e grupos de pesquisadores e especialistasde várias universidades, está implantando uma política paraprodução dos materiais didáticos específicos para asescolas indígenas.

2005

Professores indígenas selecionam material didático para escolas 2.228 escolas indígenas do país receberão em 2006, CDs,

DVDs, vídeos, mapas, jogos e cartazes, como parte domaterial didático a ser utilizado durante as aulas para os147 mil alunos do ensino básico.

2005

Fonte: Pesquisa realizada no site do MEC.

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Os demais resultados se referiam a criação de territórios etnoeducacionais, criação de cursosde licenciatura indígena, debates a respeito de educação indígena, projetos para educaçãoindígena, edital para recebimento de propostas de material didático etc. Todos eles citam emalgum momento a questão do material didático indígena como necessidade educacional, masnão especificamente projetos aprovados para tal. Analisando os resultados da busca percebe-se que posteriormente a 2008 não há nenhum resultado que trate especificamente daelaboração e distribuição de material didático, embora temas como a criação de licenciaturasindígenas, territórios etnoeducacionais e debates a respeito da educação indígena tenhamresultados nos anos de 2011 a 2013. É importante enfatizar que a busca pode obter outrosresultados de acordo com a palavra-chave utilizada e o tipo de busca (por frase exata ou porpalavras), mas alterando a palavra-chave para “elaboração de material didático”, por exemplo,obtém-se apenas um resultado, referente a criação de um território etnoeducacional no estadode Pernambuco.Ao realizarmos uma busca na internet, pela Comissão Nacional de Apoio a Produção deMateriais Didáticos Indígenas (CAPEMA), citada em alguns dos resultados da busca anterior,encontramos uma espécie de guia, datado de 2008, que apresenta ao longo de 51 páginasmateriais didáticos e paradidáticos em línguas indígenas (livros, CDs e DVDs) produzidoscom o apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade doMinistério da Educação (Secad/MEC) no período de 2003-2008. As obras são apresentadascom uma breve descrição e a imagem de sua capa.

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Figura 1 - Guia CAPEMA de materiais didáticos e paradidáticos em línguas indígenas.

Fonte: Site do MEC3

Uma nova busca realizada no site Google Acadêmico4, com termos relativos a este trabalho,resultou em uma grande quantidade de artigos, teses, livros e outras publicações acadêmicas,conforme se verifica na tabela 2.

Tabela 2 - Resultado de pesquisa no Google AcadêmicoTermo ResultadoEducação escolar indígena 37.900Material didático indígena 22.000Formação de professores indígenas 49.100Sala multisseriada em escola indígena 1.210

Fonte: Google Acadêmico.

Isso denota que na área de temática indígena há grande produção de estudos, desde artigos atéteses, relatos de casos, programas e projetos específicos etc., o que nos assegura quemudanças estão sendo propostas e que a luta pelos direitos dos povos indígenas continua viva.3  Disponível para download em http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/indigena/didatico_indigena.pdf4  Segundo sua própria definição “O Google Acadêmico fornece uma maneira simples de pesquisar literaturaacadêmica de forma abrangente. Você pode pesquisar várias disciplinas e fontes em um só lugar: artigosrevisados por especialistas (peer-rewiewed), teses, livros, resumos e artigos de editoras acadêmicas, organizaçõesprofissionais, bibliotecas de pré-publicações, universidades e outras entidades acadêmicas. O Google Acadêmicoajuda a identificar as pesquisas mais relevantes do mundo acadêmico”. Disponível emhttp://scholar.google.com.br/intl/pt-BR/scholar/about.html

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Considerando as diversas iniciativas acadêmicas Brasil a fora, entendemos que a iniciativa deelaboração, de material do tipo livro didático, está no campo interdisciplinar, ao conjugar nosprocessos de elaboração as áreas de Pedagogia, Linguística e as Tecnologias da Informação eComunicação (TICs). As TICs serão aplicadas no que concerne à pesquisa, criação gráfica,diagramação e outras atividades relacionadas ao processo, que vai desde a concepção domaterial pelo professor conteudista até a impressão do material em gráfica. Além disso, háainda a questão do subsídio para tal empreitada, através do fomento de bolsas e para a própriaimpressão do material didático e sua distribuição. Os processos envolvidos nessa iniciativaserão abordados na terceira seção.2.3 Educação escolar indígena e sala multisseriadaA educação escolar indígena não pode estar dissociada da autonomia, que não significa estardesvinculada do Estado, mas que este deve aceitar os processos próprios de construção bemcomo uma gestão diferenciada, uma vez que tal educação precisa ser adequada àsespecificidades socioculturais. Essa autonomia deve começar pela própria formação dodocente indígena, embora os espaços de formação destes não contemplem ainda a construçãodessa autonomia, sendo o próprio currículo uma construção não indígena (NOBRE, 2009).Não chegamos ao ideal da escola indígena “pura”, pois com a formação, dos seus professores,sendo realizada em escolas tradicionais, o que ocorre é uma adaptação do currículotradicional, não indígena, por parte dos mesmos, tentando observar aquilo que é particular desuas etnias e aldeias. É possivelmente na formação continuada, direito de todos osprofissionais que trabalham na escola, que resida a possibilidade de os professoresconstruírem de fato um currículo pedagógico diferenciado e não uma adaptação pobre docurrículo tradicional com elementos adicionais de sua cultura ou de elementos folclóricos.Esta construção é coletiva e envolve não somente os docentes, mas também todos os membrosda comunidade, pois a comunidade deve relacionar-se de forma complementar e parceira coma escola (ANGELO, 2009; GADOTTI, 2010) e esta deve estar inserida na comunidade a fimde promover o projeto educativo maior da comunidade, que é a preservação de sua cultura. Sea escola não possuir este papel dentro da comunidade o que se terá é apenas uma transição dosvalores indígenas para os valores não indígenas, como já ocorreu em diversos grupos nopassado (ANGELO, 2009).Uma escola indígena e de qualidade, além da autonomia, precisa possuir também professoresbem formados e bem remunerados, além de receber apoio financeiro para aquisição de

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equipamentos tecnológicos básicos e para elaboração e publicação de materiais didáticos,especificamente livros, em língua indígena, que juntamente com outros tantos materiais(livros paradidáticos, revistas, quadrinhos etc.), contribuirão para a qualidade do ensino emsala de aula e com o auxílio ao professor bem formado (VERAS, 2014, p. 302).Uma escola indígena diferenciada cabe dentro do conceito de escola cidadã proposto porGadotti (2010), que considera que discutir a autonomia da escola é discutir a própria naturezada educação, sendo que tal autonomia é fator para desenvolvimento pessoal, conformeenfatizou a Escola Nova no final do século XIX e que, a partir de meados do século XX, estáassociada a uma concepção emancipadora da educação, ou seja, uma educação para aliberdade e feita com liberdade. A partir da década de 80, o governo adotou o discurso da administração e planejamentoparticipativos, mas foi com a promulgação da atual Constituição Brasileira que o princípio dagestão democrática do ensino público foi consagrado. Um dos exemplos apresentados porGadotti para a administração escolar autônoma é a participação comunitária, o que está deacordo com a ideia de participação da comunidade indígena no âmbito da sua escola. Para ele,existem algumas perspectivas para a autonomia da escola: a autonomia pedagógica que é acapacidade de definir o currículo da própria escola e a autonomia didática, que permite aliberdade de escolha para o docente em relação às atividades de ensino-aprendizagem. Noentanto, no Brasil, se permite pouca participação na própria organização curricular, pois amesma já vem definida pelo Conselho Federal de Educação, de acordo com ocondicionamento da LDB. Gadotti (2010) também apresenta os Conselhos de Classe, com aparticipação de pais, professores, alunos e membros da comunidade como um dos maisimportantes órgãos de uma escola autônoma (cidadã), sendo este conselho a instância deintegração escola-comunidade.A pedagogia indígena pode ser aplicada a espaços não escolares, esta é a educação indígena,tradicional, intrassocial e que acontece no contexto social em que vive o indígena, onde oensino se dá pelos atos familiares e comunitários a respeito da vida, da natureza, do meioambiente, das pessoas, do respeito ao sagrado, do provimento e uso dos alimentos, do uso daservas medicinais etc. Essa educação dispensa o acesso à material escrito e conhecimentosuniversais, típicos da educação escolar, uma vez que cada povo indígena possui formastradicionais de educação, que se caracterizam pela transmissão oral do saber comunitário. Aeducação escolar indígena, diferentemente da educação indígena, é uma forma sistemática eespecífica para a implementação da escola nas comunidades indígenas. Assim, os

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conhecimentos universais sistematizados pela escola em seus conteúdos curriculares, sãoacessados através das formas de construção do conhecimento propriamente indígenas. Não setrata aqui de uma adaptação por parte da comunidade indígena aos conhecimentos oriundos dasociedade não indígena e muito menos de uma adaptação dos conhecimentos da sociedadenão indígena ao contexto sociocultural indígena, mas sim de uma construção conjunta de umsaber intercultural, respeitando um currículo próprio dos povos indígenas (SANTOS;MARTINS; SARAIVA, 2011, p. 3).A pedagogia indígena deve ser aplicada aos conhecimentos que serão construídos através daescola, pois o saber tradicional levará para dentro dos estabelecimentos de ensino osconhecimentos indígenas, transformando-os em saberes escolares (D’ANGELIS, 2000, apudNOBRE, 2009). Nem todos os saberes indígenas, contudo, cabem no espaço escolar, poispossuem seus próprios espaços de construção e transmissão dentro da comunidade, espaçosestes que vão desde rituais, jogos, contação de histórias até brincadeiras das crianças(NOBRE, 2009). Os saberes não-indígenas não são transmitidos exclusivamente pela escola, supostamenteúnico meio de transmissão de um currículo escolar ocidental. Há conhecimentos universaisque podem ser adquiridos/acessados fora do ambiente escolar, principalmente devido a gamade meios de comunicação a que hoje temos acesso, não somente os não indígenas, como ospróprios indígenas. Os meios de tecnologia da comunicação, tais como TV, rádio, sites deinternet, CDs, DVDs etc. tão presentes na realidade não-indígena, também tem seu lugar namaioria das comunidades indígenas, fazendo parte de seu dia a dia, seja no contextocomunitário, seja no contexto da própria escola (DA SILVA, 2014, p.246).Com essa diferenciação dos saberes, indígenas e não indígenas, entendemos que os saberestradicionais, como ensinar a pescar, montar armadilhas para caça etc., não precisam do espaçoescolar para se perpetuar, caso contrário seriam transformados em conteúdo de um currículo,o que não lhes cabe. Tais saberes indígenas existem há centenas de anos e foram transmitidossem um padrão escolar, de geração a geração, o que enfatiza a não necessidade do espaçoescolar para que a comunidade conserve, construa e transmita seu conhecimento.A escola diferenciada deve deixar de ser um movimento defensivo para se tornar ummovimento ofensivo/afirmativo, a fim de se alcançar realmente o ideal da escola indígena,pois a escola diferenciada ainda se refere a um modelo não-indígena. D’Angelis (2004) temsugerido

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que a proposição da “escola diferenciada” permanece nos limites daspolíticas defensivas, quando já é hora do movimento indígena adotarpolíticas ofensivas também na educação escolar e, nesse caso, resgatar osentido de “escola indígena”, um projeto ainda não alcançado (apudNOBRE, 2009).

Uma escola que possua professores indígenas, que alfabetizam em língua indígena, mas quetodas as demais áreas - diretoria, planejamento e avaliação – são não-indígenas, não pode serconsiderada uma escola indígena diferenciada de fato, mas sim um espaço de dependência,que termina por caracterizar, erroneamente, uma suposta incapacidade dos indígenas em teruma escola indígena diferenciada. Uma das formas de se alcançar a almejada autonomia estáno comprometimento do professor indígena em sua tarefa de promover e revitalizar a língua ecultura indígenas.Uma escola indígena de fato não se preocupa com discussão a respeito de ciclos, séries etc.,visto que são uma construção curricular não-indígena, mas se preocupa com a construção deprocessos próprios, com autonomia não só dos professores para inserir elementos da culturaem suas aulas, mas também dos alunos e da comunidade, que partilham seus saberes. Assim, oideário para a escola indígena diferenciada defende que os conteúdos/saberes sejam ensinadosna língua materna, que haja conteúdos especificamente indígenas e modos próprios detransmissão do conhecimento, bem como a elaboração de currículo indígena, por sua vez umprocesso de construção constante, que tenha por base a sintonia entre escola e comunidade,tudo isso formando um projeto político-pedagógico estritamente indígena (ANGELO, 2009,p.62). Santos (2005) destaca algumas contribuições para a escola indígena diferenciada, combase em projetos realizados entre os Tupiniquim e Guarani da cidade de Aracruz (ES), entreelas: 1) fortalecimento e recuperação da língua e cultura; 2) busca da autonomia na gestão daescola indígena; 3) fortalecimento do currículo indígena; 4) participação das lideranças nasdecisões da vida escolar das aldeias; 5) resgate dos saberes da comunidade; 6) produção dematerial didático específico e 7) reconhecimento e valorização da educação indígena. Hádiversos outros pontos que podemos discutir para se alcançar o sentido de escola indígena,mas as experiências relatadas nos asseguram que se não o alcançamos, estamos, ao menos, nocaminho certo.Nobre (2005, p.83-89), considera que embora tenham ocorrido diversos avanços na educaçãoescolar indígena, também permanecem diversos impasses. Entre os avanços citados por Nobreestão o marco legal formado pela Lei nº 9.394/96 (LDBEN) tornando dever do estado a ofertade uma educação escolar bilíngue e intercultural; iniciativas de participação indígena nas

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políticas públicas; o fortalecimento de entidades representativas dos professores indígenas; aampliação de programas de formação em Magistério Indígena e Ensino Superior Indígena; oaumento da publicação de materiais didáticos específicos; e mudanças nas concepções arespeito do que é educação e do que é escola. Nobre, contudo, considera que mesmo com essagama de avanços, alguns impasses permanecem, entre os quais a ausência de políticaslinguísticas nos programas de formação de professores; as dificuldades nos processos dereconhecimento e regularização de escolas indígenas; as dificuldades de produção de materialdidático por falta de investimento entre outros.Um exemplo de escola indígena diferenciada, ou inovadora, é apresentado por Abbonizio(2013) ao relatar suas experiências durante pesquisa de doutorado, a respeito da escolaKotiria, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Neste município, 90% dapopulação é indígena, e lá vivem diversas etnias. A escola vem desenvolvendo um trabalhoque vincula as demandas e as necessidades da comunidade indígena aos objetivos escolares,ou seja, a definição de temas de estudo, de rotinas e de práticas, e também todas as decisõespassam pela aprovação da comunidade – pais, mães, alunos e docentes – que discutem edefinem os rumos que a escola deve tomar. A escola integracionista, que desrespeita osconhecimentos, a língua, a organização social e as políticas tradicionais das comunidadesindígenas, tem muito a aprender com o modelo da escola Kotiria, compreendida como umbem comunitário, que fortalece o alinhamento entre escola e comunidade. A escolarizaçãoestá sendo ressignificada pela comunidade, a despeito do modelo tradicional onde se impõe atransmissão de saberes universais, que pretensamente serão aproveitados na vida futura dosalunos. Dentro desse contexto de escola indígena diferenciada, entra em debate as salas multisseriadase as dificuldades advindas desse modelo de ensino. As salas multisseriadas são umaorganização do ensino em escolas onde o professor trabalha com várias sériessimultaneamente e existem principalmente em escolas da zona rural (MENEZES; SANTOS,2002). Esse tipo de sala não é exclusividade do Brasil, mas existem em vários outros paísescomo forma de acesso das populações rurais à educação, uma vez que a baixa densidadedemográfica dessas áreas e o baixo número de alunos dificultam a criação de turmas paraséries ou anos específicos. Segundo Scheninin (2010, p. 2), para o professor Márcio Azevedo,do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), osmaiores problemas desse tipo de educação se encontram na forma como as escolas sãoestruturadas e nas condições do trabalho docente, entre outros fatores, pois “as práticas

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pedagógicas numa turma multisseriada não podem ser concebidas, planejadas, executadas eavaliadas da mesma forma como se faz numa sala seriada, mas é isso que ainda ocorre, namaioria das vezes”, gerando sobrecarga de trabalho para o docente e no próprio processo deensino-aprendizagem. Após pesquisar o programa Escola Ativa do MEC, o professor Márcioconcluiu que o programa oferece uma “metodologia específica às escolas com turmasmultisseriadas e contribui para o desenvolvimento de práticas educativas específicas em umambiente pedagógico marcado pela diversidade” (SCHENINI, 2010, p. 3).Segundo o Censo Escolar 2011, existem mais de 45 mil5 escolas que possuem salas de aulamultisseriadas no Brasil, sendo cerca de 42 mil na zona rural e 3 mil na zona urbana. Dentreessas 45 mil escolas, 6.518 estão no estado da Bahia, divididas entre as zonas rural e urbanada seguinte forma:

Tabela 3 - Escolas com turmas multisseriadas no estado da Bahia.BAHIA

Escolas com turmas multisseriadas 6.518Escolas com turmas multisseriadas – Zona Rural 6.092Escolas com turmas multisseriadas – Zona Urbana 426

Fonte: Censo Escolar 2011.

Embora o Censo Escolar não faça distinção das escolas indígenas entre as escolasmultisseriadas da zona rural/urbana, devemos entender que estas, embora tenham algumascoisas em comum, não podem ser comparadas entre si, principalmente no que se refere asespecificidades e também ao material didático, pois as escolas do campo possuem seu próprioPNLD, mas as indígenas não.O site da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, em notícia6 publicada em 04/12/2013,informa que no intuito de subsidiar a elaboração do documento Orientações Curricularespara Classes Multisseriadas, através da Coordenação de Educação do Campo, realizaria, nacidade de Salvador, o seminário estadual “O direito de aprender nas Classes Multisseriadas”,seminário este, aberto à participação de professores, pesquisadores, técnicos da educação,gestores municipais e educadores. O documento é inédito na Bahia e objetiva trazerorientações e norteamento para a gestão administrativa e pedagógica para este tipo de escola,além fortalecer as práticas de ensino dos professores que assumem o desafio de nelas lecionar.

5  Fonte: http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/01/15/brasil-tem-mais-de-45-mil-escolas-com-turmas-multisseriadas-educadores-veem-vantagens-no-modelo.htm6  Disponível em http://escolas.educacao.ba.gov.br/noticias/secretaria-realiza-seminario-sobre-orientacoes-curriculares-para-classes-multisseriadas.

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No Sul e Extremo Sul da Bahia, as salas multisseriadas em escola indígena encontram-se nasescolas das etnias Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hãhãhãe, sendo justificadas neste contextopelos poucos alunos por série, em muitas destas comunidades. Esse contexto, reflete naexigência por parte das prefeituras para que um professor seja responsável por uma sala deaula com três, quatro, ou até mais séries. Assim, não é difícil encontrar nas escolas uma salade aula, na qual um ou dois professores são os responsáveis por lecionar para alunos de váriasséries. Contudo, tais professores ficam longe dos debates a respeito das especificidades desalas mutisseriadas e de uma formação complementar que os auxilie na escolha de umametodologia adequada para uso no processo de ensino e aprendizagem, ficando a seu encargoprocurar por conta própria alternativas que tornem o ensino mais atraente aos alunos, e muitasvezes as metodologias aplicadas não alcançam o resultado esperado tanto pela escola comopela comunidade, trazendo frustração ao próprio docente.Os docentes destas escolas geralmente encontram diversas dificuldades em sua práticaeducativa nesse tipo de sala de aula, onde a diversidade predomina e nem sempre asmetodologias empregadas levam aos resultados esperados. É necessário aprofundar o debateem torno de metodologias diferenciadas que tornem os processos de ensino e aprendizagemmuito mais produtivos, de maior qualidade nesse contexto escolar e que firmem o respeitopela diversidade, pois talvez o maior desafio enfrentado pelos professores seja ensinar nadiversidade e garantir que todos os alunos aprendam (LERNER, 2011, p.12). Para Lerner(2011, p.15), faz-se necessário que professores colaborem entre si visando tomar consciênciada diversidade e, assim, construir as condições didáticas para que todos aprendam. Para aautora, os professores precisam ousar questionar os conteúdos instituídos, desnaturalizando-ose reconceituando-os, além de examinar as práticas didáticas de forma a produzir mudanças noensino através de uma perspectiva teórica construída com base na colaboração.Na próxima seção abordaremos o papel da tecnologia nas comunidades indígenas e como elacontribui para os processos de construção e práticas educativas dos professores.2.4 Tecnologia e educação em comunidades indígenasDentro do ideário dos não-indígenas, o índio folclorizado (morando em ocas, de tanga ou nu,de arco e flecha na mão e pintado para a guerra) não pode ter nenhuma relação com osaparatos tecnológicos. Esta é uma visão distorcida que faz do índio que utiliza a tecnologiaum índio “genérico” e “não-puro”. A tecnologia, contudo, está inserida no dia a dia de muitascomunidades indígenas e de suas escolas. TVs, celulares, computadores e internet são

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componentes tecnológicos encontrados nessas comunidades, quer seja em suas casas (sejamelas ocas ou casas de madeira ou alvenaria), quer seja no ambiente escolar (na secretaria e emlaboratórios de informática). O fato de serem comunidades tradicionais não impede que acultura seja conciliada com a tecnologia, promovendo o desenvolvimento, abrindo as portaspara a aquisição de novos conhecimentos e, por exemplo, utilizando a internet para fortalecera cultura e tradição, expondo ao mundo suas histórias, costumes e crenças (DA SILVA, 2014,p. 246).Quando falamos de tecnologia, não podemos nos limitar apenas as chamadas Tecnologias daInformação e Comunicação (TICs). O termo tecnologia é bem mais amplo e abrange todos osprocessos que culminaram em processos de desenvolvimento das sociedades, incluindo aprópria educação. Da criação da roda até o computador, passando pela invenção da escrita, daimprensa e da própria informática, todas essas tecnologias geraram mudanças nas formas decomunicação e na educação, porém, mesmo com grandes transformações, muitas vezes astecnologias são considerados fatores excludentes, pois é visível a quantidade de pessoas quenão tem acesso aos indicativos mais básicos de qualidade de vida (habitação, saneamento etc),mas vivem cercadas de artefatos tecnológicos, contudo sem participar das consequências poreles provocados. Assim, essa relação humano-tecnologia torna-se mais um fator de desigualdade social. Atecnologia, contudo, está presente em todas as áreas de nossa vida, desde a produção até aeducação e o lazer. É na área educacional que a tecnologia por vezes caminha a passos lentos,pois há dificuldades diversas em relação a integração e interação das TICs com o ambienteescolar. Os chamados nativos digitais, pessoas nascidas já no contexto das tecnologiasdigitais, muitas vezes destoam das escolas e professores, que ainda utilizam métodostradicionais de ensino, por terem uma desenvoltura maior no uso de tecnologias e uma gamamaior de possibilidade de aquisição de conhecimento, que antes tinha sua origem apenas nafigura do docente. Contudo essa construção de conhecimento deve ser mediada por umdocente, visto que nem todas as fontes de aquisição de conhecimento são necessariamenteconfiáveis. Assim é necessário que o docente esteja, e seja preparado em sua formação, para o“indefinido” em relação à tecnologia. Notamos que faltam políticas públicas efetivas para queas tecnologias sejam utilizadas de forma adequada na educação além de investimento naformação continuada dos professores, abolindo o termo “capacitação” que denota“incapacidade” do docente em utilizar as TICs, para que o docente possa dar conta dasexigências dessas novas gerações digitais, pois “o professor não é responsável exclusivo pela

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sua própria formação” (CORTELLA, 2014, p. 51). Portanto, é preciso observar que não háobrigatoriedade do uso de plataformas tecnológicas no dia a dia da escola, como se tal usofosse a única forma de melhoria do ensino. Para Cortella (2014, p. 51) o trabalho do docenteserá bem feito se este souber fazê-lo, podendo ser bem feito sem a utilização decomputadores, mas também podendo ser bem feito (ou melhor) com uso de computadores.Com a formação continuada na aplicação das TICs, os professores poderão tornar-se então osmediadores entre os alunos (nativos digitais) e o conhecimento, conversando numa mesmalinguagem tecnológica. Esse é o papel da escola, cuja função de preparar cidadãos para otrabalho e para a vida, não pode ficar as margens da modernidade tecnológica da sociedade(DA SILVA, 2014, p. 252).A educação formal nas comunidades indígenas tem papel fundamental na reafirmação daidentidade étnica e na valorização das suas línguas, bem como no acesso ao conhecimento,possibilitando, assim, serem respeitados enquanto grupos étnicos diferenciados e cujosdireitos, costumes e crenças, são garantidos pela legislação. Do ponto de vista da tecnologiaem comunidades indígenas:

As tecnologias não podem ficar fora do contexto da educação indígena, poissem dúvida contribuem em muito nos processos de ensino e aprendizagem etambém nos processos de reafirmação étnica e cultural, entre eles o processode revitalização da língua no caso específico dos Tupinambá. É necessário,contudo, a adequação do uso destas tecnologias aos contextos específicos daeducação indígena em cada comunidade, assim a mediação nos processos deensino e aprendizagem fluirá respeitando sempre o contexto indígena e nãocom a imposição de teorias específicas (DA SILVA, 2014, p. 262).

2.5 Novos currículos e educação indígenaPensar em uma educação escolar indígena diferenciada é pensar em uma formação adequadapara os professores que irão dela participar. Tal formação deve acontecer nas graduações,especialmente nas licenciaturas interculturais indígenas, que são frutos das lutas destes povos.Para Ferreira da Costa (2012, p. 122-124), é nestas licenciaturas que surgem as oportunidadesde formação específicas e de qualidade aos indígenas, que são agora participantes em váriasuniversidades e institutos educacionais e demandam diversas mudanças nestes locais,principalmente no que diz respeito aos currículos, que via de regra ignoram a presençaindígena no país. Para o autor um currículo diferenciado nessas licenciaturas é imprescindível,dado as demandas específicas, além de trazer ao debate questionamentos a respeito dasmudanças que devem ocorrer nas instituições, objetivando a criação de cursos que consideremas especificidades indígenas. Segundo Ferreira da Costa, as discussões em torno da criação do

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ensino superior indígena vêm ocorrendo desde 1999, e atualmente, diversos cursos específicostêm sido oferecidos em diversas instituições e institutos, como por exemplo no InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, campus Porto Seguro. A criação dessescursos, é sem dúvida uma grande conquista das lutas empreendidas pelos povos indígenas, eque vem reforçar tanto a ampliação da oferta de educação para as comunidades indígenascomo a promoção de uma formação docente mais qualificada para atender a educação escolarindígena no ensino fundamental.Outra discussão de Ferreira da Costa é o cuidado que se deve ter com o currículo dessescursos, que devem primar pela reflexão acerca da relação entre o currículo e osconhecimentos (ocidental e tradicional) e promover entre os professores indígenas reflexões arespeito da educação que tiveram e para o que ela servirá, sem focar, contudo, as discussõesapenas na formação docente de qualidade, que embora seja importante, precisa estar ligada aoutras questões igualmente importantes para que seja então construídos novos e melhorescurrículos (NOBRE, 2009, apud FERREIRA DA COSTA, 2012; BATISTA, 2005, apudFERREIRA DA COSTA, 2012).A estrutura curricular dos cursos de Licenciatura Indígena, por suas especificidades, não tomapor padrão nenhum outro curso, e embora possuam disciplinas “regulares” encontradas emoutros cursos, estas aos poucos serão adequadas a demanda dos discentes indígenas, futuroseducadores, o que requererá um currículo novo, para um novo público.Levando em consideração os princípios de interculturalidade, da especificidade, da diferençae do bilinguismo, o currículo da educação indígena reforça os laços comunitários e osentimento étnico, além da valorização dos seus saberes e tradições. Tais princípios devempermear todas as etapas, níveis e modalidades da educação básica, e as políticas educacionaisdevem ser construídas em processos dialogados que levem em consideração não só asespecificidades socioculturais dos povos indígenas como os seus próprios projetos (SANTOS;MARTINS; SARAIVA, 2011, p. 3).Assim, o processo de criação de um novo currículo deve prezar a interculturalidade, onde oconhecimento acadêmico seja absorvido pelos discentes indígenas e ao mesmo tempo osconhecimentos tradicionais, vindos através dos sábios indígenas, de sua vivênciasociocultural, tenham seu lugar no espaço acadêmico, formando assim essa troca interculturalna construção do currículo. É dever do professor, e mais amplamente da escola, respeitar ossaberes (construídos socialmente na prática comunitária) com que os educandos chegam à

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escola, bem como discutir tais saberes em relação ao ensino dos conteúdos, aproveitando aexperiência dos alunos, e estabelecendo uma espécie de intimidade entre estes saberestradicionais e os saberes curriculares fundamentais aos alunos (FREIRE, 2013, p. 31-32),incluindo nesse processo os saberes dos sábios indígenas. Essa construção, contudo, encontrabarreiras, pois a academia valoriza o conhecimento científico, propagado por especialistas, oque dificulta a aceitação do conhecimento dos sábios indígenas dentro do ambiente escolardas licenciaturas. É preciso quebrar essa barreira, para que a interculturalidade abra novaspossibilidades de troca e construção. Para Ferreira da Costa “não basta o conhecimentoacadêmico; é necessário o conhecimento tradicional.” (2012, p. 126-127). Para aqueles queacham que o conhecimento tradicional não tem valia devido não ser algo novo, de cunhocientífico, acadêmico, diz-nos Paulo Freire (2013, p.36) que “o velho que preserva ou queencarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo”.Analisando essas dificuldades encontradas no processo de construção de um currículo novo,seja pelas especificidades de um curso intercultural (disciplinas ou componentes curriculares),seja pela burocracia estrutural acadêmica (que prende tudo a um sistema avaliativo e denotas), o que se percebe é que a luta pela construção de um novo currículo diferenciado para aeducação indígena é a oportunidade para novos debates sociais, transformadores, queproduzam diálogos com o poder instituído de forma a promover a participação dos gruposindígenas na elaboração tanto dos currículos quanto do sistema de avaliação, mesmo que issosignifique mudanças estruturais nos sistemas de controle acadêmico. O currículo não deveestar limitado por um sistema de controle, nem a uma estrutura pré-estabelecidahomogeneizada de acordo com outros cursos, pois, dessa forma, ele não pode ser consideradoessencialmente “novo” ou “diferenciado”. É necessário um currículo novo e diferenciado noscursos de licenciatura intercultural indígena para que se possa também discutir um currículonovo, diferenciado e específico para as escolas indígenas. O espaço que hoje vem sendoocupado por indígenas nas instituições de ensino, as discussões a respeito de um currículodiferenciado para cursos interculturais e para a escola indígena diferenciada, a luta dos povosindígenas por uma educação de qualidade e diferenciada, o apoio de estudiosos eorganizações nessa luta, tudo isso pode contribuir para que num futuro não muito distante sealcance essa interdisplinaridade e a participação efetiva da comunidade indígena nasociedade, não sendo mais relegados a um passado histórico (de acordo com uma visãoocidental) ou considerados como genéricos (numa visão preconceituosa).

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Para Ferreira da Costa (2012, p. 140), há uma certa insatisfação devido as dificuldadesencontradas na participação dos indígenas na universidade (cursos regulares ou interculturais),o que leva alguns grupos a pensarem em uma universidade própria, com cursos específicos esomente para indígenas, com professores majoritariamente indígenas, com currículoespecífico, o que resolveria, de certa forma, o problema de os indígenas estarem em um cursode matriz curricular homogênea ou em cursos específicos (interculturais) mas com limitaçõesem relação ao debate sobre a diversidade. Ainda

Essa visão da construção da educação pelos próprios indígenas é a luta atualnos processos de aprendizagem, entretanto, ainda é um caminho que não estásendo percorrido em sua plenitude. Em muitos povos é latente como oensino considerado pertinente pelo próprio grupo ainda necessite adaptar-seàs exigências de currículos das secretarias de educação dos municípios e dosestados. Por isso, pensar o ensino de qualidade e comprometido com aspolíticas dos próprios grupos torna-se uma tarefa difícil quando não se podepensar completamente o ensino, mas encaixá-lo em um currículo pronto(FERREIRA DA COSTA, 2013, p. 217).

Há a necessidade de um currículo novo e diferenciado, como requer a própria escola indígenadiferenciada, onde se possa alcançar os ideais de uma educação diferenciada, de qualidade eintercultural para os povos indígenas, colocando-os dentro da nossa sociedade, no presente eno futuro, e não relegando-os a um simples papel coadjuvante na história passada do Brasil.Além de um currículo novo e diferenciado, também se faz necessário a elaboração de materialdidático específico e contextual, de qualidade, de forma que os docentes indígenas garantamàs novas gerações conhecer a sua cultura, costumes e crenças e, não somente isto, preservá-lase revela-las à sociedade.Para uma educação escolar indígena diferenciada e autônoma, vários passos já estão sendodados, como a formação diferenciada de professores, através de cursos de LicenciaturaIntercultural, com novos currículos, mais próximos do que se espera para este tipo deformação. Além disso, projetos de elaboração de material didático igualmente específico parao contexto indígena estão sendo elaborados e executados. Na seção a seguir, abordaremos umdesses programas, denominado PET Conexões de Saberes.

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3. MATERIAL DIDÁTICO PARA ESCOLAS INDÍGENAS: UMA PROPOSTA DEAUTONOMIA APOIADA NO PET

Analisaremos aqui os trabalhos realizados pelo programa de extensão PET Conexões deSaberes7 do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), queproporcionou uma iniciativa para a discussão da autonomia na construção de um currículodiferenciado e de material didático específico, para escolas indígenas com salasmultisseriadas, das etnias Pataxó e Pataxó Hãhãhãe no Extremo Sul da Bahia. A análisetambém considera o uso da tecnologia nos processos de elaboração de material didático parasala multisseriadas dessas escolas.Este projeto possui atualmente a seguinte configuração: Um professor tutor, dois professoresindígenas bolsistas (um da etnia Pataxó e outro da etnia Pataxó Hãhãhãe), um discente docurso de Licenciatura em Computação como bolsista não-indígena, além de professoresvoluntários nas escolas indígenas atendidas. O Programa de Educação Tutorial (PET), projeto do governo federal para a melhoria doensino superior e da escola pública, desenvolve atividades extra curriculares que integramensino, pesquisa e extensão. O PET é formado por grupos tutoriais de aprendizagem nos quaisse desenvolvem atividades, mediante orientação de um professor tutor, que sãocomplementares à formação acadêmica e que atendam às necessidades dos cursos degraduação. No Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Computação do IFBA campus PortoSeguro, consta que o professor formado neste curso deve ser um sujeito crítico-reflexivo, cujaformação abarca movimentos de: pesquisa: com ações práticas e participação em programas(PIBIC, PIBID e PET); movimentos de problematização do contexto educacional (escolas,salas de aula e demandas vinculadas à educação); e movimentos decontextualização/percepção das possibilidades de transformação que, baseados nomovimento de problematização, buscam melhorias significativas para a escola e acomunidade em seu entorno (PPCLC, 2014, p.26-27). No contexto do curso de Licenciaturaem Computação existem as chamadas disciplinas técnicas/instrumentais e as disciplinas dehumanidades. Nas primeiras, seu caráter extremamente técnico não permite, na maioria dasvezes, a realização de discussões que liguem-nas à educação com agentes transformadores,7  Projeto coordenado (e tutorado) pelo professor Dr. Francisco Vanderlei Ferreira da Costa, professor daslicenciaturas Intercultural Indígena e Computação, do IFBA Campus Porto Seguro, registrado no SIGProj sob nº60396.322.20673.14092010.

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exceto discussões de seu viés de formação para o mercado. Cabe então as disciplinas dehumanidades (didática, sociologia, metodologia e prática de ensino, ética e cidadania,psicologia e filosofia da educação, software educacional, etc.) o papel de trazer ao debate aconvergência entre educação e tecnologia, contextualizando o uso das tecnologias dainformação e comunicação na educação como ferramentas de apoio para os processos queresultem em mudanças sociais. Os debates, quando ocorrem, nem sempre surtem efeito, pois boa parte dos alunos queingressa no curso superior possui a perspectiva de obter uma formação que os prepare apenaspara o mercado de trabalho, excluindo desse mercado o exercício da função de professor, cujaprincipal tarefa é ser agente de mudanças na educação e na sociedade. Não raro escutamosdesses alunos justificativas como “optei pelo curso por não haver outra opção” ou então “nãopretendo seguir a carreira de professor”. Assim, fica claro que tais alunos não se preocuparãodurante o decorrer do curso com o perfil crítico-reflexivo que é um dos objetivos daformação.Ao participar de movimentos (programas) de pesquisa como o PIBIC, e agora o PETConexões de Saberes, fui apresentado a um novo contexto educacional, onde percebi quepesquisar os diversos contextos onde a educação se faz, contribuiria não somente com aformação acadêmica em si (por vezes meramente instrucional) mas também com a formaçãohumana, crítica e reflexiva, de modo a tornar-me um agente de mudanças socioeducacionais,isso considerando a interdisciplinaridade entre a tecnologia (como área de atuaçãoprofissional) e a educação (como área de formação acadêmica).Com discussões anteriores a respeito de educação e revitalização de língua indígenas,ambientadas em dois anos de pesquisa PIBIC, e agora participando, desde 2013, comobolsista do programa PET Conexões de Saberes, as discussões ocorrem em torno dasdificuldades da educação escolar indígena em salas multisseriadas, que embora guardem certasemelhança com as escolas do campo, possuem suas próprias problematizações,principalmente no que se refere a falta de material didático específico para utilização nestetipo de sala de aula. Além disso, ocorre a discussão a respeito das contribuições que as TICspodem trazer durante este processo autoral de elaboração de material didático.3.1 Processos de elaboração de material didático por docentes indígenas autoresO projeto de elaboração de material didático, do tipo livro didático, proposto pelo PETConexões de Saberes, é fruto do debate empreendido pelos professores indígenas que

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lecionam neste tipo de sala de aula, e cujas preocupações abrangem desde a forma de ensinoaté a falta de apoio e pesquisas que os auxilie nessa prática. Esse projeto objetiva aelaboração, em conjunto com professores indígenas, de metodologia para o ensino em salamultisseriada nas series iniciais do ensino fundamental de escolas indígenas. A iniciativa éimportante, principalmente quando se define no Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, que “a educação indígena, de quilombolas e de populações ribeirinhas foi reconhecidacom identidades especificas e também focos de atenção especial” (Projeto de Lei do PNE, p.11). Vale ressaltar que no PNE (2011-2020) aprovado em 2014, são apresentadas 20 metas, e noescopo de algumas destas, constam muitas estratégias que abarcam temas relacionados aeducação escolar indígena, como formação especializada para professores indígenas,elaboração de material didático específico, desenvolvimento de currículos específicos,ampliação do acesso à educação superior etc. Tais estratégias são, sem dúvida, um grandeavanço em relação ao tratamento dado às comunidades indígenas, principalmente nasdiscussões a respeito de uma educação escolar indígena diferenciada e autônoma.O trabalho como bolsista do PET Conexões de Saberes iniciou-se com discussões paracontextualização das escolas indígenas, alvos do projeto, apresentação de tipos de livrosdidáticos, objetivos do projeto, procura por bibliografia a respeito da elaboração de materiaisdidáticos entre outras discussões. Paralelamente as discussões, ocorreram, por parte doprofessor tutor, visitas as escolas que fazem parte do projeto, são elas: o Colégio Estadual daAldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, da etnia Pataxó Hãhãhãe, no município de Pau Brasil; ea Escola Municipal Pataxó Pé do Monte, da etnia Pataxó, no município de Porto Seguro.

Figura 2 – Escolas Pataxó Hãhãhãe Caramuru Paraguacu e Pataxó Pé do Monte.Fonte: Google Imagens.

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Durante as visitas iniciais do professor tutor, ocorreram discussões a respeito das práticas deensino dos professores indígenas em suas salas multisseriadas, de forma a prover subsídiopara que fossem iniciados os trabalhos de elaboração dos respectivos materiais, que denominoaqui de material-base, específicos para as escolas das comunidades. Após essa fase inicial dediscussões e contextualização dos processos educativos nas escolas, as visitas posteriores,realizadas até o momento apenas pelo professor tutor, tem por objetivo recolher os materiaiselaborados por estes professores e realizar novas discussões a respeito do andamento daautoria. O material-base está sendo elaborado considerando a seguinte estrutura: um livroprincipal, denominado livro do professor, e cinco livros para alunos compreendendo os cincoprimeiros anos do ensino fundamental. No livro do professor encontram-se subsídios(informações, dicas e orientações) para que se trabalhe com os cinco livros de alunos,existindo atividades coletivas em que todos os alunos participam (leitura, movimento corporaletc.) e atividades específicas por série.

Figura 3 - Professores Pataxó Hãhãhãe elaborando material didático.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

É importante ressaltar que os materiais recolhidos nas visitas são todos manuscritos, emborahaja computadores na escola e os docentes possuam notebooks. Isso demonstra umapreferência, neste momento de autoria, por este tipo de suporte (o papel) em detrimento douso da tecnologia (editor de textos), não necessariamente por dificuldades no uso datecnologia, mas pela liberdade de concepção que o método manuscrito proporciona, ou seja,pela possibilidade de construção e reconstrução autoral - onde o professor autor pesquisa e

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elabora conhecimento próprio garantindo uma formação melhor de seus alunos - (DEMO,2014, p.8). Embora esta possibilidade exista também no suporte editor de texto, nem semprepermite ao autor demonstrar sua intenção (que se utiliza de notas, ilustrações, objetos etc.).Esta é uma característica encontrada em ambos os processos de autoria do material-base nasescolas participantes. Além da elaboração do material-base, composto pela parte escrita, sãocriadas também ilustrações para serem utilizadas nos livros didáticos. Estas ilustrações sãofeitas tanto pelos professores quanto pelos alunos indígenas.

Figura 4 - Exemplo de material manuscrito e ilustrações.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

O material-base é então entregue no Laboratório Intercultural Indígena, para que se dêcontinuidade ao processo de autoria dos livros didáticos, que compreende as etapas de: a)digitação; b) revisão e c) diagramação inicial. O Laboratório Intercultural Indígena, abrigauma estrutura de apoio ao curso de Licenciatura Intercultural Indígena do IFBA Porto Seguro.Nele há uma estrutura criada especificamente para apoio tecnológico ao processo de autoriados livros didáticos, composta por um notebook, um computador desktop, um monitor LCDde 20 polegadas e uma TV LCD de 42 polegadas (para uso em conjunto com o computadordesktop ou notebook, ampliando a visualização do material), acesso à internet para pesquisascomplementares, duas mesas digitalizadoras Wacom Intuos Pro.

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Figura 5 - Imagens do Laboratório Intercultural Indígena do IFBA.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

Na etapa de digitação, o material-base é transportado do papel (suporte analógico) para oeditor de textos (suporte tecnológico), utilizando-se atualmente o editor de textos MicrosoftWord. Paralelamente a etapa de digitação, ocorre a etapa de revisão quando se efetuampequenas correções gramaticais, além de ajustes quanto a estrutura e atividades propostas aosalunos, para melhor clareza por parte destes. Nesta etapa são aplicados conceitos, semprecomo sugestão e orientadas pelo professor tutor, adquiridos durante a graduação, no que dizrespeito as disciplinas didáticas, de forma a contribuir com o processo. Na etapa dediagramação inicial, o material digitado é transposto para o software de diagramação,utilizando-se o software Adobe InDesign, onde o texto linear é decomposto em caixas de textoe outros elementos (quadros, linhas etc.) visando a flexibilidade nos processos dediagramação posteriores.

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Figura 6 - Exemplo de material manuscrito.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

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Figura 7 - Exemplo de material digitado.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

Figura 8 - Exemplo de material diagramado.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

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Outra questão relacionada à diagramação são as ilustrações. O livro didático paraalfabetização necessita de ilustrações que contextualizem a escrita, principalmente nosprimeiros anos da alfabetização, além de contribuir para tornar o livro atrativo para crianças.Embora se possa utilizar imagens já existentes encontradas na web, por exemplo, o ideal é quetodas as ilustrações sejam feitas pelos docentes indígenas ou seus alunos. A ideia de autoriaindígena permeia todo o livro, não somente no que diz respeito a linguagem, mas também arepresentação imagética. Assim temos no livro didático os textos, as atividades e as imagensoriundas do contexto indígena. O transporte das ilustrações feitas no suporte papel, contudo,apresentam perda de qualidade no processo de digitalização (escaneamento), por isso, optou-se pelo uso de mesas digitalizadoras, que serão utilizadas pelos docentes autores e por seusalunos, para a criação das ilustrações diretamente no suporte digital, garantindo assim não sóa qualidade das imagens como sua originalidade.Um exemplo de imagem de autoria por indígenas pode ser visto na figura 9, que mostra ascapas dos livros Multiverso indígena e Revitalização de língua indígena e educação escolarindígena inclusiva.

Figura 9 - Exemplo de ilustrações indígenas em livros acadêmicos.Fonte: Arquivo pessoal do autor.

O material-base, agora em design inicial/transitório, que denominamos aqui de livro-rascunho, já contando com uma estruturação de livro didático (com textos, atividades eilustrações), é impresso para ser apresentado aos docentes autores das escolas indígenas emvisitas posteriores, para que os mesmos procedam a análise do design e das alterações

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efetuadas. Essa análise pelos docentes, a qual acontece como parte da construção do material,pode ser denominada de revisão autoral. Nesse processo de análise, ocorrem novasdiscussões, que podem gerar ressignificação do material e novas propostas de alterações,lembrando que a palavra final procede, sempre, dos docentes autores e da comunidade, comobem demanda uma escola indígena diferenciada e com autonomia.As próximas fases são a formatação, a publicação e a distribuição. Na fase de formatação (oudiagramação plena) o livro didático, já com o processo de design completo, receberá retoquese preparação final para ser enviado à editora. Após a impressão pela editora, os livrosdidáticos serão então distribuídos nas escolas. No momento estamos executando as fases dedigitação, revisão e diagramação, contudo as demais etapas estão contempladas nacontinuidade das atividades do PET Conexões de Saberes e serão melhor detalhadas naproposta de modelo de elaboração de material didático.3.2 Ferramentas tecnológicas utilizadas nos processos de elaboração dos livros

didáticosPara o processo de diagramação como base no material coletado, digitado e revisado éutilizado o software InDesign, da empresa Adobe8. O Adobe InDesign9 é um programa decomputador padrão para design e diagramação de publicações impressas, criação dedocumentos interativos em PDF (Portable Document Format - Formato Padrão deDocumento), revistas digitais e EPUBs (Electronic Publication - Publicação Eletrônica). Osoftware está disponível para as plataformas Microsoft Windows10 e Apple OS X11.Por não haver uma disciplina no curso de Licenciatura em Computação que trabalhe comilustração ou design, inicialmente não havia conhecimento sobre qual software deveria serutilizado no projeto, para a fase de diagramação, o que demandou uma pesquisa para seconhecer quais eram os softwares utilizados pelas editoras e gráficas, chegando-se, comoresultado da pesquisa, ao InDesign como software padrão para a maioria das editoras delivros. Por ser um software novo, no sentido de não haver experiência de utilização anterior,o conhecimento de seu uso está sendo construído ao mesmo tempo em que ocorre o processode diagramação, e também considerando-se conhecimentos prévios e básicos no software dedesenho vetorial CorelDraw, muito utilizado para a criação de folhetos e banners, e queguarda certa semelhança de uso, embora para fins diferentes.8  http://www.adobe.com/br/9  https://helpx.adobe.com/br/indesign/topics-cs6.html.10  http://windows.microsoft.com/pt-br/windows/home11  https://www.apple.com/br/osx/

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3.2.1 Software de designO InDesign oferece tudo o que se necessita em termos de diagramação de publicações, sejamelas impressas ou digitais. Ao iniciar um novo projeto, que pode ser um documento ou livro,podemos utilizar um tamanho padrão para documentos (A4 por exemplo) ou definir otamanho desejado. Independente do produto final ser impresso ou digital, o software permitetrabalhar com textos, tabelas e inserção de imagens. No que diz respeito a textos, além deutilizar as fontes padrão do sistema operacional, também permite trabalhar com bibliotecas,pré-visualização e importação de fontes utilizadas pelo usuário. Permite ainda incluir notas derodapé e vários tipos de personalização em textos (fonte, cor, alinhamento etc.) e tabelas.Outra característica importante na diagramação é o uso de camadas, que permite colocarelementos (textos e imagens por exemplo) em superposição, o que não ocorre em um editorde textos comum.No InDesign, a disposição dos menus e ferramentas segue o modelo padrão ao qual estãoacostumados designers e outros profissionais, acostumados a usar outras ferramentaspopulares, como o Adobe Photoshop por exemplo. O software oferece em sua interface aclássica barra lateral com acesso rápido a algumas opções como inclusão de texto, objetos,movimentação de elementos etc. Na parte superior fica o menu padrão, com opções dearquivo (novo, abrir, salvar, exportar etc.), edição (recortar, copiar, colar etc.), layout (páginas,margens etc.), tipo (formatações diversas de fontes) e muitas outras opções. Logo abaixo domenu padrão, há uma barra vertical que é sensível ao contexto da barra lateral, ou seja, aoescolher uma ferramenta na barra lateral, a barra vertical passa a exibir opções de trabalhorelativas a ferramenta escolhida. Por exemplo: ao escolher a ferramenta “Tipo” (texto), omenu exibe as opções de tipo de fonte, tamanho, espessura, alinhamento, cor etc. Existemtambém na interface paletas adicionais, que contêm as ferramentas e parâmetros a seremmodificados em cada situação.No InDesign há uma extensa gama de opções de trabalho, com tarefas avançadas maiscomplexas, exigindo conhecimentos prévios de um usuário já habituado a trabalhar comferramentas de design. Mesmo assim ele se mostra bastante intuitivo, e há muitos tutoriais efóruns de discussão na internet que podem auxiliar em muito os trabalhos com essaferramenta. Mesmo que pareça, a princípio, de difícil utilização, se o usuário não é umprofissional do ramo de design, contudo, o InDesign transforma a tela do dispositivo(computador ou notebook) em uma área de trabalho completa, permitindo inclusive que sejapersonalizado ao gosto do usuário, reposicionando painéis por exemplo.

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Figura 10 - Área de trabalho do Adobe InDesign com um dos livros em diagramação.Fonte: Autor.

O InDesign permite ilustração (desenho) direta através de ferramentas da barra lateral, como aferramenta “Lápis”, por exemplo, para ilustração a mão livre. Contudo, deve-se utilizar umamesa digitalizadora para tal, pois utilizando apenas o mouse é muito difícil obter um bomresultado.

Figura 11 - Exemplo de ilustração criada diretamente na interface do InDesign.Fonte: Autor.

Outra opção, para ter ilustrações originais no livro didático, é a importação de imagenspreexistentes, criadas em outros softwares de edição de imagens, tais como o Illustrator ou

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Photoshop, ambos da mesma empresa proprietária do InDesign, ou o GIMP12 que édistribuído sob licença freeware. No software GIMP, ou outro editor de imagem, até mesmouma ilustração feita a mão livre, utilizando o mouse, possui melhor aparência, do que ailustração feita diretamente no InDesign.

Figura 12 - Exemplo de ilustração feita a mão livre (com mouse) no software GIMP.Fonte: Autor.

O software GIMP, inclusive, permite a exportação em formato compatível com o InDesign, oque permite que as ilustrações sejam criadas em diversos momentos e depois importadas noambiente de diagramação.Ressaltamos que a opção pela utilização do software InDesign se deu por ser ele um softwarepadrão de mercado para editoras, porém existem outros softwares de diagramação distribuídossob licença de Software Livre13. Um exemplo é o Scribus14, que é equivalente ao InDesign epossui versões para as plataformas Linux, MacOS X, OS/2 e Windows, contando com umacombinação de press-ready, output e novas abordagens para paginação. O software possuiainda ferramentas para desenho vectorial, importação e exportação de arquivos SVG, suporte

12  O GIMP (GNU Image Manipulation Program) é um software distribuído livremente, para uso em tarefascomo retoque de fotos, composição de imagem e autoria (design) de imagem. Funciona em vários sistemasoperacionais, como Microsoft Windows, Apple OSX e Linux. Download disponível em http://www.gimp.org.13  “Software livre, segundo a definição criada pela Free Software Foundation é qualquer programa decomputador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído com algumas restrições. Aliberdade de tais diretrizes é central ao conceito, o qual se opõe ao conceito de software proprietário, mas não aosoftware que é vendido almejando lucro (software comercial). A maneira usual de distribuição de software livreé anexar a este uma licença de software livre, e tornar o código fonte do programa disponível”. Fonte:http://www.softwarelivre.gov.br/tire-suas-duvidas/o-que-e-software-livre.14  http://wiki.softwarelivre.org/Scribus/Sobre.

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às fontes OpenType e utiliza o formato de arquivo baseado em XML, um padrão aberto ecompletamente documentado.O Scribus poderá vir a ser analisado em projetos futuros, como uma opção para escolas quepossuam projeto de utilização de Software Livre, como o Linux Educacional, ou que possuamrestrições orçamentárias para a aquisição de software proprietário, como é o caso doInDesign.

Figura 13 - Tela de exemplo do software Scribus.Fonte: wiki.softwarelivre.org/Scribus/Sobre.

3.2.2 Outras ferramentasPara a autoria das ilustrações, inicialmente feitas no suporte papel, e considerando a opção deutilização de softwares do tipo Editor de Imagens para essa tarefa, foram adquiridas duasmesas digitalizadoras Wacon Intuos Pro15. A intenção é que as ilustrações feitas em papel e aolápis, por docentes e alunos indígenas, possam ser feitas diretamente em formato digital, poisessa prática manterá a qualidade das ilustrações, que sofrem perdas quando são digitalizadascom o uso de scanners de imagens. Por serem recém adquiridas, as mesas digitalizadorasainda estão em fase de testes no Laboratório Intercultural Indígena do IFBA, e logo serãoapresentadas aos professores e alunos, para que iniciem a criação de ilustrações diretamenteatravés destes equipamentos.15  A Intuos Pro é uma mesa gráfica que combina recursos de suporte multitoque intuitivo, precisão, controle,além de recursos sensíveis à pressão. Disponível em http://www.wacom.com/pt-br/products/pen-tablets/intuos-pro-medium.

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Figura 14 - Imagem da mesa digitalizadora Wacom Intuos Pro.Fonte: Arquivo do PET Conexões de Saberes.

As mesas digitalizadoras necessitam de comunicação com um computador, e neste deveráestar instalado um software de ilustração vetorial, tais como o Adobe Photoshop (softwarecomercial) ou o GIMP (software livre). Existem outros modelos de mesas digitalizadoras,com tela interativa e programas próprios (quem lembram um tablet), em que a ilustração écriada diretamente na tela, e exportada depois para o computador. Um exemplo de mesadigitalizadora com tais recursos é a Wacom Cintiq 13HD Pen. Esse modelo de mesadigitalizadora é mais caro (cerca do triplo em relação ao modelo Intuos Pro), mas já estásendo discutida a sua aquisição através de investimentos previstos no programa PET. A aquisição desse modelo em específico, ou de um equivalente, garantirá ao autor dasilustrações um melhor domínio no momento da criação, pois no modelo Intuos Pro outilizador precisa dividir sua atenção entre o equipamento (entrada) e a tela do computador(saída), enquanto no modelo com tela interativa, por exemplo, entrada e saída estão no mesmosuporte (tela). Assim, cria-se a sensação de se estar desenhando diretamente no suporte papel.

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Figura 15 - Mesa Digitalizadora Wacom Cintiq 13HD Pen.Fonte: www.wacomstore.com.br.

3.3 Modelo de elaboração de material didático baseado na experiência do PETApresentamos abaixo uma proposta das fases que compreendem a elaboração de materialdidático para comunidades indígenas. Foram analisados dois modelos, ambos relacionados aelaboração de material didático para EaD, mas não serão discutidas aqui as suas concepções,visto serem diferentes da concepção de material didático para escola regular e muito maispara escola indígena. O que nos importa aqui é uma breve análise dos modelos, e assim,propor um modelo específico, dado as especificidades da educação escolar indígena e osprocessos desenvolvidos no projeto PET, ora abordado.Na Educação à Distância e em relação a elaboração de material didático para esta modalidadede ensino, surge um método chamado Design Instrucional, que segundo Silva e Castro (2009,p. 141-142) “é uma ação institucional e sistemática de ensino, que envolve o planejamento, odesenvolvimento e a utilização de métodos, técnicas, atividades, materiais e produtoseducacionais em situações didáticas, a fim de promover a aprendizagem humana”. O DesignerInstrucional16 é o responsável por prover no material didático a coerência entre os objetivos doestudo e a abordagem pedagógica; a contextualização do material didático de acordo com opúblico-alvo; a ênfase na formação e desenvolvimento de competências; o estímulo àautonomia; a aprendizagem significativa; a abordagem crítica-reflexiva dos conteúdos. Noexemplo de fluxograma abaixo podemos notar que o Design Instrucional age entre as fases deprodução de conteúdo (professor autor) e as fases de revisão-diagramação-editoração. 16  Aqui consideramos os sujeitos envolvidos nos processos e que põem em prática as ações do DesignInstrucional.

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Figura 16 - Processo de criação de material didático impresso para EaD.Fonte: Recriação do autor conforme modelo da Revista Intersaberes, vol. 4, n. 8, p. 146.

Analisando o fluxograma na figura 16, Silva e Castro (2009, p.146-147) destacam os cincoatores responsáveis pelo processo de elaboração do material didático para educação àdistância (EaD). São eles:

a) professores: responsáveis pela produção do conteúdo e complementação dasinformações (sugeridas pelo Designer Instrucional e Comissão Editorial);

b) designer instrucional: responsável pela adaptação metodológica do material e pelaanálise das informações do texto, contribuindo com sugestões para um material maisatrativo;

c) revisor: responsável pela correção ortográfica e sintaxe do texto;d) diagramador: responsável pelo formato gráfico do texto;e) comissão editorial: responsável pelo acompanhamento de toda a produção do material,

analisando se corresponde à ementa da disciplina e a proposta pedagógica do curso.No modelo de elaboração de material didático para escola indígena, especificamente paralivro didático com uso em sala multisseriada, os atores são rearranjados, porém mantendo eaté mesmo ampliando suas responsabilidades.Denominaremos aqui um conjunto de categorias que são compostas por fases de tarefasespecíficas. Essas categorias representam, de certa forma, fases principais nas quais ocorrem

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as fases secundárias. As quatro categorias são: autoria, transição didática, revisão efinalização. A primeira categoria é composta pelas fases relacionadas a autoria, ou seja, aos processosempreendidos pelos professores indígenas que ser vem de material-base para a contrução dolivro didático. São elas:

a) autoria textual: nesta fase, o professor autor é responsável pela produção do conteúdo,que contém textos próprios ou de outras fontes, tais como jornais, revistas, livrosindígenas, entre outros. Esse é o material-base;

b) autoria artística: nesta fase, o professor autor, após analisar o material diagramado,define quais ilustrações serão atribuídas no material, e sua localização. As ilustraçõespoderão ser delegadas a alunos ou auxiliares da escola indígena.

A segunda categoria é composta pelas fases que tratam da transição didática, ou seja, dosprocessos executados a partir do recebimento do material-base laborado pelos professoresdocentes. São elas:

c) digitação: nesta fase, os bolsistas (ou professores auxiliares) irão fazer a transposiçãode suporte, do material-base produzido pelo professor autor para o suporte digital. Nocaso do professor autor entregar o material já em suporte digital, passa-se para o cicloseguinte;

d) revisão primária: nesta fase, o professor tutor, ou um especialista em linguagem,efetuará a revisão do conteúdo criado pelo professor autor, fazendo em seguida osajustes necessários e sugerindo outras modificações se necessário. Os bolsistaspoderão auxiliar na execução deste ciclo, identificando divergências gramaticais esugerindo outras modificações;

e) diagramação: nesta fase, os bolsistas transportarão o material digitado, e revisado, parao software de design, textos e ilustrações, inserindo novos objetos ao material, taiscomo linhas, quadros, marcações etc.;

A terceira categoria é composta pela fase de revisão, mais especificamente pela revisãoautoral:

f) revisão autoral: nesta fase, o material diagramado, denominado livro-rascunho, éimpresso e entregue ao professor autor, que juntamente com seus pares e acomunidade, irá revisar todos os aspectos do livro rascunho: transposição didática,

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imagens, ajustes efetuados nas fases de digitação e revisão primária. Nessa fase, asalterações poderão ser validadas ou rejeitadas, pois o livro deve refletir, em primeirainstância, sempre as expectativas da escola e da comunidade, não podendo haveralterações externas que retirem o significado proposto no momento da autoria. Adepender do resultado da revisão autoral, o livro-rascunho retornará ao laboratóriopara ser diagramando novamente.

As revisões autorais são associadas ao Designer Instrucional, que neste projeto específico temuma existência coletiva, sendo composto por todos os atores.A quarta categoria é composta pelas fases de finalização, que correspondem as fases pós-diagramação/revisão autoral. É composta pelas seguintes fases:

g) formatação: nesta fase, que antecede a impressão pela editora, serão efetuados osúltimos ajustes de revisão de conteúdo e design. Esta fase pode ocorrer na finalizaçãode um livro ou a cada finalização de unidade de um livro. Também faz parte doprocesso de revisão geral;

h) editora: nesta fase, o material didático, já aprovado pela revisão geral, é remetido àeditora para impressão;

i) distribuição: nesta fase, de responsabilidade da escola indígena, o material didáticoserá entregue para os docentes (livro do professor) e alunos (livro do aluno).

Figura 17 - Modelo de processo de elaboração de material didático para escola indígena.Fonte: Autor.

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No fluxograma na figura 17 estão representadas as fases e as suas conexões, resultando aofinal do cumprimento (conformidade com as expectativas da escola e comunidade indígena)das responsabilidades, na entrega do material didático para utilização em sala de aula. Asfases estão representadas dentro das quatro categorias principais: autoria, transição, revisão efinalização. Este processo de elaboração de material didático vem preencher uma lacuna gerada pela faltade políticas afirmativas para a existência de escolas indígenas diferenciadas e autônomas.Essa iniciativa, ora apresentada, demanda debate constante para a construção e reconstruçãode metodologias de ensino indígena, pesquisa de outros processos de elaboração de materialdidático que somem melhorias, atuação comunitária na elaboração do material e dasmetodologias, refletindo assim a troca de saberes tradicionais e científicos entre escola ecomunidade.Do ponto de vista da tecnologia, as escolas indígenas ainda carecem de investimentos para aimplantação de centros digitais. O uso da tecnologia encontra melhor espaço em escolasmaiores como o Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, da etnia PataxóHãhãhãe, mas nas escolas menores, como a Escola Municipal Pataxó Pé do Monte, da etniaPataxó, ainda há carência. Mas não basta ter um parque de tecnologia sem que ela sejautilizada a contento. Ter a disposição equipamentos (computadores, lousa digital, projetoresetc) e softwares (educativos e educacionais) de nada adianta sem uma política de formaçãotecnológica para os professores, mediante a oferta de cursos de formação continuada17,abrangendo o uso de equipamentos e softwares, tanto para uso de materiais didáticosexistentes quanto para os processos de elaboração.Considero que o projeto PET em andamento, de elaboração de material didático para salamultisseriada, que agrupa professores, comunidade indígena e instituição de ensino, pode serdesenvolvido autonomamente em outras escolas indígenas, considerando o aproveitamentodessa experiência de construção e do modelo elaborado para tal fim. Naturalmente, pelaautonomia que se espera alcançar nas escolas indígenas em geral, tanto a metodologia (que éprópria da escola e seus docentes) quanto o modelo de processo podem sofrer análises,adaptações e reconstruções. O modelo não é um fim em si mesmo, mas uma proposta cujoobtivo é contribuir para a autonomia tão desejada.

17  Aqui nos abstemos de utilizar o termo “capacitação”, pois o mesmo denota uma “incapacidade” dosprofessores, indígenas ou não, em utilizar a tecnologia nos seus processos educativos.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero que, mediante a experiência acadêmica como discente da Licenciatura emComputação, tendo acesso as teorias de grandes educadores e aos saberes (técnicos ouprático-teóricos) dos professores do curso, contando ainda com a experiência profissional naconstrução de software comercial e com a experiência acadêmica de pesquisa e elaboração desoftware educacional para a comunidade indígena Tupinambá, não somente tenho assimiladonovos conhecimentos, inclusive os que emanam da educação indígena, como estou certo queposso contribuir, como futuro educador e como profissional da tecnologia, para que aeducação escolar indígena alcance o ideal de escola diferenciada e autônoma. As experiênciasjunto as comunidades indígenas tem sido muito proveitosa, gerando por vezes muitasdiscussões em disciplinas de humanidades na Licenciatura, o que vem enriquecer o debatesobre as questões indígenas e educacionais e colaborar para a mudança de certas visões arespeito dos povos indígenas.Após discutir as demandas dos povos indígenas em relação a escola indígena diferenciada,demandas estas que englobam diversas dificuldades, como a não aplicação da legislação emvigor, a falta de formação docente diferenciada e de qualidade, a falta de autonomia nasescolas indígenas existentes, a falta de material didático específico e contextual, entre outras,verificamos que há muito caminho ainda a percorrer para se alcançar este patamar.Entre tantas demandas que emanam da escola indígena, encontra-se em especial a questão domaterial didático, criado especificamente para uso em sala de aula multisseriada, aplicado asséries iniciais do ensino fundamental. Tal material aparece na literatura em sua maioria comoiniciativas de comunidades específicas, e não como um projeto maior, organizado pelogoverno, como seria de se esperar. Se existe um PNLD específico para a escola do campo,qual a dificuldade em termos um PNLD Indígena?Enquanto essa questão não é respondida através de políticas afirmativas, procede-se aelaboração de material didático de diversas formas, seja através de professores indígenas quecriam seu próprio material de apoio, baseado em sua experiência pedagógica e contextosociocultural, seja através de iniciativas de algumas entidades de ensino.Este trabalho analisou, além do referencial teórico, as contribuições do autor, enquantobolsista do programa PET Conexões de Saberes, nos processos de elaboração de livrosdidáticos para sala multisseriada em duas escolas indígenas no Extremo Sul da Bahia. Essas

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contribuições se deram no campo do Design Instrucional, considerando a digitação domaterial-base, as revisões primárias, as diagramações e os demais processos que serãoexecutados até a impressão dos livros. Para as contribuições foram aplicados conhecimentosconstruídos durante a graduação na Licenciatura em Computação e nas pesquisas em temáticaindígena efetuadas no PIBIC.Como limitações podemos citar a falta de equipamentos para digitação/diagramação eimpressão, pois inicialmente, os trabalhos de digitação e diagramação foram executados emcomputador pessoal do autor e as impressões para revisão autoral em impressora do professortutor. Essa limitação, em termos de equipamentos, foi sanada com a instalação de umcomputador notebook e um computador desktop, conectados à um monitor de 20” e TV de42” respectivamente, no Laboratório Intercultural Indígena. Além disso, ocorreu a aquisiçãode duas mesas digitalizadoras que ajudarão, juntamente com os demais equipamentos, nosprocessos de autoria e diagramação. Ainda como fator limitante, podemos citar também aexistência de apenas um bolsista, no caso o autor como bolsista não-indígena, para autilização dos equipamentos, fato este que será solucionado com o preenchimento de vagaspara bolsista, através de edital. Ainda no que se refere aos equipamentos, está prevista aaquisição de uma impressora multifuncional, para impressão dos livros que serão revisadospelos professores e comunidade indígenas.Como trabalhos futuros, eventualmente podemos expandir o projeto para além do livrodidático impresso, abrangendo-o a um formato digital interativo, utilizando para isso asmesmas ferramentas de design e diagramação.

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