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8/7/2019 contribuiçoes da psicologia cognitiva à psicologia escolar http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-da-psicologia-cognitiva-a-psicologia-escolar 1/9 553 Psicologia Cognitiva no Contexto Es As Contribuições da Psicologia Cognitiva e a Atuação do Psicólogo no Contexto Escolar Mônica F. B. Correia 1 Universidade Federal da Paraíba Anna Paula Brito Lima Universidade Federal Rural de Pernambuco Claudia Roberta de Araújo Universidade Federal Rural de Pernambuco Resumo Este artigo propõe uma discussão acerca do papel do psicólogo no contexto escolar, a partir da análise das principais te hoje permeiam o debate em educação. Os psicólogos escolares têm, ao longo do seu tempo de inserção nesse contexto, c suas preocupações principalmente nas dificuldades de aprendizagem dos alunos, numa atuação individualizada e se Contudo, este papel necessita ser redimensionado, uma vez que aquele deveria ter formação teórica que instrumentaliza participação ativa nas discussões acerca do processo ensino-aprendizagem, atuando na “situação didática” — com alu professores; enfim, com toda a comunidade escolar, dentro de um tempo historicamente determinado. Palavras-chave: Atuação do psicólogo; contexto escolar; teorias psicogenéticas. Cognitive Psychology Contributions and the Psychologist’s Role in the School Context Abstract This article proposes a discussion concerning the psychologist’s role and function in the school context, from the stand the analysis of the main theories that today permeate the debate in education. The school psychologists have, along th of insertion in that context, worried themselves with difficulties of student learning, in an individualized, sectorized perf However, this role needs to be redimensioned, once the psychologist should have a theoretical formation that would instrum the active participation in the discussions concerning the teaching-learning process, acting in the “didactic situation” - students, with the teachers, finally with the whole school community, inside of a historically determined time. Keywords: Psychologist’s role; school context; psychogenetic theories. Este artigo tem por objetivo, analisar uma proposta de atuação para o psicólogo escolar, bem como as principais teorias que permeiam os discursos relacionados à Educação, principalmente porque esta discussão – sobre as contribuições da Psicologia Cognitiva — tem se mostrado alheia ao cotidiano deste profissional. Procuramos, dentro das limitações de um artigo, despertar os leitores para a problemática da atuação e para a necessidade de aproximarmos, nesta atuação, as tão relevantes contribuições da Psicologia do cenário escolar. Para tanto, o texto foi organizado em quatro partes. A primeira traz uma proposta de atuação para o psicólogo no contexto escolar, na qual percebemos a necessidade do conhecimento daquelas contribuições da Psicologia Cognitiva. Nas segunda e terceira seções, destacamos alguns conceitos deste conhecimento, aqueles que consideramos essenciais, e suas implicações no co escolar. Por fim, fazemos considerações relevantes os tópicos discutidos nas seções anteriores. A Atuação do Psicólogo no Contexto Escolar Na compilação de estudos sobre as relações cultura e cognição e sobre a prática dos psicólog Brasil no cenário escolar, observa-se um descom As idéias que ampliaram nossos conhecimentos a r da cognição humana não são compartilhadas em u contextos mais férteis para sua discussão — a esco cujo objetivo, supostamente, seria a promoçã desenvolvimento e aprendizagem. As investiga atuações junto à Educação confirmam o desconheci e até a deturpação de idéias centrais sobre a constru conhecimento, especialmente entre os psicólogos in neste contexto, profissionais que deveriam atuar mediadores entre tais conhecimentos e a Educação. Correia (1997; Correia, Oliveira & Andrade, verificou, por exemplo, que as escolas, tanto parti 1 Endereço para correspondência: Av. Abdias Gomes de Almeida, 997, Tambauzinho, 58042-100, João Pessoa, Pb. Fone: (83) 2438622, Fax (83) 2167064. E-mail : [email protected] Psicologia: Reflexão e Crítica, 2001, 14(3), pp. 553-561

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Psicologia Cognitiva no Contexto Es

As Contribuições da Psicologia Cognitiva e a Atuação do Psicólogo no Contexto Escolar

Mônica F. B. Correia 1

Universidade Federal da Paraíba Anna Paula Brito Lima

Universidade Federal Rural de PernambucoClaudia Roberta de Araújo

Universidade Federal Rural de Pernambuco

ResumoEste artigo propõe uma discussão acerca do papel do psicólogo no contexto escolar, a partir da análise das principais tehoje permeiam o debate em educação. Os psicólogos escolares têm, ao longo do seu tempo de inserção nesse contexto, csuas preocupações principalmente nas dificuldades de aprendizagem dos alunos, numa atuação individualizada e seContudo, este papel necessita ser redimensionado, uma vez que aquele deveria ter formação teórica que instrumentalizaparticipação ativa nas discussões acerca do processo ensino-aprendizagem, atuando na “situação didática” — com aluprofessores; enfim, com toda a comunidade escolar, dentro de um tempo historicamente determinado.Palavras-chave: Atuação do psicólogo; contexto escolar; teorias psicogenéticas.

Cognitive Psychology Contributions and the Psychologist’s Role in the School Context

Abstract This article proposes a discussion concerning the psychologist’s role and function in the school context, from the standthe analysis of the main theories that today permeate the debate in education. The school psychologists have, along thof insertion in that context, worried themselves with difficulties of student learning, in an individualized, sectorized perfHowever, this role needs to be redimensioned, once the psychologist should have a theoretical formation that would instrumthe active participation in the discussions concerning the teaching-learning process, acting in the “didactic situation” -students, with the teachers, finally with the whole school community, inside of a historically determined time.Keywords: Psychologist’s role; school context; psychogenetic theories.

Este artigo tem por objetivo, analisar uma propostade atuação para o psicólogo escolar, bem como asprincipais teorias que permeiam os discursos relacionadosà Educação, principalmente porque esta discussão – sobreas contribuições da Psicologia Cognitiva — tem semostrado alheia ao cotidiano deste profissional.Procuramos, dentro das limitações de um artigo, despertaros leitores para a problemática da atuação e para anecessidade de aproximarmos, nesta atuação, as tãorelevantes contribuições da Psicologia do cenário escolar.Para tanto, o texto foi organizado em quatro partes. Aprimeira traz uma proposta de atuação para o psicólogono contexto escolar, na qual percebemos a necessidadedo conhecimento daquelas contribuições da PsicologiaCognitiva. Nas segunda e terceira seções, destacamosalguns conceitos deste conhecimento, aqueles que

consideramos essenciais, e suas implicações no coescolar. Por fim, fazemos considerações relevantes os tópicos discutidos nas seções anteriores.

A Atuação do Psicólogo no Contexto EscolarNa compilação de estudos sobre as relações

cultura e cognição e sobre a prática dos psicólogBrasil no cenário escolar, observa-se um descom As idéias que ampliaram nossos conhecimentos a rda cognição humana não são compartilhadas em ucontextos mais férteis para sua discussão — a escocujo objetivo, supostamente, seria a promoçãdesenvolvimento e aprendizagem. As investigaatuações junto à Educação confirmam o desconhecie até a deturpação de idéias centrais sobre a construconhecimento, especialmente entre os psicólogos inneste contexto, profissionais que deveriam atuar mediadores entre tais conhecimentos e a Educação.

Correia (1997; Correia, Oliveira & Andrade, verificou, por exemplo, que as escolas, tanto parti

1 Endereço para correspondência: Av. Abdias Gomes de Almeida, 997, Tambauzinho, 58042-100, João Pessoa, Pb. Fone: (83) 2438622, Fax (83)2167064.E-mail : [email protected]

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quanto públicas, investem em capacitações de professores,mas os psicólogos só são apontados timidamente comoresponsáveis por estas. Em contrapartida, são citados,com considerável ênfase, quando os entrevistados sãocolocados numa situação de encaminhar o aluno paraum profissional fora da escola . Neste sentido, parece que opsicólogo escolar está tornando-se invisível na escola,tanto para atuar com problemas emocionais, de acordocom uma antiga visão, como — continua esquecido — para atuar com a construção do conhecimento ouprocessos cognitivos.

A Psicologia Escolar ainda se caracteriza, predomi– nantemente, por uma atuação centrada basicamentenaquele aluno apontado como “problemático”, ou seja,aquele que “não pára quieto”, que “não aprende”, que é“agressivo” e que atrapalha atransmissãodo conteúdo ouo cumprimento do programa na sala de aula. E na história

da sua inserção no contexto escolar, discutida por Correiae Campos (2000) e resumida aqui, encontramos váriasposturas, como o modelo médico de atuação, o modelodo engenheiro humano, ou seja, modificador decomportamentos, até aqueles, como diz Patto (1984), emníveis mais sofisticados, que fazem terapia na escola ou lidamcom outros personagens além do aluno.

Moreira (1994) traz uma questão interessante referenteà relação do fracasso escolar com a atuação do psicólogo:“... como explicá-lo sem ferir os meandros da estruturaescolar? É este o pedido endereçado à Psicologia” (p.6). A qual, infelizmente, tem procurado atender a este pedido,

focalizando no indivíduo todas as “culpas” de seu fracassoe do caótico sistema escolar. Assim, a freqüência dospsicólogos escolares no cenário educacional é bastantediversificada, fundamentada por teorias que indicam quedevemos desde aplicar testes até trabalhar especificamentecom professores, embora a ênfase geralmente esteja noindivíduo. Entretanto, o que se verifica é uma atuaçãoalheia a toda uma conjuntura, na forma de um trabalhoeminentemente clínico nas escolas. Em outras palavras, afigura demarketing ou decorativa tem sido a posiçãocumprida por muitos dos psicólogos nas escolas, uma vez que geralmente não sabem qual a sua função nestainstituição (Correia & Campos, 2000). Há vários fatores(história, pluralidade teórica, formação, legislação) quecontribuem para uma atuação insatisfatória, emconseqüência dos quais ainda podemos caracterizar aPsicologia Escolar pelas controvérsias, pouca objetividade,indefinição e insegurança com relação à atuação: o quêproduzir neste cenário?

Muitos autores compartilham da idéia de que oprincipal objetivo do psicólogo escolar deveria seraumentar a qualidade e eficiência do processo ensino-

aprendizagem. Mas, geralmente, não há consenso ouclareza quando a questão é “como” intervir nesteprocesso. A literatura cita inúmeras funções que opsicólogo poderia assumir na instituição escolar e aomesmo tempo reivindica um único caminho. No entanto,não podem existir delimitações, uma vez que deveria seressencialmente contextualizada, ou seja, partir dasnecessidades e prioridades emergentes em cada escola.Esta característica impede que tenhamos algo como umalista de procedimentos padrões para a atuação dopsicólogo escolar. Ele deverá primeiramente questionarquais são os setores que estão requerendo intervenções equais destas são as prioritárias, sempre tendo em vista aeficiência do processo ensino-aprendizagem.

Correia e Campos (2000) propõem, então, umaatuação mais objetiva e completa, representada por umesquema sobre o que, efetivamente, o psicólogo poderia

fazer na instituição escolar. Tal esquema resume asprincipais diretrizes para esta atuação (Figura 1).

Figura 1. Esquema-síntese da atuação do psicólogo escolar(adaptado de Correia & Campos, 2000)

Ao ingressar em uma escola, o psicólogo deverá iniciara sua atuação pela “análise da instituição”. Essa análiseenvolverá todos os setores e indivíduos que compõem aescola, bem como as suas inter-relações, e tem por objetivoobservar as relações , levantar evidências sobre qual areferência teórica que fundamenta a postura e a ação dosprofessores e dos seus dirigentes, a coerência entre o discursoe a prática dos seus componentes; o que por sua vez tambémreflete o nível de conhecimento. Em suma, o psicólogoestará preocupado em “verificar os aspectos da escola”,independentemente das queixas iniciais que geralmentetendem a focalizar os problemas no aluno.

Concluída aquela fase, haverá elementos quecorrelacionados irão auxiliar na análise sobre a “eficiênciae qualidade do processo educacional” desenvolvido. A

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Mônica F. B. Correia, Anna Paula Brito Lima & Claudia Roberta de Araújo

Análise Institucional

Diagnóstico

Formação de grupos-trabalho em equipe

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partir daí, começará a sugerir mudanças avaliadas comonecessárias. Para tanto, o psicólogo apresentará uma outracaracterística fundamental da sua atuação: o “trabalhoem equipe”. Posteriormente aparecem as atividadesdenominadas “periféricas”, que partem ou derivam dasestruturais, com características e cuidados específicos(consultor, orientador, professor , atendimentoindividualizado ao aluno - abordado à luz da escola comoum todo - aconselhamento vocacional, seleção de pessoale desenvolvimento organizacional). Por último, é citada aatividade de pesquisa na escola, embora ela estejarelacionada a todos os aspectos levantados anteriormente,essencialmente àqueles que se denominam estruturais, uma vez que envolvem coleta e análise de dados.

Assim são enfatizados três pontos como sendo osmais relevantes para a prática do psicólogo no contextoeducacional: 1) iniciar a ação pela análise da instituição,

visto que cada escola é específica e apresentará prioridadestambém específicas; 2) não esquecer que o processoensino-aprendizagem é dinâmico, em constantetransformação; logo, não dispõe de procedimentosrígidos; 3) ter sempre em mente que o processoeducacional apresenta-se como multidimensional,requisitando trabalho “em equipe”.

As análises realizadas em escolas públicas ou particulares,baseadas nesta estrutura, (Correia, Lima & Campos, 1999)geralmente têm apontado como prioritária a necessidadede fundamentação teórica entre os profissionais daEducação. O psicólogo escolar tem aparecido como

necessário, principalmente, para mediar conhecimentos,aproximando daquele cenário as contribuições da Psicologia.Mas, em boa parte dos casos, os que estão na escola nãotêm se mostrado bons parceiros para esta mediação, sequerreconhecem tal necessidade.

Há um dado, comum às situações de transição, encon– trado no cenário escolar: “ouve-se o galo cantar, masnão se sabe onde”. Em outras palavras, há umanecessidade de o psicólogo se inserir na escola como umpersonagem que retorna e instiga o retorno àscontribuições da Psicologia, pois naquele cenário as idéiasestão soltas, desarticuladas e precisam ser retomadas desdeas considerações mais primárias ou elementares. Porquesem estas, todas as outras se tornam inócuas, gera-se umcírculo de atividades no qual nenhuma mudança podeser efetiva. Uma forma de iniciar, por exemplo, é pelareflexão das origens e influências (das correntes filosóficasempirista, inatista e interacionista) das abordagens doprocesso, uma vez que concebem a construção ouaquisição do conhecimento pelo homem de maneirasdistintas e até contraditórias e, portanto, delegam papéisdiferentes, em cada uma, a professores e a alunos.

Como a fundamentação teórica ou o conhecimdas contribuições da Psicologia Cognitiva tem sidos “vácuos” mais encontrados no contexto escocaracteriza-se como um dos pilares desta propoatuação, decidimos abordar pontos importantes, poidéias férteis que precisam ser aprofundadas, dissistematicamente e relacionadas ao cotidiano escolaidéias servem como ponto de partida e, ao mesmo tdenunciam o quão distante se está destas contribuSem poderem servir, como sabemos, quais manuprimeiros socorros, com imediata utilização ou apl

Atualmente, nossas mais fortes contribuições orise das teorias de Piaget e de Vygotsky. Tais estutêm-se revelado pilares da nossa compreensão “como o ser humano aprende” e fundamentam gparte dos projetos educacionais contemporâneos. maneira, iniciaremos tentando sinalizar para as idéi

fecundas para psicólogos ou profissionais cujo obé a eficiência do processo educativo.

A Teoria Psicogenética de Piaget e Sua Contribuiçãoà Prática do Psicólogo no Contexto Escolar

A teoria psicogenética de Jean Piaget ganhou esppanorama educacional brasileiro entre 1970 e 1980. Eseu interesse fosse epistemológico e não pedagógpela vertente da Educação que ficou conhecido no através das “fachadas” de escolas que divulgavam: “o MétodoPiagetiano”. No entanto, o construtivipiagetiano foi grosseiramente interpretado, ge

equívocos em relação à compreensão de como sconstrução do conhecimento nessa perspectiva. A idéia de construção do conhecimento propost

Piaget defende que é na interação com o meio sujeito se depara com situações diferenciadas, que oa construir hipóteses, através dos processos de assime acomodação, visando explicar os fenômenoocorrem no seu mundo. Piaget, um biólogo de formdefendia na sua teoria “epistemológica genética” umsentido para a idéia de “gênese”: origem ( a priori ) egenético ( orgânico, maturacional ). Assim, os conceitos teócos de base foram emprestados da Biologia – estreflexos, esquemas etc. - e a partir daí transpostouma abordagem psicológica.

Alguns resultados de pesquisa (Salvador e cols.mostram que quando o sujeito não consegue assnovos conhecimentos aos seus esquemas surgedesequilíbrios, os conflitos cognitivos, fato que obuscar uma equilibração, com o objetivo de adaao meio. É a busca desta adaptação — equilibmajorante (Piaget, 1976) — o cerne do desenvolvcognitivo, que segue estágios nos quais o sujeito ra

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de maneiras diferentes, suscitando conflitos de naturezasdiversas que promovem o seu progresso cognitivoestrutural. Embora a ênfase não devesse estar, comogeralmente tem acontecido, nestes estágios.

O conceito piagetiano de equilibração mostra comouma criança é capaz de resolver uma situação de conflitosuscitada pela presença simultânea de esquemas cognitivoscontraditórios. Este processo, que levaria a criança paraum equilíbrio superior, é considerado por Piaget (1976)como um processo de auto-regulação estritamenteinterno ao sujeito. O mecanismo da equilibração se explicapelo fato que cada uma das etapas sucessivas apresentauma probabilidade crescente em função dos resultadosobtidos na precedente.

As estruturas biológicas em interação com o ambientesão tidas como a base principal na qual a inteligência opera:há uma prioridade da dimensão biopsicológica sobre a

dimensão social. Segundo Piaget (1976), o social é importantepara o desenvolvimento mental das crianças, mas nãoestruturante deste desenvolvimento como o é, por exemplo,para Vygotsky. É necessário refletir sobre a história dePiaget e as influências desta na sua abordagem teórica.Ele toma emprestado, por exemplo, a noção de adaptaçãodo contexto biológico e a transforma no eixo principal:“Trata-se da idéia de que o que chamamos de conhecimentonão tem, nem pode ter, o propósito de produzirrepresentações de uma realidade independente, mas antestem uma função adaptativa” (Fosnot, 1998, p. 19).

No cenário escolar, a construção do conhecimento é

propiciada pela relação professor-aluno-conhecimento.Sem negar as especificidades do conteúdo escolar — queé situado historicamente, apresenta uma marca cultural eum ambiente social definido — a aquisição de muitosconstrutos conceituais apenas parece viável pela mediaçãode um professor, que tem a função de fornecer aoambiente de sala de aula o espaço onde se realizará aconstrução de um saber ensinado que não é claro,transparente, e assim, constrói-se na tentativa detransformar o conhecimento científico em objeto deensino, conforme a idéia detransposição didática , propostae discutida por Chevallard (1985).

No entanto, numa macro-visão, as escolas não têmdemonstrado preocupação em preparar bem os seusalunos para a aquisição de conceitos, mas sim para “treiná-los a aprender”, excluindo a significação e contextualizaçãodos modelos utilizados, bem como deixando deconsiderar (em grande parte) os conceitos construídospor eles nas suas experiências cotidianas. A maioria dosprofessores pensa que é suficiente propor um discursosobre um conteúdo, transmitindo conceitos científicosem aulas exclusivamente expositivas, como “verdades

absolutas”, perpetuando a visão do conhecimento como‘cópia’, inscrita numatabula rasa . Dessa forma, gera-seum grande problema para a aprendizagem, pois oobjetivo é apenas a transmissão do conteúdo que se desejaensinar, descartando qualquer elaboração de realconstrução do conhecimento por parte do aluno. Essaquestão é analisada por Larocca (2000) da seguinte forma:

“Na área educacional, vem-se repetindo historicamente oque se pode chamar de ‘seqüestro’ de determinadas teoriaspsicológicas para propiciar fundamento científico àreformulação gestada por certas políticas educacionais.Freqüentemente (...), a perspectiva teórica adotada éapresentada aos professores através de processos massivosde capacitação, como se fosse a única ou última palavra válidasobre desenvolvimento e aprendizagem ... Criam-se, dessamaneira, modismos psicológicos na Educação e a cada alteraçãoque ocorre nas equipes dos governos, os professores sãochamados a aderir a um ‘novo remédio milagroso” (p. 63).

Além disso, as tais capacitações costumam acontecerde forma mecânica, apenas expositiva e desarticulada daprática, ou seja, diz-se aos professores “façam o que digo(com os alunos), mas não façam o que faço com vocês(os professores)”. Este aspecto remete ao tipo deposicionamento que é assumido pelos profissionais dentrodo cenário escolar com relação a como se origina/constrói o conhecimento. Nesta posição teórica, Piaget eseus discípulos defendem uma visão ‘interacionista’,acreditando que o conhecimento é produto da interaçãoentre sujeito e meio ambiente, construindo-segradativamente em etapas com a participação ativa dosujeito, permitindo o desenvolvimento de sua cogniçãoe, conseqüentemente, promovendo a aquisição doconhecimento específico.

É inegável a contribuição que essa teoria trouxe,mesmo que de forma tão equivocada inicialmente, paraa análise crítica do Modelo Tradicional nos moldesbehavioristas. Como defendido por Souza e Kramer(1991, citado por Larocca, 2000):

“Não se pode desconsiderar as contribuições de Piaget,da mesma forma que não se pode difundir a obra ou opensamento de Vygotsky como se fosse a última e únicapalavra dita sobre o desenvolvimento infantil e sobre otrabalho com a criança. Não devemos, nesse sentido, repetircom Vygotsky, nos anos 90, o que foi feito com a obra dePiaget, nos anos 70, (...). Simultaneamente, não podemosmenosprezar agora o trabalho de Piaget, (...) mais do queprecipitadamente optar por uma das duas abordagens, épreciso indagar a respeito dos paradigmas que nortearam seupensamento, suas investigações e as teorias que‘contribuíram” (p. 63).Piaget traz significativas mudanças, por exemplo, na

maneira de se encarar o erro, tido anteriormente comoPsicologia: Reflexão e Crítica, 2001, 14(3), pp. 553-561

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algo a ser severamente combatido. Para os construtivistas — segundo Astolfi (1997) — ao contrário, o erro é maispositivo, e seu papel e importância precisam serconsiderados e estudados com outro olhar na construçãodo conhecimento, uma vez que indica o progressoconceitual a ser obtido. As respostas dos alunos, por maisabsurdas que possam parecer, são importantes paracompreender as operações intelectuais que estão em jogo. Além disso, os “construtivistas” defendem que só quandoa pessoa tem capacidade de experimentar as ferramentasde que dispõe, às novas situações que encontra, é que elaprogride. O erro implica, nesta perspectiva, qual a lógica depensamento do aluno num dado momento da construçãode seus esquemas conceituais. Compreendendo como oaluno raciocina sobre determinado conceito, o professorpode propor situações de intervenção significativas para asuperação de taisassimilações incompletas ou incorretas .

Outra contribuição importante, embora ainda poucoaproveitada no contexto escolar, refere-se aodesenvolvimento do julgamento moral. Piaget defendeu,por exemplo, que a compreensão das regras e de outrosconceitos morais (como fraude, mentira, justiça) caminhajunto com o desenvolvimento intelectual, está relacionadaa este, e possui características específicas; portanto, taisregras devem ser construídas e não impostas. É possível verificar que esta construção, que vai refletir diretamentenas questões relacionadas à indisciplina/disciplina,também precisa da colaboração do adulto, através deexperiências e relações de respeito mútuo. Dessa maneira várias contribuições podem ser destacadas.

A partir da teoria de Piaget é possível tomar algumasconsiderações como diretrizes educacionais:

“outorgar ao aluno um papel central em suasaprendizagens, aceitar que o processo de aprendizagem é umprocesso reconstrutivo, lento, no qual o aluno deve carregar opeso da atribuição de significados, pensar que o processo deequilibração é essencial em qualquer construção deconhecimentos, defender que o ensino deve favorecer assituações nas quais ocorra essa aprendizagem significativa eque não deve ser um processo mecânico e repetitivo, etc”(Martí, 1996, p. 23).

Nestes termos, segundo Coll (1996), podemosabstrair três princípios básicos sobre o funcionamentodo psiquismo humano a partir da teoria genética, queorienta a análise, a explicação e a compreensão dosprocessos de Educação escolar: a) os esquemas de açãoe representativos — que dão a capacidade de interpretaçãoe de significado — são mediadores dos intercâmbiosfuncionais que mantemos com nosso meio; b) aimportância da atividade mental construtiva nofuncionamento do psiquismo humano - conhecer é atuar

sobre a realidade, e esta atividade tanto pode ser eobservável, como pode ser mental, não observávemodelo de equilibração, proposto para dar condinâmica da mudança e do progresso intelectual,tendência natural do psiquismo humano que exptorna possível a atuação de outros fatores.

Neste sentido, várias conseqüências são produpelos pressupostos piagetianos para a ação do psicescolar. É fundamental, por exemplo, a compreenque o problema da aprendizagem implica no prodo conhecimento, e que está diretamente relacion“visão de mundo” adotada por esse profissional. (1976, citado por Ramozzi-Chiarottino, 1994) dque “aprender é saber realizar ( réussir ); conhecer compreender e distinguir as relações necessáricontingentes: atribuir significado às coisas no sentidamplo da palavra, ou seja, levando em conta não só

e explícito como o passado, o possível e o implícito”Por outro lado, a ação deste psicólogo exige cdos pressupostos teóricos para a transpos“experimental”. Para Piaget (1976, citado por RaChiarottino, 1994) entre a reflexão filosófica e a apsicólogo existe um “abismo”, o qual o próprio tentou preencher através das suas investigações dtoda a sua vida de pesquisador. Para isso, faz-se neca compreensão, por parte desse profissional, de qugrande descoberta deste autor foi o processamcognitivo,

“(...), ou seja, como é possível ao ser humano apr

conhecer e atribuir significado, caracterizando o conhenão como cópia interior dos objetos ou dos acontecimmas como uma compreensão do modo de construçãotransformação desses objetos e acontecimentos, então conseqüência necessária para a prática da Psicologia”Dessa maneira, o papel deste profissional na

deveria ter como subsídio principal a compreensãodinâmica.

A Teoria Sócio-Histórica de Vygotsky e a suaContribuição à Prática do Psicólogo no ContextoEscolar

A outra perspectiva teórica a ser discutida, e relpara a atuação do psicólogo escolar, é a sócio-his Tomamos a liberdade de nos referirmospressupostos de Vygotsky como teoria. Este pontosi só, geraria uma longa e polêmica discussão, poque defendem que Vygotsky não propôs uma torganizada a partir de pressupostos e postuladosdefinidos. De fato, Vygotsky não dispôs de muito para a sua elaboração teórica. Morreu jovem, detoda uma obra por desenvolver. Apesar disso, recon

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se que o legado teórico deixado por Vygotsky é rico eprofundo, portanto não pode ser compreendido, seanalisado de maneira superficial. Nesta perspectiva, a suateoria é em essência, dialética – no sentido que propõeHegel – não podendo ser compreendida sem considerara interdependência entre os conceitos propostos. Dessainterdependência, surge algo novo, diferente do que cadaconceito significa isoladamente, na mais autêntica idéiade síntese dialética.

A teoria de Vygotsky foi uma das mais debatidas, oucitadas, em Educação na última década. Falar deste autore de suas contribuições à reflexão sobre o processoensino-aprendizagem requer que façamos uma análise docontexto em que foi produzida, bem como em quecircunstâncias ganha vulto no Brasil. Esse argumento jáaponta para uma visão “vygotskyana”: um conhecimentoproduzido dentro de um contexto histórico, por um

homem igualmente contextualizado e inserido em umtempo histórico. Isso é válido para qualquer análisecientífica.

A melhor forma de fazer referência à teoria sócio-histórica é analisá-la em relação a outras teorias,principalmente se considerarmos a inserção destas nocenário educacional do nosso país. Do ponto de vista docenário político-educacional do Brasil, podemos situarsuperficialmente a influência das teorias psicológicas naEducação da seguinte forma: na década de 70 tivemosuma forte influência do Behaviorismo, sobretudo em sua versão contemporânea, representada por Skinner e outros

psicólogos americanos. Contextualizando essa afirmação,a década de 70 foi fortemente marcada pelo regime editadura militar. A escola, então, passa a ser compreendidacomo um pequeno ‘quartel’, onde os comportamentosdeveriam ser modelados a partir de contingências dereforço. Controlando a relação entre Estímulo-Resposta-Reforço/Punição, poderíamos dar conta do processode aprendizagem, no qual o conhecimento passaria a serconcebido como umacópia do real . Essa perspectivapromoveu mudanças radicais na Educação, instituindo otão conhecido - e criticado - ‘modelo tradicional deEducação’, não mais nos moldes ‘tradicionais’ antigos,no qual o professor era percebido como um tutor e oprocesso centrava-se nele, mas a partir de uma perspectivatecnicista.

A década seguinte é marcada pela abertura política equeda da ditadura militar. Como discutido anteriormente,é nesse contexto que a teoria de Piaget é enfocada nocenário educacional do Brasil. Com Vygotsky, o processonão foi diferente. Embora este teórico fossecontemporâneo de Piaget, apenas no final da década de80 e início dos anos 90 sua teoria passou a ser discutida e

divulgada amplamente. Ele começa a desenvolver talteoria após a Revolução Russa de 1917, propondotranspor o marxismo do nível sociológico para o nívelpsicológico, embora seus pressupostos teóricospropusessem uma dimensão individual (além da social)na construção do conhecimento.

A idéia inicial - e “perigosa” - era que Vygotsky vinhaacrescentar à teoria de Piaget o “social”, surgindo termoscomo “Sócio-Construtivismo”, que culminam poracentuar esta visão equivocada. A partir da análise dasidéias fundamentais da teoria sócio-histórica, poderemosrefletir em que medida essa construção teórica temimplicações para o processo ensino-aprendizagem ecomo a Psicologia pode mediar a apropriação dessas nouniverso escolar; através de alguns conceitos que explicamo desenvolvimento das funções mentais superiores – tipicamente humanas – e suas implicações educacionais.

As principais idéias de Vygotsky referem-se: (1) àrelação dialética entre indivíduo-sociedade, nas quaisoriginam-se as características tipicamente humanas. Ohomem transforma o seu meio e, ao mesmo tempo,transforma-se a si mesmo; (2) às funções psicológicassuperiores, que se originam nas relações entre o indivíduoe seu contexto sócio-cultural, ou, em outras palavras, têmuma origem cultural; (3) à relação com o mundo, queseria mediada por “ferramentas” criadas pelo homem;(4) ao cérebro como a base biológica de tais funçõesmentais. Mas o cérebro não seria imutável ou fixo,podendo-se falar em “plasticidade cerebral”. A partir

dessa reflexão entende-se que “os processos psicológicoscomplexos se diferenciam dos mecanismos maiselementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeiade reflexos” (Rego, 1998, p. 43).

Assim, uma concepção fundamental que Vygotsky trazà reflexão é a idéia de que o conhecimento não se dá apartir da interação direta sujeito-objeto. Essa interação é,em essência,mediada . Com isso, ele propõe a idéia demediação, tendo por base a concepção de Marx e Engels,realizada pelosinstrumentos e signos . Os instrumentos sãoobjetos do mundo físico, aqueles que mediam a ação (etransformação) do homem sobre a natureza. A possibilidadede transformação desta pelo homem seria infinitamentemenor se ele não houvesse desenvolvido e aprimorado osinstrumentos que auxiliariam a sua intervenção no mundo.Os signos aparecem como osinstrumentos psicológicos , poiseles mediam o próprio pensamento.

A linguagem se constitui como o signo fundamental,tendo o poder de representar simbolicamente objetos eeventos. Na ausência de um objeto, ele pode serrepresentado através da linguagem sem que haja necessidadede tê-lo concretamente ao alcance das mãos. Logo, a

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linguagem teria uma dupla função, como discutido emOliveira (1993), a de “intercâmbio social”e a de “pensamentogeneralizante”. Neste sentido, Vygotsky atribui um papelfundamental à linguagem, na constituição das funçõesmentais superiores, pois mais do quecomunicar opensamento tem a função de organizá-lo e estruturá-lo.

A escola aparece como elemento mediador naapropriação, pelo indivíduo, do saber historicamenteacumulado ao longo do desenvolvimento da humanidade.Nessa perspectiva teórica, assume um papel primordial, pois“a instituição escolar foi criada para desempenhar umafunção: a de comunicar às novas gerações os saberessocialmente produzidos, aqueles que são considerados, emum determinado momento histórico, válidos e relevantes”(Lerner, 1996, p. 95). E a linguagem, enquanto instrumentoestruturante do pensamento, deve ser explorada nessecontexto como forma de representação e organização internado mundo externo.

Mas a linguagem não pode ser percebida apenas comoexpressão verbal. Diversas formas de linguagem devemser exploradas no contexto escolar: verbal, escrita, gráfica,pictórica, numérica etc. Os Parâmetros CurricularesNacionais, elaborados pelo Ministério da Educação eCultura - MEC (1997), apontam para essa reflexão, tantono que diz respeito à intervenção didática quanto aoprocesso de avaliação. Um único instrumento e formade expressão lingüística não pode dar conta do quanto oaluno aprendeu, do saber do qual se apropriou ao longode um período letivo. Esse saber científico, apropriadono contexto escolar, não pode prescindir das experiênciascotidianas do indivíduo e do acervo de conhecimentoque ele acumulou ao longo de suas vivências no cotidianoescolar e extra-escolar. Isso nos remete a outra análiseextremamente produtiva da teoria de Vygotsky, a relaçãoentre conceitoscotidianos e conceitoscientíficos no processode formação de conceitos.

Em sua reflexão teórica sobre o processo de formaçãode conceitos, a discussão acerca dos conceitos cotidianos ecientíficos, e das relações entre estes, configura-se como umdos aspectos mais importantes desta abordagem. Ambosos conceitos fazem parte de um processo mais complexo eestão intimamente relacionados no seu interior. Para adquirirdeterminados conceitos científicos, a criança precisa terconsolidada a compreensão dos cotidianos que lhes dêemsuporte. Nessa relação, os conceitos cotidianos favorecemo desenvolvimento dos científicos, conferindo-lhes maior“concretude”, ou seja, relacionando-os com o dia-a-dia. Osconceitos científicos, por sua vez, dão abrangência e maiorpoder de generalização aos cotidianos. Desta forma, ambossão imprescindíveis e complementares para o processo.

Se analisarmos a relevância disto para a Educação,perceberemos que a escola freqüentemente “descon–

textualiza” os conceitos por ela trabalhados, não levem consideração que o aluno tem um acervexperiências e conhecimentos anteriores - escolar eescolar - que deveria servir como suporte pconstrução de novos conhecimentos. Em contrapaos novos conceitos elaborados precisam ser “funciode acordo com a reflexão atual em Psicologia, Pede Didática. Ou seja, o aluno necessita entender o quê” e “para quê” daquela aprendizagem. Issimplicações tanto do ponto de vista cognitivo quanafetivo e motivacional. O estudante passa a se sent valorizado, pois suas experiências são considediscutidas no contexto da sala de aula, e os conhecimescolares tornam-se mais funcionais. Desta forma, apode ser percebida como um ambiente mais interee prazeroso.

Sobre os processos de desenvolvimento e de adizado Vygotsky propõe uma análise complexadas reflexões mais instigantes para o educador é ao bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolv(Rego, 1998), reflexão que abre caminho paraconceito fundamental: o de Zona de DesenvolvimProximal (ZDP). Este conceito pode ser compreencomo a distância entre o que o aluno é capaz de rsozinho, já consolidado em seu desenvolvimentoreal) e aquilo que ele não pode fazer sozinhoconsegue realizar na interação com o outro mais expe(nível potencial; Vygotsky, 1991).

Esta análise implica, primeiramente, que não é pesperar até que o aluno esteja “pronto” (do ponto dedo desenvolvimento) para adquirir um determconhecimento. Isto desmistifica a idéia de “prontamplamente difundida e colocada em cheque pelade Piaget. A teoria dos estágios, com sua propoetapas seqüenciais e universais de desenvolvimenmuitas vezes mal compreendida pelos educadortomaram isoladamente um aspecto discutido por Pno qual o aluno só poderia aprender aquilo que esdentro da estrutura cognitiva de um determinado e

A segunda implicação é a idéia de que a escol valorizar, especialmente, as interações entre os dif Assim, a concepção de que salas de aula heterosão preocupantes também se desfaz, pois interdiversificadas implicam em indivíduos com difZDPs, interatuando uns nas ZDPs dos outros. O amenos experiente se beneficia dessa interação, pois pode ajudá-lo em elaborações que ele não conrealizar individualmente. O mais experiente tambbeneficia, pois no momento em que procura ajuoutro a desenvolver novos conceitos reorganreestrutura suas próprias concepções, a fim de sistemlas e compartilhá-las.

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As Contribuições da Psicologia Cognitiva e a Atuação do Psicólogo no Contexto Esc

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A teoria sócio-histórica se consolidou, a partir destasteses, como uma teoria de extrema valia para a Educação. As idéias construtivistas, na atualidade, não podem estardesvinculadas da proposição teórica de Vygotsky. Há, defato, um caminho a ser percorrido, uma distância entreos aspectos teóricos aqui discutidos e a transposição destespara uma prática escolar cotidiana. Não se pode fazersimplesmente uma justaposição; adaptações necessitamser realizadas. Mas é preciso transformar, e todatransformação, como bem propôs Vygotsky, produzirá algonovo, que não será a soma das questões teóricas às práticas,mas o produto dessa interatuação, uma síntese dialética. Eesta tarefa deveria ser mediada pelo psicólogo escolar.

Considerações Finais

Neste artigo, resgatamos diretrizes para uma atuaçãomais eficiente do psicólogo e sugerimos a apropriação emediação de conceitos, ambas imprescindíveis ao cenárioescolar. O objetivo, então, foi favorecer discussõessistemáticas dos temas apresentados, uma vez que estatem sido a prioridade encontrada em diversos contextosescolares. Neste sentido, sugerimos a apropriação de umaestrutura de atuação essencialmente contextualizada, emequipe e mediadora das contribuições da PsicologiaCognitiva. Assim, trouxemos as idéias mais discutidas deautores que se constituem como os pilares de teorias queinfluenciam o cotidiano de uma instituição que se pretendepromotora da aprendizagem. Nestas abordagens,procuramos demonstrar que falar em Piaget e Vygotsky,mesmo que de forma introdutória, significa trazerconceitos extremamente complexos e relacionados entresi e que, portanto, não convém, como vem acontecendofreqüentemente, serem vulgarizados ou tratados de formasuperficial e até simplista.

Observa-se nesta discussão, em primeiro lugar, aimpossibilidade de falar das contribuições da PsicologiaCognitiva sem falar em Interacionismo (precisando, então,diferenciá-lo das demais correntes filosóficas) e, assim,sem falar em Piaget e Vygotsky. Em segundo lugar,demonstra-se a dificuldade de se abordar o primeiro semtratar do epistemológico, do método clínico, dosinvariantes funcionais, da equilibração, da ação sobre oconhecimento, do julgamento moral, do erro e daavaliação como parceiros da construção do conheci– mento, entre outros. Da mesma forma, é difícil abordar Vygotsky sem trazer conceitos como funções psicológicassuperiores, interação, mediação simbólica, instrumentose signos, zona de desenvolvimento proximal, formaçãode conceitos, entre outros.

Verificamos, desta maneira, que temos um “arsenal psicológico” oferecendo elementos que dão suporte à análise

constante do processo educativo, e através de diversas“lentes”. Logo, o psicólogo se torna o profissional maisindicado a suscitar e instigar tal empreitada no cenário escolar,sem, no entanto, prescindir das contribuições de todos ossetores deste e, especialmente, da prática dos profissionaisque formam, com ele, a equipe pedagógica e a escola.

Contudo, precisamos enfatizar ainda alguns pontosrelevantes que deverão permear as reflexões que esteprofissional conseguir implementar. Iniciaremos compontos curiosos a respeito de Piaget e Vygotsky, quesozinhos já sugerem relações com o nosso dia-a-dia desujeitos cognoscentes e principalmente com a escola. Estesestudiosos têm características comuns e especiais, umadelas é a interdisciplinaridade — precisamos aprenderisso sob diversos aspectos. Tanto Piaget como Vygotsky lançaram mão do estudo e da análise de diferentes oucorrelatas áreas de conhecimento, correntes filosóficas e

disciplinas. Eles procuraram questionar, integralizar,relacionar ou contrapor idéias e temas aparentementedistantes. Como poderíamos então pensar em ter queescolher uma entre quaisquer que sejam as teorias? Martí(1996) interpreta uma proposição de Coll (1996), queilustra bem essa reflexão: “Coll reivindica a pertinênciade alguns postulados da teoria genética ..., embora afirmeque tais postulados devam ser reelaborados de acordocom o significado da prática educacional e em relação aoutros postulados provenientes de outras teorias” (p. 30).

Um outro ponto também nos traz elementos ricos àreflexão. Toda mudança ou transformação requer

ousadia, pois significa, de início, desafio, autocrítica,argumentação, avaliações constantes e objetivos claros. Aqueles autores, por exemplo, não tinham sequer ummétodo de pesquisa psicológica que alcançasse seusquestionamentos. Em outro sentido, não encontraram“em seu meio científico uma Psicologia adequada quelhe permitisse abordar as suas questões teóricasfundamentais. Precisou inventá-la” (Martí, 1996, p. 20); oque vale tanto para Piaget como para Vygotsky. Elesprecisaram inclusive romper com a Psicologia de suasépocas, ou seja, de ousadia e demais características citadas.

Por fim, é importante esclarecer que ao nos referirmosao “construtivismo” incluímos tanto os postulados dePiaget como os de Vygotsky, pois o construtivismo temorigem fundamental na pesquisa epistemológica doprimeiro e sócio-histórica do segundo, entre outrosposteriores. Como poderíamos, se temos a intenção deatuar no cenário escolar, deixar de analisar e, principalmente,aprofundar os conhecimentos nesta teoria?

Fosnot (1998) consegue em alguns pequenos trechosresumir brilhantemente a quê o construtivismo vem e como quê se compromete quem se propõe a compartilhar dos

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pressupostos desta teoria. Por este motivo finalizaremos esteensaio com citações que tanto demonstram a amplitude, aimportância e as possibilidades de articulações, a partir doestudo desta, como trazem sérios alertas:

“... uma visão construtivista da aprendizagem sugere umaabordagem do ensino que oportunize aos alunos experiênciasconcretas, contextualmente significativas, nas quais elespossam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas econstruir seus próprios modelos, conceitos e estratégias. (...)corremos o risco de promover reformas de curta duração, a menos que os educadores entendam a teoria por trás da prática (grifo nosso), asconexões entre as disciplinas envolvidas nas reformas e anecessidade de uma grande reestruturação das escolas e dosprogramas...” (ps. xi e xii).O psicólogo escolar, portanto, não pode prescindir

destes conhecimentos e deve mediá-los no contextoeducacional. Gostaríamos de enfatizar ainda a premênciade uma coordenação entre tais teorias, uma vez que a

“pergunta importante a ser feita não é se o indivíduocognoscente ou a cultura deveriam receber prioridadeem uma análise da aprendizagem, mas como é a interaçãoentre eles” (Fosnot, 1998, p. 40).

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Recebido: 30/10/2000Revisado: 13/02/2001

Aceite Final: 05/04/2001

Sobre as autoras:Mônica F. B. Correia é Psicóloga, graduada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Doutoranda eMestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Avaliaçõese Medidas em Psicologia (UnB). Atua como Coordenadora e docente da pós-graduação em PsicologiaEducacional; docente e supervisora de estágio em Psicologia Escolar do Departamento de Psicologia daUniversidade Federal da Paraíba. Seu interesse atual está dirigido às relações entre cultura e cognição e àprodução de significados.

Anna Paula Brito Lima é Psicóloga formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Psicologia

Cognitiva, pela mesma Universidade (UFPE). Professora de cursos de graduação e pós-graduação doDepartamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Pesquisadora na área de Psicologiada Educação Matemática, vinculada ao Laboratório de Pesquisa em Psicologia da Educação Matemática(LAPPEM - UFRPE/UFPE). Atualmente desenvolvendo interesse de pesquisa acerca do papel do discursoeducacional na construção de conceitos matemáticos em sala de aula.Cláudia Roberta de Araújo é Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre emPsicologia Cognitiva e atualmente Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia também daUFPE. Professora de cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Educação da UniversidadeFederal Rural de Pernambuco. Pesquisadora na área de Psicologia da Educação Matemática, vinculadaao Laboratório de Pesquisas em Psicologia da Educação Matemática (LAPPEM - UFRPE/UFPE). Atualmenteseu direcionamento de pesquisa integra os eixos da cognição e afetividade e suas possíveis relações com aconstrução da subjetividade do professor.Psicologia: Reflexão e Crítica, 2001, 14(3), pp. 553-561

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