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CONTRIBUIES DO CRCULO DE BAKHTIN AOENSINO DA LNGUA MATERNA
Maria Bernadete F.de Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO: Objetivamos neste trabalho discutir o conceito de linguagem formulado pelocrculo de Bakhtin, como referencial terico que possibilitaria ao ensino da lngua
materna, atravs de atividades realizadas no cotidiano da sala de aula, assumir um
compromisso com a formao do cidado crtico e reflexivo, ultrapassando o professor,no exerccio de sua prtica docente, a noo do que o texto , para uma outra que
compreende o que o texto diz e significa.
PALAVRAS-CHAVE: dialogia, vozes sociais, ensino de lngua materna.
ABSTRACT: This paper discusses the contribution of Bakhtins circle to language
teaching and learning, as an approachal which comprehends language as a meaningfulprocess, carrying social values, that allows teachers, in their daily activities in
classroom, contribute to the formation of a critical citizen .
KEY-WORDS: dialogism, social voices, language teaching
Ao se discutir questes de ensino e aprendizagem, cada vez mais ressaltada a
responsabilidade da escola em sua contribuio para a construo da cidadania, implicando
em introduzir o aluno no contexto de um debate que discuta valores e reflita sobre asmanifestaes de sua prpria subjetividade e da construo de seus processos identitrios.
Esta temtica recorrente nas teorias pedaggicas, nos dizeres dos professores, nas
introdues das propostas curriculares dos cursos de formao de professores (Kramer1994; Geraldi 1998; Pimenta 1999,Oliveira 2001.b), e, remete para a discusso da
formao do profissional de Letras e de quais saberes estes cursos disponibiizam ao futuro
profissional, de forma a permiti-lo desempenhar tais tarefas, no cotidiano de sua sala deaula.
Sem dvidas que deslocamentos, de ordens diversas, se fazem necessrios, na formao
destes profissionais, no sentido de possibilitar ao ensino de lngua materna, a formao de
leitores e produtores de textos posicionados socialmente, pelos e nos seus enunciados,tomando conscincia de seu discurso em um processo que Fairclough denomina de
conscientizao crtica da linguagem.
De ordem terica, o ponto de partida seria pensar a linguagem na perspectiva de umaprtica social, na qual, o discurso, moldado pelas relaes de poder e ideologias,
apresenta-se como processos de significao, manifestao de pontos de vista, de
subjetividades, provocando efeitos nas construes identitrias, nos sistemas deconhecimentos, crenas, os quais, nem sempre esto aparentes na estrutura organizacional
do discurso (Fairclough, 1992), introduzindo-se a idia da constitutividade do sujeito pela e
na linguagem.De ordem metodolgica, a ampliao caminha na perspectiva de uma viso de realidade
como descontnua, no linear, considerando o acontecimento, o evento, em sua
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singularidade e cotidianidade, como objeto de estudo, cabendo ao analista, compreend-loe interpret-lo (Laville e Dionne, 1999; Schnittman, 1996).
Pensando assim, que nos remetemos aos ensinamentos do crculo de Bakhtin, por
serem aqueles estudiosos que concebem o estudo dos signos verbais inserido no universodos bens simblicos, no mundo da cultura, e, por fazerem parte de uma realidade, a qual
constituem e que lhes constitui, apresentam-se ensopados de valores (Faraco,1996).Em uma aluso aos movimentos do universo, Bakhtin(1991) nos diz que, na vida social, asforas centrfugas propagam a diversidade, a heterogeneidade das lnguas, as quais se
opem s foras centrpetas, aquelas que tendem a instaurar uma forma de linguagem
padronizada, enquadrando os enunciados concretos e seus processos de significaes. Faz-
nos ainda compreender a natureza dialgica do discurso, sua orientao para o outro - realou virtual-, eco de outros discursos, com os quais mantm relaes dialgicas, deles
tomando formas, significaes, por meio de processos de assimilao, reestruturao, em
graus diversos (Bakhtin 1991, 1992). Uma concepo de linguagem, portanto, para almdas relaes que se estabelecem nos limites da lngua, condensando a idia bsica de que
todo fato de significao resultado de um trabalho social, realizado por sujeitos ativos no
processo de interao/troca/comunicao verbal, fazendo emergir signos portadores devalores sociais, definidos a partir do horizonte social de sua poca e pelas formas das
relaes sociais nas quais se constroem.A perspectiva de abordagem da linguagem, formulada pelo crculo de Bakhtin, resgata uma
concepo de sujeito, que se constitui face ao outro, mas no se dilui no outro, negando o
estudo do sujeito ... a ttulo de coisa porque, como sujeito, no pode, permanecendo
sujeito, ficar mudo: conseqentemente o conhecimento que se tem dele s pode serdialgico... (Bakhtin, 1992: 403). Um sujeito que no se apresenta nem como reflexo nem
como assujeitado e muito menos como origem absoluta da expresso, e sim, como o lugar
de encontro dialgico do exterior e do interior, das relaes inter e intrasubjetivas (Voloshinov, 1979). Afirmam-se pois pontos para uma teoria da subjetividade, dependente
do horizonte social, construda em relaes intersubjetivas, embora nelas no se dissolva,
uma teoria do sujeito no qual os mundos da razo e do inconsciente no se excluem, seatravessam.
Este deslocamento terico acompanha-se de um outro, de ordem metodolgica. Passa-se da
orao, unidade de anlise da ordem da lngua, do sistema, do idntico, para o enunciado,que da ordem do acontecimento, do singular, do irreproduzvel (Bakhtin, 1992). De
natureza to diferentes, embora ao mesmo tempo interligadas, estas duas unidades
implicam, portanto, em escolhas metodolgicas tambm diferenciadas.
A anlise para o plo da orao, orienta-se na busca daquilo que na lngua sistemtico,organizado em estruturas e nveis, considera os elementos reproduzveis, opera com
categorias pr-definidas, e tem subsidiado sistematicamente o ensino da lngua materna. O
plo do enunciado assenta-se em outras bases. Ultrapassa os elementos reproduzveis dalngua. Comporta o j-dito, as antecipaes, as relaes dialgicas inter e intra-enunciados,
e, que ocorrem nas fronteiras de pelo menos dois sujeitos, duas conscincias.
O estudo da linguagem, a partir da unidade enunciado, introduz uma noo de texto,como evento nico, como acontecimento, uma resposta aos outros textos, que versam
sobre o mesmo objeto do discurso, e, com os quais se relaciona, ao mesmo tempo, que est
sempre a espera de uma resposta, orientando-se sempre para o outro. Cada textopressupe um sistema convencional, isto uma lngua, comporta elementos tcnicos, como
por exemplo, a ortografia, mas, exatamente, por ser nico, irreproduzvel, lugar dos
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sentidos, sua reproduo por um sujeito sempre um acontecimento novo, um novo elo nacadeia histrica da comunicao verbal, do grande e inacabado dilogo. (Bakhtin, 1991,
1992)
Ao tomar-se o enunciado como unidade da comunicao verbal, a abordagemmetodolgica desloca-se de um olhar e de um debruar-se sobre o texto, que se restinge a
processos de identificao, reconhecimento, classificao dos elementos da ordem dalngua, para um outro, que remete para operaes de compreenso e interpretao.Compreender significa orientar-se para a conscincia do outro e de seu universo,
interpretar a conscincia alheia, em todos os seus matizes, para alm de uma percepo
psico-fsica do signo, do reconhecimento do significado em lngua, alcanando a
compreenso dialgica e ativa, que implica em aes entre interlocutores, atravessada que por juzos de valor.
Com este conjunto de pressupostos, os tericos do crculo de Bakhtin vo propor o estudo
da linguagem humana, enquanto uma atividade cognitiva, orientada para a aocomunicativa, atravs de sua manifestao nas diversas lnguas, no mais concebida apenas
como forma. E, ao tomar como foco de seus estudos o universo dos signos verbais, a
orientao para o outro e o dilogo entre conscincias estabelecem, como elementosindispensveis aos estudos da linguagem, de um lado, as relaes entre enunciado e
realidade, de outro aquelas entre o enunciado, seu produtor e seus interlocutores.Operar teoricamente, metodologicamente e didaticamente, com estes dois tipos de
relaes, implica em assumir outras categorias de anlise, incorporando ao ensino e
aprendizagem da lngua materna, questes relacionadas ao sujeito do discurso, passandoportanto pelas noes de valor, das vozes sociais e suas relaes dialgicas. Ou seja, no
dizer de Bakhtin (1992), estudar e compreender os aspectos e formas de relao dialgica
entre enunciados, formatados em diversos gneros discursivos, plenos de orientaes
apreciativas, juzos de valor, em sntese, elementos que, embora alheios ao sistemalingstico, remetem para o prprio funcionamento do enunciado, no qual se fazem
ressoar vozes, algumas vezes longnquas e at imperceptveis, entre as quais distribuem-se
os sentidos. Vozes compreendidas como manifestao de conscincias que dialogam,debatem, concordam, discordam, silenciam a voz do outro ou a si prprio, expressando
valores, plurais ou no, personificao de diferentes sujeitos, de diferentes vises de
mundo. Vozes que estabelecem relaes dialgicas, relaes de ordem extralingsticas,que, no podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da lngua enquanto fenmeno
integral concreto, mas que so irredutveis s relaes lgicas ou quelas de natureza
semntico-pragmticas. Relaes possveis entre enunciados integrais e entre qualquer
parte do enunciado, inclusive aquele constitudo por uma palavra isolada, desde que neleouamos a voz do outro( Bakhtin, 1981). Relaes, portanto, que pressupem sujeitos,
ainda que seja difcil reconhec-los, face sua no concretude imediata, e que vo desde
aquelas mais simples, como a polmica, a pardia, at aquelas que vo permitir epossibilitar ultrapassar, ao ensino da lngua, o nvel da organizao do texto, penetrando no
campo das significaes, dos valores, da subjetividade, enfim, da linguagem concebida
como uma prtica discursiva. So as relaes dialgicas mais complexas, aquelas nas quaisa estratificao de um sentido se sobrepe a outro, podendo domin-lo, ou com ele
concordar, que constituem o espao privilegiado de existncia e observao das vozes
sociais (Bakhtin, 1981, 1990).Estas colocaes sobre as vozes e as relaes dialgicas levam-nos a entender que o
enunciado pressupe sempre sujeitos do dizer, cujas vozes expressam valores e esto
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sempre em algum tipo de relaes dialgicas. Por outro lado, , por ser singular, que oenunciado pode refletir a individualidade de quem fala ou escreve, estando sempre a espera
de uma resposta e no de uma duplicao de seu pensamento no pensamento do outro.
Aps estas consideraes, tentaremos exemplificar como podem ser analisados textosproduzidos por alunos, do segundo grau, aos quais foi solicitado escrever sobre um tema
polmico, a pena de morte.Os textos 1 e 2 apresentam posies de sujeitos contra a pena de morte, enquanto que notexto 3, o posicionamento a favor. Um olhar, ainda que rpido sobre os trs textos, faz
perceber diferenas entre as relaes dialgicas que se travam, isto , os textos dialogam
com as vozes alheias que circulam no conjunto da sociedade, com j-ditos pertencentes
a diferentes domnios, assumindo suas posies de sujeito, flutuantes, comprometendo-secom valores, de cada um desses domnios.
O texto 1, por exemplo, nega os discursos que defendem a pena de morte, cuja orientao
valorativa ancora-se predominantemente em julgamento emocionais. Trata o tema de umaforma generalizada, e a posies de sujeito predominante remete para j-ditos de um
discurso critico das instituies sociais, no caso especfico, a justia e os presdios,
afirmando que ... a justia no perfeita, e muito menos os presdios.... Em seguida,esta posio de sujeito flutua e o enunciado permeado por vozes provenientes do domnio
do discurso religioso, quando considera que ...um homem no tem direito de tirar a vidade ningum.... Enunciado que faz ressoar outros j formulados, cuja interpretao
possvel pela sua j incorporao memria discursiva social.
No texto dois, semelhana do anterior, o sujeito do dizer posiciona-se contra aqueles quepor razes emocionais so favorveis adoo da pena de morte, tomando como exemplo a
morte recente (na poca) da atriz Daniela Perez. Mas, a continuidade de seu dilogo,
diferentemente do anterior, vai concordar com as vozes, ainda que longnquas e annimas
(Bakhtin, 1992), que tratam das desigualdades sociais no pas, ao afirmar-se contrrio pena de morte, pelo fato de que ...a justia , principalmente no Brasil no impe a sua
autoridade aos ricos..., e em seguida assume a mxima, desta vez, explcita, do discurso
religioso de que ...ningum tem o direito de tirar a vida do outro, s DEUS...J o texto trs, apresenta uma posio de sujeito a favor da pena de morte, baseando-se
em argumentos de ordem emocional. O sujeito do dizer assume sua posio de sujeito,
identificando-se com aquelas vozes que manifestam seu horror ao crime e violnciapraticada, nos dias atuais, e o exemplo citado tambm o caso de Daniela Perez. Diz a
autora do texto...realmente este assassinato me fez ser a favor da pena de morte aqui no
Brasil...no imediato do assassinato eu fui radicalmente a favor da pena de morte, e ainda
sou....Pode-se perceber portanto que analisar textos como enunciados, no sentido bakhtiniano,
permite distinguir, entre textos aparentemente semelhantes, a singularidade de cada um
deles e as flutuaes das posies de sujeito.Em sntese, este outro modo de olhar o texto, no processo de ensino e aprendizagem da
lngua materna, no significa voltar ao estudo dos contedos, mas sim, em compreendendo
a linguagem como uma prtica discursiva, possibilitar ao aluno exercitar-se criticamente,reconhecer nos seus enunciados, em sua produo discursiva, suas prprias vozes e os
processos de apropriao das vozes alheias, as posies de sujeito com as quais se
identifica, e para quais valores sociais, ticos e morais, sinalizam. Desta maneira,entendemos, o ensino da lngua materna poder caminhar na direo apontada neste artigo,
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qual seja a de contribuir para a formao de um cidado crtico e reflexivo, a partir doreconhecimento e conscientizao de seu prprio discurso e do discurso alheio.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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