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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
CONTRARIANDO A ESTATÍSTICA: A HISTÓRIA DE MARGARIDA E
A OUTRA FASE DA SÍNDROME DE JUNO1
MESTRE, SIMONE
Acadêmica de Ciências Sociais - Universidade Federal de Rondônia
Rua da Amizade, Vila Candelária, Bairro Triangulo, n.º05. Porto Velho – RO, CEP: 78900-000
RESUMO O presente artigo propõe uma reflexão a cerca do estudo sobre a experiência materna em plena adolescência, com foco no ambiente escolar, através da abordagem da história de Margarida
2. Uma
adolescente que se tornou mãe aos 16 anos igual à Juno3 e centenas de adolescentes grávidas por
ano no Brasil, que assim como Margarida precisam encarar um labirinto de desafios, preconceitos e escolhas, resultantes da maternidade na fase escolar. Uma vez, que à luz do conceito bourdiano de “habitus” é possível perceber o quanto as instituições educacionais não estão preparado para a inclusão de alunas mães, utilizando-se do que Bourdieu definiu como “causalidade do provável” para eximir-se de sua função institucional de inclusão. O termo Síndrome de Juno é utilizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA para retratar a situação da gravidez na adolescência no Brasil. A pesquisa foi desenvolvida durante o terceiro estágio de práticas de ensino de sociologia em uma escola localizada na periferia de Porto Velho. PALAVRAS-CHAVE: Gravidez na adolescência, maternidade e escola.
1 Síndrome de Juno: Gravidez, Juventude e Políticas Públicas, constituem-se o título de um dos capítulos do
Livro Juventude e Políticas Sociais no Brasil do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 2 Nome fictício para preservar a identidade da adolescente.
3 Juno é a personagem principal do filme com o mesmo título do seu nome, que aborda de forma peculiar
problemática gravidez na adolescência a partir de um enfoque não tradicional.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como finalidade apresentar algumas considerações em torno dos debates
sobre a maternidade na adolescência e no ambiente escolar, a partir de uma abordagem
qualitativa, produzida através do estudo de caso de Margarida.
Todos os nomes próprios mencionados neste artigo são fictícios, assim como não haverá
identificação do nome da escola, para garantir o sigilo e anonimato das participantes,
respeitando os preceitos do estatuto da criança e do adolescente e das normas éticas de
pesquisa nas ciências sociais.
O nome Margarida faz referencia à flor que representa os elementos de juventude,
sensibilidade, delicadeza, pureza e afeto, que são tidos como características inegáveis da
fase da adolescência.
O estudo foi desenvolvido durante o estágio supervisionado em prática de ensino de
sociologia III, realizado em uma escola pública localizada na zona leste da cidade de Porto
Velho no estado de Rondônia, com carga horária de oitenta (80) horas no ambiente escolar.
Estágio supervisionado em prática de ensino de sociologia é dividido I, II e III. Sendo
componentes curriculares obrigatórios para obtenção da licenciatura plena em ciências
sociais, os três totalizam quatrocentas (400) horas, sendo que destas, cento e noventa e
dois(192) horas são destinadas a atuação direta na escola, através da intervenção
pedagógica em sala de aula, observação da escola, alunos e professor tutor.
O plano de estágio previa como avaliação do mesmo, a elaboração e apresentação de um
Estudo de Caso sobre uma temática escolar, que despertasse o interesse do estagiário,
permitindo que este estabelecesse relações entre a prática e a teoria.
Neste exercício onde a escola seria nosso laboratório social, sendo qualquer fenômeno
social possível de ser estudado, chamou minha atenção o número expressivo de alunas
adolescentes que já eram mães, influenciando na minha escolha na hora de definir como
objeto de estudo a maternidade na adolescência e na escola.
O desenvolvimento desse estudo é norteado através dos eixos teóricos que orientam os
debates sobre a posição da escola, como instituição negligente, que contribui para
perpetuação das desigualdades sociais, à luz dos conceitos bourdianos e das estatísticas e
impressões sobre gravidez na adolescência no Brasil.
PERCURSO METODOLÓGICO
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O percurso metodológico foi orientado pela abordagem qualitativa, através da adoção do
método de estudo de caso, onde o objeto estudado é maternidade na adolescência e na
escola a partir do caso de Margarida.
Segundo Chizzote o estudo de caso, consiste no “Estudo que envolve a coleta sistemática
de informações sobre uma pessoa particular, uma família, um evento, uma atividade ou
ainda, um conjunto de relações ou processo social para melhor conhecer como são ou como
operam em um contexto real”. (2006, p. 135).
A definição do caso deve possibilitar a compreensão de um conjunto de informações
coletados durante a pesquisa, partindo de sua generalidade os resultados da análise Hamel
(1993). Tanto que segundo Chizzote “o estudo de caso não significa uma leitura única da
realidade, supõe que pode haver uma diversidade de percepções”. (2006, p. 141).
Antes de iniciar a coleta de dados foi realizado a seleção e estudo do referencial
bibliográfico, que norteou os passos da pesquisa e auxiliou no planejamento, e nas escolhas
das técnicas de coletas de dados, considerando as seguintes variantes: precisão e
aplicabilidade das técnicas, a aproximação com as participantes, estrutura disponível e o
tempo destinado a pesquisa.
Considerando as variantes acima, selecionamos as seguintes técnicas de coleta de dados: a
observação, entrevista aberta, diálogos em grupo, uma vez, que mesmo focando o estudo
no caso de Margarida, participaram da pesquisa outras meninas que eram amigas próximas
ou estavam na mesma situação de Margarida na escola.
A coleta de dados foi realizada durante os meses de março e abril, a observação aconteceu
dentro da escola, abrangendo a dinâmica funcional e os diversos ambientes, como: sala do
professor, sala de aula, pátio, recreio, movimento de entrada e saída dos alunos, reuniões.
As entrevistas individuais assim como os diálogos em grupo foram realizadas em ambiente
externo, como residência e praças para garantir maior conforto e privacidade de ambas às
partes (participante e pesquisadora).
A definição do objeto deste estudo de caso se deu através da observação diária da dinâmica
da escola, onde frequentemente era possível presenciar situações inesperadas sendo
protagonizas por adolescentes ou mães.
Como por exemplo, chegar atrasada porque estava deixando o filho na creche, faltar nas
aulas porque tinha acompanhamento do pré-natal, presença de alunas com filhos no colo,
desistência e outros.
Presenciando essas situações no contexto escolar, percebi o quanto é importante para
professor, especialmente os professores de Sociologia, atuarem dentro da escola também
como pesquisadores. Uma vez que a contribuição das ciências sociais para o avanço do
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conhecimento se concentra em identificar os problemas emergentes da sociedade (GOHN,
2006)4.
FLORINDO: A HISTÓRIA DE MARGARIDA.
No quarto dia de observação do estágio, ao entrar na turma do terceiro ano do ensino
médio, chamou minha atenção a cena de uma aluna em particular, ela segurava um bebê de
três meses enquanto escrevia e prestava atenção na aula.
Não é comum de presenciar em escolas cujo ensino é regular a presença de mães com
seus filhos. Mesmo com os casos de alunas grávidas na escola, geralmente depois do parto
a adolescente passa por um processo de distanciamento do ambiente escolar.
Geralmente temos a concepção que a gravidez na adolescência é um dos fatores que
influenciam a evasão escolar, principalmente de meninas. Na minha visão essa concepção
foi alterada, a partir daquele momento enternecedor, onde presenciei a forma como aquela
menina tímida e aparentemente frágil, executava simultaneamente o papel de mãe e de
aluna em sala de aula.
Para Oliveira (2008, p. 98) “gravidez na adolescência, em grande medida, é responsável
pela interrupção dos estudos, mas isso não elimina os projetos de retorno à escola, que são
combinados, não sem tensões, com as novas exigências”.
Entre essas exigências, atenção integral à criança, e era impressionante o desdobramento
da aluna com os cuidados com a filha, ela carregava no braço esquerdo seu bebê,
balançando a perna para tentar acalentar o filho, ao mesmo tempo, que registrava em seu
caderno o conteúdo da aula e respondia a chamada.
Curiosa com a situação, perguntei sobre a aluna e o bebê para a professora tutora, que
informou que se tratava de uma gravidez e maternidade solitárias, onde o pai do bebê não
ajudava e que nenhum familiar tinha condições de ajudar a cuidar da criança no horário da
aula.
Naquele momento, decidi que seria sobre a história dessa aluna que iria escrever, sendo o
caso dela, uma narrativa de contrapontos a realidade de outras meninas na mesma
situação, porque ela encarava a maternidade e os estudos simultaneamente, ela fez a
escolha de permanecer estudando.
É possível através das histórias de vida dos alunos, compreender as complexidades e as
problemáticas em torno da escola, para Bourdieu (1996, p. 183) “uma vida é
4 Trecho do discurso de abertura da 30º Reunião Anual Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (ANPOCS) .
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inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência individual concebida
como uma história e o relato dessa história”.
Ao buscar aproximação tanto com a Margarida como também com outras alunas, no inicio
sentir que elas tinham a impressão, que eu representava alguma instituição religiosa, pois
as primeiras perguntas que elas faziam eram: “É sermão? Se for não estou a fim” ou “você é
da igreja?”.
Margarida demonstrou tranquilidade ao conversar comigo, porém fiquei preocupada com
uma fala dela que dizia: “já estou acostumada, todo mundo na escola fala disso, fica com
pena”. Essa afirmação demonstra que de certa maneira existe uma exposição da vida
pessoal de Margarida dentro da escola, gerada por comentários dos colegas e profissionais
da escola cerca da presença dela com a filha em sala de aula.
Margarida é uma adolescente de 15 anos, que nunca reprovou e sempre apresentou bom
comportamento e desempenho dentro da escola, cursa regulamente o terceiro ano, é
possivelmente concluirá o ensino médio ainda neste ano.
Em 2012, Margarida engravidou do seu namorado, que tinha 28 anos, o relacionamento
deles tinha aproximadamente quatro meses, mas depois que ele souber da gravidez, elas
acabaram terminando o relacionamento.
Durante a gravidez Margarida continuou estudando e conciliando os deveres do pré-natal
com as atividades escolares, frequentando regulamente as aulas e foi aprovada e passou
para o terceiro ano do ensino médio, a série que frequenta neste momento.
Segundo Margarida o fato do nascimento de sua filha ter sido em dezembro de 2012 ajudou
muito, pois ela não precisou solicitar avaliação especial e pode repousar depois do parto,
sem precisa se preocupar com a escola, pois neste período, encontrava-se de férias
escolares.
Sobre sua rotina diária, ela relatou que cuidava da criança sozinha, não tem pai, a mãe não
pode ajudar, pois trabalhar o dia inteiro. Quanto ao pai da sua filha, ele não contribui na
divisão dos cuidados com a criança, visita à filha com pouca frequência, ele pagar a pensão,
no entanto, segundo Margarida para pagar pensão, ela e sua mãe ameaçaram de entrar na
justiça contra ele por três vezes.
Na hora de namorar, ele estava todo dia na frente da escola, me esperando, ele dizia que era apaixonado. Depois da gravidez, ao invés de assumir ele fez foi sumir (...) para pagar essa merreca pra nenê, eu e a mãe tivemos que ir lá, bater na porta da casa dele três vezes. O que mais me deixa triste é que ele nem olha pra nenê. (Margarida).
A fala de Margarida demonstra o quanto neste caso, a figura do pai é omisso nas suas
responsabilidades patenas, tanto efetivas como financeiras. Sabemos que historicamente a
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paternidade tem contribuindo para reforçar o status social de masculinidade, atribuindo à
figura paterna o papel de provedor financeiro, representado pela expectativa do sujeito em
“assumir” seu papel através do apoio financeiro, uma vez que segundo Costa (2002, p. 345)
“sustento dos filhos continuam sendo tomados como prerrogativas normativas masculinas”.
A figura paterna na vida de Margarida é conflitante, uma vez que ela não chegou a conhecer
o próprio pai, e a relação com pai de sua filha resume-se em recebimento do pagamento da
pensão e algumas visitas. A história dela é a repetição da história da mãe, como ela narra:
Outro dia a mãe disse que eu deveria agradecer a Deus, porque pelo menos o pai da nenê registrou ela no cartório, pois meu pai dizia que eu nem era filha dele e sumiu no mundo. Minha história é o replay da história dela. (Margarida). Grito meu
Margarida é filha única, mora apenas com sua mãe que trabalha como doméstica com
carteira assinada, cumprindo 48 horas semanais, trabalha de segunda a sábado, a renda
mensal da família de Margarida junto com a pensão, gira em torno de um salário mínimo e
meio.
A mãe de Margarida é responsável pelo sustento de toda a família, arcando com as
despensas básicas da casa, como o aluguel da casa, alimentação, luz, água e materiais de
higiene, enquanto fica a cargo de Margarida as tarefas domesticas e os cuidados com a
filha.
Margarida como sua mãe, procuraram auxilio no CREAS – Centro de Referência
Especializado de Assistência Social, e estão aguardando retorno da equipe do centro, o que
não aconteceu até a realização da pesquisa. Alguns gastos são inviáveis para o orçamento
domestico da família, como por exemplo: o pagamento da creche e a custo da passagem de
ônibus para de Margarida ir à escola.
Margarida mora cerca de cinco quilômetros da escola onde ela estuda. Todo dia, ela faz
esse trajeto de ida e volta caminhando e carregando a filha em um macaquinho5 na parte da
frente do corpo, enquanto nas costas, ela carrega sua mochila com material escolar e o
material de cuidados e higiene pessoa do bebê.
Além disso, ela também carrega um guarda chuva para protege do sol, principalmente no
horário da tarde, onde em Porto Velho, pode chegar a 40ºC, variando 25 ºC a 40ºC durante
todo ano, mesmo no tempo das chuvas.
Quando chove Margarida precisa esperar a chuva passar para continuar seu trajeto, o que
muitas vezes atrasa mais de uma hora sua chegada à escola ou seu retorno para casa, ou
5 Suporte de tecido com alças, colocado na parte da frente que facilita carregar um bebê.
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seja, independente do sol ou da chuva, Margarida sempre enfrenta obstáculos no trajeto de
ida e volta da escola.
Os obstáculos continuam ao entrar na escola, mesmo tendo a disposição o suporte do bebê
conforto, que é utilizado para colocar sua filha quando dorme, enquanto Margarida participa
das aulas, ela enfrenta problemas estruturais da escola, para garantir o os cuidados
essenciais de higiene uma criança.
“Às vezes a central de ar quebra e fica muito quente na sala e não tenho como ficar com a nenê lá, é muito quente, também não tem um local adequado para trocar a ela, é tudo muito difícil, tenho que contar com a ajudar das minhas amigas”.
Esses são alguns dos problemas enfrentados por Margarida, teria essa jovem uma chance
de continuar seus estudos, sem submetesse a leva a filha durante as aulas a um local sem
estrutura? Quais são as outras opções de Margarida?
Uma creche pública é totalmente inviável, as creches públicas que existem em Porto Velho
são insuficientes atender a uma demanda mínima, além disso, nenhuma delas aceita
crianças abaixo de um ano. Uma creche particular é impossível, pois Margarida e sua mãe
como foi relatando anteriormente não dispõem de recursos financeiros para o custei desse
tipo de despesa, e elas não contam com ajuda de parentes ou com a família do pai da
criança.
Quando indagada sobre ser como é ser mãe tão jovem. Margarida descreveu que ser mãe
é como consolidar um sonho, uma condição necessária para passagem de menina para
mulher:
“Eu sempre quis ser mãe, agora virei mulher de verdade, sei o que minha
mãe sente por mim, elas são as coisas que eu mais amo no mundo”
(Margarida).
Nesse contexto a maternidade para Margarina relaciona-se com a aquisição de um status
social, no imaginário social a gravidez apresenta-se como um rito de passagem da posição
de menina para posição de mulher, conferindo-lhes status de adultas. “nesses meios, a
família ocupa posição central, enquanto a escolaridade e o trabalho tomam posições
periféricas” (OLIVEIRA, 2008, p. 98).
Não sabemos ao certo se Margarida irá concluir o terceiro ano do ensino médio, ela não
tem nenhuma expectativa para depois de concluir o ensino Médio. Quando a questionei
sobre os planos do futuro, ela respondeu: “vamos ver se eu vou ter pique”. O futuro de
Margarida ainda é incerto e no presente é tudo muito novo e difícil, a menina de 16 anos,
agora precisa encara a vida com responsabilidade de adulto.
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Posição da instituição escolar
A escola é um espaço predominantemente político, com possibilidades de reproduzir tantos
as relações de desigualdade como de igualdade social que modela as relações dos
indivíduos através da distribuição do poder, definido através da posição e do papel do
sujeito neste ambiente.
Essas implicações e status produzidos no ambiente escolar, para a família significam
reflexos diretos no futuro de seus filhos, pois os sujeitos que ocupam um espaço ou uma
posição privilegiado segundo Bourdieu tendem a repassar essas posições e espaços aos
filhos, através da herança familiar desigual.
Esse processo de herança familiar desigual e descrito por Nogueira como o espaço onde
“Cada indivíduo é caracterizado, pelo autor, em termos de uma bagagem socialmente
herdada. Essa bagagem inclui, por um lado, certos componentes objetivos, externos ao
indivíduo, e que podem ser posto a serviço do sucesso escolar”. (2006, p. 59).
Trazendo os argumentos acima, para analise da realidade do problema apresentando neste
artigo, Margarida anteriormente em seu depoimento (página 05) utilizou a palavra “replay”
para expressar as semelhanças entre sua historia e a da mãe.
Diante disso, podemos afirmar que a educação cumprir seu dever legal de “abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 2009).
Diante da desvalorização profissional dos professores e da precarização das formas de
trabalho na educação, o estado contribui para manter através das instituições escolares os
argumentos legitimadores de sua conivência com o descaso político institucional, frente à
situação das adolescentes grávidas e mães.
Ou seja, a instituição continua reproduzindo os discursos de desvalorização simbólica que
desqualificam a adolescente mãe, como uma professora durante o repouso na sala dos
professores afirmou “a escola forneceu informações, na mídia encontramos informações, no
posto de saúde são fornecidos preservativos, mas mesmo assim essas meninas continuam
engravidando”.
Através dessa narrativa, percebemos o quanto é atribuído somente a figura feminina da
adolescente a responsabilidade pela gravidez. Em nenhum momento é questionado a
causa das adolescentes continuarem engravidando, mesmo com tantos programas
informativos, como cartazes, palestras, cursos ou campanhas publicitárias.
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No caso de Margarida, sabemos que escola não se preocupou em fazer o mínimo
estabelecido na Lei nº 6.202 (LDB, 2009), segundo Margarida, ela não foi informada que
existia uma lei que garantia a ela no oitavo mês de gestação um regime de exercícios
domiciliares.
Tanto nos discursos como nas práticas, do corpo técnico e dos professores, identifiquei
certo distanciamento em relação ao caso das alunas que são mães, muitas vezes, esses
profissionais demonstravam maior preocupação com a possibilidade de complicações
referentes à saúde das alunas gestante dentro da instituição do que o prejuízo educacional.
Esses discursos são socializados entre os agentes da escola, como forma, inclusive de
padronizar o comportamento profissional diante da gravidez dentro do habitus escolar,
compreendido como “um conjunto de disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, que
foram estruturadas socialmente e funcionam como princípios de estruturação das práticas e
das representações” (Bourdieu, 1989).
A preocupação gera em torno do “risco” de responsabilização da escola, que de certa forma
já conta com a desistência das alunas grávidas, e sentem-se aliviadas, com a desistência
dessas alunas, afinal, elas são sinônimos de preocupação e problema para escola.
Neste sentindo a escola utiliza-se da causalidade do provável, que segundo Bourdieu “é o
resultado dessa espécie entre o habitus, cujas antecipações práticas repousam sobre toda a
experiência anterior e as significações prováveis” (p. 111, 1989) para legitimar sua
negligencia com essas adolescentes.
O habitus da escolar não é preparado para receber alunas como Margarida, até mesmo
porque “Ela (a escola) é concebida por Bourdieu como uma instituição a serviço de
reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes”.
(NOGUEIRA, 2006, p. 83).
O caso de Margarida ajuda a compreender esse contexto de exclusão da escola, em
nenhum momento ela recebeu ajuda da escola, a permanência de sua filha em sala de aula,
foi condicionada ao compromisso de Margarida de não deixar a criança atrapalhar a aula
para não prejudicar os demais alunos.
Fato que demonstra o quanto a instituição de ensino não se preocupa com o futuro escolar
da adolescente e utilizar-se dos argumentos da maioria para reafirmar seu compromisso na
perpetuação da reprodução de desigualdades.
Contrariando as estatísticas
Existe hoje um acesso inegável as informações sobre os métodos de contracepção nas
áreas urbanas do País, através de campanhas, palestras, cartilhas e folders direcionados ao
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público jovem, na contramão disso, o acesso aos métodos de contracepção não são tão
viáveis ou de fácil acesso.
No olhar da adolescente, a burocracia exigida em algumas unidades os nos centros de
saúde como forma de controle da distribuição, torna-se uma barreira na hora de acessar os
contraceptivos, uma vez, que na maioria das vezes que o adolescente pretender manter em
segredo sua vida sexual.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística - IBGE a cada cinco partos
realizados no Brasil, um é de uma adolescente. E bom enfatizar que conforme estabelece o
artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA considera-se adolescente a
pessoa entre doze e dezoito anos.
O Percentual de nascimento de filhos de adolescente corresponde a 20% dos nascimentos
registrados no Brasil, estima-se que por ano chegam a nascer mais de meio milhão de
bebês de adolescentes. Ainda segundo a pesquisa do IBGE 44,2% das adolescentes entre
15 e 18 anos com filhos possuem uma renda per capita de meio salário mínimo por família.
Na análise do PNAD 2005 resultante da pesquisa sobre Situação Educacional dos Jovens
Brasileiros na Faixa etária de 15 a 17 anos, o estudo aponta que existe uma relação estreita
entre a gravidez na adolescência e o abandono escolar:
O grupo que não freqüenta a escola, observa-se com espanto que 28,8% das jovens de 15 a 17 anos já são mães, o que indica claramente que o fenômeno da gravidez na adolescência está associado ao abandono da escola, principalmente quando aliado à baixa condição socioeconômica. (SAMPAIO, 2009, p.12).
Esse dado reforça a ideia presente no imaginário social sobre o caminho entre a gravidez
na adolescência e permanência na escola. Uma vez, que é constituindo como um caminho
quase certo, a adolescente grávida ou mãe renunciar aos estudos durante um longo ou
curto período para dedicar-se aos cuidados com o filho (a).
É importante frisa, que a dedicação e os cuidados com o filho não são os único
responsáveis pelo abandono escolar da adolescente mãe. Muitas vezes, os motivos da
desistência escolar estão ligados à estrutura e a cultura da própria instituição escolar, que
não é preparada para receber, atender e acompanhar essa adolescente um nesta fase
peculiar, que é a maternidade.
E mesmo diante de dados quantitativos que apresentam a maternidade na adolescência
como uma doença social, que leva a interrupção da vida escolar, Margarida desafiou o papel
tradicional da escola, ao contraria todas as estatísticas e perspectivas sociais.
A outra fase da síndrome de Juno
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Em abril de 2008 o Instituto De Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou o texto para
discussão nº 1335 com o titulo Juventude E Políticas Sociais No Brasil, organizados por
Jorge Abrahão de castro e Luseni Aquino.
O objetivo da publicação é divulgar resultados de estudos desenvolvidos pelo Ipea para
auxiliar os debates e as construções das proposta em torno da primeira Conferencia
Nacional De Politicas Púbicas Para Juventude.
A publicação aborda no capítulo dez, a gravidez na adolescência no Brasil, cujo título é:
síndrome de Juno: gravidez, juventude e políticas públicas, a palavra Juno faz alusão ao
Filme com mesmo nome, que foi lançado no Brasil em 2008.
O Filme Juno retrata a história de uma adolescente protagonizada pela atriz Paulie Bleeker,
que aos 16 anos descobre que está grávida de seu vizinho, sentindo-se imatura e incapaz
de lidar sozinha com a maternidade, ela decide buscar uma alternativa para o problema.
Sentindo-se imatura para torna-se mãe, Juno pensa em fazer um aborto, mas acaba
descartando a possibilidade, por pressão de amigas religiosas. E acaba decidindo então,
procurar um casal e entregar o bebê para adoção, encontrando uma solução racional para
todos, uma vez, que não é preparada para ser mãe, o bebê terá um lar e o casal poderá
realizar o sonho de ter um filho.
Abordado de forma não tradicional, o filme contextualiza a história da menina que
demonstra-se “decidida” frente ao problema de busca uma solução para sua gravidez não
desejada, assim, a personagem Juno é construída fora dos padrões esperados por uma
adolescente nesta situação, principalmente no Brasil, pois a posição de Juno vai ao
encontro do que muitas meninas pensam em fazer nessa situação e acabam desistindo por
receio do julgamento social.
A síndrome de Juno é um conjunto de características presentes na gravidez na
adolescência, que trazem uma série de implicações educacionais, sociais, físicas, familiares,
psicológicas e econômicas que acabam limitando ou adiando as chances das adolescentes
desenvolverem ou engajarem-se socialmente na escola, universidade e no trabalho.
Muitas vezes as implicações que limitam a atuação de uma adolescente gravida ou mãe,
estão ligadas aos preconceitos e estereótipos que configuram as categorias sociais de
gênero, onde é tomado como privilegiado as referências ocidentais modernas da
construção social dos gêneros (Machado, 2004: 46).
A expressão popular “Quem pariu Mateus que balance” é uma representação típica de
como sociedade atribui à mulher a responsabilização social pela criação do filho, agregando
a uma categoria de gênero, uma vez, que o parto é uma manifestação corporal exclusiva de
mulheres grávidas.
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Neste sentindo, podemos perceber o quanto a sociedade ver na gravidez, o principal fator responsável pelo fracasso futuro da adolescente, isolando outros fatores, como por exemplo, a própria forma de rotular a gravidez e a maternidade na adolescência como problema social.
Abordar a questão da gravidez na adolescência, fenômeno que vem preocupando governo e sociedade, requer uma análise cuidadosa e criteriosa, uma vez que muitas das percepções e informações difundidas encontram-se assentadas mais em preconceitos do que em fatos. De um lado, a percepção de que meninas cada vez mais jovens interrompem suas trajetórias escolar e profissional para se dedicarem a um filho é bastante difundida e tende a vir acompanhada pela afirmativa de que a gravidez na adolescência é um retrocesso, um atraso. (IPEA, 2008).
Observando o caso da adolescente Margarida, podemos perceber que mesmo com o
esforço dela para permanece em sala de aula, ela não consegue visualizar seu futuro.
Quando questionada, por exemplo, sobre o que iria fazer depois da conclusão do ensino
médio, ela responde: “vamos ver se eu vou ter pique”. (como mencionados anteriormente).
E necessário repensar as formas de encarar as características dessa “síndrome de Juno”,
buscando promover o empoderamento social dessas adolescentes, junto com seus
parceiros e familiares, e não apenas reforçando às estatísticas pessimistas da gravidez na
adolescência.
Considerações finais
As centenas de estórias parecidas com caso de Margarida ambientadas no
cenário escolar perpassam pelos debates sobre educação e sexualidade, onde gênero é
colocado como uma categoria útil de análise histórica, de Joan Scott (1995).
Os discursos sobre sexualidade dentro das escolas ainda, acontecem como
ações pontuais em torno de campanhas de prevenção à gravidez indesejada e doenças
sexualmente transmissíveis, geralmente direcionados para as meninas.
Temáticas como empoderamento social, identidade sexual e preconceitos
enraizados nas relações entre homens e mulheres, não são abordados com frequência em
sala de aula, mesmo sendo o espaço escolar um caldeirão social de disseminação de
preconceitos e mitos em torno das relações de gênero.
Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos — tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. (Louro 1997, p. 57):
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A produção de desigualdade de gênero na escola é inserida através dos
discursos que moldam o comportamento das alunas, incentivando a preservação do corpo
e atribuindo a timidez corporal como uma conduta das boas alunas, colocando as
representações da delicadeza, passividade e disciplina como características próprias das
meninas.
A própria maternidade geralmente é ensinada na escola como uma função
divina e social da mulher, o discurso de que “uma boa filha, será uma boa mãe”, é utilizado
de forma compartilhada entre a escola e a família, reforçando criação e os cuidados com os
filhos é atribuição prioritária da mulher, mesmo quando essa não dispõem das condições
ideais, como afirma Zola.
Maternidade como vocação feminina exclusiva estão em contradição com a realidade concreta: muitas mulheres trabalham e devem assumir sua maternidade nas condições mais difíceis. A distância é imensa entre o ideal descrito e sonhado da mãe educadora, consagrada em tempo integral a suas crianças, e a vida cotidiana da mãe de origem modesta”. (1998 p.210).
O estado deve implantar efetivamente nas escolas a cultura de inclusão não apenas diante
das adolescentes grávidas e mães, mais de todos. A partir de uma perspectiva acolhedora,
integradora, transversal e inclusiva, reduzindo o impacto social de uma maternidade durante
o período escolar:
Neste contexto, dificuldades inerentes ao processo de crescimento de um filho, como a passagem da infância para a adolescência, que poderiam ser resolvidas com apoio e orientação externa, agravam-se em função da ausência de políticas públicas dirigidas às famílias, transformando-se em fantasmas causadores de desagregação familiar (CALIL, 2003, p. 150).
A partir de uma escola com as características acima, é possível oferecer aos estudantes a
possibilidade de encarar a maternidade durante a fase escola, de forma emancipatória,
independente e realista.
A vida sexual ativa dos adolescentes é inegável e até mesmo inevitável, a curiosidade e
vontade de vivenciar a experiência sexual, surgem para os adolescentes como uma
demanda biológica e social, que para eles irá acontecer independentemente dos preceitos
morais, sociais e religiosos.
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