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Políticas nacionais de redução de GEE COP21 Como avançar em Paris - 98 Contribuições da Rússia para a Redução das Emissões Globais de Gases de Efeito Estufa Thais Malheiros Assumpção 1 Resumo Em 2015 a cidade de Paris abrigará a próxima Conferência das Partes a COP 21. Nesse evento, os países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) irão discutir os rumos que as diversas economias internacionais deverão tomar para garantir que o aquecimento global se limite ao máximo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, conforme recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Nesse contexto, a Rússia, que é um dos grandes emissores internacionais, aparece como importante elemento para o cenário climático mundial. O objetivo deste trabalho, portanto, foi analisar as intenções de redução de gases de efeito estufa (GEE) apresentadas pelo país em sua “Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada” (INDC). Espera-se, com isso, contribuir para um melhor entendimento da posição tomada pela Federação Russa em relação às mudanças climáticas, bem como seus preparativos para a COP 21. Palavras-chave: Rússia; Mudanças Climáticas; INDC; COP21. Abstract In 2015, Paris will host the next Conference of the Parties (COP 21). In this event, countries that are Parties to the United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) will discuss the direction that international economies should take to ensure that global warming reaches no more than 2°C above pre-industrial levels, as recommended by the UN Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). In this context, Russia, one of the top emitters, stands as an important element to the world’s climate scenario. Thus, the objective of this study was to analyze the country’s intentions to reduce its greenhouse gases (GHG) presented in the intended nationally determined contribution (INDC). We hope to contribute to a better understanding of the position taken by Russian Federation regarding climate change, as well as its preparations for COP 21. Keywords: Russia; Climate Change; INDC; COP21. 1 Mestranda em Administração de Empresas FGV EAESP

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Políticas nacionais de redução de GEE COP21 Como avançar em Paris

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Contribuições da Rússia para a Redução das Emissões Globais de Gases de Efeito Estufa Thais Malheiros Assumpção1

Resumo

Em 2015 a cidade de Paris abrigará a próxima Conferência das Partes – a COP 21. Nesse evento, os países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) irão discutir os rumos que as diversas economias internacionais deverão tomar para garantir que o aquecimento global se limite ao máximo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, conforme recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Nesse contexto, a Rússia, que é um dos grandes emissores internacionais, aparece como importante elemento para o cenário climático mundial. O objetivo deste trabalho, portanto, foi analisar as intenções de redução de gases de efeito estufa (GEE) apresentadas pelo país em sua “Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada” (INDC). Espera-se, com isso, contribuir para um melhor entendimento da posição tomada pela Federação Russa em relação às mudanças climáticas, bem como seus preparativos para a COP 21.

Palavras-chave: Rússia; Mudanças Climáticas; INDC; COP21.

Abstract

In 2015, Paris will host the next Conference of the Parties (COP 21). In this event, countries that are Parties to the United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) will discuss the direction that international economies should take to ensure that global warming reaches no more than 2°C above pre-industrial levels, as recommended by the UN Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). In this context, Russia, one of the top emitters, stands as an important element to the world’s climate scenario. Thus, the objective of this study was to analyze the country’s intentions to reduce its greenhouse gases (GHG) presented in the intended nationally determined contribution (INDC). We hope to contribute to a better understanding of the position taken by Russian Federation regarding climate change, as well as its preparations for COP 21.

Keywords: Russia; Climate Change; INDC; COP21. 1 Mestranda em Administração de Empresas – FGV EAESP

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Perfil Demográfico e Socioeconômico da Rússia Com uma área de 17.098.240 km2 (BANCO MUNDIAL, 2015), a Federação Russa é o país com maior extensão territorial do planeta, estendendo-se por uma vasta região do norte da Eurásia. O país abriga a 10ª maior população do mundo (CIA, 2015), com 143.499.861 habitantes (BANCO MUNDIAL, 2015), que estão concentrados, principalmente, no centro e centro-leste da Rússia europeia e no sudoeste da Rússia asiática. Embora apenas aproximadamente 25% do país esteja na Europa, 78% de seus habitantes encontram-se nesse local. Destes, 73,9% localizam-se em áreas urbanas (CIA, 2015).

Figura 1: Evolução populacional da Federação Russa no período de 1990-2013. Em 2013 a população do país era aproximadamente 3% menor do que em 1990 (fonte: Google Public Data

Explorer com dados fornecidos pelo Banco Mundial).

O clima inóspito do país e a falta de solo apropriado para a agricultura fazem com que apenas 7,31% de seu território seja de terras aráveis, sendo que a agricultura responde por 4% do PIB do país. Em contrapartida, a Rússia concentra uma série de recursos naturais como petróleo, carvão e diversos minérios. É um dos maiores produtores de petróleo e gás natural do mundo, além de ser um grande exportador de metais, como o aço e o alumínio primário (CIA, 2015).

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O setor de serviços responde por quase 60% do PIB russo e o setor industrial por 36,30%. As indústrias englobam desde o setor de mineração e de indústrias extrativas – que produzem carvão, petróleo, gás, químicos e metais – até a construção de diversos tipos de máquinas, estradas e equipamentos de transporte ferroviário, equipamentos de comunicação, máquinas agrícolas, geração de energia elétrica, equipamentos médicos e científicos, bens de consumo duráveis, produtos têxteis e gêneros alimentícios (CIA, 2015).

A dependência da exportação de commodities faz com que a Federação Russa seja extremamente vulnerável à volatilidade dos preços de mercado globais. Sua economia, que chegou a crescer 9% em 2007 e teve uma média de crescimento de 7% entre 1998-2008, foi uma das mais impactadas pela crise de 2008 e 2009, já que os preços do petróleo despencaram e os créditos externos desapareceram (Figura 2) (CIA, 2015).

O declínio dos preços do petróleo ao longo dos últimos anos e a dificuldade em atrair investimentos externos contribuíram para um considerável retardo nas taxas de crescimento de seu PIB. Além disso, tensões geopolíticas iniciadas em março de 2014 levaram a sanções econômicas aumentando ainda mais a percepção de risco presente no mercado externo (CIA, 2015). Projeções do Banco Mundial preveem uma contração de 3,5% na economia do país em 2015 e um declínio de 0,3% em 2016 (BANCO MUNDIAL, 2015).

Figura 2: Crescimento do PIB da Federação Russa no período de 1990-2013 (fonte: Google Public Data Explorer com dados fornecidos pelo Banco Mundial).

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Matriz Energética

Principais fontes de energia

O setor energético tem um papel essencial para a economia russa, para sua segurança energética e para o fornecimento internacional de hidrocarbonetos (International Energy Agency – IEA, 2015). O cenário energético da Federação Russa é diversificado e abundante em recursos naturais, embora cada região apresente diferenças significativas no tipo de combustível existente. A parte europeia do país é dominada pelo gás e pela energia nuclear, enquanto que, na Sibéria e no Extremo Oriente, a maior parte da produção decorre do carvão e de grandes hidrelétricas (McKINSEY, 2009). Os elementos mais importantes da matriz energética russa são descritos a seguir.

• Gás natural: a Rússia possui a maior reserva de gás natural do planeta, é o maior exportador e o segundo maior produtor de gás natural do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2013, a produção russa de gás natural foi de 671 bilhões de metros cúbicos ou 19,3% do total mundial. Desse total produzido o país exportou 203 bilhões m3, em sua maior parte para a União Europeia. Em comparação com outros países, o gás natural representa uma parcela extremamente alta da matriz energética russa (IEA, 2014).

• Petróleo: o país abriga a oitava maior reserva de petróleo do mundo, sendo o segundo maior produtor de petróleo internacional, atrás apenas da Arábia Saudita. É o maior produtor entre os países não pertencentes à OPEC. Em 2013, a produção russa de petróleo foi igual a 525 milhões de toneladas ou 12,8% do total mundial. Desse montante, foram exportadas 239 milhões de toneladas, principalmente para o mercado europeu (IEA, 2014).

• Carvão: A Federação Russa contém a segunda maior reserva de carvão do mundo, localizada predominantemente nas áreas da Sibéria e do extremo oriente. Em 2013 foi o sexto maior produtor de carvão, com 347 milhões de toneladas ou 4,4% do total mundial. Como exportador, assumiu o terceiro lugar, exportando 114 milhões de toneladas (IEA, 2014).

• Energia Hidrelétrica: a energia hidrelétrica é responsável pela produção de 15,6% do total da eletricidade produzida na Rússia (IEA, 2014). Atualmente existem 102 centrais hidrelétricas e o país é o segundo colocado em termos de recursos hidrelétricos (RUSHYDRO, 2015).

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• Urânio: a Rússia possui a quarta maior reserva global de urânio e em 2013 foi o terceiro maior produtor de eletricidade nuclear, com 178 TWh ou 7,2% do total da produção mundial (IEA, 2014). Atualmente existem 10 centrais nucleares em funcionamento no país (ROSATOM, 2015).

Produção de energia

A produção de eletricidade do país em 2012 foi de 1069 TWh, o que fez com que a Rússia fosse quarto maior produtor, atrás de China, Estados Unidos e Índia. Dessa produção, 16 TWh foram exportados. A maior parte de sua eletricidade (67,54%) é gerada por combustíveis fósseis, primariamente pelo gás natural, que responde por uma parcela igual a 49,11% e pelo carvão (15,81%). A produção a partir de hidrelétricas e de energia nuclear também representam parcelas significativas da produção de eletricidade, sendo responsáveis por 15,62% e por 16,65%, respectivamente (IEA, 2014).

Políticas públicas relacionadas ao setor energético

Embora as políticas relacionadas à eficiência energética ainda estejam em sua fase inicial, nos últimos quinze anos a Federação Russa abordou diversas questões conectadas a esse tema (Tabela 1 – Anexo I), como: parâmetros para edificações, padrões para auditorias de eficiência energética, um código de performance termal, um selo de eficiência energética e a implantação de medidores de energia (VIOLA; BASSO. 2015). Em 2009, pela primeira vez o governo reconheceu oficialmente a natureza antropogênica das mudanças climáticas e anunciou metas de redução de emissões de longo prazo. No mesmo ano, um relatório oficial também foi o primeiro a descobrir que os benefícios decorrentes da mitigação das mudanças climáticas – possibilidade de evitar enchentes, queimadas, derretimento do pergelissolo (permafrost) – ultrapassavam ganhos potenciais resultantes, como crescimento da produtividade da agricultura e acesso às geleiras do Ártico. Embora a posição do governo russo seja de apoiar a mitigação às mudanças climáticas, ainda é necessário que as promessas sejam traduzidas em ações e políticas efetivas (YALE CENTER FOR ENVIRONMENTAL LAW & POLICY, s/d).

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Fontes de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) A Rússia é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa (por ano) do mundo, atrás da China, Estados Unidos, União Europeia e Índia. Em 2011, suas emissões per capita foram maiores do que o dobro da média mundial por pessoa, passando das 15tCO2e por habitante. A intensidade de suas emissões – resultado alcançado calculando-se os níveis das emissões pelo PIB do país – é a maior de todas, passando dos 600tCO2e por milhão $PIB, enquanto que a média mundial de 372tCO2e por milhão $PIB. Esses resultados estão diretamente relacionados com os diferentes níveis de emissões e com o tamanho da economia, mas também dependem de questões como a matriz energética do país e a dependência de setores como geração de eletricidade, manufaturas e transporte em combustíveis fósseis (GE; FRIEDRICH; DAMASSA. 2014).

As emissões de GEE da Federação Russa são decorrentes de diversos fatores, porém, o principal deles é a produção de energia, responsável por 82,16% do total das emissões. Dentro do setor energético, as fontes das emissões são: indústrias de energia (48,61%), emissões fugitivas (21,77%), transporte (12,79%), indústrias de manufatura e construção (8,44%), outros setores (6,62%) e outros (1,77%). As outras fontes de emissões são: processos industriais (7,89%), agricultura (6,28%), desperdício (no original em inglês, waste) (3,65%) e solventes (0,02%) (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCC, s/d).

A trajetória de emissões da Federação Russa não seguiu o mesmo caminho de outros países. Segundo os últimos inventários russos, os níveis de emissão de 1990 foram os maiores dos últimos 25 anos (LEVIN; DAMASSA. 2015) – resultado da enorme ineficiência na produção de energia no estado soviético. Nesse ano, o país foi o terceiro maior emissor de GEE, atrás dos Estados Unidos e da China.

Com o fim da União Soviética e o colapso da economia russa durante a década de 1990, tanto as emissões de GEE, quanto o consumo de energia apresentaram reduções drásticas (VIOLA; BASSO. 2015). As emissões do país foram 53,30% menores no ano 2000 do que em 1990. A partir de então, começaram a aumentar gradualmente e, em 2012, foram 50% menores do que em 1990. Se forem excluídas LULUCF, elas foram 31,80% menores do que os níveis de 1990. Segundo projeções do banco Mundial, em 2015 é esperada uma contração de 3,8% na economia russa, o que significa que as emissões provavelmente irão diminuir novamente (UNFCCC, s/d).

Portanto, essas reduções nas emissões de GEE não foram resultado de melhorias na eficiência energética ou do aumento da parcela de renováveis na matriz energética. Elas relacionam-se diretamente com a diminuição do consumo energético do país e com a contração da economia russa (tabela 1, tabela 2 e tabela 3) (VIOLA; BASSO. 2015). Esse fenômeno ficou conhecido como “hot air”.

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Tabela 1

Consumo total de energia primária (quadrilhões de

BTU)

PIB (anual US$) Crescimento PIB (anual %)

1990 60,91372 516,815,352,031.3 -3.0 1991 57,60298 509,380,839,121.6 -5.0 1992 34,11636 460,205,424,468.7 -14.5 1993 30,58452 435,060,128,779.9 -8.7 1994 29,22575 395,086,555,459.1 -12.6 1995 27,9412 395,528,488,553.4 -4.1 1996 25,9227 391,721,392,325.1 -3.6 1997 24,39344 404,926,534,140.0 1.4 1998 24,26904 270,953,116,950.0 -5.3 1999 25,33501 195,905,767,668.6 6.4 2000 26,13934 259,708,496,267.3 10.0 2001 25,70645 306,602,673,980.1 5.1 2002 26,66264 345,110,438,692.2 4.7 2003 27,39542 430,347,770,731.8 7.3 2004 28,14475 591,016,690,742.8 7.2 2005 27,89378 764,015,982,405.6 6.4 2006 29,04792 989,930,542,278.7 8.2 2007 29,05464 1,299,705,764,823.6 8.5 2008 29,55181 1,660,846,387,624.8 5.2 2009 26,80883 1,222,644,282,201.9 -7.8 2010 30,02777 1,524,917,468,442.0 4.5 2011 30,41435 1,904,793,932,483.2 4.3 2012 31,52227 2,016,112,133,645.5 3.4

Tabela 1: A redução das emissões de GEE entre os anos 1990 e 2012 foi decorrente do fim do bloco da União Soviética (URSS), da diminuição no consumo energético e da contração da economia

russa em alguns períodos. As tabelas 2 e 3 (abaixo) apresentam os níveis de emissão de GEE nos anos 1990, 2000 e 2012 (destacados acima) (fontes: desenvolvido pelo autora com base nos dados da EIA, 2015; BANCO MUNDIAL, 2015). Disponível em: < http://www.eia.gov> e

<http://data.worldbank.org>. Acesso em 5 Ago.2015).

A trajetória de emissões de GEE da Rússia a partir de 1990 (ano base de emissões, convencionado no Protocolo de Kyoto) pode ser observada nas tabelas e no gráfico abaixo:

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Gráfico 1

Gráfico 1: Com o fim da União Soviética, a indústria entrou em colapso e as florestas começaram a

crescer em campos agrícolas abandonados, fazendo com que as emissões do país decrescessem (fonte: Carbon Brief. Disponível em: < http://www.carbonbrief.org>. Acesso em 16 Jun.2015).

Tabela 2: Emissões totais de GEE da Federação Russa entre 1990 e 2012

Emissões, em Gg CO2 equivalente 1990 2000 2012 Emissões de CO2 sem LULUCF 2.509.802,40 1.479.193,20 1.658.872,10 Emissões / retiradas líquidas de CO2 por LULUCF 127.526,10 -442.961,60 -580.726,20

Emissões / retiradas líquidas de CO2 com LULUCF 2.637.328,50 1.036.231,70 1.078.145,90 Emissões de GEE sem LULUCF 3.367.781,50 2.055.527,80 2.297.151,80 Emissões / retiradas líquidas de GEE por LULUCF 164.571,00 -406.501,90 -542.016,80 Emissões / retiradas líquidas de GEE com LULUCF 3.532.352,50 1.649.026,00 1.755.135,00

Fonte: UNFCC, traduzido pela autora. Disponível em: <https://unfccc.int >. Acesso em 16 Jun.2015).

Tabela 3: Mudanças nas emissões de GEE (em porcentagem) da Federação Russa entre 1990 e 2012

Mudanças nas emissões (%) 1990 2000 2012

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Emissões de CO2 sem LULUCF -41,1 12,1 -33,9 Emissões / retiradas líquidas de CO2 por LULUCF - 31,1 -

Emissões / retiradas líquidas de CO2 com LULUCF -60,7 4 -59,1 Emissões de GEE sem LULUCF -39 11,8 -31,8 Emissões / retiradas líquidas de GEE por LULUCF - 33,3 - Emissões / retiradas líquidas de GEE com LULUCF -53,3 6,4 -50,3

Fonte: UNFCC, traduzido pela autora. Disponível em: <https://unfccc.int >. Acesso em 16 Jun.2015).

Por ser um grande produtor e exportador de energia baseada em combustíveis fósseis, a Rússia posiciona-se a favor desses no fornecimento global de energia. Por isso, seu comprometimento com o regime climático é singular. Durante as negociações do Protocolo de Kyoto sua meta era aumentar o comércio de créditos de carbono, pretendendo vender o seu “excedente” (hot air) para outros países desenvolvidos. Na COP 18, ocorrida em Doha, o país queria que o hot air continuasse existindo, mas os outros países recusaram (VIOLA e BASSO, 2015).

Compromissos de redução de GEE assumidos para o horizonte pré-2020 Em 2009, sob o Acordo de Copenhague, a Federação Russa comprometeu-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa relativas ao ano base de 1990 em 15% a 25% até 2020. Um Decreto Presidencial, feito em setembro de 2013, confirmou o objetivo de redução mais alto. Esse comprometimento, no entanto, depende de dois fatores: os países com os maiores níveis de emissões de GEE, deveriam assumir obrigações legais de redução de emissões e as atividades LULUCF deveriam ser contabilizadas. (ELZEN, M. den et al. 2015).

No entanto, projeções indicam que, mesmo excluindo as atividades LULUCF e sob as políticas atuais – que incluem metas para a eficiência energética e para a produção de eletricidade por meio de fontes renováveis –, esse objetivo pode ser atingido. Embora não esteja claro se a política de estabelecimento de limites para a queima de gás será totalmente implantada, ela poderia levar a reduções adicionais de emissões de GEE (ELZEN, M. den et al. 2015).

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A estratégia energética russa tem como objetivo principal diminuir a intensidade energética da economia, sendo que o país se comprometeu com uma redução de 40% relativa aos níveis de 2007 até o ano de 2020. Esta política principal é complementada com uma meta para aumentar a parcela de energia renovável (excluindo a energia hidrelétrica) para 4.5% da matriz energética até 2020 e com um limite de 5% para a queima de gás, em vigor desde 2012. Embora a meta de aumento das energias renováveis não tenha sido formalmente alterada, documentos governamentais recentes referem-se a metas fundamentadas em capacidade alinhadas com uma parcela de 2.5% de energia renovável (ELZEN, M. den et al. 2015).

Além das áreas citadas acima, a implementação de melhorias nos setores de transporte, edificações e energia poderia reduzir ainda mais os níveis de emissão da Rússia. Além disso, políticas voltadas para essas esferas teriam diversos co-benefícios, como melhoria da qualidade do ar, por exemplo (ELZEN, M. den et al. 2015).

Compromissos Intenções de “Contribuição nacionalmente determinada” para o horizonte pós-2020

O documento submetido às Nações Unidas

Surpreendendo muitos, a Federação Russa foi um dos primeiros países a apresentar suas intenções de “Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada” (INDC), respeitando o prazo final dado pelas Nações Unidas – 31 de março de 2015 (YEO; EVANS.2015). Além da Rússia, os países que submeteram seus INDCs dentro do prazo estipulado foram: Suíça, União Europeia e República da Letônia, Noruega, México, Estados Unidos e Gabão.

O país declara, no documento submetido, que “[…] limitar os gases antropogênicos de efeito estufa na Rússia em 70-75% dos níveis de 1990 até o ano de 2030 pode ser um indicador de longo prazo […]”, insinuando que pretende reduzir suas emissões em 25-30% dos níveis existentes no ano base de 1990.

Os setores que irão participar dessa redução são: energia; processos industriais e utilização de produtos; agricultura; uso do solo, modificação do uso do solo e silvicultura; desperdício. Já os gases contabilizados no INDC são os seguintes: dióxido de carbono (CO2); metano (CH4); óxido nitroso (N2O); hidrofluorocarbonetos (HFCs); perfluorocarbonetos (PFCs); hexafluorido sulfúrico (SF6) e trifluoreto de nitrogênio (NF3).

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A meta apresentada, no entanto, irá depender “[…] da maior contabilização da capacidade de absorção de suas florestas”. Além disso, a decisão final do país está sujeita aos resultados decorrentes das negociações climáticas ao longo de 2015, bem como dos INDCs de outros países com grandes emissões.

Análise do INDC

A Federação Russa declara, em seu INDC, que pretende diminuir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 25-30% dos níveis de 1990. Tal redução é praticamente igual àquela que o país já tinha se comprometido para 2020, o que quer dizer que as emissões em 2030 podem não ser mais baixas do que em 2020. Esse fato pode levar à duas conclusões:

1. Não se sabe qual será a trajetória de emissões da Rússia na década entre 2020 e 2030. O país tanto pode manter suas emissões estáveis durante esse período, como pode aumentá-las para depois reduzi-las novamente em 2030. Como é o volume acumulado de CO2, que determina o quanto o planeta irá aquecer, não é possível avaliar o quanto a Rússia contribuirá com o limite de 2oC. No entanto, se, como tudo indica, suas emissões não atingirem o pico até 2020, conforme recomendado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), outros países terão que compensar a diferença para tentar manter a probabilidade de um aumento de temperatura global de apenas 2oC (YEO; EVANS. 2015).

2. As ambições do país para lidar com as mudanças climáticas não vão aumentar, uma vez que, segundo alguns estudos, as políticas existentes já seriam suficientes para fazer com que o país alcançasse a meta superior do INDC. Junte-se a isso, o fato de que a meta proposta está condicionada à máxima contabilização da capacidade de absorção de suas florestas boreais, que foram responsáveis por absorver aproximadamente 500 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera por ano desde o ano 2000. A Federação Russa sabe, portanto, que, contanto que gerencie adequadamente suas florestas, estas irão reduzir drasticamente as emissões do país, antes que este precise preocupar-se com questões como eficiência energética e combustíveis renováveis (YEO; EVANS. 2015).

Outra preocupação é que, conforme visto no item 3, a análise da trajetória de emissões do país mostra que, em 1990 – período anterior à queda da União Soviética (URSS) – as emissões foram as maiores contabilizadas nos últimos 25 anos. Com o fim da URSS e o colapso de suas indústrias intensivas em carbono, as emissões reduziram-se pela metade ao longo da década, chegando a ser 53% menores no ano 2000. Ou seja, há 15 anos atrás, a Rússia já havia reduzido suas emissões relativas ao ano base, pela metade. A partir de 2003, as emissões começaram a crescer. Porém, em 2012, elas ainda eram 50% menores (se incluirmos LULUCF) ou 32% menores (sem incluir LULUCF) (UNFCCC, s/d).

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Por basear-se em uma redução a partir de um ano cujas emissões foram muito maiores do que as atuais, o INDC apresentado, na verdade, dá ao país uma flexibilidade para aumenta-las. Afinal, a meta russa para 2030 limita o crescimento das emissões em aproximadamente 2.470 milhões de toneladas de CO2e, enquanto que os níveis em 2012 eram iguais a 1.755 milhões de toneladas de CO2e. Isso significa que em 2030, a Rússia poderá ter emissões 40% maiores do que as de 2012.

Considerações finais e recomendações Este trabalho tem o objetivo de fornecer uma análise da “Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada” (INDC) apresentada pela Rússia para a Conferência das Partes (COP), que ocorrerá em Paris no final deste ano de 2015. Este evento reunirá os 196 países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e espera-se que, por meio dele, seja possível chegar a um consenso sobre o rumo a ser tomado pela Convenção de Clima.

Inicialmente, essa pesquisa forneceu um panorama da Federação Russa, expondo características referentes ao seu perfil demográfico e socioeconômico. Em seguida, foi apresentado o perfil da matriz energética do país, bem como suas principais emissões de gases de efeito estufa (GEE). Após essa breve contextualização da conjuntura atual da Rússia, expôs-se o INDC submetido às Nações Unidas, bem como uma breve interpretação do mesmo.

Em resumo, o INDC apresentado pelo país propõe reduzir as emissões de GEE em 25-30% dos níveis relativos ao ano base de 1990, contanto que sejam contabilizadas a capacidade de absorção de suas florestas. Essa intenção, longe de ser ambiciosa, revela que a Rússia poderia, até mesmo, aumentar suas emissões de GEE atuais, uma vez que os níveis de 1990 foram os mais altos do último quarto de século e que o país, sem ter focado em medidas práticas para a redução dessas emissões, conseguiu, em 2000, uma redução de mais de 50%.

Apesar da aparente falta de comprometimento do país com as mudanças climáticas, ainda existe a possibilidade de que suas intenções sejam revistas, já que a decisão final da Rússia está sujeita ao andamento das negociações sobre o tema que estão ocorrendo durante 2015. Espera-se que isso efetivamente ocorra, pois, para que seja possível atingir a meta de limitar o aquecimento global em até 2oC relativos à era pré-industrial até o final deste século, será necessário que haja um engajamento efetivo de todos os países – especialmente os maiores emissores, como é o caso da Federação Russa.

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Anexo I Políticas públicas relacionadas ao setor energético Título Ano Status Descrição Conservação de Energia e Métodos de Garantia para a Observância da Eficiência Energética

1999 Em vigor Refere-se a produtos domésticos e industriais. Estabelece valores normativos para a eficiência energética com base no estágio de vida do produto; estipula requisitos e define métodos para atingir tais valores.

Parâmetros Microclimáticos em Edifícios Residenciais e Públicos

2000 Em vigor Código para temperatura e umidade dentro de ambientes fechados.

Programa para uma Economia Energética Eficiente

2001 Finalizado Estabelecimento de metas e esboço de medidas para melhoria da eficiência energética em diferentes setores da economia.

Padrões para auditar o Consumo Energético em Edifícios

2003 Em vigor Monitoramento da observância dos códigos federais de edificações.

Estratégia Energética Russa até 2030

2003 Em vigor Tem o objetivo de maximizar o uso dos recursos naturais do país, bem como o potencial de seu setor energético, para sustentar o crescimento econômico, melhorar a qualidade de vida e fortalecer suas posições econômicas externas.

Performance Térmica dos Edifícios – Revisão do Código Federal

2003 Em vigor O novo código federal substituiu completamente o código de obras feral e criou mecanismos de incentivo à edifícios energeticamente eficientes.

Decreto Presidencial 889: relativo à medidas para melhorar a eficiência energética e

2008 Em vigor Este decreto aumentou o objetivo de redução da intensidade energética para 40% até 2020, comparado com os níveis de 2007.

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ecológica da economia russa Padrões para Emissões de Veículos

2008 Em vigor A taxa de registro do veículo aumenta conforme o tamanho do veículo e do motor, bem como das emissões de CO2.

Contratos de performance Energética

2009 Em vigor O contratante sob esse tipo de arranjo aceita tomar medidas com os objetivos de economia de energia pelo cliente e de aumento da eficiência do consumo dos recursos energéticos.

Lei de Aumento da Conservação e Consumo Energético

2009 Em vigor Esta lei encoraja a eficiência energética ao estabelecer padrões para o cumprimento de políticas, regulamentações e diretrizes para conservação e medidas de eficiência.

Auditorias de energia e passaportes energéticos

2010 Em vigor Para determinar a quantidade de recursos energéticos utilizados, avaliar a eficiência energética e o potencial para economia de energia, a Lei Federal no 261-FZ exige que sejam feitas auditorias de energia relativas produtos, edifícios, estruturas e processos tecnológicos, assim como entidades legais e empreendedores individuais. Os resultados devem ser copiados em um “passaporte energético” e enviados para a autoridade pública devidamente autorizada.

Programa Federal para Economia e Eficiência Energética para o período até 2020

2010 Em vigor Este Programa aloca 9,5 trilhões de rublos para programas regionais de economia de energia, com o objetivo de reduzir a intensidade energética em 13,5% até 2020, enquanto também estabelece garantias governamentais para certos projetos.

Classificação da eficiência energética

2011 Em vigor A Lei Federal no 261-FZ estabeleceu um esquema de classificação energética mandatória.

Desenvolvimento dos medidores de energia

2011 Em vigor Sob a Lei Federal no 261-FZ, toda a energia produzida, transmitida e consumida está sujeita à contabilidade compulsória em virtude dos respectivos

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medidores. Decreto Presidencial sobre Medidas para Garantir que os Cidadão da Federação Russa tenham Acesso à Alojamento Acessível e Confortável, bem como habitação e serviços de qualidade

2012 Em vigor Para melhorar as condições de habitação dos cidadãos russos e melhorar a eficiência energética, este decreto estabelece um plano de ação em diversas fases.

Tabela: Quadro político relativo à eficiência energética russa (fonte: elaborado pela autora com base nas informações da IEA, Policies and Mesures Databases, disponível em

<http://www.iea.org/policiesandmeasures/energyefficiency/?country=Russian%20Federation>. Acesso em 9 Jun.2015).