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CONTRATOS EM ESPÉCIE POR: CAROLINA SARDENBERG SUSSEKIND CRISTIANO CHAVES DE MELO LAURA FRAGOMENI ROTEIRO DE CURSO 2010.1 2ª EDIÇÃO

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Page 1: Contratos jurídicos

CONTRATOS EM ESPÉCIEPOR: CAROLINA SARDENBERG SUSSEKIND

CRISTIANO CHAVES DE MELOLAURA FRAGOMENI

ROTEIRO DE CURSO2010.1

2ª EDIÇÃO

Page 2: Contratos jurídicos

sumárioContratos em Espécie

introdução .................................................................................................................................................. 03

1.1. AulA 1: clAssificAção dos contrAtos. elementos essenciAis. ........................................................................... 06

1.2. AulA 2: contrAto de comprA e VendA ............................................................................................................. 10

1.3. AulA 3: contrAto de comprA e VendA (cont.)- cláusulAs especiAis dA comprA e VendA .......................................... 26

1.4. AulA 4: trocA ou permutA. contrAto estimAtório........................................................................................... 31

1.5. AulA 5: doAção .......................................................................................................................................... 33

1.6. AulA 6: contrAto de locAção. locAção de coisAs. ............................................................................................ 38

1.7. AulA 7: contrAto de locAção (locAção de prédios urbAnos –– locAção residenciAl) ........................................... 43

1.8. AulA 8: contrAto de locAção ....................................................................................................................... 48

1.9. AulA 9: empréstimo (comodAto) ................................................................................................................... 52

1.10. AulA 10: empréstimo (mútuo)..................................................................................................................... 57

1.11. AulA 11: prestAção de serViços. empreitAdA ................................................................................................ 61

1.12. AulA 12: depósito ..................................................................................................................................... 64

1.13. AulA 13: mAndAto ..................................................................................................................................... 67

1.14. AulAs 14 e 15: comissão. AgênciA e distribuição (representAção comerciAl) ..................................................... 71

1.15. AulA 16: Análise de contrAtos ................................................................................................................... 92

1.16. AulA 17: licençA e cessão de mArcAs ............................................................................................................ 93

1.17. AulAs 18 e 19: Jogo e ApostA. seguro .......................................................................................................... 120

1.18. AulAs 20 e 21: fiAnçA. .............................................................................................................................. 125

1.19. AulA 22: trAnsAção. compromisso. ........................................................................................................... 129

1.20. AulAs 23 e 24: leAsing. ............................................................................................................................. 137

1.21. AulA 25: resultAdo dA diligênciA. ............................................................................................................. 144

1.22. AulA 26: closing! .................................................................................................................................... 147

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

INTROduçãO

1.1 Visão Geral

Bem-vindo ao Curso de Contratos em Espécie! Esta disciplina é de suma relevância,pois qualquer que seja o ramo do direito que venha a ser escolhido pelo aluno no futuro, seja público ou

privado, uma boa base em direito civil, incluindo contratos em espécie, será sempre exigida. Aliás, independentemente do ramo de atividade escolhido, o conhecimento de contratos em espécie é

fundamental, tendo em vista que diariamente nos deparamos com inúmeros contratos, seja, no aluguel de um imóvel, em um empréstimo no banco, ou mesmo na simples compra de uma passagem de ônibus.

Veremos que o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) incluiu, no rol de contratos em espécie, contratos que anteriormente eram tratados apenas pelo Código Comercial, como o contrato de comissão, agência e dis-tribuição. Em nossas aulas estudaremos boa parte dos contratos nominados ou típicos, ou seja, aqueles discipli-nados no Código Civil, assim como alguns contratos inominados ou atípicos, que, embora não sejam previstos e disciplinados expressamente pela lei, são lícitos e parte do dia-a-dia do intérprete do Direito, como o contrato de leasing e o contrato de cessão de marca.

1.2 objetiVos Gerais

O mercado exige, cada vez mais, a participação do advogado como viabilizador do negócio, auxiliando o executivo a negociar o contrato e atuando sempre na advocacia preventiva. Desta forma, nosso objetivo, além de ensinar (é claro), será o de fazer com que o aluno conheça os diversos tipos de contrato e saiba identificar seus requisitos necessários e seus vícios para a conclusão do negócio.

Queremos preparar o aluno não apenas para a prova, mas principalmente, provê-lo com as ferramentas (objetivo do curso) que o habilite a identificar as características dos principais contratos do nosso ordenamento jurídico, não só com a abrangência que a matéria requer, mas também com a profundidade necessária de um bom enfoque acadêmico e prático, para que, com isso, ele possa ter um diferencial na sua vida profissional.

1.3 MetodoloGia

A metodologia do curso será participativa com exposição dialogada e debates sobre casos propostos. Na próxima aula apresentaremos o caso mestre, que será o fio condutor da disciplina. Por meio dele, os

alunos serão convidados a integrar a equipe responsável pela análise de contratos em uma due diligence fictícia. Dessa forma, os alunos terão contato com as diversas espécies de contratos e com os possíveis problemas enfren-tados no dia-a-dia de um advogado.

Adicionalmente, em todas as aulas serão apresentadas questões, relacionadas ao tema exposto para que sejam debatidas em aula. Para tanto, vale lembrar que:

– como todas as aulas serão participativas, a leitura prévia do material didático e da leitura obrigatória é indispensável.

– a indicação da bibliografia obrigatória e da bibliografia complementar deve servir de base para o aluno. Espera-se, porém, que o aluno pesquise textos adicionais que possam dar enfoques diferentes ou mais profundos sobre o mesmo tema.

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1.4 desafios

Tendo em vista o grande número de contratos no Código Civil e a abrangência da matéria, um dos princi-pais desafios a serem enfrentados pelos alunos nesta disciplina, é saber aplicar o conhecimento teórico, adquirido a partir do estudo e de pesquisa, em casos práticos. A discussão de casos em todas as aulas servirá justamente para estimular o aluno a pensar a teoria na prática.

1.5 Métodos de aValiação

O desempenho do aluno na disciplina Contratos em Espécie será avaliado por meio das seguintes atividades: (i) uma prova escrita a ser realizada no início de outubro; (ii) uma prova escrita a ser realizada na última aula do curso; (iii) um trabalho a ser entregue individualmente pelos alunos; e (iv) participação em sala de aula.

A primeira prova valerá de 0 (zero) a 5,0 (cinco) pontos e será somada ao trabalho que também valerá de 0 (zero) a 5,0 (cinco) pontos.

A segunda prova valerá de 0 (zero) a 8,0 (oito) pontos.. A participação do aluno em aula valerá até 2,0 (dois) pontos, que será somado na segunda prova.

A média do aluno será obtida da seguinte forma:

Média final = primeira prova (5,0) + trabalho (5,0) + Segunda prova (8,0) + participação (2,0)2

O aluno que obtiver média inferior a 7,0 (sete) e superior ou igual a 4,0 (quatro) pontos, deverá fazer uma prova final. O aluno que obtiver média inferior a 4,0 (quatro) estará automaticamente reprovado na disciplina.

Para os alunos que fizerem a prova final, a média de aprovação a ser alcançada é de 6,0 (seis) pontos, a qual será obtida conforme fórmula constante no Manual do Aluno - Manual do Professor.

Prova escrita:

Para ambas as provas o aluno poderá consultar a legislação pertinente, sem comentários ou anotações, somente com remissões a artigos e súmulas dos tribunais superiores, para elaborar as respostas, salvo orientação distinta por parte do professor.

As provas serão compostas de até cinco questões, nas quais o aluno deverá demonstrar o domínio da ma-téria em casos teóricos e práticos.

A princípio, a primeira prova será realizada na primeira semana de outubro e a segunda prova será realizada na semana de 21/11 a 24/11. Caso haja modificação no cronograma que implique em alteração na data das provas, nova data e horário serão divulgados com antecedência para os alunos.

Participação em aula:

Os alunos deverão participar ativamente das aulas. A avaliação por participação será feita com base no in-teresse demonstrado pelo aluno, leitura do material indicado, conhecimento e discussão dos casos apresentados, e, presença e pontualidade nas aulas.

Poderá ser atribuído até 2,0 pontos na nota da segunda prova, conforme a participação do aluno durante o curso.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

trabalho:

Na segunda semana de novembro, cada aluno deverá apresentar relatório apontando os problemas encon-trados na diligência legal, conforme os casos apresentados durante as aulas, seus riscos e, quando possível, as formas de solucioná-los. Ao longo do curso serão fornecidas mais informações sobre como elaborar o trabalho. Caso haja modificação no cronograma que implique em alteração na data da entrega do trabalho, nova data e horário serão divulgados com antecedência para os alunos.

1.6 atiVidades CoMPleMentares

Dependendo do andamento das aulas, o professor poderá propor atividades adicionais que valerão 0,5 (meio ponto) cada uma. Os pontos adicionais serão somados à nota da segunda prova.

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1.1. AulA 1: ClASSIfICAçãO dOS CONTRATOS. ElEmENTOS ESSENCIAIS.

1.1.1. eMentário de teMas:

Introdução. Existência e validade do contrato. Classificação dos contratos.

1.1.2. biblioGrafia obriGatória:

• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 27 a 48.

• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2005, vol.. III, págs. 30 a 35.

1.1.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• WALD, Arnoldo. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. In ARRUDA Alvim, Joaquim Portes de Cerqueira César e Roberto Rosas (coord). Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, págs 59 a 77.

• AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Efi-cácia. São Paulo: Saraiva, 2002.

1.1.4. roteiro de aula

a) introdução

No semestre passado, os alunos tiveram oportunidade de fazer o curso de Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos. Dentre outros, aprenderam os seguintes tópicos: (i) princí-pios da nova teoria contratual; (ii) interpretação dos contratos, (iii) formação dos contratos, (iv) revisão dos contratos; e (v) extinção dos contratos.

Nosso curso será voltado ao estudo dos contratos em espécie. Hoje, porém, analisa-remos os elementos e requisitos para existência e validade do contrato e a classificação dos contratos.

b) existência e validade do contrato

Sendo o contrato um negócio jurídico, a ele são aplicáveis os mesmos elementos cons-titutivos e os pressupostos de validade do negócio jurídico1.

São elementos constitutivos:– vontade manifestada por meio de declaração;– idoneidade do objeto;– forma, quando da substância do ato.

1 Rever aula 2 do curso de Teo-ria Geral das Obrigações e dos Contratos.

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Caso um desses elementos não esteja presente, o negócio jurídico nem mesmo exis-tirá.

Os requisitos de validade estão previstos no art. 104 do Código Civil:– agente capaz;– objeto lícito, possível, determinado ou determinável;– forma prescrita ou não defesa em lei.Estando ausente algum desses requisitos, o contrato será nulo ou anulávelO elemento novo e inerente ao contrato é o acordo entre duas partes sobre determi-

nado assunto.

C) Classificação dos contratos

Qual é o objetivo de classificar os contratos?Embora haja consenso na doutrina sobre boa parte da classificação dos contratos, cada

autor tem um enfoque diferente ao tratar dessa matéria.Nesta aula usaremos por base a metodologia de Silvio Rodrigues, mas recomendamos

que o livro de Caio Mario da Silva Pereira2 também seja estudado. Uma mesma espécie de contrato pode ser classificada de inúmeras maneiras, conforme

o ponto de observação do estudo. Relacionamos abaixo alguns exemplos:

[i – classificação dos contratos quanto a sua natureza:]

– Unilaterais e bilaterais Afinal, o contrato em si é um ato bilateral, certo? Como podemos dizer que um

contrato é unilateral? Qual é a importância de distinguir o contrato unilateral do bilateral?

– Onerosos e gratuitos Os contratos onerosos envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais a ambas as

partes. Já os contratos gratuitos envolvem sacríficio econômico para apenas uma das partes e consequentemente vantagem patrimonial a apenas uma delas. O exemplo tradicional de contrato gratuito é a doação sem encargo. O donátario recebe algo do doador e nada lhe dá em retorno.

Qual é a importância de distinguir o contrato gratuito do oneroso?– Comutativos e aleatórios

Essa distinção aplica-se apenas aos contratos bilaterais e onerosos. Qual é a importância de distinguir o contrato comutativo do aleatório?

[ii – classificação dos contratos quanto ao seu aperfeiçoamento:]

– Consensuais e reais O contrato consensual não requer a entrega do bem para aperfeiçoamento do con-

trato, exige apenas o consentimento das partes. Exemplo: contrato de compra e ven-da de bem móvel. Já no contrato real, o mero acordo entre as partes não é suficiente para constituir o contrato, no máximo, o que ocorre é uma promessa de contratar.

2 Conforme bibliografia com-plementar.

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Isso ocorre, por exemplo, no mútuo, se o mutuante não empresta o dinheiro ao mutuário, o contrato não se aperfeiçoa por mais que haja um contrato entre mutuante e mutuário.

– Solenes e não solenes Geralmente os contratos são não solenes, ou seja, não há forma prescrita em lei para que sejam válidos.

Há, porém, alguns casos em que o legislador achou por bem determinar forma para a validade do ato. É o caso do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no país e que tem que ser feito por escritura pública (art. 108 da Lei nº 10.406/2002).

Qual é a importância de distinguir o contrato solene do não solene?

[iii – classificação dos contratos quanto a sua sistematização:]

– Nominados e inominados Nominados são os contratos previstos e regulados por lei. Inominados ou atípicos são os contratos que,

apesar de não estarem disciplinados em lei, são permitidos quando lícitos, em razão do princípio da au-tonomia da vontade (art. 425 da Lei nº 10.406/2002).

[iv – classificação dos contratos quanto ao seu relacionamento com os demais contratos:]

– Principais e acessórios O contrato que independe de outro para existir é o contrato principal. O contrato acessório, por sua vez,

existe em função de outro contrato. A fiança é um bom exemplo de contrato acessório ao contrato de locação.

Como pela regra geral, o acessório segue o principal, se o contrato principal é nulo, nulo será o contrato acessório. A recíproca, no entanto, não é verdadeira, já que o contrato principal sobrevive sem o contrato acessório.

[v – classificação dos contratos quanto ao momento de sua execução]

– Execução instantânea e de execução diferida no futuro Qual é a importância de distinguir o contrato de execução instantânea do contrato de execução diferida

no futuro?

[vi – classificação dos contratos quanto ao seu objeto]

– Definitivo e preliminar O contrato preliminar tem sempre como objeto a realização de um contrato definitivo. As peculiaridades

do contrato preliminar estão previstas nos arts. 462 a 644 da Lei nº 10.406/2002. O contrato definitivo pode ter vários objetos, conforme a espécie de contrato. Como diz o próprio nome,

trata-se do contrato que trata do assunto definitivamente.

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[vii – classificação dos contratos quanto à maneira como são formados]

– Paritários e de adesão Ao contrário do contrato paritário, no qual as partes discutem os termos do negócio, no contrato de ade-

são não há espaço para negociação. As regras foram previamente estipuladas por uma das partes, cabendo a outra parte aceitá-las ou rejeitá-las em sua totalidade.

Os artigos 423 e 424 mostram a preocupação do legislador em tentar preservar o aderente, ou seja, aque-le que não pôde negociar as cláusulas do contrato.

1.1.5. questões de ConCurso

(Prova: 10º exame de ordem - 1ª fase) o contrato real é um contrato: a. Em que a entrega da res é pressuposto da sua existência;b. Formal;c. Que tem por objeto coisas corpóreas;d. Efetivamente existente.

1.1.6. joGo – disCussão eM sala de aula

Contrato/Classificação

Compra e Venda locação doação Empréstimo fiança mandato fornecimento

de energiaUnilateralBilateralOnerosoGratuitoComutativoAleatórioConsensualRealSoleneNão soleneNominadoInominadoPrincipalAcessórioExecução InstantâneaExecução diferida no futuroDefinitivoPreliminarParitárioDe adesão

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1.2. AulA 2: CONTRATO dE COmPRA E VENdA

1.2.1. eMentário de teMas:

Introdução – Natureza Jurídica – Elementos – Despesas do Contrato e Garantia – Riscos da Coisa – Limi-tações à Compra e Venda – Regras Especiais

1.2.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 481 a 504 da Lei nº 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Pau-

lo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 137 a 169.

1.2.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• NEJM, Edmundo; BRUNA, Sérgio Varella. Due diligence – identificando contingências para prever riscos futuros. In SADDI, Jairo (org.). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002; págs. 205-219.

• ABLA, Maristela Sabbag. Sucessão Empresarial – Declarações e Garantias – O Papel da Legal Due Diligence. In CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (coords.). Reorganização socie-tária. São Paulo: Quartier Latin, 2005; págs. 99-121.

1.2.4. Caso Gerador

O Sr. Eduardo e sua mulher, dona Mônica, abriram o primeiro mercadinho, na década de 80, em Brasília. O que começou com uma loja de conveniência, que visava atender apenas a região, rapidamente ocupou um lugar cativo na vizinhança e a freguesia se tornou cada vez mais fiel.

Com o passar dos anos, a pequena empresa de Eduardo e Mônica foi experimentando um contínuo suces-so e o negócio foi crescendo junto com seus filhos gêmeos, Jeremias e Maria Lúcia.

Cerca de dez anos após o começo das atividades, a Pechincha Comércio Varejista Ltda. foi brindada com uma oportunidade de expansão dos seus negócios. Um velho comerciante de Brasília resolveu aposentar-se e voltar a morar com a filha, no interior de São Paulo, sendo que antes decidiu conferir a Eduardo e Mônica a condução dos seus negócios, vendendo-lhes algumas posses, alugando outras e, de uma maneira geral, transfe-rindo o fundo de comércio para a Pechincha Ltda.

A partir de então, o senhor Eduardo ampliou seus negócios e hoje é sócio majoritário de uma sociedade que possui uma modesta rede de supermercados, com três lojas e um armazém. Com o passar do tempo, porém, o senhor Eduardo foi paulatinamente transferindo a administração de seus negócios para seus filhos.

Maria Lúcia sempre teve tino para os negócios, e sempre foi capaz de enxergar uma boa oportunidade. Dessa forma, quando nosso cliente a procurou para lhe fazer uma proposta de compra da Pechincha Ltda., mes-mo diante da resistência inicial de seus pais e seu irmão, conseguiu convencê-los de que se tratava de uma chance de ouro para a família, e recebeu autorização deles para iniciar as conversas com o interessado.

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Nosso cliente, a companhia Grana Certa Empreendimentos S/A, presidida pelo se-nhor Odin Heiro, que é um investidor profissional, com negócios na área atacadista pre-tende começar a atuar no segmento de distribuição alimentícia, motivo que o levou a se interessar pela Pechincha Ltda. Além disso, vislumbrou a possibilidade de expandir ainda mais os negócios, dada a fidelização da clientela do senhor Eduardo, e a escassez de bons supermercados na região.

Como de costume em negócios deste gênero, nosso primeiro trabalho será realizar uma due diligence ou diligência legal ou auditoria jurídica na companhia Pechincha Ltda.

A diligência legal tem por objetivo conhecer os aspectos jurídicos da empresa, de forma que os potenciais compradores saibam o que realmente estão comprando. Isso normalmen-te se dá por meio de uma análise de todas as operações da empresa, com o exame criterioso de seus contratos, bem como de uma tentativa de identificação de suas dívidas ou passivos mais relevantes, sejam eles tributários, trabalhistas, cíveis, ambientais etc.

O resultado de uma diligência legal pode determinar o sucesso ou não da operação e geralmente influi no preço a ser pago.

Coube a nós, então, a tarefa de fazer a diligência legal na área de contratos da Pechin-cha Ltda. Para tanto, deveremos solicitar todos3 os contratos da empresa a ser adquirida.

Ao fim do processo de diligência legal, muitas vezes é elaborado um relatório des-crevendo a situação da empresa, destacando todos os pontos e questões identificados durante o processo de diligência legal e que podem afetar a situação financeira e legal da companhia.

Esse relatório serve de instrumento para que o potencial comprador pondere se deve pros-seguir com a aquisição do negócio, e, se o fizer, quais são os riscos a que estaria submetido.

Como você, na qualidade de advogado da Grana Certa S/A, começaria o processo de diligência? Quais seriam os primeiros contratos que você solicitaria ao advogado da Pechincha Ltda.? Quais os riscos que, considerando o negócio por ela desenvolvido, você concentraria mais sua atenção? Que problemas você vislumbra que ela pode ter nos contra-tos existentes?

1.2.5. roteiro de aula

a) introdução

O contrato de compra e venda, verbal ou escrito, é a espécie mais comum dos con-tratos. Em nosso dia-a-dia realizamos inúmeras operações de compra e venda, muitas vezes sem prestar atenção. Por exemplo, quando saímos para jantar, compramos um chiclete na barraquinha, vamos ao supermercado, estamos realizando pequenas operações de compra e venda.

Não é à toa que essa é a primeira espécie a ser tratada pelo Código Civil, sendo que outros contratos, como permuta, são regulados também pelas disposições do contrato de compra e venda.

O contrato de compra e venda não gera efeitos reais, ou seja, não transfere, por si só, o domínio do bem alienado. O contrato de compra e venda gera: para o vendedor, a obriga-ção de transferir a coisa vendida; para o comprador, a obrigação de pagar o preço ajustado. Porém, a transferência do domínio só ocorre com a tradição (entrega) do bem, no caso de

3 Dependendo do tamanho da empresa, os compradores estabelecem um valor base para análise dos aspectos jurí-dicos, chamado de critério de materialidade. Nesses casos, a diligência é feita apenas nos processos judiciais ou admi-nistrativos, contratos e demais áreas que envolvam valor igual ou superior ao critério de ma-terialidade.

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bem móvel, e com o registro do título de compra no Registro de Imóveis na hipótese de bem imóvel. (arts. 1.267 e 1.245 da Lei n° 10.406/2002)

Os artigos 481 e 482 da Lei 10.406/2002 dispõem:

“Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

“Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acorda-rem no objeto e no preço”.

A partir da leitura desses dois artigos, podemos extrair a natureza jurídica e os elementos do contrato de

compra e venda.

b) natureza jurídica:

[consensual e (em regra) não solene]Depende apenas da vontade das partes. Estando ambas de acordo com o objeto e o preço, o contrato

é realizado. Não se exige, em regra, formalidade específica para o contrato de compra e venda, que só será obrigatória quando prevista especificamente em lei. Tanto é assim que a compra de um chiclete no baleiro da esquina perfaz uma compra e venda perfeita, embora não formalizada em contrato escrito. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a maioria esmagadora das operações de venda é feita sem formalidades específicas previstas em lei.

Todavia, não se pode esquecer que, para algumas espécies de compra e venda, a observância de determina-das formalidades poderão alterar os efeitos do contrato. Na venda de bem imóvel de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no país, é necessária a realização de contrato escrito mediante escritura pública e seu registro no RGI para que gere efeitos perante terceiros. Importante: o contrato de compra e venda de imóvel realizado por meio de instrumento particular é negócio jurídico existente, válido e plenamente eficaz, mas somente entre as partes.

Existem outros contratos que, embora não necessitem de formalidades especiais para seu aperfeiçoamento, necessitam de um determinado registro para que a tradição do bem – apesar de móvel – tenha sua eficácia plena, inclusive perante terceiros. Cite um exemplo.

[sinalagmático (ou bilateral)]Envolve prestações recíprocas de ambas as partes. O comprador deve entregar o preço enquanto o vende-

dor deve entregar a coisa.

[oneroso]Tanto o comprador quanto o vendedor tem prestações a cumprir, que envolvem transferência de seu patri-

mônio. A gratuidade da compra e venda, expressa na desproporção manifesta entre o valor da coisa transferida e o preço acordado, desfigura o contrato. O correspondente gratuito da compra e venda é a doação.

C) elementos:

Os elementos do contrato de compra e venda encontram-se destacados em negrito no artigo 482 acima, quais sejam:

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13FGV DIREITO RIO

CONTRATOs Em EsPÉCIE

[consentimento ]Comprador e vendedor têm que chegar a acordo quanto ao objeto e o preço.

[preço]Conforme artigo 481 da Lei n° 10.406/2002, o preço deve ser pago em dinheiro. Por

quê? Além disso, o preço não deve ser irrisório, pois senão pode ser considerado uma doa-

ção e não uma compra e venda. Como visto acima, deve haver uma proporcionalidade entre o valor da coisa e seu preço.

O preço deve ser determinado ou determinável. Ou seja, a lei permite que o preço não esteja determinado no contrato e que as partes indiquem: (i) terceiro para fixá-lo; ou (ii) taxa do mercado ou da bolsa, em certo e determinado dia e local; ou (iii) índices ou parâme-tros, desde que possam ser determinados objetivamente. A fixação do preço em regra segue o livre consentimento das partes. Sendo assim, qualquer fórmula estipulada para fixação do preço é permitida. Pode o preço, inclusive, ser ajustado no tempo, ou seja, mesmo após a tradição do objeto o preço pode estar sujeito a ajustes posteriores.

Marvin (comprador) e Vital (vendedor) firmaram contrato de compra e venda no qual deixaram de definir o preço. E agora?

Não é possível, porém, estabelecer que o preço será fixado de acordo com a vontade de apenas uma das partes, pois nesse caso seria uma hipótese de condição potestativa4, vedada pela Lei n° 10.406/2002.

[coisa]Em teoria, todas as coisas que não estejam fora do comércio podem ser objetos do

contrato de compra e venda. Sua amiga, Mônica, conta que está super empolgada com o presente que ganhou do

namorado. Imagine que Eduardo inovou desta vez: comprou-lhe a constelação das Três Marias!!! Ela lhe pergunta quanto vale esse presente. Um pouco constrangido (a) com a situação, você explica que esse presente, embora possa ter muito valor sentimental, não tem qualquer valor econômico. Por quê?

Isso não quer dizer, entretanto, que só podem ser objetos de venda os bens tangíveis. Os bens imateriais, ou intangíveis, também podem ser alienados, como as marcas e o fundo de comércio.

– É possível alienar algo que não existe?Nada impede que seja contratada a alienação de um bem que ainda não existe. Como

vimos anteriormente, no direito brasileiro, o contrato de compra e venda não transfere o domínio do bem. Ele representa a obrigação de transferir um bem no presente ou no futuro, de acordo com a combinação das partes. Tanto é assim, que é possível alienar um empreen-dimento imobiliário, mesmo antes da construção dos prédios. Qual seria um outro exemplo de venda de coisa futura?

d) despesas do contrato e garantia

Em regra, as despesas de escritura e registro ficam a cargo do comprador e as despesas com a tradição ficam sob responsabilidade do vendedor. As partes podem, porém, estabe-lecer regra diversa.

4 Relembrando: Condição po-testativa é aquela que é sujeita ao puro arbítrio de uma das partes.

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No contrato de compra e venda à vista, quem tem que cumprir primeiro com sua obrigação: o vendedor ou o comprador?

Além disso, no caso de venda a termo, o vendedor pode deixar de entregar a coisa, se o comprador torna-se insolvente, até que o comprador lhe dê garantia de que efetuará os pagamentos no prazo ajustado.

Essa regra do art. 495 está em consonância com a previsão da exceção de contrato não cumprido5 estudada anteriormente. Há uma diferença entre elas. Qual é?

e) riscos da coisa

Res perit domino – princípio segundo o qual a coisa perece em poder de seu dono, sofrendo este os prejuízos.

Esse princípio foi utilizado pelo legislador ao determinar, no art. 492, que “até o mo-mento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”.

Tendo em vista que a celebração do contrato de compra e venda não é suficiente para transferir o domínio da coisa até o momento da tradição (para bens móveis) e do registro (para bens imóveis), a coisa continua a pertencer ao alienante. Por isso, até o momento de sua efetiva entrega ou registro, os riscos com a coisa são do vendedor.

Porém, os riscos com a coisa correm por conta do comprador quando:– a coisa encontra-se à disposição do comprador para que ele possa contar, marcar ou

assinalar a coisa e, em razão de caso fortuito ou força maior, a coisa se deteriora;– o comprador solicita que a coisa seja entregue em local diverso daquele que deveria

ser entregue;– o comprador está em mora de receber a coisa, que foi posta à disposição pelo ven-

dedor no local, tempo e modo acertado. Esta hipótese é uma exceção ao princípio da Res perit domino, pois neste caso não houve a tradição da coisa. Não seria justo, entretanto, que o vendedor arcasse com os riscos da coisa, uma vez que cumpriu sua parte do contrato.

– houver mútuo acordo entre as partes.

f) limitações à compra e venda

A lei veda que determinadas pessoas participem de compra e venda. Essa vedação não resulta da incapacidade das pessoas para realizar essa operação, mas sim da posição na rela-ção jurídica. No caso, eles não têm legitimidade para realizar determinadas operações. Isto ocorre nas seguintes situações:

– tutores, curadores, testamenteiros e administradores não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens confiados à sua guarda ou administração;

– servidores públicos não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração, direta ou indireta;

– juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxi-liares da Justiça não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

5 Art. 477 da Lei nº 10.406/2002: “se, depois de concluído o con-trato, sobrevier a uma das par-tes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de com-prometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obri-gou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe comete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”.

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– leiloeiros e seus prepostos não podem adquirir, ainda que em hasta pública, os bens de cuja venda este-jam encarregados.

– descendentes não podem adquirir bens do ascendente, sem consentimento expresso dos demais descen-dentes e do cônjuge do alienante.

Quais são os motivos pelos quais o legislador resolveu restringir a aquisição pelas pessoas elencadas acima?O condômino de coisa indivisível pode alienar sua parte a terceiros, desde que dê direito de preferência

aos demais condôminos, ou seja, ele precisa oferecer aos demais condôminos sua parte pelo mesmo preço e condições pelos quais pretende vender a terceiros. O que ocorre se houver mais de um condômino interessado em adquirir a quota parte a ser alienada?

G) regras especiais

[venda por amostra]Ocorre quando a venda ocorre com base em amostra exibida ao comprador. O comprador tem direito de

receber coisa igual à amostra.

[venda ad corpus e venda ad mensuram]Venda ad mensuram – as partes estão interessadas em uma determinada área. Exemplo: Fazendeiro tem

interesse em adquirir mil hectares para poder plantar. O objetivo do adquirente é comprar uma coisa com de-terminado comprimento necessário para desenvolver uma finalidade.

Venda ad corpus – as partes estão interessadas em comprar coisa certa e determinada, independentemente da extensão. Exemplo: Fazendeiro tem interesse em adquirir a Fazenda Boa Esperança. Nestes casos, entende-se que a referência à medida do terreno é meramente enunciativa.

Embora em alguns casos seja difícil determinar se a venda foi feita ad mensuram ou ad corpus, por vezes essa distinção se faz necessária em razão das regras peculiares a cada uma.

No caso de venda ad mensuram, o comprador tem o direito de exigir que a coisa vendida tenha as medidas acertadas e não o tendo pode pedir a complementação da área, ou caso isso não seja possível, rescindir o contrato de compra e venda.

Já no caso de venda ad corpus, o comprador não teria esse direito, caso verifique que as medidas do imóvel adquirido não correspondem exatamente as medidas que constaram do contrato.

[defeito oculto nas vendas conjuntas]“Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas”.Esse artigo sofre críticas de importantes autores. Quais são elas e como esse artigo deve ser interpretado

para atenuar as críticas?

1.2.6. questões de ConCurso

(Prova: 29º Exame de Ordem - 1ª fase) Quanto à classificação, o contrato de compra e venda de imóveis se apresenta da seguinte forma:

a. Consensual, bilateral, oneroso e solene;b. Consensual, bilateral, oneroso e não solene;c. Bilateral, oneroso, formal e aleatório;d. Oneroso, bilateral, não formal e consensual.

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(Prova: 27º Exame de Ordem - 1ª fase) Com relação ao contrato de compra e venda, NÃO É CORRETO afirmar: a. É nula a pactuação firmada que deixa ao exclusivo arbítrio de uma das partes a fixação do preço b. É válida a venda de ascendente solteiro a descendente, que obtém o consentimento dos demais descen-

dentes, quando da realização de avença c. Na venda “ad mensuram” as referências às dimensões do imóvel são meramente enunciativas, não caben-

do demanda quanto a uma eventual diferença nas medições d. O condômino em coisa indivisível, ao desejar vender a sua parte no bem, deve, antes de vendê-la a um

estranho, dar direito de preferência na aquisição, tanto por tanto, aos demais condôminos

(Prova: 26º Exame de Ordem - 1ª fase) A quem cabem as despesas com a escritura de compra e venda de imóvel residencial?

a. Necessariamente ao comprador b. Necessariamente ao vendedor c. Ao comprador, podendo haver disposição em contrário d. Ao vendedor, podendo haver disposição em contrário

(Prova: 05º Exame de Ordem - 1ª fase) A proibição de venda do ascendente aos descendentes sem a con-cordância dos demais, configura:

a. Falta de aptidão intrínseca do agente; falta de capacidade; b. Falta de legitimação; incapacidade de fato; c. Falta de legitimação, ainda que haja capacidade; d. Desde que haja capacidade, não existe proibição.

(Prova: 05º Exame de Ordem - 1ª fase) Considerando-se o instituto da tradição no direito civil, podemos afirmar que:

a. Executam-se as obrigações assumidas verbalmente;b. Não se transfere o domínio dos bens móveis;c. Transfere-se o domínio de qualquer bem imóvel;d. Transfere-se o domínio dos bens móveis.

(Prova: 03º Exame de Ordem - 1ª fase) A compra e venda de bens móveis é contrato: a. Unilateral;b. A título gratuito;c. Formal;d. Comutativo.

1.2.7. Modelo de lista de due diliGenCe

DILIGÊNCIA LEGALDurante a diligência legal serão analisadas cópias dos documentos abaixo discriminados, referentes à socie-

dade limitada a ser adquirida e, se for o caso, a todas as suas controladas e coligadas.

I - NOTA INTRODUTÓRIA:Alguns dos documentos solicitados podem não existir ou não ser aplicáveis à sociedade objeto da diligência

legal e, se for o caso, a suas controladas e coligadas. Neste caso, bastará que a sociedade formule declaração por escrito nesse sentido.

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Se a sociedade mantiver filiais, as certidões a serem providenciadas deverão abranger a matriz e todas as filiais.

Solicitamos que os documentos sejam ordenados e/ou relacionados seguindo a ordem e numeração cons-tante deste check list, a fim de agilizar o procedimento de sua identificação e análise.

II - ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE:1. Organograma societário da sociedade, com identificação de seus sócios, subsidiárias, coligadas, contro-

ladas e demais sociedades nas quais participe;2. Contrato constitutivo da sociedade e respectivas alterações contratuais posteriores, bem como Atas de

Assembléias ou Reuniões de Sócios, com comprovantes de arquivamento na Junta Comercial e respectivas pu-blicações;

3. Certidão de Breve Relatório da Junta Comercial competente; 4. Todos os Livros Societários da sociedade, especialmente o de Atas de Assembléias ou Reuniões de Sócios; 5. Lista de endereços completos de todos os escritórios, filiais (com os respectivos números de inscrição no

CNPJ), depósitos e quaisquer outras operações da sociedade;6. Lista dos nomes dos sócios, membros da administração da sociedade que ocupam e/ou ocuparam tais

cargos durante os últimos 02 (dois) anos, incluindo suas funções e responsabilidades;7. Acordo de Sócios e Aditivos, arquivados ou não na sede da sociedade;8. Opções, garantias, promessas de compra e venda, cauções e outros gravames, se existentes, tendo por

objeto as quotas da sociedade; 9. Planos de Opção de Compra de Ações/Quotas oferecidos aos seus administradores e/ou empregados;10. Registro das ações ou quotas de outras sociedades de que participa a sociedade; 11. Relatório indicando todas as procurações outorgadas pela sociedade (ad judicia e ad negotia), bem

como respectivas cópias; 12. Protocolos de cisão, incorporação e fusão em que tenha sido parte a sociedade ou tendo por objeto

suas quotas; 13. Em caso de cisão ou redução do capital social da sociedade, cópia das publicações exigidas em lei; 14. Contratos de consórcio, associação ou “joint venture”;15. Convenção de grupo de sociedades de que a sociedade participe; 16. Demonstrações financeiras da sociedade, bem como as suas respectivas publicações;

III - CONTRATOS: 17. Fornecer lista elaborada pela administração da sociedade contemplando todos os contratos em vigor

dos quais a sociedade seja parte signatária ou interveniente, informando objeto, valor, vencimentos, situação (adimplemento ou inadimplemento), prazo e com o fornecimento das respectivas cópias;

18. Fornecer cópias dos modelos de contratos-padrão utilizados pela sociedade;19. Informar sobre a eventual existência de inadimplemento de cláusulas contratuais contendo obrigações

de caráter econômico-financeiro (tais como cláusulas limitando o futuro endividamento da sociedade, cláusulas estabelecendo proibição de ultrapassar determinado limite entre capital próprio e capital de terceiros (“debt/equity”) e etc.);

20. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de distribuição, representação comercial e de forneci-mento (ativo ou passivo) envolvendo a sociedade;

21. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de licença e/ou cessão envolvendo marcas, patentes, direito autoral, desenhos industriais, contratos de transferência de tecnologia, contratos de assistência técnica e/ou con-tratos de franquia ou outros contratos envolvendo bens de propriedade intelectual eventualmente firmados pela sociedade, acompanhados dos respectivos certificados de averbação no INPI e de registro no Banco Central;

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22. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de empréstimo ou financiamento (inclusive por meio de emissão de valores mobiliários), e/ou outros instrumentos de natureza financeira;

23. Informar sobre e fornecer cópia de Cartas de Conforto (comfort letters) ou quaisquer instrumentos, correspondências, acordos laterais etc., que definam o modo de cumprimento de cláusulas contratuais, ou mo-difiquem seus termos;

24. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de locação, arrendamento mercantil ou comodato de bens imóveis ou móveis;

25. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantias reais (e.g. hipoteca, pe-nhor, caução) em favor da sociedade e respectivas certidões ou, ainda, instrumentos tendo por objeto alienação fiduciária e compra e venda com reserva de domínio;

26. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantia pessoal (e.g fiança, aval) em favor da sociedade, bem como comprovação de poderes de representação do signatário do garantidor;

27. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantias reais (e.g hipoteca, penhor, caução) concedidas pela sociedade em favor de terceiros ou, ainda, instrumentos tendo por objeto alienação fiduciária de bem da sociedade ou compra e venda com reserva de domínio;

28. Informar sobre e fornecer cópia de documento de constituição de garantias pessoais (e.g fiança, aval) concedidas pela sociedade em favor de terceiros;

29. Informar sobre e fornecer cópia de Notas Promissórias emitidas pela sociedade, com a informação, se de conhecimento da mesma, da eventual cessão pelo beneficiário das referidas notas;

30. Fornecer todas as apólices de seguros contratados;31. Informar sobre e fornecer cópia de contratos na área de tecnologia da informação, tais como:

31.1. Locação de hardware;31.2. Licenciamento de software;31.3. Manutenção de hardware;31.4. Manutenção de software;31.5. Serviços técnicos;31.6. Desenvolvimento de software;

32. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de prestação de serviços de publicidade e propaganda; 33. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de prestação de consultoria, assistência técnica ou serviços

de qualquer outra natureza;34. Informar sobre e fornecer cópia de compromissos, cartas de intenção ou entendimentos com terceiros

em que a sociedade figure como parte, que não tenham sido previstos na presente lista.Informamos, finalmente, que qualquer referência a contratos inclui seus aditivos e anexos, cujas cópias

deverão ser igualmente fornecidas.

IV - PROPRIEDADE INTELECTUAL:Solicitamos informações e cópias de todos os bens e documentos referentes à propriedade intelectual da

sociedade no Brasil e em outros países, incluindo, mas não se limitando a:35. Marcas, patentes e/ou desenhos industriais depositados/registrados;36. Obras intelectuais de titularidade da sociedade;37. Nomes de domínio registrados pela sociedade;38. Processos administrativos e/ou judiciais envolvendo os bens de propriedade intelectual da sociedade;39. Processos administrativos apresentados contra marcas de terceiros no Brasil e/ou no exterior;40. Informação acerca de segredos de negócio de propriedade da sociedade;41. Todos os softwares utilizados pela sociedade;42. Todos os softwares criados pela sociedade;

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43. Qualquer outra documentação que seja relevante e/ou que afete os bens de propriedade intelectual da sociedade;

V - PROPRIEDADES E ATIVOS:44. Prova da propriedade dos bens móveis de valor individual acima de R$10.000,00 (dez mil reais) inte-

grados ao ativo da sociedade;

Caso a sociedade possua bens imóveis:45. Prova da propriedade dos bens imóveis da sociedade, inclusive certidões atualizadas com filiação vinte-

nária, com negativa de ônus/servidões/alienações, dos registros de imóveis competentes, bem como da ausência de aforamento (enfiteuse);

46. Certidões negativas do INSS relativas aos bens imóveis da sociedade; 47. Certidões negativas relativas ao IPTU, expedidas pelos Municípios onde se encontram os imóveis da

sociedade;

VI – ASPECTOS FISCAIS:48. Informações sobre aproveitamento de créditos tributários, indicando (i) forma do aproveitamento: com-

pensação com outros tributos, repetição do indébito, utilização de créditos extemporâneos, etc., (ii) valores envol-vidos, já utilizados e a utilizar, (iii) existência ou não de medida judicial que permita a utilização dos créditos;

49. Relatório atualizado discriminando parcelamentos de tributos da sociedade e/ou participação em pro-gramas de recuperação fiscal (“REFIS” ou “PAES” - no âmbito federal, estadual ou municipal), referente aos últimos 05 (cinco) anos, indicando: (i) tributo parcelado, (ii) início do parcelamento, (iii) número de parcelas, (iv) quantidade de parcelas pagas, (v) garantia oferecida, (vi) documentação apresentada à autoridade fiscal competente discriminando os débitos fiscais incluídos no REFIS e/ou PAES e (vii) prova de quitação de todos os pagamentos até a presente data;

50. Disponibilizar o LALUR referente ao último ano, com a indicação, já em reais, de todos os valores pendentes de tributação eventualmente registrados na parte B e demonstrativo do prejuízo fiscal acumulado e da base negativa da Contribuição Social, com a mesma data do último Balancete que será disponibilizado;

51. Relatório atualizado identificando todos os eventuais benefícios fiscais e/ou tratamentos fiscais (fede-rais, estaduais ou municipais) concedidos à sociedade. Fornecer toda documentação (Instruções Normativas, Portarias, etc.) relacionada ao regime especial e/ou benefício fiscal concedido à sociedade até a presente data. Informar, ainda, a existência de eventuais requerimentos ou questionamentos pendentes quanto aos mesmos;

52. Consultas fiscais, formalmente protocoladas perante os órgãos da administração tributária, envolvendo a sociedade, cujas decisões foram proferidas nos últimos 5(cinco) anos, tendo por objeto matéria tributária;

53. As 3 (três) últimas demonstrações financeiras e os 3 (três) últimos Balancetes consolidados da socie-dade;

54. Pareceres dos auditores independentes, acompanhados dos receptivos termos, declarações, cartas de representação e/ou outras informações formais prestadas pelos administradores aos auditores, para fins de au-ditoria;

55. Toda e qualquer documentação relativa a penhores, garantias, direitos de retenção ou qualquer outra forma de restrição de qualquer natureza sobre qualquer ativo da sociedade listando tais ativos e os relacionando aos respectivos processos judiciais ou administrativos, nos níveis federal, estadual ou municipal.

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VII - LITígIOs JUDICIAIs OU ADmINIsTRATIVOs:

Certidões:56. Fornecer originais de Certidões atualizadas dos cartórios distribuidores de ações da Justiça Federal, Justiça

Estadual e Justiça do Trabalho das comarcas da matriz e onde a sociedade mantém estabelecimentos ou filiais, abrangendo feitos Cíveis, Criminais e Fiscais, bem como Trabalhistas, e, ainda, Interdições e Tutelas, Falências e Concordatas (i.e., Certidões da Justiça Federal dos Distribuidores de Ações e Execuções Cíveis, Criminais e Fis-cais e Certidões da Justiça Estadual dos Distribuidores Cíveis e Fiscais e Certidões dos Distribuidores da Justiça do Trabalho);

57. Fornecer originais de Certidões atualizadas passadas por todos os Cartórios de Protestos das comarcas onde a sociedade mantém estabelecimentos ou filiais, cobrindo o período de 10 (dez) anos (i.e., Certidões dos Cartórios de Protestos de Letras e Títulos);

58. Fornecer originais de Certidões atualizadas do INss (CND), em nome da sociedade, abrangendo todas as suas filiais;

59. Fornecer originais de Certidões de quitação de Tributos e Contribuições Federais – “CQTF” (IR, IPI, CSLL, COFINS, PIS), Certidões de quitação de Tributos Estaduais (ICms) (Certidão de quitação de Tributos Estaduais) e Certidões de quitação de Tributos municipais (ISS) (Certidão de quitação de Tributos Municipais), passadas em nome da sociedade, com relação a cada um de seus estabelecimentos ou filiais, e re-ferentes a processos administrativos, inclusive parcelamentos em andamento; bem como de relatório emitido pela Secretaria da Receita Federal, Secretaria Estadual de Fazenda e Secretaria Municipal de Fazenda indicando os processos administrativos, relativamente a tributos federais, estaduais e municipais, em curso em nome da sociedade, ainda não inscritos em dívida ativa;

60. Fornecer originais de Certidões de Dívida Ativa – (CDA) em nome da sociedade, expedidas pela Pro-curadoria da Fazenda Nacional, Estadual e municipal, as duas últimas para cada estado ou município onde a sociedade possui estabelecimentos;

61. Certidão de Quitação do FgTs;Caso tenha havido alteração de sede nos últimos 05 (cinco) anos, favor solicitar as certidões aplicáveis

também em relação ao(s) antigo(s) endereço(s).

Relatórios:62. Fornecer Relatório elaborado pelos advogados responsáveis pelos respectivos casos, identificando todos

os eventuais processos fiscais, judiciais e administrativos, pendentes (nos quais a sociedade figure como autora, ré ou terceira interessada) ou em vias de ser iniciados, com a indicação de: (i) tributo envolvido; (ii) foro; (iii) objeto e fundamentos do pedido; (iv) andamento (status) atualizado; (v) valores envolvidos (atualizados ou em UFIR); (vi) valor da causa; (vii) chances de êxito e respectivo critério utilizado; (viii) provisões e/ou depósitos judiciais e (ix) quaisquer informações relevantes com respeito a tais processos;

63. Composição analítica das principais contas que compõem depósitos judiciais e provisões para contin-gências fiscais e suas correlações com os processos fiscais administrativos e judiciais em andamento;

64. Disponibilizar cópias das peças fundamentais dos processos fiscais, judiciais e administrativos em que a sociedade seja parte ou tenha interesse, pendentes de julgamento, execução ou cumprimento, tais como, inicial, contestação, despachos, sentenças, recursos e acórdãos;

65. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais intimações, notificações, inspeções ou inves-tigações realizadas, instauradas por órgãos governamentais ou terceiros;

66. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais processos de desapropriação em que a socie-dade figure como autora, com a estimativa de valores envolvidos;

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

67. Fornecer Documentos e relatórios (inclusive os Termos de início e encerramento de fiscalização tri-butária) contendo informações sobre eventuais intimações, notificações, inspeções ou investigações realizadas, instauradas por órgãos governamentais ou terceiros;

68. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais reclamações baseadas em defeitos constata-dos nos produtos fabricados pela sociedade (“product liability”) ou em garantias concedidas pela sociedade na venda dos produtos;

69. Fornecer Relatório contendo informações sobre processos administrativos que envolvam as sociedades controladas ou coligadas;

70. Fornecer Cartas encaminhadas pelos advogados externos aos auditores independentes sobre processos judiciais e administrativos;

VIII – AsPECTOs TRABALHIsTAs:71. Relatório identificando todos os empregados, contendo (i) data de admissão; (ii) local de trabalho; (iii)

cargo ou função; e (iv) salário atual (partes fixas e variáveis);72. Cópia dos modelos de contrato de trabalho (contrato de experiência, contrato por prazo determinado

etc.) e do regulamento interno ou regulamento de pessoal da sociedade;73. Relativamente à jornada de trabalho, relatório informando:73.1. Horário de trabalho, horário de intervalo e dia de folga semanal dos empregados. Informar eventuais

horários de trabalho diferenciados por setor ou sistemas de revezamento. Como é feito o controle de horário? A anotação é feita pelo próprio empregado ou por pessoa específica? Onde são feitas tais anotações? Os emprega-dos assinam tal registro?

73.2. Relação dos empregados não subordinados a controle de horário, com indicação das respectivas funções e salários;

73.3. Relação dos empregados que utilizam telefone celular ou equipamento similar, ficando à disposição da sociedade. Informar a forma de remuneração das horas à disposição;

73.4. Acordos de compensação e de prorrogação da jornada de trabalho, inclusive banco de horas, se hou-ver. Informar o saldo atual de horas trabalhadas e ainda não compensadas pelo “banco de horas”;

74. Relativamente à remuneração, relatório informando:74.1. Quais as verbas percebidas além do salário fixo e horas extras? Há empregados recebendo comis-sões, prêmios, gratificações, bonificações ou ajudas de custo? Quais funções recebem as ditas parcelas? Qual o critério de pagamento?74.2. Há empregados recebendo benefícios tais como, uso de automóvel, auxílio moradia, auxílio edu-cação, despesas de representação, planos de saúde, previdência privada, auxílio alimentação etc.? Qual o critério de pagamento de cada benefício? É efetuado desconto no salário? Caso haja desconto, informar se: (i) os empregados podem optar por tais benefícios; (ii) existem empregados que optaram pelo não recebimento; (iii) existe autorização dos empregados para o desconto. Caso afirmativo, cópia do modelo de autorização de desconto salarial relativo aos benefícios concedidos; (vi) o benefício integra o salário para efeito de cálculo do FGTS, Previdência Social, Imposto de Renda, férias e décimo terceiro salário;

75. Relativamente à alimentação, relatório informando:75.1. A alimentação é fornecida pela própria sociedade ou são concedidos vales-refeição? Há desconto no salário ou é fornecida gratuitamente?75.2. A sociedade participa do PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador? Caso positivo, apre-sentar cópia dos comprovantes anuais de inscrição.

76. Cópia do plano de cargos e salários, se existente. Indicar se houve homologação do plano pelo Minis-tério do Trabalho, Conselho Nacional de Política Salarial ou norma coletiva;

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

77. Cópia do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA);

78. A sociedade tem organizada a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes? Caso positivo, apresentar relação dos atuais integrantes e cópias das atas de reunião dos últimos 02 (dois) anos;

79. Relatório identificando todos os empregados com estabilidade permanente ou temporária (CIPA, empregados com cargo de direção em sindicatos ou associações profissionais, empregadas grávidas, empregados acidentados, etc.);

80. Cópia do plano de opção de compra de ações, do programa de opção de compra de ações e a relação dos empregados e executivos elegíveis a tal plano;

81. Cópia de Plano de Participação nos Lucros e/ou Resultados, se houver. Informar o valor despendido pela sociedade com o pagamento de tal participação;

82. A sociedade instituiu, nos últimos 05 (cinco) anos, plano de demissão incentivada? Caso afirmativo, esclarecer os critérios do plano, bem como fornecer respectivos documentos, acaso existentes. Foram ajuizadas reclamações trabalhistas em razão do plano de demissão?

83. Cópia das convenções coletivas, acordos coletivos, decisões judiciais proferidas em dissídio coletivo, inclusive termos aditivos. Informar se são observadas convenções, acordos, ou dissídios próprios para categorias diferenciadas (secretárias, telefonistas, motoristas e profissionais liberais);

84. Relação dos empregados desligados da sociedade nos últimos 02 (dois) anos, bem como cópias, por amostragem, das respectivas rescisões do contrato de trabalho e homologação pelo Sindicato ou pela DRT;

85. Há serviços terceirizados na sociedade? Apresentar cópia dos contratos de prestação de serviços firma-dos com empresas prestadoras de serviços; cooperativas; empresas de mão-de-obra temporária ou trabalhado-res autônomos e relatório informando: (i) se os empregados alocados para atender a sociedade são sempre os mesmos; (ii) se trabalham diariamente nas dependências da sociedade; (iii) quem controla os serviços de tais empregados (a sociedade ou a prestadora de serviços); (iv) a quem estão subordinados; (v) período dos serviços; (vi) número de trabalhadores envolvido; (vi) valores mensais pagos e se a sociedade exige mensalmente os com-provantes de recolhimento previdenciário e do FGTS;

86. Relatório identificando todas as reclamações trabalhistas e procedimentos administrativos (DRT e MPT) em curso contra a sociedade, contendo (i) partes envolvidas; (ii) foro; (iii) pedidos; (vi) estimativa dos valores envolvidos; (vii) estimativa de êxito; e (v) situação atual;

87. Cópia dos Autos de Infração lavrados contra a sociedade nos últimos 02 (dois) anos e respectiva defe-sa/decisão administrativa/recurso ou guia comprovando pagamento da multa administrativa;

88. Cópia das principais peças de todas as ações trabalhistas em curso contra a sociedade, tais como petição ini-cial, decisões proferidas em todas as instâncias, cálculos de liquidação, cálculos homologados e depósitos efetuados;

89. Cópia do Livro de Inspeção do Trabalho de todos os estabelecimentos da sociedade;90. Cópia dos termos de ajustamento de conduta, inquéritos administrativos, autos de infração, ações civis

públicas ou outras ações de natureza trabalhista;91. Informar o valor da provisão com relação aos processos judiciais e administrativos em andamento,

explicitando os critérios de tal provisão.

IX - APROVAÇÕEs gOVERNAmENTAIs E LICENÇAs:92. Registros e inscrições da sociedade junto às autoridades fiscais federais, estaduais e municipais (tais

como CNPJ, INSS, ISS, alvará da prefeitura etc.);

X – AsPECTOs AmBIENTAIs:93. Licenças Ambientais: Licenças Prévias, de Instalação e Funcionamento emitidas pelo órgão ambiental

competente;

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94. Certidão de Uso do Solo;95. Outorgas do Uso da Água; 96. Inscrição no Cadastro Técnico Federal das Atividades Potencialmente Poluidoras; 97. Comprovante de pagamento do TCFA - Taxa de Controle de Fiscalização Ambiental; 98. Certificado de Licença de Funcionamento emitido pelo Ministério da Justiça; 99. Licença de substâncias sujeitas a controle especial emitida pelo Departamento de Polícia Federal; 100. Alvará do Corpo de Bombeiros; 101. Alvará de Licença e Localização emitido pela Prefeitura; 102. Habite-se; 103. Licença de Funcionamento emitida pela Vigilância Sanitária; 104. Licença do órgão sanitário competente para ambulatórios e refeitórios; 105. Listagem das ações judiciais e processos administrativos de cunho ambiental e seus respectivos anda-

mentos;106. Relatório informando a respeito de atividades passadas desenvolvidas nos imóveis onde a sociedade

desenvolve suas atividades.

1.2.8. Modelo de Contrato de CoMPra e Venda de quotas

Além da alteração do contrato social necessária para transferir quotas, que deve ser arquivada no registro compe-tente, as partes podem celebrar adicionalmente um contrato de compra e venda de quotas, conforme modelo abaixo.

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE QUOTAS

[NOmE E QUALIFICAÇÃO], doravante denominado simplesmente “Comprador”; e[NOmE E QUALIFICAÇÃO], doravante denominado simplesmente “Vendedor”;e, ainda, na qualidade de interveniente-anuente:[NOmE E QUALIFICAÇÃO DA sOCIEDADE CUJAs QUOTAs EsTÃO sENDO ALIENADAs],

doravante denominada simplesmente “sociedade”;

CONSIDERANDO QUE:(i) O Vendedor é legítimo possuidor e proprietário de 15.000 (quinze mil) quotas representativas de 50%

(cinqüenta por cento) do capital social da sociedade (“Quotas”); e(ii) O Vendedor deseja alienar as Quotas, e que o Comprador deseja adquiri-las, nos termos ajustados

pelo presente instrumento,O Vendedor e o Comprador (doravante referidos simplesmente como “Partes”) têm, entre si, justa e

contratada a celebração do presente Contrato de Compra e Venda de Quotas (“Contrato”), de acordo com as seguintes cláusulas e condições:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DA COMPRA E VENDA DAS QUOTAS1.1. Pelo presente Contrato e na melhor forma de direito, o Vendedor cede e transfere, com todos os

respectivos direitos e obrigações, a totalidade de suas Quotas representativas do capital social da sociedade ao Comprador, pelo preço certo e ajustado estabelecido na Cláusula 2.1 abaixo.

1.2. O Vendedor, neste ato, declara que as Quotas foram regularmente integralizadas e se encontram inteiramente livres e desembaraçadas de ônus, gravames, encargos, turbações, usufrutos ou qualquer outra res-trição à posse e/ou a qualquer outro direito inerente a tais Quotas.

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CLÁUSULA SEGUNDA - FORMA DE PAGAMENTO2.1. O preço certo, total e ajustado para a aquisição das Quotas é de R$ 100.000,00 (cem mil reais) (“Pre-

ço”), a ser pago pelo Comprador ao Vendedor da seguinte forma:a) R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pagos neste ato, por meio da entrega pelo Vendedor ao Compra-

dor do cheque administrativo nº [...] da conta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco [...]; eb) R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) a serem pagos em até 90 dias a contar desta data, mediante

depósito na conta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco [...];2.1.1. Uma vez creditado na conta-corrente do Vendedor, o pagamento das parcelas que perfazem o Preço,

constantes do item 2.1 acima, o Vendedor outorgará ao Comprador, plena, rasa e geral quitação com relação ao valor pago.

CLÁUSULA TERCEIRA – TRANSFERÊNCIA DAS QUOTAS3.1. A transferência das Quotas será formalizada no ato do pagamento pelo Comprador, da totalidade do

Preço devido ao Vendedor, mencionado na Cláusula Segunda, mediante a assinatura da competente alteração do contrato social da sociedade.

CLÁUSULA QUARTA - DISPOSIÇÕES GERAIS4.1. O presente Contrato é celebrado em caráter irrevogável e irretratável e obriga e aproveita às Partes e

à sociedade, seus sucessores, herdeiros, cessionários e representantes legais, a qualquer título, e somente poderá ser alterado por instrumento escrito devidamente assinado por todas as Partes.

4.2. O não exercício ou atraso por qualquer das Partes e/ou da sociedade, no exercício de qualquer direito previsto neste Contrato deverá ser interpretado individualmente e não poderá ser considerado como renúncia por qualquer das Partes ou novação de qualquer obrigação contida neste Contrato, sendo considerada como mero ato de liberalidade.

4.3. Na hipótese de qualquer disposição ou parte de qualquer disposição deste Contrato ser tida como nula, anulada ou inexeqüível, por qualquer motivo, essa disposição será suprimida e não terá nenhuma força e efeito. Entretanto, se essa disposição suprimida prejudicar a execução deste Contrato, as demais disposições serão modificadas para preservar sua exeqüibilidade.

4.4. Fica ajustado entre as Partes que as despesas decorrentes do arquivamento da alteração contratual referida na cláusula 3.1 do presente Contrato será de exclusiva responsabilidade do Comprador, inclusive quaisquer despesas decorrentes de serviços profissionais por ele contratados.

4.5. Toda e qualquer alteração das disposições do presente Contrato somente será válida e exeqüível, e so-mente produzirá efeitos, se formalizada mediante instrumento escrito assinado pelas Partes e pela sociedade.

4.6. O presente Contrato constitui o acordo final, cabal e exclusivo entre as Partes com relação à compra e venda das Quotas, substituindo todos os acordos, entendimentos e declarações anteriores, orais ou escritos, a esse respeito.

4.7. O presente Contrato ou quaisquer direitos e/ou obrigações dele oriundos não poderão ser cedidos sem o prévio e expresso consentimento das Partes e da sociedade.

4.8. Todas as notificações e comunicações a serem feitas com relação ao presente Contrato serão elaboradas por escrito e serão enviadas para os endereços constantes do preâmbulo deste Contrato (i) por meio de Cartório de Títulos e Documentos, (ii) através de carta registrada, ou (iii) com outra comprovação inequívoca de recebimento.

4.8.1. Quaisquer dos endereços constantes do preâmbulo poderão ser alterados, a qualquer tempo, me-diante comunicação dada na forma prevista acima, entretanto a respectiva comunicação de alteração de endere-ço só tornar-se-á efetiva após o recebimento pela outra Parte e/ou pela sociedade, conforme o caso.

4.9. As Partes declaram e reconhecem que o presente Contrato, assinado por 02 (duas) testemunhas, constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 585, inciso II, do Código de Processo Civil, assim

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como as obrigações de fazer aqui contidas comportam execução específica, nos termos dos artigos 461, 632, 639 e seguintes do Código de Processo Civil.

4.10. Fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, para dirimir quaisquer questões oriundas deste Contrato, à exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.

E por estarem certas e ajustadas, as Partes assinam este Contrato em 03 (três) vias de igual teor e efeito, na presença de 02 (duas) testemunhas.

Rio de Janeiro, [dia] de [mês] de [ano].

Assinatura das Partes e da Sociedade

Testemunhas:1. 2.Nome: Nome:CPF/MF: CPF/MF:

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1.3. AulA 3: CONTRATO dE COmPRA E VENdA (CONT.)- CláuSulAS ESPECIAIS dA COmPRA E VENdA

1.3.1. eMentário de teMas:

Retrovenda - Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova – Preempção ou Preferência - Venda com reserva de domínio – Da venda sobre documentos

1.3.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 505 a 532 da Lei nº 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São

Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 174 a 182 e 183 a 194.• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005

- vol. III, págs. 223 a 225.

1.3.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• Parecer Jurídico DNRC/ COJUR/ n° 217/03 – direito de preferência na cessão de quotas.• LÔBO, Paulo Luiz Netto. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira

de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.. 6, págs. 215 a 225.

1.3.4. Caso Gerador:

Jeremias encontra você trabalhando na diligência legal e aproveita para lhe fazer uma consulta “informal”. Ele conta que, apesar de morar em Brasília, sempre gostou muito do Rio de Janeiro e que os cariocas têm muita sorte de conviver com uma paisagem tão privilegiada... Após alguns minutos enaltecendo a beleza da cidade, ele diz que pelo menos uma vez por ano vai ao Rio e que há alguns anos atrás decidiu parar de se hospedar em hotéis e comprou um loft na Barra da senhora Ermelinda Silva. Ele diz que está surpreso porque agora recebeu uma notificação de um tal de Olavo Evolto, informando que exerceu o direito de retrovenda do imóvel em face da senhora Ermelinda, e que, portanto, Jeremias deve devolvê-lo. Ele diz que nunca ouviu falar em retrovenda e lhe pergunta o que fazer. Embora não seja advogado do senhor Jeremias, quais são as duas principais perguntas que você deve fazer a ele para poder dar uma orientação inicial sobre o caso?

1.3.5. roteiro de aula

a) retrovenda

Direito de recobrar = Direito de retrato = direito de resgate = vendedor tem direito de exigir que o com-prador lhe revenda o imóvel.

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Muitos entendem que a retrovenda caiu em desuso em razão do compromisso de compra e venda. “...o compromisso de venda e compra preenche, com muito mais eficácia e maior economia, o papel que durante algum tempo a retrovenda desempenhou. Daí ser ela, hoje, instituto superado”6.

Para que tenha efeito erga omnes7, o direito de retrovenda deve ser registrado no regis-tro de imóveis, juntamente com a escritura pública de compra e venda.

Analisando o artigo 505 da Lei 10.406/2002, podemos extrair alguns requisitos da retro-venda. Quais são eles?

“Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuarem com a sua autori-zação escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias”.

Por que você acha que o legislador restringiu o instituto da retrovenda apenas aos bens imóveis?

O prazo para recobrar o imóvel é decadencial. Relembrando, quais são as conseqüên-cias de ser um prazo decadencial e não prescricional?

b) da Venda a Contento e da sujeita a Prova

A venda a contento é cada vez mais rara atualmente em razão da “padronização de mercadorias, a difusão dos preços fixos, a despersonalização das relações entre as partes...”8.

Apesar de ser mais rara, ela ainda pode ocorrer. Dona Mônica, por exemplo, compra roupas da boutique Charmosa há mais de dez anos. Dona Mônica é uma cliente muito queri-da e conhecida por todas as vendedoras da loja. Ela sempre é atendida pela dona Marli. Dona Marli acompanhou em todos esses anos a vida da família Russo. Assim, sempre que chegam novas peças que Marli acha que são do gosto de Mônica, ela manda para a casa da senhora Russo as novas peças para que ela possa experimentar e decidir se vai comprá-las ou não.

Esse exemplo nos mostra que, no caso da venda a contento, embora haja a tradição do bem móvel, o domínio do bem não é transferido. Somente com a concordância do com-prador, o domínio é transferido. A concordância do comprador é, portanto, uma condição suspensiva para a alienação.

Tendo em vista o que aprendemos nas aulas anteriores, quais são as conseqüências do domínio não ser transferido pela tradição da coisa móvel?

Duas semanas se passaram e dona Mônica ainda não deu retorno a dona Marli sobre as roupas. Está demorando mais do que o normal para ela se manifestar. A gerente da loja já está pressionando Marli, pois vai querer vender as peças a outras clientes. E agora? O que dona Marli deve fazer?

C) Preempção ou preferência

Ao vender um bem, o vendedor pode vir a resguardar seu direito de preempção ou direito de preferência. Assim, caso o comprador queira vender esse bem a terceiros, ele estará obrigado a oferecer o bem ao vendedor, que se pagar o mesmo valor oferecido pelo terceiro, terá preferência sobre ele.

6 RODRIGUEs, silvio. Direito Civil. dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. são Paulo: Ed. sarai-va, vol. 3; pág. 187.

7 Oponível a terceiros.

8 RODRIGUEs, silvio. Direito Civil. dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. são Paulo: Ed. sarai-va, vol. 3; pág. 189.

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Para que esse direito exista são necessários os seguintes requisitos:– o comprador tem que querer vender o bem adquirido;– o vendedor tem que querer recomprar o bem, estando disposto a pagar ao compra-

dor o preço que ele tiver conseguido com terceiros;– o vendedor tem que exercer o direito no prazo.O prazo para exercer o direito de preferência não poderá ser superior a 180 dias se o

bem for móvel, ou a 2 (dois) anos, se o bem for imóvel. Se o prazo não for estipulado, o direito de preferência caducará em 3 (três) dias, no caso de bem móvel, e em 60 (sessenta) dias, no caso de bem imóvel. O prazo começa a contar a partir da notificação do proprietá-rio (comprador) ao vendedor informando sobre seu interesse em vender o bem.

Quais são as diferenças entre a preempção e o direito de retrovenda?O direito de preferência é um negócio acessório, geralmente vinculado à compra e venda.

Porém, não é raro vermos a estipulação de direito de preferência em outros contratos. A cláu-sula de direito de preferência é muito comum, por exemplo, em acordos de acionistas9. Tanto é assim que a Lei nº 6.404/197610, que dispõe sobre as sociedades por ações, reconheceu que o direito de preferência é um dos tópicos que pode ser tratado em acordo de acionistas. Deste modo, por meio de acordo de acionistas, os contratantes podem convencionar que se um deles desejar vender sua participação a terceiro será obrigado a oferecer as suas ações primeiro aos de-mais acionistas, que poderão comprá-las pelo mesmo preço e condições oferecidos ao terceiro.

Vamos supor que, após a realização da diligência legal e da celebração do contrato de compra e venda das quotas da Pechincha Ltda., nosso cliente seja procurado pelo senhor Oportunista, sócio detentor de apenas 1% das quotas da Pechincha Ltda., que lhe afirma que a venda das quotas não foi válida, uma vez que há três anos atrás fez um acordo de quotistas com o senhor Eduardo, no qual, entre outros acertos, o senhor Eduardo se comprometia a oferecer direito de preferência a esse outro sócio no caso de alienação de suas quotas.

Tendo em vista que esse acordo de quotistas nunca foi divulgado e nem sequer men-cionado na diligência legal, como se resolveria esta situação utilizando-se apenas as regras previstas no Código Civil?

d) Venda com reserva de domínio

A venda com reserva de domínio popularizou-se com o aumento das vendas com pagamento em prestações.

No caso de venda com reserva de domínio, assim como na venda a contento, embora o bem seja entregue ao potencial comprador, o domínio permanece com o vendedor até que a última prestação seja paga pelo comprador.

A venda com reserva de domínio é uma venda condicional que se aperfeiçoa na ocor-rência de um evento futuro e incerto: o pagamento do preço.

A venda com reserva de domínio restringe-se aos bens móveis e exige forma escrita. Afinal, se não há previsão expressa da reserva de domínio, aplica-se a regra geral de que a propriedade do bem móvel transfere-se com a tradição do bem. Além disso, para que seja oponível a terceiros, o contrato deve ser registrado no Registro de Títulos e Documentos.

A venda com reserva de domínio pode trazer insegurança jurídica uma vez que, ao contrário do que ocorre com os bens imóveis que exigem solenidade para sua transferência, é comum que pessoas realizem operações de venda de bem móvel sem consultar registros ou sem exigir a prova da propriedade do vendedor. Silvio Rodrigues comenta:

9 “Destina-se o acordo de acionistas a regrar o compor-tamento dos contratantes em relação à sociedade de que participam, funcionando, basi-camente, como instrumento de composição de grupos. sendo um contrato, a ele se aplicam os preceitos gerais, concernen-tes a essa categoria jurídica. Assim, e como contrato atípi-co, vinha sendo celebrado no período anterior à atual lei das sociedades anônimas” (Borba, José Edwaldo Tavares. Direito societário – 7 ed. rev. aum. e atual. – Rio de Janeiro: Reno-var, 2001, pág. 322).

10 “Art. 118. Os acordos de acio-nistas, sobre compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”.

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“Teoricamente tal sistema é perfeito. Apenas ele não funciona na prática, principal-mente nos grandes centros e tendo em vista a quantidade fantástica de bens móveis duráveis vendidos, diariamente, com reserva de domínio”11.

Se o comprador está em mora, o vendedor tem duas opções: mover ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o que mais lhe for devido ou reaver a posse da coisa vendida.

e) da venda sobre documentos

O Código Civil de 1916 não previa essa modalidade de venda.

“A venda sobre (ou contra) documentos tem por finalidade dar mais agilidade às tran-sações mercantis que envolvam venda de mercadorias. Por sua natureza, apenas pode ter por objeto coisa móvel. A obrigatoriedade da tradição da coisa é satisfeita com a entrega ao comprador de documento representativo, para que seja exigível o pagamento do preço. O vendedor se libera da obrigação de entregar a coisa remetendo ou entregando ao comprador o título representativo da mercadoria”12.

1.3.6. questões de ConCurso

(Prova: 18º Exame de Ordem - 1ª fase) Ajustado que se desfaça a venda, não se pagan-do o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato ou pedir o preço. Essa cláusula especial à compra e venda é denominada:

a. Venda a contento; b. Retrovenda; c. Preempção; d. Pacto comissório.

1.3.7. Modelo

Exemplo de cláusula de direito de preferência em Acordo de Acionistas:

“VI – ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE AÇÕEs6.1. Cada uma das Partes se obriga, neste ato, em caráter irrevogável e irretratável,

a não vender, prometer vender, permutar, doar, ou por qualquer outra forma alienar ou transferir, a qualquer título, as ações de sua titularidade, senão mediante venda, para paga-mento em moeda corrente nacional, observado o disposto nesta Cláusula 6ª, ficando a Parte que desejar alienar, no todo ou em parte, suas ações da COMPANHIA (a seguir, a “Parte Cedente”), obrigada a primeiramente oferecê-las, por escrito, às demais Partes (a seguir, as “Demais Partes”), para que estas possam exercer o seu direito de preferência, nos termos deste Acordo.

6.2. As comunicações a que se refere o item anterior indicarão o potencial adquirente, fornecendo inclusive as informações previstas no item 6.2.1 abaixo (a seguir o “Potencial Adquirente”), o preço e condições de pagamento, bem como a especificação da quantidade e espécie das ações a serem alienadas (as “Ações Ofertadas”).

11 RODRIGUEs, silvio. Direito Civil. dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. são Paulo: Ed. sarai-va, vol. 3; pág. 176.

12 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antô-nio Junqueira de. (coord.). co-mentários ao código civil. são Paulo: saraiva, 2003, vol.. 6, pág. 216

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6.2.1. Caso o Potencial Adquirente seja uma sociedade, a comunicação do item 6.1 supra, deverá identifi-car também as respectivas Partes ou sócios que detenham o controle do Potencial Adquirente e/ou participações societárias que representem 10% (dez por cento) ou mais de seu capital votante e/ou de seu capital total e assim sucessivamente, até atingir as pessoas físicas.

6.3. Na proporção do número de ações que possuírem, as Demais Partes terão preferência para adquirir as Ações Ofertadas, pelo mesmo preço e condições oferecidos pelo Potencial Adquirente, observando-se, ainda, o seguinte:

(a) a preferência deverá ser exercida no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data do recebimento da comunicação referida no item 6.1 supra e abranger todas e não menos do que todas as Ações Ofertadas;

(b) será facultado às Demais Partes estenderem seu direito de preferência à aquisição de sobras, se houver, desde que se manifestem nesse sentido no prazo de 60 (sessenta) dias fixado na letra (a) deste item;

(c) caso sejam recebidas manifestações de exercício de preferência que totalizem quantidade de ações su-perior a das Ações Ofertadas, proceder-se-á ao respectivo rateio entre as Partes interessadas, proporcionalmente às Ações que possuírem; e

(d) exercida a preferência, a aquisição deverá ser efetuada nos 30 (trinta) dias seguintes ao decurso do prazo referido nas alíneas anteriores.

6.4. Não havendo manifestação das Demais Partes, a Parte Cedente poderá, nos 60 (sessenta) dias seguin-tes, alienar todas, mas não menos do que todas as Ações Ofertadas ao Potencial Adquirente indicado e ao mesmo preço e nas mesmas condições constantes das comunicações referidas no item 6.1 supra, desde que observado o procedimento previsto no item 6.4.1 abaixo.

6.4.1. Na hipótese do item 6.4, o instrumento contratual de compra e venda das ações deverá conter cláu-sula pela qual o adquirente manifeste sua adesão incondicional ao presente Acordo, com os mesmos direitos e obrigações da Parte Cedente, devendo as Demais Partes igualmente subscrever o instrumento, como intervenien-tes anuentes, como condição para sua validade e eficácia, ficando obrigadas as Demais Partes, contudo, a assinar o citado instrumento, desde que tenham sido observadas as formalidades previstas nesta Cláusula 6ª”.

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1.4. AulA 4: TROCA Ou PERmuTA. CONTRATO ESTImATóRIO

1.4.1. eMentário de teMas:

Permuta. Contrato Estimatório.

1.4.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 533 a 537 da Lei nº 10.406/2002.• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005

- vol.. III, págs. 199 a 203/ págs. 233 a 237.

1.4.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• LÔBO, Paulo Luiz Netto. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Jun-queira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.. 6, págs. 226 a 272.

• DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 17ª ed. ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2002, págs. 205 a 209.

1.4.4. Caso Gerador

Durante o processo de diligência legal, nós, na qualidade de advogados da Grana Certa S.A., tivemos a opor-tunidade de visitar o supermercado Pechincha por diversas vezes. Em uma de nossas visitas, o senhor Eduardo Rus-so nos contou a seguinte história. Há muitos anos era grande amigo do senhor Nicanor Tício, dono de um jornal de bairro. Há algum tempo atrás, eles resolveram unir o útil ao agradável e celebraram um contrato de permuta, segundo o qual todo domingo o jornal do Nicanor publicaria anúncio do Supermercado Pechincha e em troca ao final do ano o Supermercado Pechincha forneceria aos funcionários do jornal uma cesta de Natal, completa, com produtos fartos e de alta qualidade. Ele explica, um pouco sem graça, que por ter sido celebrado entre grandes ami-gos, o contrato não era muito detalhado, não contendo, por exemplo, o número exato de cestas de Natal a serem trocadas. Ocorre que, cansado e já querendo se aposentar, o senhor Nicanor vendeu seu jornalzinho a uma grande editora que quer transformá-lo em um jornal de grande circulação em Brasília, já tendo contratado, inclusive, o dobro de funcionários. Sabendo disso, o senhor Eduardo está um pouco preocupado, pois não estava contando com um número tão grande de cestas de Natal. E agora? O contrato continua válido? O que recomendar?

1.4.5. roteiro de aula

a) Permuta

A troca ou permuta é o contrato mais antigo. Consiste na entrega de uma coisa para recebimento de outra, que não seja dinheiro. Ela deu origem ao contrato de compra e venda, quando os bens passaram a ser trocados por moeda.

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Atualmente a compra e venda é muito mais utilizada, mas a permuta mantém seu espaço no ordenamento jurídico.

O contrato de permuta tem a mesma natureza jurídica da compra e venda: é bilateral, oneroso e consensual. Assim como o contrato de compra e venda, não gera efeitos reais, mas sim a obrigação de transferir ao

outro o domínio da coisa objeto de permuta. Todas as coisas que não sofram indisponibilidade natural, legal ou convencional podem ser permutadas,

não sendo necessário que os bens sejam da mesma espécie ou valor. Por serem tão parecidos, aplicam-se à permuta as regras da compra e venda. O Código Civil fez apenas

duas distinções no que diz respeito à aplicação das regras da compra e venda. Quais são elas?Quando os bens a serem permutados têm valores desiguais, a parte cujo bem tem valor inferior ao outro,

completa sua prestação com dinheiro, conhecido neste caso como torna. O uso da torna no contrato de permuta divide os doutrinadores sobre a natureza do contrato: seria ele uma

compra e venda ou uma permuta? Muitos entendem que a existência da torna não descaracteriza a permuta, a não ser que o valor da torna seja de tal modo superior, que seja na verdade o objeto da prestação principal. O que você acha?

A caracterização como compra e venda ou permuta leva a conseqüências práticas em razão dos itens que foram especificamente diferenciados no art. 533 da Lei n° 10.406/2002.

b) Contrato estimatório

Embora já fosse realizado na prática, esse contrato só veio a ser regulado como contrato típico no novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que nada mais é do que a venda em consignação. Sendo assim, por que você acha que o legislador chamou de contrato?

Contrato estimatório é o contrato pelo qual o proprietário (consignante) entrega a posse da coisa à outra pessoa (consignatário), cedendo-lhe o poder de dispor da coisa, dentro de prazo determinado, ficando o consig-natário obrigado a devolver o bem ou entregar ao consignatário o preço previamente ajustado pela coisa dentro do prazo determinado.

Apenas os bens móveis e que estão no comércio podem ser objeto do contrato estimatório.As partes estimam um preço pelo bem. A parte que recebe o bem pode vendê-lo a terceiro por qualquer

valor, desde que pague a parte que lhe entregou o bem o preço que entre elas foi estimado.Para retribuir a um favor seu, sua amiga, Ana Maria, lhe oferece um conjunto de xícaras de porcelanas

chinesas. Mesmo sem ver muita utilidade para tal presente, você agradece e pergunta quando pode buscá-lo. Ana Maria então lhe explica que o conjunto está na loja Brechó da Vovó. Intrigado, você pergunta o que o conjunto está fazendo na loja e ela lhe explica que celebrou um contrato estimatório com o dono da loja. Curioso, você vai ao Código Civil para consultar esse tipo de contrato e fica um pouco desapontado. Por quê?

Estando para terminar o prazo do contrato estimatório, a loja Brechó da Vovó procura Ana Maria para devolver o conjunto de xícaras que não foi vendido. Você vai junto com Ana Maria para buscá-lo. Ao chegarem à loja, porém, Ana Maria nota que além de faltar uma das peças, muitas outras estão rachadas. O dono da loja ex-plica a Ana Maria que um de seus funcionários estava arrumando a loja e que sem querer esbarrou no conjunto, deixando o cair, mas que felizmente apenas uma das peças havia se quebrado, ficando as demais apenas rachadas. Ana Maria fica muito triste, pois percebe que seu conjunto de chá não poderá mais ser utilizado. Como você aconselharia Ana Maria, neste caso?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.5. AulA 5: dOAçãO

1.5.1. eMentário de teMas:

Características do contrato de doação – Aceitação - Espécies de doação - Restrições à liberdade de doar - Doação de ascendente para descendente - Resolução e revogação da doação.

1.5.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 538 a 564 da Lei nº 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Pau-

lo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 197 a 216.

1.5.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• LÔBO, Paulo Luiz Netto. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junquei-ra de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.. 6, págs. 272 a 385.

1.5.4. Caso Gerador:

Dentre os contratos recebidos, você notou o contrato abaixo:

INSTRUMENTO PARTICULAR DE DOAÇÃO

EDUARDO RUSSO, brasileiro, casado, empresário, portador da carteira de identidade nº xxxxxxxxx, inscrito no CPF/MF sob o nº 01010101, residente e domiciliado em Brasília, Distrito Federal, doravante deno-minado simplesmente “DOADOR”;

JEREMIAS RUSSO, brasileiro, solteiro, empresário, portador da carteira de identidade nº yyyyyyyyy, inscrito no CPF/MF sob o nº 02020202, residente e domiciliado em Brasília, Distrito Federal, doravante deno-minado simplesmente “DONATÁRIO”.

DOADOR e DONATÁRIO doravante denominados, em conjunto, simplesmente como Partes.

CONSIDERANDO QUE:(i) O DOADOR é titular de 99.000 (noventa e nove mil) quotas representativas de 99% do capital social

da sociedade limitada denominada Pechincha Comércio Varejista Ltda., com sede em Brasília, Distrito Federal, com seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial de Brasília sob o número 11111111, doravante de-nominada “Sociedade”;

(ii) O DONATÁRIO é herdeiro necessário do DOADOR; (iii) O DOADOR deseja doar, em vida, ao DONATÁRIO, 50.000 (cinqüenta mil) quotas (“Quotas”),

para iniciar a transferência dos negócios da família e fomentar negócios das futuras gerações da sua família;(iv) O DOADOR sujeita tal doação à execução integral e tempestiva, por parte do Donatário, de determi-

nados encargos, abaixo estabelecidos, todos relacionados com a finalidade de manter a tradição da família preo-

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cupada com o bem estar da comunidade em que vive, incluindo dos funcionários do Supermercado Pechincha (“Funcionários”); e

(v) as quotas representativas do capital social da Sociedade, objeto da presente doação, encontram-se livres e desembaraçadas de quaisquer dívidas, ônus ou encargos de qualquer natureza;

resolvem as Partes de comum acordo e na melhor forma de direito celebrar o presente Instrumento Parti-cular de Doação (“Instrumento”), que vigerá de acordo com as seguintes cláusulas e condições, observados os artigos 538 e seguintes do Código Civil Brasileiro:

1. O DOADOR, de livre e espontânea vontade, sem qualquer induzimento ou coação, decide doar, como na verdade efetivamente doa, ao Donatário, as Quotas, que representam 50% do capital social da Sociedade.

2. Esta doação fica sujeita ao cumprimento dos encargos abaixo estabelecidos, conforme autoriza o artigo 553 do Código Civil Brasileiro, ficando, portanto, o Donatário, obrigado a cumprir, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da data de assinatura deste Instrumento, as seguintes obrigações:

2.1 O DONATÁRIO deverá providenciar um clube para que os funcionários possam desfrutá-lo nos dias de folga. O clube deverá atender aos seguintes requisitos:

(a) O clube deverá ter no mínimo: (i) duas quadras polivalentes para a prática de esportes em grupo; (ii) uma piscina rasa para crianças até 5 anos; (iii) uma piscina profunda, com pelo menos as seguintes medidas...; (iv) um bar; (v) um play para crianças, com escorrega, balanço e, pelo menos, outros dois brinquedos do gênero.

(b) O clube deverá funcionar todos os fins de semana e feriados.(c) O clube deverá empregar pelo menos 20 funcionários para segurança, limpeza e bom funcionamento

do clube.(d) Os funcionários e seus cônjuges, descendentes e ascendentes terão direito de desfrutar do clube me-

diante pagamento de mensalidade em valor simbólico, nunca superior a 5% de seu salário.(e) O clube será aberto apenas aos Funcionários e seus familiares, não sendo mais permitido o seu acesso

em caso de demissão ou desligamento. 2.2. O DONATÁRIO deverá, com auxílio jurídico, providenciar a constituição legal do clube e a contra-

tação da mão de obra necessária para o funcionamento do clube.2.3. O DONATÁRIO poderá alugar, comprar ou arrendar um terreno para que o clube seja instalado.3. A doação ora feita é obrigatória para as partes contratantes, herdeiros e sucessores.4. Fica registrado que o imposto de doação incidente sobre a presente operação foi recolhido, mediante o

DARJ cuja cópia constitui o Anexo I ao presente Instrumento.5. Fica eleito o foro Central da Comarca de Capital do Estado do Rio de Janeiro, com a renúncia expressa

de qualquer outro, por mais privilegiado que venha a ser, para dirimir as questões decorrentes do presente Ins-trumento.

E por estarem assim justas e contratadas, as partes firmam o presente Instrumento em 02 (duas) vias de igual forma e teor, na presença das 02 (duas) testemunhas abaixo assinadas.

Brasília, 24 de abril de 2004.

Eduardo Russo Jeremias Russo

Testemunhas:1. 2.Nome: Nome:CPF/MF: CPF/MF:

Page 35: Contratos jurídicos

35FGV DIREITO RIO

CONTRATOs Em EsPÉCIE

Esse contrato deixou nossa equipe de diligência apreensiva, pois, de acordo com ele, o senhor Eduardo Russo não seria mais o proprietário de 99% das quotas, como havíamos sido informados no início da diligência legal. Seu filho, Jeremias, que sempre demonstrou ser contra a realização do negócio entre o senhor Eduardo e o nosso cliente, aparentemente detém 50% das quotas da Pechincha Ltda., podendo, portanto, inviabilizar a compra do negócio. E agora? Que pontos devem ser levados em consideração? A doação é válida? Tem alguma medida que possa ser tomada para anular essa doação?

Supondo que você fosse o advogado do senhor Eduardo Russo e tivesse sido consultado antes do contrato ser assinado, você teria alguma sugestão?

1.5.5. roteiro de aula

a) Características do contrato de doação

O contrato de doação é:– Unilateral – envolve prestação de apenas uma das partes;– Gratuito – em regra, o doador não espera qualquer prestação do donatário. É uma liberalidade do doador;– Solene – a lei impõe forma escrita para doação, exceto nos casos de bens móveis de pequeno valor, ha-

vendo a tradição imediatamente depois. (art. 541)Lucy, grande fã dos Beatles, conta que ganhou de sua prima a coleção de discos desse famoso grupo in-

glês. Curioso (a) você pede para ver a coleção. Lucy conta, porém, que ainda não recebeu os discos porque eles estão guardados na casa de veraneio de sua tia. Analisando, do ponto de vista legal, Lucy já pode se considerar proprietária da coleção?

O sorteio da Mega Sena estava acumulado e o prêmio estimado em vinte milhões de reais. Seu amigo José resolveu fazer uma aposta. Chegando a casa, ele contou a sua avó que havia jogado na Mega Sena. Percebendo que ela, que se encontrava doente e com dificuldade para se movimentar, ficou muito triste porque não conseguiria jogar, José deu para a avó o bilhete da Mega Sena. Ocorre que a família era pé quente e os números escolhidos por José foram sorteados! Analisando esta situação, você consideraria que foi uma doação de pequeno valor?

b) aceitação

A aceitação pelo donatário é elemento indispensável para a doação e pode ser:– expressa – quando é manifestada de forma verbal, escrita ou por gestos.– tácita – quando resulta de comportamento do donatário incompatível com sua recusa à doação.– presumida pela lei – nos casos previstos nos arts. 539, 543 e 546 da Lei nº 10.406/2002.

C) espécies de doação

Doação pura – é pura liberalidade. O doador não espera do donatário qualquer ato ou prestação por parte do donatário.

Doação remuneratória – tem o objetivo de pagar um serviço prestado pelo donatário, mas que não podia ser exigido pagamento pelo doador. Por exemplo, prêmio pago a alguém que encontrou seu cachorro desaparecido.

Doação com encargo – nessa espécie de doação, o doador impõe ao doador uma contraprestação que re-sulta em vantagem para o próprio doador ou para terceiro. Exemplo: Doador doa recursos ao donatário, mas o donatário fica obrigado a pagar uma mesada a um parente do doador.

A doação remuneratória e a doação com encargo perdem a característica da gratuidade?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

d) restrições à liberdade de doar

– Doação de todos os bens do doador – art. 548 da Lei nº 10.406/2002 O objetivo dessa restrição é proteger o doador e também a sociedade, evitando que o

doador passe a ficar totalmente desamparado e tenha que ser assistido pelo Estado.– Doação de parte que caberia à legítima – art. 549 da Lei nº 10.406/2002 Essa restrição visa proteger o patrimônio dos herdeiros. De acordo com o art. 1.846,

pertence aos herdeiros necessários13 a metade dos bens da herança. Sendo assim, se o doador tem herdeiros necessários, ele só pode doar metade de seus bens, tendo em vista que a outra metade constitui a legítima, e é assegurada aos herdeiros neces-sários. No momento da doação deve ser aferido se o bem a ser doado é superior à metade dos bens do doador.

Por outro lado, se o doador não tiver herdeiros necessários, ele terá ampla liberdade de doar seus bens, observando-se apenas as demais restrições previstas no Código Civil, como visto anteriormente.

– Doação que prejudique os credores do doador – art. 158 da Lei nº 10.406/2002 Embora esta restrição não esteja expressa no capítulo sobre doação do Código Civil,

ela está prevista no art. 158 do Código Civil, que trata da fraude contra credores. Para proteger os credores quirografários14 do doador, o código prevê que eles podem anular a doação quando o doador estiver insolvente com eles ou ficar insolvente com os credores por ter doado bens a terceiros.

– Doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice – art. 550 da Lei nº 10.406/2002 Essa restrição tem como propósito proteger o cônjuge e os herdeiros necessários.

e) doação de ascendente para descendente

Como já vimos anteriormente, o legislador preocupou-se em tentar evitar que um dos filhos seja beneficiado pelos pais em detrimento do outro.

Dessa forma, no caso da compra e venda, vimos que é anulável a venda de ascendente a descendente, exceto se os outros descendentes expressamente consentirem. Na permuta entre descendente e ascendente, é anulável a troca de valores desiguais, sem consentimento dos outros descendentes.

Qual foi o mecanismo adotado no caso da doação?E se o pai realmente quiser doar algo para um dos filhos em detrimento dos ou-

tros?Com a morte de seus pais, Ruth e Raquel abriram o inventário. Raquel pede que o juiz

considere como adiantamento de legítima à Ruth os gastos que os pais tiveram com a festa de casamento de Ruth. Ruth, por sua vez, solicita que o juiz considere como adiantamento de legítima a Raquel, todas as despesas que os pais tiveram para pagamento do doutorado de Raquel em Paris. Se você fosse o juiz, o que você faria?

f) resolução e revogação da doação

A doação pode ser desfeita:– por motivos comuns a todos os contratos – embora não esteja prevista no capítulo

específico sobre doações, aplicam-se as regras gerais a todos os contratos, ou seja, os

13 Os herdeiros necessários são os descendentes, os ascenden-tes e o cônjuge. (art. 1.845 da Lei nº 10.406/2002).

14 Credor Quirografário ou simples: “aquele que não tem título que lhe dê preferência; possui os mesmos direitos que os credores comuns, sendo pago em rateio do saldo que houver, depois de ressarcidos os privilegiados”. (Dicionário Técnico Jurídico/ organização Deocleciano Torrieri Guima-rães; coordenação Luiz Edu-ardo Alves de siqueira – 3 ed. rev. e atual. são Paulo: Rideel, 2001.)

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

defeitos15 que podem macular o ato jurídico, como erro, dolo, coação, simulação e fraude, são motivos para anular a doação.

– por ser resolúvel o negócio – ocorre, por exemplo, no caso previsto no art. 547, no qual o doador sobrevive ao donatário e o domínio do bem volta ao patrimônio do doador.

A doação pode ser revogada:– por descumprimento do encargo – no caso de doação com encargo, se o donatário não

cumprir o encargo no prazo assinalado pelo doador, o doador pode desfazer a doação.– por ingratidão do donatário – o legislador visou punir o donatário, mas restringiu

a possibilidade de revogar a doação por ingratidão a determinadas causas e regulou seus efeitos.

Rita foi visitar sua mãe na casa de veraneio e aproveitou para buscar a coleção de discos dos Beatles e entregá-la a Lucy. Lucy ficou muito satisfeita com a prima, mas isso não foi sufi-ciente para apagar a velha briga que tem com o seu vizinho Paul, que é também irmão de Rita. Paul é um péssimo vizinho, que, além de fazer barulho até altas horas da madrugada, não paga em dia as cotas do condomínio do prédio onde vivem. Para completar, uma noite, ao chegar bêbado, acabou por bater no carro de Lucy que estava estacionado na garagem do prédio. Essa foi a gota d’água para Lucy que, no dia seguinte, encontrando-o na entrada do prédio, acabou perdendo a paciência e, na frente dos porteiros e de alguns moradores que aguardavam o elevador, chamou de irresponsável e outros adjetivos de baixo calão que não convém replicar para nosso leitor. Paul se disse muito ofendido por Lucy. Lucy diz que Rita é muito ligada a seu irmão e diz que teme que esse incidente com Paul possa ter impacto na doação de Lucy. Lucy tem razão de ficar preocupada? E se Lucy tiver alugado a coleção para um amigo?

1.5.6. questões de ConCurso

(Prova: 10º Exame de Ordem - 1ª fase) Não constitui regra aplicável às doações a que abaixo se destaca:

a. A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima;b. A doação poderá conter cláusula de retorno do bem ao doador, se sobreviver ao

donatário;c. A doação deverá ser feita por escrito, ainda que se trate de bem móvel de pequeno

valor;d. É anulável a doação do Cônjuge adúltero ao seu cúmplice.

Prova: 22º Exame de Ordem - 2ª fase PROVA DIsCURsIVA João acreditando que Alfredo era seu filho natural (filho biológico não registrado) do namoro que manteve com mãe do Alfredo, resolveu fazer uma doação de um apar-tamento para ele. Depois que fez a doação descobriu que Alfredo não era seu filho e então pretende anular a doação. Esclareça se existe algum vício na manifestação de vontade, indicando em caso positivo qual o seu fundamento.

15 Rever arts. 138 a 155 (erro, dolo e coação) e arts. 158 a 165 (fraude) e 167 (simulação).

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.6. AulA 6: CONTRATO dE lOCAçãO. lOCAçãO dE COISAS.

1.6.1. eMentário de teMas:

Introdução – Elementos do contrato de locação – Obrigações do locador – Obrigações do locatário

1.6.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 565 a 578 da Lei nº 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Pau-

lo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 217 a 227.

1.6.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, vol.. III, págs. 267 a 301

1.6.4. roteiro de aula

a) introdução

Modernamente, ao se falar em locações, se fala sempre em locação de coisas. A locação de serviços e de obras, tratadas no direito romano como espécies de locação, evoluiu para a prestação de serviços (e para o Di-reito do Trabalho, quando há vínculo empregatício) e para a empreitada, respectivamente. Portanto, no âmbito destas aulas, quando se fala em locação, ter-se-á sempre em mente a idéia de locação de coisas (locatio rei).

Todavia, ainda hoje existe uma diferenciação no ordenamento quanto às diversas espécies de locação; al-gumas são consideradas tão especiais pela mens legis, que merecem um regramento especial próprio, e o maior exemplo disto é a locação de prédios urbanos (residenciais, comerciais e de temporada), que são regidos por legislação especial, conforme diretiva do próprio código (art. 2.036 do código e Lei nº 8.245/1991).

[conceito do contrato de locação]O núcleo do contrato de locação é a cessão de uma coisa não fungível entre o seu proprietário – o locador

– e aquele que se utilizará da coisa – o locatário.

Código CivilArt. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o

uso e gozo de uma coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Do claro conceito legal, pode-se extrair as características principais do contrato: a cessão da coisa (“ceder à outra... uso e gozo de uma coisa não fungível”), preço (“certa retribuição”), consentimento (“se obriga a”) e prazo (“por tempo determinado ou não”).

Trata-se de contrato:

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(i) bilateral, porque confere obrigações e direitos recíprocos às duas partes;(ii) oneroso, como se vê do próprio conceito legal, pois é da natureza do contrato a

retribuição econômica por parte do locatário;(iii) consensual, pois se forma só pelo acordo de vontades, sem exigir forma específica16;

a tradição da coisa, como na compra e venda, já diz respeito à fase da execução do contrato, não se trata de contrato real;

(iv) comutativo, porque as partes já tem conhecimento de suas respectivas prestações, em regra, na celebração da avença; e

(v) não solene, pois a lei não exige forma específica para sua validade. Todavia, os efeitos do contrato podem ser diferentes conforme houver registro ou não. A proteção do locatário, em caso de alienação do bem, é maior se houver registro (art. 576).

Em regra, o contrato de locação não é personalíssimo, embora possa se tornar median-te consentimento das partes. Além disso, o contrato de locação é de execução continuada ou de trato sucessivo, pois envolve prestações seguidas no tempo; o pagamento de uma presta-ção não exaure o contrato, ao contrário da compra e venda, mas tão somente é considerado como contrapartida pelo uso em um determinado período, normalmente mensal.

b) elementos do contrato de locação

Os elementos do contrato são, simplificadamente, o tempo, o preço e o objeto do negócio, isto é, a coisa, embora alguns autores17 enxerguem também o consentimento e a forma como seus elementos.

[i) a cessão da coisa – o objeto do contrato de locação]Embora seja uma confusão bastante comum, o objeto do contrato de locação não é

a coisa em si, mas seu uso e gozo por alguém que não o seu proprietário, transferidos por meio de manifestação de vontade.

O principal atributo da coisa que será objeto de locação é a sua infungibilidade. Disso decorrem algumas conseqüências: (i) segundo o art. 569, IV, do Código Civil, o locatário é obrigado a restituir a coisa no estado em que a recebeu, salvo as deteriorações do seu uso regular; ou seja, a lei privilegia a não-fungibilidade do bem; (ii) não se destinam à locação as coisas consumíveis no seu primeiro uso, como o dinheiro; e (iii) por outro lado, pode ser objeto da locação se algum acessório da coisa for consumido, sem que ela perca a sua infungibilidade (ex.: corte de árvores em casa de campo).

O fato de um bem ser inalienável não impede o seu uso em locação, como bens fora do comércio ou bens públicos.

Pode ser objeto da locação bens móveis ou imóveis, contanto que sejam infungíveis. Res-salte-se que, embora a Lei do Inquilinato tenha tomado para si a normatização de boa parte dos imóveis urbanos, seu art. 1º, parágrafo único, exclui diversos tipos de imóveis, que conti-nuam sendo tratados pelo código (ou por legislação especial, se houver), como, por exemplo, as vagas autônomas de garagem. O aluguel de lojas em shoppings centers também possui toda uma sistemática própria, havendo um grande avanço jurisprudencial na matéria.

É muito comum considerar o contrato de leasing ou arrendamento mercantil como uma locação de coisas móveis; todavia, tal contrato possui peculiaridades específicas com relação à locação comum de coisas regulada pelo Código Civil (como, por exemplo, a opção de compra ao final do prazo contratual), e, portanto, com ele não se confunde.

16 Note-se que, no caso de locações prediais urbanas, a lei dá (art. 46 da lei 8.245) um tratamento especial às locações reduzidas a contrato escrito, incentivando sua utili-zação, como se verá no ponto específico.

17 Caio mário, pág. 276.

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Em regra, a celebração da locação transfere a posse do bem, salvo se houver previsão contratual específica em contrário. O art. 566, II, do Código Civil, determina ser obrigação do locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa durante o tempo do contrato.

[ii) preço – o aluguel]Como dito anteriormente, o pagamento do aluguel é o que diferencia a locação do comodato. Há de haver,

sob pena de invalidação do contrato ou de sua configuração em empréstimo disfarçado ou até mesmo comoda-to, uma certa proporcionalidade entre o valor do bem e o aluguel cobrado.

Podem as partes estipular aluguel que não seja em dinheiro? Por quê?No âmbito da discricionariedade das partes, podem ser deduzidos do aluguel as obras e benfeitorias feitas

pelo locatário.

[iii) prazo – o tempo da locação]A definição legal do contrato de locação já permite que ela seja celebrada tanto por prazo determinado

quanto por prazo indeterminado, embora a sua temporariedade o diferencie, por exemplo, do instituto extinto da enfiteuse, em que a transferência da posse é perpétua.

A lei, contudo, dá efeitos diferentes (mais sensíveis ainda no caso da locação de prédios urbanos sujeitos à Lei nº 8.245/1991) ao contrato de locação conforme o seu prazo.

O art. 571 estabelece que, na locação por prazo determinado, por um lado o locador não pode exigir a devolução da coisa antes do término do contrato, a não ser que pague as perdas e danos correspondentes, mas, por outro, o locatário também não poderá devolver a coisa sem o pagamento proporcional da multa contratual. Numa interpretação a contrario sensu, portanto, sendo o contrato sem prazo determinado, qualquer das partes pode resilir o contrato sem o pagamento de penalidades.

Sendo o contrato por prazo determinado (arts. 573 e 574), extingue-se a locação pelo mero decurso do tempo, sem necessidade de notificação ou aviso. Caso, todavia, o locatário, sem oposição do locador, permaneça com a posse da coisa, presume-se prorrogada a locação por prazo indeterminado.

Essa presunção legal admite prova em contrário?

C) obrigações do locador

As obrigações do locador estão dispostas no art. 566 e seguintes do Código Civil. Dentre todas, a funda-mental é a de proporcionar ao locatário o uso e gozo da coisa locado, a qual pode ser desdobrada, basicamente, nos deveres de entrega, manutenção e garantia da coisa locada.

Entrega – A entrega da coisa, conforme art. 566, I, deve ser feita em estado de servir ao fim a que se destina. Por exemplo: o locador não pode alugar uma televisão com o tubo de imagem queimado, pois o locatário não poderá fazer o uso esperado dela.

A entrega é o ato por meio do qual a coisa locada muda de possuidor, e presume-se que deve ser feita ime-diatamente, junto com os seus acessórios e pertenças, salvo se em contrário dispuser o contrato.

Manutenção – Não basta isso, todavia, já que o mesmo artigo fala que o locador deve mantê-la neste estado (dever de manutenção). Esse dever, assim como o de garantia, prolonga-se durante o prazo da locação, embora não caiba a retenção do aluguel como contrapartida a ausência do cumprimento deste dever.

A questão da manutenção da coisa envolve, naturalmente, o tratamento jurídico da conservação e reparação do bem, em razão de sua natural deterioração. O art. 567 do Código Civil reza que, se não houver culpa do locatário, pode este pedir a redução proporcional do aluguel, ou até mesmo a resolução do contrato, se deteriorar-se a coisa durante a vigência do contrato.

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Como proprietário da coisa, e, portanto, principal interessado na manutenção do seu valor econômico, em regra se atribui ao locador o dever de promover as obras necessárias à sua conservação, sem, contudo, sob esse pretexto, mudar a destinação da coisa alugada, embora seja normal que o locatário responda pelas despesas de conservação de pequeno porte, consertos, reparos etc.

A prática, porém, especialmente nos imóveis urbanos, é que o contrato de locação es-tabeleça exatamente que tipo de despesas caberá o locatário e ao locador, sendo esse assunto inclusive objeto de regramento próprio na Lei do Inquilinato.

Garantia – o já mencionado art. 566, II, determina ser obrigação do locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa, para o fim a que se destina. Isso quer dizer, conforme sistematiza Caio Mário da Silva Pereira, que o locador deve garantir o locatário quanto a:

(i) vícios da coisa, ou defeitos que possam prejudicar o seu uso. Art. 568, in fine, res-pondendo pelas perdas e danos (graduados pelo seu grau de culpa, sobretudo para os vícios ou defeitos posteriores ao contrato) e sujeitando-se à resolução do contrato, ou à redução proporcional do aluguel, conforme a escolha do locatário (v. tb. Art. 567). Isso vale somente para os vícios ocultos ou também para os vícios aparentes?

(ii) incômodos ou turbações de terceiros, embora caiba ao locatário “o desforço que a lei lhe assegura (Código Civil, art. 1.210, §1º)”18, conforme o mesmo art. 568. Esse dever é imposto mesmo no caso de turbações feitas por colocatários.

(iii) Abstenção de incômodos. Se o locador deve garantir ao locatário o uso pacífico da coisa com relação a terceiros, com muito mais razão não pode ele praticar atos que venham a prejudicar esta utilização pacífica, sob pena de resolução do contrato e pagamento das perdas e danos correspondentes.

(iv) Evicção. Se for total, além da resolução do contrato decorrente da própria evicção, o locatário deve ser indenizado dos frutos que tiver que restituir, as despesas dela oriundas, além das perdas e danos. Caberia ao locatário o pedido de restituição dos aluguéis pagos? Se parcial a evicção, o locatário pode pedir a resolução do contrato ou abatimento propor-cional no aluguel.

(v) Atos da administração pública – não só a desapropriação, mas também os chamados fatos do príncipe que desnaturem a coisa ou o uso a que ela se destina, exceto se causadas pelo próprio locatário (ex.: fechamento de estabelecimento comercial pela vigilância sanitária), caso em que pode o locador solicitar as perdas e danos sofridas. A desapropriação tem um regramen-to próprio, na medida em que em regra o contrato não pode ter sobrevida pelo interesse público subjacente. Se o locador tinha conhecimento do decreto expropriatório, responde pela indeni-zação. Se, todavia, ela sobrevier na vigência do contrato, o locador indenizará o locatário pelas benfeitorias e os aluguéis são devidos até que o ente público seja imitido na posse da coisa.

d) obrigações do locatário:

Estão dispostas fundamentalmente no art. 569 do Código Civil. A mais importante delas é a de pagar pontualmente o aluguel, na forma ajustada no

contrato. O aluguel está para a locação assim como o preço está para a compra e venda. A lei estabelece inclusive um penhor legal sobre os móveis que guarnecem o imóvel locado como garantia de pagamento, conforme o art. 1.467, II do código.

Deve também o locatário usar a coisa para os usos convencionados ou presumidos, tratan-do-a como se sua fosse (art. 569, I). A eventual tolerância do locador, em regra, não permite 18 Caio mário, pág. 289.

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afastamento desta regra. O desvio de finalidade é analisado no caso concreto, conforme as circunstâncias do contrato, do local em que ele é celebrado e o princípio da boa-fé objetiva.

O locatário deve ter a diligência esperada para o cuidado com a coisa, de maneira, por exemplo, a impedir a deterioração do bem se ela é evidente, sem prejuízo de seu dever de pequenos reparos e consertos já mencionado.

O locatário é obrigado a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros. Isso é contrapartida do dever do locador de garantir a coisa locada. Esse dever de informa-ção deve ser exercido de modo a permitir a que o locador possa tomar todas as providências para o exercício do seu próprio dever, isto é, tão logo o locatário tome conhecimento da turbação, deve notificar o locador, para que ele, por exemplo, possa entrar com as medidas judiciais cabíveis para a proteção de sua propriedade e da posse do locador.

Por fim, findo o contrato de locação, deve o locatário restituir a coisa no estado em que a recebeu, salvo por sua deterioração natural. As únicas exceções permitidas por lei são as em é conferido ao locatário direito de retenção, como se verá a seguir.

Caso o locatário descumpra esse dever, a lei provê a solução no art. 575: ficará res-ponsável pelos aluguéis enquanto mantiver a coisa em seu poder, no valor arbitrado pelo locador, e responderá pelos danos a ela, ainda que proveniente de caso fortuito.

[alienação do bem durante o prazo locatício]A questão está regulada no art. 576 do código, sem prejuízo das regras específicas da

Lei nº 8.245. O adquirente do bem somente estará obrigado a respeitar a locação se o con-trato contiver cláusula expressa e tiver sido submetido ao registro próprio.

[direito de retenção]É um poder, uma defesa que a lei dá ao locatário de conservar em sua posse a coisa

alheia locada, mesmo depois de findo o prazo contratual, enquanto não lhe forem indeniza-das as despesas ou perdas sofridas em razão da coisa. Pode-se dizer até que é um dos poucos casos de “Justiça privada” aceita pelo Direito brasileiro.

A lei confere direito de retenção ao locatário pelas benfeitorias necessárias19, e também pelas úteis20, caso tenham sido feitas com o consentimento do locador (art. 578). Tratando-se de norma dispositiva, contudo, podem as partes dispor em contrário no contrato.

19 Art. 96, parágrafo 3º da Lei nº 10.406/2002: “são neces-sárias as que têm por fim con-servar o bem ou evitar que se deteriore”.

20 Art. 96, parágrafo 2º da Lei nº 10.406/2002: “são úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem”.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.7. AulA 7: CONTRATO dE lOCAçãO (lOCAçãO dE PRÉdIOS uRbANOS –– lOCAçãO RESIdENCIAl)

1.7.1. eMentário de teMas:

Introdução – Âmbito de aplicação – Obrigações das partes – Garantias Locatícias – Prazo e forma – Alie-nação do imóvel – Locação residencial

1.7.2. biblioGrafia obriGatória:

• Lei nº 8.245/1991.• PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, vol.. III,

págs. 301 a 312.

1.7.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. pág. 481-573.

1.7.4. Caso Gerador

Imagine que o senhor Eduardo Russo tenha alugado um de seus apartamentos em Brasília por 30 meses. No 17º mês de vigência, Maria Lúcia, sua filha, decide morar sozinha e, como não possui imóvel próprio, pede ao pai que lhe ceda esse apartamento que se encontra alugado, para ela morar. Pergunta-se: cabe a denúncia “cheia” nos contratos por igual a 30 meses?

E se, ao invés da filha, fosse o seu sobrinho? E se o imóvel estivesse sendo vendido?

1.7.5. roteiro de aula

a) introdução

Vimos na aula passada o regime geral das locações de coisas no Código Civil. Todavia, em grande parte devido ao fato de que mais de 80% da população brasileira vive em centros urbanos, indubitavelmente o maior número de casos, envolvendo o contrato de locação, que o profissional do Direito é levado a lidar, é o de locação de prédios urbanos.

O regime da locação de imóveis urbanos é de tal importância para o Direito que mereceu uma disciplina própria, separada do Código Civil, que hoje encontra abrigo na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que, todavia, não foi a primeira legislação específica sobre o tema no Direito brasileiro.

Com efeito, a questão habitacional vem sendo uma das maiores preocupações legislativas em todo mundo a partir do Século XX, e o crescente déficit na oferta de casas tem gerado uma verdadeira sucessão de regras jurí-dicas sobre o tema. Pode-se até dizer que a atividade legislativa, pelo menos no Brasil, tem-se mostrado até certo ponto pendular, com as normas ora protegendo mais o proprietário, ora protegendo mais o inquilino.

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44FGV DIREITO RIO

CONTRATOs Em EsPÉCIE

A relativa longevidade da legislação vigente deve-se, podemos inferir, ao fato de que procura equilibrar os interesses, normalmente contrapostos, de locadores e locatários. A experiência mostrou que a proteção demasiada ao locatário, solução que parece mais simples em face do direito constitucional de moradia, gerava um aumento no preço dos aluguéis, aumentando o déficit habitacional, e não ao contrário, como é o espírito da lei.

b) Âmbito de aplicação

Nem todos os imóveis em áreas urbanas estão sujeitos ao tratamento jurídico da Lei do Inquilinato. Os imóveis rurais são regulados pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964).

As exceções ao âmbito de aplicação da lei, expostas já no parágrafo único do seu art. 1º, incluem, por exemplo, imóveis de propriedade de entes públicos, vagas autônomas de garagem, apart-hotéis etc. O legisla-dor entendeu que, nestes casos, o impacto social não é tão relevante, não se verifica um desnível econômico significativo entre as partes que enseje a atuação do legislador, nem tampouco uma necessidade social tute-lável.

Por outro lado, a disciplina do Código Civil não é totalmente afastada nas locações de imóveis urbanos. Todos os princípios contratuais expostos no código, como o da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, apli-cam-se a este tipo de locação. A própria lei (em seu art. 79) determina a aplicação subsidiária da legislação geral nos casos omissos.

Uma situação especial diz respeito aos espaços comerciais em shopping centers. Esse tipo de locação, em regra, possui caracteres específicos, que chegam a extrapolar a mera relação locatícia de transferência da posse, como, por exemplo, a variação do aluguel a ser pago em função do faturamento da loja, da sua localização dentro do shopping, as regras para o uso do estacionamento, a submissão a promoções do shopping etc.

O art. 54 da lei determina que, neste caso, é livre a pactuação das cláusulas do contrato entre locador e locatário, exceto por algumas questões referentes a despesas condominiais tratadas no próprio artigo.

Também não se aplica a lei no caso de leasing de imóveis, em virtude de exceção expressa no texto legal. Estão, portanto, sujeitos à aplicação da Lei nº 8.245/1991 todos os imóveis urbanos não incluídos nas

exceções legais expressas. A configuração de imóvel urbano, todavia, obedece mais a um critério funcional/eco-/eco-nômico do que um geográfico. Isto é, nos casos limítrofes, o intérprete decidirá preponderantemente de acordo com a atividade econômica praticada ou desenvolvida naquele imóvel.

A Lei do Inquilinato regula três tipos de locação: a residencial, a não residencial (ou comercial) e a por temporada, sendo que as duas últimas serão tratadas na próxima aula.

C) obrigações das partes

Estão listadas fundamentalmente nos art. 22 e 23 da lei. Como visto na aula anterior, as principais obriga-ções do locador se referem à entrega, manutenção e garantia da posse do locatário, ou seja, permitir o uso e gozo pleno do imóvel pelo locatário, garantindo o seu uso pacífico inclusive perante terceiros.

É muito comum, porém, no que tange às despesas condominiais, que o contrato transfira para o locatário tais despesas. É legal esta estipulação?

No que tange ao locatário, sua obrigação primordial é a de pagar pontualmente o aluguel. Além disso, num patamar imediatamente inferior, está o dever de cuidar do imóvel e servir-se dele para o fim acordado no contrato, restituindo-o ao locador ao fim do prazo estipulado.

O aluguel deve ser fixado em dinheiro, embora o contrato possa contemplar cláusula de reajuste (arts. 17 e 18).

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

d) Garantias locatícias

A lei estabelece que o locador pode exigir do locatário uma das seguintes garantias: (i) caução; (ii) fiança; ou (iii) seguro de fiança locatícia, conforme dispõe o art. 37. Não lhe é permitido, porém, solicitar o acúmulo de garantias para um mesmo contrato.

Por outro lado, a lei faculta ao proprietário o direito de exigir um reforço – ou até mesmo uma troca – da garantia nas hipóteses previstas no art. 40 da lei.

e) Prazo e forma

O art. 3º da lei determina que o contrato pode ser ajustado por qualquer prazo, mas, se for superior a dez anos, depende do consentimento do cônjuge do proprietário, que, se não obtido, não estará obrigado a respeitar o prazo da avença.

A questão do prazo é, talvez, a mais importante no regime da lei, já que a depender do que as partes acor-darem os efeitos serão bem distintos.

A regra geral é a de que, durante a vigência do contrato, não pode o locador reaver o imóvel locado, e o lo-catário somente poderá devolvê-lo mediante pagamento proporcional da multa estipulada no acordo. Tal regra, todavia, recebe um tempero especial quando se trata de locação residencial, como se verá adiante.

Quanto à forma, a lei determina que o contrato é consensual, isto é, não depende de forma específica. Pode-se dizer, então, que a proteção jurídica do locatário independe da forma escrita do contrato?

f) alienação do imóvel

O sistema de propriedade adotado pelo nosso código (art. 1.228) confere ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens. Como já vimos anteriormente, o contrato de locação transfere ao locatário a posse do bem, o direito de uso e gozo. Entretanto, o direito de vender o bem continua com o proprietário.

Por isso, em regra, o adquirente pode denunciar o contrato de locação, isto é, consolidar novamente posse e propriedade em suas mãos, mas a lei regula – e confere alguns direitos ao locatário nestas hipóteses – a forma e o procedimento que deve ser respeitado pelo proprietário e pelo adquirente no caso de venda do imóvel alugado.

Primeiramente, o art. 8º da lei estabelece que quando o contrato contém a chamada “cláusula de vigência”, e o contrato foi averbado na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis, o adquirente não poderá denunciar o contrato. Este requisito é indispensável para possibilitar a manutenção do contrato em caso de alienação do imóvel. Sendo assim, como já dito anteriormente, apesar de o contrato de locação ser, em regra, consensual e não solene, a diversidade de efeitos do registro no caso da alienação do imóvel é um grande incentivo não só a reduzir o contrato por escrito como também averbá-lo na matrícula do imóvel.

Além disso, o art. 27 cria um direito de preferência, para o locatário, de adquirir o imóvel em condições de igualdade de condições com o terceiro, no prazo de 30 dias contados do conhecimento da proposta.

Resumidamente, se o proprietário vender o imóvel, a regra geral é que se resolve o contrato de locação. To-davia, a lei confere ao locatário dois direitos, necessariamente excludentes entre si: (i) exercer a preferência para compra do imóvel em igualdade de condições com o terceiro, na forma do art. 27; ou (ii) manter-se na posse do imóvel, permanecendo o contrato em vigência, desde que, cumulativamente, o contrato contenha cláusula de vigência e esteja averbado na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis.

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G) locação residencial

Locação residencial é aquela destinada à habitação de pessoas. “Residência é o lugar onde alguém fica habitualmente, ainda que sem a intenção de nele permanecer sempre. Seu elemento essencial é a habitualidade”.21

Não devem ser confundidas as noções jurídicas de residência e de domicílio. Esse é o lugar da “atividade jurídica da pessoa”, onde ela se estabelece com ânimo definitivo, onde pratica em regra os seus atos jurídicos; aquela, a morada habitual da pessoa, que pode ou não ser o mesmo local do domicílio.

Destinam-se à habitação da pessoa natural, sempre. Pessoa jurídica não pode ser parte em contrato de locação residencial, mesmo se para os seus administradores (art. 55).

O principal traço da locação residencial diz respeito ao prazo, no qual o legislador fixou uma referência (30 meses) em torno da qual os efeitos do contrato e os direitos e obri-gações das partes serão modificados, especialmente no que tange à denúncia do contrato. Para melhor entendimento da matéria, estudemos a tabela abaixo:

Prazo Contratual Efeito

Indeterminado• o locador pode denunciar o contrato a qualquer tempo.• o locatário, exercida a denúncia, tem um prazo de trinta dias para desocupação do imóvel (art. 46, §2º)

Inferior a 30 meses (art. 47)

• Findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se imediatamente por prazo indeterminado.• Só cabe a denúncia “cheia” – nos casos previstos no art. 47.

Igual ou superior a 30 meses (art. 46)

• A resolução do contrato ocorre no fim do prazo estipulado, com prorrogação automática se não houver oposição do locador.• Nesse tipo de prorrogação, após os trinta meses cabe a “denúncia vazia”, isto é, imotivada, e cabe o locatário desocupar o imóvel em trinta dias.

A lei, portanto, fixa o parâmetro dos 30 (trinta) meses como razoável para o prazo locatício.

As prorrogações previstas no art. 47 não podem ser afastadas pelas partes, sob pena de nulidade do contrato (art. 45).

1.7.6. questões de ConCurso

(Prova: 09º Exame de Ordem - 1ª fase) Arnaldo reside há dez anos consecutivos em um imóvel locado através de instrumento escrito e atualmente vigorando por prazo inde-terminado, tendo sempre cumprido rigorosamente todas as condições do contrato, foi surpreendido com uma notificação para desocupar o imóvel no prazo de doze meses. A hipótese importa para o locatário:

a. O direito a uma indenização proporcional ao número de anos em razão do rompi-mento imotivado do contrato;

b. O direito de não pagar os locativos no período estipulado na notificação;c. Findo o prazo, proceder a desocupação do imóvel, devolvendo-o nas mesmas condi-

ções que o recebeu;d. Poderá ficar ainda mais três meses além do prazo estabelecido.

21 RIZZARDO, Arnaldo. Con-tratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. pág. 486.

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(Prova: 02º Exame de Ordem - 1ª fase) sendo alienado o imóvel durante a vigência de contrato de loca-ção:

a. O adquirente poderá denunciar o contrato com prazo de sessenta dias para desocupação, independente-mente de cláusula de vigência em razão do princípio “venda rompe a locação”;

b. O adquirente poderá denunciar o contrato com prazo de noventa dias para desocupação, salvo se a loca-ção for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel;

c. O adquirente não poderá denunciar o contrato se este vigorar por prazo indeterminado;d. A denúncia deverá ser exercitada no prazo de 30 dias contados do registro da venda ou do compromisso,

presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.

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1.8. AulA 8: CONTRATO dE lOCAçãO

1.8.1. eMentário de teMas:

Introdução - Locação para temporada - Locação não residencial - Ações locatícias.

1.8.2. biblioGrafia obriGatória:

• Lei 8.245/1991.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São

Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 227 a 239.

1.8.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006. págs. 481-573.• VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. São Paulo: Atlas, 1997. Comentários aos

artigos 48 a 57.• FUX, Luiz. Locações - Processo e Procedimento. Rio de Janeiro: Destaque, 1999.

1.8.4. Caso Gerador

Durante o curso da diligência legal, recebemos uma cópia de um contrato de locação não residencial de uma das lojas dos Supermercados Pechincha, celebrado inicialmente em 1º de janeiro de 2000 com prazo de vigência até 31 de dezembro de 2005. Questionada sobre o vencimento do contrato, a senhora Maria Lúcia Russo alegou que o advogado da Pechincha Comércio Varejista Ltda. a orientou a escudar-se no parágrafo úni-co do art. 56, que garante a permanência do locatário se não houver oposição do locador no prazo de 30 dias. Sendo assim, ela argumenta que, passados vários meses do prazo legal, o contrato deve ser considerado como renovado. Como advogado da Grana Certa S/A, quais são os riscos para o seu cliente dessa situação? Seu chefe no escritório, preocupado com isso, pede a você uma pesquisa para verificar se é possível a propositura de ação renovatória. O que você responde a ele?

Paralelamente, o senhor Odin Heiro pretende contratar um administrador profissional para assumir a ad-ministração da Pechincha Ltda. quando o negócio for fechado. Dentro do pacote oferecido para os candidatos à vaga, inclui-se o pagamento de aluguel de uma mansão no Lago Sul, em Brasília, onde serão sediadas as ope-rações da Grana Certa S/A no ramo de distribuição alimentícia. Neste cenário, o seu cliente lhe pergunta qual seria o prazo recomendável para a vigência do contrato. O que você diz a ele?

1.8.5. roteiro de aula

a) introdução

A Lei nº 8.245/1991, além das locações residenciais, estabelece ainda o regime das locações não-residen-ciais (ou comerciais) e por temporada, cada qual com uma finalidade econômica específica.

Assim, a Lei do Inquilinato divide em três grandes sistemáticas o regramento das locações prediais urbanas, atendendo aos bens jurídicos respectivamente tutelados – a locação residencial protege o direito à habitação, a

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locação não residencial protege o fundo de comércio e a locação por temporada, por não ser nem habitacional nem parte de atividade econômica, merece regulamento próprio.

b) locação para temporada

O conceito de locação para temporada está disposto no art. 48 da Lei do Inquilinato, segundo o qual são requisitos para a caracterização da locação para temporada o fim ao qual é destinado o imóvel (recreativo ou na necessidade do locatário de celebrar o contrato, seja por realização de curso, seja por tratamento de saúde ou obras em seu imóvel), e o prazo de sua vigência (que não pode ser superior a 90 (noventa) dias).

O prazo superior a 90 (noventa) dias descaracteriza a locação como para temporada. O art. 50 mostra que, se permanecer o locatário no imóvel para além do prazo máximo estipulado, não é possível mais se exigir o pa-gamento antecipado do aluguel, descaracterizando a temporada. Assim, o artigo equipara à locação residencial, só podendo ser denunciado nas hipóteses do art. 47.

Parte da doutrina entende que é necessário contrato escrito. Embora contivesse do projeto original uma disposição específica neste sentido, há quem entenda que o prazo exíguo a torna incompatível com o contrato verbal, sobretudo porque o contrato não escrito, como pode não deixar claro o prazo contratado, pode ser con-fundido com uma locação residencial comum.

E você, acha necessária, conceitualmente, a forma escrita para a locação por temporada? Em todo caso, se o imóvel estiver mobiliado, o parágrafo único determina que deva constar do contrato o

rol dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontra. E se as partes não proce-derem assim, qual a sanção jurídica? Torna-se inválido o contrato?

Outro grande traço da locação para temporada é a possibilidade de exigência, por parte do locador, de recebimento dos aluguéis antecipadamente, o que é vedado para os demais tipos de locação segundo o art. 20.

Se, todavia, o contrato for resolvido, por algumas das hipóteses estabelecidas no art. 9º, o locador será obrigado a devolver, proporcionalmente, o valor recebido antecipadamente, sob pena de seu enriquecimento sem causa.

C) locação não residencial

Considera-se locação não residencial, naturalmente, aquela que não é destinada à habitação de pessoas. Sempre que a destinação do imóvel não for a moradia de alguém, será para fins não residenciais.

O contrato de locação não residencial ganha uma importância maior na medida em que pode ser – e quase sempre é – parte integrante do fundo de comércio (ou fundo de empresa) do empresário.

O ponto, o estabelecimento, a loja, são partes fundamentais da atividade empresarial, apesar de ser um bem imaterial, e, desta forma, não pode o legislador – que sempre procura preservar a atividade empresarial, em prol do crescimento econômico (que gera empregos e tributos) – tratar esse tipo de locação da mesma forma que trata a locação residencial.

Como o legislador se utilizou da expressão “não residencial”, e não de “empresa”, “empresário” etc., é irrele-vante para a lei se a atividade desenvolvida no local é empresarial, civil, industrial, ou qualquer outra. O critério da lei é residual – todas as locações que não sejam destinadas à moradia de pessoas naturais são “não residenciais” e sua disciplina então é a aplicável. Há também a locação não residencial por força de lei, estabelecida no art. 55 da lei.

De modo a proteger, então, a atividade econômica, o legislador, ao contrário do que ocorre na locação residencial, outorgou ao locatário, nestes casos, um direito à renovação compulsória, ao qual corresponde uma ação – a ação renovatória. Note-se que a possibilidade de renovação compulsória do contrato encerra uma revolução paradigmática no direito dos contratos: a vigência do contrato independe da vontade de uma das partes. Em outras palavras: o locador pode inclusive ter manifestado sua intenção de não renovar

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o contrato, mas se o locatário cumprir os requisitos legais, o juiz deverá autorizar a manutenção da vigência do contrato.

A rescisão do contrato, em regra, nesses casos, se dá ao fim de seu prazo, conforme estabelecido no art. 56 da lei, que dá um tratamento semelhante ao que ocorre na locação residencial.

Para que o locador possa fazer jus ao direito à renovação compulsória, a lei exige determinados requisitos que devem constar do contrato, necessariamente. Tais requisitos estão expostos nos três incisos do art. 51, que são cumulativos, ou seja, é necessária a presença das três condições para a possibilidade da renovação compulsó-ria. Vale ressaltar que, neste caso, a lei é cogente; significa dizer que o contrato não pode afastar a possibilidade de renovação, estando presentes os requisitos legais.

Note que (i) a lei obriga que o contrato seja por escrito – volta-se aquela definição vista anteriormente: o contrato é consensual, mas dependendo de sua finalidade, a forma escrita garantirá uma determinada sorte de efeitos; e (ii) o legislador realmente privilegia a formação do “fundo de empresa” quando estabelece prazos mínimos e requer que seja o mesmo ramo de atividade.

No que tange ao inciso II, ressalte-se que se o contrato for estipulado por menos de cinco anos e houver um lapso temporal entre o seu vencimento e a sua efetiva renovação, a jurisprudência entende que se computa este tempo, valendo o tempo que o inquilino está no imóvel.

Um outro requisito fundamental de validade da ação renovatória está previsto no §5º do referido artigo, que estabelece um prazo decadencial para a propositura da ação, de seis meses, entre um ano e seis meses antes do vencimento previsto do contrato vigente. Portanto, quando você estiver estagiando em um escritório e tiver que protocolar um prazo de ação renovatória, muita atenção: NÃO PERCA O PRAZO; seu cliente pode sofrer gravíssimos prejuízos.

Dê uma olhada atenta nos arts. 52 e 53 da lei – lá estão estabelecidas algumas exceções à regra da renovação compulsória, por matéria de política legislativa.

Luvas: é uma quantia paga pelo locatário, além dos aluguéis, para o locador, como adiantamento ou para a renovação do contrato. No regime anterior da locação não residencial, sua cobrança era permitida. No atual sistema legislativo, parte da doutrina acha que a lei atual não veda a cobrança, que ocorria, na prática, mesmo com a existência de vedação expressa do decreto anterior (lei de luvas). Mas não é matéria pacificada; alguns entendem que o Art. 45 proíbe a cobrança de luvas.

d) ações locatícias

Por fim, e sem querer entrar na aula do professor de Processo Civil, a Lei do Inquilinato possui regras pro-cessuais específicas para o caso de locação de imóvel urbano, criando alguns remédios para locadores e locatários sujeitos ao âmbito da lei.

1) Ação de despejo (art. 59) – é a ação utilizada pelo locador para retomar o imóvel, por qualquer que seja o motivo (e não somente por falta de pagamento). Assim, sempre que o locatário se mantiver na posse do imóvel e a lei conferir ao locador o direito de retomada, ele poderá propor a ação de despejo e poderá, inclusive, pedir liminar ao juiz para desocupação em 15 (quinze) dias, nos casos previstos no art. 59.

Se a ação de despejo for proposta com fundamento na falta do pagamento pontual do aluguel, o objeto da ação incluirá também a cobrança dos valores devidos, não sendo necessária, até mesmo por um primado de economia processual, a propositura de ação de cobrança.

O locatário poderá, nesse caso, impedir a resolução do contrato mediante a “purga da mora”, isto é, o de-pósito judicial do valor do débito atualizado, com multa, juros e encargos.

2) Ação de consignação de aluguel (art. 67) – é a ação do locatário quando o locador se nega a receber os valores do aluguel, e por meio da qual ele irá depositar em juízo a importância que acha devida, indicada na petição inicial.

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Caso o locador levante o depósito ou não oferecer contestação, o juiz acolherá o pedido (art. 67, IV). Por outro lado, o locatário poderá, a qualquer tempo, levantar o depósito sobre o valor que não está sendo mais objeto da disputa.

3) Ação revisional de aluguel (art. 68) – serve para qualquer tipo de locação prevista no ordenamento. Ti-nha muita relevância na época da escalada inflacionária, em que muitas vezes o locador era prejudicado por um índice defasado no contrato, gerando um enriquecimento sem causa do locatário. Sendo assim, na maioria das vezes o autor da ação era o locador.

Nessa ação, basicamente o que se busca é uma perícia judicial para que seja arbitrado o valor de mercado justo do imóvel, ajustando-se, desta forma, a retribuição a ser paga pelo locatário.

4) Ação renovatória (art. 71) – é aquela usada para a renovação compulsória da locação, conforme visto acima, na locação não residencial.

Vale ressaltar que, no intuito de preservar o fundo de empresa, o legislador limitou as matérias de fato que podem ser objeto da contestação do locador, no art. 72.

Neste caso, também por medida de economia processual, poderá ser cobrada a diferença aferida no valor dos aluguéis, que também será discutido na ação (art. 73).

1.8.6. questões de ConCurso

(Prova: 21º Exame de Ordem - 1ª fase) Não é defesa possível ao locador na ação renovatória: a. Proposta de terceiro para a locação em condições melhores; b. Não preenchimento dos requisitos legais para a renovação; c. A intenção de se instalar no imóvel com comércio no mesmo ramo que o inquilino; d. A necessidade de realização de obras urgentes, de radical transformação no imóvel, determinadas pelo

poder público.

Prova: 24º Exame de Ordem - 2ª fase - PROVA DIsCURsIVAPadaria Alvino, na qualidade de locatária, em contrato de locação não residencial, celebrado em 01/12/1999, por prazo determinado de 5 (cinco) anos, pretendendo renovar a relação, iniciou tratativas com o locador, as quais restaram infrutíferas. Assim, a locatária, na data de hoje, lhe procura como advogado, expondo todo o caso concreto e desejando sua opinião sobre a possibilidade de compelir a realização da renovação contratual. Pergunta-se: no caso concreto, face à resistência do locador, que não deseja renovar o contrato, existe, ou não, alguma solução judicial para a questão? Qual? Explique e fundamente a sua resposta

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.9. AulA 9: EmPRÉSTImO (COmOdATO)

1.9.1. eMentário de teMas:

Introdução. Características. Obrigações do comodatário. Extinção do comodato.

1.9.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 579 a 585 da Lei nº 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Pau-

lo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 255 a 261.

1.9.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.. 7, págs. 82 a 130.

1.9.4. Caso Gerador:

Recebemos na diligência o contrato de comodato de um dos imóveis utilizados pela rede de Supermerca-dos Pechincha. Tendo em vista a importância desse imóvel para a rede de supermercados e, conseqüentemente, para o nosso cliente, potencial adquirente do negócio, que comentários você teria a fazer com relação ao con-trato abaixo?

CONTRATO DE COmODATO

XYZ LTDA, sociedade limitada com sede na Rua dos Oitis, São Paulo-SP, inscrita no CNPJ/MF sob nº 00000000, neste ato representada por seu representante legal, doravante denominada simplesmente “Como-dante”; e

PECHINCHA COMÉRCIO VAREJISTA LTDA., com sede em Brasília, Distrito Federal, com seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial de Brasília sob o número 11111111, neste ato representada por seu representante legal, Sr. Eduardo Russo, doravante denominada simplesmente “Comodatária”;

Comodante e Comodatária são doravante, conjuntamente, denominadas “Partes” e, individualmente, “Parte”.

CONSIDERANDO QUE:

a Comodante é proprietária e legítima possuidora do imóvel localizado no Lago Sul, Quadra ABC (o “Imóvel”), matrícula 555 do Cartório de Registro de Imóveis do Distrito Federal;

a Comodatária tem interesse na utilização do Imóvel e que a Comodante deseja dar em comodato à Co-modatária parte do Imóvel,

REsOLVEm, Comodante e Comodatária, celebrar o presente Contrato, que será regido pelo artigo 579 e seguintes do Código Civil, e pelas seguintes cláusulas e condições:

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1. Do Objeto.1.1. Pelo presente Contrato, a Comodante cede em comodato à Comodatária o Imóvel.1.2. A Comodante declara, para todos os fins de direito, que o Imóvel se encontra livre e desembaraçado

de quaisquer ônus reais, pessoais ou fiscais, ou ainda restrições de qualquer natureza.1.3. A Comodatária será a responsável exclusiva pelo custeio de todas e quaisquer despesas decorrentes de

adaptações e reformas eventualmente realizadas a fim de permitir a instalação e o funcionamento das ativida-des da Comodatária no Imóvel. Tais adaptações e reformas, se realizadas pela Comodatária, serão consideradas despesas necessárias para o uso e gozo do Imóvel, e as benfeitorias delas decorrentes a ele se incorporarão. Fica desde já ajustado entre as Partes que as benfeitorias realizadas pela Comodatária no Imóvel não criarão para a Comodatária direito a qualquer indenização, não podendo a Comodatária reter o Imóvel nos termos deste Con-trato pelas benfeitorias nele realizadas.

2. Da Utilização da Área.2.1. A Comodatária declara que utilizará o Imóvel ora dado em comodato exclusivamente para a consecu-

ção de seus objetivos sociais, em conformidade com o seu Contrato Social e respectivas alterações, ficando, desde já, vedada sua utilização para qualquer outra finalidade sem o prévio e expresso consentimento da Comodante, sob pena de responder por perdas e danos, na forma do artigo 582 do Código Civil.

2.2. Fica, desde já, vedado à Comodatária o aluguel ou comodato do Imóvel, bem como a cessão ou transferência dos direitos e obrigações oriundos deste Contrato, sem o expresso e inequívoco consentimento da Comodante.

2.3. Durante a vigência do presente Contrato, a Comodatária se obriga, ainda, a preservar e manter em perfeito estado de conservação e limpeza o Imóvel cedido.

3. Da Imissão na Posse.3.1. Neste ato, na melhor forma de direito, a Comodatária é imitida na posse do Imóvel, obrigando-se,

a partir da posse, a defendê-la contra ameaças, turbações ou esbulhos e a preservar o Imóvel como se seu fosse, comprometendo-se a não lhe causar danos ou avarias e a conservá-lo no mesmo estado em que o recebeu, res-salvado o desgaste natural decorrente do uso regular do Imóvel.

4. Das Despesas.4.1. A Comodatária será exclusivamente responsável pelo pagamento de todas as despesas ordinárias tais

como, água, luz, gás, taxas, impostos e demais encargos que recaiam sobre o Imóvel, bem como sobre o exercício de suas atividades.

5. Da Vigência e da Rescisão.5.1. O presente Contrato é celebrado por prazo indeterminado, podendo ser rescindido por qualquer das

Partes mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias.5.2. O presente Contrato poderá ser rescindido por qualquer uma das Partes, sem prejuízo das sanções

aplicáveis, em caso de inobservância, pela outra Parte, de qualquer de suas cláusulas e/ou condições, caso tais irregularidades não sejam sanadas dentro de 02 (dois) dias contados a partir da data do recebimento de aviso escrito enviado pela Parte prejudicada.

5.2.1. A Comodante reserva-se o direito de rescindir este Contrato, mediante notificação com efeitos imediatos, na ocorrência de qualquer uma das seguintes hipóteses: (a) protesto de títulos de responsabilidade da Comodatária; ou (b) pedido de concordata ou falência da Comodatária; ou (c) utilização do Imóvel para outros fins além daqueles descritos neste Contrato.

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54FGV DIREITO RIO

CONTRATOs Em EsPÉCIE

6. Das Notificações.6.1. Todas as notificações, avisos ou comunicações exigidas, permitidas ou decorrentes

deste Contrato, por qualquer das Partes à outra, deverão ser feitas por carta com aviso ou protocolo de recebimento ou, ainda, por notificação judicial ou extrajudicial, fax, e-mail com comprovação de recebimento, dirigidos e/ou entregues às Partes nos endereços cons-tantes do preâmbulo deste Contrato ou em outro endereço que uma das Partes venha a comunicar à outra, a qualquer tempo, na vigência deste instrumento.

7. Das Penalidades.7.1. A Parte que infringir qualquer das cláusulas ou condições do presente Contrato

ficará sujeita ao pagamento, à Parte inocente, das perdas e danos a que tiver dado causa.

8. Do Foro.8.1. As Partes elegem o foro da comarca da capital do Estado de São Paulo como com-

petente para solucionar qualquer conflito decorrente do presente Contrato, com renúncia expressa de qualquer outro, por mais privilegiado que seja.

POR EsTAREm AssIm JUsTAs E CONTRATADAs, as Partes assinam o presente Contrato de Comodato em três vias de igual teor e forma na presença de duas testemunhas abaixo assinadas.

Brasília, 10 de novembro de 1995.

Pechincha Comércio Varejista Ltda.

Testemunhas:

Nome: Nome:RG: RG:

1.9.5. roteiro de aula

a) introdução

Empréstimo é o contrato pelo qual uma das partes entrega um bem à outra, para ser devolvido em espécie ou gênero.

Existem duas espécies de empréstimo: comodato e mútuo. Nesta aula, veremos as características do comodato e na próxima aula estudaremos as diferenças entre comodato e mútuo e as regras específicas do mútuo.

“O comodato é o empréstimo de coisa não fungível22, eminentemente gratuito, no qual o comodatário recebe a coisa emprestada para uso, devendo devolver a mesma coisa, ao termo do negócio”23.

22 Relembrando: art. 85 da Lei nº 10.406/2002: “são fun-gíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”.

23 RODRIGUEs, silvio. Direito Civil. dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. são Paulo: Ed. sarai-va, 2002, vol. 3, pág. 255.

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b) Características

Art. 579 da Lei nº 10.406/2002: “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto”.

Pela análise do artigo acima, é possível extrair três elementos desse contrato: a gratui-dade, a não-fungibilidade do objeto e a necessidade de sua tradição para o aperfeiçoamento do negócio.

A natureza jurídica do contrato de comodato, portanto, é:– Gratuito – caso fosse oneroso, poderia ser confundido com a locação, já analisada

neste curso.– Real – é necessário que o bem seja transferido ao comodatário para que o contrato

exista. Não basta a mera troca de consentimentos.– Unilateral – após a entrega do bem, incumbem obrigações apenas ao comodatário.– Não solene – a lei não prescreve qualquer forma. Vale notar que no comodato, embora haja transferência do bem, o domínio não é

transferido ao comodatário.

C) obrigações do comodatário

– Velar pela conservação da coisa – O comodatário deve zelar pela coisa como se própria fosse. Assim, mesmo em caso de força maior, o comodatário responde pelo dano que venha a ser sofrido pelo comodante, se em caso de risco, o comodatário privilegiar a segurança de seus bens próprios, abandonando os bens do comodante.

– Usar a coisa de forma adequada – O bem em comodato só poderá ser usado, pelo comodatário, para a finalidade e de acordo com os termos do contrato de comodato. Se o contrato for omisso quanto à finalidade, deve ser entendido que a coisa foi emprestada para ser utilizada de acordo com sua natureza.

– Restituir a coisa emprestada no momento devido – O comodatário deve restituir o bem no prazo acordado. Não havendo prazo expressamente pactuado, deve ser restituído findo o prazo necessário para a finalidade para a qual ele foi emprestado. A princípio, o comodante não pode exigir o bem antes do termo do contrato, exceto se ele comprovar necessidade urgente e imprevista para exigi-lo antes.

O comodatário, que descumpra a obrigação de devolver o bem no prazo, fica em mora e, portanto, sujeito aos efeitos da mora24.

Um dos diferenciais do Supermercado Pechincha é o atendimento aos clientes. Há, por exemplo, uma área perto da seção de confeitaria, onde os clientes podem tomar um gostoso cafezinho. Para tanto, o Supermercado Pechincha entrou em acordo com uma reno-mada empresa de café expresso, que cedeu duas máquinas em comodato ao supermercado para que os clientes comprem os produtos e coloquem nas máquinas que ficam ali à dispo-sição. Recebemos o contrato celebrado entre o Supermercado Pechincha e a empresa de café e notamos que, embora as máquinas permaneçam no supermercado, o prazo do contrato já terminou. Que conseqüências podem resultar desse fato?

d) extinção do Comodato

O contrato de comodato se extingue:24 Rever arts. 394 a 401 da Lei nº 10.406/2002.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

– pelo decurso do prazo pactuado ou, caso não haja termo ajustado, após o uso pelo comodatário de acor-do com a finalidade para que foi emprestada.

– pelo comodante, se o comodatário descumpre qualquer de suas obrigações.– pelo comodante, caso prove a superveniência de necessidade imprevista e urgente. Nesse caso, a rescisão

decorrerá de sentença judicial que reconheça o advento de necessidade urgente e imprevisível à época do negócio.

Irene e Vital eram amigos desde a época do colégio. Sabendo que Irene tinha acabado de abrir um restau-rante e que queria implementar um serviço de entrega em domicílio, Vital deu sua moto em comodato a Irene. Ocorre que, infelizmente, Irene veio a falecer poucos dias depois. Apesar de estar muito chateado, Vital pleiteou em juízo a resolução do contrato de comodato, alegando que somente tinha feito aquele contrato porque conhe-cia muito bem Irene e que agora não fazia sentido manter o contrato de comodato. Os herdeiros de Irene, por sua vez, alegaram que o contrato de comodato ainda estaria em vigor e que a moto era responsável por uma boa parte da renda do restaurante uma vez que viabilizava o serviço de entrega em domicílio. Além disso, de acordo com os herdeiros, embora o contrato de comodato tivesse sido celebrado com Irene, o comodante estava ciente de que não era ela quem dirigia a moto. Se você fosse o juiz, como julgaria a questão?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.10. AulA 10: EmPRÉSTImO (múTuO)

1.10.1. eMentário de teMas:

Diferenças entre mútuo e comodato – Características - Mudança na situação econômica do devedor - Mú-tuo oneroso ou feneratício - Prazos no mútuo.

1.10.2. biblioGrafia obriGatória:

• Arts. 586 a 592 da Lei nº. 10.406/2002.• RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Pau-

lo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, págs. 261 a 268.• LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira

de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.. 7, págs.169 a 187.

1.10.3. biblioGrafia CoMPleMentar:

• RIZZARDO, Arnaldo. Juros no Código Civil de 2002. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem 22. São Paulo: RT, out.-dez. 2003. págs. 53 a 77.

• FONSECA, Rodrigo Garcia da. Juros e o novo Código Civil. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem 26. São Paulo: RT, out.-dez. 2004. págs. 67 a 110.

1.10.4. Caso Gerador:

Nosso cliente, Grana Certa Empreendimentos S.A., pretende obter recursos, por meio de mútuo, para viabilizar a compra da participação na Pechincha Comércio Varejista Ltda.. Ele comenta que soube que houve muita discussão a respeito da cobrança de juros com a edição do novo Código Civil e lhe consulta sobre esta questão. Ao explicar a situação, não deixe de apontar as diferenças entre o regime geral do mútuo no Código Civil e o mútuo bancário.

1.10.5. roteiro de aula

a) diferenças entre mútuo e comodato

Embora ambos sejam espécie do gênero empréstimo, apresentam algumas diferenças, tais como:– Objeto – Como vimos na aula anterior, o comodato é o empréstimo de coisas não fungíveis. Já o mútuo,

conforme art. 586 da Lei nº 10.406/2002, é o “empréstimo de coisas fungíveis”. As coisas fungíveis são substituíveis por outras. Dessa diferença decorre a segunda distinção entre comodato e mútuo.

– Transferência de domínio – Enquanto no comodato, o comodatário recebe coisa não fungível, tendo que devolvê-la ao comodante ao final do comodato, no mútuo, como o bem emprestado é fungível, o mutu-ário tem que entregar ao mutuante, no prazo pactuado, um bem que tenha as mesmas características do que o recebido, mas não necessariamente o mesmo recebido. Desta forma, diferentemente do que ocorre no comodato, no mútuo, o domínio do bem é transferido pelo mutuante ao mutuário.

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Jeremias vinha conversando muito com um amigo que se dizia entendido de investi-mentos na bolsa de valores. Curioso e atraído pela conversa de seu amigo, Jeremias decidiu investir em ações. Como não tinha recursos para fazê-lo, Jeremias pediu R$ 500.000,00 a João Alberto, para devolvê-lo no prazo de seis meses. Jeremias entregou o dinheiro ao ami-go para que ele fizesse o investimento na bolsa. Ocorre que a bolsa de valores despencou, assim como o valor das ações que foram adquiridas pelo amigo de Jeremias. No dia fixado para pagamento do mútuo, Jeremias lhe procura e pergunta se tem obrigação de devolver a João Alberto os R$ 500.000,00, tendo em vista que agora ele só tem metade desse valor. Ele lembra que certa vez uma das máquinas de café expresso emprestadas para uma das fi-liais do supermercado quebrou e que o supermercado teve apenas que devolvê-la a empresa proprietária das máquinas. Dessa forma, assim como o supermercado pôde entregar apenas a máquina quebrada, sem ter a obrigação de consertá-la ou pagar pelo seu conserto, ele também pagaria ao João Alberto apenas o que havia sobrado. O que você responde?

Quais são as principais diferenças entre a locação e o comodato e a locação e o mútuo?

b) Características

O mútuo é contrato:– Real – Só se aperfeiçoa com a entrega da coisa, não bastando o acordo entre as par-

tes.– Unilateral – Como o contrato somente se concretiza com a entrega do bem pelo mutu-

ante ao mutuário, é possível dizer que a partir desse momento apenas o mutuário tem obrigações para com o mutuante, uma vez que a única obrigação do mutuante seria a entrega da coisa, mas essa é necessária para que o contrato exista.

– Gratuito ou oneroso – O contrato de mútuo tanto pode ser gratuito, no caso de ajuda a um amigo, como também oneroso, com a previsão de juros sobre o valor emprestado, por exemplo. Atualmente, tem sido cada vez mais comum a pactuação de mútuos onerosos.

– Não solene – A lei não determina uma forma obrigatória para a celebração do mú-tuo. Para provar a existência do mútuo, contudo, aplica-se a regra geral25 de que, no caso de negócios jurídicos de valor superior a dez salários mínimos, não é admitida apenas a prova testemunhal, sendo conveniente, portanto, celebrar esse tipo de con-trato por escrito.

C) Mudança na situação econômica do devedor

Seguindo a orientação de proteção ao credor, prevista no art. 333 da Lei nº 10.406/2002, o legislador prevê no art. 590 da mesma lei, que no caso de notória mudança na situação econômica, o mutuante pode exigir do mutuário garantia de que poderá cumprir sua obri-gação de pagar o mútuo.

d) Mútuo oneroso ou feneratício

O caso mais usual de mútuo é o empréstimo de dinheiro. No mútuo oneroso ou fene-ratício, o mutuário deve devolver ao mutuante valor equivalente ao recebido, acrescido de juros, que é a remuneração pelo uso do capital.

25 Caput do art. 227 da Lei nº 10.406/2002: “salvo os casos expressos, a prova exclusi-vamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o dé-cuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados”. Vale lembrar que o art. 402 do Código de Processo Civil prevê exceções a regra do arts. 227 da Lei nº 10.406/2002 e 401 do Código de Processo Civil.

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A cobrança de juros vem sendo discutida durante a história, inclusive, do ponto de vista moral e religioso. Atualmente, a cobrança de juros não só é aceitável, como também é muito comum.

“Os juros, de um modo geral, são definidos como o rendimento do capital, os frutos produzidos pelo dinheiro, da mesma forma que o aluguel é o rendimento produzido pela coisa cedida em locação. É bem acessório e depende do principal”26.

Os juros são classificados em juros remuneratórios e juros moratórios.

“Os juros remuneratórios podem ser definidos como os frutos de um capital empresta-do, resultantes da utilização permitida desse capital”27.

“Os juros moratórios, por sua vez, são definidos como a compensação, a indenização por descumprimento de uma obrigação pecuniária. Aplicam-se quando o devedor deixar de cumprir sua obrigação no tempo acordado como credor”28.

Os juros também podem ser legais ou convencionais. Os juros legais decorrem de imposição legal e os juros convencionais decorrem da vontade das partes.

Como o art. 591 da Lei nº. 10.406/2002 não faz referência a um tipo específico de juros, podemos afirmar que ele refere-se aos dois tipos: remuneratórios e moratórios.

No Código Civil de 1916, a fixação dos juros tinha que ser expressa. Já no Código Civil de 2002, mesmo que não haja previsão expressa de cobrança de juros, eles são presu-midamente devidos no caso de mútuo para fins econômicos.

O art. 591 da Lei nº. 10.406/2002 remete ao art. 406 da mesma lei para fixar teto para a taxa de juros:

Art. 406 da Lei nº. 10.406/2002: “Quando os juros moratórios não forem convencio-nados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

A taxa em vigor para pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC)29.

Dessa forma, as partes são livres para pactuar a taxa de juros, desde que seja observado o limite máximo estabelecido no referido art. 406.

e) Prazos no mútuo

Caso as partes não convencionem o prazo para o término do mútuo, o Código Civil estabeleceu prazos em seu artigo 592.

Vale ressaltar o prazo previsto no inciso III do referido artigo: “do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível”. Essa regra não se aplica ao mútuo de dinheiro ou de produtos agrícolas, pois esses bens têm disciplina específica prevista nos incisos anteriores.

A princípio, portanto, o mutuante poderá intimar o mutuário para restituir o bem no prazo que fixar. Esse prazo deve ser razoável para que o mutuário possa usar e gozar do bem mutuado.

26 “Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espé-cies de contratos”. Vol. 7. Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. são Paulo: saraiva, 2003. pág. 174.

27 “Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espé-cies de contratos”. Vol. 7. Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. são Paulo: saraiva, 2003. pg. 175.

28 “Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espé-cies de contratos”. Vol. 7. Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. são Paulo: saraiva, 2003. pág. 175.

29 Lei nº 9.065/95

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.10.6. questões de ConCurso

(Prova: 12º Exame de Ordem - 1ª fase) João tendo emprestado certa importância a seu primo José, não cuidou de obter sua assinatura em documento que tornasse hábil a futura cobrança, diante do constrangi-mento decorrente da relação de parentesco, sendo certo que tais tratativas verbais ocorreram na presença de manoel e Joaquim. Diante desta hipótese João poderá:

a. Nada poderá fazer, pois dívida não se comprova com testemunha;b. Poderá se valer de prova testemunhal, independentemente do valor contratado, face ao impedimento

moral existente;c. Só poderá se valer de testemunhas se estas forem em número de quatro ou mais;d. Não existe previsão legal para esta hipótese.

Page 61: Contratos jurídicos

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.11. AulA 11: PRESTAçãO dE SERVIçOS. EmPREITAdA.

1.11.1. eMentário de teMas

Prestação de Serviços – Introdução. Características da Prestação de Serviços. Empreitada – Introdução. Características da Empreitada. Riscos com aumento ou redução de preços. Espécies de Empreitada. Obrigações do Empreiteiro. Obrigações do dono da obra.

1.11.2. biblioGrafia obriGatória

Arts. 593 a 626 da Lei n° 10.406/2002.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo:

Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 243 a 253.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, vol. III, págs.

375 a 384.

1.11.3. Caso Gerador

Em visita a uma das filiais do supermercado Pechincha, para análise de contratos que ali estavam, encontra-mos Maria Lúcia, filha do senhor Eduardo Russo e administradora das lojas, que está completamente irada. Ela conta que contratou, há mais de cinco meses, Pedro, um rapaz conhecido por ser um bom empreiteiro, como executor de uma obra para ampliação do estacionamento da loja. A previsão inicial era de que a obra duraria três meses e custaria R$ 20.000,00. Ocorre que a obra já ultrapassou tanto a previsão de tempo quanto a de custo e Pedro ainda está cobrando de Maria Lúcia valores adicionais pela obra. Perguntado sobre o descumprimento do prazo e do orçamento previstos, Pedro alega que alguns materiais necessários para a obra tiveram seus preços reajustados e que o projeto original sofreu modificações durante a obra, que ele não tinha como prever quando foi contratado. Para piorar, Pedro acaba de avisar à Maria Lúcia, que em razão de um acidente ocorrido no dia anterior, o material que iria ser utilizado para revestir as paredes do estacionamento deteriorou-se e que será ne-cessário repor boa parte do material. Se fôssemos advogados do Supermercado Pechincha, como orientaríamos Maria Lúcia? E se, ao contrário, fôssemos advogados do empreiteiro, o que poderíamos alegar?

1.11.4. roteiro de aula

a) Prestação de serviços - introdução

No Código Civil anterior, a prestação de serviços era tratada como “locação de serviços”. Modernamente, o termo “locação” é utilizado apenas para coisas e não mais para pessoas.

O trabalho com vínculo empregatício é regulado pelo Direito do Trabalho. O Código Civil regula a presta-ção de serviços residual, ou seja, o “trabalho avulso feito por pessoa física ou jurídica (geralmente microempresa) e o trabalho dos profissionais liberais”. Há serviços específicos que são tratados em seção específica do Código Civil, como transporte, corretagem, agência e distribuição, ou até mesmo em lei específica, como os serviços de telefonia e bancário.

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Desde que respeitados os pressupostos e requisitos1 para os negócios jurídicos, qual-quer espécie de serviço pode ser objeto do contrato de prestação de serviço.

b) Características da Prestação de serviços

Relembrando nossa primeira aula, como poderíamos classificar o contrato de presta-ção de serviços?

Tendo atuado muitos anos no comércio varejista, o senhor Eugênio foi contratado com exclusividade pelo Supermercado Pechincha para prestar serviços de pesquisa de técni-cas de atração ao consumidor. Durante a diligência, tivemos conhecimento de que Jeremias Russo vinha mantendo conversas e negociações com o senhor Eugênio para que ele parasse de prestar serviços ao supermercado e passasse a trabalhar para o seu sócio em um novo ne-gócio que Jeremias estava pensando em abrir. Ao saber disso, nosso cliente, o senhor Odin Heiro, preocupado, nos pergunta se há alguma providência que possa ser tomada caso o senhor Eugênio resolva parar de trabalhar para o Supermercado Pechincha.

C) empreitada - introdução

Empreitada é o contrato por meio do qual o empreiteiro “se compromete a executar determinada obra, pessoalmente ou por terceiros, em troca de certa remuneração fixa a ser paga pelo outro contraente – dono da obra -, de acordo com instruções deste e sem relação de subordinação”2.

Quais são as diferenças entre o contrato de empreitada e o de prestação de serviços?

d) Características da empreitada

O contrato de empreitada é: Bilateral ou sinalagmático – envolve prestação de ambas as partes. O empreiteiro en-

trega a obra e o dono da obra entrega o preço.Consensual – se aperfeiçoa com a mera vontade das partes, sem que seja necessária a

entrega da coisa, como ocorre no mútuo.Oneroso – envolve um “sacrifício” patrimonial para ambas as partes. Não solene – a lei não impõe forma específica para sua execução. Pode ser ajustado

verbalmente.

e) riscos com aumento ou redução de preços

Em regra, salvo estipulação em contrário, os riscos da alta ou baixa do preço dos mate-riais e do salário são assumidos pelo empreiteiro. (art. 619 da Lei n° 10.406/2002).

O empreiteiro só pode exigir acréscimo no preço do dono da obra se forem feitas mo-dificações no projeto a ser implementado, por meio de instruções por escrito do dono da obra e, no caso de não haver autorização escrita do dono da obra, se esse presente às obras verificou a alteração no projeto e não protestou, sendo a ausência de protesto considerada uma aceitação tácita do dono da obra.

1 Relembrando: capacidade das partes, objeto lícito e forma.

2 RODRIGUEs, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Ed. Sarai-va, 2002, vol 3, pág.243.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

f) espécies de empreitada

Empreitada de lavor – aquela em que o empreiteiro contribui apenas com seu trabalho.Empreitada mista – aquela em que o empreiteiro contribui com mão-de-obra e materiais.Por que é importante distinguir entre a empreitada de lavor e a empreitada mista?

G) obrigações do empreiteiro

A principal obrigação do empreiteiro é entregar a coisa no tempo e na forma acerta-dos. Caso o empreiteiro não cumpra as obrigações do contrato, fica sujeito à obrigação de reparar o prejuízo, conforme regra geral4.

Além disso, se o empreiteiro não atende as especificações contratadas, o dono da obra tem duas alternativas: rejeitar a coisa ou recebê-la com abatimento do preço.

Ao ser entregue, a obra pode ter defeitos aparentes ou ocultos. Para os defeitos aparen-tes, a lei criou as alternativas referidas acima.

Para os vícios ocultos, aplicam-se as regras de vício redibitório5. A lei prevê ainda uma regra específica no caso de empreitada de edifícios e outras

construções consideráveis, segundo a qual o empreiteiro de materiais e execução responderá pela solidez e segurança do trabalho, em razão dos materiais como do solo, durante o prazo de cinco anos.

H) obrigações do dono da obra

A principal obrigação do dona da obra é efetuar o pagamento do preço. Embora não haja previsão legal, a doutrina entende que o empreiteiro tem direito de retenção, como garantia do pagamento do preço.

O dono da obra tem obrigação de receber a coisa, não podendo recusar injustificada-mente o seu recebimento. Caso o dono da obra recuse o recebimento da coisa sem motivo, ele será tido como em mora, ficando responsável pelos efeitos decorrentes da mora.

Maria Lúcia está muito insatisfeita com o trabalho do senhor Pedro, devido a isso pen-sa em extinguir o contrato que mantém com ele. Ela lhe procura com a seguinte pergunta: qual é a regra geral para suspensão dos serviços no caso de empreitada?

1.11.5. questões de ConCurso

(Prova: 29º Exame de Ordem - 1ª fase) “A” obrigou-se a construir para “B” um edi-fício, de 10 andares, cuja obra foi concluída segundo afirmativa categórica de “A” no prazo estabelecido pelo contrato. Por sua vez, “B” alega que houve cumprimento in-satisfatório e inadequado da obrigação por parte de “A”, que não observou, rigorosa-mente, a qualidade dos materias especificados no memorial de incorporação. Assim “B” suspende os últimos pagamentos devidos a “A”:

a. Aguardando que este cumpra, corretamente a obrigaçao;b. Ajuizando ação com fundamento na exceptio non adimpleti contractus;c. Ajuizando ação com fundamento na cláusula rebus sic stantibus;d. Ajuizando ação com fundamento na exceptio non rite adimpleti contractus.

4 Art. 389 da Lei nº 10.406/2002: “Não cumprida a obrigação, responde o deve-dor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais re-gularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

5 Arts. 441 e seguintes da Lei n° 10.406/2002.

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64FGV DIREITO RIO

CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.12. AulA 12: dEPóSITO

1.12.1. eMentário de teMas

Introdução. Depósito Voluntário. Depósito Necessário.

1.12.2. biblioGrafia obriGatória

Arts. 627 a 652 da Lei nº 10.406/2002.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo:

Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 269 a 282.

1.12.3. Caso Gerador

Os Supermercados Pechincha ficam em Brasília, por isso, durante a diligência, tivemos que fazer algumas visitas ao supermercado. Em nossa última viagem, ficamos hospedados no Hotel Descanse em Paz.

Um dia, ao voltarmos do trabalho para o hotel, para nossa surpresa, encontramos nossos quartos revirados e percebemos que alguns itens pessoais, como relógios e aparelhos de celular, haviam sido furtados. Aborrecidos com o acontecimento, fomos conversar com o gerente do hotel. Este, no entanto, nos disse que o hotel nada tinha a fazer e que um eventual prejuízo deveria ser imputado à própria omissão dos hóspedes, por não terem utilizados os cofres eletrônicos de segurança postos à disposição nos apartamentos em que nos hospedamos. Como argumento final, ele nos mostrou uma placa afixada na recepção que assim dizia: “O HOTEL NÃO sE REsPONsABILIZA PELOs OBJETOs DEIXADOs NO INTERIOR DOs APARTAmENTOs”. E agora? O gerente tem razão?

1.12.4. roteiro de aula

a) introdução

Conforme dispõe o artigo 627 da Lei nº 10.406/2002, o contrato de depósito é aquele segundo o qual “recebe o depositário um bem móvel, para guardar, até que o depositante o reclame”.

Qual é a principal diferença entre o contrato de depósito e o contrato de comodato?O depositário não pode utilizar a coisa depositada, a não ser que tenha expressa autorização do depositante.

(art. 640 da Lei nº 10.406/2002).O depósito tem por objeto apenas bens móveis.Há duas espécies de depósito reguladas pelo Código Civil: o voluntário e o necessário.

b) depósito voluntário

É aquele ajustado única e exclusivamente em razão da vontade das partes.O contrato de depósito voluntário é classificado como:– Real – o contrato de depósito só se aperfeiçoa com a entrega do bem, não basta apenas a celebração do

contrato.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

– Não solene – embora o art. 646 da Lei nº 10.406/2002 disponha que o “depósito voluntário provar-se-á por escrito”, muitos autores entendem que não há forma prevista para a validade do ato, apenas para sua prova.

“Assim, independentemente do debate a respeito das duas espécies de forma, podemos concluir que esta não é da essência do contrato de depósito, que pode ser pactuado sem qualquer formalidade pelas partes e mesmo assim existirá e será válido. Entretanto, para a sua prova, se ex-ceder ao décuplo do salário mínimo vigente, necessitará de prova outra, que não a testemunhal, admitindo-se, para tanto, qualquer começo de prova escrita (cf. Art. 227 do CC de 2002)”6.

– Gratuito ou oneroso – De acordo com o Código Civil, em regra, o contrato de depósito é gratuito. Nada impede, porém, que as partes convencionem uma retribuição ao depositário. Quando o depósito é gratuito, entende-se que ele é um contrato intuitu per-sonae, pois tem por base a confiança que o depositante tem no depositário. Já no depósito oneroso, muitos sustentam que não há o caráter intuitu personae.

– Unilateral ou bilateral – após o aperfeiçoamento do contrato, com a entrega do bem pelo depositante ao depositário, cabem obrigações apenas para o depositário. No caso de depósito oneroso, porém, cabe ao depositante a obrigação de pagar ao depositário.

É necessário, portanto, analisar o caso específico para classificar o depósito como gra-tuito ou oneroso e unilateral ou bilateral.

Obrigações do depositário:– Obrigação de guardar a coisa alheia – é a obrigação inerente e principal do contrato

de depósito. A Lei prevê que o depositário poderá devolver a coisa ou depositá-la judicial-mente, se o depositante se recusar a recebê-la, quando, por motivo plausível, não puder continuar a guardá-la (art. 635 da Lei nº 10.406/2002).

– Obrigação de conservar a coisa alheia – essa obrigação é uma conseqüência da obri-gação de guardar. Conforme artigo 629, o depositário é obrigado a conservar a coisa como se sua fosse. O depositário não responde pela deterioração ou perda do bem em caso de força maior, cabendo a ele, porém, provar a ocorrência de força maior (art. 642 da Lei nº 10.406/2002). Caso o depositário não cumpra essa obrigação, deverá reparar o prejuízo do depositante.

– Obrigação de restituir a coisa – O depositário deve devolver o bem ao depositante quando solicitado, independentemente do prazo inicialmente ajustado entre as partes.

A coisa deve ser restituída no estado em que foi recebida pelo depositário, acompanha-da dos frutos e acrescidos.

Uma das sanções previstas para o descumprimento da obrigação de restituir o bem depositado é a prisão civil, sendo assim uma das exceções ao princípio de que ninguém pode ser preso em razão de dívidas.

Nesse sentido, o art. 652 da Lei n° 10.406/2002 dispõe: “Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não restituir quando exigido será compelido a fazê-lo me-diante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.

Nosso cliente, senhor Odin Heiro, nos procura para falar sobre um assunto pessoal. Ele desabafa que está com problemas porque descobriu que seu pai, já falecido, era depo-sitário dos seguintes bens: um baú de madeira, um conjunto de xícaras de porcelana e um automóvel. Desconhecendo a existência desse contrato de depósito, ele se desfez do baú de madeira e do conjunto de xícaras, vendendo-os a terceiros. Quanto ao carro, ele manteve o mesmo na garagem do pai, mas descobriu que o mesmo foi deteriorado em um recente

6 LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). comen-tários ao código civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 7, p. 414.

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incêndio ocorrido no prédio. Dias atrás, a senhora Juracema, depositante dos bens, sabendo do falecimento do pai do senhor. Odin Heiro, procurou nosso cliente, mostrou o contrato que foi celebrado entre eles, e pediu a devolução dos bens. Diante dessa situação, ele nos pergunta: O contrato de depósito se extingue com a morte do depositário? O herdeiro tem alguma responsabilidade quanto aos bens depositados? O que fazer tendo em vista que alguns bens foram vendidos e outro foi deteriorado? Ele reparou que, de acordo com o contrato, a senhora Juracema deveria ter pago ao seu pai uma quantia semestral como paga-mento pelo depósito e que sabia que ela não havia efetuado o pagamento de, pelo menos, duas últimas contribuições. Alguma providência a tomar quanto a esse caso?

Obrigações do depositante:Como vimos, o contrato de depósito é unilateral quando o contrato é gratuito e bila-

teral quando o contrato é oneroso. Mesmo nos casos em que o contrato é unilateral, cabem ao depositante algumas obrigações que não decorrem da natureza do contrato de depósito em si, mas sim de obrigações subsidiárias, como a de reembolsar as despesas feitas pelo depositário na guarda da coisa e de indenizá-lo pelos prejuízos que venha a ter em razão do depósito.

Depósito de coisas fungíveisÉ o chamado depósito irregular. Em regra, ocorre quando o bem depositado é dinhei-

ro. O legislador entendeu que nesses casos deveriam ser aplicadas as regras referentes ao mútuo. Há discussão na doutrina quanto à natureza do depósito bancário, pois de acordo com Teresa Ancona Lopez: “... nos depósitos bancários, feitos como meio de guardar valores e perceber rendimentos e juros, não há um depósito, mas um genuíno empréstimo por força da intenção das partes”7. A autora conclui: “em conclusão, os chamados depósitos bancários não são depósitos, mas sim empréstimos”8.

C) depósito necessário

O depósito necessário ocorre nas seguintes hipóteses:– depósito para desempenho de obrigação legal; e– depósito que se faz em situação de calamidade.Estes são equiparados ao depósito necessário e ao depósito de bagagens em hospedarias.Ao contrário do depósito voluntário que se presume gratuito, o depósito necessário

presume-se oneroso.Em um dia de chuvas torrenciais, ao ver sua casa inundando, Marvim retirou apres-

sadamente alguns objetos, como a televisão e o computador, e os deixou na casa de um vizinho que, por morar em uma área de ladeira, teve melhor sorte com a chuva. Alguns dias depois, quando foi buscar a televisão e o computador, foi surpreendido com a alegação do vizinho de que não devolveria aqueles bens. Como ajudar Marvim nessa situação? É possível enquadrar o vizinho como depositário infiel mesmo sem a existência de um contrato entre eles? Cabe a prisão civil nesse caso?

7 LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). comen-tários ao código civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 7, p. 411.

8 LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). comen-tários ao código civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 7, p. 412.

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1.13. AulA 13: mANdATO.

1.13.1. eMentário de teMas

Introdução. Classificação. Procuração e Substabelecimento. Obrigações do Mandatário. Obrigações do Mandante. Revogação e Extinção do Mandato.

1.13.2. biblioGrafia obriGatória

Arts. 653 a 692 da Lei nº 10.406/2002.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo:

Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 283 a 305.

1.13.3. Caso Gerador

Sabendo que estaria fora do país na provável época da assinatura do contrato de compra e venda das quotas da Pechincha Comércio Varejista Ltda., o senhor Odin Heiro, na qualidade de diretor e representante da Grana Certa Empreendimentos S.A., outorgou uma procuração a um dos funcionários de sua confiança, o senhor Justin Case, para adquirir a participação na Pechincha Ltda.

Ao ser comunicado desse fato, o senhor Justin Case nos contou que o senhor Odin Heiro se esqueceu apenas de um pequeno detalhe: há uma boa probabilidade de a assinatura do contrato ocorrer justamente no período no qual Justin Case ia tirar férias para se casar com sua noiva no Paraná.

Sem querer desapontar o senhor Odin Heiro e muito menos a sua noiva, o senhor Justin Case lhe pergun-ta: ele poderia casar por procuração, ou seja, ele poderia outorgar a um amigo uma procuração para se casar em seu lugar? Ele poderia substabelecer a outro funcionário da companhia os poderes que lhe foram outorgados na procuração para assinar o contrato de compra e venda?

1.13.4. roteiro de aula

a) introdução

Por meio do mandato, o mandante se faz representar pelo mandatário. O mandatário age em nome do mandante.

Qual a diferença entre o mandato e a comissão?

b) Classificação

O mandato é contrato:– Consensual – para que se aperfeiçoe basta a vontade das partes.– Não solene – embora a lei determine que a procuração é o instrumento do mandato, é possível o man-

dato tácito e o verbal (art. 656 da Lei n° 10.406/2002)

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– Gratuito – não havendo estipulação de remuneração, presume-se que o mandato é gratuito, exceto quando tem por objeto a realização de atos que o mandatário realiza pro-fissionalmente. O mandato outorgado a advogado, por exemplo, não se presume gratuito, pois ele é um instrumento para que o advogado possa defender os interesses de seu cliente e exercer seu ofício.

– Unilateral – sendo o mandato gratuito, ele será unilateral. Havendo remuneração prevista, ou seja, sendo oneroso, será bilateral, pois implicará obrigações para ambas as partes.

O mandato é intuitu personae, uma vez que o mandante confere poderes a alguém de sua confiança. Dessa forma, havendo morte de uma das partes, o mandato será extinto, salvo raras exceções que serão vistas adiante.

Pode um advogado prestar serviço advocatícios sem mandato e vice-versa?

C) Procuração e substabelecimento

A procuração é o instrumento do mandato. A procuração pode ser outorgada por instrumento público ou particular.

Tendo em vista que a lei admite mandato tácito, a procuração não é indispensável para conclusão de negócios, exceto para aqueles que exigem instrumento particular ou público.

Substabelecimento “é o ato pelo qual o mandatário transfere ao substabelecido, os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante”9.

Sendo o mandato outorgado por instrumento público, naturalmente o substabeleci-mento deverá ser outorgado também por instrumento público, certo?

Para efetuar determinados atos como alienar, hipotecar, transigir, o Código Civil exige que a procuração contenha poderes expressos. Assim, um mandato com poderes de admi-nistração em geral não bastaria para que o mandatário assinasse escritura de hipoteca em nome do mandante.

Antes de contratar com alguém que se apresente como mandatário do outro contra-tante, é indispensável conferir a procuração e os poderes que foram outorgados para não correr o risco de que o contrato seja ineficaz em relação ao mandante, tendo em vista que o artigo 662 da Lei n° 10.406/2002 dispõe que: “os atos praticados por quem não tenha man-dato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”.

d) obrigações do Mandatário

As obrigações do mandatário são:– Agir em nome do mandante (art. 653 da Lei n° 10.406/2002) – O mandatário deve

atuar respeitando os poderes outorgados na procuração. Se o mandatário agir extrapolando os poderes que lhe foram conferidos, o ato é inválido para o mandante, a não ser que este venha a ratificar o ato posteriormente.

– Agir com o zelo necessário e diligência habitual na defesa dos interesses do mandante (art. 667 da Lei n° 10.406/2002) – o mandatário é responsável pelos prejuízos causados ao mandante, quando eles resultarem de culpa do mandatário. Cabe ao mandatário provar que não houve culpa sua para se livrar de ser responsabilizado pelo prejuízo que venha a ser sofrido pelo mandante.

9 RODRIGUEs, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Ed. Sarai-va, 2002, vol 3, pág. 289.

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– Prestar contas de sua gerência ao mandante e transferir ao mandante todas as vantagens obtidas nos ne-gócios – (art. 668 da Lei n° 10.406/2002)

– Prosseguir no exercício do mandato mesmo após extinção do mandato por morte, interdição ou mudan-ça de estado do mandante, para concluir negócio já iniciado ou até ser substituído quando for para impedir que o mandante ou seus herdeiros sofram prejuízo (art. 647 da Lei n° 10.406/2002).

Um amigo seu lhe conta que o pai dele havia nomeado um conhecido como procurador dele para adquirir uma bela casa em Itaipava. Aproveitando-se das ótimas condições do negócio, o tal conhecido acabou adquirindo a casa para si próprio, deixando a família de seu amigo “na mão”. Muito chateado com a situação, ele diz que acha que não há nada mais a ser feito, neste caso, até porque o tal conhecido já até devolveu ao pai dele a quantia que havia recebido para pagar o sinal do imóvel. Como você orienta o seu amigo?

e) obrigações do Mandante

– Cumprir os compromissos assumidos pelo mandatário em seu nome (arts. 675 e 679 da Lei n° 10.406/2002) – O mandante, porém, somente se vincula dentro dos termos previstos na procuração. Vale notar que, se o mandatário contrariar as instruções do mandante, mas não exceder os limites do mandato, o mandante ficará obrigado a cumprir as obrigações perante terceiros, tendo apenas ação de perdas e danos contra o manda-tário pela inobservância das instruções.

– Adiantar ao mandatário os valores necessários ou reembolsá-lo pelas despesas efetuadas em razão do cumprimento do mandato (arts. 675 e 676 da Lei n° 10.406/2002).

– Pagar ao mandatário a remuneração ajustada, caso o mandato seja oneroso (art. 676 da Lei n° 10.406/2002).

– Indenizar o mandatário pelos prejuízos que venha a sofrer em cumprimento ao mandato, desde que não resultem de culpa do mandatário ou de excesso de poderes (art. 678 da Lei n° 10.406/2002).

f) revogação e extinção do mandato

O senhor Eduardo Russo outorgou uma procuração ao seu filho, Jeremias, para contratar pessoas para trabalharem em sua fazenda, podendo, inclusive fazer entrevistas e ajustar salários. Meses depois, um pouco decepcionado pelo andamento dos trabalhos do filho, o senhor Eduardo Russo resolveu outorgar procuração, com poderes idênticos, a sua filha, Maria Lúcia. Mesmo tendo conhecimento da nova procu-ração, Jeremias continuou a utilizar a procuração que havia recebido e a fazer entrevistas, tendo, inclusive, contratado alguns empregados. Maria Lúcia lhe pergunta: afinal, ambos são mandatários do pai? Jeremias pode continuar a desempenhar os poderes que a ele foram outorgados? A contratação dos empregados é válida?

O senhor Odin Heiro lhe procura, preocupado, pois, em razão de alguns acordos familiares, ele havia sido constituído mandatário de sua tia Gertrudes para transferir a ele próprio um imóvel que era de propriedade da referida tia. Ocorre que, infelizmente, tia Gertrudes faleceu inesperadamente, antes mesmo que ele houvesse efetuado a transferência do imóvel para seu nome. E agora? Ele ouviu dizer que o mandato se extingue com a morte de uma das partes. É verdade?

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1.13.5. questões de ConCurso

(Prova: 28º Exame de Ordem - 1ª fase) A procuração outorgada a vários procuradores com esfera de atu-ação devidamente delimitada, cabendo a cada um agir apenas em seu setor, caracteriza:

a. Mandato plural fracionário; b. Mandato plural solidário; c. Mandato plural conjunto; d. Mandato plural substitutivo.

(Prova: 26º Exame de Ordem - 1ª fase) Dentre as características abaixo arroladas, diga qual não está ade-quada à procuração em causa própria:

a. É irrevogável b. É outorgada no interesse exclusivo do mandatário que, conseqüentemente, fica isento de prestar contas

ao mandante c. É essencial para o advogado que postula em Juízo em causa própria d. Subsiste mesmo após a morte do mandante

(Prova: 13º Exame de Ordem - 1ª fase) maria José, na qualidade de procuradora de Pedro, utilizando-se dos poderes especiais constantes da procuração, outorgou escritura definitiva de imóvel prometido vender a Estela, vez que o preço já se achava quitado. Posteriormente, veio a saber que Pedro falecera dias antes, vítima de um acidente automobilístico. Diante do ocorrido, podemos dizer que:

a. Ato praticado é nulo de pleno direito, vez que, com a morte, cessou o valor da procuração;b. Ato é anulável, mas dependerá da iniciativa dos interessados;c. Ato é tido como inexistente ou insubsistente;d. Ato é perfeitamente válido uma vez que visava a ultimação de negócio já iniciado.

Prova: 26º Exame de Ordem - 2ª fasePROVA DIsCURsIVA4 - Tício prometeu vender a Caio um imóvel, outorgando-lhe procuração para que Caio assine por Tício a escritura definitiva quando Caio tiver quitado integralmente o preço. Posteriormente, Tício revogou a procuração. É válida a revogação ou poderá Caio assinar a escritura de compra e venda, representando Tício quando tiver quitado o preço?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.14. AulAS 14 E 15: COmISSãO. AgêNCIA E dISTRIbuIçãO (REPRESENTAçãO COmERCIAl).

1.14.1. eMentário de teMas

Análise e comparação das características da comissão, agência e distribuição.

1.14.2. BiBliografia oBrigatória

Arts. 693 a 721 da Lei nº 10.406/2002.Lei nº 4.886/1965, com as alterações da Lei nº 8.420/1992.JÚNIOR, Humberto Theodoro. Do contrato de agência e distribuição no Novo Código Civil. mundo

Jurídico. Disponível em www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 03.ago.2006. (em anexo)PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005

- vol. III, págs. 389 a 393.

1.14.3. biblioGrafia CoMPleMentar

CINTRA, Antonio Felix de Araujo; BERGER, Renato. É hora de definir agência e distribuição no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4148>. Acesso em: 04 ago. 2006. (em anexo)

DANTAS, Francisco Wanderson Pinho. Agência e Distribuição x Representação Comercial. Centro Aca-dêmico Clóvis Beviláqua. Disponível em: http://cacbufc.org.br/artigos/verartigo.asp?id=215. Acesso em: 03.ago.2006 (em anexo)

VENOSA, Silvio de Salvo. A representação no novo Código Civil. Disponível em: www.societario.com.br/demarest/svrepresentacao.html Acesso em: 03.ago.2006. (em anexo)

1.14.4. Caso Gerador

É possível perceber, por meio da leitura dos textos obrigatórios e dos recomendados, que o novo Código Civil gerou algumas discussões acerca dos contratos de agência, distribuição e representação.

Tendo em vista os novos entendimentos e analisando as regras específicas de cada um desses tipos jurídicos, como você orientaria o senhor Odin Heiro que, já pensando no futuro, pensa em contratar terceiros para fazer a revenda dos produtos do Supermercado Pechincha? Qual seria o contrato mais seguro, do ponto de vista do supermercado? Utilizando a planilha abaixo como base, compare as vantagens e desvantagens que cada uma dessas figuras jurídicas poderia trazer ao supermercado.

Aspecto Comissão Agência/ distribuiçãoresponsabilidade perante terceirosresponsabilidade pela solvência das pessoas com quem contratarexclusividadedever de obediência às instruções do comitente/ proponenteremuneraçãodemissão sem justa causademissão por justa causaMorte do comissário/ agentedireito de retençãodemais regras aplicáveisespecificidades

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1.14.5. roteiro de aula

a) qual é a principal diferença entre o contrato de comissão e o de agência?

b) Partindo do pressuposto, aceito por grande parte da doutrina, de que agência e representação comercial são o mesmo contrato, você entende que a lei n° 4.886/1965, que regulava especificamente as atividades dos representantes comerciais, foi revogada pela lei n° 10.406/2002?

1.14.6. leitura obriGatória:

Do contrato de agência e distribuição no Novo Código Civilautor: Humberto theodoro júnior Publicado em: 29/9/2005

SUMÁRIO: 1. Noções introdutórias. 2. A representação comercial. 3. O contrato de agência no direito brasileiro. 4. Conceito de contrato de agência. 4.1. Direito comparado. 5. Contratos afins. 5.1. Agência e man-dato. 5.2. Agência e comissão. 5.3. Agente e viajante ou pracista (contrato de agência e contrato de trabalho). 5.4. Agência e distribuição por conta própria (revenda), ou concessão comercial. 6. Os elementos essenciais do contrato de agência. 7. Natureza jurídica. 8. Sujeitos do contrato de agência. 8.1. A nomenclatura legal - as partes no contato de agência. 9. O objeto do contrato de agência.

1. noções introdutórias

A atividade comercial realiza a circulação de produtos na cadeia econômica entre a produção e o consumo. O instrumento jurídico básico de que se valem os empresários, nessa cadeia, é o contrato de compra e venda. O fabricante cria os produtos com o fim de colocá-los no mercado. Outros empresários adquirem do fabricante esses produtos, também com o mesmo propósito de revendê-los no mercado.

Num estágio primário da exploração do mercado, o artesão cria o produto, expõe-no à venda e, ele mesmo, o vende ao consumidor. Numa escala mais desenvolvida do processo industrial, o produtor não tem condições de explorar individualmente seu negócio. Recorre à mão de obra alheia, contratando o serviço de empregados, que se integram à estrutura operacional da empresa, seja na produção seja na comercialização. Todos, porém, atuam dentro do estabelecimento sob o comando direto do empresário.

Conforme o volume da produção e da comercialização, o empresário sente a necessidade de atuar além dos limites físicos do estabelecimento, para melhor colocação de suas mercadorias. Encarrega, então, alguns empregados de sair do estabelecimento para ir em busca de clientes na praça da empresa ou em outras praças. Os empregados que captam clientela nestas circunstâncias são os viajantes e pracistas. Embora atuando fora do recinto do estabelecimento do empresário, continuam vinculados à estrutura organizacional permanente da empresa, por meio do contrato de trabalho.

Em lugar de usar empregados para angariar clientes fora do estabelecimento, o empresário pode contratar esse serviço junto a outros empresários, que fazem do agenciamento de clientela o objeto de suas empresas. Nes-se momento surge o fenômeno da representação comercial ou agência, que integra a categoria dos chamados, contratos de colaboração empresarial. Já então o fornecedor não terá comando do processo, pois o agente é um representante autônomo, que organiza sua própria empresa e a dirige, sem interferência dos empresários que utilizam seus serviços.

O agente faz da intermediação de negócios sua profissão. Não pratica a compra e venda das mercadorias do representado. Presta serviço tendente a promover a compra e venda, que será concluída pelo preponente.

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Por isso, na linguagem tradicional do direito brasileiro esse agente recebia o nome de “representante comercial autônomo” (Lei nº 4.886, de 09.12.65).

O novo Código Civil, a exemplo do direito europeu, abandonou o nomem iuris de “representante comer-cial”, substituindo-o por “agente”. Sua função, porém, continua sendo exatamente a mesma do representante comercial autônomo.

Mas, além de falar em “contrato de agência”, o Código fala também em “contrato de agência e distribui-ção”. Não são, porém, dois contratos distintos, mas o mesmo contrato de agência no qual se pode atribuir maior ou menor soma de funções ao preposto.

A palavra “distribuição” é daquelas que o direito utiliza com vários sentidos. Há uma idéia genérica de dis-tribuição como processo de colocação dos produtos no mercado. Aí se pensa em contratos de distribuição como um gênero a que pertencem os mais variados negócios jurídicos, todos voltados para o objetivo final de alcançar e ampliar a clientela (comissão mercantil, mandato mercantil, representação comercial, fornecimento, revenda ou concessão comercial, franquia comercial, etc.).

Há, porém, um sentido mais restrito, que é aquele com que a lei qualifica o contrato de agência. No teor do art. 710 do Código Civil, a distribuição não é a revenda feita pelo agente. Esse nunca compra a mercadoria do preponente. É ele sempre um prestador de serviços, cuja função econômica e jurídica se localiza no terreno da captação de clientela. A distribuição que eventualmente, lhe pode ser delegada, ainda faz parte da prestação de serviços. Ele age como depositário apenas da mercadoria do preponente, de maneira que, ao concluir a compra e venda e promover a entrega de produtos ao comprador, não age em nome próprio, mas o faz em nome e por conta da empresa que representa. Ao invés de atuar como vendedor atua como mandatário do vendedor.

Essas noções são muito importantes para que não se venha a confundir o contrato regulado pelo art. 710 – contrato de agência e distribuição – com o contrato de concessão comercial, este, sim, baseado na revenda de mercadorias e sujeito a princípios que nem sequer foram reduzidos a contrato típico pelo Código Civil.

2. a representação comercial

O novo Código Civil, a exemplo do direito europeu, atribui à atividade tradicional da representação co-mercial o nomen iuris de agência. Em determinadas circunstâncias, a mesma atividade empresarial passa a deno-minar-se distribuição, sem entretanto, confundir-se com a concessão comercial, visto que se conserva o caráter de preposição, que inexiste nessa última modalidade.

Embora já praticada, há um bom tempo nos meios empresariais, a figura do representante comercial, ora apelidado agente, só em 1965 mereceu disciplina legal específica no Brasil. Foi a Lei nº 4.886, de 09 de dezem-bro de 1965 que cuidou de regulamentar a representação comercial, correspondente à atividade daquele que, amparado por contrato com uma ou várias empresas, se dedica a angariar negócios em proveito destas.

A primeira característica do representante comercial, nos moldes de sua configuração legal, é a autonomia com que age na intermediação: o representante não é um empregado da empresa a que serve. Nos termos da Lei nº 4.886, “exerce a representação comercial autônoma a pessoa, física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios (art. 1º).”

O seu segundo elemento caracterizador é, pois a habitualidade (o caráter não eventual) da prestação de servi-ços realizada pelo agente em prol do representado. Não é, porém, um mandatário, porque afinal os negócios agen-ciados são retransmitidos ao comitente e são por este aceitos, ou não, e, em caso positivo, por ele consumados.

Pode, eventualmente, a representação ajustada, conferir poderes especiais ao agente, para que este pratique atos próprios do mandatário. Já então, a representação será negócio complexo e que, além de suas regras pró-prias, se sujeitará também às do mandato mercantil (Código Civil, arts. 710, parág. único, e 721).

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Com a Lei nº 4.886/65, a representação comercial (ou agência) ganhou o status de atividade profissional regulamentada, criando-se um Conselho Federal e Vários Conselhos Regionais, aos quais se confiou a fiscaliza-ção do exercício da profissão.

Podem inscrever-se no respectivo Conselho, para legitimar-se ao exercício da representação comercial, pessoas físicas ou jurídicas. Em se tratando de pessoa física, o requerimento haverá de ser instruído com a prova de identidade; de quitação com o serviço militar, quando exigível; de estar em dia com as exigências da legis-lação eleitoral; com a folha-corrida de antecedentes, expedida pelos cartórios criminais das comarcas em que o registrante houver tido domicílio nos últimos dez anos; e com a quitação com o imposto sindical (Lei nº 4.886, art. 3º).

No caso de pessoa jurídica, deverá ser feita a prova de sua existência legal, por meio de seu instrumento de constituição devidamente arquivado no Registro Público competente (Lei nº 4.886. art. 3º, § 2º).

A lei interdita o exercício da representação comercial a todo aquele que não possa ser comerciante; ao falido não reabilitado; ao condenado por infração penal de natureza infamante, tais como falsidade, estelionato, apropriação indébita, contrabando, roubo, furto, lenocínio ou crimes também punidos com a perda de cargo público; e ao que estiver o seu registro comercial cancelado como penalidade (Lei nº 4.886, art. 4º).

É comum a existência de estabelecimentos dedicados exclusivamente à representação comercial, ou agên-cia. Nada impede, todavia, que uma empresa comercial, com objeto distinto da agência, contrate com outra uma representação comercial para explorar negócio de intermediação conexo, ou não, com o seu ramo. A agên-cia, na espécie, funciona apenas como um acessório ou complemento da atividade principal da empresa.

Todas as regras especiais, que a Lei nº 4.886 traçou para disciplinar a profissão e os direitos e deveres do representante comercial, em princípio, continuam em vigor, porque o Código Civil traçou apenas normas gerais acerca do contrato de agência (Lei de Introdução, art. 2º, § 2º). É, aliás, o que se acha ressalvado, expressamente, no art. 721 do novo Código. De tal sorte, apenas quando alguma norma do Código estiver conflitando com preceito da Lei nº 4.886 é que terá ocorrido derrogação parcial desta.

3. o contrato de agência no direito brasileiro

Desde que, na vida empresarial brasileira, se introduziu a figura do representante comercial, a grande preocupação jurídica foi a de distingui-la da relação empregatícia, para atribuir-lhe uma função autônoma e independente em relação à empresa a que serve, diversamente do que se passa com o empregado.

Durante longos anos, porém, a atividade do representante comercial foi desempenhada sem contar com o apoio de lei que lhe desse tipicidade. Muito fraca, outrossim, foi, na espécie, a contribuição pretoriana, já que a jurisprudência limitava-se a negar enquadramento na legislação trabalhista, sem, contudo, construir uma estrutura dogmática que pudesse fixar a natureza jurídica do contrato que vinculava a empresa e os agentes comerciais.

Tal como se passava na Europa, também no Brasil, a reivindicação de um regulamento legal para a profis-são do representante comercial autônomo tornou-se a maior aspiração dos órgãos representativos da categoria. Em 1949, na II Conferência Nacional das Classes Produtoras, realizada em Araxá, foi aprovada a reivindicação classista de enviar-se o pleito à comissão então encarregada de elaborar o Projeto de novo Código Comercial, no Ministério da Justiça, de que fosse nele definida e caracterizada a figura jurídica do representante comercial, estabelecendo-se as necessárias garantias da profissão.

Na mesma ocasião, realizou-se em São Paulo o 1º Congresso Nacional de Representantes Comerciais, cujo objetivo principal era o de dar curso à reivindicação antes aprovada pela Conferência de Araxá. Surgiu, então, um anteprojeto que, levado ao Congresso Nacional, tomou o nº 1.171/49 e que, em várias legislaturas, foi rea-presentado sem sucesso algum.

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Somente viria a ter maior repressão o Projeto nº 2.794/61, de autoria do deputado Barbosa Lima Sobri-nho, que, no Senado provocou o surgimento do Substitutivo nº 38/63, elaborado pelo Senador Eurico Resende, o qual mereceu aprovação de ambas as casas do Congresso. No entanto, não chegou a transformar-se em lei, porquanto recebeu veto total da Presidência da República, ao fundamento de que, nos termos em que se inten-tou regulamentar a profissão, ao representante apenas se estendiam “as vantagens e garantias que a legislação do trabalho assegura ao trabalho assalariado”. Tal equiparação foi considerada incabível, entre outros motivos pela ausência de subordinação hierárquica e pela possibilidade de a representação comercial ser exercida por pessoas jurídicas.

O então Presidente, General Castelo Branco, ao vetar o projeto aprovado pelo Congresso, encarregou o Ministério da Indústria e Comércio de reexaminar o assunto. Daí surgiu novo Projeto que, após tramitação parlamentar, se tornou a Lei nº 4.886, de 09.12.1965, ainda em vigor, com as alterações da Lei nº 8.420, de 08.05.1992.

Tal como o direito europeu, a lei brasileira previu uma representação comercial, simples, em que ao repre-sentante cabia apenas intermediar negócios, captando pedidos ou propostas da clientela, para encaminhá-los à deliberação do preponente; e também uma representação complexa, em que ao agente se conferiam poderes de conclusão dos negócios angariados, mas sempre em nome e por conta do preponente (Lei nº 4.886/1965, art. 1º, parágrafo único).

Sobreveio, finalmente, o novo Código Civil, sancionado em janeiro de 2.002, que insere o contrato de agência e distribuição entre os contratos típicos, mas sem revogar a legislação especial em vigor, como se ressalva no art. 721, especialmente, no tocante às indenizações asseguradas pelas Leis nºs 4.886 e 8.420 (art. 718).

A maior novidade, no texto codificado é o nomen iuris do contrato que passou a ser contrato de agência. Explica RUBENS REQUIÃO, que o contrato de agência, a que alude o Código Civil “nada mais é do que o atual contrato de representação comercial, objeto da legislação especial, contida na Lei nº 4.886, de 09.12.1965. Constitui importante contrato no moderno mundo comercial, e é exercido por centenas de milhares de profis-sionais, distribuídos por todas as praças do país. A denominação do instituto foi tirada do Código italiano, que o regula”. Para o Prof. REQUIÃO, todavia, a linguagem do Código “não deslocará o uso correntio da expressão representante comercial. Que podia ser perfeitamente mantida... Não seria criticável se mantivesse a denomina-ção representação comercial, já consagrada nos costumes do país, e em nosso direito”.

É de se ponderar, no entanto, que o direito comparado, de onde emergiu o instituto jurídico, prestigia, de fato, o nomen iuris agora adotado por nosso Código Civil, razão pela qual este não merece censura pela nomen-clatura inovada. É de evidente conveniência procurar identificar a figura jurídica por denominação que seja de universal acolhida, evitando-se terminologia regional, que não tenha, por si só, capacidade de revelar a identida-de da figura local com aquela que já amadureceu e se consolidou na experiência do direito comparado.

4. Conceito de contrato de agência

Como o Código Civil determina que ao contrato de agência devem ser aplicadas, no que couber, as regras constantes de lei especial, é necessário cotejar-se a definição codificada (art. 710) com a constante da Lei nº 4.886/65 e das alterações da Lei nº 8.420/92.

Em primeiro lugar, é bom ressaltar que a lei especial define diretamente o representante comercial (isto é, o agente) (art. 1º). Já o Código Civil enfoca o contrato típico que vincula o representante e o representado (art. 710).

Assim, na definição do Código, o contrato de agência (ou de representação comercial autônoma) é aquele pelo qual uma pessoa – o agente – assume, em caráter não eventual, e sem vínculos de dependência, a obriga-ção de promover à conta de outra – o preponente ou fornecedor – mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada.

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Dessa conceituação legal, deduz-se que o contrato de agência envolve: a) relação entre empresários, dentro da circulação mercadológica de bens e serviços; b) a relação, contudo, não é de dependência hierárquica entre representante e representado, pois aquele age com autonomia na organização de seu negócio e na condução da intermediação dos negócios do último (embora tenha de cumprir programas e instruções do preponente); c) o objetivo do contrato não é um negócio determinado, mas uma prática habitual, de sorte que entre as partes se estabelece um vínculo duradouro (não eventual); d) a representação importa atos promovidos por uma das partes à conta da outra, configurando, portanto, um negócio de intermediação na prática mercantil de interesse do representado; e) à prestação do serviço de intermediação do agente corresponde o direito a uma remuneração ou retribuição, de maneira que o contrato é bilateral, oneroso e comutativo; f ) a representação, finalmente, deve ser exercitada nos limites de uma zona determinada, ou seja, cabe ao agente praticar a intermediação dentro de um território estipulado pelo contrato, ou algo que a isso corresponda.

A atividade do agente, em suma, é a intermediação de forma autônoma, em caráter profissional, sem dependência hierárquica, mas, de acordo com as instruções do preponente. É uma figura jurídica típica a do agente, pois, embora guarde alguma semelhança, o agente não é, em princípio, mandatário, nem comissário, nem tampouco empregado, ou prestador de serviço no sentido técnico. Presta, no entanto, um serviço especial que é, nos termos da lei, a coleta de propostas ou pedidos para transmiti-los ao re-presentado.

Eventualmente, o representado pode confiar ao agente os bens a serem colocados junto à clientela, caso que o Código trata como distribuição, mas não como revenda, visto que os atos de negociação se realizam em nome e por conta do comitente.

Nessas hipóteses especiais, o contrato, além das normas próprias da agência, rege-se complementarmente, pela disciplina do mandato e da comissão (arts. 710, in fine, e 721).

O art. 1º da Lei n.º 4.886/65 cuidou de definir o representante comercial e não o contrato de representação comercial. Segundo tal dispositivo, é representante comercial autônomo a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que “desempenha, em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.

O parágrafo único do questionado dispositivo legal, aduz que, na eventualidade de “a representação co-mercial incluir poderes atinentes ao mandato mercantil” – isto é, quando ao representante comercial forem conferidos poderes relacionados com a execução dos negócios intermediados – “serão aplicáveis, quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legislação comercial”. Em outros termos: se o agente for autorizado pelo preponente a realizar negócios jurídicos em seu nome, tais atos que ultrapassam o conteúdo normal do contrato de agência, serão submetidos ao regime legal do mandato, como, aliás, prevê o art. 721 do novo Código Civil.

Da definição dada pela lei especial ao representante comercial autônomo (isto é, ao agente), extraem-se as seguintes características:

a) o agente não mantém relação de emprego com o representado, gozando, portanto, de autonomia laboral para organizar e desempenhar sua atividade;

b) a atividade contratada é não-eventual; deve ser exercida em caráter permanente e profissional;c) a função do agente, embora organizada e dirigida com autonomia, é concluída por conta de outra pessoa

(o representado), de modo que fica claro o “caráter de uma intermediação”, ou de uma “preposição”. O agente, como prestador autônomo de serviço, atua fora da estrutura interna da empresa a que serve, permitindo a esta colocar seus produtos e serviços juntos à clientela que o representante angaria, nos mais variados lugares. Os negócios, porém, são sempre promovidos em nome e por conta do representado;

d) a mediação é, pois, uma função típica do agente comercial, que se presta à difusão dos produtos ou serviços do representado no comércio;

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e) a intermediação se dá na realização de negócios mercantis: o que a lei especial atribuiu ao agente comer-cial não é qualquer representação, mas aquela que se volta para a promoção de negócios mercantis (vendas de produtos ou prestação de serviços);

f ) o modus faciendi da intermediação consiste em agenciar propostas ou pedidos relativos a operações co-merciais do representado, ou seja, relacionadas a bens ou serviços a serem vendidos ou prestados pela empresa em cujo nome atua o agente;

g) cabe, em princípio, ao representante transmitir as propostas ou pedidos ao representado. Eventualmen-te, o agente pode receber poderes que ultrapassem a simples intermediação de pedidos, caso em que realizará, sempre em nome do preponente, atos de consumação ou execução dos negócios agenciados. Quanto a esses atos de consumação da venda dos produtos do representado, a atividade do representante será regida pelas regras do mandado mercantil.

Diante do cotejo entre o conceito legal, mais sintético, que o Código faz do contrato de agência, e aquele que a Lei nº 4.886/95 faz do representante comercial autônomo (isto é, do agente), não se encontra contradição maior que possa incompatibilizar um com o outro.

A circunstância de o Código não usar as expressões “representante comercial” ou “negócios mercantis” prende-se à circunstância de ter sido unificado o direito das obrigações, de maneira que os contratos nele disci-plinados, em princípio, tanto servem para as atividades civis como para as mercantis. No entanto, muito difícil será imaginar o caso em que um contrato de agência se configurará fora das relações mercantis.

Ademais, se isto eventualmente acontecer, ficará o negócio fora do alcance da Lei nº 4.886/95, visto que esta se aplica especificamente aos agentes que servem, profissionalmente, à intermediação de negócios mercantis.

Harmonizando-se, de tal sorte, a disciplina do contrato de agência instituída pelo Código Civil com a do representante comercial, constante das Leis nºs 4.886/65 e 8.420/92, ter-se-á um negócio jurídico vocacionado naturalmente para as atividades mercantis.

4.1. direito comparado

A definição brasileira de representante ou agente comercial muito se aproxima da que consta do Código Comercial da Alemanha, que o qualifica como “toda pessoa que, a título de exercício de uma profissão inde-pendente, seja encarregada permanente de servir de intermediária em operações negociadas por conta de um empresário ou de os concluir em nome deste último. É independente quem pode organizar o essencial de sua atividade e determinar seu tempo de trabalho” (art. 84).

Na França, também, o agente comercial é definido em termos que se aproximam do novo Código Civil brasileiro, por Dec. de 23.12.58: “Est agent commercial le mandataire qui, à titre de profession habituelle et indépendant, sans être lié par un contrat de louage de services, négocie et, eventuellement, conclut des achats, des ventes, de locations ou de prestations de service, au nom et pour le compte de producteurs, d’industriels ou de commerçants”.

O Conselho da Comunidade Econômica Européia (CEE) em 18.12.1986 adotou uma Diretiva relativa aos agentes comerciais independentes, na qual se conceituou como agente comercial “celui qui, en tant qu’ in-termédiaire indépendant, est chargé de façon permanente, soit de négocier la vente ou l’achat de marchandises pour une autre personne, ci-après dénominée commettant, soit de négocier et de conclure ces opérations au nom et pour le compte du commettant”.

Em todos esses exemplos, tal como entre nós, a função normal do contrato de agência é conferir ao representan-te poderes de intermediação para angariar negócios para o representado. Só excepcionalmente, e mediante poderes adicionais explícitos, ocorre a atribuição de mandato para que o próprio representante conclua o negócio em nome do representado, seja firmando os contratos, seja mesmo entregando as mercadorias negociadas ao comprador.

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Nesta última hipótese, o Código Civil brasileiro denomina o negócio jurídico de contrato de agência e dis-tribuição (art. 710). Essa distribuição, todavia, não se confunde com a concessão mercantil, já que esta só ocorre quando há revenda, ou seja, quando o concessionário adquire o produto do concedente e o comercia em nome pró-prio e por conta própria. O contrato de agência e distribuição, a que alude o art. 710 do nosso Código, continua sendo, malgrado a posse e disponibilidade da mercadoria pelo agente, um contrato de intermediação, que o distri-buidor conclui como preposto ou mandatário do representado (ou seja, em nome e por conta do preponente).

5. Contratos afins

Com o incremento na economia moderna dos meios de distribuição da produção de bens e serviços, novas figuras contratuais surgiram para atuar no mesmo segmento da mercancia, sem que a doutrina tivesse tempo para digerir as inovações, captando-lhes com precisão a natureza e os contornos. Perante a representação comer-cial, ou agência, freqüentes são as dúvidas e confusões que se instalam entre essa novel modalidade contratual e o mandato, a comissão mercantil, a locação de serviços, o viajante ou pracista, e, mais ultimamente, a concessão mercantil e a franquia empresarial. Daí a necessidade de tentar-se uma diferenciação que separe, com nitidez, o contrato de agência dessas figuras afins.

Como ponto de partida é importante classificar os contratos de que se vale o empresário para obter colabo-ração de outros agentes no escoamento de seus produtos. Em primeiro lugar, existe a possibilidade de utilização de auxiliares internos, ou seja, a distribuição é feita por meio de empregados que atuam na captação dos com-pradores, mantendo com a empresa vínculo empregatício permanente.

De outro lado, colocam-se os colaboradores externos, que são empresários que se inserem na cadeia de comercialização sem vínculo empregatício, prestando serviços, de variada natureza, ao escoamento da produção, conquistando, conservando e ampliando o mercado para o produto de outro empresário.

De duas maneiras básicas se processa a colaboração empresarial (externa) no escoamento dos produtos de uma empresa: a) pela distribuição propriamente dita (revenda) e b) pela busca de empresários interessados na aquisição dos produtos do fornecedor (intermediação, como a do mandato, comissão mercantil e agência).

Dessa maneira, “a colaboração empresarial no escoamento de mercadorias pode ser feita por intermediação ou aproximação. No primeiro caso, o colaborador ocupa um dos elos da cadeia de circulação, comprando o produto do fornecedor para revendê-lo. No segundo, o colaborador procura outros empresários potencialmente interessados em negociar com o fornecedor”.

Esse quadro classificatório muito contribuirá para obter-se a distinção entre o contrato de agência e outras figuras afins.

É certo, contudo, que o fato de o contrato de agência conter traços comuns a outros contratos mercantis tradicionais, não o leva a confundir-se com nenhum deles, nem a revestir-se da natureza jurídica de alguma das figuras com que mantém inegável afinidade. Para individuá-lo e determinar a respectiva natureza, não há neces-sidade de subsumi-lo à tipicidade de outros contratos: a agência é, no direito moderno, um contrato nominado (típico) e, como tal, tem fisionomia e disciplina próprias.

5.1. agência e mandato

O contrato de agência não se confunde com o de mandato mercantil, porque os poderes de que dispõe o agente nem sempre são aqueles que se conferem ao mandatário. Em primeiro lugar, a outorga de mandato é em regra, destinada a realização de negócios determinados. A agência refere-se a um relacionamento negocial permanente envolvendo operações reiteradas e indeterminadas.

O mandatário detém poderes, outorgados pelo mandante, que lhe permitem deliberar sobre o negócio e o realizar em nome deste. O simples representante, no caso de agência comercial, limita-se a aproximar

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comprador e fornecedor, não delibera, portanto, o negócio. Pode, eventualmente, concluir negócio por conta do preponente, mas, então o contrato de agência não será mais simples, terá se tornado complexo, absorvendo em suas cláusulas também o contrato de mandato. Nesse sentido, dispõe o art. 710, parágrafo único, que “o preponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos”. E, por isso, o art. 721 manda aplicar, ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras concernentes ao mandato.

Ademais, o essencial ao contrato de agência é a mediação de negócios em favor do preponente, o que não de-pende de poderes inerentes ao mandato. Quando estes poderes, eventualmente, se incluem nas cláusulas da agência, representam apenas elemento acessório, secundário ou acidental, não interferindo, por isso mesmo, na conceituação ou configuração, propriamente dita, do contrato, nem tampouco na definição de sua natureza jurídica.

5.2. agência e comissão

A comissão é um contrato de colaboração empresarial, mas ao contrário do mandato, o comissário não representa, nos negócios que pratica, o comitente. O comissário adquire ou vende bens à conta do comitente, mas contrata em nome próprio, e não em nome da empresa a que presta colaboração (art. 693).

A comissão, na linguagem antiga do Código Comercial, seria um mandato sem representação. Isto porque o mandato mercantil implica necessariamente a representação para realizar negócios comerciais em nome do mandante, enquanto o comissário não age em nome, e sim por conta do comitente. Com o outro contratante (isto é, o comprador), quem se vincula é o comissário e não o comitente.

A presença do comissário cria uma certa barreira entre o comitente e os terceiros que negociam com o comissário, em função do encargo contratual. O comissário, garantindo o anonimato para o comitente, confere-lhe maior segurança, porque só o comissionário trava relações jurídicas com os clientes, evitando ao principal interessado nas operações suportar ações da parte da clientela.

O agente comercial, por sua vez, não aparece no negócio que ele agenciou e que finalmente será concre-tizado diretamente pelo preponente. Como ressalta RUBENS REQUIÃO, “o representante comercial, agindo em nome e no interesse do representado, não é atingido pelos atos que pratica, dentro dos poderes que recebeu. Na comissão mercantil, o comissário age em seu próprio nome, sendo em face do terceiro o responsável pelo ato praticado, muito embora o tenha realizado por conta e no interesse do comitente”. Na agência, portanto, o único responsável perante o cliente é o comitente.

Os produtos do comitente são postos à disposição do comissário, por meio de uma consignação, que o credencia a vendê-los aos consumidores em nome próprio. Perante estes, o vendedor é o comissário e não o comitente. No contrato de agência, o vendedor é sempre o preponente, ainda que se confiram poderes ao agen-te para concluir e executar a venda. A atuação é de um representante (mandatário) do vendedor, e não de um vendedor propriamente dito.

5.3. agente e viajante ou pracista (contrato de agência e contrato de trabalho)

O agente, por sua própria definição legal, presta serviços à empresa sem estabelecer com ela um vínculo empregatício. O viajante ou pracista, embora do ponto de vista prático realize atividade econômica igual à do agente – pois angariam ambos clientela para a empresa – liga-se ao preponente de maneira diversa. É um em-pregado dele. Suas tarefas são comandas hierarquicamente pelo empregador. Não dispõe de autonomia alguma para organizar seu serviço.

O agente, embora preposto, porque não negocia o fornecimento em nome próprio e opera sempre em nome e por conta do representado, age contudo como empresário e não como empregado. Tem sua sede própria, seu escritório, sua empresa de representação, que organiza e dirige com liberdade e autonomia.

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É, em suma, a ausência de um contrato de trabalho que caracteriza o agente comercial e o distingue do viajante ou pracista, na tarefa da conquista de clientela para a empresa a que servem uns e outros.

Costumam-se arrolar as seguintes e principais distinções entre agente e representante assalariado: a) O viajante ou pracista não pode contratar pessoal para desempenhar a representação que lhe cabe. Já o

agente comercial é um empresário, um profissional independente, que pode livremente organizar sua empresa, da maneira que melhor lhe convier;

b) O viajante ou pracista não tem iniciativa pessoal, é hierarquicamente subordinado ao comando do empregador;

c) O viajante ou pracista não pode aceitar representação de outras empresas. O viajante não é mandatário e não capitaliza clientela. Não faz jus, por isso, às indenizações legais devidas ao agente autônomo;

d) O viajante ou pracista somente pode ser pessoa física, enquanto o agente pode ser indiferentemente pessoa física ou jurídica;

e) O viajante ou pracista não pode contratar sub-representantes, a não ser mediante autorização do empre-gador. A lei, no entanto, assegura ao agente a faculdade de contratar sub-agentes.

5.4. agência e distribuição por conta própria (revenda), ou concessão comercial

A colocação da produção industrial no mercado raramente se faz, no mundo atual, por negociação direta entre produtos e consumidor. Quase sempre se estabelece uma intermediação entre empresários, formando-se uma cadeia de negócios, que envolve sucessivas compras-e-vendas: uma empresa vende a matéria prima ao fabri-cante; este a transforma em manufaturados, que em seguida são vendidos aos atacadistas; estes, por sua vez, os vendem aos varejistas que, no fecho da cadeia econômica, os revendem ao consumidor final.

Essa colaboração entre os elos da cadeia econômica pode acontecer de maneira avulsa, como contratos eventuais e isolados, ou pode se envolver numa relação contratual duradoura que gere a obrigação entre os empresários de comprar e vender, com habitualidade e sob certas condições, os produtos de um deles (contra-tos-quadros).

Se a articulação entre produtores e revendedores assume o feitio de uma convenção duradoura, tem-se o contrato de distribuição, que pode ser simples ou complexo. Na sua manifestação mais simples, a distribuição se exterioriza como contrato de fornecimento: o produtor se obriga a fornecer certo volume de determinado pro-duto, e o revendedor se obriga a adquiri-lo, periodicamente. Não há uma remuneração direta entre fornecedor e revendedor. Este se remunera com o lucro que a revenda dos produtos lhe proporciona. O fornecedor, por sua vez, não exerce interferência alguma na gestão do negócio do revendedor.

A colaboração empresarial, contudo, pode ser mais ampla, de maneira que o produtor exerça certa inter-ferência na atividade do revendedor, criando um sistema racional de conjugação de esforços até a colocação do produto junto ao consumidor final. O revendedor, naturalmente, continuará negociando os produtos por conta própria e em nome próprio. Sujeitar-se-á, porém, a algumas regras, de orientação geral, traçadas pelo fornecedor. Se há entre eles uma independência jurídica, o mesmo não se passa na organização econômica da revenda. A ingerência do fornecedor no empreendimento do revendedor produz uma subordinação econômica.

Essa modalidade de contrato de colaboração, com interferência econômica do fornecedor sobre o negócio do revendedor configura o que modernamente se denomina contrato de concessão comercial, que não raro en-volve outros negócios entre as partes, como uso de marca, assistência técnica etc..

Entre os contratos de concessão comercial assumiram grandes relevos os chamados contratos de franquia. Para RUBENS REQUIÃO, a franquia comercial não é um contrato distinto da concessão comercial, podendo estabelecer-se sinônima entre os dois.

No entanto, a doutrina majoritária aponta traços da franquia que lhe outorgariam uma identidade jurídica capaz de separá-la dos comuns casos de concessão comercial, como se demonstrará no tópico seguinte.

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Todas as formas de contrato de distribuição – fornecimento ou concessão – distinguem-se do contrato de agência em dois aspectos básicos: a autonomia e a remuneração da intermediação. O agente (representante comercial) não pratica o negócio de colocação dos produtos do representado em nome próprio; atua apenas em nome e por conta do representado. Já o concessionário ou revendedor, torna-se dono da mercadoria que o fornecedor lhe transfere, e a negocia com o consumidor em nome próprio e por sua própria conta.

Mesmo quando a lei admite que o agente atue também como distribuidor (art. 710 do Código Civil), ele não se transforma num concessionário comercial. É que a mercadoria que o fornecedor coloca em poder do agente-distribuidor é objeto apenas de depósito ou consignação. O representante não a adquire do representado, de modo que a venda para o consumidor não assume a natureza de uma revenda. Juridicamente quem vende é o fornecedor e não o agente-distribuidor. A interferência deste na pactuação e execução do negócio final é de um mandatário e não de um revendedor.

Não é correta, portanto, a inteligência que alguns apressadamente estão dando ao artigo 710 do Código Civil, no sentido de ter sido nele disciplinado tanto a representação comercial como a concessão comercial. O dispositivo cuidou exclusivamente do contrato de agência, como negócio que anteriormente se denominava contrato de representação comercial. A distribuição de que cogita o art. 710 é aquela que, eventualmente, pode ser autorizada ao agente mas nunca como revenda, e sempre como simples ato complementar do agenciamento. Dentro da sistemática da preposição que é inerente ao contrato de agência, as mercadorias de propriedade do comitente são postas à disposição do agente-distribuidor para entrega aos compradores, mas tudo se faz em nome e por conta do representado.

Aliás, a Lei nº 4.886/65, quando regulamentou a atividade do representante comercial, já previa a pos-sibilidade de ser ele encarregado da execução da venda, em nome do representante (art. 1º e seu parágrafo único); sem que isso desnaturasse a representação comercial em sua essência e a transformasse em concessão comercial.

O contrato de distribuição em nome próprio (a concessão comercial) continua sendo atípico, mesmo porque a infinita variedade de convenções que os comerciantes criam no âmbito da revenda autônoma torna quase impossível sua redução ao padrão de um contrato típico. Apenas para o caso dos revendedores de veículos é que, pelas características e relevância do negócio, o legislador houve por bem tipificar o contrato de concessão comercial (Lei nº 6.729/79).

Outra distinção que se fez com nitidez entre o contrato de agência e o contrato de revenda (distribuição por conta própria, ou concessão comercial), situa-se na remuneração do intermediário do processo de circulação dos produtos. O agente (mesmo quando exerce a distribuição) é remunerado, quanto ao serviço de intermedia-ção, pelo fornecedor (o representado), segundo o volume e o preço das operações agenciadas. O concessionário nada recebe do fornecedor pela colaboração exercida na colocação de seus produtos. A remuneração que alcança se traduz nos lucros que a revenda lhe proporciona.

Em suma não é a operação econômica da distribuição que distingue a agência da concessão comercial. Há distribuição (ou pode haver distribuição) tanto por meio do contrato de agência como do contrato de concessão comercial. Distribuição é um gênero que corresponde aos vários tipos de contrato de colaboração empresarial. A distribuição, porém, pode realizar-se por conta do fornecedor ou por conta do próprio distribuidor. Se não há venda e revenda de produtos, o contrato fica no plano da agência; se há, entra-se no âmbito da concessão comercial. E, assim, distingue-se a distribuição por conta alheia (mera preposição, sem independência jurídica do agente) da distribuição por conta própria (concessão comercial).

Voltaremos ao tema da concessão comercial, nos comentários relativos aos ressarcimentos cabíveis na rup-tura ou cessação do contrato (art. 721).

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6. os elementos essenciais do contrato de agência

Segundo a definição legal do contrato de agência, contida no art. 710 do Código Civil, sua estrutura fun-damental envolve a combinação de quatro elementos essenciais:

a) o desenvolvimento de uma atividade de promoção de vendas ou serviços por parte do agente, em favor da empresa do comitente;

b) o caráter duradouro da atividade desempenhada pelo agente (habitualidade ou profissionalidade dessa prestação);

c) a determinação de uma zona sobre a qual deverá operar o agente;d) a retribuição dos serviços do agente em proporção aos negócios agenciados.Nessa ordem de idéias, pode-se afirmar que, na concepção legal, para configurar-se contrato de agência, é

necessário que uma parte (o agente) assuma de forma duradoura a função de promover, mediante remuneração, a formação de negócios, e eventualmente de concluí-los e executá-los, sempre por conta da outra parte (o pre-ponente) e dentro de uma determinada zona.

7. natureza jurídica

O contrato de agência integra a classe dos contratos de distribuição comercial, nos quais o agente desen-volve um papel importante na colocação no mercado dos produtos gerados ou comercializados pela empresa preponente, de maneira que esta, em última análise, se beneficia da contínua obra promocional levada a efeito pelo agente junto à clientela.

Contratos de distribuição, todavia, não são sinônimos de contratos de revenda de mercadorias. Configu-ram um gênero no qual se inserem vários tipos negociais todos voltados para a chamada colaboração empresa-rial, tais como a comissão mercantil, a representação comercial, a concessão comercial, a franquia, a corretagem, a concessão do uso de marca etc.

O que traça a tipicidade do contrato de agência é que a atividade de colaboração empresarial na espécie se dá por meio de prestação do agente que têm por objeto o desempenho, em uma zona determinada, de uma ati-vidade profissional dirigida à promoção e conclusão de contratos entre o preponente e os terceiros arrebanhados pelo preposto. Eventualmente os contratos agenciados podem ser concluídos e executados pelo próprio agente, não porém em nome próprio, mas sempre em nome e por conta do preponente.

De tal sorte, qualquer que seja a dimensão dos poderes do agente, os negócios por ele intermediados ou concluídos se aperfeiçoam diretamente na esfera jurídica do preponente e do terceiro adquirente. De forma al-guma se pode ver no conteúdo do contrato de agência uma forma de compra e venda operada pelo agente, em seu próprio nome. Na conclusão do negócio intermediado o agente não é parte, de sorte que nele não se acha em jogo um interesse jurídico seu, mas apenas um interesse econômico, porque é na medida da consumação dos negócios pelo preponente que o agente adquire direito à remuneração pelos serviços de intermediação empresarial levados a efeito.

A construção da teoria do contrato de agência se fez por influência do direito francês a partir do mandato que, na espécie, seria uma modalidade excepcional daquele negócio, caracterizada pelo chamado mandato de interesse comum. Visto que tanto do lado do comitente como do agente, o objetivo perseguido é um só - forma-ção e ampliação de clientela -, entendia-se que este desempenhava um mandato que não dizia respeito apenas ao interesse do mandante, mas que igualmente se relacionava com seus próprios interesses. Assim, podia-se divisar “o interesse comum como qualificativo do mandato contido no contrato de agência comercial”.

Com isso, realizou-se a evolução do tratamento jurídico do agente da categoria de mandatário para a fi-gura do “mandatário independente”, profissional e empresário, “um mandatário que aja a título oneroso e em seu próprio benefício”. A lei francesa ainda hoje identifica o agente comercial como um mandatário que como

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profissional independente, se encarrega de negociar contratos por ordem e conta de outros empresários (Lei n. 91-593 de 25.06.1991, que se adaptou à Diretiva Comunitária de 1986).

No entanto, depois que se estabeleceu um regime legal particular para a agência, não tem mais sentido atrelá-la à natureza jurídica do mandato. A independência que a lei confere ao agente comercial no exercício de sua atividade profissional faz dele um empresário que se encarrega de uma função com autonomia de objeto dentro da circulação do mercado.

A prática da agência comercial, nos moldes atuais da figura jurídica se afasta das concepções primitivas, apagando os liames com o mandato e consagrando uma liberdade de iniciativa muito acentuada. Além do mais, registra-se uma aproximação do regime legal da agência com o direito social, em defesa de interesses do agente (duração indeterminada do contrato, indenizações tarifadas, remuneração mínima, etc), o que também não é adaptável à figura do mandato.

Dentro da consagração da autonomia do agente, reconhecido como profissional independente e ainda em face do estabelecimento de um regime de direito social de proteção ao agente, não se pode continuar a insistir na conceituação do contrato de agência como forma de mandato.

A natureza jurídica do contrato de agência é hoje a de um contrato típico, que se formou a partir da idéia de profissionalização do mandato e, mesmo, por meio de “uma evolução das regras do mandato clássico”. Assim, “o agente se beneficia de um estatuto originado de modificação de regras civis do mandato, seja sobre influência dos usos e regulamentos, seja do fato de uma abordagem econômica da agência que se desenvolveu recentemen-te”. De tal sorte, “o agente comercial continua um mandatário, mas deve ser apreciado enquanto profissional do comércio”. Na verdade, só por insistência histórica se mantém entre os franceses a doutrina da agência como modalidade de mandato. O que efetivamente se tem, entretanto, é um mandatário remunerado e profissional, que melhor se qualifica como um profissional do comércio, cuja atividade específica “consiste na realização de atos materiais que visam à criação de uma corrente de negócios para a difusão dos produtos e serviços de outra empresa. Se se pretender comparar a agência atual com outros contratos típicos, sua afinidade será maior com o contrato de prestação de serviços do que com o de mandato, pois apenas excepcionalmente o agente se encarrega de tarefas que são próprias do mandatário.

8. sujeitos do contrato de agência

De um lado coloca-se o preponente que tem bens e serviços a colocar no mercado; e de outro, o agente (um preposto) que é um profissional que se encarrega de colaborar na promoção dos negócios do preponente, sem estabelecer vínculo de subordinação a este e que deve ser remunerado em função do volume de operações promovidas.

Ambos, preponente e agente, são empresários, cada um dedicando-se a um ramo próprio de negócios. Um realiza a comercialização de suas mercadorias ou serviços (preponente) e outro exerce uma especial atividade profissional (o agente), que é a de angariar clientela para adquirir os produtos do primeiro.

Vê-se, pois, que o agente se apresenta como autêntico empresário porque seu serviço é desempenhado de forma autônoma e constitui um tipo de negócio de evidente valor econômico e jurídico, na circulação de bens do mercado.

O agente comercial, nessa ordem de idéias, desempenha uma atividade de mercado cujo requisito funda-mental é a liberdade de iniciativa na prestação do serviço de agenciamento. Daí reconhecer-se sua posição de titular da própria empresa, em cuja organização e administração não interfere a empresa do preponente.

Dessa maneira, é inegável que o contrato de agência estabelece uma relação jurídica entre empresários, em função da qual o agente promove e às vezes conclui negócios em favor do preponente, mas sempre com plena liberdade de organizar seu trabalho e com assunção do risco de seu negócio de intermediação.

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8.1. a nomenclatura legal – as partes no contato de agência

A legislação italiana adota as expressões agente e preponente para indicar as duas partes do contrato de agência ou representação comercial (Código Civil italiano, arts. 1.742 e 1.753). A lei portuguesa que regula o mesmo contrato, sob influência da terminologia com que common law se identifica a agency, denomina de agente e principal os respectivos sujeitos. Há quem, todavia, censure a opção do Dec-Lei nº 178/76, e preferiria que, em Portugal fosse prestigiada a denominação de proponente (em lugar de principal), porquanto já era esta a palavra utilizada pelo direito português para nomear a contraparte dos “representantes comerciais não autôno-mos” , antes da legislação atual.

No Brasil, o novo Código Civil escolheu a nomenclatura recomendada pela antiga doutrina portuguesa, ou seja, proponente e agente, muito embora nos contratos de prestação de serviços com subordinação jurídica a tradição, entre nós, seja a de identificar o representado como preponente e não como proponente.

De fato, os léxicos nacionais não registram proponente com o sentido de denominar quem delega poderes de gestão a outrem; mas como aquele que “propõe algo”. É, outrossim, o designativo preponente que identifica “aquele que constitui um auxiliar direto para ocupar-se dos seus negócios, em seu nome, por sua conta e sob sua dependência”.

Ademais, há um inconveniente de ordem prática. Na relação econômica desenvolvida pelo agente em prol do fornecedor, já há o cliente que, ao formular propostas endereçadas a este também deverá ser identificado como proponente. Duas partes, portanto, em posições jurídicas diversas teriam titulação igual dentro do mesmo negócio. As confusões serão inevitáveis o que recomendaria o uso da designação preponente para o fornecedor.

Dessa forma, melhor teria andado o legislador brasileiro se, a exemplo do Código italiano, tivesse nomeado de preponente o empresário que contrata a intermediação do agente. Malgrado a opção da lei, não estará in-correndo em censura alguma quem empregar o termo preponente em lugar de proponente, por ser lexicamente correto e, praticamente, mais expressivo.

9. o objeto do contrato de agência

O contrato de agência, em sua feição típica, tem como objeto uma prestação de serviço entre empresários: a promoção de negócios constitui a obrigação fundamental que o agente contrai em favor do preponente.

O agente organiza com autonomia seu negócio e, pelos expedientes que livremente engendrar, dará cum-primento à obrigação contraída de angariar clientela para quem contratou seus especiais serviços.

Objeto, portanto, do contrato de agência, que é um contrato típico e de execução continuada, é uma atividade de promoção de negócios individuais, consistente na busca e visita da clientela, para coletar propostas ou encomendas a serem repassadas à empresa representada. Eventualmente, esse objeto pode ser ampliado, para compreender a conclusão do contrato de venda e entrega das mercadorias. Quando esses poderes adicionais são incluídos no ajuste, o contrato é denominado de “agência e distribuição”.

O objeto do contrato, todavia, continua sendo uma prestação de serviços profissionais na área da interme-diação de negócios, visto que o agente não revende os produtos que o preponente apenas coloca à sua disposição. A operação é toda ela desenvolvida e consumada em nome e por conta do preponente. O agente-distribuidor apenas representa o fornecedor, que, afinal é o vendedor das mercadorias consignadas ao preposto e negociadas com a clientela. Não há, repita-se, revenda, mas apenas venda, operada entre o preponente e o consumidor.

Integra o contrato, da parte do preponente, a obrigação de remunerar o serviço prestado pelo agente, mas isto não corresponde a um preço fixo, e sim a um percentual sobre as operações úteis captadas pelo agente em benefício do representado.

Dessa forma, pode-se afirmar, em síntese, que característica essencial do contrato de agência é a promoção, mediante remuneração, de contratos por conta do preponente, ou seja, de negócios que venham a ser concluídos entre os terceiros e o preponente, ou que se concluam junto ao preposto, mas em nome do representado. Com

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essa noção do objeto contratual, excluem-se do campo da agência as vendas em nome próprio, que são objeto de outros contratos de colaboração empresarial, como os de fornecimento ou de concessão comercial, que em hipótese alguma se podem confundir com a figura delineada no art. 710 do novo Código Civil.

Outra grande característica do objeto da obrigação veiculada pelo contrato de agência é o caráter dura-douro da prestação a cargo do agente. Trata-se de um contrato de duração, pelo que o agente se obriga a exercer habitualmente a intermediação de negócios em favor do preponente enquanto permanecer em vigor o ajuste.

O contrato de agência, nessa ordem de idéias, tem como objeto a atividade do agente, com caráter de es-tabilidade, voltada para a promoção, dentro de uma zona determinada, de contratos que serão concluídos pelo preponente, para cuja consecução empenhará múltiplas atividades, de impulso e de agilização, tudo em busca de conquistar, manter e incrementar a demanda dos produtos do preponente.

Belo Horizonte, abril de 2003 (Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 02.5.2003)

biblioGrafia CoMPleMentar:

É hora de definir agência e distribuição no novo Código Civilantonio felix de araújo Cintraadvogado, sócio de tozzini, freire, teixeira e silva advogados renato bergerconsultor de tozzini, freire, teixeira e silva advogados

O capítulo sobre agência e distribuição no Código Civil tem causado muita discussão. Algumas dúvidas fundamentais precisam ser eliminadas para que se tenha razoável segurança jurídica na utilização desses contra-tos. As principais dúvidas referem-se ao impacto do Código Civil sobre as conhecidas relações de representação comercial e distribuição.

Mais especificamente, é necessário definir: (a) se o contrato de agência previsto no Código Civil é o mesmo contrato previsto na Lei do Representante Comercial (Lei 4.886/65, conforme posteriormente alterada) e, em caso positivo, de que maneira devem ser interpretadas as normas desses dois diplomas legais sobre a matéria e (b) se a distribuição prevista no Código Civil é a mesma relação contratual que tradicionalmente não era objeto de legislação específica e que era conhecida por distribuição.

Analisando o Código Civil e a Lei do Representante Comercial, a melhor interpretação indica que os contratos de agência e os de representação comercial constituem a mesma figura jurídica. São vários os motivos para tanto.

Antes de qualquer coisa, a questão da nomenclatura. O nome representação comercial foi muitas vezes criticado por não traduzir corretamente a noção do contrato. Vários autores apontavam, inclusive citando leis estrangeiras, que o termo mais adequado seria agência, posto que a relação negocial implica agenciamento de pedidos. A representação poderia ou não ocorrer, dependendo de serem ou não conferidos poderes para que o agente representasse o proponente na contratação dos negócios. Ou seja, o agenciamento sempre ocorreria por força da natureza do contrato, sendo que a representação apenas existira se, além de agenciar os pedidos em favor do proponente, o agente tivesse poderes para representá-lo nas respectivas relações de compra e venda dos pro-dutos agenciados. Diante dessa situação, é fácil entender que os legisladores do Código Civil apenas utilizaram o nome que lhes pareceu refletir de maneira correta a natureza do contrato.

E de fato a nomenclatura não deve ser considerada tão relevante. Afinal, o que interessa na definição da natureza jurídica do instituto é o seu conteúdo e não a embalagem. Passando então para o exame do negócio em

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si, percebe-se que a definição de agência no Código Civil é equivalente à definição de representação comercial na Lei do Representante Comercial. A única diferença no Código Civil é a exclusão da expressão “negócios mercantis” que aparece na Lei do Representante Comercial, mas a exclusão é absolutamente coerente com o de-saparecimento da diferenciação entre negócios civis e mercantis na lei brasileira. Em ambos os casos, trata-se do agenciamento de pedidos em favor do proponente e do recebimento de remuneração pelos negócios concluídos. Ou seja, caracteriza-se a figura clássica de aproximação do comprador e vendedor, realizada pelo agente, que é contratado para encontrar compradores para os produtos do proponente. Note-se ainda, curiosamente, que a Lei do Representante Comercial utiliza a expressão “agenciando propostas ou pedidos” exatamente na definição da atividade do representante.

Nessa linha de raciocínio, não se justifica a amplitude que alguns querem dar ao contrato de agência no Código Civil, dizendo que serviria para agenciamento de artistas, atletas e outras atividades que não fossem re-lacionadas à compra e venda de mercadorias. Vale frisar novamente que o Código Civil apenas deu outro nome para a mesma relação conhecida tradicionalmente como representação comercial. Isso decorre não apenas da definição equivalente do contrato, acima mencionada, mas também da própria regulamentação encontrada nos artigos 710 e seguintes do Código Civil. Toda a linguagem e toda a lógica desses dispositivos apontam para o agenciamento na compra e venda de mercadorias, por exemplo, quando se fala em zona de atuação do agente, cessação de atendimento de propostas, direito à remuneração pelos negócios concluídos dentro da zona de atu-ação e assim por diante. Até a definição de distribuição, que conforme será visto aparece dentro da definição de agência e como um desdobramento desta última, menciona claramente “coisa a ser negociada”.

Ainda para demonstrar que o Código Civil tratou agência da mesma forma que a chamada representação comercial, verifica-se que o capítulo de agência ressalva expressamente a aplicação de lei especial sobre a matéria, tanto na parte específica de indenizações (art. 718) como na utilização da lei especial sempre que couber (art. 721). Ora, é evidente que a lei especial contemplada no Código Civil, cujo projeto foi elaborado em 1972, é a Lei do Representante Comercial, datada de 1965, ou aquela que viesse a substituí-la.

Resta, portanto, estabelecer como deve ser compatibilizada a Lei do Representante Comercial com o capí-tulo de agência do Código Civil. A resposta é razoavelmente simples. Dado que o Código Civil não pretendeu esgotar a regulamentação da matéria, tendo inclusive ressalvado a aplicação de lei especial, devem ser conside-rados revogados apenas os dispositivos da Lei do Representante Comercial cuja matéria tenha sido regulada de forma diferente no Código Civil, permanecendo em vigor os demais. Por exemplo, na ausência de cláusula contratual, vale agora a presunção de exclusividade do Código Civil tanto para a zona de atuação do agente (ex-clusividade em favor do agente) como para o agenciamento (exclusividade em favor do proponente). E naquela que deve ser a maior diferença, o aviso prévio para encerramento de contratos por prazo indeterminado não será simplesmente de 30 dias como previsto na Lei do Representante Comercial, mas deverá ter no mínimo 90 dias e, ainda assim, desde que já tenha transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos exigidos do agente.

Por fim, uma nota sobre a distribuição. Infelizmente, a terminologia empregada no Código Civil pode gerar grande confusão, mas a distribuição ali prevista não se confunde com a relação chamada distribuição a que todos se acostumaram no Brasil. A antiga distribuição é caracterizada pela compra dos produtos do fornecedor para posterior revenda, negócio realizado, portanto, em nome próprio e por conta e risco do distribuidor. O lucro do distribuidor deriva então da diferença entre o preço de compra e venda dos produtos distribuídos. Ao contrário da agência, não há que se falar em remuneração paga pelo fornecedor. Tal distribuição era e continua sendo contrato atípico, posto que não regulado expressamente na lei, exceto com relação à distribuição de veí-culos automotores, objeto da Lei Ferrari (Lei 6.729/79).

Utilizando o nome distribuição, o Código Civil contempla uma nova e diferente figura contratual, que nada mais é do que um desdobramento da relação de agência. A distribuição do Código Civil é contrato de agen-ciamento de negócios em favor do proponente, com a particularidade de que os bens objeto do agenciamento

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encontram-se na posse do agente, que passa a ser chamado também de distribuidor. Todo o capítulo de agência e distribuição corrobora tal constatação, desde a definição da distribuição como um derivado da agência (art. 710) até as disposições sobre o direito do distribuidor à remuneração por negócios concluídos em sua zona sem sua interferência (art. 714) e direito à indenização no caso de diminuição no atendimento de propostas (art. 715), todas referentes apenas a contratos de aproximação entre comprador e vendedor e nunca à aquisição de produtos para revenda por conta própria.

Naturalmente serão aplicáveis à distribuição clássica as normas gerais do Código Civil sobre obrigações e contratos, da mesma forma que ocorre em qualquer contrato atípico. Isso inclui os conceitos e princípios de boa fé contratual e função social dos contratos, além de importantes dispositivos específicos, como por exemplo, a necessidade de ter transcorrido prazo compatível com o investimento realizado pela outra parte quando da denúncia unilateral de contrato (art. 473). Os dispositivos do capítulo de agência e distribuição, porém, não serão aplicáveis às relações de distribuição na sua forma tradicional de aquisição para revenda, já que não tratam de tal figura.

(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4148)

A representação no novo Código CivilPor sílvio de salvo Venosa

O novo Código Civil introduz no mesmo capítulo, os dispositivos sobre os contratos de agência e distri-buição. Nesses contratos há inúmeros pontos de contato com a representação comercial. A nova posição legal mais serve para baralhar a questão, pois o contrato de representação comercial costuma ser identificado pela doutrina e pela jurisprudência com o de agência e distribuição. O legislador do novo código deveria ter sido mais claro, embora se reporte, no artigo 721, à aplicação de legislação especial, a qual, no caso, a principal delas protege e regula o representante comercial (Lei nº 4.886/65). A harmonização dessa nova lei com os novos dis-positivos é complexa. Assim, o novo código dispõe no artigo 710:

“Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.”

Portanto, conforme a nova lei, a disponibilidade da coisa em mãos do sujeito caracteriza a diferença en-tre a agência e a distribuição. Pela lei, se a pessoa tem a coisa que comercializa consigo será distribuidor; caso contrário, será agente. No mais, procura a lei unificar os direitos de ambos e, conseqüentemente, aplicam-se ao representante comercial, no que couber. A primeira conclusão inafastável é no sentido da aplicação da lei do re-presentante comercial sempre que este for devidamente registrado, nos termos do artigo 5º da Lei nº 4.886/65, e realiza negócios em razão dessa profissão habitual. Pouco importa que pratique ele negócios de agência ou de representação segundo o novo código. Tratando-se de profissão regulamentada, estando o sujeito inscrito nos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, subordinados estes ao Conselho Federal, aplica-se essa lei, que lhe é protetiva e cria, na verdade, um microssistema jurídico. Subsidiariamente poderá ser aplicado o novo código.

Há que se levar em conta, contudo, que essa lei atribui os direitos básicos do representante, que doravante devem ser harmonizados com os dispositivos do novo Código Civil. Assim, naquilo que o contrato e a lei pro-tetiva forem omissos, preponderarão as disposições do novo código. Leve-se em conta que os dispositivos con-tratuais do código são de direito dispositivo. Quanto ao representante comercial, não há de se ter preocupação

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se sua atividade é de agência ou representação de acordo com o novo código, porque, conforme os princípios da lei específica, para o representante é irrelevante ter ou não a posse dos bens comercializados.

Questão maior vai se colocar quando o agente e o distribuidor em sentido amplo, sem a compreensão de representante, pretenderem os mesmos direitos expostos na Lei nº 4.886/65. Não há que se entender que so-mente os representantes comerciais devidamente inscritos em sua corporação de ofício tenham direito à aplica-ção da lei específica. Eventual transgressão administrativa é irrelevante para a definição dos direitos e a respectiva natureza jurídica dos contratos. Desempenhando a função de representante, o sujeito fará jus aos benefícios da lei respectiva, segundo remansosa jurisprudência, que se lastreia em princípios constitucionais sobre a liberdade do trabalho. Caberá à jurisprudência definir, pois, se adotada a caracterização de representante para a relação jurídica, fará jus o sujeito aos direitos respectivos conforme os artigos 31 e seguintes da lei específica. Essa ten-dência, que já vinha sendo adotada, deverá persistir. Nada impede, contudo, que as próprias partes indiquem no contrato como aplicável essa lei do representante comercial autônomo. O que será ineficaz, sob o prisma de direito cogente, é afastar-se contratualmente sua aplicação.

Nessa introdução à nova problemática é importante estabelecer que os contratos de agência e distribuição podem, em princípio, ser firmados com qualquer pessoa e a esta situação se dirigem os dispositivos do novo Código Civil, os quais se aplicam, também, aos representantes comerciais oficiais, no que não conflitar com seu estatuto específico, o qual garante direitos básicos a esses profissionais. A situação não fica clara, mormente quando as partes não definem claramente suas obrigações, como já não estava clara no sistema anterior e qual-quer das soluções apresenta dificuldades.

De qualquer modo, em princípio, se o sujeito adquire os bens do produtor ou fornecedor e os revende, atendendo a cláusulas de exclusividade e de área geográfica, sua situação será de distribuidor, excluindo-se a possibilidade de ser considerado representante. As gradações entre um extremo e outro deverão ser definidas no caso concreto.

Sempre que se examina a comercialização de produtos ou serviços por terceiros, existirão sempre duas partes, pois o fornecedor de produtos e serviços sempre atribuirá a outrem essa função. Nesse sentido, alu-de-se à distribuição como referência genérica a vários fenômenos. Como regra geral, a empresa concentra sua atividade principalmente na produção, atribuindo a intermediários a atividade de promover e vender. Nesse sentido, a própria legislação comercial, consagrada pelo nosso velho Código Comercial, disciplinava os auxiliares de comércio, os corretores, os comissionistas e os agentes de comércio. O novo universo da empresa cria novas formas de comercialização, com a intervenção de terceiros, como a franquia, a concessão, a representação.

Sob essa égide, a palavra “distribuição” é equívoca, absorvendo vários significados, técnicos ou não. No conceito há um sentido amplo, de caráter geral, que inclui todas as formas que uma empresa se utiliza para colocar bens e serviços no mercado, diretamente, ou por meio de terceiros, mandatários, agentes, represen-tantes etc. Por outro lado, há um conceito restrito, que é aquele doravante presente no Código Civil, que diz respeito à relação jurídica que vincula o produtor e o sujeito que coloca seus produtos no mercado, referin-do-se aí expressamente ao contrato de distribuição. Como já de início apontamos, há confusão terminológi-ca entre os contratos de representação mercantil, agência e distribuição, que não foi aclarada pelo legislador. Desse modo, surge assim uma nova família de contratos, para desenvolvimento de uma antiga função econômi-ca, qual seja, a de colocar no mercado os bens ou serviços de uma empresa produtora, quando ela não o faz por si mesma. Esses contratos possuem características comuns, o que contribui, por vezes, para a confusão termino-lógica. Assim, pressupõem a existência de empresas e sujeitos independentes que desempenham atividade em favor dela; há possibilidade de que a empresa celebre muitos contratos da mesma natureza, com várias pessoas, naturais ou jurídicas. Nesses contratos há um forte aspecto de colaboração entre as partes e a possibilidade de exclusividade dentro de determinada área geográfica. São contratos, por natureza, de duração, com prazo mais ou menos longo. O distribuidor, agente ou representante deve se submeter a uma séria de diretrizes impostas

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pelo produtor em prol do bom andamento do negócio. A regra de exclusividade é importante nesses contratos, embora possa não se fazer presente. Caberá às partes mantê-la ou não.

Por seu lado, o distribuidor ou qualquer nome ou natureza jurídica que se lhe dê, não importando qual a modalidade de contrato que lhe permite comercializar bens de terceiros (distribuição, representação, agência, franquia), obtém uma posição vantajosa no mercado, pois, em princípio, terá exclusividade sobre determinada região ou goza de benefícios e vantagens para adquirir bens da empresa produtora. Geralmente, o nome do pro-dutor já outorga aos intermediários um patamar de ganhos superior. Sob esse prisma, a moderna empresa cria uma rede de distribuição, nem sempre juridicamente homogênea, cuja finalidade é cobrir uma cidade, uma re-gião, um Estado ou Província, um país ou o exterior. Essa distribuição mais ou menos ampla seria muito custosa e difícil para que o produtor a encetasse com recursos próprios, além de esbarrar em leis de proteção econômica, que proíbem a cartelização ou o truste. Inúmeros outros aspectos devem ser estudados em função desses novos contratos que ora se tipificam no novo Código Civil.

http://www.societario.com.br/demarest/svrepresentacao.html

Agência e Distribuição x Representação Comercialfrancisco Wanderson Pinho dantasdata: 09/09/2004

1. Contratos iguais com nomes diferentes ou contratos diferentes com leis aplicáveis diferentes?

O novo código civil trouxe algumas inovações ao tratar do contrato de agência e distribuição em suas disposições. Isso causou uma divergência na doutrina, sendo que a maior parte dela acredita ser esse contrato, não mencionado no C.C. anterior, o mesmo contrato de representação comercial, disciplinado pela lei 4886/65, enquanto uma minoria defende que se trata de um novo contrato.

Nesta minoria estão Fábio Ulhoa e Venosa, defendendo este último que ao representante, diferentemente do agente, poderia ser dado o poder de concluir os negócios que ele prepara, sendo aplicado, ao ato de conclusão, a le-gislação referente ao contrato de mandato. Contudo, não haveria essa possibilidade para o agente, alertando o autor que se, no contrato de agência, houvesse a incumbência de concluir o negócio, o contrato estaria desnaturado.

Entretanto, esses argumentos não são fortes o suficiente para rebater a outra posição doutrinária, de que o contrato de agência e o de representação são o mesmo contrato com nomes diferentes.

Esse raciocínio, defendido por Humberto Theodoro Jr, Rubens Requião e Felix de Araújo Cintra tem como base o fato de que a definição de representante, dada pela lei 4886/65, lei da representação comercial, é totalmente compatível com a definição de contrato de agência dada pelo código civil.

De acordo com as duas legislações, tanto o agente quanto o representante atuam agenciando propostas e pedidos, à conta de outrem, sem vínculo de dependência e em caráter não eventual.

A única diferença que existe entre as duas referidas legislações é que, na definição de contrato de agência, dada pelo C.C., não há a expressão “negócios mercantis”, existente na definição de representante, dada pela lei de representação comercial. Entretanto, isso se explica pela igualdade que o novo C.C. atribuiu ao negócio civil e ao negócio comercial.

Além disso, outro argumento que é favorável à identidade dos dois contratos baseia-se nas reclamações dou-trinárias feitas em relação ao nome antigo do contrato, “representação comercial”, atribuído pela lei 4886/65. Tal nome não reflete o objeto do contrato, que é o agenciamento de propostas, mas a possibilidade de o terceiro representar quem o contratou na conclusão dos negócios, ou seja, a representação.

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Internacionalmente, o nome “agência” já é consagrado para referir-se ao contrato da lei 4886/65, o que permite visualizar a possibilidade de o legislador do C.C. ter utilizado esse nome para adequar o contrato às influências internacionais.

Destarte, o próprio artigo 721 do C.C. prevê a aplicação no que couber da lei especial para o contrato de agência e distribuição, o que reforça a afirmativa de tratarem as duas leis, a 4886/65 e a 10.406/02 (C.C.), do mesmo contrato.

2. qual é a lei predominante, se for o mesmo contrato?

Apesar de o critério cronológico ter aplicação subsidiária em relação ao da especialidade, o C.C., que traz uma legislação mais nova, porém mais geral, deve ser aplicável de forma predominante, pois ele amplia as garantias do agente, permitindo que a lei 4886/65, nos aspectos mais detalhados, seja também aplicada.

O C.C. já traz disposto no artigo 718 o seu papel de regra geral em relação à lei 4886/65, estabelecendo, para o caso de dispensa sem culpa do agente, a remuneração até então devida, além das indenizações previstas em lei especial.

Em regra, considera-se o C.C. como um microssistema constitucional para o direito privado, tendo as outras leis uma aplicação subsidiária em relação a ele.

3. quais os artigos conflitantes e quais as novidades que o C.C. trouxe para o agente?

O artigo 31 da lei 4886/65 entra em conflito com o artigo 711 do C.C., pois os dois falam a respeito de exclusividade nas zonas, tanto para o agente quanto para o proponente, de modo diverso.

O artigo 31 da lei 4886/65 diz, a princípio, que o representante fará jus à comissão pelos negócios realizados em sua zona, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros, quando prevista no contra-to a exclusividade de zona ou mesmo quando o contrato for omisso a esse respeito (até este ponto, a previsão é a mesma no C.C.). Entretanto, em seu parágrafo único, ele estabelece que na ausência de ajustes expressos, a exclusi-vidade do representante para o representado não se presume. Assim, pode o representante, se não houver proibição contratual, prestar serviços para mais de uma empresa (art. 41), não havendo restrição na lei para as empresas de mesmo gênero.

O C.C., em seu artigo 711, presume, no caso da omissão do contrato, a exclusividade tanto para o agente quanto para o proponente, não podendo o agente prestar serviços a empresas concorrentes. Tal norma veio beneficiar o proponente.

Outra diferença entre a lei 4886/65 e o C.C. diz respeito ao prazo do aviso prévio no caso de denunciação unilateral e injustificada do contrato de agência por tempo indeterminado. A lei de representação comercial estabeleceu no seu artigo 34 a antecedência mínima de 30 dias para o aviso prévio. Entretanto, o novo C.C. veio estabelecendo um prazo maior, de 90 dias, estabelecendo como condição para ocorrer a denúncia o transcurso de um prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente, enquanto a lei de repre-sentação especifica um prazo de 6 meses de vigência do contrato para poder haver a denúncia dele. Tal norma veio em benefício do representante.

4. diferença entre agência e distribuição

A polêmica que surgiu devido ao nome “distribuição” ao lado de “agência”, no novo código, deu-se porque aquele nome já era culturalmente usado para fazer referência a um outro tipo de contrato muito diferente do de agência.

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O contrato de distribuição, que já era conhecido, é uma espécie de contrato de colaboração por interme-diação, através do qual o distribuidor adquire os bens do distribuído e os revende a consumidores, atacadistas ou a qualquer outro.

A distribuição referida no código é tão somente um desdobramento do contrato de agência. Trata-se de uma figura contratual nova, mas não muito diferente do contrato de agência, pois também tem como objeto o agenciamento de propostas para o preponente, mas tem como acréscimo o fato de a coisa a ser vendida para o consumidor estar com o agente.

O agente, nesse caso, não adquire a coisa. Ele simplesmente a detém ou a tem a sua disposição para ser entregue àquele que a adquirir, quando concluído o negócio do preponente.

Desta forma, o contrato de distribuição referido pelo código não é o mesmo contrato de distribuição, espé-cie de contrato de colaboração por intermediação. Este contrato continua atípico, sendo regido pelas normas ge-rais dos contratos, e nele o colaborador revende o produto do distribuído, ganhando os lucros sobre a revenda.

Na distribuição do C.C., em suma um contrato de agência, o distribuidor ganha uma remuneração do distribuído, agindo em nome e no interesse deste.

http://cacbufc.org.br/artigos/verartigo.asp?id=215

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1.15. AulA 16: ANálISE dE CONTRATOS

1.15.1. roteiro de aula

Esta aula será diferente das anteriores. Maria Lúcia nos informa que há uma caixa de contratos que será disponibilizada hoje, mas que não poderemos tirar cópia e nem levá-los para nosso Escritório. Assim, seremos obrigados a analisar os contratos durante a aula. Para agilizar nosso trabalho, nos dividiremos em grupos e cada grupo será responsável pela análise de alguns contratos.

Abaixo, incluímos um quadro com os pontos fundamentais a serem observados em cada contrato. Vale lembrar que esses pontos devem orientar a análise dos contratos, mas não são suficientes por si só. É necessário analisar o contrato como um todo e qualquer outro aspecto que pareça relevante deve ser informado no campo “observações”.

nome do contrato

Contratante

Contratado

data de assinatura

objeto

valor/ Forma de pagamento

Cessão de direitos (É possível?)

vigência do Contrato (ainda está em vigor? Qual é o prazo de vigência?)

Formalidades (obs: está assinado? tem assinatura de duas testemunhas?)

garantias

rescisão Contratual por transferência de Controle e/ou reorganização Societária

(o contrato pode ser rescindido em razão de transferência de controle do contratante? há multa prevista?)

demais hipóteses de rescisão

Foro e lei aplicável

outras observações

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1.16. AulA 17: lICENçA E CESSãO dE mARCAS.

1.16.1. eMentário de teMas

Marcas. Contrato de Licença de Marcas. Contrato de Cessão de Marcas.

1.16.2. biblioGrafia obriGatória

Lei n° 9.279/1996.BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris,

2003, págs. 1.041 a 1.058.SANTA ROSA, Dirceu P. de. A importância da “due diligence” de propriedade intelectual nas fusões e aqui-

sições (Debaixo dos caracóis dos seus cabelos). Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponí-vel em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3006>. Acesso em: 04 ago. 2006. (em anexo).

1.16.3. biblioGrafia CoMPleMentar

BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2003, págs. 797 a 963.

1.16.4. Caso Gerador

Ao analisarmos os contratos que nos foram disponibilizados na aula anterior, deparamo-nos com um con-trato de licença de marcas, segundo o qual o senhor Eduardo Russo permitia que um comerciante do Rio de Janeiro utilizasse a marca do Supermercado Pechincha em suas lojas na cidade maravilhosa. Considerando que nosso cliente pretende expandir seus negócios, inclusive, para o Rio de Janeiro, o que poderíamos recomendar ao nosso cliente?

Conversamos com a equipe de due diligence responsável pela área de propriedade intelectual sobre o con-trato de licença que encontramos, e fomos alertados pela equipe sobre os seguintes aspectos: (i) metade das mar-cas do Supermercado Pechincha estão registradas no INPI e a outra metade ainda está com pedido de registro; (ii) os registros das marcas e os pedidos de registros foram feitos em nome do senhor Eduardo Russo e não em nome da sociedade Pechincha Comércio Varejista Ltda..

Tendo em vista que a marca desempenha papel fundamental no negócio, o que fazer nessa situação? A simples aquisição das quotas da Pechincha Comércio Varejista Ltda. resultaria na transferência da marca para o nosso cliente? Considerando que é o supermercado que efetivamente exerce as atividades relacionadas às marcas, o senhor Renato Russo, sendo pessoa física, poderia ter as marcas do Supermercado Pechincha registradas em seu nome? O que fazer quanto aos registros das marcas e os pedidos de registro?

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1.16.5. roteiro de aula

a) Marcas

Antes de estudarmos os contratos de licença e de cessão de marcas propriamente ditos, vale analisar brevemente o seu objeto: a marca.

Considerada por muitos como uma das mais importantes modalidades da propriedade intelectual, a marca “é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim especí-fico de distinguir a origem dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fáctica depende da presença destes dois requisitos: capacidade de simbolizar, e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunica-ção em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropriabilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco, em face do objeto simbolizado”10.

Os direitos de propriedade intelectual, como a marca, são bens móveis, imóveis ou semoventes?

Para ter proteção jurídica, o proprietário da marca deve registrá-la no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Entretanto, antes mesmo do registro, que pode ser bem demorado, alguns entendem que a partir do depósito da marca no INPI haveria uma expectativa de direito, suscetível de proteção.

O senhor Odin Heiro nos pergunta se terceiros poderiam registrar as marcas (já regis-tradas) do Supermercado Pechincha em outros Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, tendo em vista que a sede do supermercado é em Brasília.

Compreendendo a importância do registro das marcas para o supermercado, o senhor Odin Heiro nos pergunta se há prazo para o registro das marcas e se o registro pode ser extinto.

b) Marcas – Conceito

O artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1998 dispõe que a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade e ao direito de uso exclusivo de marcas e outros signos distintivos.

Neste sentido, foi promulgada a Lei nº 9.279 de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), em vigor desde 15.05.1997, que visa a regular os direitos e obrigações relativos à proprie-dade industrial no Brasil, regulando as normas referentes às marcas, patentes, desenhos industriais e concorrência desleal.

Conforme o artigo 122 da Lei de Propriedade Industrial, marcas são todos os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Esta definição segue os conceitos e princípios previstos nas convenções internacionais, tais como a Convenção de Paris e o TRIPS.

De acordo com o artigo 15.1 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), “poderá constituir marca qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento da-queles de outro empreendimento”.

Com relação à definição de marca, Denis Borges Barbosa11 comenta o que se segue:

10 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2003, pág. 803.

11 BARBOsA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade inte-lectual – Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2003. p. 803.

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(...) marca é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fática depende da existência destes dois requisitos: capacidade de simbolizar, e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropria-bilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco, em face do objeto simbolizado.

Para João da Gama Cerqueira, marca é todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa12.

Embora Carvalho de Mendonça não a defina especificamente, o referido autor enten-de que “a marca de comércio não é, propriamente falando, marca distintiva da mercadoria quanto à origem, é uma marca representativa da atividade mediadora do comerciante e, como a de indústria ou de comércio, também reveladora do trabalho, da capacidade e da probidade de seu titular”13.

Com relação às proibições legais a que se refere o artigo 122, a Lei de Propriedade Industrial elenca, no artigo 124, uma série de situações em que o sinal que não poderá ser registrado marca:

I – brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, pú-blicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;

II – letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

III – expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de cons-ciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração;

IV – designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o regis-tro pela própria entidade ou órgão público;

V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associa-ção com estes sinais distintivos;

VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comu-mente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, naciona-lidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

VII – sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda;VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar

e distintivo;IX – indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que

possa falsamente induzir indicação geográfica;X – sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, quali-

dade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina;XI – reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente adotada para garantia de

padrão de qualquer gênero ou natureza;

12 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade indus-trial, t. I, pp. 365 – 366.

13 mENDONÇA, Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Freitas Basto, 1963.

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XII – reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o disposto no art. 154;

XIII – nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;

XIV – reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula da União, dos Estados, do Distrito Fe-deral, dos Territórios, dos Municípios, ou de país;

XV – nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;

XVI – pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;

XVII – obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito au-toral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular;

XVIII – termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;

XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;

XX – dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva;

XXI – a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;

XXII – objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiro; eXXIII – sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não

poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associa-ção com aquela marca alheia.

C) tipos de Marcas

O artigo 123, por sua vez, diferencia as marcas em três tipos, quais sejam: (i) marcas de produto ou serviço, (ii) marca de certificação e (iii) marca coletiva, definindo-as da forma que se segue:

– Marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, seme-lhante ou afim, de origem diversa;

– Marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com deter-minadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

– Marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma deter-minada entidade.

d) natureza jurídica

Há muita discussão acerca da natureza jurídica dos direito da propriedade industrial, incluindo a natureza jurídica das marcas. Alguns afirmam se tratar de um direito pessoal, equivalente à proteção que se dá aos direi-tos da personalidade de qualquer pessoa. Outros alegam se tratar de bem imaterial, de caráter patrimonial. Há,

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ainda, uma outra corrente que entende ter a propriedade industrial um caráter dualista, ou seja, com elementos pessoais e, também patrimoniais.

No Brasil, há o entendimento de que se trata de uma propriedade imaterial, de cunho incorpóreo. Além disso, faz-se necessário ressaltar que a Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 5º, considerou os direitos da propriedade industrial como bens móveis, para efeitos legais.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, assegurou aos autores de inventos industriais, privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações indus-triais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Embora se tratando de objetos de criação não corpórea, fruto da atividade intelectual do homem, a maioria dos autores afirma que as marcas são consideradas como um direito de propriedade.

Desta forma, entende-se que a marca é definida como direito de propriedade e tal conceito está expresso na Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 129:

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se com o registro validamente expedido, conforma as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (...)

O direito de propriedade é o mais amplo dos direitos reais. “É um direito complexo, se bem que unitário, constituindo num feixe de direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto”14.

Gama Cerqueira acrescenta que “definindo a propriedade como o direito de usar, gozar e dispor dos bens, e de reavê-los de quem injustamente o possua, o Código Civil em-prega a palavra bens, cuja significação é mais lata do que a expressão coisa compreendendo não só as coisas corpóreas, como as incorpóreas”.15

e) função das Marcas

(i) Função Distintiva:No que tange à função das marcas, estas se caracterizam por preencher a função pre-

cípua de distinguir os produtos e serviços aos quais se opõem, de outros produtos ou ser-viços idênticos. De acordo com a autora Maitê Cecília Fabbri Moro16, a função distintiva é considerada a mais relevante pela maioria dos autores, bem como pela legislação atual.

Sobre o assunto, Pontes de Miranda comenta o que se segue:

A marca tem de distinguir, se não o faz, não é sinal distintivo, não assinala o produto, não se lhe podem mencionar elementos característicos. Confundir-se-ia com as outras marcas registradas, ou apenas em uso, antes ou após ela. A distinção da marca há de ser em relação às marcas registradas ou em uso, e em si mesma; porque há marcas a que falta qualquer elemento característico, marcas que são vulgaridades notórias.17

Além da função distintiva da marca, nota-se que há outras funções que a marca tem por finalidade, tais como a função de identificação de origem, a função de garantia da qua-lidade, a função econômica e a função de propaganda.

14 GOmEs, Orlando, Direitos Reais, 10° edição, Ed. Forense, p. 85.

15 CERQUEIRA Gama, “Tratado de Propriedade Industrial”, vol. I, parte I, pg. 147.

16 mORO, matiê Cecília Fabbri. Direito das marcas. são Paulo: Editora revista dos Tribunais. p. 36.

17 mIRANDA, Pontes de .Tratado de Direito Privado, parte espe-cial, Borsoi, 1956, p. 7.

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(ii) Função de identificação de origem:A função de identificação de origem tem o intuito de indicar a origem dos produtos,

permitindo ao titular destes distinguir suas mercadorias ou seus produtos/serviços de ou-tros, idênticos ou semelhantes, de procedência diversa, conforme artigo 123, I da Lei nº 9279/1996.

(iii) Função de garantia de qualidade:Observamos, por conseguinte, a função de garantia da qualidade dos produtos, pois

os consumidores, por meio da identificação da marca de uma empresa, concluirão, de fato, que os produtos têm a mesma origem, possuindo uma qualidade constante.

Segundo Albert Robin, a proteção das marcas é o reconhecimento legal da função psicológica dos símbolos. Se é verdade que vivemos por símbolos, não é menos verdadeiro que por eles compramos mercadorias. A marca é um atrativo de comercialização que induz um comprador a escolher o que quer. O dono da marca explora esta propensão humana fazendo todo esforço para impregnar a atmosfera do mercado com o poder atrativo de um símbolo congenial18.

O poder sugestivo da marca representa indubitavelmente a sua principal função do ponto de vista econômico. A doutrina reconhece esta importância da função econômica, sendo ela imprescindível para o funcionamento do mercado e das empresas em geral.

(iv) Função de Propaganda:Cabe entender que a marca pode ser considerada como qualquer sinal, marca, símbolo

ou palavras, pelo qual o produto é conhecido e distinguido no mercado consumidor. Esta função de propaganda ou publicidade decorre do fato de ser a marca um dos principais veículos de propaganda dos produtos por ela cobertos, servindo para recomendá-lo e para atrair a atenção dos consumidores. A publicidade é o meio pelo qual o público toma conhe-cimento de uma marca.

Por meio da compra dos produtos e satisfazendo os consumidores, presume-se que estes voltem a comprá-los devido ao conhecimento da marca. Esta força atrativa é utilizada para obter, manter e aumentar a clientela, exercendo, com isso, a proteção no sentido de se evitar o enfraquecimento do seu caráter distintivo.

f) aquisição de direitos

A aquisição do direito sobre uma marca depende da legislação de cada país, uma vez que há países que atribuem direitos sobre a marca pelo seu simples uso, e outros que exigem determinadas formalidades de registro para fins de obter o direito sobre uma marca.

O sistema que atribui direito sobre a marca pelo seu simples uso, é considerado como sistema declarativo. Já o sistema em que o direito sobre uma marca somente é reconhecido por meio de registro é o sistema atributivo de direitos, visto que é o registro que atribui a propriedade de uma marca ao interessado.

O sistema misto é o sistema que tem características do sistema declarativo e, tam-bém, do sistema atributivo. Com relação a este sistema misto, Maitê Cecília Fabbri Moro19 comenta que, na prática, verifica-se a predominância de um ou do outro sistema puro, que não prejudica a divisão teórica mencionada acima (sistema atributivo e sistema declarativo).

18 ROBIN Albert, Comparative Advertising: A Skeptical View, in Trademark Reporter, vol. 69, n° 4, agosto de 1997, pg 364.

19 mORO, matiê Cecília Fabbri. ob.cit, 2003, p.53.

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No Brasil, para que uma pessoa física ou jurídica seja titular de uma marca, deve-se fazer o registro da mesma junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI.

O artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial estabelece, em seu artigo 129, que a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposi-ções desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional. Nota-se que este é o sistema atributivo de direitos, onde o registro atribui propriedade sob uma marca. No entanto, este princípio atributivo é excepcionado pelo direito de precedên-cia que será estudado no item a seguir.

Desta forma, pode-se dizer então que, no Brasil, observa-se um sistema misto. Em regra, a aquisição do direito sobre uma marca se faz pelo registro, mas, excepcionalmente, a prova anterior do uso é suficiente (direito de precedência). É, portanto, um sistema misto com predominância do sistema atributivo.20

G) direito de Precedência

O registro de uma marca é concedido àquele que primeiro solicitar o seu registro. Esta é uma regra característica do princípio atributivo para a aquisição do direito marcário, con-forme mencionado acima. No entanto, esta regra é limitada e excepcionada pelo direito de precedência, previsto o artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial. Diz o referido artigo:

Art. 129 (...) § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há

pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produ-to ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

§ 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.

Sobre o assunto, Ricardo Luiz21 comenta o que se segue:

A marca continua sendo adquirida através de um competente registro. Entretanto, em face de um pedido em trâmite, pode ser oposto um direito, pertencente a um determi-nado titular, eventualmente com valor patrimonial, decorrente do uso, de forma regular e de boa-fé, de uma marca, entretanto, desprovida do necessário registro. A esse utente, pro-curou a lei proteger, estabelecendo a possibilidade de impedir o pedido de registro de marca similar, que assinale produto ou serviço idêntico ou afim, não impondo outras obrigações, tão-somente vedando o registro de uma marca que lhe seja similar e que assinale o produto ou serviço idêntico ou afim. As regras de colidência, no caso em espécie, são idênticas àque-las utilizadas quando do conflito entre uma marca registrada e um registro anterior.

É importante mencionar a questão referente ao momento para argüição desse di-reito de precedência, uma vez que a lei é silente sobre o assunto. Muitos indagam sobre a possibilidade de restringir a alegação desse direito de precedência tão somente na fase de oposição ou mesmo após o registro da marca em face do terceiro, argüindo, com isso, um processo administrativo de nulidade, com base no direito de precedência. Para o autor Ricardo Luiz Sichel, por exemplo, a existência dessa precedência vicia um registro

20 mORO, matiê Cecília Fabbri. ob. cit. p. 54.

21 sICHEL, Ricardo Luiz. Palestra: “Direito De Precedência”- Anais do XXI seminário Nacional da Propriedade Intelectual, 2001.

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eventualmente concedido, fato esse ensejador do processo administrativo de nulidade, a teor do artigo 168 da Lei nº 9.279/96.

Com relação à cessão mencionada no parágrafo segundo do artigo 129, segundo Ricar-do Luiz Sichel, a Lei de Propriedade Industrial é silente no tocante à natureza dessa cessão, somente estabelecendo que a mesma dar-se-á concomitantemente com o negócio da empre-sa. Para o autor, trata-se, evidentemente, de uma modalidade de cessão de direitos cujos parâ-metros encontram-se estabelecidos pelo Código Civil, especificamente na parte relacionada a contratos, na medida que uma parte – a cessionária – cede, gratuitamente ou onerosamente, o direito de uso da marca a um terceiro (contratado ou cessionário). Assim, estar-se-ia aven-tando as figuras do contrato de compra e venda, da doação ou da transmissão hereditária.22

H) requerentes do registro

O artigo 128 da Lei de Propriedade Industrial dispõe sobre as pessoas aptas a requerer o registro de uma marca. Segundo este artigo, podem requerer registro de marca as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou de direito privado.

No entanto, o parágrafo único do artigo 128 estabelece uma limitação ao registro por parte das pessoas jurídicas de direito privado, prevendo que as pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente. Desta forma, é necessário que exista perfeita compatibilização entre o ramo de atividade do depositante e os produtos ou serviços reivindicados no pedido de registro.

No que se refere ao registro de marca coletiva, este somente poderá ser requerido por pessoa jurídica representativa de coletividade, a qual poderá exercer atividade distinta da de seus membros.

Com relação ao registro da marca de certificação, este somente poderá ser requerido por pessoa sem interesse comercial ou industrial direto no produto ou serviço atestado.

i) registro e o Princípio da especialidade

Nota-se que a marca é imprescindível para o sucesso de uma empresa, sendo um fator de identificação e valorização no mercado. Ela é incorporada no patrimônio de seus titula-res, chegando a ser o bem mais valioso do patrimônio de uma empresa.

Conforme argumenta Mariana Barbosa, “num mundo altamente competitivo, onde praticamente qualquer categoria de produto, a partir de um certo nível de preço, funciona com a mesma eficiência, a marca é uma das poucas armas que restam às empresas para ga-rantir a lucratividade. Valorizá-la é cada vez mais essencial”23.

Uma marca pode ser tão valiosa quanto o resultado financeiro que ela pode gerar, atraindo consumidores não pelos seus produtos em si, mas pelo seu grau de identificação no mercado. A marca é tida como uma “característica marcante no processo de conquista de mercados e clientes das economias globalizadas”24.

O registro de uma marca é muito importante para a sua proteção, em virtude do ex-plicitado no artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial, o qual prevê que a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme já estudado nesta apostila.

Este registro é realizado por intermédio do Instituto Nacional de Propriedade Indus-trial, que tem por função executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade

22 sICHEL, Ricardo Luiz. ob. cit.

23 BARBOsA, mariana, Quanto Custa o Nome?, Jornal Valor, 16.05.2001.

24 BRANT, Leonardo, Cultura e Investimento Social, site rits.org.br- 22.05.2001.

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industrial, inclusive as normas relativas ao registro de marcas, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica. O INPI é uma autarquia federal criada pela Lei n° 5648, de 11 de Dezembro de 1970, sendo o órgão responsável pela concessão dos registros de marcas, patentes, modelos de utilidade e desenho industrial no Brasil.

O princípio básico que norteia o sistema de concessão de marcas em nosso país é o princípio da especialidade, visando limitar o campo de extensão da proteção marcária de acordo com o segmento mercadológico no qual a mesma se insere.

À luz deste princípio, conclui-se que é possível a convivência de marcas semelhantes no mercado, e até idênticas, por parte de empresas diferentes, sem qualquer vinculação entre si. Este princípio é fundamental para a distinção das marcas e dos nomes de domínio, como se verá a seguir.

Com relação ao princípio da especialidade das marcas, Paul Mathély ensina que:

A regra da especialidade é substancial, uma vez que advém, direta e necessariamente, da natureza e função da marca. De fato, uma marca não consiste num signo apropriado em si mesmo, mas num signo apropriado em função da aplicação a um objeto ou serviço específico, estando nesta relação identificador/identificado, presente a função primordial de distinguir.25

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se afirmando que “a marca deve distin-guir-se suficientemente das já existentes, mas tratando-se de produtos ou indústria diversa, não importa que ela seja idêntica a outra já em uso”.26

De acordo com Maitê Cecília Fabbri Moro27, a regra da especialidade como prin-cípio do direito marcário, influi em toda a sua regulamentação, mas é ressaltada, dentre outros artigos, no artigo 124, inciso XIX, em que se impede “ a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distin-guir ou certificar produtos ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia. Segundo a autora, quando o legislador fala em “produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim”, está limitando o direito de marca no campo de sua especialidade. Esta forma de limitação, pode-se dizer, é a mais justa, pois depende de uma análise caso a caso, no que se analisa a possibilidade de confusão ou associação de marcas.

No entanto, para Gama Cerqueira, o princípio da especialidade não é absoluto, nem neste assunto podem firmar-se regras absolutas, pois se trata sempre de questões de fato, cujas circunstâncias não podem ser desatendidas quando se tem de decidir sobre a novidade das marcas e as possibilidades de confusão. Quando se trata de indústrias ou gêneros de co-mércio inteiramente diversos, a questão da coexistência das marcas idênticas ou semelhantes facilmente se resolve28.

É importante mencionar que o princípio da especialidade sofre algumas exceções no que tange às marcas de alto renome e às marcas notoriamente conhecidas, de acordo com o artigo 125 e 126 respectivamente, da Lei 9.279 de 1996, as quais serão objetos de estudo nas próximas aulas.

j) formas de registro das marcas

As marcas podem ser registradas sob a forma nominativa, mista, figurativa ou tridi-mensional, de acordo com definição abaixo29:

25 mATHÉLY, Paul, Le Noveau Droit Français de Marques, 1994, pg 171.

26 Recurso Especial n° 9.380/ sP, 10.06.1991.

27 mORO, maitê Cecília Fabbri. ob. cit. p.71.

28 CERQUEIRA, José da Gama. ob. cit. vol. I, p. 37.

29 Fonte: www.inpi.gov.br

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

• Nominativa: É constituída por uma ou mais palavras no sentido amplo do alfabeto romano, compreen-dendo, também, os neologismos e as combinações de letras e/ou algarismos romanos e/ou arábicos. (Exemplos: FGV e Coca-Cola)

• Figurativa: É constituída por desenho, imagem, figura ou qualquer forma estilizada de letra e número, isoladamente, bem como dos ideogramas de línguas tais como o japonês, chinês, hebraico etc. Nesta última hipótese, a proteção legal recai sobre o ideograma em si, e não sobre a palavra ou termo que ele representa, ressalvada a hipótese de o requerente indicar no requerimento a palavra ou o termo que o ideograma represen-ta, desde que compreensível por uma parcela significativa do público consumidor, caso em que se interpretará como marca mista. Exemplos:

• Mista: É constituída pela combinação de elementos nominativos e elementos figurativos ou de elementos nominativos, cuja grafia se apresente de forma estilizada.

• Tridimensional: É constituída pela forma plástica (estende-se por forma plástica, a configuração ou a conformação física) de produto ou de embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja dissociada de qualquer efeito técnico. Exemplos:

requerimento a palavra ou o termo que o ideograma representa, desde que

compreensível por uma parcela significativa do público consumidor, caso

em que se interpretará como marca mista.

Exemplos:

Mista: É constituída pela combinação de elementos nominativos e

elementos figurativos ou de elementos nominativos, cuja grafia se

apresente de forma estilizada.

Tridimensional: É constituída pela forma plástica (estende-se por forma

plástica, a configuração ou a conformação física) de produto ou de

embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja

dissociada de qualquer efeito técnico.

requerimento a palavra ou o termo que o ideograma representa, desde que

compreensível por uma parcela significativa do público consumidor, caso

em que se interpretará como marca mista.

Exemplos:

Mista: É constituída pela combinação de elementos nominativos e

elementos figurativos ou de elementos nominativos, cuja grafia se

apresente de forma estilizada.

Tridimensional: É constituída pela forma plástica (estende-se por forma

plástica, a configuração ou a conformação física) de produto ou de

embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja

dissociada de qualquer efeito técnico.

Exemplos:

L) Direito de Prioridade

O artigo 127 da Lei de Propriedade Industrial estabelece que, ao pedido de

registro de marca depositado em país que mantenha acordo com o Brasil ou em

organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será

assegurado direito de prioridade, nos prazos previstos na referida Convenção de

Paris, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses

prazos.

Este princípio do direito da prioridade é previsto no artigo 4º da Convenção da

União de Paris, da qual o Brasil é signatário, como segue abaixo:

A (1) Aquele que tiver devidamente apresentado pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registro de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do s direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.

Segundo a Lei de Propriedade Industrial, a reivindicação da prioridade deverá

feita no ato de depósito, podendo ser suplementada dentro de 60 (sessenta) dias,

por outras prioridades anteriores à data do depósito no Brasil, devendo ser

comprovada por documento hábil da origem, contendo o número, a data e a

reprodução do pedido ou do registro, acompanhado de tradução simples, cujo teor

será de inteira responsabilidade do depositante.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

l) direito de Prioridade

O artigo 127 da Lei de Propriedade Industrial estabelece que, ao pedido de registro de marca depositado em país que mantenha acordo com o Brasil ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será assegurado direito de prioridade, nos prazos previstos na referida Convenção de Paris, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses prazos.

Este princípio do direito da prioridade é previsto no artigo 4º da Convenção da União de Paris, da qual o Brasil é signatário, como segue abaixo:

A (1) Aquele que tiver devidamente apresentado pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registro de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do s direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.

Segundo a Lei de Propriedade Industrial, a reivindicação da prioridade deverá feita no ato de depósito, podendo ser suplementada dentro de 60 (sessenta) dias, por outras prioridades anteriores à data do depósito no Brasil, devendo ser comprovada por documento hábil da origem, contendo o número, a data e a reprodução do pedido ou do registro, acompanhado de tradução simples, cujo teor será de inteira responsabilidade do deposi-tante.

Sobre o prazo para apresentação da reivindicação de prioridade, a Convenção de Paris, em seu artigo 4 (C) dispõe da forma abaixo:

(1) Os prazos de prioridade acima mencionados serão de doze meses para invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio

Cumpre destacar que, se não efetuada por ocasião do depósito, a comprovação da prioridade deverá ocor-

rer em até 4 (quatro) meses, contados do depósito, sob pena de perda da prioridade. Tratando-se de prioridade obtida por cessão, o documento correspondente deverá ser apresentado junto com o próprio documento de prioridade.

M) limitações e Perda de direitos

As limitações aos direito de propriedade das marcas encontram-se discriminadas no artigo 132 da Lei de Propriedade Industrial, o qual discrimina que o titular da marca não poderá:

• impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;

• impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;

• impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu con-sentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; ou

• impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.

Com relação à perda dos direitos marcários, o artigo 142 preceitua que o registro da marca extingue-se: • pela expiração do prazo de vigência; • pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela

marca;

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

• pela caducidade; ou • pela inobservância do disposto no art. 217 da referida Lei, que dispõe sobre a falta

de constituição de procurador no país pela pessoa domiciliada no exterior.O prazo de validade de registro de uma marca é de dez anos, contados a partir da data

de concessão, sendo prorrogável, a pedido do titular, por períodos iguais e sucessivos. Em caso contrário, será extinto o registro e a marca estará, em princípio, disponível.

No tocante à renúncia dos direitos, Pontes de Miranda explica sobre as formalidades da renúncia:

Pode dar-se a renúncia à propriedade industrial, expressa em documento hábil ou o não uso, considerado abandono, com a declaração da caducidade de que cogitam os arts 152-155 do Decreto – Lei 7.90330.

No que tange à caducidade da marca, o artigo 143 da Lei de Propriedade Industrial dispõe o que se segue:

Art. 143 - Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo inte-resse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:

I – o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ouII – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou

se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

Desta forma, o titular do registro de uma marca deve utilizá-la para mantê-la em vigor, sob pena de extinção do registro.

O prazo para início de uso é de 05 (cinco) anos, contados da data da concessão do registro. Uma vez requerida a caducidade da marca, caberá ao detentor do registro provar a sua utilização.

É possível, no entanto, que a caducidade seja concedida apenas parcialmente, de acor-do com o artigo 144 da Lei de Propriedade Industrial:

Art. 144. O uso da marca deverá compreender produtos ou serviços constantes do cer-tificado, sob pena de caducar parcialmente o registro em relação aos não semelhantes ou afins daqueles para os quais a marca foi comprovadamente usada.

Com relação à comprovação de uso, o artigo 145 da Lei de Propriedade Indus-trial dispõe que não se conhecerá do requerimento de caducidade se o uso da marca tiver sido comprovado ou justificado seu desuso em processo anterior, requerido há menos de 5 (cinco) anos. Da decisão que declarar ou denegar a caducidade caberá recurso.

Vale ressaltar, ainda, a questão da cessão dos pedidos de registro ou dos registros de marcas como caso de perda de direitos sobre as mesas.

O artigo 134 estabelece que o pedido de registro e o registro poderão ser cedidos, desde que o cessionário atenda aos requisitos legais para requerer tal registro. Contudo, o artigo 135 da Lei de Propriedade Industrial prevê que a cessão deverá compreender todos os registros ou pedidos, em nome do cedente, de marcas iguais ou semelhantes, relativas a

30 mIRANDA, Pontes de. Tra-tado de direito privado - Parte Especial, Tomo XVII, 4ª ed., são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983, pp. 15-16.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, sob pena de cancelamento dos registros ou arquivamento dos pedidos não cedidos.

Diante do exposto, nota-se que a hipótese de cessão parcial de marcas iguais ou semelhantes relativas a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, leva, também, à perda dos pedidos de registros ou registros que não foram transferidos do cedente ao cessionário.

n) Contrato de licença de Marcas

O registro da marca como o pedido, após publicado e requerido o exame, podem ser objeto de licença.Embora não seja necessária para comprovar a exploração da marca, a averbação no INPI é necessária para

produzir efeitos perante terceiros.Vale notar que a licença só poderá vigorar enquanto o registro da marca estiver em vigor. Se o registro da

marca é extinto, conseqüentemente o contrato de licença perde seu objeto.

o) Contrato de Cessão de Marcas

Qual é a diferença entre o contrato de licença de marcas e o contrato de cessão de marcas?Ao ser consultado pelo nosso cliente quanto à cessão das marcas, o senhor Eduardo Russo fez a seguinte

proposta: cederia os pedidos de registro de marcas para a Pechincha Comércio Varejista Ltda., mas permaneceria com os registros das outras marcas. Você teria algum comentário a essa proposta?

leitura CoMPleMentar:

A importância da “due diligence” de propriedade intelectual nas fusões e aquisições (Debaixo dos caracóis dos seus cabelos) dirceu P. de santa rosaadvogado no rio de janeiro (rj), mestre em direito pela the George Washington university (eua).

Um dia a areia branca / seus pés irão tocare vai molhar seus cabelos / a água azul do marJanelas e portas vão se abrir / prá ver você chegare ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar.Debaixo dos caracóis dos seus cabelosuma história prá contar / de um mundo tão distantedebaixo dos caracóis dos seus cabelosum soluço e a vontade / de ficar mais um instante.Roberto Carlos/Erasmo Carlos

De alguns anos para cá, questões legislativas e judiciais envolvendo aspectos de propriedade intelectual vem se destacando cada vez mais, ganhando considerável espaço no mundo dos negócios e até mesmo nas manchetes dos principais jornais do país. No setor farmacêutico, por exemplo, a disputa entre os Estados Unidos e o Brasil envolvendo as licenças compulsórias e a exigência de fabricação de certos produtos farmacêuticos no território nacional, se tornou tópico de grande importância no noticiário político nacional. Na biotecnologia e na área científica, os pesquisadores brasileiros cada dia mais buscam uma recompensa justa para suas pesquisas, dimen-sionando-as para a concessão de patentes, ao invés apenas do reconhecimento acadêmico.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

Situação semelhante ocorre em outros setores da economia, como nos de telecomunicações, esporte e energia, onde se nota cada vez mais que proteger, desenvolver ou adquirir inovações tecnológicas podem fazer a diferença num mercado globalizado e altamente competitivo. E falando em economia globalizada, o cresci-mento de setores da chamada “nova economia” e o desenvolvimento da internet e do e-commerce valorizou os ativos intangíveis das empresas, e alertou muitas delas para o desenvolvimento de políticas de gerenciamento de propriedade intelectual.

Esta tendência do mundo empresarial também se reflete na economia brasileira. Diversos setores estão sendo totalmente reformulados, tendo em vista uma “avalanche” de fusões e aquisições de empresas brasileira, capitaneada por companhias estrangeiras que desejam se fixar em nosso promissor mercado. Neste cenário glo-balizado, as empresas nacionais se transformaram também em mercadorias, e despertam o interesse de empre-sários que pretendem estender suas atividades ao Brasil por meio de joint ventures, investimentos e operações de compra envolvendo empresas locais.

Operações de fusões, aquisições ou financiamentos são geralmente precedidas de uma criteriosa avaliação da instituição prospectada, visando evitar que passivos ocultos comprometam o negócio. Tais procedimentos são conhecidos como “due diligence”, e as bancas de advocacia que prestam este serviço geralmente dão ênfase à análise dos aspectos societários, trabalhistas e fiscais, que consideram como os principais, relegando outras áreas a um segundo plano.

O objetivo principal deste artigo é desmistificar a idéia, a nosso ver errônea, de que a propriedade inte-lectual é matéria acessória, em se tratando de fusões e aquisições de empresas. Hoje em dia, não é mais possível enxergar o Direito da Propriedade Intelectual como uma área subsidiária, distante do Direito Empresarial mo-derno. Pelo contrário, seu estudo ganha importância na maior parte das operações de fusão ou aquisição, tanto que um descuido na análise de seus aspectos relevantes pode trazer conseqüências desastrosas.

i – a importância da Propriedade intelectual no mundo dos negócios

Os profissionais de propriedade intelectual estão vivendo um momento sui generis. Nunca o meio empre-sarial esteve tão antenado com a necessidade de se proteger devidamente as criações intelectuais e obter lucro destes ativos. O gerenciamento de propriedade intelectual deixou de ser um assunto limitado à seara do especia-lista, e ganhou destaque em setores como a administração de empresas e a gestão estratégica de negócios.

Apenas para melhor ilustrar a afirmação acima, a publicação norte-americana MBA Jungle, direcionada para estudantes e profissionais de administração, recentemente promoveu uma interessante pesquisa entre diver-sos professores de cursos de MBA, administradores e diretores das maiores empresas dos EUA para identificar quais foram os “25 maiores erros corporativos do mundo” (1). Surpreendentemente, dentre os principais erros abordados nesta pesquisa, alguns diretamente relacionados à propriedade intelectual tiveram destaque:

– O fato da produtora de cinema 20th Century Fox não ter se interessado em reter os direitos de licen-ciamento e merchandising de produtos associados ao filme “Guerra nas Estrelas”, bem como de suas possíveis seqüências. Aceitou repassar os mesmos, gratuitamente, ao produtor do filme, George Lucas;

– Em 1981, a IBM, preocupada com acusações de formação de monopólio no setor de computadores, preferiu não adquirir a licença exclusiva do sistema operacional MS-DOS, oferecida por um jovem Bill Gates e desenvolvida por uma pequena empresa chamada Microsoft. Sem exclusividade, a Microsoft ofereceu o referido sistema às concorrentes da IBM, o que possibilitou as bases do seu crescimento, e o declínio da IBM no desen-volvimento de software para computadores pessoais.

– Em 1984, a Apple Computers, após criar o computador pessoal Macintosh (2), decidiu não conceder licenças aos possíveis concorrentes que desejavam fabricar computadores compatíveis, acreditando poder lucrar mais com a exclusividade. Acabou vitima de sua própria ganância, pois enquanto os consumidores adquiriam a preços competitivos computadores baseados na arquitetura dos PCs, desenvolvida pela IBM e licenciada para

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

uma miríade de empresas, a única opção para comprar um Macintosh era por meio da Apple, cujos preços eram bem mais caros. Em pouco mais de uma década, a dominância dos PCs consolidou-se, enquanto só restou para a Apple um nicho do mercado de computadores pessoais (3). E como a arquitetura do sistema operacional gráfico dos Macintosh era realmente inovadora, uma “cópia” do mesmo acabou sendo desenvolvida também para os PCs por uma outra empresa, e levou o nome de “Windows”.

– A Xerox Corporation, durante anos, manteve um centro de pesquisas em Palo Alto, na Califórnia. Nos anos 70, pesquisadores deste centro desenvolveram não apenas a interface gráfica para sistemas operacionais (precursora tanto do sistema Windows como do Macintosh), mas também o mouse, a impressora laser e alguns conceitos básicos sobre redes de computadores (4). Por não terem uma estratégia de pesquisa e desenvolvimento de produtos atrelada à propriedade intelectual, executivos da Xerox preferiram ignorar tais criações, concen-trando seus esforços nas fotocopiadoras que, à época, geravam mais lucro para a empresa. Sendo assim, não se importaram quando os jovens Steve Jobs, da Apple, e Bill Gates, da Microsoft, foram conhecer as tecnologias desenvolvidas pelos pesquisadores da Xerox, que as apresentaram sem qualquer cuidado com confidencialida-de ou patenteamento. Invenções deixadas de lado por não serem lucrativas, mas que se tornaram muitíssimo lucrativas no futuro, nas mãos destas outras empresas para quem eles gentilmente as apresentaram.

A importância que hoje é dada pelos renomados professores de administração de empresas aos fatos acima não é fruto do acaso. Afinal, o desenvolvimento de políticas de gestão de patentes é tema de muitos estudos e livros de negócios (5) que concluem, em um quase uníssono, que a propriedade intelectual assume papel de destaque nos modernos métodos de gestão empresarial. Trata-se do reconhecimento de que a proteção da pro-priedade intelectual precisa, cada vez mais, ser tratada como um ativo estratégico, uma vantagem competitiva para qualquer empresa.

Portanto, nada mais atual que discutir a propriedade intelectual sob um ponto de vista tanto negocial como jurídico, especialmente quando analisamos ramos de negócio cuja atividade principal está baseada na exploração do conhecimento tecnológico e em ativos intangíveis tais como patentes e marcas.

ii- a due diligence no meio empresarial

Apesar de muitos profissionais associarem o termo “due diligence” a procedimentos de auditoria legal e financeira que envolvem fusões, reorganizações societárias, aquisições, e investimentos, pouco se comenta sobre o surgimento desta atividade e os motivos que a tornaram essencial na prática empresarial moderna. Alguns remontam sua origem nos Estados Unidos, mais precisamente após a promulgação do Securities Exchange Act de 1933, e a instituição de regras sobre a responsabilidade de compradores e vendedores na prestação de infor-mações, em procedimentos de aquisição de empresas (6).

Outros autores como LAJOUX e ELSON (7) remontam a origem das “due diligences” a tempos mais anti-gos: Teria sido desenvolvida a partir de um conceito do Direito Romano: “diligentia quam suis rebus” (diligencia de um cidadão em gerenciar suas coisas) que foi trazido para a Common Law e já era adotado em decisões ju-diciais antigas. Porém, o conceito foi melhor depurado após decisões de Cortes norte-americanas, se tornando então aceito no ordenamento jurídico-comercial norte americano.

Independente de suas origens, foi mesmo na prática empresarial que a “due diligence” ganhou forma e se tornou um procedimento comum no mundo inteiro. Uma conseqüência da autonomia da vontade das partes que, fixando livremente certas práticas, criaram este mecanismo que garante ao adquirente ou investidor a pos-sibilidade de realizar uma investigação prévia sobre a empresa a ser adquirida ou que receberá investimentos (e que doravante será denominada “empresa-alvo”). Por isso mesmo, é utilizada nas mais diversas circunstâncias, tanto em operações envolvendo fusões e aquisições de negócios como no planejamento de reestruturações socie-tárias, operações financeiras complexas, processos de privatização de empresas estatais, dentre outros (doravante denominadas de “transação” ou “transações”).

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II-a) O que é, afinal, uma “due diligence” ?Expressão de origem anglo-saxônica, “due diligence”, se traduzida literalmente, significaria “devida cautela

ou diligência” (8). Porém, é difícil trazer uma definição precisa que possa abarcar a amplitude de uma “due dili-gence” jurídica, visto que seu escopo depende inteiramente da transação comercial que a motiva. Mesmo assim, o excelente trabalho de MORI nos traz uma boa definição de “due diligence”, interpretada no contexto jurídico brasileiro: “Atualmente, usa-se a expressão due diligence para definir o que, resumidamente, consiste no procedimento sistemático de revisão e análise de informações e documentos, visando à verificação - sob um escopo predefinindo - da situação de sociedades, estabelecimentos, fundos de comércio ou de parte significativa dos ativos que os compõem” (9)

Embora a “due diligence” tenha surgido para resguardar as partes em litígios pós-compra ou fusão, espe-cialistas como o português CORREA DE SAMPAIO a reconhecem como uma medida de caráter preventivo: “A due diligence é um procedimento de análise levado a cabo normalmente pela compradora com a colaboração da vendedora e tem por finalidade verificar e avaliar a situação das empresas e/ou dos negócios a transaccionar, seja para determinação do real valor das empresas e seus activos, verificação do funcionamento da empresa e do cumprimento das regras legais, avaliação dos riscos inerentes, garantias a prestar, determinação de responsabilidades ou outras, consoante cada caso concreto. Due diligence significa, numa óptica jurídica, o que fazer para verificar que o objecto da operação pode ser transacionado legitima e livremente e apresenta as características e tem o valor que o vendedor lhe atribui, bem como para garantir, tanto quanto possível, o regular cumprimento de obrigações legais ou contratu-almente assumidas, prever riscos e definir a sua partilha pelas partes, definir garantias e evitar eventuais situações de incumprimento” (10).

O processo de “due diligence” não existe como figura jurídica autônoma na legislação pátria. Assim, é me-lhor entendê-la como uma metodologia que, antes de tudo, é fruto da prudência e do bom senso das partes, e não uma obrigação legal. Em poucas palavras, uma “due diligence” é a prova incontestável de que a velha máxima popular “mais vale prevenir que remediar” é verdadeira.

II-b) Os Procedimentos de “due diligence”A realização de uma “due diligence” é uma opção das partes, e pode ser útil em diversos níveis e momentos de

uma negociação ou transação. Via de regra, seu ponto de partida é o período de entendimentos iniciais entre as par-tes e, dependendo do tamanho da transação e das contingências encontradas, pode ser demorada, envolver prazos exíguos e um custo altíssimo para a parte que solicita o serviço (doravante denominada de “encomendante”).

Porém, tais dados geralmente são de conhecimento das partes, a quem cabe acordar os termos e condições nas quais a “due diligence” será desenvolvida. Quanto às conseqüências que decorrerão de seus resultados, geral-mente dependem dos interesses da empresa encomendante do serviço.

Algumas das práticas elencadas abaixo são características nos mais diversos procedimentos de “due diligence”:1.Declaração de intenção do comprador. Esta fase inicial envolve a celebração de um acordo preliminar

de compra (conhecido como “Engagement Letter”) ou uma Carta de Intenções preliminar. É onde são de-terminadas as regras da “due diligence”, por meio de um documento que indica normas e temas estratégicos importantes, tanto para o potencial vendedor como para o comprador, bem como aborda aspectos como confidencialidade (11), direitos de preferência no negócio (12), dentre outros. Sendo um acordo que formata uma negociação que se dará entre as partes, não existe como enumerar com precisão o que deve constar neste docu-mento. O bom senso das partes é o que prevalece. Geralmente uma “Engagement Letter” vem acompanhada da prestação de diversos “Representations and Warranties” por parte do vendedor, uma parte importante de seu conteúdo (13).

2.Envio de “Check List”. Documento que geralmente é preparado pelos advogados contratados para reali-zar a “due diligence”, listando as informações que deverão ser disponibilizadas pela empresa-alvo. Um “check list” pode até mesmo incluir perguntas diretas, e geralmente é entregue aos diretores da empresa-alvo pouco depois da assinatura da “Engagement Letter”;

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3.Fornecimento e/ou obtenção das informações. Após o recebimento do “check list”, inicia-se a fase mais árdua da “due diligence”, que envolve a revisão das informações passadas pela empresa-alvo, bem como a pesqui-sa e coleta de dados complementares. Pode ser efetuado por meio da consulta em bases de dados públicas (como o site do INPI (14)), da análise dos documentos entregues pela empresa-alvo, dentre outros. Os documentos podem ser disponibilizados em local determinado, que no jargão negocial, é conhecido como “data room”, uma opção que garante maiores cuidados quanto ao sigilo e segurança dos documentos (15).

4.Consolidação das informações Após a análise dos dados coletados pelas equipes de advogados, um ex-tenso relatório é preparado, nos moldes solicitados pela contratante do serviço e seguindo os padrões adotados pelos advogados responsáveis.

5.Entrega do relatório final de “due diligence”. Este relatório poderá ser utilizado pelo encomendante diretamente na mesa de negociações, ou ser criteriosamente analisado pelo mesmo ao avaliar a viabilidade da transação. A partir dai, caberá a ambas as partes continuar as negociações até a assinatura de um acordo final.

O objetivo de grande parte das “due diligences” jurídicas pode ser resumido de maneira simples: É como se a missão do advogado fosse “tirar um retrato” da empresa-alvo, avaliando todos os riscos legais inerentes ao seu negócio. E as vantagens deste “retrato” superam em muito qualquer prestação de garantias por parte da em-presa-alvo. Afinal, a identificação e análise de contingências por uma empresa independente, e num momento anterior à conclusão de qualquer transação, favorecem a empresa interessada, permitindo renegociar o preço final, identificar problemas a serem resolvidos após a concretização do negócio, ou mesmo exigir maiores ga-rantias por parte do vendedor. Assim, pode avaliar, no momento certo, se as condições e o preço sugeridos pela empresa-alvo são realmente justos.

O “timing” de uma “due diligence” também é muito importante. Geralmente, a empresa-alvo fará o máxi-mo para que o procedimento seja encerrado com a máxima brevidade, de modo que não implique em um atraso no fechamento do negócio (uma fase também conhecida como “closing”). Do outro lado, o encomendante da “due diligence” quer se precaver o máximo possível, e tentará iniciar os trabalhos antes mesmo de assinar uma eventual carta de intenções (16). Em alguns casos, ele utilizará a “due diligence” até mesmo para ganhar tempo e decidir sobre o negócio, não se importando com a eventual pressa da empresa-alvo. (17)

A abrangência dos seus resultados também é um assunto polêmico. Alguns especialistas entendem que relatórios de “due diligence” devem destacar, impreterivelmente, a análise da situação fiscal e tributária da empresa, uma avaliação de seu passivo processual (inclusive reclamações trabalhistas e processos administrati-vos), bem como examinar as operações financeiras realizadas. A nosso ver, visto que o advogado avalia aspec-tos de um negócio do qual jamais participou diretamente, todas as pendências legais em uma reorganização societária devem ser observadas com a mesma atenção e detalhe. Assim, o bom relatório de “due diligence” deve destacar não só os aspectos relevantes da prática do escritório contratado, mas os da empresa-alvo e de sua indústria, incluindo a análise de todos os ativos importantes da empresa, até mesmo os bens de proprie-dade intelectual.

iii – a due diligence de propriedade intelectual

Num mercado dominado pela informação e tecnologia, a importância de uma companhia está cada vez mais baseada no valor que seus ativos intangíveis podem atingir. Desenvolver, gerenciar e utilizar estrategica-mente estes ativos se tornou matéria fundamental para as empresas verdadeiramente antenadas com o futuro e, mais que nunca, as atenções do meio empresarial estão se voltando para a propriedade intelectual como ferra-menta estratégica para garantir a melhor utilização destes bens intelectuais.

Porém, a preocupação dos empresários e investidores com a propriedade intelectual passa, geralmente, por apenas duas abordagens: Por um lado, existe o dever e o interesse em proteger o maior número de invenções, marcas e outros ativos incorpóreos. De outro, a preocupação em não infringir os direitos de terceiros, e poder

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identificar quem está infringindo os seus. Assim, na maior parte das “due diligence” jurídicas preparadas por ban-cas de advocacia empresarial, os aspectos de propriedade intelectual são abordados de modo raso, tão somente identificando os bens intelectuais existentes e, se possível, avaliando sua situação atual.

O uso de procedimentos mais detalhados para analisar aspectos de propriedade intelectual nas “due dili-gences” não é muito difundido no Brasil. Poucas bancas nacionais estão realmente capacitadas para fazer análises mais criteriosas sobre o assunto, e as auditorias preventivas oferecidas no mercado são, além de muito raras, prestadas por profissionais sem formação técnica e, em alguns casos, até sem o necessário cuidado ético. (18).

Alguns meses atrás, ao noticiar a compra de um tradicional periódico carioca, a mídia especializada em finanças e negócios alardeou com grande surpresa que a maior preocupação do grupo comprador era adquirir apenas a marca do jornal, e que o resto do patrimônio da empresa seria apenas uma “contingência a ser absor-vida”. Os compradores até efetuaram uma cuidadosa análise da situação das principais marcas da empresa-alvo junto ao INPI, inclusive quanto à penhora das mesmas, antes mesmo de iniciar qualquer negociação com os donos do periódico.

Portanto, a “due diligence” de propriedade intelectual não deve ser vista como algo inusitado em diversos procedimentos de fusão ou aquisição. Afinal, não é mais incomum que o principal interesse da empresa com-pradora possa ser adquirir marcas que lhe garantam uma fatia do “market share”, ou invenções patenteadas que lhe possibilitariam fabricar um produto ou melhor desenvolver determinada tecnologia.

III-a) Fundamentos das “due diligences” de propriedade intelectualComo já vimos anteriormente, uma “due diligence” envolve a identificação e análise dos ativos de proprie-

dade intelectual da empresa-alvo de uma fusão, aquisição ou outro tipo de negociação. E no âmbito da proprie-dade intelectual, tal procedimento tem como base quatro questões-chaves:

1. Qual o tamanho e a força do portfolio de propriedade intelectual da empresa-alvo?2. Quais são as possíveis contingências envolvendo este portfolio que podem gerar riscos, tanto para o bom

andamento do negócio como para o comprador?3. É possível identificar se a empresa-alvo tem uma política de proteção dos seus ativos intangíveis? A em-

presa-alvo protege devidamente seus ativos intelectuais?4. A empresa-alvo utiliza tecnologias, marcas e/ou programas de computador licenciados de terceiros? Em

que situação legal encontra-se tais licenças? São elas fundamentais para o desenvolvimento do negócio?Dependendo do cliente e de seus objetivos, é claro que uma “due diligence” pode enfatizar alguns aspectos

específicos: Porém, na fase de Declaração de Intenções do comprador, e na celebração de acordos preliminares, é crucial ter em mente os pontos acima, pois não é interessante que as regras de uma “due diligence” criem entraves complexos que impeçam a realização do trabalho.

III-b) Identificando ativos de propriedade intelectualNuma “due diligence” de propriedade intelectual, o processo de identificação de ativos e análise de sua

situação legal (que se inicia a partir da preparação e do envio do “check list” ou da abertura do “data room”) não é diferente do que ocorre em quaisquer outras “due diligences” legais. Os métodos para a obtenção destas informações também envolvem a compilação e análise de documentos complexos, bem como o uso de todos os métodos lícitos e acordados pelas partes para a obtenção de dados.

Dentre estes possíveis recursos, destacamos:– Solicitação direta à empresa-alvo de cópias de documentos de patentes, no Brasil e no exterior;– Solicitação de cópias de certificados de registro de marca, no Brasil e no exterior, bem como cópias de

pedidos de registro de marca;– Obtenção de informações sobre registros declaratórios de direito autoral e de programas de compu-

tador;

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

– Obtenção de cópias de contratos envolvendo licenças de uso de software e quaisquer outros bens inte-lectuais;

– Consultas nas bases de dados (nacionais e internacionais) de propriedade intelectual, tais como a do INPI (19).

– Compilação e obtenção de informações subjetivas sobre políticas de proteção dos ativos intelectuais da empresa-alvo;

Em nossa prática, reconhecemos que é nesta fase onde aparecem alguns dos entraves mais complexos de uma “due diligence”. Isto porque, na obtenção e compilação de dados, muitas vezes descobrimos empresas que nunca organizaram ou gerenciaram de modo sistemático seus ativos de propriedade intelectual. Ademais, em algumas situações a empresa-alvo sequer obteve registros de marca ou patente, e utiliza indiscriminadamente seus ativos intelectuais sem o mínimo cuidado com a proteção dos mesmos.

Assim, é importante que a fase de reconhecimento dos ativos seja conduzida, sempre que possível, do modo mais direto e com o apoio irrestrito da empresa-alvo. Nas “due diligences” em que existe a possibilidade de se requerer documentos diretamente à empresa-alvo, convém deixar a cargo do advogado a preparação das listagens dos dados a serem solicitados e analisados.

As informações obtidas devem ser organizadas e separadas pelo seu nível de importância para o encomen-dante do relatório final, e os dados disponibilizados no “data room” ou fornecidos pela empresa-alvo sobre cada ativo intelectual devem ser revisados e confirmados. O mesmo procedimento preventivo deve ser adotado na coleta de quaisquer informações subjetivas, pois a empresa-alvo pode acabar omitindo, por má-fé ou puro des-conhecimento, dados vitais sobre a existência de problemas envolvendo seu patrimônio intelectual.

A identificação de ativos também pode ser realizada mediante entrevistas a diretores, técnicos e especialistas da própria empresa-alvo. Este recurso complementar pode ser muito eficiente para identificar práticas e procedi-mentos utilizados pela empresa-alvo para a proteção de seu patrimônio intelectual, e que nem sempre são facil-mente identificáveis. Uma consulta formal aos agentes de propriedade industrial da empresa-alvo, se autorizada, também pode significar uma redução do tempo a ser dispensado na coleta de dados e informações.

III-c) Elaborando o relatório finalConsiderada por muitos como a fase mais interessante de uma “due diligence”, após a fase investigativa

inicia-se a elaboração do relatório final, onde o resultado das pesquisas de ativos é devidamente analisado. (20) Quase sempre cabe aos advogados mais experientes, com bastante conhecimento específico da área, e envolve as questões eminentemente jurídicas do trabalho.

Nesta fase, já não é imprescindível um entendimento genérico da transação que motivou a “due diligen-ce”. O diferencial é saber analisar os dados disponíveis e identificar quais devem figurar no relatório final e com que ênfase, levando em conta a importância que o encomendante do relatório dará para cada aspecto de propriedade intelectual da transação (21). Ademais, não menos importante é tecer as necessárias considerações sobre todas as contingências identificadas na análise do relatório, em alguns casos até propondo soluções emergenciais.

iV – analisando tópicos específicos em uma due diligence de propriedade industrial

Como vimos acima, o relatório final é a fase em que as informações compiladas são analisadas, em vista do interesse do encomendante e das contingências encontradas. Procuraremos nos fixar a seguir nos tópicos que, a nosso ver, são essenciais em qualquer “due diligence” de propriedade intelectual (22). Para efeito de metodologia, e como “cada caso é um caso”, os pontos abaixo foram divididos e abordados de maneira resumida e modo exemplificativo.

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IV-a) Marcas e nomes comerciaisNos termos do artigo 122 da Lei nº 9.279/1996, que regula a propriedade industrial no Brasil, dispõe

que é registrável como marca todo e qualquer sinal distintivo visualmente perceptível, que permita distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins, de origem diversa.

Quando a empresa-alvo é titular de signos altamente reconhecidos no mercado, ou obteve, por meio de terceiros, direitos de uso sobre os mesmos, um dos aspectos mais importantes da “due diligence” é realizar uma análise integral do seu portfolio de marcas. Para tanto, um exame detalhado da situação atual de cada registro e/ou pedido de registro em nome da empresa-alvo, no Brasil e no exterior, é o passo inicial. A existência de opo-sições, pedidos indeferidos e recursos também deve ser pesquisada e abordada, sempre que necessário.

Outro tópico importante é verificar, se possível, se as marcas registradas estão em uso regular no seu terri-tório de validade (o que evita riscos de caducidade (23)) e se as taxas de registro e prorrogação estão sendo pagas tempestivamente, para que o encomendante possa não apenas se precaver, mas até mesmo definir quais marcas serão mantidas ou abandonadas. Quanto ao nome comercial, uma análise de pesquisas na Junta Comercial dos estados onde a empresa-alvo está estabelecida, tem filiais ou realiza negócios, é altamente recomendável.

Tópicos adicionais que podem fazer parte de um relatório detalhado incluem ainda uma avaliação dos procedimentos adotados pela empresa-alvo para evitar o uso indevido de suas marcas por terceiros, dados sobre o real valor de mercado dos signos principais da empresa (uma avaliação que é geralmente efetuada por espe-cialistas no assunto (24)). Porém, admitimos que estes temas são mais pertinentes numa auditoria de propriedade intelectual.

IV-b) PatentesQuando a empresa-alvo tem entre suas atividades a pesquisa e o uso de tecnologia em seus principais

produtos e serviços, uma parcela significativa do relatório final deve cuidar do portfolio de patentes. A patente é, numa definição breve, um título de propriedade outorgado pelo Estado, por força de lei e em caráter tempo-rário, a um inventor, para que este possa excluir terceiros de certos atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização ou importação, sem sua prévia autorização (25). Análises semelhantes também podem ser efetuadas com relação a modelos de utilidade e desenhos industriais.

A “due diligence” jurídica de patentes deve, então, enfatizar a verificação da situação atual de cada uma das patentes depositadas e/ou concedidas à empresa-alvo, bem como analisar se o pagamento das anuidades e outras taxas para a manutenção de cada patente está ocorrendo dentro dos prazos legais (26). Outros tópicos podem in-cluir a titularidade dos direitos patentários e os termos de cessão de cada patente por seus respectivos inventores.

Porém, é importante estudarmos o momento no qual uma análise técnica deve complementar o trabalho do advogado. Um exame mais detalhado de um portfolio de patentes deve ser realizado por profissionais especia-lizados, com sólida formação técnica na área de atuação da empresa-alvo. O escopo de uma patente importante na área química, por exemplo, deve ser examinado por um especialista na área, habilitado em propriedade inte-lectual, e capaz de um parecer técnico sobre a possibilidade de utilizar dita patente contra um concorrente, ou mesmo verificar sua forca perante tecnologias já existentes e/ou patenteadas. E este tipo de avaliação só pode ser realizado por meio do exame técnico do teor das reivindicações, com base no relatório descritivo.

IV-c) Bens sujeitos à proteção autoralTema altamente complexo em qualquer “due diligence”, o direito autoral é um exemplo típico de proprie-

dade imaterial. Este instituto visa proteger todo tipo de criações intelectuais do espírito humano, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que venha a ser inventado. Em países que adotam o sistema de “copyright” (27), é habitual a utilização de obras autorais como objeto de negociação ou garantia colateral para pagamento de dívidas e captação de fundos. Astros como David Bowie e James Brown já utilizaram seu repertório com esta finalidade, e as disputas envolvendo Michael Jackson e a Sony

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Music, sobre os direitos de edição do repertório do grupo The Beatles (que dispensa qualquer apresentação), en-volvem milhões de dólares, um valioso investimento para qualquer empresa (28). Daí a importância da abordagem especializada de questões autorais em “due diligence” de propriedade intelectual.

Tendo em vista a natureza incorpórea do direito autoral e que praticamente qualquer trabalho intelectual pode ser objeto de sua proteção, é quase impossível que a empresa-alvo consiga, para uma “due diligence”, listar todos os textos e obras de natureza intelectual que esteja autorizada a utilizar em vista das circunstâncias espe-cíficas de seu negócio. O ideal é verificar, se possível, quais obras autorais são importantes para a natureza do negócio da empresa-alvo, em vista de seu escopo de atividades.

E partindo destas informações, bem como do material disponibilizado pela empresa-alvo, inicia-se o re-latório analisando se as obras mais importantes estão devidamente resguardadas. Em alguns casos, como nas empresas de desenvolvimento de software, a verificação minuciosa deste assunto é imprescindível, em vista da caracterização dos programas de computador como obras autorais perante a legislação brasileira (29).

É importante lembrar ainda que, mesmo que o registro da obra intelectual não seja pré-requisito para garantir sua proteção, o relatório deve indicar se a empresa-alvo tem como prática identificar devidamente os autores de obras intelectuais (e se guarda em seus arquivos estas informações), celebrar termos de cessão de direi-tos patrimoniais com os autores, bem como auxiliar no registro das obras intelectuais mais relevantes junto aos órgãos competentes (30). São poucas as companhias que solicitam a todos os seus funcionários criadores de obras intelectuais que assinem termos específicos de cessão, e este risco deve ser bem avaliado (31).

IV-d) Segredos de negócio e “know-how”Outra preocupação que afeta muitos procedimentos de “due diligence”, especialmente nas empresas que

lidam com desenvolvimento de tecnologia, é a proteção de certos tipos de informações e práticas comerciais que, passíveis ou não de proteção por meio de direitos de propriedade intelectual, são tão críticas para o negócio da empresa-alvo que é necessário mantê-las em rigoroso sigilo.

A rigor, não existe uma definição na lei brasileira do que seja um “segredo de negócio”. Mas autores como SILVEIRA o especificam com precisão: “O segredo de negócio consiste em conhecimentos técnicos, experiências, fór-mulas, processos de fabricação, métodos, listas e informações de clientes, técnicas de comercialização, marketing, custos, formação de preços e outras espécies de dados confidenciais relativos ao desempenho de atividades empresariais. Em todos os casos, tratar-se-á de um elemento incorpóreo sigiloso suscetível de aplicação prática que confere uma vantagem competitiva a seu detentor enquanto de conhecimento restrito, motivo pelo qual devem ser adotadas medidas protetivas contra a sua revelação” (32)

Em uma “due diligence” de propriedade intelectual, nossa experiência mostra que informações tratadas pela empresa-alvo como segredos de negócio dificilmente são fornecidas aos advogados da encomendante, mesmo que os mais rígidos acordos de confidencialidade sejam celebrados entre as partes. Existe sempre um risco de contaminação tecnológica que nem todos preferem correr e que, como advogados, devemos respeitar.

Porém, o fato do profissional de “due diligence” não ter acesso ao segredo de negocio não deve ser um óbice para que ele analise se o mesmo existe, e como é protegido pela empresa-alvo. Se não é possível identificá-los, o relatório final deve abordar se os segredos comerciais estão devidamente protegidos e se não existe risco de que sejam divulgados ou perdidos caso a empresa-alvo sofra mudanças, ou que seus funcionários-chave a abandonem. O relatório pode também enfatizar se vale ou não a pena buscar uma proteção mais segura para esta tecnologia (por meio do seu patenteamento, por exemplo), em vista de quaisquer riscos de vazamento da informação.

III-e) Analisando contratos de licença e outros acordosJuntamente com a análise do patrimônio intelectual pertencente à empresa-alvo, é importante também

examinar a existência de contingências envolvendo ativos intelectuais licenciados de terceiros, ou para terceiros. A interrupção de um importante contrato de licenciamento de patente ou tecnologia em vista de uma reorganização

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societária da empresa-alvo, por exemplo, pode deixá-la em situação desfavorável e, em alguns casos, ser crucial para que uma transação não se concretize.

Considerando que os contratos a serem destacados no relatório final serão aqueles mais pertinentes ao negócio da empresa-alvo, um tópico específico de qualquer “due diligence” de propriedade intelectual deve abordar este tema, e alguns dos contratos que geralmente são examinados incluem:

– Todos os acordos de licenciamento de marcas, patentes, nomes comerciais e/ou obras intelectuais de natureza autoral em que a empresa-alvo tenha participado, quer como licenciado ou licenciante;

– Contratos que envolvam transferência de tecnologia, nos quais a empresa-alvo seja a licenciadora, com especial atenção aos casos nos quais esteja licenciando tecnologias que também utiliza em seus produtos ou ser-viços para empresas que atuam no mesmo mercado;

– Acordos que envolvam transferência de tecnologia, nos quais a empresa-alvo seja a licenciada, com aten-ção aos casos nos quais a empresa-alvo esteja obtendo licenças cujo objeto é essencial para a continuidade de seu negócio;

– Contratos que objetivam a aquisição de conhecimentos e de técnicas não amparadas por direitos de propriedade industrial, depositados ou concedidos no Brasil.

No curso da revisão de todos estes acordos, o trabalho do profissional de “due diligence” acaba ensejando a leitura de inúmeros contratos preparados por outros advogados, em circunstâncias totalmente diferentes das que norteiam a análise encomendada. Tendo em vista que a negociação de cada contrato analisado certamente teve suas particularidades, é sempre importante lembrar que o objetivo de uma “due diligence” não deve ser ava-liar a qualidade técnica das cláusulas de cada acordo ou criticar o trabalho de algum colega, mas sim verificar e destacar as disposições contratuais que possam afetar a transação, tais como:

– Confirmar se todos os acordos examinados permanecem em vigor e, se possível, que nenhuma das partes está em flagrante violação dos termos e condições de cada um dos mesmos. Assim, é necessário identificar qualquer contrato que gere perdas significativas, ou cujas obrigações não estejam sendo cumpridas pela empresa-alvo.

– Verificar se as obrigações de ambas as partes podem ser transferidas para outra empresa ou serem subli-cenciadas, e se é necessária aprovação da outra parte para que isto ocorra. Contratos de maior importância con-têm, muito freqüentemente, demandas que precisam ser atendidas mesmo em caso de transferência de controle acionário, por exemplo.

– Identificar riscos negociais, desde compromissos mínimos de produção, cláusulas de exclusividade e direitos de preferência até mesmo opções de renegociação ou rescisão do contrato, com especial atenção a quais-quer limitações de responsabilidade ou garantias excessivas estabelecidas contratualmente.

É claro que a profundidade da análise dos contratos que envolvem bens intelectuais depende do in-teresse da encomendante e, muitas vezes, da boa vontade da empresa-alvo em ceder tais documentos. Em alguns casos, é necessária atenção redobrada ao interpretar cláusulas duvidosas e ambíguas de contratos cujo objeto é vital para o negócio da empresa-alvo (33). Em outros, é preciso investigar se, nos contratos com fornecedores de tecnologia, o licenciante garantiu contratualmente desde a atualização da tecnologia licenciada até que o fornecimento da mesma não será encerrado caso a empresa-alvo sofra alguma reorga-nização societária.

Também entendemos ser necessário identificar quais destes contratos necessitam de averbação junto ao INPI e, se tal averbação não ocorreu, indicar se os procedimentos necessários para fazê-lo ainda podem ser devidamente efetuados pela empresa-alvo (34). Lembrando que nem todos os contratos que envolvem a exploração de ativos intelectuais precisam de averbação, (35) mas, quando envolvem o licenciamento de ativos intelectuais do exterior e prevêem o pagamento de royalties, é imperativo examinar se a remessa das respecti-vas divisas está sendo realizada de modo legítimo, por intermédio do Banco Central, e nos termos da Lei nº 4.131/1962.

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IV-f ) Analisando pendências judiciais de propriedade industrialUm outro assunto que pode ser abordado é a situação das pendências judiciais envolvendo marcas, paten-

tes e quaisquer outros ativos de propriedade intelectual da empresa-alvo. Numa “due diligence” jurídica mais ampla, dita verificação seria provavelmente feita pelos advogados que analisam os aspectos do contencioso da empresa-alvo. Eles avaliariam de forma genérica cada litígio, identificando o tipo de ação, o foro competente, sua situação atual e se existe risco de pagamento de indenização pela empresa-alvo.

As fontes principais para a coleta destes dados são as certidões forenses e de protestos emitidas em nome do negócio (e de suas filiais), mostrando as ações judiciais nas quais a empresa-alvo está envolvida, como autora ou ré, bem como informações prestadas por seus próprios advogados a respeito de litígios nos quais a empresa participa e emitidas por todos os distribuidores que a jurisdicionam. Convêm lembrar que a ocorrência reiterada de processos semelhantes envolvendo a empresa-alvo, provavelmente pode indicar algum procedimento de risco adotado pela mesma e, por isso mesmo, passível de uma revisão ainda mais detalhada.

Vi- Conclusão

No mercado de fusões e aquisições, é sempre recomendável uma profunda investigação em todos os aspec-tos jurídicos de uma companhia objeto de qualquer modalidade de aquisição, fusão ou incorporação, antes de se fechar qualquer negócio, com o objetivo de demonstrar à empresa interessada quais as contingências legais existentes e avaliar os riscos da transação. Uma “due diligence” bem feita proporciona ao encomendante um valioso panorama de todos os aspectos legais da empresa-alvo.

E na propriedade intelectual, isto não é diferente. A prática internacional tem demonstrado que adotar uma metodologia para a pesquisa e análise dos ativos intelectuais de uma empresa, é o método mais eficiente não somente para identificar contingências, mas também buscar soluções que evitem ou minimizem quaisquer riscos para o ativo intelectual da empresa. Os dados coletados por meio deste exame podem ser úteis até para fixar o valor patrimonial de marcas e patentes de uma empresa, ou mesmo avaliar como está sendo feito o ge-renciamento de sua propriedade intelectual.

Mostramos que a metodologia das “due diligences” jurídicas é uma ferramenta que, se bem adaptada, pode valorizar em muito o trabalho dos profissionais de propriedade intelectual no meio empresarial. Porém, para al-cançar este objetivo, é necessária uma conscientização, mas também é necessário que, nos grandes escritórios de advocacia empresarial, a área atue em harmonia com outros setores. Debaixo dos caracóis dos cabelos das “due diligences”, nosso estudo encontrou não apenas os subsídios que confirmam uma nova realidade da propriedade intelectual nas fusões e aquisições, mas também um caminho quase inexplorado no estudo do planejamento e gerenciamento de propriedade intelectual.

notas

1. The 25 Dumbest Business Decisions of All Time, MBA Jungle, May 2001.2. Cujo sistema operacional gráfico era altamente inovador e eficiente se comparado à concorrência da

época, o MS-DOS, citado acima.3. Em situação semelhante que não foi listada no artigo ora citado, mas merece nossa ressalva, a Sony Corpo-

ration se recusou a licenciar para terceiros as patentes para a fabricação de aparelhos de videocassete com o sistema Betamax. Ao mesmo tempo a Japan Victor Company – JVC licenciava gratuitamente a tecnologia para o sistema VHS e, com esta tática, conseguiu que sua criação se tornasse o padrão do mercado de aparelhos de videocassete.

4. Não seria tolice afirmar que os pesquisadores do Palo Alto Research Center, ou PARC, não apenas de-senvolveram o embrião do computador de hoje como auxiliaram em estudos que levariam a nossa concepção atual de internet e a interligação de computadores por rede.

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5. Dentre os livros importantes sobre o assunto, voltados para administradores, destacamos: SULLIVAN, Patrick, Profiting from Intellectual Capital, 1a. Ed., John Wiley & Sons, 1998.

6. Algumas destas regras surgiram para por ordem em uma situação que se tornou comum nos tempos da depressão norte-americana e da quebra da Bolsa de Nova Iorque: Como lembra SAVAGE, dentro do processo de venda de uma empresa, empresários espertalhões deliberadamente não informavam os possíveis compradores sobre a existência de dívidas, penhora de bens ou outras obrigações, e muitas vezes apresentavam documenta-ção falsa ou incorreta. Deste modo, todo comprador sempre corria o risco de adquirir “gato por lebre”. Assim, passou a constar na Section 11(b)(3) do Securities Act de 1933 “participants had, after reasonable investigation, reasonable ground to believe and did believe” that the offering materials were accurate and were free of material omissions” em SAVAGE, Diane; Intellectual Property Due Diligence In Acquisitions of Technology Companies, disponibilizado em www.fenwick.com (visitado em 18 de novembro de 2001).

7. LAJOUX, Alexandra & ELSON, Charles, The Art of M&A Due Diligence, ed. Mc.Graw Hill, 2000.8. Nossa conclusão parte da tradução simples das palavras da língua inglesa due (devida, em português) e

diligence (diligência, cautela).9. MORI, Alberto, Afinal o que é o due diligence? Disclosure Das Transações Financeiras - Outubro 2001.10. CORRÊA DE SAMPAIO, José Maria, Como reduzir os riscos de uma aquisição, fusão ou financiamento

de uma empresa através de uma Due Diligence, disponível em http://www.pacsa.pt/main_4.htm (visitado em 01 de abril de 2002).

11. A execução de um acordo de confidencialidade específico é também um dos primeiros passos que pode ser tomado no início de qualquer procedimento de “due diligence”. Após a fase de discussões e negociações pre-liminares, não é recomendável ir adiante sem que esta questão esteja devidamente acordada entre as partes, em especial se ambas são competidoras.

12. Assim, antes do início de qualquer “due diligence”, é preciso lembrar que o relacionamento entre a empresa-alvo, o comprador e os advogados que realizam o serviço deve ser cercado de todo cuidado ético e pro-fissional. A celebração de extensos acordos de confidencialidade na fase das “Engagement Letter” ou “Represen-tations and warranties”, que incluem garantias como a de que as partes comprometem-se a não aceitar nenhuma outra oferta, seja ela de compra ou de venda, é um exemplo destes cuidados que, em se tratando de propriedade intelectual merecem destaque. Deste princípio resulta que é às partes que cabe acordar os termos em que a due diligence será desenvolvida, bem como a definição das conseqüências que decorrerão dos resultados que vierem a ser apurados.

13. MORI, op.cit. 15, define bem o papel dos “representations and warranties” : “Na área jurídica, sempre que o due diligence for provocado por uma transação entre partes não-relacionadas (aquisição ou joint aventure por exemplo), estas geralmente prestam o que se costuma chamar de representations and warranlies ou declarações e garan-tias - como se costumou traduzir estas expressões. Consiste nas afirmações expressas em contrato pelas partes, no que diz respeito à situação legal do negócio, na sua própria situação, e no que mais for pertinente à transação que pretendem fechar. Juntamente com as cláusulas contratuais que disciplinam as indenizações a serem efetuadas por uma parte à outra (por passivos ocultos, por exemplo), as declarações e garantias podem ser vistas como um retrato do negócio a ser concretizado. Por isso, uma das finalidades das informações obtidas no due diligence na área jurídica é revisar as representations and warranlies, corrigindo-se assertivas incorretas.”

14. www.inpi.gov.br – A sigla INPI significa Instituto Nacional da Propriedade Industrial.15. Para assegurar o acesso de todos os interessados a um mesmo volume de informações, a empresa-alvo

pode abrir um “data room”, ou seja, uma sala contendo todos os dados que se quer mostrar aos possíveis adqui-rentes, para prepararem suas respectivas propostas de preço. A confidencialidade destes “data rooms” é, por vezes, e motivo de situações inusitadas. Certa vez, em vista da perda de um documento importante, o Autor e todos os advogados que estavam no data room passaram pelo constrangimento de serem colocados em cárcere privado e brutalmente revistados por seguranças de uma empresa, que solicitaram até mesmo que alguns advogados

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tirassem a roupa e se perfilassem contra a parede. Soube-se depois que o documento havia sido roubado por um estagiário de um escritório de advocacia.

16. Sobre o uso da carta de intenções na fase iniciai de uma due diligence, e suas vantagens sobre a Enga-gement Letter, merece destaque o comentário de WARVIAS: “The main advantages of a letter or intent are that (i) issues that could be “deal breakers” can be identified early in the negotiation process before substantial expenses are incurred in a due diligence review and the drafting of a definitive agreement, and (ii) resolution of the principal terms of the transaction at an early stage can make the negotiation of the definitive agreement more focused and strai-ghtforward. While letters of intent are relatively common, attorneys may often disagree regarding the desirability of a letter of intent in a particular situation. For example, many attorneys believe that a letter of intent is generally more advantageous to a buyer than a seller. In the case of a smaller deal, the costs of preparing, negotiating and revising a letter of intent can be substantial in comparison to the size of the deal and the overall transaction costs. A letter of intent may burden the parties’ negotiations with too may difficult issues too early in the process and may impair, or even halt, a deal’s momentum. In some situations, a court may find that provisions of a letter of intent that one of the parties considered to be non-binding are binding. Nevertheless, many buyers and sellers prefer a letter of intent as a method of “testing the waters” for the likelihood that a definitive agreement can be reached, before proceeding with the time commitments and costs of negotiating a definitive agreement, or before allowing a detailed due diligence investigation to begin. Conversely, certain problems may never be discovered during due diligence and can only be addressed through adequate representations and warranties (e.g., a claim of patent infringement that is brought six months after the closing)”. LETTERS OF INTENT IN THE ACQUISITION OR SALE OF THE PRIVATELY HELD COMPANY, Maryann A. Waryjas, 2001, Practising Law Institute, Corporate Law and Practice Course Handbook Series, September 2001.

17. Se a conclusão da “due diligence” não for uma condição para o fechamento do negócio, lembre-se que as contingências descobertas pelo encomendante no decorrer do procedimento nem sempre poderão ser utili-zadas como justificativa para a recusa ou cancelamento do negócio, a não ser caso esta contingência tenha sido prevista nas Declarações de Intenção.

18. Por razões éticas, é importante lembrar que o trabalho do profissional do Direito numa “due diligence” deve estar focalizado na coleta das informações fornecidas pela empresa que está sendo analisada, ou nos dados obtidos em bases públicas de dados.

19. O site do INPI é a principal fonte para consultas sobre a situação de marcas e patentes no Brasil. Po-rém, não é uma base de dados totalmente atualizada e 100% confiável. Pedidos de registro recém depositados geralmente não estão incluídos nesta base de dados, o que nos leva a crer que as buscas eletrônicas no Brasil são limitadas e não devem ser utilizadas em substituição da inspeção física dos documentos de patentes, marcas e afins.

20. Alguns aspectos importantes na elaboração de um relatório final são também abordados por DAHL : “The due diligence report summarizes the findings regarding the intellectual property rights, applications, ownership, the scope of protection, any issues of validity which have arisen, and any other questions regarding litigation or prior art. The report will also (normally in a separate section) identify significant other patents, trademarks, or copyrights in the field and recommend what action needs to be taken -- in terms of re-negotiating the deal, agreeing to a license with a third party or threatening litigation. The report allows the best-quality information to be factored-in and if necessary enables the acquirer to use a discount rate reflecting the risk. For many acquiring companies, it can be the crucial document determining whether the deal goes ahead -- and at what price. And it can be important for the ad-viser, too: if significant issues are omitted through counsel’s negligence, the firm could face a malpractice suit.” DAHL, Christopher T “Intellectual Property Due Diligences”, Lucash, Gesmer & Updegrove, LLP, 2000.

21. Apesar de ser sempre recomendável efetuar uma “due diligence completa” dos aspectos de propriedade intelectual, lembramos que a própria parte interessada pode, muitas vezes, dispensar a análise de determinadas áreas por achá-las irrelevantes, com base nos mais diversos critérios - às vezes puramente subjetivos. Tal decisão, é

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claro, deve ser respeitada, e cabe ao advogado apenas alertar no relatório que a “due diligence” só abordou alguns assuntos, conforme instruções da encomendante.

22. Tendo em vista que este artigo é voltado eminentemente para os profissionais que atuam na proprie-dade intelectual, não iremos detalhar aspectos gerais do direito patentário, prazos legais que envolvem o registro de marca, dentre outros. Alguns livros que podem proporcionar uma visão mais detalhada sobre estes assuntos, incluem: CERQUEIRA, João de Gama, Tratado Da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1946, OLI-VEIRA, M. L. Propriedade Industrial. Âmbito de proteção à marca registrada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000; DOMINGUEZ, Douglas Gabriel. Marcas e expressões de propaganda. Rio de Janeiro: Forense, 1984 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 1983; v. 17; DI BLASI, PARENTE & SORENSEN GARCIA, A Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1997, dentre outros.

23. O Art.143 da Lei nº 9279/1996 prevê as hipóteses em que pode ocorrer a caducidade de um registro de marca: “Art. 143 - Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento: I - o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou II - o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro. Parágrafo 1º - Não ocorrerá caducidade se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas. Parágrafo 2º - O titular será intimado para se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias, cabendo-lhe o ônus de provar o uso da marca ou justificar seu desuso por razões legítimas.”

24. Existem vários critérios e metodologias para medir o valor econômico-financeiro e o valor intangível de uma marca. Sobre o assunto, recomendamos MARTINS, op. Cit.

25. Art. 42 da Lei nº 9.279/1996: “A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.”

26. O prazo de validade de uma patente é de 20 anos da data do depósito, conferido pelo Art. 40 da Lei nº 9279/1996. A previsão de pagamento das anuidades pelo depositante do pedido ou o titular da patente estão previstas pelo Art. 84 da mesma Lei nº 9.279, que demanda o pagamento de retribuição anual, a partir do início do terceiro ano da data do depósito da patente.

27. O Brasil adota sistema baseado no “Droit d’auteur”, que prevê a existência e o reconhecimento dos direitos morais do autor. Sobre o assunto ver ASCENSAO, José O., Direito Autoral, Ed. Renovar, 1998.

28. A batalha judicial entre a Sony Music e o pop star Michael Jackson envolve a retenção de 50% dos direi-tos de exploração das musicas dos Beatles. O cantor comprou os direitos em 1985 e vendeu 50% a gravadora por US$ 100 milhões. Na época, pediu que a Sony fosse avalista de um empréstimo de US$ 200 milhões que levan-tou dando como garantia os 50% restantes. A gravadora quer se responsabilizar pelo pagamento do empréstimo e pretende que Jackson transfira sua parte dos direitos. O catálogo dos Beatles é avaliado em US$ 598 milhões.

29. Lei nº 9609/1998: “Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de compu-tador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”

30. No Brasil, o registro das obras intelectuais é regulamentado pelo artigo 17, parágrafos 1º e 2º da Lei nº 5.988/1973, em vigor por força da Lei nº 9.610/1998: São incumbidos para procederem ao registro das obras intelectuais os seguintes órgãos ainda existentes: Fundação Biblioteca Nacional (obras literárias em geral), Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (composições musicais, com ou sem letras), Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (obras de desenho, fotográficas), Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (projetos, esboços e obras plásticas concernentes à engenharia e arquite-tura) Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI (programas de computador).

31. Na AP. Civ. nº 3118/1992, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a Cia Cervejaria Brahma a pagar vultuosa indenização aos herdeiros do criador de seu logotipo, bem como reconhecer os direitos morais

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de sua criação. O inteiro teor de referida decisão pode ser encontrado em DA VEIGA, Rosiane (org.), “Direito Autoral”, 3a. ed., Ed. Esplanada, 2000, p.141.

32. SILVEIRA, João Marcos. “A Proteção Jurídica dos Segredos Industriais e de Negócio”, disponível em http://www.silveiraadvogados.adv.br/pjs.rt (visitado em 01 de maio de 2002).

33. A importância de uma análise jurídica destes contratos não pode ser deixada de lado. Afinal, parafra-seando Robert Page e Jimmy Plant, autores da letra de “Stairway to Heaven”, imortalizada pelo conjunto Led Zeppelin: “There’s a sign on the wall but she wants to be sure And you know sometimes words have two meanings.” (grifos nossos)

34. Contratos que objetivam a Exploração de Patentes: o Uso de Marcas, Fornecimento de Tecnologia, Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica, Franquia. O contrato deve ser avaliado e averbado pelo INPI para que gere determinados efeitos econômicos no território nacional, tais como: Legitimar remessas de divisas ao exterior, como pagamento pela tecnologia negociada – dedutibilidade fiscal para a empresa receptora da tecnologia pelos pagamentos contratuais efetuados – para produzir efeitos em relação a terceiros. Os requisi-tos e procedimentos para a averbação podem ser encontrados em www.inpi.gov.br.

35. Alguns contratos são dispensados de averbação por caracterizarem transferência de tecnologia, nos ter-mos do Art. 211, da Lei no 9279/1996: Agenciamento de compras, incluindo serviços de logística (suporte ao embarque, tarefas administrativas relacionadas à liberação alfandegária etc.) Beneficiamento de produtos; Ho-mologação e certificação de qualidade de produtos brasileiros, visando a exportação Consultoria na área finan-ceira, econômica jurídica e comercial; Serviços de “marketing, Serviços realizados no exterior sem a presença de técnicos da empresa brasileira e, que não gerem quaisquer documentos e/ou relatórios; Serviços de manutenção de software sem a vinda de técnicos ao Brasil, prestados, por exemplo, por meio de “help-desk”; Licença de uso de software sem o fornecimento de documentação completa, em especial o código-fonte comentado, conforme Art. 11, da Lei no 9609/1998; Aquisição de cópia única de software; Distribuição de software.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.17. AulAS 18 E 19: JOgO E APOSTA. SEguRO.

1.17.1. eMentário de teMas

Introdução. Espécies de Jogo e Efeitos. Introdução – Seguro. Classificação – Seguro. Elementos do Con-trato de Seguro. Obrigações do Segurado. Obrigações do Segurador.

1.17.2. biblioGrafia obriGatória

Arts. 814 a 817 da Lei nº 10.406/2002.Arts. 757 a 802 da Lei nº 10.406/2002.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005

- vol. III, págs. 483 a 490.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo:

Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 329 a 348.

1.17.3. biblioGrafia CoMPleMentar

GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin. Contornos atuais do contrato de seguro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, nº 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3261>. Acesso em: 06 ago. 2006 (em anexo).

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. São Paulo: Ed. Atlas, 2005, vol. 3, págs. 369 a 407.

1.17.4. Caso Gerador

Durante a diligência, ouvimos boatos de que Jeremias era um inveterado jogador. Por isso não foi surpresa quando este nos procurou para contar que, na semana passada, havia jogado pôquer na casa de um conhecido e que perdeu naquela noite aproximadamente um milhão de reais. Ele disse que pagou a dívida, mas que depois conversando com um amigo ficou sabendo que dívida de jogo é inexigível. Sendo assim, ele quer pedir seu dinheiro de volta. Como você aconselha Jeremias? E se Jeremias lhe contasse que descobriu que o jogo foi roubado? Jeremias pergunta se o mútuo que ele havia tomado na véspera para jogar também seria inexigível e se ele poderia deixar de pagar ao mutuante. Para piorar a situação, Jeremias diz que saiu do jogo um tanto atordoado por ter perdido aquela boa quantia em dinheiro e acabou batendo com o carro e dando perda total. A seguradora não está querendo pagar a indenização alegando que Jeremias não efetuou o pagamento das três últimas parcelas do prêmio.

1.17.5. roteiro de aula

a) introdução

O jogo e a aposta estão dispostos entre as várias espécies de contratos previstos na Lei n° 10.406/2002, mas eles podem ser considerados como contrato?

O novo Código Civil trouxe duas alterações significativas na disciplina do jogo e da aposta. Quais foram?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

b) espécies de jogos e efeitos

Proibidos – São os jogos de azar31, como a roleta, o bicho, aposta sobre corrida de ca-valos fora de hipódromos, briga de galo. Tendo em vista que são ilícitos não geram direitos e sujeitam o infrator a punição.

Tolerados – São aqueles que o resultado não depende preponderantemente da sorte, como o truco, a canastra, o pôquer. Embora não sejam contravenções penais, não são pro-tegidos pela lei uma vez que não há interesse social em proteger relações que não passam de “divertimento sem utilidade”32, exceto se forem eivados de vícios, como dolo, que mereçam repressão.

Autorizados – São aqueles que trazem algum benefício à Sociedade, seja por estimu-larem o espírito esportista (competições esportivas) ou atividades econômicas (turfe), seja por gerarem outra fonte de renda ao Estado (loterias). Nesse caso, as obrigações oriundas de jogo ou aposta são exigíveis.

Apenas os jogos e apostas autorizados perdem o caráter ilícito e dão causa à exigibili-dade da prestação.

C) seguro – introdução

O seguro é regulado pela Lei n° 10.406/2002 e por diversas leis esparsas, que regulam minuciosamente os tipos de seguro. Em nossas aulas daremos ênfase às regras previstas no novo Código Civil.

d) Classificação – seguro

O contrato de seguro é:– Bilateral – gera obrigações para ambas as partes.– Oneroso – requer desembolso patrimonial para segurado e para o segurador.– De adesão – ao segurado não é dada opção de alterar as cláusulas do contrato. O

segurado pode aceitar ou não as cláusulas impostas na apólice de seguro. Aplicam-se, dessa forma, as regras previstas nos artigos 423 e 424 da Lei n° 10.406/2002, que protegem os aderentes.

e) elementos do Contrato de seguro

Os elementos do contrato de seguro são:– Segurador – Somente pode ser segurador entidade legalmente autorizada para esse

fim. O Decreto-Lei nº 2.063/1940 estabelece algumas exigências para que a entidade possa atuar como seguradora. Exemplo: capital mínimo, nacionalidade dos sócios, autorização governamental.

– Segurado – É o contratante. Ele paga o prêmio ao segurador para transferir a este o risco.– Risco – O objeto do contrato de seguro é o risco. Dessa forma, a Lei n° 10.406/2002

prevê uma multa (dobro do prêmio recebido) a ser paga pelo segurador que expedir apólice de seguro mesmo sabendo que não é possível o risco que se pretende cobrir. O objetivo do legislador é tentar coibir essa prática. Afinal, se não há risco, não há contrato de seguro. Nos seguros privados, é possível estipular a espécie ou combinação de espécies de seguro.

31 Definição de jogo de azar está no artigo 50, parágrafo 3° da Lei de Contravenções Pe-nais: “O jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”.

32 PEREIRA, Caio mário da sil-va. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2005 - vol. III, pág. 488.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

– Prêmio – É a prestação devida pelo segurado ao segurador para que este assuma os riscos do segurado e pague indenização em caso de sinistro.

– Apólice – Assim como o instrumento do mandato é a procuração, o instrumento do seguro é a apólice. A apólice deve conter os requisitos previstos no art. 760 da Lei n° 10.406/2002, tais como os riscos cobertos e o prêmio devido. As apólices podem ser nominativas, à ordem ou ao portador. A lei veda que a apólice de seguro de pessoas seja ao portador.

f) obrigações do segurado

O segurado tem obrigação de: – veracidade – A declaração falsa ou omissão de informações pode levar o segurador a fixar prêmio diverso

do que fixaria ou até mesmo a aceitar seguro que normalmente não aceitaria se tivesse acesso a todas as infor-mações.

– pagar o prêmio.– não agravar os riscos do contrato – se o segurado passa a se comportar de forma diferente da que vinha

se comportando, que resulte em um aumento de seus riscos, ele está, de certa forma, alterando unilateralmente o contrato, pois estará sujeitando o segurador a riscos distintos dos previstos no momento da celebração do contrato.

– comunicar ao segurador qualquer fato que possa aumentar o risco do bem sob pena de perder o direito à garantia (art. 769 da Lei n° 10.406/2002).

Analisando os contratos de seguro contra danos do supermercado, notamos que cada um dos estabele-cimentos onde o supermercado funciona, foi segurado por duas seguradoras diferentes. Ao ser perguntada sobre esse fato, a senhora Maria Lúcia nos explica que seu pai estava tão preocupado em evitar prejuízos de-correntes de eventual sinistro, que resolveu segurar duplamente os estabelecimentos. Você vê algum problema nessa situação?

G) obrigações do segurador

A principal obrigação do segurador é pagar ao segurado os prejuízos decorrentes de sinistro sobre o bem segurado.

Contornos atuais do contrato de seguro frederico eduardo Zenedin Glitz

As inovações em matéria securitária sempre são questões candentes. A reconhecida complexidade do tema é elemento que acentua, ainda mais, a importância da análise do tratamento jurisprudencial e doutrinário dis-pensado ao assunto.

Os recentes pronunciamentos dos Tribunais Superiores demonstram cada vez mais a preocupação em se “socializar” o contrato de seguro e atribuir-lhe uma função social.

Também contribuirá para essa “nova” adequação do instituto, a recente aprovação do novo Código Civil (Lei 10.406/2002). Esta posição, aliás, está consignada expressamente na exposição de motivos, quando se deixa clara a intenção de preservar o segurado, sem com isso abrir mão da segurança e certeza jurídicas essenciais ao contrato de seguro.

O novo Código incorpora a idéia de cláusulas gerais que introduzem princípios orientadores de condutas, abandonando a pretensão de total regulamentação e oportunizando maior liberdade ao intérprete da lei..

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

O novo Código Civil traz, ainda, outras inovações em matéria securitária. O legislador previu, por exem-plo, a possibilidade de prova da relação contratual por meio de apólice, do bilhete de seguro ou, ainda, por “outro documento” na falta de algum desses (art. 758).

No que tange aos riscos, o novo Código Civil estabelece que a agravação do risco por ato intencional do se-gurado implica na perda da garantia (art. 768). Entretanto se essa agravação se der por fato alheio a sua vontade, o segurado possui prazo para comunicar o evento a seguradora, sob pena de perda da garantia (art. 769). Possi-bilita-se, então, a readequação dos negócios às novas circunstâncias, mantendo-se o equilíbrio do contrato.

Caso haja diminuição considerável do risco, assegura-se ao segurado o direito de revisão do prêmio ou a resolução do contrato (art. 770).

Essas inovações refletem uma preocupação do legislador na manutenção do equilíbrio contratual. Pode-se afir-mar, aliás, que esta é uma tendência geral no novo Código Civil, principalmente com a positivação dos institutos da lesão (art. 157), do estado de perigo (art. 156) e da revisão do contrato por excessiva onerosidade (art. 478).

A jurisprudência também vem reconhecendo a necessidade de manutenção base econômica do contrato. Recentemente, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a seguradora deve indenizar o segura-do ainda que parte do prêmio não tenha sido pago (1), uma vez que a cláusula de cancelamento automático da apólice é nula em face do Código de Defesa do Consumidor, isso porque a resolução do contrato deveria ser requerida previamente em Juízo.

Tal entendimento baseou-se no argumento de que a rescisão unilateral criaria uma excessiva desvantagem ao segurado, ou seja, o equilíbrio contratual estaria quebrado. Essa posição, aliás, inova em relação a tradicional jurisprudência e o disposto no art. 763 do novo Código Civil, que reafirmam a regra de que não há direito a indenização se o segurado estiver em mora no pagamento do prêmio.

Talvez uma boa solução para o dilema seja a permissão a purgação da mora mesmo após o sinistro quando for o caso de cumprimento substancial do contrato (apesar de o Código expressamente prever que a purgação da mora deve ser anterior ao sinistro).

Outro recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é em relação ao prazo prescricional para o segurado demandar a seguradora. Este, segundo o atual entendimento, só passa a ser contado a partir da recusa formal ao pagamento da indenização (2).

Este prazo é mantido pelo novo Código Civil, que estabelece em seu art. 206 que o prazo é contado para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de inde-nização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador. Para os demais seguros, o prazo corre da ciência do fato gerador da pretensão.

O novo Código Civil também incorpora inovações jurisprudenciais, tal como o reconhecimento da possi-bilidade de denunciação à lide ao segurador pelo segurado. Ou, ainda, a proibição expressa de o segurado reco-nhecer sua responsabilidade (confessar ou transigir com o terceiro prejudicado) sem a anuência da seguradora (art. 787, §2º).

Em se tratando do seguro de responsabilidade civil o novo Código Civil previu, expressamente, a obrigação (normalmente tida como contratual) de que o segurado avise a seguradora do sinistro ocorrido (art. 787, §1º), bem como da ação intentada contra sua pessoa (art. 787, §3º). Prevê também a responsabilidade do segurado frente ao terceiro no caso de insolvência do segurador (art. 787, §4º).

Previu a responsabilidade da seguradora, nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, de indenizar diretamente ao terceiro prejudicado (art. 788). E, ainda, a necessidade da seguradora promover a citação do segurado para integrar a lide quando demandada em ação direta pela vítima do dano (não podendo, simplesmente, opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado - art. 784, § único).

Mas talvez a inovação que crie mais impacto nesta carteira ainda incipiente no Brasil, é a alteração do prazo prescricional para a ação indenizatória. O prazo anteriormente de 20 (vinte) anos foi reduzido para 03

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(três) (art. 206, §3º, V), contado da data em que se conhece o dano (e não de sua ocorrência - art. 206, §1º, II). Sendo que a interrupção da prescrição passa a se dar com o despacho do juiz determinando a citação (mesmo que incompetente - art. 202, I).

Tal modificação poderá representar uma redução significativa do valor do prêmio, vez que quanto maior o prazo maior o risco, e quanto maior o risco mais caro é o seguro.

Todas essas inovações legislativas e jurisprudenciais pretendem solucionar dilemas constantes enfrentados pelos operadores jurídicos que atuam no setor. O novo Código Civil entrará em vigor apenas em 2003, pode não engendrar grandes alterações paradigmáticas (e por certo possui muitas imperfeições (3)), mas, pelo menos, reflete uma nova visão acerca do contrato, impondo o respeito a sua função social e a obediência aos princípios da boa-fé, moralidade, lealdade e equilíbrio contratual.

notas

1. Recurso Especial 323186/SP (2001/0053944-4). DJ 04/02/2002, p.386. Relator Min BARROS MON-TEIRO, QUARTA TURMA do STJ

2. Neste sentido, Recurso Especial 323416/RO, Recurso Especial 132357 /RJ e Recurso Especial 236034/RJ, bem como o enunciado da Súmula 229/STJ: “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspen-de o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão.”

3. A começar pela própria técnica superada das grandes codificações.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.18. AulAS 20 E 21: fIANçA.

1.18.1. eMentário de teMas

Introdução. Classificação. Efeitos da Fiança. Extinção da Fiança. A Fiança na Mú-sica.

1.18.2. BiBliografia oBrigatória

Arts. 818 a 839 da Lei n. 10.406/2002.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 283 a 305.

1.18.3. biblioGrafia CoMPleMentar

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005 - vol. III, págs. 493 a 504.

1.18.4. Caso Gerador

O Sr. Odin Heiro novamente nos procura apreensivo com uma questão pessoal. Dessa vez, ele nos conta que entrou como fiador em um empréstimo que seu cunhado, Olavo, tomou com o banco. Ele descobriu que seu cunhado ficou desempregado e deixou de pagar algumas parcelas do empréstimo. Para piorar, descobriu, conversando com sua irmã, que Olavo e o banco recentemente aditaram o contrato para aumentar o valor do empréstimo e, conseqüentemente, da fiança. Como você pode orientá-lo?

1.18.5. roteiro de aula

a) introdução

A fiança é uma espécie de garantia. A garantia pode ser real ou pessoal. Garantia real é aquela que recai sobre um bem, móvel ou imóvel, que servirá como

garantia do cumprimento de determinada obrigação. Ocorre, por exemplo, na hipoteca e no penhor.

Garantia pessoal ou fidejussória “consiste apenas na segurança que, individualmente, alguém presta, de responder pelo cumprimento de obrigação se faltar o devedor principal”33. Em outras palavras, a garantia pessoal é aquela dada por um terceiro, que se compromete a cumprir a obrigação, caso o devedor não o faça. A fiança é garantia pessoal.

A fiança pode ser:– convencional – resulta da vontade das partes;

33 Dicionário Técnico Jurídico. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.); SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. São Paulo: Rideel, 2001.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

– legal – resulta de lei– judicial – resulta de imposição do juiz.A fiança a ser analisada nesta aula é a fiança convencional, que é ajustada por meio de contrato.

b) Classificação

A fiança é contrato:– Acessório – A fiança visa assegurar o cumprimento de outra obrigação, objeto do contrato principal, que

pode ser um mútuo, locação...A fiança pode ser contratada no mesmo contrato da obrigação principal ou em contrato em separado, mas

sem perder seu caráter acessório.Conforme já havíamos sido informados, Jeremias tem o péssimo hábito de jogar pôquer por dinheiro.

Maria Lúcia nos contou que estava aborrecida porque na semana passada, os parceiros de pôquer de Jeremias, desconfiando da sua capacidade de pagar, exigiram um fiador. Depois de ser pressionada por Jeremias, Maria Lúcia acabou aceitando ser sua fiadora. Como sempre, Jeremias perdeu uma boa quantia em dinheiro e agora Maria Lúcia estava preocupada de ser executada porque assinou um instrumento no qual se dizia fiadora da dívida de Jeremias.

Por ser acessória, a fiança não pode ser mais onerosa que a dívida principal. Se isto ocorrer, a fiança não será nula, apenas será reduzido o montante da fiança até o valor da obrigação principal.

– Unilateral – Uma vez contratada a fiança, ela só gera obrigações do fiador para com o credor.– Solene – A lei impõe forma escrita para a validade da fiança.– Gratuito – Em regra, a fiança é contrato gratuito. É possível, porém, que o fiador queira receber remune-

ração em troca da garantia que oferece. É o que ocorre na fiança bancária, na qual o banco garante a obrigação em troca de um percentual sobre o montante garantido. Nesses casos, a fiança é onerosa.

Na diligência legal, encontramos um contrato de locação, segundo o qual o Supermercado Pechincha alugava uma parte de um dos supermercados à confeitaria Guloseimas Ltda. Notamos que o contrato de locação prevê que a senhora Teresa Assunção, brasileira, casada e proprietária da Guloseimas Ltda., assina o contrato na qualidade de fiadora, garantindo o pagamento do aluguel, caso a Guloseima Ltda. não efetue o pagamento em dia. Notamos ainda que o contrato não foi assinado pelo marido de dona Teresa. Há algum problema nesse fato? Mesmo após a promulgação da Constituição Federal, que estabeleceu a igualdade jurídica dos cônjuges, dona Teresa precisaria de autorização do marido para prestar fiança? Sendo a autorização necessária, qual é a conseqüência de não tê-la?

C) efeitos da fiança

Podemos notar a existência de duas relações distintas no contrato de fiança: uma entre fiador e credor e outra entre fiador e devedor.

O credor tem o direito de exigir do fiador o pagamento da dívida garantida. Esse direito pode ter algumas limitações:

– Benefício de ordem – O fiador tem o direito ao benefício de ordem. Em outras palavras, ele pode exigir que, até a contestação da lide, seja primeiramente executado o devedor. Para se valer desse benefício, o fiador deverá indicar bens do devedor, localizados no mesmo muncípio e que estejam livres e desembaraçados, que sejam suficientes para pagar a dívida.

O fiador não tem direito ao benefício de ordem se: (i) renunciar expressamente ao mesmo; (ii) se obrigar como principal pagador, ou devedor solidário; ou (iii) o devedor for insolvente ou falido.

– Benefício da divisão – Havendo mais de um fi ador, a presunção legal é a de que são solidariamente res-Benefício da divisão – Havendo mais de um fiador, a presunção legal é a de que são solidariamente res-ponsáveis pela dívida (art. 829 da Lei n° 10.406/2002). A lei permite, porém, que cada fiador reserve apenas uma parte da dívida como de sua responsabilidade.

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A relação entre o fiador e o devedor só passa a existir se o fiador é obrigado a efetuar o pagamento da dívida, passando, assim, a ter o direito de exigir do devedor o reembolso do valor por ele, acrescido de juros, perdas e danos que pagar ao credor e perdas e danos que vier a sofrer em razão da fiança (art. 832 e 833 da Lei n° 10.406/2002).

d) extinção da fiança

Sendo a fiança, em regra, um contrato intuitu personae, a morte do fiador extingue a fiança?

Não havendo prazo determinado previsto no contrato, a fiança pode ser extinta pelo fiador, que ficará liberado de sua obrigação 60 dias após a notificação ao credor para esse fim.

A fiança também é extinta se:– o credor conceder moratória34 ao devedor, sem o consentimento do fiador;– o credor tornar impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências. Ocorre, por

exemplo, quando o credor renuncia seu direito à hipoteca ou a direito de retenção, impli-cando assim, na perda de direitos que o fiador teria caso efetuasse o pagamento da dívida.

– o credor aceitar receber em pagamento bem diverso do que foi originalmente ajus-o credor aceitar receber em pagamento bem diverso do que foi originalmente ajus-tado. Ainda que o credor venha a perder, por evicção, o bem aceito em pagamento, a fiança não será restaurada.

– o fi ador opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da obriga-o fiador opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da obriga-ção, se não resultarem apenas de incapacidade pessoal.

e) a fiança na Música

O Direito é incrível mesmo! Podemos encontrá-lo em todos os cantos, inclusive na música. Veja abaixo a letra de “Samba do Grande Amor”, do genial Chico Buarque. Que motivo teria o autor para fazer menção à fiança nesse grande samba?

samba do grande AmorChico BuarqueTinha cá prá mim que agora simEu vivia enfim o grande amor, mentiraMe atirei assim de trampolimFui até o fim, um amador, ôôôôPassava um verão a água e pãoDava o meu quinhão pro grande amor, mentiraEu botava a mão no fogo entãoCom meu coração de fiador, ôôôôHoje eu tenho apenas uma pedra no meu peitoExijo respeito, não sou mais um sonhadorChego a mudar de calçada quando aparece uma florE dou risada do grande amor, mentiraFui muito fiel, comprei anelBotei no papel o grande amor, mentiraReservei hotel, sarapatel e lua de mel em Salvador, ôôôô

34 “moratória – dilação de pra-zo que se concede ao devedor para pagar a dívida depois de vencida. (...)”. (Dicionário Técnico Jurídico. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.); SI-QUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. São Paulo: Rideel, 2001)

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

Fui rezar na Sé prá São JoséQue eu levava fé no grande amor, mentiraFiz promessa até prá OxumaréQue subir a pé o redentor, ôôô

1.18.6. questões de ConCurso

(Prova: 01º Exame de Ordem - 1ª fase) Olavo Bento de souza, bancário, casado e com 21 anos de idade, obrigou-se como fiador e principal pagador num contrato de loca-ção, onde figurava como locatário seu amigo Armando Amaro gomes, que não cum-priu a obrigação de pagar o preço ajustado. Executado pela dívida de seu afiançado, pretende Olavo alegar o benefício de ordem. Tal alegação é procedente?

a. Sim, pois ele não é o devedor principal;b. Sim, pois no caso há solidariedade passiva;c. Não, porque ele se obrigou como principal pagador;d. Sim, porque sendo ele o executado, é de se supor que seu afiançado não tenha bens

suficiente para responder pela execução.

Prova: 27º Exame de Ordem - 2ª fasePROVA DISCURSIVA 4 - Crasso e Mário se obrigaram solidariamente como fiadores de Pompeu, num contrato em que o credor é Marco Antonio, sem terem estabelecido o beneficio de divisão previsto no artigo 829, do Código Civil.Como Pompeu não pagou o débito no vencimento, não tendo bens para serem executados, Crasso, executado por Marco Antonio, pagou o débito na sua totalidade.Pode Crasso, que não estabeleceu o benefício de divisão com Mário, cobrar de Mário meta-de do que pagou a Marco Antonio?

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.19. AulA 22: TRANSAçãO. COmPROmISSO.

1.19.1. eMentário de teMas

Transação. Compromisso.

1.19.2. biblioGrafia obriGatória

Arts. 840 a 853 da Lei n° 10.406/2002.Lei n° 9.307/1996.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol 3, págs. 365 a 383.

1.19.3. biblioGrafia CoMPleMentar

BENEDETTI JUNIOR, Lidio Francisco. Da convenção de arbitragem e seus efeitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3951>. Acesso em: 15 ago. 2006 (em anexo).

1.19.4. Caso Gerador

Embora não fosse de costume, o Supermercado Pechincha emprestou dinheiro a um de seus fornecedores, que estava passando por um período financeiramente delicado. Na época do pagamento do mútuo, as partes divergiram quanto ao valor a ser pago e aos juros incidentes no período. Após muita discussão, o supermercado e o fornecedor chegaram a um acordo e assinaram um termo de transação. Tendo em vista que o devedor não vem efe-tuando os pagamentos pactuados no instrumento de transação, o supermercado quer cobrar o valor do mútuo do fiador. Comente a situação.

1.19.5. roteiro de aula

a) transação

O Código Civil de 1916 não tratava a transação como contrato, mas sim como um dos modos de extinção das obrigações. Atendendo a algumas críticas doutrinárias, o novo Código Civil incluiu a transação no rol dos contratos.

A transação é a “composição a que recorrem as partes para evitar os riscos da demanda ou para liquidar pleitos em que se encontram envolvidas; de modo que, receosas de tudo perder ou das delongas da lide, decidem abrir mão, reciprocamente, de algumas vantagens potenciais, em troca da tranqüilidade que não tem”35.

35 RODRIGUEs, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Ed. Sarai-va, 2002, vol 3, pág. 366.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

A transação é contrato bilateral e solene. Assim, a transação que não versar sobre ob-jeto de disputa judicial deve ser feita por escritura pública, nas obrigações que a lei assim o exigir, ou por instrumento particular, quando for admitido em lei. A transação para extin-guir processo judicial em curso deve ser feita por escritura pública ou termo assinado nos autos, assinado pelas partes e homologado pelo juiz.

Princípios que decorrem da natureza jurídica da transação:(i) Indivisibilidade – De acordo com o art. 848 da Lei n° 10.406/2002, “sendo nula

qualquer das cláusulas da transação, nula será esta”. A lei abranda essa regra ao dispor no parágrafo único desse artigo que “quando a transação versar sobre diversos direitos contes-tados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os demais”.

(ii) Interpretação restritiva – A transação não pode ser alterada por analogia ou ser utilizada para casos que não estejam expressamente refletidos no instrumento de transação (art. 843 da Lei n° 10.406/2002).

(iii) Assim como os demais contratos, admite pena convencional36.

Elementos da Transação– Divergência entre as partes e a vontade de terminar com ela – as partes podem estar

discutindo em juízo ou em vias de fazê-lo.Maria Lúcia lhe conta que um cliente entrou com um processo contra o Supermercado

Pechincha pedindo perdas e danos por ter sido mal atendido no supermercado. Ora, a exis-tência do processo em si seria uma propaganda negativa para o supermercado. Sendo assim, apesar de achar que o supermercado sairia vitorioso da disputa judicial, o supermercado re-solveu assinar um termo de transação com o cliente, segundo o qual, em troca de desistir da ação judicial, o cliente poderia levar mercadorias do supermercado em valor total equivalente a R$ 200,00. Ocorre que, após a assinatura do termo de transação, Maria Lúcia descobriu que o processo já havia terminado com sentença favorável ao supermercado. E agora?

– Acordo entre as partes com concessões recíprocas – na transação, ambas as partes devem abrir mão de algo para alcançar a segurança desejada.

Vale lembrar que, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 661 da Lei n° 10.406/2002, a procuração deve conter poderes especiais e expressos para transigir.

– Objeto da transação – Conforme art. 841 da Lei n° 10.406/2002, a transação só pode ter por objeto direitos patrimoniais de caráter privado.

b) Compromisso

O compromisso também entrou para o rol dos contratos com a edição da Lei n° 10.406/2002. Você concorda com o legislador que entendeu que o compromisso é um contrato?

Assim como na transação, só é possível compromisso que envolva direito patrimonial. Não podem ser objeto de compromisso questões de estado, de direito pessoal de família, entre outras.

Recebemos cópia de um termo de compromisso celebrado entre o supermercado e um revendedor. Notamos que o compromisso foi assinado por um procurador do revendedor e pedimos para analisar o teor da procuração que foi outorgada. A procuração continha poderes específicos para transigir. Isso é suficiente?

36 Arts. 408 a 416 da Lei n° 10.406/2002.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

Distinção entre compromisso e cláusula compromissóriaO compromisso é contrato perfeito e acabado. Tem força vinculativa e obriga as partes a submeterem de-

terminada questão ao julgamento de árbitros. Já a cláusula compromissória diz respeito a litígio futuro e incerto. Por meio da cláusula compromissória,

as partes comprometem-se a submeter eventual pendência à decisão do juízo arbitral.

Qual é a vantagem de se escolher o juízo privado, como a arbitragem, ao invés do juízo público?

biblioGrafia CoMPleMentar

Da convenção de arbitragem e seus efeitos lidio francisco benedetti junioradvogado em são Paulo

sinopse

Nosso estudo trata da convenção de arbitragem, que abrange a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, de acordo com a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.

A temática proposta assume especial relevância, pois está intrinsecamente relacionada com a livre e volun-tária vontade das partes em se submeter à arbitragem, em detrimento ao Poder Judiciário, para resolver impasses ou conflitos surgidos num relacionamento pessoal ou negocial.

Assim, com esse simples estudo, espero compartilhar as idéias e, ainda, contribuir e divulgar as vantagens que a justiça alternativa proporciona: como ser mais rápida e menos onerosa do que a Justiça Comum.

introdução

Este trabalho não consiste num aprofundamento sobre o tema específico, mas simples tentativa de análise da Lei de 9.307, de 23 de setembro de 1996, no que diz respeito à convenção de arbitragem e seus efeitos.

Ressalta-se que a arbitragem já estava presente em nosso ordenamento jurídico, desde a primeira Consti-tuição (1) brasileira, de 1824, posteriormente, contemplada no Código Civil Brasileiro (2), de 1916.

Contudo, até a promulgação da nova Lei de Arbitragem, em 1996, esse sistema encontrava-se estagnado, isto é, não acompanhou a evolução dos tempos, comportamento decorrente da cultura e tradição reinante em nosso país.

Há que se considerar, também, que a Arbitragem não se desenvolveu, no Brasil, devido à insegurança ju-rídica que o sistema transmitia às partes, uma vez que, por exemplo, mesmo que o compromisso de arbitragem contivesse a cláusula “sem recurso” as partes poderiam recorrer ao tribunal superior. Ademais, entendia-se ante-riormente que, embora as partes tivessem acordado de instituírem o juízo arbitral, através da cláusula compro-missória, e, posteriormente, uma parte desistisse de celebrar o compromisso arbitral, geraria para a outra parte apenas o direito a perdas e danos.

Entretanto, com a promulgação da Lei de Arbitragem, em setembro de 1996, as barreiras legais que causa-vam insegurança jurídica para as partes contratantes foram revogadas. Hoje, a nova Lei de Arbitragem é consi-derada um instrumento privado alternativo para solução de conflitos ou, como ensina ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, “um meio paraestatal de solução de conflitos” (3), capaz de garantir segurança jurídica às partes que voluntariamente vierem a instituir a cláusula compromissória em seus contratos.

Há que se ressaltar, também, que a questão da constitucionalidade levantada no Supremo Tribunal Federal encontra-se superada. Assim, a Arbitragem, como instrumento eficaz para solução de controvérsias consolida-se

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

no Brasil, com o mesmo consentimento que encontra em outros países, como Estados Unidos da América, Japão e países da Europa.

Cabe frisar, ainda, que o novo Código Civil, Lei 10.406/2002, nos artigos 851 a 853, fortaleceu o instituo da arbitragem no Brasil, admitindo a nova lei o compromisso e a cláusula compromissória para resolver diver-gências mediante o juízo arbitral.

Assim, como afirmamos acima, a Lei de Arbitragem torna-se um instrumento seguro, alternativo ao Poder Judiciário, para aqueles que procuram rapidez e Justiça na solução do conflito; Para tanto, devem firmar, nos termos do artigo 3o da Lei nº 9.307/96, uma convenção de arbitragem, através da cláusula compromissória, contratada anteriormente ao eventual conflito, ou através do compromisso arbitral, que é firmado quando surge a controvérsia.

1. da Convenção de arbitragem e seus efeitos

1.1. Da Convenção de ArbitragemPor intermédio da convenção de arbitragem (4), as partes, livres e voluntariamente, podem resolver suas

controvérsias, relativas a direito patrimonial disponível, submetendo-se ao juízo arbitral.Em recente julgamento, o ilustre Relator MINISTRO MAURICIO CORRÊA, ao prolatar seu voto,

manifestou-se, a respeito da convenção de arbitragem, no seguinte sentido: “A convenção de arbitragem é a fonte ordinária do direito processual arbitral, espécie destinada à solução privada dos conflitos de interesses e que tem por fundamento maior a autonomia da vontade das partes. Estas, espontaneamente, optam em submeter os litígios existen-tes ou que venham a surgir nas relações negociais à decisão de um árbitro, dispondo da jurisdição estatal comum.” (5).

A respeito da autonomia da vontade das partes, a ilustre Advogada e Membro da Comissão Relatora do Projeto de Lei sobre Arbitragem, DRA. SELMA MARIA FERREIRA LEMES, pontifica que “o Principio da Au-tonomia da Vontade é a mola propulsora da arbitragem em todos os seus quadrantes, desde a faculdade de as partes em um negócio envolvendo direitos patrimoniais disponíveis disporem quanto a esta via opcional de conflitos (art. 1o), até como será desenvolvido o procedimento arbitral, no que pertine à forma de indicação dos árbitros (art.13), seja mate-rial ou formal, desde que não viole os bons costumes e a ordem pública (art. 2o, §§ 1o e 2o); se a decisão será de direito ou por eqüidade (art.2o); eleger a arbitragem institucional (art.5o); prazo para o árbitro proferir a sentença arbitral (arts. 11, Inciso III e 23).” (6) Concluindo que: “O objetivo do princípio da autonomia do pacto arbitral é salvar a cláusula compromissória, para que, em virtude dela, possa se julgar a validade, ou não, do contrato arbitrável.” (7).

Com efeito, cabe esclarecer que, conforme adotado pela lei 9.307/96, artigo 3o, a convenção de arbitragem abrange tanto a cláusula compromissória como o compromisso arbitral

Assim, cabe frisar que, a cláusula compromissória ou cláusula arbitral, como também é conhecida, nasce antes do surgimento do conflito, isto é, as partes envolvidas em algum negócio pessoal ou negocial, conven-cionam que se ocorrer qualquer impasse ou controvérsia a questão será resolvida pelo procedimento arbitral em detrimento ao Poder Judiciário. Ao passo que, o compromisso arbitral surge apenas quando o conflito já se instaurou e as partes, de comum acordo, resolvem que o impasse será resolvido pela Arbitragem.

1.2. Da Cláusula CompromissóriaA cláusula compromissória, como já mencionado, é conhecida, também, como cláusula arbitral, entretan-

to, nesse estudo a identificaremos apenas como cláusula compromissória, conforme é a definição dada pela Lei de Arbitragem.

De acordo com o artigo 4o, da lei 9307/96, cláusula compromissória é “a convenção através da qual as par-tes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”. Entretanto, essa cláusula deve ser estipulada por escrito pelas partes, seja no próprio contrato ou em um adendo.

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O texto da lei é claro ao conceituar a cláusula compromissória, todavia, é necessário trazer a luz deste es-tudo, a definição da melhor doutrina. Assim é que, segundo o ilustre professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO a cláusula compromissória (pacto de compromittendo) “constitui apenas parte acessória do contrato constitutivo da obrigação; é a cláusula pela qual as partes, preventivamente, se obrigam a submeter-se à decisão do juízo arbitral, a respeito de qualquer dúvida emergente na execução do contrato.” (8).

Nesse sentido, ensina ALEXANDRE FREITAS CÂMARA que a cláusula compromissória é “um contrato preliminar, ou seja, uma promessa de celebrar o contrato definitivo, que é o compromisso arbitral.”. (9). Esclarece, ainda, que essa promessa gera a obrigação de celebrar o compromisso arbitral.

Assim, conclui-se que a cláusula compromissória é o primeiro acordo de vontade das partes, substituindo no contrato a clássica cláusula que designa o Foro Judicial, para que, numa possível e futura controvérsia, o conflito venha a ser dirimido pelo juízo arbitral. Isto é, as partes ao acordarem sobre a cláusula compromissória, comprometem-se, em existindo o conflito, a instaurar o compromisso arbitral.

1.2.1. Da autonomia de vontade e forma escritaA cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, seja no próprio contrato negocial ou em outro

documento aditivo. Importante salientar que, uma vez acordada, ela obriga às partes a resolver o conflito através do Juízo Arbitral, por essa razão a Lei exige a manifestação de vontade das partes ao aderirem à cláusula compro-missória, sob pena de ser declarada nula.

No contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá validade se a mesma estiver em negrito e conter a assinatura, do aderente, especialmente para essa cláusula, como manifestação de sua vontade em instituir o compromisso arbitral. Esse é o entendimento da Lei (10).

Nesse sentido, se posicionou o eminente MINISTRO MAURÍCIO CORREA, ao proferir seu voto em sentença estrangeira contestada nº 6.753-7, oriunda do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte: “a lei brasileira sobre o tema exige clara manifestação escrita das partes quanto à opção pela jurisdição arbitral (Lei 9.307/96, artigos 3o, 4o e 5o). Tanto que nos contratos de adesão requer-se destaque e a assinatura especial na cláusula compromissória e, nos ajustes remissivos não se dispensa que as partes reportem-se expressamente à opção. Não se admi-te, em conseqüência, até pela sua excepcionalidade, convenção de arbitragem tácita, implícita e remissiva...” (11)

1.2.2. Espécies da Cláusula CompromissóriaA respeito da cláusula compromissória é de grande relevância, também, distinguir a cláusula compromis-

sória vazia da cláusula compromissória cheia.Segundo as melhores doutrinas, as chamadas cláusulas vazias são àquelas que não contemplam os elemen-

tos mínimos necessários para instituição da arbitragem (12), enquanto que, chama-se cheia a cláusula compromis-sória quando já contém todos os elementos necessários à instauração do processo arbitral (13).

Segundo ensina ALEXANDRE DE FREITAS CÂMARA, essa distinção “é importante principalmente nos casos em que uma das partes se recuse a, surgindo o conflito, celebrar o compromisso arbitral. Isto porque sendo cheia a cláusula compromissória, tudo o que ali tenha sido estipulado será obrigatoriamente observado pelo juiz ao proferir a sentença do processo a que se refere o artigo 7o, da Lei de Arbitragem.” (14)

1.2.3. Força obrigatória da Cláusula CompromissáriaDe acordo com o artigo 8o da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória é independente do contrato

negocial, e a nulidade deste não implica a nulidade daquela. Ou seja, é peculiar da cláusula compromissória a autonomia, cuja intenção do legislador foi dar maior segurança às partes que, livre e voluntariamente, acorda-ram pela instituição do juízo arbitral.

Assim, surgindo o conflito estão as partes obrigadas, por força da cláusula compromissória, a celebrarem o compromisso arbitral. Entretanto, havendo a recusa de qualquer uma das partes em celebrar o compromisso,

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gera para a outra parte o direito de recorrer à Justiça comum para ver garantido a instauração do procedimento arbitral. (15)

Ademais, sendo procedente o pedido de instauração do procedimento arbitral, a sentença judicial valerá como o compromisso arbitral. Esse é o entendimento do § 7o, do artigo 7o, da Lei de Arbitragem.

1.3. Do Compromisso ArbitralO Compromisso arbitral, como uma segunda espécie da convenção de arbitragem, é a primeira peça onde cons-

tam as regras que irão reger o processo arbitral. Ou ainda, o compromisso é o ato instituidor do juízo arbitral. (16)

É nesta peça inicial que as partes, criteriosamente, definem todos os aspectos que serão observados no pro-cesso arbitral, devendo para tanto, serem observadas as regras dos artigos 10 e 11 da Lei 9.307/96, que tratam das cláusulas obrigatórias e facultativas do compromisso arbitral.

Ademais, ressalte-se que, o compromisso arbitral, diferente da cláusula compromissória, é celebrado após o surgimento da controvérsia entre as partes, que submetem esta à decisão de um árbitro.

Conclui-se, portanto, que o compromisso arbitral é a convenção em que, as partes interessadas em resolver a controvérsia existente, renunciam à solução no Judiciário, em favor da arbitragem.

1.3.1. Do Compromisso Arbitral judicial e extrajudicialO compromisso arbitral, conforme artigo 9o, da Lei de Arbitragem, pode ser judicial ou extrajudicial. (17)

A – Do Compromisso Arbitral JudicialDe acordo com a Lei de Arbitragem há duas hipóteses de compromisso arbitral celebrado em juízo.A primeira hipótese vem estabelecida no artigo 7o, §§ 1o ao 7o, da lei de arbitragem, e ocorre quando

a cláusula compromissória já existe. Ou seja, surgindo o conflito entre as partes esse deveria ser solucionado pela arbitragem, porém, uma das partes impõe resistência para se lavrar o compromisso arbitral, fazendo com que a outra parte ingresse com um processo judicial requerendo o cumprimento da declaração de vontade instituída no contrato (cláusula compromissória), que é de submeter o conflito à apreciação de um árbitro.

A segunda hipótese é tratada pelo §1o do artigo 9o. Ocorre quando as partes, em litígio na justiça comum, decidem optar pela arbitragem, mesmo sem ter combinado, anteriormente, a instituição da cláusula compro-missória. As partes, de comum acordo, desistem do processo judicial e lavram o compromisso arbitral, manifes-tando a vontade de solucionar o conflito através da arbitragem.

B – Compromisso Arbitral ExtrajudicialO compromisso arbitral extrajudicial vem regulado no § 2o, do artigo 9o. Este compromisso é lavrado

quando não foi instituída a cláusula compromissória e, também, não existe demanda ajuizada, mas as partes, voluntariamente, decidem que o conflito existente será submetido à decisão de um árbitro, lavrando-se então o compromisso arbitral. Esse compromisso, de acordo com a lei, pode ser lavrado por escritura pública ou por documento particular, obrigatoriamente, assinado por duas testemunhas.

1.3.2 – Da extinção do Compromisso ArbitralO compromisso arbitral extingue-se nas hipóteses do artigo 12, da Lei de Arbitragem, ou seja, (i) quando

qualquer árbitro recusar-se, antes de aceita a nomeação, e as partes terem deliberado que não seria aceito substi-tuto; (ii) quando, também, deliberado, que não seria aceito substituto em caso de falecimento ou impossibilida-de do árbitro proferir seu voto; (iii) quando tiver expirado o prazo fixado no compromisso e o árbitro, embora notificado a respeito do prazo de 10 dias para apresentar a sentença arbitral, não apresente sua decisão.

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2.Conclusão

Diante desse modesto estudo, dos pontos relevantes da convenção de arbitragem – cláusula compromissória e compromisso arbitral –, a conclusão a que se chega, é de que:

– A cláusula compromissória poderá ser utilizada antes de surgir à controvérsia;– A cláusula compromissória poderá ser acordada no momento judicial do negócio principal ou, poste-

riormente, em um adendo, se assim for a vontade das partes, deixando claro que, essa cláusula refere-se a um conflito futuro e incerto;

– O compromisso arbitral retrata o conflito atual e específico, quando então as partes lavram o compro-misso prevendo as regras que serão utilizadas no juízo arbitral e, também, o árbitro regularmente escolhido para solucionar e prolatar a sentença arbitral.

Ressalta-se que, esses conceitos dispostos na Lei nº 9.307/96, traduzem hoje, sem dúvida alguma, uma segurança maior ao instituto da arbitragem no Brasil o que, anteriormente, não tínhamos em nosso ordenamen-to jurídico. Segurança capaz de garantir as partes, que espontânea e consensualmente optaram por esse sistema privado e alternativo ao judiciário, a solução de suas controvérsias através do juízo arbitral.

A arbitragem, como se encontra normalizado, hoje, em nosso ordenamento jurídico, reflete a modernidade do mundo globalizado, instituto utilizado por vários paises, tais como: Japão e Estados Unidos. Podendo, por-tanto, afirmar que a arbitragem pode e deve ser utilizada por toda a sociedade brasileira como um instrumento alternativo a Justiça Comum, por ser mais ágil e objetiva na solução dos conflitos que envolvam direito patri-moniais disponíveis.

Aliás, cumpre salientar que, a sentença arbitral tem o mesmo efeito da sentença judicial tendo, ainda, al-gumas peculiaridades mais benéficas, tais como:

– É prolatada por um árbitro escolhido livremente pelas partes;– Não cabe recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário;– É auto-executável.Essas peculiaridades demonstram a precisão da nossa Lei de Arbitragem, iniciando, no Brasil, na perspec-

tiva de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, uma nova era, “era em que o processo jurisdicional fique reservado para aqueles em que nenhuma outra forma de resolução de conflitos foi adequada”. (18)

Por fim, vale transcrever aqui os ensinamentos do ilustre professor VICENTE RÁO, por entender que a Lei de Arbitragem reflete esse pensamento: “Boa só é a norma que traduz uma aspiração ou uma necessidade reveladas, esta e aquela, pela consciência social e humana e não a que impõe a prática de doutrinas eivadas de mero logicismo”.

notas

1. Artigo 164 da Constituição Imperial do Brasil – “Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convenciona-rem as mesmas Partes.”

2. Lei nº 3.071, de 1o. de janeiro de 1996, artigos 1.037 a 1048.3. Câmara, Alexandre Freitas. Arbitragem – Lei nº 9307/96, p. 9.4. art. 3o, da Lei 9.307 de 1996 – “ As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao

juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

5. STF - Tribunal Pleno - Sentença Estrangeira Contestada nº 6.753-7 – Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Acórdão de 13/06/2002, D.J. de 04/10/2002, Ementário nº 2085-2.

6. Lemes, Selma Maria Ferreira. Princípios e Origens da Lei de Arbitragem. AASP/Revista do Advogado nº 51, p. 32.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

7. Ibidem, p. 33.8. Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, p. 319, v.4.9. Câmara, Alexandre Freitas. Arbitragem – Lei nº 9307/96, p. 28.10. art. 4o, §2o, da Lei 9.307 de 1996 – “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia

se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

11. STF - Tribunal Pleno - Sentença Estrangeira Contestada nº 6.753-7 – Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Acórdão de 13/06/2002, D.J. de 04/10/2002, Ementário nº 2085-2.

12. Carmona, Carlos Alberto. A Aspectos Atuais da Arbitragem. Arbitragem no Brasil no terceiro ano de vi-gência da Lei nº 93047/96.. p. 53.

13. Câmara, Alexandre Freitas. Arbitragem – Lei nº 9307/96, p. 34.14. Ibidem. p.3415. art. 7o, da Lei 9.307 de 1996 – “Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à

instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer m juízo, a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.”

16. Ráo, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. Anotação (114) de atualização da obra, por Ovídio Rocha Barros Sandoval,, p.792, v.2.

17. art. 9o, da Lei 9.307 de 1996 – “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes sub-metem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoa, podendo ser judicial ou extrajudicial.”

18. Câmara, Alexandre Freitas. Arbitragem – Lei nº 9307/96, p. 159.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

1.20. AulAS 23 E 24: lEASINg.

1.20.1. eMentário de teMas

Introdução e Conceito. Classificação e Características do Contrato. Partes do Contrato de Leasing e suas Respectivas Obrigações. Modalidades. Questões Controversas.

1.20.2. biblioGrafia obriGatória

Lei n° 6.099/74.Resolução 2.309/96, do Conselho Monetário Nacional.MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 349-

468.

1.20.3. biblioGrafia CoMPleMentar

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, vol. 3, págs. 571 a 581.MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Leasing. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

1.20.4. Caso Gerador

Durante a diligência legal dos Supermercados Pechincha, foram submetidos à sua análise contratos de “arrendamento mercantil” de veículos da frota do supermercado, os quais podem ser separados em três grandes grupos: os veículos leves, em sua maioria automóveis compactos, utilizados pela administração dos supermer-cados; os utilitários, tipo vans, que servem para realizar pequenas entregas de compras nas redondezas; e os ca-minhões, fundamentais para todo o processo de logística e da distribuição das mercadorias. Identifique quais os principais aspectos de cada contrato, para inserção no seu relatório de diligência legal, baseado nas informações fornecidas abaixo.

O contrato dos automóveis foi firmado com a Tupinambá Automóveis Arrendamento Mercantil S/A, bra-/A, bra-ço financeiro da conhecida montadora nacional, e tem como principais caraterísticas:

(i) o montante global das contraprestações a serem pagas pela empresa equivalem a 70% do valor de mer-cado dos carros objeto do leasing;

(ii) a propriedade dos automóveis é da arrendadora;(iii) prazo de vigência de 12 meses;(iv) o contrato pode ser rescindido a qualquer tempo pela arrendatária;(v) o valor da opção de compra no final da vigência do contrato é quase igual ao valor de mercado dos bens

arrendados; e(vi) toda a manutenção dos carros deverá ser feita em oficinas mecânicas credenciadas junto à arrendadora,

que também arcará com os custos da manutenção ordinária, troca de peças etc., obrigando-se a manter os veí-culos em perfeito estado de funcionamento.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

Os veículos utilitários de médio porte foram objeto de um contrato com a Afro Taboa Administração de Bens Ltda., sociedade limitada constituída conforme o código civil e cujo objeto social é o de administração de bens móveis próprios ou de terceiros. Esse contrato prevê que:

(i) a arrendatária terá uma opção irrevogável de compra dos bens, ao final do prazo contratual, pelo valor unitário de R$3.000,00, entre 10% e 5% do seu valor de mercado;

(ii) um prazo de vigência de cinco anos, durante os quais a arrendatária pagará prestações mensais, reajus-táveis ao final de cada ano de vigência;

(iii) ao final do prazo contratual, além da opção de compra, ela terá a opção de renovar o contrato por prazo semelhante, mantidas as demais condições contratuais, com um pequeno decréscimo no valor das parcelas mensais, em função da deterioração normal do bem; e

(iv) em caso de inadimplemento da obrigação do pagamento mensal, a arrendadora poderá requerer a busca e apreensão dos bens objeto do contrato.

Por fim, o contrato de leasing dos caminhões foi celebrado com a instituição financeira Ideal S/A Arrenda-mento Mercantil, renomada empresa do ramo, e possui como principais cláusulas:

(i) todos os custos de manutenção deverão ser arcados pela arrendatária, não se responsabilizando a finan-ceira pelo bom funcionamento e manutenção dos caminhões;

(ii) durante a vigência do contrato, de 60 (sessenta) meses, os Supermercados Pechincha poderão solicitar o aumento da frota inicialmente objeto do contrato, notificando a arrendadora previamente, a qual deverá ir ao mercado e adquirir os bens conforme especificados pela cliente;

(iii) o valor unitário da opção de compra de cada bem é de R$12.000,00. Todavia, o contrato prevê que esse valor deverá ser diluído nas prestações mensais, valendo o pagamento da última parcela como o exercício da opção, ocasião em que a titularidade dos caminhões será transferida, irrevogavelmente, aos Supermercados Pechincha;

(iv) as parcelas serão mensais e sucessivas, reajustadas periodicamente conforme a variação do dólar dos Estados Unidos em relação ao Real; e

(v) em caso de inadimplemento da obrigação do pagamento mensal, a arrendadora poderá requerer a busca e apreensão dos bens objeto do contrato.

1.20.5. roteiro de aula

a) introdução e Conceito

O contrato de leasing também é conhecido no Brasil como arrendamento mercantil, e é objeto de pouca regulamentação legal, embora seja largamente utilizado no comércio, pelas empresas e até mesmo pelas pessoas, sobretudo na aquisição de veículos automotores.

Embora sua origem remonte a épocas mais remotas, sua utilização iniciou-se nos Estados Unidos, na década de 1950, com vistas a permitir o avanço das atividades econômicas sem necessariamente aumentar o endividamento das empresas, e como acontece muito no Direito, a verificação de sua utilização, no mundo dos fatos, impôs a criação de normas jurídicas sobre o contrato. No Brasil, sua utilização foi observada a partir da década seguinte.

Trata-se de contrato atípico, isto é, sem previsão legal expressa no código. Sua regulamentação obedece a dois diplomas específicos: a Lei nº 6.099/1974, que, embora trate mais de seus aspectos tributários, tratou de definir, ainda que timidamente, o contrato logo em seu art. 1º, parágrafo único; e a Resolução nº 2.309, do Conselho Monetário Nacional, conforme delegação da referida lei, que efetivamente traz regras sobre os con-tornos jurídicos do contrato.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

Além dessas normas, a Lei nº 9.514/1997 criou a possibilidade de bens imóveis serem objeto de arrendamento mercantil, contrariando a orientação anterior que restringia essa modalidade contratual aos bens móveis.

A nomenclatura de “arrendamento mercantil” sofre algumas críticas na doutrina, e há quem preferiria chamar essa modalidade contratual de “locação financeira”. De fato, a noção de arrendamento – equivalente, de certa forma, à transferência da posse do bem – encerra apenas um dos aspectos do contrato, como se verá. Além disso, se inicialmente ele era direcionado às empresas, hoje em dia há um sem número de pessoas físicas que, muitas vezes até sem saber, se tornam arrendatárias em um contrato de leasing. Assim, não faria sentido qualificá-lo como mercantil, inclusive na contramão da tendência mo-derna de unificação do direito privado. Todavia, a designação de “arrendamento mercan-til” é largamente utilizada e, hoje, sem dúvida alguma, corresponde ao leasing no direito brasileiro.

A doutrina o qualifica como uma relação contratual complexa, composto de elemen-tos de vários contratos típicos, como a locação, a compra e venda, o mútuo e o mandato.

Uma boa conceituação é fornecida por Silvio Venosa37, para quem o contrato é aquele “mediante o qual um agente, pretendendo utilizar coisa móvel ou imóvel, faz com que insti-tuição financeira ou especializada o adquira, alugando-o posteriormente a ele por prazo certo, facultando-se-lhe a final que opte entre a devolução do bem, a renovação do contrato ou a compra pelo preço residual conforme estabelecido”.

O contrato, portanto, como a locação, transfere a posse do bem para o arrendatário. Como na promessa de compra e venda, obriga a transferência da propriedade do bem me-diante o pagamento do valor previsto no contrato, na forma e no tempo devidos. Como no mútuo, encerra o financiamento do valor global do bem, e prevê a cobrança de juros. Como no mandato, muitas vezes o arrendatário é quem trata da escolha dos bens com o vendedor, embora quem vá comprá-lo seja a arrendadora.

Contudo, o fato de ser multifacetado não faz com que ele deixe de constituir um único negócio jurídico, com uma única causa jurídica.

Além desses caracteres mais usuais, podem ser inseridas no contrato, no âmbito da autonomia privada, outras cláusulas que sirvam ao interesse das partes.

Vale ressaltar que boa parte da doutrina o qualifica como uma modalidade de finan-ciamento ao arrendatário. No entanto, como veremos adiante, nem sempre o caráter finan-ceiro é o que sobressai na contratação do leasing, como no caso da modalidade operacional. Muitas vezes é a transferência da posse sua característica mais importante.

O que ocorre é que, como a modalidade do leasing financeiro é a mais comum, alguns autores tomam a espécie pelo gênero e confundem os contornos dessa modalidade com a do próprio contrato. Portanto, cuidado ao ler os textos sobre o tema. Lembre-se sempre: o leasing é um contrato excepcional, atípico, que não se enquadra, atualmente, em nenhu-ma fórmula desenhada aprioristicamente pelo legislador. Suas características serão sempre verificadas no caso concreto, de acordo com as cláusulas contratuais negociadas entre as partes.

Tanto é assim que a jurisprudência nacional não aplica às operações de arrenda-mento mercantil a Súmula 492 do STF, que cria uma solidariedade entre o locatário e a empresa de locação de automóveis quanto à responsabilidade perante os danos causados a terceiros.

37 VENOsA, sílvio de salvo. Di-reito Civil. v. 3. 6. ed. são Paulo: Atlas, 2006. p. 571-572.

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

b) Classificação e Características do Contrato

A doutrina considera o contrato: (i) consensual, pois a própria manifestação de vontade aperfeiçoa o contrato, não sendo necessária a en-

trega da coisa;(ii) bilateral, pois encerra obrigação para o arrendador (e. g., a transferência da posse do bem) e para o

arrendatário (o pagamento das parcelas convencionadas);(iii) solene, porque o art. 7º da Res. 2.309 impõe a forma escrita ao contrato (instrumento público ou

particular) e determina a inserção de determinadas cláusulas no seu corpo;(iv) oneroso, pois ambos os contratantes têm ônus aos quais correspondem deveres;(v) comutativo, em virtude da liquidez e certeza das prestações;(vi) por tempo determinado e de execução sucessiva, em virtude de sua vigência contínua pelo seu prazo,

cada período contando como uma parte da relação contratual.A extinção do contrato se dá, ordinariamente, pelo fim do seu prazo, quando o arrendatário poderá esco-

lher entre exercer a opção de compra, a renovação do prazo do arrendamento ou a devolução do bem. Há casos também (sobretudo em contratos relativos a equipamentos de informática) em que a renovação implica em troca dos bens por modelos mais modernos ou mais novos. Ocorre também pelo inadimplemento, pelo distrato ou pela falência da arrendadora.

É também freqüente, principalmente em contratos de leasing financeiro, a existência de cláusula que per-mita o término antecipado do contrato, mediante o pagamento do restante da dívida.

C) Partes do Contrato de leasing e suas respectivas obrigações.

São duas as partes do contrato de leasing: o arrendador e o arrendatário.O arrendador, conforme determina a Resolução do CMN, deve necessariamente ser uma sociedade anô-

nima autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Deve constar do seu objeto social, no estatuto, expressamente, o desenvolvimento dessa atividade. A expressão “arrendamento mercantil” deve constar de sua denominação, e é exclusiva desse tipo de sociedade.

Não precisa, entretanto, ser necessariamente uma instituição financeira, contanto que não opere com a modalidade financeira, somente operacional. Nos dois casos, contudo, é necessária a autorização de funciona-mento do BACEN.

A obrigação primordial do arrendador é a de entregar o bem para o arrendatário, em prontas condições de uso para a finalidade acordada, garantindo a posse mansa e pacífica do seu contratante, embora mantenha a sua propriedade, pelo menos até o exercício da opção de compra. Tem também a obrigação de receber os bens de volta ao fim do prazo, caso não haja exercício da opção.

O arrendatário é aquele que se utiliza do bem. Inicialmente, o arrendatário deveria ser, obrigatoriamente, uma pessoa jurídica, conforme a redação original da Lei nº 6.099/1974. Todavia, a redação desse dispositivo foi alterada e, hoje, pessoas físicas também podem ser parte num contrato de leasing.

A obrigação fundamental do arrendatário é a de pagar as prestações na forma, valor e tempo estipulados no contrato. Seu inadimplemento terá conseqüências diversas conforme o contrato, mas em regra gera sua extinção e o direito de o arrendador se reintegrar na posse dos bens arrendados.

Além disso, deve o arrendatário zelar pela conservação dos bens, respondendo pelos prejuízos que causar ao bem, mesmo no caso de leasing operacional, em que o arrendador responde somente pela manutenção ordinária e pelo desgaste natural do bem arrendado.

Finalmente, o arrendatário possui a obrigação de devolver a coisa no final do prazo contratual, caso não haja nem a renovação do prazo nem o exercício da opção de compra.

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Existe, em muitos casos, a interveniência do vendedor do bem no contrato de leasing financeiro, em que o arrendatário escolhe os bens a serem objeto do arrendamento. Nesses casos, a regra é que o vendedor esteja no contrato para garantir prazos de entrega, especificações técnicas etc., competindo às partes originárias concorda-rem sobre os demais termos do arrendamento.

d) Modalidades.

Existem duas espécies – embora a autonomia privada possa criar outras figuras ou até mesmo figuras híbri-das – de leasing reconhecidas no direito brasileiro (cf. a Resolução 2.309), o operacional e o financeiro.

O leasing financeiro, também conhecido como puro, é o tradicional, e foi a partir dele que se desenvolveu originalmente esse tipo de contrato. Sua lógica econômica é a de constituir um financiamento para um agente econômico (pessoas ou empresas), na aquisição de um determinado bem, sem que, contudo, esse agente deva contratar um financiamento direto em seu nome junto ao fornecedor ou a um banco (onde as taxas de juros em geral são bem mais altas).

É claro que o leasing financeiro, por si só, é um financiamento, mas dotado de características próprias, como o fato de que a propriedade do bem, ao contrário do que ocorre no mútuo bancário comum, fica com a arrendadora e não com o financiado. Por outro lado, outro traço que difere o leasing do financiamento, é que o bem não é ori-ginalmente de titularidade do arrendador, que vai ao mercado adquiri-lo conforme as instruções do arrendatário.

Em linhas gerais, ocorre que o arrendatário escolhe o bem e o arrendador, ao pagar o preço, compra o bem do fornecedor, e, imediatamente após, transfere sua posse ao arrendatário.

Nessa modalidade, o valor da opção de compra – conhecido comumente como valor residual garantido ou VRG – é de pequena monta se comparado às prestações, na medida em que, se a “causa” do contrato é o finan-ciamento, o exercício da opção de compra é quase uma certeza. As prestações, durante a vigência do contrato, são relativamente mais altas, pois remuneram não só o uso da coisa como também o seu custo de aquisição.

Uma subespécie de leasing financeiro é o conhecido como sale lease-back. Esse tipo de operação não tem previsão legal no nosso ordenamento, nem mesmo na Resolução nº 2.309. Nesse caso, o bem arrendado é ori-ginalmente de titularidade do arrendatário que, para levantar recursos imediatos, para a obtenção de capital de giro, vende o bem para a empresa de arrendamento mercantil, que imediatamente transfere (fictamente) a posse dele de volta para sua antiga proprietária, já sob a forma de leasing.

Do ponto de vista prático, o sale lease-back muito se assemelha ao mútuo, pois a arrendatária efetivamente recebe recursos em dinheiro oriundos da venda do bem, sobre os quais incidirão juros e que serão pagos nas prestações periódicas previstas no arrendamento mercantil.

Nesse caso, não há interveniência da fornecedora original, pois o bem já era de propriedade da arrendatária.Por conta dessas características marcantes de intermediação financeira, o leasing financeiro clássico e o

lease-back são atividades privativas de instituição financeira, sujeitas à regulamentação do Banco Central. Assim, como a elas é permitida a captação de recursos no exterior para fazer frente às suas operações, o risco da variação cambial pode ser repassado ao arrendatário, mediante cláusula que reajuste o valor das prestações pela cotação da moeda estrangeira.

A variação cambial nos contratos é em regra proibida por força do art. 318 do código civil, mas desde o antigo Decreto-Lei nº 857/1969, ainda em vigor, se admitia sua pactuação nos contratos de arrendamento mercantil. O novo código não alterou essa sistemática, que também foi inserida na Lei do Plano Real (Lei nº 8.880/1994, art. 6º).

Finalmente, existe a modalidade de leasing operacional. Nesse caso, em geral o arrendador é o próprio fabricante, que transfere a posse dos bens para o arrendatário por um determinado prazo, obrigando-se ainda a prestar assistência técnica e manutenção nos bens arrendados. Geralmente pode ser resilido unilateralmente pelo arrendatário, ao contrário do que ocorre no financeiro.

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Nesse caso, como não há o caráter financeiro, o valor da opção de compra tende a ser expressivo, pois as prestações em regra equivalem somente ao custo pelo uso do bem, como numa locação comum.

Se no leasing financeiro ressalta-se o caráter do mútuo, no operacional o traço da locação é mais marcante, embora, como já vimos, os contornos próprios do arrendamento mercantil impedem que ele seja caracterizado ou enquadrado como um ou outro.

e) questões Controversas.

Talvez pela pouca produção legislativa sobre o tema, o contrato de leasing sempre suscitou questões con-troversas na jurisprudência nacional. Duas delas, todavia, adquiriram maior relevância no cenário jurídico nos últimos anos.

A primeira delas é a discussão sobre se a diluição do chamado VRG nas demais prestações do contrato descaracteriza o leasing. Como vimos, o valor residual é aquele correspondente à opção de compra conferida ao arrendatário no final do prazo do contrato.

No leasing financeiro, onde o valor da opção é relativamente pequeno, como visto, as empresas passaram a embutir, nas próprias prestações periódicas, uma parcela do VRG, de modo que, quando do último pagamento por parte do arrendatário, o valor referente à opção de compra já estaria quitado e, portanto, a propriedade do bem era automaticamente transmitida ao arrendatário.

Parte da doutrina passou a enxergar nesse tipo de ajuste uma compra e venda a prestações disfarçada, com o preço sendo financiado pelo vendedor (no caso, a empresa de arrendamento mercantil), descaracterizando na hipótese o contrato como leasing. Vide, por exemplo, o julgamento no RESP 237.230/RS no STJ. Nesse caso, a opção de compra, que caracterizaria o contrato, deveria ser cobrada necessariamente ao final do contrato.

Essa controvérsia tem grande relevância prática, pois a descaracterização do leasing implica no impedimen-to da propositura de ação de reintegração de posse, na hipótese de falta de pagamento das prestações acordadas; configurando-se o negócio como compra e venda ou como mútuo, o inadimplemento gera a resolução do con-trato em perdas e danos, mas o arrendador não faz jus à retomada do bem.

Esse entendimento chegou a ser cristalizado no STJ, que editou a Súmula 263, segundo a qual “a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em com-pra e venda a prestação”.

Posteriormente, no entanto, a corte reviu o seu posicionamento, balizada na melhor doutrina, e passou a entender que, embora se diluindo o VRG nas demais prestações, existem outras características marcadamente do contrato de leasing que permanecem presentes, como a possibilidade de renovação e a manutenção da pro-priedade do bem com o arrendador.

Com isso, sobreveio o cancelamento da Súmula 263 e a subseqüente edição da Súmula 293, que pacificou, na corte superior, o entendimento que “a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracte-riza o contrato de arrendamento mercantil”.

Vale ressaltar que, apesar da mudança de entendimento do STJ, alguns tribunais ainda seguem a linha da Súmula 263, descaracterizando o arrendamento nessa hipótese, o que só faz aumentar a insegurança jurídica no assunto.

Além disso, a possibilidade de repassar para as prestações a variação de moeda estrangeira em relação à moeda nacional também gerou uma enxurrada de ações judiciais, sobretudo a partir de janeiro de 1999, quando a mudança do regime cambial brasileiro fez com que a cotação do dólar dos Estados Unidos praticamente do-brasse em menos de um mês, com o reflexo correspondente nos contratos de arrendamento mercantil.

Esse impacto foi maximizado pelo fato de que, atualmente, a compra de automóveis por meio de um lea-sing financeiro é uma operação corriqueira. O consumidor vai à concessionária, escolhe o carro, e uma sociedade de arrendamento mercantil financia o valor, enquanto o consumidor usufruta do bem.

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Como esses contratos previam a variação cambial, conforme permissão legal, as prestações aumentaram vertiginosamente, em manifesta desvantagem para o consumidor, que arca com todo o aumento, o que estaria em desacordo com o código de defesa do consumidor.

Por um lado, as empresas de arrendamento mercantil defendiam a liceidade do contrato baseado não só no permissivo legal de variação cambial da Lei nº 8.880/1994, como também sob a alegação de que o leasing, pela sua estrutura contratual complexa, não é contrato de consumo e, portanto, não se sujeita ao CDC. Os consu-midores lesados, por sua vez, diziam se enquadrar perfeitamente no conceito legal de consumidor, não havendo nenhum tipo de exceção à regra estabelecida no art. 2º do CDC, e, sendo assim, seriam abusivas as cláusulas que previam a variação cambial e, por isso, deveriam ser fulminadas com a nulidade prevista no art. 51, IV, da legislação especial.

Alguns juízes afastavam o comando do art. 6º da Lei nº 8.880/1994, com base na idéia de que o arren-dador teria que provar que houve captação de recursos em moeda estrangeira especificamente para o contrato daquele consumidor que estava propondo a ação, o que, na prática, era impossível, pois não há uma relação de-terminada de correspondência, nas tesourarias bancárias e das instituições de arrendamento, entre as operações de captação e de financiamento.

Outros preferiam prestigiar a livre autonomia privada, e, ao alegar que o arrendatário assinou um contrato – sem a existência de qualquer vício –, manifestando válida e livremente a sua vontade, que previa a variação cambial, com base na legislação vigente, não haveria porque esta disposição ser afastada pelo Poder Judiciário.

Essa discussão se arrastou (e ainda se arrasta) nos tribunais, sem que, contudo, a jurisprudência tenha chegado a uma conclusão definitiva sobre o assunto. Todavia, o STJ tem optado por uma solução salomônica, dividindo pela metade o prejuízo decorrente do aumento das prestações do arrendamento mercantil em virtude da mudança de regime cambial e a conseqüente disparada da cotação da moeda estrangeira (e. g. REsp 727899 / DF).

1.20.6. questões de ConCurso

Petrobras – 2003 – Advogado JúniorA empresa Dinamismo s.A. firmou com a empresa Arrendamento mercantil s.A. um contrato de leasing financeiro em que se previa a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRg), sobre o qual inci-diam juros de 20% ao ano e juros capitalizados.Posteriormente, quando já havia pago 75% das prestações, a empresa Dinamismo s.A., sentindo-se preju-dicada com os termos do contrato, parou de efetuar o pagamento e pleiteou judicialmente a anulação do contrato. A empresa Arrendamento mercantil s.A., por sua vez, diante do inadimplemento de mais de três prestações, interpôs ação de reintegração de posse para haver a restituição do bem, pleiteando a perda das quantias pagas pela arrendatária, por não cumprimento do contrato.Diante da situação hipotética apresentada acima, redija um parecer a respeito da questão, explicando funda-mentadamente o seu ponto de vista, quando for o caso, e abordando especialmente os seguintes aspectos: • se a cobrança antecipada do VRg descaracteriza o leasing; • (...) [não relacionada à matéria]• o direito do arrendatário à restituição de todas as parcelas pagas ou das parcelas pagas a título de anteci-pação do VRg, em dobro, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor; • na hipótese de serem pagas todas as prestações pelo arrendatário, se este ainda conserva as opções previs-tas para o término do contrato, e quais são elas; • a hipótese da reintegração de posse proposta pela arrendante; • (...)[não relacionada à matéria].

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1.21. AulA 25: RESulTAdO dA dIlIgêNCIA.

1.21.1. eMentário de teMas

Compra e Venda. Troca ou Permuta. Contrato Estimatório. Doação. Locação. Comodato. Mútuo. Presta-ção de Serviços. Empreitada. Depósito. Mandato. Comissão. Agência. Distribuição. Licença e Cessão da Marca. Jogo e Aposta. Seguro. Fiança. Transação e Compromisso. Leasing.

1.21.2. biblioGrafia obriGatória

CARNEIRO, Maria Neuenschwander Escosteguy. Beabá das fusões Due Diligence jurídica garante li-sura de operações. Consultor jurídico. Artigo disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/38413,1. Acesso em 04.ago.2006. (em anexo)

1.21.3. trabalHo

Hoje os alunos deverão apresentar e discutir em sala de aula o seu relatório da diligência. Ao elaborar o relatório, os alunos deverão aproveitar para fazer uma boa revisão da matéria, analisando aula por aula e relem-brando os casos e discussões deste semestre.

Vale lembrar que o relatório de diligência da área de contratos deve abranger o maior número de questões que possam vir a afetar a aquisição das quotas do Supermercado Pechincha, assim como questões que possam afetar o funcionamento do supermercado no futuro.

É preciso dar ao cliente, Grana Certa Empreendimentos S.A., um panorama com a situação atual dos contratos da empresa, destacando os problemas encontrados e, quando possível, uma sugestão para resolvê-los ou mitigá-los.

O relatório deverá conter três partes: (i) Sumário – com a indicação dos pontos que são mais importantes para o cliente. Por exemplo: contratos

que possam impedir ou dificultar a aquisição do supermercado ou que possam desvalorizar o supermercado no futuro.

(ii) Lista de contratos que foram objeto da diligência – O aluno deverá incluir em seu relatório não apenas os contratos que foram efetivamente fornecidos em sala de aula, mas também aqueles sobre os quais obtiveram informações. O aluno deverá identificar no relatório os contratos a que teve acesso e os que apenas teve conhe-cimento.

(iii) Descrição de cada contrato e das questões levantadas durante a diligência que possam ser de interesse ao cliente.

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Beabá das fusõesdue diligence jurídica garante lisura de operaçõespor Maria neuenschwander escosteguy Carneiro

Segundo noticiou a Imprensa, no primeiro semestre de 2005, houve um aumento de 38% no número de fusões e aquisições, comparado ao primeiro semestre de 2004. Atrelada a este aumento, está a necessidade de realização das chamadas “due diligences” jurídicas.

Alguns autores informam que as due diligences jurídicas teriam surgido a partir do conceito do Direito Romano “diligentia quam suis rebus” (diligência de um cidadão em gerenciar suas coisas), conceito este que foi sendo trabalhado em decisões dos tribunais norte-americanos. Contudo, foi mesmo na prática empresarial que as due diligences jurídicas se firmaram.

As due diligences jurídicas podem ser definidas como procedimentos sistemáticos preventivos de revisão e análise de informações e documentos, visando à verificação da situação de sociedades, estabelecimentos, fundos de comércio e dos ativos que as compõem, avaliação dos riscos inerentes, garantias a prestar, determinação de responsabilidades ou outras, consoante cada caso concreto.

Releva esclarecer que a due diligence não existe como figura jurídica autônoma na legislação brasileira. Desta forma, o mais adequado é entendê-la como uma metodologia — e não como uma obrigação legal — a ser utilizada opcionalmente pelas partes, podendo ser aconselhável em diversos momentos da negociação. A identificação de contingências em momento anterior ao closing da operação favorece a empresa interessada, permitindo renegociar o preço final, identificar problemas a serem resolvidos após a concretização do negócio, ou mesmo exigir maiores garantias do vendedor.

Assunto discutido entre os especialistas é a abrangência dos relatórios de due diligence. Nas fusões e aqui-sições, é recomendável uma profunda e pormenorizada investigação em todos os aspectos jurídicos de uma companhia objeto de qualquer modalidade de aquisição. Esta investigação pode abranger aspectos pessoais dos sócios, o potencial de crescimento do negócio, o nível de competição do setor, implicações financeiras, dentre outros, destinando-se sempre à conclusão sobre a viabilidade da operação.

O volume de informações e documentos manuseados em uma due diligence pode ser tão grande que acaba fazendo com que vários profissionais tenham de se acomodar nas sedes das sociedades envolvidas.

Além disso, as particularidades inerentes às operações podem exigir o trabalho conjunto de profissionais de várias áreas, com vistas à apuração dos riscos ínsitos à atividade desenvolvida pelas empresas.

Cabe destacar, ademais, que as due diligences jurídicas devem identificar também passivos decorrentes de potenciais focos de preocupação concorrencial ou mesmo de investigações em curso pelos órgãos de defesa da concorrência.

Exemplo disso ocorreu recentemente: o controle de uma das 18 empresas do setor de mineração e britas para a construção civil com atuação na região metropolitana de São Paulo condenadas pelo Cade — Conselho Administrativo de Defesa Econômica por formação de cartel para divisão do mercado havia sido adquirido por um novo sócio e, após a aquisição, não foram apresentadas provas ao Cade de que a empresa teria continuado a participar da colusão.

O Cade expôs que a penalidade havia sido imposta à pessoa jurídica e não a seus acionistas e que se o novo sócio entendia-se lesado, poderia buscar a reparação de perdas e danos no Poder Judiciário. Esta situação demonstra que assuntos concorrenciais podem afetar a avaliação dos ativos adquiridos em uma operação de aquisição de controle, já que eventuais penalidades aplicadas pela Autoridade Antitruste podem representar a eliminação do ganho naquela aquisição.

Não menos relevante é a identificação dos passivos tributário, trabalhista, previdenciário e ambiental, os quais podem gerar responsabilidades vultosas (imediatas e futuras) e que, se não forem bem e previamente di-mensionados, podem até mesmo inviabilizar o projeto empresarial.

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Verifica-se, pois, a importância da adoção de cuidadosos procedimentos de due diligence, capazes de de-monstrar, com muita clareza e com elevado grau de segurança, todas as variáveis que merecem ser analisadas antes da conclusão de negócios envolvendo operações de fusões e aquisições de empresas.

Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2005.

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1.22. AulA 26: ClOSINg!

1.22.1. Caso Gerador

Após analisar cuidadosamente nosso relatório de due diligence e resolver as questões relacionadas às marcas do Supermercado Pechincha, o senhor Odin Heiro regateou com o senhor Eduardo Russo o preço das quotas da Pechincha Comércio Varejista Ltda. e considerou que, mesmo com as questões encontradas na due diligence, a aquisição das quotas do supermercado seria um bom negócio.

Sendo assim, fomos chamados para ajudá-lo no closing, ou seja, no fechamento do negócio. Ele nos mos-trou dois documentos que recebeu do advogado do senhor Eduardo Russo e pediu nossos comentários.

O primeiro deles é uma minuta de procuração. Não tendo certeza de que poderá comparecer pessoalmente ao evento de assinatura do contrato de compra e venda das quotas, o senhor Eduardo Russo pretende outorgar uma procuração a seu filho para que ele o represente, conforme minuta em anexo.

PROCURAÇÃO

Pelo presente instrumento particular de mandato, EDUARDO RUSSO, brasileiro, casado, empresário, portador da carteira de identidade nº xxxxxxxxx, inscrito no CPF/MF sob o nº 01010101, residente e domiciliado em Brasília, Dis-trito Federal (“Outorgante”) nomeia e constitui como seu bastante procurador, JEREMIAS RUSSO, brasileiro, solteiro, empresário, portador da carteira de identidade nº yyyyyyyyy, inscrito no CPF/MF sob o nº 02020202, residente e domici-liado em Brasília, Distrito Federal (“Outorgado”), para (i) celebrar quaisquer contratos, estipular ou impugnar cláusulas e condições, celebrar, alterar, prorrogar, rescindir e assinar quaisquer contratos em nome do Outorgante; (ii) representar o Outorgante junto às Repartições Públicas, Federais, Estaduais, Municipais e Autárquicas, Juntas Comerciais, Cartórios de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Cartórios de Protestos de Letras e Títulos, Secretaria de Estado de Negócios da Fazenda Estadual, órgãos ambientais e órgãos regulatórios; bem como praticar todos os atos necessários ao fiel cumprimento deste mandato. Fica vedado o substabelecimento dos poderes outorgados por este mandato. Esta procuração terá validade de 30 dias após a data de assinatura do mandato.

Eduardo RussoRelembrando o que aprendemos na aula de mandato, que sugestões você poderia fazer na procuração?

E se tivéssemos acesso àquela procuração apenas na data da assinatura do contrato e não pudéssemos fazer sugestões antes do closing? Que providência poderia ser tomada para dar mais segurança ao nosso cliente quanto à assinatura do contrato pelo senhor Jeremias?

O outro documento que o senhor Odin Heiro nos deu, foi a minuta do contrato de compra e venda de quotas abaixo.

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE QUOTAS

GRANA CERTA EMPREENDIMENTOS S/A, companhia com sede na Rua ABC, 2222, Cidade e Estado do Rio de Janeiro, inscrita no CNPJ sob o n° 002.002.222/0001-22, representada na forma de seu estatuto social, doravante denominada simplesmente “Compradora”; e

EDUARDO RUSSO, brasileiro, casado, empresário, portador da carteira de identidade nº xxxxxxxxx, inscri-to no CPF/MF sob o nº 01010101, residente e domiciliado em Brasília, Distrito Federal, neste ato representado por seu procurador, Jeremias Russo, brasileiro, solteiro, empresário, portador da carteira de identidade nº yyyyyyyyy,

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inscrito no CPF/MF sob o nº 02020202, residente e domiciliado em Brasília, Distrito Federal, doravante denomi-nado simplesmente “Vendedor”;

e, ainda, na qualidade de interveniente-anuente:PECHINCHA COMÉRCIO VAREJISTA LTDA., sociedade com sede na Quadra XYZ, Brasília, Distrito

Federal, inscrita no CNPJ sob o n° 000.000.002/0001-00, representada na forma de seu contrato social, doravante denominada simplesmente “Sociedade”;

CONSIDERANDO QUE:(i) O Vendedor é legítimo possuidor e proprietário de x quotas representativas de 99% (noventa e nove por

cento) do capital social da Sociedade (“Quotas”); e(ii) O Vendedor deseja alienar as Quotas, e que a Compradora deseja adquiri-las, nos termos ajustados pelo

presente instrumento,O Vendedor e a Compradora (doravante referidos simplesmente como “Partes”) têm, entre si, justa e contra-

tada a celebração do presente Contrato de Compra e Venda de Quotas (“Contrato”), de acordo com as seguintes cláusulas e condições:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DA COMPRA E VENDA DAS QUOTAS1.1. Pelo presente Contrato e na melhor forma de direito, o Vendedor cede e transfere, com todos os respecti-

vos direitos e obrigações, a totalidade de suas Quotas representativas do capital social da Sociedade à Compradora, pelo preço certo e ajustado estabelecido na Cláusula 2.1 abaixo.

1.2. O Vendedor, neste ato, declara que as Quotas foram regularmente integralizadas e se encontram inteira-mente livres e desembaraçadas de ônus, gravames, encargos, turbações, usufrutos ou qualquer outra restrição à posse e/ou a qualquer outro direito inerente a tais Quotas.

CLÁUSULA SEGUNDA - FORMA DE PAGAMENTO2.1. O preço certo, total e ajustado para a aquisição das Quotas é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)

(“Preço”), a ser pago pela Compradora ao Vendedor da seguinte forma:(a) R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) pagos neste ato, por meio da entrega pela Compradora

ao Vendedor do cheque administrativo nº [...] da conta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco [...]; e(b) R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) a serem pagos em até 90 dias a contar desta data, me-

diante depósito na conta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco [...];(c) R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a serem pagos um ano após esta data, mediante depósito na con-

ta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco [...];2.1.1. Uma vez creditado na conta-corrente do Vendedor, o pagamento das parcelas que perfazem o Preço, cons-

tantes do item 2.1 acima, o Vendedor outorgará à Compradora, plena, rasa e geral quitação com relação ao valor pago.CLÁUSULA TERCEIRA – TRANSFERÊNCIA DAS QUOTAS3.1. A transferência das Quotas será formalizada no ato do pagamento pela Compradora, da totalidade do

Preço devido ao Vendedor, mencionado na Cláusula Segunda, mediante a assinatura da competente alteração do contrato social da Sociedade.

CLÁUSULA QUARTA - DISPOSIÇÕES GERAIS4.1. O presente Contrato é celebrado em caráter irrevogável e irretratável e obriga e aproveita às Partes e à

Sociedade, seus sucessores, herdeiros, cessionários e representantes legais, a qualquer título, e somente poderá ser alterado por instrumento escrito devidamente assinado por todas as Partes.

4.2. O não exercício ou atraso por qualquer das Partes e/ou da Sociedade, no exercício de qualquer direito previsto neste Contrato deverá ser interpretado individualmente e não poderá ser considerado como renúncia por

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CONTRATOs Em EsPÉCIE

qualquer das Partes ou novação de qualquer obrigação contida neste Contrato, sendo considerada como mero ato de liberalidade.

4.3. Na hipótese de qualquer disposição ou parte de qualquer disposição deste Contrato ser tida como nula, anulada ou inexeqüível, por qualquer motivo, essa disposição será suprimida e não terá nenhuma força e efeito. En-tretanto, se essa disposição suprimida prejudicar a execução deste Contrato, as demais disposições serão modificadas para preservar sua exeqüibilidade.

4.4. Fica ajustado entre as Partes que as despesas decorrentes do arquivamento da alteração contratual referida na cláusula 3.1 do presente Contrato será de exclusiva responsabilidade da Compradora, inclusive quaisquer despe-sas decorrentes de serviços profissionais por ele contratados.

4.5. Toda e qualquer alteração das disposições do presente Contrato somente será válida e exeqüível, e somen-te produzirá efeitos, se formalizada mediante instrumento escrito assinado pelas Partes e pela Sociedade.

4.6. O presente Contrato constitui o acordo final, cabal e exclusivo entre as Partes com relação à compra e venda das Quotas, substituindo todos os acordos, entendimentos e declarações anteriores, orais ou escritos, a esse respeito.

4.7. O presente Contrato ou quaisquer direitos e/ou obrigações dele oriundos não poderão ser cedidos sem o prévio e expresso consentimento das Partes e da Sociedade.

4.8. Todas as notificações e comunicações a serem feitas com relação ao presente Contrato serão elaboradas por escrito e serão enviadas para os endereços constantes do preâmbulo deste Contrato (i) por meio de Cartório de Títu-los e Documentos, (ii) por meio de carta registrada, ou (iii) com outra comprovação inequívoca de recebimento.

4.8.1. Quaisquer dos endereços constantes do preâmbulo poderão ser alterados, a qualquer tempo, mediante comunicação dada na forma prevista acima, entretanto a respectiva comunicação de alteração de endereço só tornar-se-á efetiva após o recebimento pela outra Parte e/ou pela Sociedade, conforme o caso.

4.9. As Partes declaram e reconhecem que o presente Contrato, assinado por 02 (duas) testemunhas, consti-tui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 585, inciso II, do Código de Processo Civil, assim como as obrigações de fazer, aqui contidas, comportam execução específica, nos termos dos artigos 461, 632, 639 e seguintes do Código de Processo Civil.

4.10. Fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, para dirimir quaisquer questões oriundas deste Con-trato, à exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.

E por estarem certas e ajustadas, as Partes assinam este Contrato em 03 (três) vias de igual teor e efeito, na presença de 02 (duas) testemunhas.

Rio de Janeiro, [dia] de novembro de 2006.

Eduardo Russo Grana Certa Empreendimentos S/A

Pechincha Comércio Varejista Ltda.

Testemunhas:1. 2.Nome: Nome:CPF/MF: CPF/MF

Cabe notar que se trata de minuta bem simples e similar à minuta que analisamos em nossa segunda aula. Tendo em vista que somos advogados da compradora:(a) que alterações poderíamos propor na minuta acima? (b) que novas cláusulas poderíamos sugerir?

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laura fragomeni é especialista em Propriedade Intelectual, contratos eTerceiro setor. mestrado (LL.m) na Universidade de Harvard em Cambridge.Pós Graduada em Direito da Economia e da Empresa, pela FGV/ RJ.Representante do Escritório Barbosa, müssnich & Aragão na ABPI - AssociaçãoBrasileira de Propriedade Intelectual e da INTA- International TrademarkAssociation. Associada ao Barbosa, müssnich & Aragão Advogados.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Fernando PenteadoVICE-DIRETOR DA GRADUAÇÃO

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO

Luiz Roberto AyoubPROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO

Ronaldo LemosCOORDENADOR CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Evandro Menezes de CarvalhoCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Rogério Barcelos AlvesCOORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

Lígia Fabris e Thiago Bottino do AmaralCOORDENADORES DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Wania TorresCOORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO