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MERCADO DE TRABALHO E O SERVIÇO SOCIAL NA AGENDA DA CONTRARREFORMA DO ESTADO 1 Ivana Arquejada Faes 2 Rosany Barcellos de Souza 3 Paola Cordeiro Pessanha 4 RESUMO: O artigo apresenta breve reflexão sobre a crise estrutural do capital, o movimento de contrarreforma do Estado e suas repercussões nas políticas sociais, no trabalho e no mercado de trabalho para os profissionais de Serviço Social. A metodologia adotada é pesquisa bibliográfica. PALAVRAS – CHAVE: crise do capital; contrarreforma do Estado; mercado de trabalho; serviço social. ABSTRACT: The article presents a brief reflection on the structural crisis of capital, the counterreformation movement of the State and its repercussions on social policies, work and the labor market for Social Work professionals. The methodology adopted is bibliographic research. KEYWORDS: capital crisis; counter-reform of the State; job market; social service. 1 Este artigo integra estudos da pesquisa guarda-chuva “Mercado de trabalho e espaços sociocupacionais do serviço social nas regiões norte e noroeste fluminense”, financiado pela FAPERJ. A discussão diz respeito ao sub projeto do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Sociais Rurais e Urbanas/Cnpq: “Espaços sociocupacionais e rede de serviços socioassistenciais: um estudo sobre a intersetorialidade das políticas sociais na agenda da dimensão técnico operativa do serviço social.” 2 Titulação: Doutora em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos/ Universidade Federal Fluminense. Email: [email protected] 3 Titulação: Doutora em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos/ Universidade Federal Fluminense. Email: [email protected] 4 Titulação: Mestranda em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; especialista em Gestão de Políticas Públicas: Família, infância e juventude pela Faculdade Governador Ozanam Coelho. Email: paolacordeiro_@ hotmail.com

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MERCADO DE TRABALHO E O SERVIÇO SOCIAL NA AGENDA DA

CONTRARREFORMA DO ESTADO1 Ivana Arquejada Faes2

Rosany Barcellos de Souza3 Paola Cordeiro Pessanha4

RESUMO: O artigo apresenta breve reflexão sobre a crise estrutural do capital, o movimento de contrarreforma do Estado e suas repercussões nas políticas sociais, no trabalho e no mercado de trabalho para os profissionais de Serviço Social. A metodologia adotada é pesquisa bibliográfica. PALAVRAS – CHAVE: crise do capital; contrarreforma do Estado; mercado de trabalho; serviço social.

ABSTRACT: The article presents a brief reflection on the structural crisis of capital, the counterreformation movement of the State and its repercussions on social policies, work and the labor market for Social Work professionals. The methodology adopted is bibliographic research.

KEYWORDS: capital crisis; counter-reform of the State; job market; social service.

1 Este artigo integra estudos da pesquisa guarda-chuva “Mercado de trabalho e espaços sociocupacionais do serviço social nas regiões norte e noroeste fluminense”, financiado pela FAPERJ. A discussão diz respeito ao sub projeto do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Sociais Rurais e Urbanas/Cnpq: “Espaços sociocupacionais e rede de serviços socioassistenciais: um estudo sobre a intersetorialidade das políticas sociais na agenda da dimensão técnico operativa do serviço social.” 2 Titulação: Doutora em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos/ Universidade Federal Fluminense. Email: [email protected] 3 Titulação: Doutora em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos/ Universidade Federal Fluminense. Email: [email protected] 4 Titulação: Mestranda em Serviço Social, fundamentos e trabalho profissional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; especialista em Gestão de Políticas Públicas: Família, infância e juventude pela Faculdade Governador Ozanam Coelho. Email: paolacordeiro_@ hotmail.com

I. INTRODUÇÃO:

O trabalho “[...] é condição fundamental de toda vida humana” (ENGELS, 2004, p. 11).

Analisar as características do mercado de trabalho para a profissão de Serviço Social é

relevante frente ao atual debate acerca da contrarreforma do Estado. Conforme Iamamoto

(2009,p.34) “[..]o trabalho do assistente social inscreve-se predominantemente em outras

relações que extrapolam o universo do capital na sua forma produtiva de mais – valia [...]”

A forma como o trabalho se configura na sociedade capitalistaneoliberal

apresenta relações e condições sobre as quais os profissionais de Serviço Social intervêm

na realidade social. Segundo Alencar e Granemann (2009,p.98), para analisar e desvendar

os elementos que encobrem a atuação do Serviço Social na contemporaneidade devem ser

observadas as novas faces das determinações históricas do capitalismo no mundo do

trabalho. Efetivamente, desde a consolidação da profissão, na época de enraizamento do

capitalismo monopolista, os assistentes sociais têm se deparado com ameaças decorrentes

de limites institucionais à autonomia profissional.

Na atualidade, além de limites institucionais, a ofensiva decorrente da

reestruturação produtiva, ao promover o desmonte dos direitos trabalhistas e a

desvalorização da força de trabalho, expõe aos assistentes sociais relações e condições de

trabalho precarizadas, sujeitando-os à terceirização de serviços, às subcontratações,

ameaçando a competência profissional em seus determinantes fundamentais: teórico

metodológico, técnico operativo e ético político, fragilizando as diretrizes da Lei nº 8.662/93.

A condição de terceirizados nos serviços prestados por assistentes sociais em

espaços sócio-ocupacionais diversos provoca inseguranças frente à correspondência de

demandas da rotina institucional, sendo produzidas ações que repercutem no fortalecimento

do capital e na fragilização do Projeto Ético Político da categoria profissional, bem como da

classe trabalhadora em sua totalidade, incluindo aí, os assistentes sociais.

II. CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: O processo de reestruturação produtiva do capital é marcado por mudanças na

esfera da produção, na divisão social e técnica, e internacional do trabalho e nas relações

entre o mercado e o Estado, afetando as relações sociais de produção no interior da

dinâmica capitalista contemporânea que, dentre outros aspectos, faz emergir novas formas

de gestão e uso da força de trabalho, afetando diretamente as condições de vida e trabalho

da classe trabalhadora.

Reorganizar o processo produtivo foi a forma definida para permitir o aumento

da acumulação. Para tanto, foram tomadas medidas essenciais à diminuição de postos de

trabalho, trazendo como consequência o aumento de uma superpopulação excedente à

capacidade de absorção do sistema capitalista. Sob este cenário, os trabalhadores,

expulsos do mercado formal de trabalho, encontram na informalidade a alternativa –

precarizada – de se inserir no mundo do trabalho, se sentindo parte do processo produtivo.

Analisar as transformações estabelecidas nos processos produtivos e nas condições de

trabalho sob o ideário neoliberal permite a apreensão de elementos que revelam a lógica

destrutiva do capital, uma vez que os caminhos tomados pelo capitalismo ao longo de sua

trajetória sempre privilegiaram o capital em detrimento dos interesses e necessidades da

classe trabalhadora.

O Estado (maior empregador dos assistentes sociais, para operacionalizar

políticas sociais) diante desse processo tem sido reconfigurado pelo neoliberalismo,

contribuindo sobremaneira com o cenário de acentuada precarização do trabalho,

legitimando os aparatos legais que contribuem com a lógica do capital através da utilização

de métodos flexíveis de exploração, submetendo os trabalhadores à instabilidade, aos

baixos salários, à ausência de direitos, a intensas e extensas jornadas, enfim a uma

dinâmica extremamente precarizada, especialmente em municípios de pequeno porte.

Como Marx e Engels (1996) já sinalizavam, o “Estado [...] não é mais do que a forma de

organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior,

para a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses.[...]”

De acordo com IstvánMészáros (2009,p.74), uma crise estrutural se consolida ao

se reconhecer que “o metabolismo” do capital sofre modificações na sua essência: gera,

portanto, mecanismos para atendimento às necessidades, bem como para sua

autorreprodução, precarizando, paralelamente, as diversas esferas da vida social.

Mészáros (2009,p.100) analisa a crise estrutural do capital como uma crise cujas

implicações afetam “o sistema do capital global não simplesmente sob um de seus aspectos

– o financeiro/monetário, por exemplo, senão em todas suas dimensões fundamentais,

questionando sua viabilidade como sistema reprodutivo social no todo”, se diferenciando das

crises cíclicas, as quais ocorrem em um determinado período.

Netto (2012) ao interpretar a crise afirma que ela é um processo comum à lógica

do capital, uma vez que a ocorrência de crises cíclicas tem sido experimentada pelo

capitalismo desde a segunda metade do século XIX. Isto significa que o sistema do capital é

passível de crises cíclicas inerentes ao seu desenvolvimento, revelando certa “rotina” em

sua organização interna. Há de se considerar que as expressões das crises podem se

caracterizar como implicações de ordem “sistêmica”, conforme Netto (2012), ou “estrutural”,

nas palavras de Mészáros (2009).

O cenário de crise estrutural do capital, iniciado na década de 1970, revelou

estagnação das taxas de lucros, desemprego estrutural, desenvolvimento tecnológico e

consequente diminuição do trabalho vivo. Nesse processo, o Estado, restrito em seu papel,

minimizou a manutenção dos padrões que pautaram o Welfarestate e o Keynesianismo-

Fordismo (processos em que o capitalismo teve intenso desenvolvimento das forças

produtivas em contraposição às relações de produção). Essa crise causou uma ruptura com

o modelo Keynesiano-Fordista, havendo grande pressão social para reconfiguração do

Estado. Behring (1998,p159) analisa que,

Nesse contexto da crise de superprodução, o capital já apresentava crises clássicas

de superprodução, cujos esforços de limitação por meio do crédito perderam

eficácia, em cada pequeno ciclo; contenção brusca dos rendimentos tecnológicos

(poucas ou marginais invenções novas); crise do sistema imperialista (mesmo na

dominação indireta dos países coloniais e semi-industrializados); crise social e

política nos países imperialistas, com ascensão das lutas (a exemplo da greve dos

mineiros na Inglaterra no início dos anos 1980), em função do início das políticas de

austeridade; e crise de credibilidade do capitalismo, enquanto sistema capaz de

garantir o pleno emprego, o nível de vida e as liberdades democráticas.

Como consequência, houve restrição ao escoamento da produção em massa,

visto que o consumo de bens à época havia chegado a um ponto de saturação. Em 1974-75

diante de uma nova crise de superprodução, tem-se o aumento da inflação, incertezas

decorrentes da crise do petróleo, agravamento do desemprego, altos preços das matérias-

primas, entre outros aspectos. No discurso “competente” (CHAUÍ, 2010) dos capitalistas, a

crise foi consequência do poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários, bem

como por um grande gasto nas políticas redistributivas garantidas pelo Welfare-state –

Estado de Bem-Estar Social – que acabou prejudicando o crescimento da economia e dos

novos empregos.

Mas, considerando que a crise imprime à realidade movimento, conforme as

autoras Behring e Boschetti (2006) analisam, as forças político-econômicas representantes

dos interesses capitalistas apontam três alternativas para a saída da crise: “a reestruturação

produtiva”, marcada pela revolução tecnológica, com uma acumulação flexível, modificando

o modelo econômico; “a mundialização da economia”, alterando as relações da produção e

de sua comercialização, com uma nova divisão social e internacional do trabalho; e, por fim,

“o ideário neoliberal”, que possibilitou um novo perfil às políticas econômicas, a partir da

redefinição do papel do Estado, que deverá restringir ao mínimo a regulação da economia.

Nesse sentido, os ideais neoliberais ganham espaço afirmando o Estado social como

causador da crise.

Diante do desemprego crescente, de um mercado regulador da economia, o

capital trilhou formas de reestabelecer o padrão de acumulação. Ao retomar o aumento das

taxas de lucros, acionou em contrapartida, a regressão em direitos conquistados

anteriormente, em especial no campo dos direitos sociais. Reestruturação produtiva em

curso, tendo em vista um novo padrão de acumulação flexível, com objetivo de recuperar o

ciclo produtivo do capital foi o cenário que se formou. Para sua manutenção houve grande

redução dos financiamentos públicos para com os sistemas de proteção social, e em

contrapartida, aumento dos impostos.

Para combater o ideal preconizado pelo Keynesianismo-Fordismo, visando a

consolidação de um capitalismo livre de regras, os anos de 1980 se consolidaram como um

período de ascensão dos ideais neoliberais conservadores. É nessa conjuntura de

minimização do Estado brasileiro, de perda de direitos sociais, de desregulamentação das

relações trabalhistas, de desemprego estrutural, de absorção estatal das dívidas privadas,

que se revelou o processo de Contrarreforma.

Segundo Iamamoto (2009,p.2) há um consenso de classe alimentado pela mídia,

pelas iniciativas empresariais sustentadas pelo movimento da reestruturação produtiva e da

responsabilidade social, “pela amplare – estruturação gerencial do Estado brasileiro,

condensada na contrarreforma do Estado [...] e correspondentes políticas sociais [...]”.

A Contrarreforma do Estado brasileiro:

Ao analisarmos os antecedentes da Contrarreforma, a partir especialmente da

crise de 1970, conhecida como a clássica crise de superprodução, precisamos reconhecer a

estagnação econômica gerada pela superprodução expressiva do sistema Fordista-

Keynesiano. Para a sobrevivência do sistema capitalista, foram necessárias novas formas

de reajustamento social, político e organizacional, engendradas em um novo conceito de

flexibilização.

A década de 1980 encontrou o Brasil envolto pelos determinantes do ideário

neoliberal, estando muito clara a redução do papel do Estado. A reforma do Estado

brasileiro teve o ajuste fiscal como centralidade, acompanhado da privatização de

instituições públicas e desmonte do sistema de proteção social. Frente a conturbadora

conjuntura da década de 1980 - cenário de hiperinflação- houve a necessidade de implantar

planos que combatessem a inflação, com a intenção de restaurar a estabilidade econômica

no país. Fernando Henrique Cardoso, em seu governo, "priorizou o controle da inflação e a

manutenção da estabilidade da moeda e conduziu como plataforma política, a urgência de

reformar o Estado, prioridades ligadas ao modelo teórico neoliberal" (COUTO, 2004, p.148-

149).

Diante de dificuldades e incapacidades do Estado desenvolver suas funções,

especialmente em relação aos serviços públicos, sustentados pela crise dos anos 1980, o

Ministro da Administração e Reforma do Estado (Bresser Pereira) propôs uma reforma

estatal, sob as bases da introdução de um “Plano Diretor Federal da Reforma do Aparelho

do Estado - PDRAE - (1995)”, apontando as reais tendências do governo FHC sustentadas

por: privatização da economia nacional, realização de uma reforma do Estado centrada no

funcionalismo público, restrição dos direitos previdenciários, com a finalidade de abrandar a

crise fiscal do Estado e gerar poupança para aumentar o crescimento econômico. Segundo

Iamamoto (2009,p.21), uma primeira proposta político institucional de resposta à questão

social é tensionada [...] por outra proposta de inspiração neoliberal: parte das políticas de ajuste

recomendadas pelos organismos internacionais comprometidas com a lógica

financeira do grande capital internacional, que capturam o Estado nacional num

contexto de crise e de fragilização do processo de organização dos trabalhadores,

se materializa a partir de meados dos anos noventa, na profunda reestruturação do

aparelho de Estado, conforme diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor do Estado,

do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE) atropelando, no

processo de sua regulamentação legal, as normas constitucionais relativas aos

direitos sociais, o que atinge profundamente a seguridade social [...].

A "reforma" deveria trilhar por algumas direções específicas: percorrer caminhos

fiscais duradouros; produzir reformas econômicas orientadas para o mercado,

acompanhadas de uma política industrial e tecnológica que fortalecesse a competitividade

da indústria nacional; reformar a Previdência Social; inovar projetos e programas no campo

da política social; reformar o aparelho do Estado, aumentando assim sua eficiência.

Segundo Behring (2008, p. 204), um destaque importante da "reforma" do

Estado foi o Programa de Publicização, que se expressava na criação das agências

executivas e das organizações sociais, e posteriormente na regulamentação do Terceiro

Setor. Tal programa propôs a transformação de fundações públicas em organizações

sociais, e para o mercado privado a produção de bens e serviços, através do processo de

privatização das empresas estatais. O Plano previa uma estratégia de transição da

"reforma" do Estado e do aparelho do Estado em três dimensões: 1) mudança da legislação,

inclusive das reformas constitucionais; 2) introdução de uma cultura gerencial e, 3) adoção

de práticas gerenciais. As emendas constitucionais e a legislação infraconstitucional,

contidas no Plano Diretor, diziam respeito à criação de mecanismos de contratação e

demissão de servidores públicos e, de modo geral, a flexibilização das relações de trabalho

no setor público. O Plano diretor apresentou um projeto de reforma do Estado que

representou um ataque à Constituição Federal de 1988, principalmente no campo da

Seguridade Social, bem como o funcionalismo público.

Esse processo não deve ser reconhecido como uma “reforma”, mas,

considerado em suas particularidades, uma Contrarreforma do Estado brasileiro, tendo em

vista várias alterações regressivas dos direitos já conquistados no mundo do trabalho, pois o

discurso do programa de reforma fundamentava-se apenas em elementos fiscais,

maquiando com discursos que havia preocupação com a proteção social presente nos

planos e emendas constitucionais, desviando o caminho de uma real reforma do Estado.

Reconhecemos, portanto, que a centralidade da reforma localiza-se na substituição da

administração burocrática pela gerencial, direcionando os problemas do Estado. Sua

resposta foi a mudança de padrão na administração pública.

Serviço Social e mercado de trabalho:

A reestruturação produtiva e as políticas neoliberais que formatam o contexto da

crise provocaram transformações no mundo trabalho, cujas principais repercussões se

consolidam na flexibilização e na precarização.

Os impactos da crise implicaram duplamente na profissão de Serviço Social: 1)

no remodelamento das políticas sociais; 2) nas alterações das condições e relações do

mercado e trabalho, requisitando do profissional a necessidade de apreender e se ajustar as

transformações societárias e às novas funções do Estado. No enfrentamento às novas

configurações dos processos de trabalho, os assistentes sociais se autorreconhecem como

trabalhadores assalariados e passam a intervir em programas sociais compostos com

recursos decorrentes de políticas sociais ainda compensatórias (mesmas características da

emergência da profissão na década de 30), mas agora alteradas pelas configurações de

seletividade e focalização.

O Serviço Social é uma profissão contida em processos de trabalho e

reconhecida enquanto uma especialização do trabalho, inscrita na divisão social e técnica

do trabalho da sociedade (IAMAMOTO;CARVALHO, 2001). Tal reconhecimento implica à

profissão, desafios no trato da questão social. Assistentes sociais intervêm nas refrações da

questão social, mantendo relações conflitantes entre demandas institucionais e os

parâmetros de seu Código de Ética e Projeto Ético Político, sob bases da justiça social,

equidade, liberdade, consolidação da democracia e fortalecimento da cidadania.

Diante de um mercado de trabalho sustentado pelas refrações da questão social,

no processo de compra e venda de sua força de trabalho, os assistentes sociais têm se

deparado com efeitos devastadores consequentes do projeto neoliberal: terceirização e

quarteirização dos serviços, precarização das formas de contratação, exercício profissional

por tarefa, por projeto, produzindo desestabilização, com perda de direitos e vínculos;

desvalorização do profissional, cooptação e sujeição à política partidária, falta de

perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de capacitação, o

que agrava o processo de alienação e estranhamento do trabalho; intensificação do

trabalho, metas inalcançáveis, extensão da jornada, polivalência, rotatividade, cobranças por

resultados imediatos; precárias condições de trabalho, insegurança, maior exposição a

riscos, precarização da saúde, dentre outros. Ao exercer atribuições e competências

profissionais submetidos a contratos temporários, terceirizados, subcontratados, a

autonomia e as estratégias profissionais têm sido comprometidas pelas condições objetivas

de sua inserção no mercado de trabalho.

Apesar de a profissão ser atingida pela flexibilização, precarização, terceirização

e quarteirização, é inegável que ela teve seus postos de trabalho ampliados pela via da

descentralização dos serviços públicos e pela municipalização. Contudo, essa ampliação

veio marcada pela criação de critérios de focalização e seletividade, que reforçam a lógica

da exclusão posta nos serviços sociais, como também pela “[...] difusão das ‘redes de

parceria social’ e nos ‘fundos de solidariedade’ na contramaré de toda a legislação que

considera a assistência social como direito não contributivo do cidadão, assegurado pelo

Estado [...]” (IAMAMOTO, 2009, p.22)

O assistente social na atualidade tem, no cotidiano da prática, se deparado com

o processo de regressão de direitos e desmonte do sistema público de proteção social

consequentes do movimento de contrarreforma do Estado. Se vê diante de desafios que

precisam ser enfrentados, considerando princípios e diretrizes construídos na dinâmica da

trajetória de ruptura com o conservadorismo na profissão (desde a consolidação do

movimento de reconceituação), bem como de consolidação de um projeto ético-político

profissional comprometido com a universalidade de direitos e com a emancipação do sujeito

social.

III. CONCLUSÂO:

A crise estrutural do capital é destrutiva e desumana e afeta intensamente as

dimensões das relações sociais. No cenário de crise, as contradições do sistema capitalista

e seu consequente caráter antagônico, revelam a intensidade do trabalho solidificando a

miséria do trabalhador.

Necessidades sociais daí decorrentes formatam o agravo da questão social e a

consequente ação estatal, através de políticas e programas sociais para manter a

sobrevivência humana dentro dos “mínimos de cidadania” decorrentes da ofensiva

neoliberal.

Assim se mantêm e se estruturam postos de serviços precarizados, num

mercado de trabalho que requisita profissionais de Serviço Social para o repasse de

políticas sociais compensatórias, seletivas e focalistas. A expressão dos recursos

repassados assume a configuração de políticas sociais compensatórias como no passado e

“apascentadoras” das desigualdades sociais instituídas pelo movimento de contrarreforma

do Estado no presente.

REFERÊNCIAS:

ALENCAR, Monica Maria Torres de; GRANEMANN, Sara. Ofensiva do capital e novas determinações do trabalho profissional. Katalysys. Florianopolis: UFSC, v.12, n.2, p.161-169, jul./dez. 2009.

BEHRING, Elaine. Brasil em contrarreforma: desestruturação do estado e perda de direitos. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008.

BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine. Política social: fundamentos e história.São Paulo: Cortez, 2006. (Biblioteca básica do Serviço Social, v. 2)

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2010.

COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortez,2004.

ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: ANTUNES, R. (org). A dialética do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social. In:SERVIÇO social: direitos sociais e competências profissionais. Brasilia: Cead/ Unb /CFESS, 2009.

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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, volume I e II, Tradução: Reginaldo Sant’anna. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979.

______ .l; ENGELS, Friederich. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1996.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2009.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO (MARE). PLANO diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, dez.1995.

NETTO, Jose Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 16.ed. São Paulo: Cortez, 2012.