contagem de cianobactérias do gênero microcystis e...
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“ Contagem de Cianobactérias do Gênero Microcystis e Determinação de
Microcistinas pelo Método de Imunoensaio Competitivo no Controle de
Tratamento de Água para Abastecimento ”
Viviane Cavalli 1; Joseane Regina Cidral 2 ; Ramiro Nilson 3
Apresentação: Viviane Cavalli - Bacharel em Química pela FURB (Fundação
Universidade Regional de Blumenau), Especialista em Microbiologia pela PUC
(Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, Mestre em Química pela
Universidade Federal de Florianópolis – UFSC, Responsável pelo Laboratório de
Microbiologia do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto – SAMAE de
Blumenau/SC.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:
Viviane Cavalli. e-mail: [email protected]
Empresa: SAMAE – Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto.
Rua Bahia, 1530. Bairro Salto. CEP 89031- 000. Blumenau – SC.
e-mail: [email protected]
Fone: (0XX47) 331-8411.
Blumenau, Julho de 2005.
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RESUMO
As cianobactérias podem ser encontradas em mananciais que abastecem
Estações de Tratamento de Água e são conhecidas por serem potenciais
produtores de toxina. Sendo assim, os objetivos deste trabalho foram: identificar e
efetuar a contagem de células/mL do Gênero Microcystis; detectar a toxina
microcistina pelo método de imunoensaio competitivo por tubos; introduzir este
método para o controle de microcistina no Laboratório de Microbiologia do
SAMAE de Blumenau. As amostras foram coletadas na barragem do Rio Iraí em
Curitiba, com a colaboração do Laboratório de Hidrobiologia da SANEPAR. As
coletas foram feitas em seis pontos distintos de 15 a 20 cm abaixo da superfície
da água, em frascos de vidro âmbar e foram preservadas com lugol a 0,1%,
facilitando a sedimentação dos organismos. A contagem de cianobactérias foi
realizada em um microscópio invertido, utilizando aumento de 400x através da
Câmara de Uthermöl com capacidade para 10 mL, pela metodologia de contagem
de células por transectos. Para detecção de toxina , as amostras foram
congeladas por 24 horas e após, descongeladas em temperatura ambiente.
Através do método de imunoensaio competitivo, utilizando os padrões de 0,5µg/L
e 3,0µg/L, comparou-se os resultados, onde a concentração da amostra foi
inversamente proporcional ao desenvolvimento da cor, ou seja, quanto menor foi
a intensidade de cor desenvolvida na amostra, maior foi a concentração de
microcistina da mesma.
Todas as amostras apresentaram um forte cheiro de esgoto séptico, com número
de células de cianobactérias/mL superior a dez mil e a microcistina apareceu na
concentração acima de 3µg/L. Conclui-se que o método de imunoensaio
competitivo por tubos, apesar de sua grande limitação quanto aos seus padrões,
é de grande utilidade, pois é um método de ensaio acessível e simples,
permitindo de imediato a detecção da presença ou ausência da toxina e
principalmente agilidade na tomada de decisões preventivas e corretivas quanto a
captação e o abastecimento da água à população.
PALAVRAS-CHAVE: Cianobactérias, Mycrocistis, Microcistina, Imunoensaio.
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1. INTRODUÇÃO
A crescente eutrofização dos ambientes aquáticos é conseqüência das atividades
humanas, causando um enriquecimento artificial de ecossistemas. A utilização de
adubos químicos e estrume, a descarga de esgotos urbanos e efluentes de
agroindústrias ou de outros setores industriais, promovem a entrada de
quantidades significativas de nutrientes e matéria orgânica em corpos d´água,
favorecendo as florações de algas, entre elas cianobactérias. (CORREIA, 2000)
Em nosso país, há uma forte correlação entre a ocorrência de florações de
cianobactérias no reservatório de Itaparica no Estado da Bahia, com a morte de
88 pessoas, entre as 200 intoxicadas pelo consumo de água do reservatório,
durante os meses de março e abril de 1988. Em 1996, 123 pacientes renais
crônicos, após terem sido submetidos a sessões de hemodiálise em uma Clínica
de Caruaru, Pernambuco, apresentaram sintomas de hepatotoxicose. Destes, 54
vieram a falecer até 5 meses após o início dos sintomas. A referida clínica,
segundo Secretaria da Saúde, recebia água sem um tratamento completo e
usualmente era feita uma cloração no próprio caminhão tanque utilizado para
transportar a água, em períodos de falha no abastecimento pela rede pública.
(AZEVEDO, 1998)
Tendo em vista estes acontecimentos, foi lançada a Portaria nº 1469, de 29 de
dezembro de 2000 pelo Ministério da Saúde, exigindo em todas as Estações de
Tratamento e Abastecimento de Água, uma análise mensal da água bruta em
casos onde o número de cianobactérias não exceder 10.000 células/mL, e
semanal, quando o número de cianobactérias exceder este valor. Acima de
20.000 células/mL, é exigido o controle semanal de toxicidade na água de saída
do tratamento e nas entradas (hidrômetros) das clínicas de hemodiálise e
indústrias de injetáveis, sendo que esta análise pode ser dispensada quando não
houver comprovação de toxicidade na água bruta.
A importância na análise da água em relação às cianobactérias se dá pela
liberação de toxinas na água após a lise celular, prejudicando, assim, a
potabilidade da água. Algumas dessas toxinas são de ação rápida, causando a
morte por parada respiratória após poucos minutos de exposição, têm sido
identificadas como alcalóides organofosforados neurotóxicos. Outros atuam
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menos rapidamente, são identificados como peptídeos ou alcalóides
hepatotóxicos. (CHORUS & BARTRAM, 1999)
Em Estações de Tratamento de Água (ETA’s), uma série de microorganismos
patogênicos são eliminados através do tratamento convencional, já as
cianobactérias, nessas condições, são estimuladas a produzir suas toxinas. Essas
toxinas permanecem na rede de distribuição de água gerando risco à saúde
pública.
As algas cianofíceas são microorganismos aeróbios fotoautotróficos, procariontos,
sendo a fotossíntese seu principal meio de obtenção de energia. Necessitam de
água, gás carbônico, luz e substâncias inorgânicas como nitrogênio e fósforo.
(PRESCOTT et al. 1999)
As cianobactérias possuem enzimas fixadoras de nitrogênio, as nitrogenases. São
microorganismos dotados de movimento e coloração que varia de verde-amarelo,
verde-azulado, verde, verde-cinza, cinza-preto e vermelho. Sua reprodução é
assexuada, por simples divisão da célula. (PRESCOTT et al. 1999)
As cianobactérias estão distribuídas em diferentes ambientes no solo como nas
águas, águas limpas e eutróficas, em fontes termais até geleiras. (CHORUS &
BARTRAM, 1999)
O crescimento mais favorável desses microorganismos, se dá em águas neutro-
alcalinas onde o pH pode variar de 6 a 9, de temperaturas entre 15 a 30ºC, onde
há alta concentração de nutrientes como nitrogênio, fósforo e gás carbônico.
Quando em condições favoráveis tendem a formar massas visíveis na superfície
da água. (CHORUS & BARTRAM, 1999)
O gênero Microcystis é conhecido pela sua toxicidade e sua toxina é denominada
microcistina. Cada gênero pode compor dezenas ou centenas de espécies,
tóxicas ou não, devido às substâncias químicas secretadas. (CHORUS &
BARTRAM, 1999)
As algas alteram principalmente a cor, o sabor e o odor da água, além de tornar o
tratamento mais caro, por causarem corrosão, obstrução de filtros, dificultando a
decantação química e alterando o pH. (DI BERNARDO, 1995) Para combater a
presença de algas em estações de tratamento de água ou nos mananciais, era
utilizado o sulfato de cobre ou mesmo o cloro, como algicida. O sulfato de cobre
era recomendado numa concentração de 1 mg/L, sendo ele o responsável em
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potencial pela liberação das toxinas pelas cianobactérias (CETESB, 1973). Mas
estudos mostram que o sulfato de cobre é utilizado até atingir concentrações
finais de até 0,25g/L, na eliminação de algas em mananciais. (BURNETT et
al,1994)
Segundo a Portaria nº 518/março/2004, revisada, do Ministério da Saúde, no
segundo parágrafo é vedado o uso de algicidas para o controle de crescimento de
cianobactérias ou qualquer intervenção no manancial que promove a lise das
células desses microorganismos, quando a densidade das cianobactérias exceder
20.000 células/mL, sob pena de comprometimento da avaliação de riscos à saúde
associados às toxinas.
As cianobactérias produzem mais dois tipos de toxinas: as neurotoxinas, e as
irritantes ao contato além das hepatotóxicas. Neste trabalho serão estudadas as
hepatotoxinas, por serem o tipo mais comum de intoxicações através de
cianobactérias.
1.1. HEPATOTOXINAS
As hepatotoxinas são produzidas por espécies e cepas de cianobactérias,
incluindo os gêneros: Anabaena, Microcystis, Nodullaria, Nostoc, Oscillatoria e
Cylindrospermopsis. São o tipo mais comum de intoxicações envolvendo
cianobactérias e apresentam uma ação mais lenta, causando a morte entre
poucas horas e poucos dias, em decorrência de hemorragia intra-hepática e
choque hipovolêmico. Os sinais observados após a ingestão dessas
hepatotoxinas são prostração, anorexia, vômitos, dor abdominal e diarréia.
(CARMICHAEL & SCHWARTZ, 1984; BEASLEY et al., 1989). Após a ingestão
oral da toxina, ela chega ao sistema digestivo e é levada ao íleo, passando via
sistema porta para o fígado. (CARMICHAEL & FALCONER, 1993; NISHIWAKI et
al. 1994) A exposição crônica da toxina pela ingestão de água pode aumentar o
índice de câncer hepático. (CHORUS & BARTRAM, 1999)
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1.2. AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE
Atualmente, a avaliação da toxicidade pode ser feita através de métodos químicos
e de bioensaios. Estes últimos refletem de um modo mais real, os efeitos das
toxinas nos ecossistemas, embora exijam a manutenção das espécies em
cativeiro. Para se quantificar as toxinas quando estão presentes em
concentrações muito pequenas, são utilizados métodos químicos, como por
exemplo, a Cromatografia Líquida de Alta Precisão, HPLC. (CORREIA et al,
2000). O que dificulta a utilização do HPLC é necessidade de um padrão da
toxina, que é muito caro e não está disponível em nosso país, além do que a
avaliação só é realizada para microcistina, pela ausência dos padrões para as
demais cianotoxinas. Um método mais acessível para o controle de toxinas é o
Método de Imunoensaio Competitivo ELISA , o qual pode se determinar
qualitativamente, ou seja, se a toxina está presente ou ausente, e o ensaio
quantitativo, ou seja, pode-se obter o valor de concentração em cada amostra,
sendo que não distingue entre as variedades da toxina. Este método utiliza
padrões da toxina Microcistina com intervalo de quantificação entre 0,5 a 3,0 µg/L,
sendo que o limite máximo aceitável pela Portaria nº 518 é de 1µg/L.
2. METODOLOGIA
As amostras foram coletadas na barragem do Rio Iraí na cidade de Curitiba, com
a colaboração do Laboratório de Hidrobiologia da SANEPAR, devido a quase total
ausência de cianobactérias nos mananciais que abastecem as estações de
tratamento de água da cidade de Blumenau. As coletas foram feitas em seis (06)
pontos distintos de 15 a 20 cm abaixo da superfície da água, em frascos de vidro
âmbar. As amostras foram preservadas com lugol a 0,1%, facilitando a
sedimentação dos organismos em Câmara de Uthermöl de capacidade 10mL,
ficando em decantação por aproximadamente 12 horas, em câmara escura
úmida.
A contagem de cianobactérias do Gênero Microcystis foi realizada em um
Invertoscópio, utilizando aumento de 400x em amostra contida em Câmara de
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Uthermöl de capacidade 10 mL, pela metodologia de contagem de células por
transectos.
Figura 01. Amostras de Cianobactérias do Gênero Mycrocistis.
Para confirmação da presença de microcistinas, as amostras foram congeladas
por 24 horas para promover a lise celular. Após, foram descongeladas em
temperatura ambiente e através do método de imunoensaio competitivo,
utilizando os padrões de 0,5µg/L e 3,0µg/L, comparou-se os resultados, onde a
concentração da amostra foi inversamente proporcional ao desenvolvimento da
cor, ou seja, quanto menor foi a intensidade de cor desenvolvida na amostra,
maior concentração de toxina a mesma apresentou.
Figura 02. Tubos de ensaio contendo Microcistina em diferentes concentrações.
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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As cianobactérias do gênero Mycrocystis, enquanto vivas, apresentaram um odor
característico de capim e grama. Após descongeladas em temperatura ambiente,
apresentaram um forte cheiro de esgoto séptico. As amostras de número 01, 02,
04, 05 e 06 apresentaram número superior a 20.000cél/mL. Portanto, conforme
Portaria 518/março/2004 do Ministério da Saúde, devem ser submetidas a uma
análise mais apurada, sendo a Cromatografia em HPLC o ensaio mais
recomendado, que permite a detecção exata em µg/L de toxina encontrada, além
de permitir a detecção de outras toxinas que também podem estar presentes
juntamente com a microcistina. O bioensaio em camundongos é também
recomendado no caso de florações de cianobactérias. Em todas as amostras
analisadas, a microcistina foi detectada em concentrações acima de 3µg/L pelo
método de imunoensaio competitivo. A amostra de número 03 apresentou número
inferior a 20.000 células de Microcystis, porém apresentou toxina acima de 3µg/L
como as demais amostras, lembrando que a mesma apresentou outras espécies
de cianobactérias, as quais não foram consideradas neste trabalho. A tabela
abaixo mostra os resultados em número de cél/mL de cianobactérias para cada
amostra.
Amostras Cél./mL
01 58.388
02 45.820
03 16.117
04 47.818
05 28.027
06 44.155
Tabela 01. Número de células/mL de cianobactérias.
O número de células/mL encontrado em todas as amostras e a concentração
elevada de microcistina em µg/L foi causada devido a uma grande floração de
cianobactérias. A toxina encontrada, microcistina, é de grande preocupação, pois
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afeta o fígado, e produz outros sintomas como diarréias, vômitos e dores de
cabeça, podendo chegar a causar morte por envenenamento.
4. CONCLUSÕES
Conclui-se neste trabalho que o método de imunoensaio competitivo por tubos,
apesar de sua grande limitação quanto ao limite de detecção e concentração de
padrões, é de grande utilidade, pois é um método de ensaio acessível e simples,
permitindo de imediato a detecção da presença ou ausência de microcistina na
amostra e principalmente agilidade na tomada de decisões preventivas e
corretivas quanto a captação e o abastecimento da água à população.
Já outros métodos de detecção, como bioensaios em camundongos e análise por
cromatografia, são de difícil acesso, porém, dependendo da concentração de
células encontradas, faz-se obrigatório realizar estes ensaios mais apurados.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conseqüências para a Saúde Pública. Medicina On - Line, Volume 1, Ano 1,
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Systems Laboratory, Office of Research and Development, US Environmental
Protection Agency, Cincinnati, Ohio. 1992.
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Desenvolvimento e Toxicidade das Cianobactérias. Toxicologia 2000/2001,
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6. CHORUS, Ingrid & BARTRAM, Jamie. Toxic Cyanobacteria in Water – A Guide
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7. DI BERNARDO, Luiz. Algas e suas Influências na Qualidade das Águas e nas
Tecnologias de Tratamento. ABES – Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária: São Paulo – SP, 1995.
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9. MARZZOCO, Anita & TORRES, Bayardo B. Bioquímica Básica. 2ª edição.
Guanabara Koogan: Rio de Janeiro – RJ, 1999.
10. NISHIWAKI, R., OHTA, T., SUEOKA, e., SUGAMUNA, M., K., WATANABE,
M. F. FUJIKI, H. Two significant aspecs of microcystin-LR: Specific binding
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