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Contabilidade Social Universidade do Sul de Santa Catarina

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Contabilidade Social

Contabilidade Social

Universidade do Sul de Santa CatarinaContabilidade SocialO livro Contabilidade Social apresenta um importante marco conceitual e prático para o estudante, evidenciando uma relação tênue entre indicadores econômicos e a política macroeconômica. A partir da compreensão e análise da estrutura das contas nacionais, o estudante, futuro profissional no mercado, obterá um diferencial competitivo e estratégico, que permitirá antecipar movimentos da economia, em especial por parte do governo e de grandes empresas, garantindo sempre a melhor alocação dos recursos disponíveis, seja em organizações públicas, seja em organizações privadas.

UnisulVirtualPalhoça, 2014

Universidade do Sul de Santa Catarina

Contabilidade Social

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Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – UnisulReitorSebastião Salésio HerdtVice-ReitorMauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de ExtensãoMauri Luiz HeerdtPró-Reitor de Desenvolvimento InstitucionalLuciano Rodrigues MarcelinoPró-Reitor de Operações e Serviços AcadêmicosValter Alves Schmitz Neto

Diretor do Campus Universitário de TubarãoHeitor Wensing JúniorDiretor do Campus Universitário da Grande FlorianópolisHércules Nunes de AraújoDiretor do Campus Universitário UnisulVirtualFabiano Ceretta

Campus Universitário UnisulVirtual

DiretorFabiano Ceretta

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e ArtesMarciel Evangelista Cataneo (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e ServiçosRoberto Iunskovski (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e AgroindústriaDiva Marília Flemming (articuladora)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar SocialAureo dos Santos (articulador)

Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos Moacir HeerdtGerente de Ensino, Pesquisa e ExtensãoRoberto IunskovskiGerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos Márcia LochGerente de Prospecção Mercadológica Eliza Bianchini Dallanhol

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Livro didático

UnisulVirtualPalhoça, 2014

Designer instrucionalMarcelo Tavares de Souza Campos

Contabilidade Social

Thiago Paulo Silva de Oliveira

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Livro Didático

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Copyright © UnisulVirtual 2014

Professor conteudistaThiago Paulo Silva de Oliveira

Designer instrucionalMarcelo Tavares de Souza Campos

Projeto gráfico e capaEquipe UnisulVirtual

Diagramador(a)Fernanda Fernandes

Revisor(a)Smirna Cavalheiro

ISBN978-85-7817-671-6

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

339.381O52 Oliveira, Thiago Paulo Silva de

Contabilidade social : livro didático / Thiago Paulo Silva de Oliveira ; design Instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. – Palhoça : UnisulVirtual, 2014.

162 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.ISBN 978-85-7817-671-6

1. Contabilidade social. 2. Contas nacionais – Brasil. I. Campos, Marcelo Tavares de Souza. II. Título.

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Sumário

Introdução | 7

Capítulo 1Contabilidade social: conceitos, utilização e limitações | 9

Capítulo 2Contas nacionais | 41

Capítulo 3Contas nacionais no Brasil | 81

Capítulo 4Balanço de pagamentos | 111

Considerações Finais | 157

Referências | 159

Sobre o Professor Conteudista | 161

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Introdução

Economistas e estudantes de economia já estão acostumados com uma série de indicadores e índices econômicos, principalmente em assuntos relacionados à macroeconomia, economia monetária, economia internacional e econometria.

Embora seja rotina em nossos estudos e noticiários econômicos, creio que raramente nos perguntamos de onde surgem esses indicadores. Como eles são elaborados? Como são consolidados? Qual a importância de compreender a metodologia de cálculo? Entre outros questionamentos.

São muitos os indicadores e índices econômicos, como, por exemplo, renda, produto, consumo, depreciação, investimento, poupança, taxa de câmbio, entre outros. Assim, o estudo da contabilidade social tem por objetivo mostrar a pesquisadores, profissionais e estudantes como os números daqueles são agregados e, principalmente, a relevância para a macroeconomia.

Não temos dúvidas quanto a importância da macroeconomia para a elaboração de políticas econômicas. Entretanto, a questão a ser considerada é que as equações e relação dos agregados macroeconômicos precisam, necessariamente, ser referenciados em dados da economia real. Ou seja, precisamos de dados e indicadores fiéis da economia.

Neste sentido, pouco eficaz seria o avanço dos estudos na área de teoria econômica e macroeconomia caso não houvesse séries temporais que pudessem ser utilizadas no processo de decisão do governo e das empresas, por exemplo. Assim como escassas seriam as teorias que não pudessem ser comprovadas por meio da análise da evolução dos principais indicadores econômicos.

Questões econômicas primordiais poderiam ficar comprometidas. Por exemplo, como definir políticas de estímulo ao consumo se não houver dados atualizados sobre essa variável? Como mensurar o impacto de políticas econômicas se não houver séries temporais que permitam analisar a evolução de indicadores?

Conforme podemos perceber, a teoria econômica, em especial a macroeconomia, é dependente de dados e indicadores para que seu uso seja efetivo. E é sobre esses indicadores que vamos estudar neste livro.

Sendo assim, vamos estudar cada detalhe de indicadores e índices econômicos na medida em que avançamos em nossos estudos, bem como analisar a

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forma como eles se relacionam. Por exemplo: Como é calculado o produto da economia? Quais variáveis se relacionam? Quais são as fontes de renda de uma família? Quais são as contas de despesa de um governo?

Sabidamente, vivemos em uma sociedade em que números são fundamentais para qualquer área de estudo e a contabilidade social assume importante função de mensuração do movimento econômico de uma nação.

Contudo, não trataremos apenas de números, uma vez que vamos estudar conceitos, teorias e metodologias para o cálculo do produto em uma economia. Nosso objetivo é o estudo do sistema de contas nacionais e a forma como eles se relacionam com o conjunto dos agregados macroeconômicos.

Por fim, ao término de nossos estudos vamos compreender não somente a metodologia de cálculo dos indicadores econômicos, como também analisar a evolução da economia de um país e, principalmente, a forma como ele se relaciona com os demais países do mundo e a importância desse relacionamento para o desenvolvimento econômico.

Bom estudo!

Professor Thiago

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Habilidades

Seções de estudo

Capítulo 1

Contabilidade social: conceitos, utilização e limitações

Seção 1: A origem e evolução da contabilidade social

Seção 2: Conceitos básicos de contabilidade social

Seção 3: Fluxo circular da renda

Por meio deste capítulo você desenvolverá a habilidade de identificar os conceitos básicos de contabilidade social a partir do uso de métodos das ciências contábeis associados à teoria econômica, e, ainda, aplicar esses métodos na construção de indicadores básicos de um país, em especial produção e renda. Por fim, desenvolverá a habilidade de interpretar a metodologia de mensuração do produto e do fluxo circular da renda na economia.

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Capítulo 1

Seção 1A origem e evolução da contabilidade social

1.1 A origem da contabilidade social A contabilidade social se constitui pela necessidade de o governo mensurar a atividade econômica de forma estruturada. Sua história remonta ao século XVII, com estudos e ensaios econômicos dos fisiocratas e sua primeira proposta para estimar a renda nacional. Embora muito restrita, pois só considerava a formação de produto no setor primário (agrícola), esta foi a primeira iniciativa de quantificar o produto de um país e ocorreu na França.

Sendo assim, cabe destacar que a etapa inicial de estudos e aplicação dos primeiros instrumentos da contabilidade social compreende o período entre a segunda metade do século XVII até a década de 1930, conforme afirma Rossetti (1992, p. 21):

A primeira etapa abrange um período relativamente longo. Inicia-se com alguns trabalhos pioneiros desenvolvidos na segunda metade do século XVII. Atravessa toda a era clássica do pensamento econômico, que se estende pelos séculos XVIII e XIX, e se prolonga até a década de 30, à época em que se acelerou o desenvolvimento da análise econômica agregativa.

Rossetti ainda classifica os principais momentos históricos da contabilidade social, os quais são apresentados por meio do quadro a seguir:

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Contabilidade Social

Quadro 1.1 – Evolução da contabilidade social

Autor Ano Contribuição

William Petty 1665 Estimativa de renda nacional da Inglaterra.

Adam Smith 1776 Revisão do conceito fisiocrata de produção e renda com a publicação de “A riqueza das nações”.

George Tucker 1843 Estimativa de riqueza, renda por setor e região dos EUA.

Alfred Marshall 1890 Esclarecimento sobre os conceitos de produção e renda com a publicação de “Princípios econômicos”.

Irving Fisher 1906 Estabelecimento básico do sistema de contabilidade social com a publicação da obra “A natureza do capital e da renda”.

John Maynard Keynes 1936 Lançou as bases da visão moderna econômica agregativa com a publicação da obra “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda”.

Organização das Nações Unidas

1952 Divulgação do System of National Accounts 52 (SCN-52), que propõe uma metodologia básica para cálculos de contabilidade social.

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992, p. 41).

Entre os eventos demonstrados, a contabilidade social assume papel de relevância com a mensuração de agregados macroeconômicos mais recentes, em especial:

• produto;

• renda; e,

• dispêndio.

Nesta nova fase, apoiada pelos estudos macroeconômicos de Keynes, a contabilidade social tem por objetivo mensurar os agregados macroeconômicos, a inter-relação entre os agentes econômicos e o estudo do comportamento entre transações econômicas.

É importante observar que a crise de 1929, e a lenta recuperação das economias de diversos países até o período pós-guerra, representou uma fase importante da economia mundial, pois foi nessa época que os estudos de Keynes tiveram grande influência na condução de políticas econômicas.

Produtores, consumidores, governos e economia externa.

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Capítulo 1

Segundo Blanchard (2001), após a crise de 1929, não havia qualquer indicador confiável nos Estados Unidos capaz de mensurar movimentos do mercado, emprego, rendimento das famílias norte-americanas ou qualquer outra importante variável econômica.

Blanchard (2001, p. 22) também comenta que “para compreendermos a crucial importância dessa previsão e consistência, basta examinar as estatísticas de países que ainda não desenvolveram um sistema de contabilidade nacional”. Para o autor, nesses países, números que deveriam se agregar não são agregáveis, o que impede qualquer tentativa de elaboração de políticas econômicas.

O estudo referente à contabilidade social foi aprofundado, tendo como foco a mensuração da atividade econômica e social, por meio da criação de sistemas contábeis e estatísticas econômicas que permitiram fácil análise e compreensão da atividade econômica em determinado espaço temporal.

É comum haver certa confusão com o conceito de contabilidade social, pois muitas pessoas imaginam ser uma área de estudo das ciências contábeis e que trabalha com indicadores para a área social. Na verdade, a contabilidade social trata de estratégicos e complexos indicadores de uma economia. Diante deste contexto, muitos autores, como Paulani e Braga (2007) e Rosseti (1992), preferem tratar desta área como sendo contabilidade nacional.

Desse modo, enquanto a macroeconomia acompanha os movimentos de medidas agregadas, a contabilidade social se preocupa com a mensuração dos mesmos. Assim, compete à macroeconomia a caracterização dos agentes econômicos, suas formas de relacionamento e a identificação dos fluxos entre eles, ao passo que cabe à contabilidade social estruturar um sistema que seja capaz de mensurar as transações observadas pelos modelos macroeconômicos (ROSSETTI, 1992).

Nesse sentido, a contabilidade social procura agregar instrumentos de mensuração que permitam quantificar o movimento de uma economia nacional em determinado período de tempo.

A contabilidade social levanta questões do tipo: Qual foi a produção nacional? Qual foi o consumo? Quanto há de poupança? Qual foi o investimento em formação bruta de capital fixo? Qual foi o saldo da balança comercial?

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Contabilidade Social

Já a macroeconomia trabalha com indicadores agregados como, por exemplo:

• consumo agregado;

• investimento agregado;

• renda nacional, etc.

Entretanto, esses indicadores são analisados de forma macro, não havendo qualquer análise qualitativa ou descritiva dos mesmos. Por exemplo, não se sabe qual o setor da economia com maior participação, qual o percentual do consumo atribuído às famílias, etc.

Assim, a contabilidade social permite analisar, de forma mais cirúrgica, importantes indicadores da economia, dotando os economistas de maior eficácia no processo de intervenção, visto a possibilidade de verificar e analisar a evolução e o comportamento da economia de um país. Ou seja, não mensurando apenas o resultado final da renda, consumo, produto, investimento e poupança, mas conferindo uma dimensão sistêmica e analisando a relação entre esses agregados e o sistema econômico existente.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 4),

a partir dos primeiros esforços para fechar logicamente o sistema de contas nacionais, a teoria macroeconômica e a contabilidade social experimentaram desenvolvimentos conjuntos, beneficiando-se mutuamente.

1.2 O uso de métodos das ciências contábeisÉ importante observar que não há uma relação entre a contabilidade social e a área de ciências contábeis, contudo, a primeira utiliza o método de registro de contas da segunda. Assim, em vez de lidar, por exemplo, apenas com informações referentes à saúde financeira de uma empresa, a contabilidade social surge com um escopo mais amplo, com a produção de estatísticas sistematizadas para variáveis agregadas, servindo de arcabouço estatístico e matemático para verificação empírica de teorias e sentenças macroeconômicas, em especial no que diz respeito aos modelos relacionados ao produto e à renda.

Outro método importante das ciências contábeis utilizado pela contabilidade social é conceito de partidas dobradas. Este método de controle tem como base teórica a necessidade de qualquer operação contábil registrar um débito com um correspondente em um crédito equivalente, ou seja, a soma dos valores de todos os débitos deve ser sempre igual à soma dos valores de todos os créditos. Em resumo, não há débito sem crédito correspondente.

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Capítulo 1

O quadro a seguir ilustra essa relação:

Quadro 1.2 – Modelo genérico de partidas dobradas

Débito Crédito

Aplicação dos Recursos Origem dos Recursos

Total Débito Total Crédito

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Na contabilidade social, essa exigência de partidas dobradas é fundamental para a mensuração dos agregados macroeconômicos, bem como o estado de equilíbrio entre eles e os diferentes agentes econômicos.

Além desse equilíbrio, o método de partidas dobradas permite exatidão na mensuração e acompanhamento da evolução dos agregados, uma vez que por meio dele fica perceptível identificar a evolução dos agregados e a correlação entre as contas.

O método de partidas dobradas tem como conceito o equilíbrio entre as contas de débito e crédito, enquanto para a macroeconomia pós-keynesiana o referido método tem como objetivo o equilíbrio dos mercados por meio da análise dos efeitos das decisões dos agentes econômicos (microeconomia) sobre os resultados para a economia como um todo.

Nesse contexto, os estudos da contabilidade social visam à perspectiva de mercado de equilíbrio, sendo que este se refere à relação existente entre o que é produzido e o que é consumido, ou seja, toda produção tem como destino um mercado consumidor, “zerando” as relações pertinentes no mercado em determinado período de tempo.

Sendo assim, a contabilidade social refere-se ao conjunto de dados e estatísticas econômicas preparado e organizado em sistemas que tenham como objetivo possibilitar uma visão quantitativa da economia de um país. Nada mais é que uma síntese contábil dos indicadores que caracterizam a atividade econômica de um país em determinado período de tempo (BLANCHARD, 2001).

Dando continuidade à análise conceitual de contabilidade social, cabe a seguinte pergunta:

Como está inserida a produção de bens e serviços no contexto do sistema contábil proposto pela contabilidade social?

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Contabilidade Social

A produção de bens e serviços visa a atender a demanda dos consumidores e compreende um processo que se desdobra no tempo, sendo conduzido pelas empresas, e estando intimamente relacionado à geração de renda, tornando iguais os fluxos de produção e renda, desde que mensurados em um mesmo período.

É importante observar que a produção tem como destino o mercado, em que bens e serviços são demandados para consumo final ou para investimento e, segundo Rossetti (1992, p. 58), “dentre as três categorias básicas da atividade econômica (produção, consumo e acumulação), a produção é considerada como atividade fundamental, sem a qual as outras não existiriam”.

Assim, a contabilidade social refere-se ao sistema contábil que permite avaliar a atividade econômica em um determinado período de tempo, mensurando a produção, a renda, o consumo e a acumulação e seu principal objetivo é nortear os agentes econômicos no processo de tomada de decisão, em especial o governo, em seu processo de formulação de políticas públicas.

Dessa forma, assim como acontece em uma empresa, a contabilidade social permite aos agentes econômicos, sejam eles consumidores, empresários ou governo, ajustar suas decisões com base na análise de informações consolidadas pela contabilidade social.

De forma abrangente, a contabilidade social permite que a economia de um país seja analisada como se fosse uma grande empresa.

Da mesma forma com que a contabilidade contribui para o desenvolvimento das empresas, a contabilidade social fornece um balanço dos indicadores econômicos mais importantes de um país e, por padronização, sua elaboração final compreende o período de um ano, o qual é demonstrado por meio de contas, balancetes e lançamentos contábeis.

No presente estudo, apesar de abordarmos apenas questões relacionadas à contabilidade social, é importante compreender que há outros instrumentos de contabilidade que consolidam um sistema de contas nacional e, principalmente, que há conexão entre todos eles. O balanço de pagamento e o sistema monetário, por exemplo, são peças-chave para compreender e analisar a economia de um país, conforme veremos na sequência.

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Capítulo 1

1.3 A participação da Organização das Nações Unidas para a evolução da contabilidade social Atualmente, a metodologia de contabilidade social é um sistema padronizado ao redor do mundo, sendo que houve especial participação da unidade da contabilidade nacional da Organização das Nações Unidas (ONU) em sua elaboração.

A ONU prestou assistência e apoio aos países membros com o intuito de implementar uma metodologia de sistema de contabilidade social padronizada que permitisse a qualquer agente a comparação de indicadores econômicos de diferentes países utilizando a análise da sua contabilidade.

Segundo Rossetti (1992, p. 35),

[...] o Sistema de Contas Nacionais das Nações Unidas (ou, de maneira abreviada, SCN-52) forneceu uma estrutura coerente para os trabalhos de levantamento e apresentação dos principais fluxos relacionados à produção, consumo, acumulação, atividades econômicas do governo e transações econômicas com o exterior.

Embora a ONU tenha padronizado o sistema de contabilidade social, há, no mundo, alguns outros modelos que foram desenvolvidos para integrar um sistema de contas nacionais que permite mensurar, em termos de estoque, todos os ativos e passivos de um país em determinado período.

Segundo Bresser-Pereira e Nakano (1972), entre os sistemas, destacam-se:

• Sistema de Contas Nacionais: É o sistema mais antigo e comum, desenvolvido na Inglaterra e definido pelo registro sistemático dos eventos econômicos realizado pelos agentes de um país. A principal vantagem deste sistema é estar intimamente associado à análise macroeconômica.

• Sistema Input-Output: Este sistema define o estudo empírico das inter-relações existentes entre os diferentes setores e agentes de uma economia nacional. Enquanto o Sistema de Contas Nacionais preconiza a atividade econômica com base na produção, consumo e acumulação, o sistema Input-Output considera apenas a produção ou transformação de bens.

• Fluxos Financeiros: Este sistema visa a descrever a atividade econômica por meio do conceito monetário e financeiro, sendo contabilizadas apenas as transações que envolvam moeda ou crédito. Essas contas registram todas as compras e vendas de bens

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Contabilidade Social

e serviços, além das entradas e saídas de créditos, capital e sua variação nos encaixes monetários.

• Balanços Nacionais: Este sistema é semelhante ao balanço patrimonial de uma empresa, com base na quantificação dos ativos e passivos de uma economia, em especial os valores relacionados à depreciação, estoque de matéria-prima e produto em fase de transformação.

Rossetti (1992) resume a contabilidade social com base nos seguintes tópicos:

• uma técnica, não uma ciência;

• uma síntese;

• unidades monetárias; e,

• transações econômicas.

Esse entendimento decorre de que a contabilidade social é uma técnica de registro e de mensuração de um conjunto interligado de grandezas e de variáveis definidas pela ciência econômica. Os sistemas usuais da contabilidade social têm, em comum, a característica de não se preocuparem com o excessivo detalhamento das transações econômicas verificadas em determinado país, por isso, trabalham com a síntese.

A utilização como padrão monetário confere à contabilidade social uma forma especial de estatística econômica, pois é a única unidade de medida que se aplica sobre dados primários da economia.

Por último, a contabilidade social não revela a situação econômica ou patrimonial dos diferentes tipos de agentes que transacionam em determinado país em um dado momento.

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Capítulo 1

Seção 2Conceitos básicos de contabilidade social

2.1 Os primeiros conceitos de contabilidade social Os conceitos básicos de contabilidade social visam a auxiliar nosso entendimento a respeito de um sistema de contas nacionais e, principalmente, o conceito base do processo de estruturação desse sistema.

Se auferir a saúde financeira de uma empresa, que tem um raio de atuação limitado e facilidade no acesso à informação, já é algo complexo, imagine fazer o mesmo com a economia de um país, consolidando e mensurando todas as informações econômicas dos seus agentes.

Assim como acontece em uma empresa, as informações, neste caso aquelas dos agentes econômicos de um país, precisam ter credibilidade, uma vez que o trabalho envolvido é complexo e, no caso de dados e informações “manipuladas”, haveria pouca ou nenhuma serventia, visto que decisões e políticas macroeconômicas são elaboradas com base em indicadores gerados por meio das referidas informações.

Nesse sentido, esses tais indicadores precisam ser elaborados com base em uma padronização que permita a avaliação sistêmica de todas as transações realizadas na economia de um país. Este ponto é estratégico, pois há diversos agentes em uma economia, cada um com diferentes características, que executam diversas atividades que, por sua vez, podem ser encontradas em vários estágios de produção.

Paulani e Braga (2007, p. 6) nos fornecem um pequeno exemplo de quão complexa é essa questão:

Como agregaríamos, por exemplo, toneladas de bananas, metros de tecido, toneladas de fios, unidades de camisas, unidades de aparelhos de TV, unidades de automóveis, cabeças de boi, unidades de apartamentos, toneladas de aço, toneladas de fertilizantes, pés de alface, litros de leite, quilowatts de energia, dúzias de ovos, horas de aula, horas de serviços médicos, horas de serviços de segurança, horas de serviços de telefonia e horas de trabalho de atores de teatro?

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Contabilidade Social

A resposta para essa pergunta nos remete ao primeiro conceito importante de contabilidade social: a moeda. Como é sabido, a moeda possui diversas funções.

De acordo com Mishkin (2000), entre elas destacam-se as seguintes:

• instrumento de troca;

• meio de pagamento;

• reserva de valor; e,

• denominação comum de valores.

A moeda representa o direito de um agente econômico sobre riquezas existentes, sendo que esta riqueza está lastreada em algum bem ou serviço já prestado por outro agente. Essa possibilidade permite que a moeda seja acumulada, e, uma vez acumulada, a moeda tem o poder legal de liberação de débitos, pois ela é um meio de pagamento de alta liquidez.

Além da função de meio de pagamento e reserva de valor, a moeda tem uma importante função: ser utilizada como meio de troca, tornando possível a mensuração de preços em uma unidade de valor amplamente aceita.

Nesse aspecto, a moeda tem função central na contabilidade social, pois ela permite agregar diversos setores, bens e serviços em apenas uma unidade, de fácil compreensão e mensuração, adquirindo o papel de denominação comum de valores (ROSSETTI, 1992).

Cabe destacar que mais importante que mensurar, padronizar todos os bens e serviços em apenas uma medida de valor, a moeda permite o uso de métodos de análise e, principalmente, acompanhar a sua evolução ao longo do tempo.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 7):

No sistema econômico em que vivemos, tudo pode ser avaliado monetariamente, de modo que toda a imensa gama de diferentes bens e serviços que uma economia é capaz de produzir pode ser transformada em algo de mesma substância, ou seja, moeda ou dinheiro.

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Capítulo 1

O uso da moeda como denominação comum de valores e padrão também nos permite analisar a identidade corresponde a uma relação econômica entre dois ou mais agentes econômicos. A mais comum, sem dúvida, é a relação de compra e venda. Nesta identidade, fica implícito que para alguém comprar deve haver alguém que queira vender. Um comprador sem um vendedor ou um vendedor sem um comprador não resulta em uma transação econômica entre agentes.

Outro ponto importante da função da moeda corresponde às operações de troca, ou seja, havendo um comprador e um vendedor, precisamos de um meio de troca comum entre eles. No caso de uma operação de compra e venda, por exemplo, o vendedor troca um produto por um valor monetário, enquanto o comprador troca um valor monetário por um produto.

Esse conceito de trocas está intimamente relacionado ao método das partidas dobradas, ou seja, quando um agente econômico realiza uma transação, ele está realizando uma troca de valores iguais, havendo, portanto, um débito e um crédito. Vamos supor que um comerciante venda uma camisa pelo valor de 100 unidades monetárias. Ao realizar a venda, ele está trocando um produto, no caso estoque, por um valor monetário, no caso caixa.

Vejamos o exemplo:

Quadro 1.3 – Troca de produto por valor monetário

Débito Crédito

Camisa: 100 unidades monetárias Caixa: 100 unidades monetárias

Total Débito: 100 Total Crédito: 100

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Paulani e Braga (2007, p. 8) lembram que “apesar de bastante simples e mesmo intuitiva, é essa ideia básica que preside a constituição de identidades macroeconômicas, ainda que elas não sejam tão óbvias, nem tão visíveis”.

É importante destacar que as relações de troca não ocorrem apenas em transações de compra de venda. Elas também ocorrem quando alguém troca o direito de algo no presente pelo direito de algo no futuro. O exemplo mais claro desta transação é quando um agente econômico faz uma poupança, ou seja, quando ele opta por não consumir. Neste caso, ele está trocando um valor monetário presente por um valor monetário futuro, que será maior em termos nominais. Ele troca um consumo presente por um consumo futuro.

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Contabilidade Social

Esta transação nada mais é que a troca de um valor monetário por um documento oficial de uma instituição financeira, atestando que ele tem o direito de receber o valor do principal mais uma remuneração do mesmo.

Inserindo mais variáveis neste raciocínio, imagine que um agente econômico precisa comprar um bem que demanda certo período de tempo para ser produzido e não tem a pronta entrega. Vamos supor que uma empresa demanda um novo sistema de gestão para suas atividades. Este sistema precisa ser desenvolvido por uma empresa, que pediu um prazo de seis meses para sua produção e entrega.

Como há uma promessa de entrega do produto, o comprador paga antecipado um valor para o início da produção, pagando o restante apenas quando o sistema for entregue. Neste caso, para desenvolvimento completo do sistema, a empresa contratada recebe parte do valor para pagar seus funcionários e a parte restante ela capta em instituições financeiras por meio de linhas de crédito de capital de giro.

Ampliando um pouco mais o raio de ação, há um cenário com mais agentes envolvidos. Há uma transação de compra e venda, captação de recursos para investimentos e a promessa de entrega futura de um produto. Ao falarmos em antecipação de valor, estamos, obrigatoriamente, falando de poupança e investimento e todo este ciclo deve respeitar, criteriosamente, o método das partidas dobradas, incorrendo em equilíbrio entre todos os débitos e créditos.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 8),

da mesma forma que não pode ocorrer uma compra sem que vejamos do outro lado uma venda, também não pode haver uma produção que não constitua um dispêndio e não seja simultaneamente geração de renda. Similarmente, poupança implica necessariamente investimento, e investimento não pode ser entendido sem que o consideremos, em contrapartida, como poupança.

Esta identidade – produto, renda e dispêndio – é central na contabilidade social, pois é a partir dela que é criado o fluxo circular da renda, quando mais agentes e transações são inseridas no sistema econômico, refletindo um ambiente real com agentes que realizam milhões de transações diariamente.

Precisamos, também, compreender que as identidades não geram uma relação de igualdade. Por exemplo, no caso da identidade entre poupança e investimento, pode parecer lógico afirmar que o nível de poupança explica um nível de investimento, mas há muitos fatores envolvidos na relação entre poupança e investimento, sendo que a identidade entre eles é apenas contábil para fins de equilíbrio interno das partidas dobradas, não havendo uma relação de causa e efeito entre eles.

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Capítulo 1

Paulani e Braga (2007, p. 9) concluem que, por essa razão,

a forma mais adequada para expressar as identidades é a utilização do símbolo de identidade ( ) em vez do símbolo de igualdade (=), pois uma identidade contábil AB não implica nenhuma relação de causa e efeito da variável A para a variável B ou vice-versa.

2.2 A identidade produto renda dispêndio Qualquer estudo em uma determinada área de conhecimento, seja técnico ou científico, deve ser precedido de uma série de suposições e hipóteses que permita melhor análise dos dados e informações sob avaliação. O mesmo também é válido para os estudos em economia, sejam mais superficiais, como no caso da graduação, como em estudos mais complexos, como nos casos de doutorado e pós-doutorado.

Sendo assim, nos estudos de uma economia tradicional, ao todo, são quatro os agentes econômicos a serem considerados: as unidades familiares, as empresas, os governos e o resto do mundo.

Segundo Rossetti (1992), em uma economia tradicional há:

1. Unidades familiares: O conceito de unidades familiares engloba os indivíduos que se encontram diretamente empregados, fornecendo recursos para o processamento das atividades primárias, secundárias ou terciárias de produção.

2. Empresas: Nesta categoria enquadram-se todas as unidades que compõem o aparelho de produção de uma economia. Reúnem-se aqui as empresas que se dedicam a atividades primárias, secundárias ou terciárias, produzindo os bens e serviços que atendem às necessidades de consumo e de acumulação da sociedade.

3. Governo: O governo destaca-se como um dos mais importantes agentes ativos do sistema, devido às particularidades especiais que envolvem as suas ações econômicas, pois atua como centro de produção de bens e serviços de usos coletivos.

4. Resto do mundo: Esta categoria destina-se a registrar as transações econômicas entre unidades familiares, empresas e governo do país com semelhantes agentes pertencentes a outros países.

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Contabilidade Social

No sentido de melhor compreendermos a identidade entre produto, renda e dispêndio, vamos, na sequência, apresentar um exemplo de funcionamento da economia com os referidos agentes bem como a simulação de transação entre eles.

Inicialmente, vamos assumir que vivemos em uma economia “Z” e que esta é uma economia fechada e sem governo, ou seja, não há qualquer relação econômica com o exterior, nem cobrança de impostos e gastos pelo governo. Esta economia é estritamente agrícola e possui apenas quatro setores, ilustrados pelo quadro a seguir, que são responsáveis pela produção de um único bem, o vinho.

Quadro 1.4 – Produtos de uma economia fictícia

Setor Produto

Setor 1 Sementes

Setor 2 Uva

Setor 3 Concentrado de uva

Setor 4 Vinho

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Nesse exemplo há apenas uma empresa em cada um desses setores e elas estão enquadradas em uma cadeia produtiva integrada, realizando transações responsáveis pelo desenvolvimento do produto da economia. Vamos considerar que essa economia, ao final do ano 1, tenha realizado as seguintes transações entre as empresas:

Quadro 1.5 – Transações de uma economia fictícia

Produtor Produto Preço de venda Comprador

Setor 1 Semente $ 50 Setor 2

Setor 2 Uva $ 150 Setor 3

Setor 3 Concentrado de uva $ 250 Setor 4

Setor 4 Vinho $ 300 Consumidores

Fonte: Elaboração do autor (2014).

A informação desse quadro consiste em uma breve contextualização de como é calculado o produto de um país. É uma contextualização simples, porém nos ajuda a compreender a metodologia de cálculo desse importante indicador.

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Capítulo 1

Qual foi a produção total dessa economia no período?

Intuitivamente, poderíamos somar todos os valores e ter, no resultado, o valor total da produção na economia. Teríamos, então: produção total: $ 50 + $ 150 + $ 250 + $ 300 = $ 750. Por este cálculo, a produção dessa economia no período analisado foi de $ 750.

Esse valor não estaria errado, caso a análise fosse do balanço patrimonial de uma empresa. Contudo, esse não é o método correto no caso de soma da produção de um país. Assim, é importante analisar um ponto especial nesse cálculo, uma vez que existe integração na cadeia produtiva e uma empresa se utiliza da matéria-prima de outro setor durante seu processo de produção. Logo, o produto final do setor 3, por exemplo, utilizou o produto fabricado pelo setor 2.

A lógica é simples. Na fabricação do vinho, por exemplo, o primeiro passo é a produção da semente. O segundo corresponde ao plantio da semente para extrair a uva (setor 2). Posteriormente, são agregadas outras matérias-primas (setor 3) para, só então, termos o vinho (setor 4).

Isso quer dizer que todos esses setores se utilizam de produtos dos setores que os precedem na cadeia produtiva, apenas adicionando valor ao que está sendo produzido (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

Desta lógica, surge um conceito importante: o de valor bruto de produção.

De acordo com Paulani e Braga (2007, p. 11),

a primeira distinção importante que temos de fazer para entender corretamente o que significa o produto de uma economia num dado período de tempo corresponde àquilo que chamamos anteriormente de valor total da produção e denomina-se, mais rigorosamente, de valor bruto da produção e indica o valor de tudo que foi produzido, inclusive daquilo que foi utilizado como insumo na produção de outros bens, ou seja, inclusive o chamado consumo intermediário.

O consumo intermediário, no nosso caso, corresponde às sementes de uva, à uva e ao concentrado de uva. Este consumo intermediário é a chave para descobrimos a real produção de uma economia. O valor do produto em uma economia corresponde apenas ao montante agregado por cada setor.

Vejamos os dados expressos na tabela a seguir:

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Contabilidade Social

Tabela 1.1 – Consumo intermediário de uma economia fictícia

Setor Produto Valor inicial Valor final

1 Semente $ 0 $ 50

2 Uva $ 50 $ 150

3 Concentrado de uva $ 150 $ 250

4 Vinho $ 250 $ 300

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Verificamos nessa tabela que o valor inicial do setor 1 é $ 0 e o valor final é $ 50, uma vez que utiliza da terra e do trabalho para produzir o primeiro produto, a semente. Logo, o valor adicionado pelo setor 1 é de $ 50.

No caso do setor 2, ele comprou a semente do setor 1 por $ 50, adicionou mais $ 100 e vendeu para o setor 3 por $ 150. O setor 3, por sua vez, adicionou mais $ 100 ao produto comprado do setor 2 e o vendeu para o setor 4 por $ 250. Por fim, o setor 4 adicionou $ 50 ao produto vendido pelo setor 3 e vendeu para o consumidor final por $ 300.

Bresser-Pereira (1972) comenta que o valor bruto de produção consiste na soma do valor final dos produtos de cada setor, enquanto o valor do produto de uma economia corresponde ao valor total adicionado por todos os setores. Nesse nosso exemplo, corresponde a $ 300.

Entretanto, cabe observar que há uma maneira mais simples de calcular o valor do produto em uma economia. Basta considerar apenas o valor do produto final ao consumidor. Ou seja, o valor final do vinho ao consumidor, que é de $ 300, que corresponde ao total de valor adicionado por todos os setores; contudo, esta regra é válida apenas para economias que não tenham estoques.

Em nosso exemplo hipotético, estamos considerando que tudo o que é produzido é vendido; que só há um produto; que não existe governo; que não há comércio com o exterior e que há apenas uma empresa em cada setor.

E se considerarmos que nem tudo que é produzido é vendido, como fica o nosso cálculo de produto para essa economia?

Vamos supor que a empresa do setor 2 não venda toda sua produção para o setor 3. Suponhamos que a empresa vendeu apenas $ 100 dos $ 150 que tinha sob seu poder, ou seja, teve uma receita de $ 100 e está com um estoque de $ 50.

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Capítulo 1

Como não havia matéria-prima suficiente, o setor 3 também não conseguiu vender os $ 250 para o setor 4 que, por sua vez, também teve a produção afetada e não conseguiu vender os $ 300 para o consumidor final.Nessa hipótese, notamos que nem tudo o que foi produzido foi vendido, havendo assim formação de estoques na economia.

Mas como fica nosso exemplo em um cenário mais real, quando há formação de estoques?

Vejamos, por meio dos dados da tabela a seguir, como fica nosso cálculo, então.

Tabela 1.2 – Criação de estoques em uma economia fictícia

Setor Produto Valor inicial Valor final Estoque

1 Semente $ 0 $ 50 $ 0

2 Uva $ 50 $ 100 $ 50

3 Concentrado de uva $ 100 $ 166,67 $ 0

4 Vinho $ 166,67 $ 200 $ 0

Fonte: Elaboração do autor (2014).

A conclusão a que chegamos, de acordo com essa tabela, é que o valor adicionado dessa economia é de $ 200. Mas o valor final dos produtos não é mais igual ao valor adicionado, uma vez que o setor 2 vendeu ao setor 3 apenas 66,67% da sua produção. Logo, o setor 3 também teve uma baixa na sua produção, produzindo apenas 66,67% do inicial. E, por fim, o setor 4, que também teve o mesmo problema, produziu apenas 66,67% do inicial.

Nesse caso, então, o valor do produto da economia corresponde ao valor final dos produtos, que corresponde a $ 200, mais o valor do estoque, que corresponde a $ 50, totalizando um valor de $ 250.

E por que $ 250 e não $ 300? $ 250, pois o setor 3 e o setor 4 não agregaram valor sobre o que foi produzido pelo setor 2, logo, o valor é menor.

Estamos diante de mais uma importante concepção na área de contabilidade social. A noção de que, para a contabilidade social, não importa a natureza de um produto: pode ser uma matéria-prima, um produto intermediário ou um produto final (BRESSER-PEREIRA, 1972).

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Contabilidade Social

Para cálculos de contabilidade social, se um bem for produzido, mesmo que seja intermediário, mas não foi consumido, então ele deve ser parte integrante do cálculo do produto final.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 12), “todo bem que, por sua natureza, é final, deve ter seu valor considerado no cálculo do valor do produto, mas nem todo bem cujo valor entra no cálculo do produto é um bem final por natureza”. Esta forma de analisar a produção de uma economia recebe o conceito de ótica, que tem o dispêndio como base da metodologia de agregação de valor na economia.

A ótica do dispêndio, como é conhecida, reforça a ideia de que, para produzir, uma economia precisa de insumos, sejam eles matéria-prima, capital, terra ou força de trabalho e que o resultado final do produto é a constante agregação de valor entre esses fatores.

De acordo com os princípios de microeconomia, conforme Pindyck e Rubinfeld (2010), os fatores de produção são os seguintes:

• terra;

• trabalho;

• capital;

• tecnologia;

• capacidade empresarial.

Embora sejam esses os fatores de produção, vamos considerar apenas trabalho e capital, adicionando os demais à medida que seguimos adiante.

Pela ótica do dispêndio, entende-se que o consumo é decorrente de uma necessidade humana de consumir, neste caso, caracterizada pelo “ato de aquisição do produto final pelo consumidor” (ROSSETTI, 1992, p. 61).

No primeiro caso de nosso exemplo, os agentes econômicos despenderam os recursos disponíveis para a produção do vinho e, no segundo, despenderam os recursos disponíveis para a produção de vinho e de uva, que será utilizada em um momento posterior nesta economia. Embora a uva, que ficou em estoque, não seja utilizada neste momento, ela pode ser utilizada em uma produção futura.

Fica evidente a importância da conversão monetária, a qual só conseguimos quantificar a produção econômica quando todos os bens são convertidos em moeda.

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Capítulo 1

No primeiro cenário de nosso exemplo hipotético, sabemos que a economia produziu o equivalente a $ 300, e não “x” quantidade de vinho, o que tornaria inviável sua quantificação e possível comparação com outras economias que tenham diferentes produtos.

De forma resumida, a ótica do dispêndio considera o produto de uma economia com base na soma monetária de todos os bens e serviços produzidos por ela e que não foram absorvidos como fator de produto, no caso, o estoque (Rossetti, 1992).

Em virtude de estarmos falando de contabilidade, e como a contabilidade social faz parte do campo de estudos das ciências econômicas, convém analisar outras formas de obter o mesmo resultado sobre o nível de produção de uma economia.

Neste primeiro momento, apresentamos a ótica do produto renda dispêndio. Num segundo momento, apresentaremos outra forma de chegar ao mesmo resultado.

2.3 A identidade produto renda produtoA identidade produto renda produto é também chamada de ótica do produto e tem como foco o valor adicionado na economia.

Na ótica do dispêndio, avaliamos tudo o que foi consumido pela economia em determinado período. Agora, vamos avaliar o lado da produção, concentrando a análise em tudo o que foi adicionado pelo produtor em seu processo de fabricação.

Para este caso, devemos nos atentar a analisar cada setor, empresa por empresa, o valor da compra e o valor final da venda. No nosso caso, como temos apenas uma empresa por setor, o exemplo fica de mais fácil compreensão.

Voltamos ao nosso exemplo hipotético, quando não há estoques.

Tabela 1.3 – Transações uma economia fictícia

Setor Produto Valor inicial Valor final

1 Semente $ 0 $ 50

2 Uva $ 50 $ 150

3 X $ 150 $ 250

4 Vinho $ 250 $ 300

Fonte: Elaboração do autor (2014).

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Contabilidade Social

Podemos verificar nesta tabela que o setor 1, referente à produção de sementes, foi responsável pela produção de $ 50 em sementes. Podemos ainda considerar este setor 1 como extrativista, uma vez que não há qualquer matéria-prima para sua produção. Logo, neste caso, temos um valor inicial de $ 0 e um valor final de $ 50, que nos revela um valor adicionado de $ 50.

Já o setor 2, ao término de sua produção, vendeu seu produto para o setor 3 por $ 150. Mas quanto foi a produção do setor 2? Em princípio, podemos imaginar que também tenha sido de $ 150. Contabilmente, caso fôssemos considerar apenas a estrutura contábil da empresa, a produção foi realmente de $ 150.

Entretanto, esse raciocínio não está correto no caso de mensuração do produto de uma economia, visto que é importante lembrar que o setor 2 se utilizou de insumos produzidos pelo setor 1 em processo de produção.

Logo, a produção final foi de $ 150. Mas, destes, $ 50 correspondem ao que foi produzido pelo setor 1. Nesse sentido, a real produção, ou valor adicionado, pelo setor 2 equivale ao valor final menos o valor inicial, ou aquele valor pago ao setor 1. No caso, $ 150 – $ 50, que nos confere um valor adicionado de $ 100.

A diferença de $ 100 corresponde a outros fatores de produção utilizados no processo, como mão de obra e terra, por exemplo. Se ampliarmos esta mesma lógica para toda a economia, teremos a seguinte tabela:

Tabela 1.4 – Exemplo de valor adicionado em uma economia fictícia

Setor Produto Valor inicial Valor final Valor adicionado

1 Semente $ 0 $ 50 $ 50

2 Uva $ 50 $ 150 $ 100

3 X $ 150 $ 250 $ 100

4 Vinho $ 250 $ 300 $ 50

Fonte: Elaboração do autor (2014).

O produto total ou o produto adicionado por essa economia corresponde aos somatórios de todos os valores adicionados, sendo:

Valor adicionado: $ 50 + $ 100 + $ 100 + $ 50: $ 300.

Conforme podemos constatar, esse resultado é o mesmo da ótica do dispêndio.

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Capítulo 1

Qual a diferença entre a ótica do valor adicionado e a ótica do produto?

Em uma primeira análise, quando não há estoques, chegamos à mesma conclusão. Na verdade, este ponto reforça a hipótese de que, por meio de óticas diferentes, conseguimos chegar ao mesmo resultado.

Mas e quando há estoques?

Em nosso segundo exemplo temos a seguinte tabela:

Tabela 1.5 – Exemplo de valor adicionado com estoques

Setor Produto Valor inicial Valor final Estoque

1 Semente $ 0 $ 50 $ 0

2 Uva $ 50 $ 100 $ 50

3 Concentrado de uva $ 100 $ 166,67 $ 0

4 Vinho $ 166,67 $ 200 $ 0

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Nesse exemplo, a empresa do setor 2 não vende a totalidade de sua produção, deixando parte da sua produção, ou $ 50, em estoque.

Esta retenção de estoque pela empresa interfere em toda a economia. Contudo, não devemos nos ater aos motivos hipotéticos que levaram a empresa a não vender a totalidade da sua produção, mas sim ao fato de que a decisão desta empresa tem um impacto negativo na produção total da economia.

Em virtude de a empresa do setor 3 receber menor quantidade de matéria-prima do setor 2, ela terá menor quantidade de matéria-prima para agregar valor; logo, haverá menos dispêndio de mão de obra e terra e, por consequência, menor quantidade de produtos.

Teremos assim um ciclo a partir deste ponto, sendo que os demais setores também receberão menor quantidade de matéria-prima e, consequentemente, menor será a sua produção ou valor adicionado final.

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Contabilidade Social

Expandindo o exemplo, teremos:

Tabela 1.6 – Exemplo completo de valor adicionado com estoques

Setor Produto Valor inicial Valor final Estoque Valor adicionado

1 Semente $ 0 $ 50 $ 0 $ 50

2 Uva $ 50 $ 100 $ 50 $ 50

3 X $ 100 $ 166,67 $ 0 $ 66,67

4 Vinho $ 166,67 $ 200 $ 0 $ 33,33

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Se formos considerar o valor final consumido, chegaremos ao valor de $ 200. Pela ótica do produto, a mensuração do produto total da economia consiste, efetivamente, no valor adicionado no processo produtivo, sendo que o valor final corresponde ao somatório do valor adicionado por empresa, ou seja, também $ 200.

É importante destacar que, qualquer que seja o método de cálculo, o produto final de uma economia pode ser mensurado por meio do valor final ao consumidor ou do somatório do valor agregado (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

2.4 A ótica da rendaJá analisamos a ótica do produto renda dispêndio e a ótica do produto renda produto.

Resta analisar a terceira ótica, a ótica da renda. A ótica da renda vai proporcionar o mesmo resultado do produto de uma economia, se comparada às outras duas óticas analisadas.

Além disso, a ótica da renda é a base da metodologia para compreensão do fluxo circular da renda, outro conceito fundamental para a contabilidade social. Vale lembrar que a geração de renda é um processo que ocorre paralelamente à produção, sendo indispensável ao processo de consumo e acumulação de capital (ROSSETTI, 1992).

A renda corresponde à remuneração de um fator de produção fundamental de uma economia, a mão de obra. Se analisarmos os nossos exemplos, podemos notar que alguns fatores de produção são essenciais para o processo produtivo.

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Capítulo 1

Além da matéria-prima, as empresas também se utilizam de máquinas, equipamentos e, principalmente, mão de obra. É por meio da ação conjunta desses fatores que elas adicionam valor à matéria-prima comprada de empresas que as precedem na cadeia produtiva de uma economia.

Em nosso exemplo hipotético, o processo de produção do vinho é composto pela perfeita sincronia entre as empresas do setor, havendo em cada uma delas uma exata integração entre os fatores de produção necessários à fabricação do vinho.

Cabe destacar que o valor adicionado corresponde à remuneração dos referidos fatores, sendo que para a produção de vinho foram consumidas horas de trabalho de mão de obra, o uso de máquinas e equipamentos, além da capacidade do empresário e do uso do seu capital no processo produtivo.

O trabalho corresponde ao esforço dos recursos humanos durante o processo produtivo, já o capital corresponde às máquinas e equipamentos disponíveis aos recursos humanos durante o processo produtivo (PINDYCK; RUBINFELD, 2010).

Cada um desses fatores de produção tem papel central no processo produtivo. Sozinhos, eles não seriam capazes de gerar ganhos para uma economia. Desta forma, o produto final de uma economia é resultado da combinação entre trabalho e capital, e eles precisam ser remunerados pela sua participação.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 22):

Na sociedade em que vivemos, a forma encontrada para distribuir o produto gerado pela economia entre os diferentes fatores de produção é atribuir a cada um deles uma remuneração determinada monetariamente. À remuneração do fator trabalho damos o nome de salário e à remuneração do fator capital damos o nome de lucro.

Como consideramos que existem apenas dois fatores de produção, temos que o valor adicionado ao produto corresponde à remuneração dos mesmos. Ou seja, o valor adicionado corresponde ao custo de produção do produto, aqui representado pela remuneração do trabalho, pelo salário, e à remuneração do capital, neste caso, representado pelo lucro.

Logo, o somatório das duas remunerações deve igualar o valor auferido pelo produto de uma economia. Salário e lucro são considerados fonte de renda, sendo a base da ótica que vamos analisar agora.

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Contabilidade Social

Voltemos ao nosso exemplo hipotético.

Tabela 1.7 – Exemplo de remuneração de fatores

Setor Produto Valor adicionado Salário Lucro

1 Semente $ 50 $ 35 $ 15

2 Uva $ 100 $ 70 $ 30

3 X $ 100 $ 70 $ 30

4 Vinho $ 50 $ 35 $ 15

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Em virtude de assumirmos apenas dois fatores de produção, o valor adicionado na economia precisa ser dividido entre eles. Nesse caso, vamos usar uma proporção de 70% para os salários e 30% para o lucro. Mantendo a hipótese de apenas dois fatores de produção, diferentes proporções entre eles manteriam idêntico o somatório do produto.

É evidente, por meio desse exemplo, que o somatório da remuneração dos fatores de produção é igual à produção da economia. Por dedução, o produto total gerado por uma economia é igual à renda total gerada por ela. No nosso caso, a soma das remunerações também equivale ao produto, ou seja, o valor adicionado pelo setor mais a matéria-prima comprada.

Tabela 1.8 – Exemplo de remuneração do trabalho e capital

Setor Produto Valor inicial Valor final Valor adicionado Salário Lucro

1 Semente $ 0 $ 50 $ 50 $ 35 $ 15

2 Uva $ 50 $ 150 $ 100 $ 70 $ 30

3 X $ 150 $ 250 $ 100 $ 70 $ 30

4 Vinho $ 250 $ 300 $ 50 $ 35 $ 15

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Essa tabela consolida as três óticas apresentadas neste estudo. Nela, podemos perceber que, independente da ótica utilizada, todas apresentam o mesmo produto final de uma economia. Cada uma com uma característica diferente, entretanto, com resultados iguais.

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Capítulo 1

Conforme Paulani e Braga (2007, p. 25), podemos concluir que,

a identidade produto dispêndio renda significa que, se quisermos avaliar o produto de uma economia num determinado período, podemos somar o valor de todos os bens finais produzidos (ótica do dispêndio) ou, alternativamente, somar os valores adicionados em cada unidade produtiva (ótica do produto) ou, ainda, somar as remunerações pagas a todos os fatores de produção (ótica da renda).

Ao apresentar as três óticas, concluímos o conceito base da contabilidade social, ponto de partida para estudos mais complexos utilizados por governos na atualidade.

Seção 3Fluxo circular da renda

3.1 Agentes e setores do fluxo circular da rendaO fluxo circular da renda corresponde ao conjunto de transações realizadas entre a economia real (produtos) e a economia monetária, especificando os fluxos reais e monetários de uma economia. Compreender seu funcionamento é fundamental para avançarmos nos estudos de contabilidade social.

Conforme observamos nos exemplos anteriores, as empresas realizaram produção necessária para atender à demanda do consumidor. Embora fosse um exemplo, e por esta razão tudo o que era produzido também era consumido, em uma economia real as empresas produzem bens e serviços para atender à demanda dos consumidores, todos trabalhadores desta própria economia.

Assim a produção será, então, uma resultante da demanda do mercado em função da produtividade da mesma, ou seja, talvez nem toda demanda seja atendida em razão da escassez de fatores de produção necessários ao processo (ROSSETTI, 1992).

Em economias de mercado, então, a produção será determinada pela concorrência, responsável pela oferta, e pelo sistema de preços, que vai limitar a demanda pelo produto.

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Contabilidade Social

Para compreendermos o funcionamento de um sistema econômico, vamos adotar um exemplo simplificado da realidade. Do lado da produção, conforme Rosseti (1992), existem as empresas divididas em três grandes setores produtivos, responsáveis pela produção econômica de acordo com a demanda e tecnologia existente, sendo eles:

1. Setor primário: Abrange as atividades que se realizam próximas às bases dos recursos naturais, como: atividade agrícola, pesqueira, pecuária e extrativista.

2. Setor secundário: Inclui atividades industriais, mediante as quais são transformados os bens.

3. Setor terciário ou de serviços: Reúne as atividades direcionadas a satisfazer necessidades de serviços produtivos que não se transformam em material, como: comércio, transportes, saúde, sistema financeiro, segurança, educação, lazer, entre outros.

Do outro lado, existem as famílias, que são ao mesmo tempo consumidoras e detentoras dos fatores do produção.

De acordo com Paulani e Braga (2007, p. 18),

os membros que constituem a sociedade aparecem duas vezes no jogo de sua reprodução material e desempenham dois papeis distintos: num determinado momento, são produtores; no outro, surgem como consumidores daquilo que foi produzido.

Qualquer ser humano pode assumir o papel consumidor em uma economia e é nesse aspecto que ele demanda produtos nas diversas áreas.

Entretanto, para ser produtor, algumas variáveis devem ser respeitadas. A principal variável é dispor de algum fator de produção necessário ao processo econômico, incluindo a mão de obra. Neste caso, qualquer ser humano economicamente ativo é também um detentor de meio de produção.

Pelo lado da produção, a organização dos fatores de produção leva o nome de unidade produtiva, ou empresa. Pelo lado do consumidor, damos o nome de lâminas.

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Capítulo 1

É esta relação que garante o funcionamento sistêmico da economia. As empresas produzem para que as famílias possam consumir os bens e serviços produzidos. O que garante que esses bens e serviços revertam para o consumo das famílias é o fato de que os consumidores, ou seja, as famílias, são também os proprietários dos fatores de produção (PAULANI; BRAGA, 2007).

As famílias cedem a mão de obra e são remuneradas. Por isso, e é nesse processo de ceder um importante fator de produção, que as famílias são inseridas no mercado consumidor, garantindo que sua participação no processo produtivo seja revertido, mais tarde, no acesso aos bens e serviços produzidos pela economia.

Resumidamente, existem:

• Famílias: Correspondem aos agentes econômicos que consomem bens e serviços e têm a importante função de ofertar mão de obra para as empresas.

• Empresas: Este setor é caracterizado pela produção de bens e serviços da economia e que demanda a mão de obra ofertada pelas famílias.

3.2 Fluxo circular da rendaA figura a seguir exemplifica melhor essa relação entre famílias e empresas em uma economia sem moedas. Por isso, vamos concentrar nossa análise no fluxo real.

Figura 1.1 – Fluxo circular da renda

Mercado de bens e serviços

Receita de venda de bens e serviços

Remuneração do fator trabalho

Fluxos reais

Força de trabalho

Fluxos monetários

Fluxos monetários

Oferta de bens e serviços

Empresas Empresas Famílias

Mercado de trabalho

Fonte: Marques (2011, p. 21).

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Contabilidade Social

Vamos analisar a figura anterior com base nas óticas do produto, do dispêndio e da renda.

Pela ótica do produto, os agentes econômicos são também produtores, ou seja, as famílias também são produtoras na economia, visto a disposição da força de trabalho.

Pela ótica do dispêndio, as famílias assumem o papel de consumidor por meio da oferta de bens finais e serviços. Vamos concentrar a análise apenas no retângulo central, que não envolve o uso de moedas.

Analisando a figura, temos:

• as famílias transferem os fatores de produção (trabalho e capital) às empresas;

• as empresas combinam os fatores de acordo com o processo produtivo, que resultam em bens e serviços;

• os bens e serviços são transferidos às famílias; e,

• as famílias consomem os bens e serviços.

O consumo é uma atividade interna às famílias e esta relação fica mais bem compreendida se introduzirmos a moeda neste fluxo. Como não vivemos em uma economia de escambo, fatores de produção não são trocados diretamente entre si. Nesse sentido, na economia todos os fatores de produção e produtos têm seu comércio intermediado por dinheiro.

Desse modo, além do fluxo real de bens e serviços, também existe um fluxo monetário responsável pela contrapartida da transação econômica. Inserindo a moeda nessa relação, temos:

• as famílias cedem os fatores de produção às empresas e, em troca, são remuneradas por meio de moedas, e não de bens, por esta transação;

• as empresas combinam os fatores de acordo com o processo produtivo, que resultam em bens e serviços;

• com a renda recebida por ceder os fatores de produção, as famílias adquirem os bens e serviços produzidos pelas empresas; e,

• as famílias consomem os bens e serviços.

Nesse exemplo fica evidente a existência de dois fluxos. O primeiro deles é caracterizado pelo fluxo de bens e serviços representados pelos fatores de produção (trabalho e capital) das famílias em direção às empresas e do fluxo

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Capítulo 1

monetário das empresas retornando às famílias, sob a forma de remuneração (salários e lucros).

O segundo corresponde ao fluxo de bens e serviços produzidos pelas empresas em direção às famílias que, por sua vez, têm uma contrapartida em um fluxo monetário em direção às empresas.

Ampliando um pouco mais nosso exemplo, podemos considerar como atividade econômica os investimentos realizados pelas empresas para manutenção e ampliação da sua capacidade produtiva, visando a tornar mais eficiente a aplicação de seus recursos e, consequentemente, elevar os lucros.

Da mesma forma, podemos considerar que nem toda renda auferida pelas famílias seja transformada em consumo, logo surge um importante integrante: a poupança. A poupança nada mais é que abrir mão do consumo presente pelo consumo futuro, desde que haja expectativa de que este seja superior àquele.

Inserindo essas duas novas variáveis em nosso fluxo circular da renda, temos o seguinte:

• Mercado de fundos de capital para as famílias recorrerem para investir em recursos não consumidos, sendo remuneradas por isso e para as empresas que demandam recursos para os seus investimentos, que pagam juros.

• Mercado de bens de investimento para as empresas que demandam por bens de capital.

Esta relação é exemplificada por meio da seguinte figura:

Figura 1.2 – Fluxo circular da renda ampliado

Mercado de bens de 

investimento

Mercado de bens finais e serviços

Mercado de fundos de capital

Mercado de trabalho

Empresas Famílias

Máquina e equipamentos

Receita de venda de máquinas e equipamentos

Oferta de bens finais e serviços

Receita de venda de bens finais e serviços 

Demanda de recursos 

financeiros

Oferta de recursos financeiros

Remuneração do fator trabalho

Força de trabalho

Juros

Fonte: Marques (2011, p. 24).

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Contabilidade Social

Como ressalva desse modelo, cabe lembrar que na economia real as decisões de investimento não dependem somente da disponibilidade de poupança, mas também da acumulação de recursos próprios e da contratação de crédito.

Após todos esses exemplos, precisamos reforçar os conceitos necessários à melhor compreensão da contabilidade social:

• a ótica da renda considera os agentes econômicos como os proprietários dos meios de produção. As transações ocorrem entre empresas e famílias envolvendo dois fluxos, um de produtos e serviços e outro monetário;

• a ótica do produto considera a atividade dos agentes econômicos como produtores na economia; e,

• a ótica do dispêndio está relacionada com a atuação dos agentes econômicos enquanto consumidores dos bens e serviços produzidos.

Paulani e Braga (2007, p. 22) concluem que,

além da percepção de que há uma identidade entre produto, dispêndio e renda, uma outra forma de considerar o conjunto das atividades e transações efetuadas por uma economia é precisamente notar que a variação de bens e serviços concretos e de dinheiro orquestrado pelas trocas conforma um fluxo a que se da o nome de fluxo circular da renda. Trata-se de fluxo porque expressa um movimento, ou seja, um trânsito, e é circular porque passa sempre, ainda que em momentos diferentes e em condições diferentes, pelos mesmos pontos.

Chama-se fluxo circular da renda por ele ser baseado nas transações monetárias que envolvem as transações com os produtos e, ao contrário do mercado de bens, o dinheiro tem livre circulação, pois o dinheiro que remunera os fatores de produção é o mesmo utilizado pelas famílias no momento do consumo dos bens e serviços produzidos.

Os fatores de produção, por sua vez, fazem uma única viagem. Por exemplo, não temos como reutilizar uma hora de trabalho já despendida no processo produtivo, assim como não temos como reutilizar uma matéria-prima já utilizada no referido processo. O mesmo é válido para os bens e serviços produzidos. Eles são consumidos apenas uma vez pelas famílias.

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Capítulo 1

Podemos chegar a importantes conclusões ao analisar esse fluxo, quais sejam:

• estamos utilizando a ótica do dispêndio ao analisar a entrada de moeda nas empresas;

• estamos utilizando a ótica da renda ao analisar a remuneração dos fatores de produção; e,

• estamos utilizando a ótica do produto ao analisar monetariamente a atividade produtiva das empresas.

No nosso exemplo, utilizamos a análise a partir de um ponto X até o ponto Y e assumimos que esse movimento começou do zero. Mas, na economia real, esta tarefa se torna inviável, pois estamos falando de um fluxo contínuo, que não cessa.

Isso quer dizer que não temos como iniciar uma análise de um ponto zero; o correto é definir um período de tempo e, a partir dele, fazer as observações acerca da produção da economia.

O tamanho do fluxo também tem relação direta com o crescimento econômico: quanto maior o fluxo, maior a produção, renda e consumo. Logo, maior o crescimento desta economia. O contrário também é válido: quanto menor esse fluxo, menor o crescimento de uma economia.

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Habilidades

Seções de estudo

Capítulo 2

Contas nacionais

Seção 1: Contas nacionais

Seção 2: Contabilidade social e macroeconomia

Seção 3: Matriz insumo-produto

Neste capítulo você desenvolverá a habilidade de aplicar conceitos relacionados à elaboração das contas nacionais em uso pelos principais países do mundo, em especial a metodologia básica de contabilidade social e as formas de equilíbrio entre as diversas contas de um país. Desenvolverá também a habilidade de interpretar os elementos que compõem as contas nacionais de qualquer país, entendendo sua essência e extraindo os resultados de sua análise, bem como de associar os estudos de contabilidade social com aqueles referentes à macroeconomia.

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Capítulo 2

Seção 1Contas nacionais

1.1 Considerações iniciais sobre contas nacionaisO Produto Interno Bruto (PIB) de um país pode ser mensurado a partir de três óticas distintas: do produto, da renda e do dispêndio. Entretanto, apesar de ser possível chegarmos ao mesmo resultado do PIB pela simples avaliação de diferentes variáveis, existe um fator limitante quando o assunto é comparação entre indicadores, uma vez que não há padronização entre eles.

Os países, ao calcularem sua produção nacional utilizando diferentes métodos de cálculo, chegam ao mesmo resultado, mas podem limitar a comparação entre indicadores de outros países, principalmente aqueles relacionados aos conceitos básicos de contabilidade social.

Diante desse contexto, cabe ressaltar que a padronização da metodologia utilizada para elaboração das contas nacionais pode ser a melhor alternativa para resolver este problema de comparações.

Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de seu escritório de Sistema Nacional de Conta, criou um documento padrão com recomendações básicas com o intuito de padronizar o processo de elaboração das contas nacionais.

O principal fundamento para essa padronização, segundo Paulani e Braga (2007, p. 113), é “apresentar um sistema de contas que, embora mantendo os fundamentos dos anteriores, seja atualizado, flexível e harmônico”. Entretanto, apesar dessas diretrizes, não há 100% de garantia quanto à padronização na elaboração das contas nacionais entre países, pois cada um utiliza conceitos básicos que melhor se adaptam ao método que atende de forma mais efetiva suas necessidades.

Podemos citar como exemplo o modelo de cálculo brasileiro de contas nacionais, o qual se difere do de muitos países, embora sua base conceitual seja a mesma. Desse modo, fica claro que, apesar de os países utilizarem a mesma base conceitual, é possível, a partir de análises mais detalhadas, montar uma mesma estrutura de contabilidade social para diferentes países.

Na sequência vamos estudar três casos distintos para elaboração de contas nacionais, utilizando como exemplo uma economia fechada e sem governo, uma economia aberta e sem governo e, por fim, um modelo completo com economia aberta e com governo.

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Contabilidade Social

1.2 Contas nacionais para uma economia fechada e sem governo Neste primeiro caso vamos partir da análise de um conceito básico, considerando apenas quatro setores, com uma empresa em cada um deles, em uma economia sem estoques e sem renda, avançando no conteúdo de acordo com o grau de complexidade exigido por cada caso.

É importante que tenhamos sempre em mente que a produção é o principal movimento de uma economia, pois sem ela não há geração de renda e, consequentemente, não há como os agentes econômicos satisfazerem suas necessidades.

A análise real das contas nacionais de uma economia sem governo e sem transações com o exterior, economia fechada, é improvável, uma vez que a primeira hipótese de uma economia sem governo é praticamente nula. Entretanto, a segunda, de uma economia sem transações com o exterior, pode ser assumida em nosso mundo real, como é o caso da Coreia do Norte, que tem relações apenas com a China.

Contudo, mesmo que na prática seja improvável, vamos imaginar um cenário econômico em que não haja governo nem corrente de comércio. Desse modo, algumas contas serão desnecessárias para as contas nacionais dessa economia, como gasto de governo, impostos de exportação e importação, entre outros.

Como, então, calcular o PIB dessa economia?

O PIB diz respeito a tudo aquilo que foi produzido em uma economia, independente se chegou a ser consumido ou não durante o período analisado. Segundo Paulani e Braga (2007, p. 13), no processo de mensuração do produto de uma economia deve ser considerada a “soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos no período que não foram destruídos (ou absorvidos como insumos) na produção de outros bens e serviços”.

O conceito da ótica do dispêndio, em que o valor do produto corresponde ao consumo das famílias mais o estoque, é o conceito que devemos utilizar no processo de mensuração do PIB de uma economia.

Por vezes, quando estudamos as particularidades do dispêndio, nos deparamos com exemplos em que todos os produtos fabricados são consumidos no processo produtivo e pelo consumidor final. Contudo, sabemos que este cenário em questão não corresponde à realidade e, por esta razão, também devemos considerar que há estoques de produtos acabados.

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Capítulo 2

1.2.1 Formação de estoquesOs produtos em estoque, caso não sejam consumidos ou utilizados no processo produtivo do período em análise, certamente serão considerados em um período futuro. É isso que determina a sua inclusão já no período analisado, uma vez que, se não houvesse esse embasamento, a mensuração da produção nos períodos subsequentes ficaria comprometida.

A partir dessas premissas temos que a mensuração do PIB deve partir do princípio de que tudo o que é produzido é consumido ou serve de formação de estoque para períodos subsequentes (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972). Todavia, neste aspecto é preciso que tenhamos especial atenção ao calcular a produção de produtos e serviços em uma economia.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 31),

não existe nenhum ponto zero do qual se possa partir e, portanto, quando se contabilizam as variáveis integrantes do sistema de contas é preciso, em alguns casos, considerar o saldo que as contas, ou melhor, algumas de suas rubricas, “carregam” de um período para outro.

Conforme podemos observar em uma economia real, não há possibilidade de iniciar a contabilidade nacional a partir do zero. Assim, para o cálculo do período em análise, é preciso que fiquemos atentos ao saldo dos períodos anteriores. Essa atenção é necessária em virtude de o valor do estoque do período anterior ser considerado no cálculo do produto para o período seguinte.

Para facilitar nossa compreensão a respeito do cálculo da atividade econômica de um determinado país, vamos imaginar que esse cálculo inicie no dia 1° de janeiro do ano subsequente ao atual.

Ao fazer as contas, é evidente que chegaremos a valores bastante destoantes da realidade produtiva do período em análise em razão de ele apresentar o valor dos estoques do período anterior. Dessa forma, somente pela análise dos indicadores pode parecer que a economia teve uma produção volumosa, quando, na verdade, não teve qualquer produção, pois o valor obtido pelo cálculo corresponde ao estoque do período anterior.

Nesse caso, para efetuarmos o cálculo correto da produção nacional, é preciso calcular a variação do estoque, subtraindo do valor do estoque final o valor do estoque inicial do período. Por essa razão, de agora em diante, quando falarmos de estoque, vamos considerar a variação de estoque. Em alguns casos, principalmente em artigos ou livros, podemos nos deparar com o termo

“formação de estoque”.

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Contabilidade Social

Cabe destacar que o conceito de formação de estoque não é errado; contudo, pode prejudicar a compreensão do conceito de estoque, visto que variações negativas deste também seriam consideradas “formação de estoque”, que, na verdade, não ocorreu, pois houve uma redução e não formação (ROSSETTI, 1992).

Com base no exposto, podemos considerar que a produção de uma economia corresponde, então, ao consumo de famílias mais a variação do estoque. Vencida a etapa conceitual sobre a variação de estoque, vamos abordar mais um importante conceito de contabilidade nacional, os investimentos.

1.2.2 InvestimentosExistem diferentes formas para se conceituar investimento, sendo uma delas utilizando o estoque como suporte em que temos a troca do consumo presente pelo consumo futuro. Esse entendimento fica mais claro quando aplicamos esse conceito a um exemplo monetário.

Quando deixamos de consumir parte da nossa renda e a deixamos aplicada em uma conta poupança, estamos fazendo um investimento, uma vez que trocamos um consumo X no período Y por um consumo X + N no período Y + 1.

Nesse caso, o estoque representa mercadorias que serão consumidas no futuro. Logo, a variação positiva de estoques se constitui uma forma de investimento pelas empresas. Entretanto, vale lembrar que nem todo estoque constitui investimento, sendo a natureza do produto é que determinará a sua classificação.

Assim, a referida classificação dependerá, basicamente, da função que o produto tem no processo produtivo. Vamos estreitar nosso exemplo direcionando-o a um processo produtivo específico: a fabricação de vinho, que consome os seguintes fatores de produção: terra, força de trabalho e capital, além da matéria-prima. O produto final, o vinho, é a resultante da combinação desses quatro fatores de produção.

Contudo, temos que reconhecer que nem todos os fatores de produção são 100% consumidos durante o referido processo produtivo. A semente, por exemplo, é consumida no plantio; já a uva, no processo de fabricação, assim como as máquinas de fermentação, pois são elas que fermentam a uva para fabricação do vinho e, ao final, o próprio vinho é consumido.

Assim, temos por definição que estoque é tudo aquilo que é deixado para consumo futuro, e se traduz em investimento. Logo, a semente, a uva e o vinho, quando em estoque, podem ser considerados investimento.

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Capítulo 2

Mas e a máquina de fermentação?

A máquina de fermentação não é totalmente consumida em um só processo de fabricação, pois, ao contrário das matérias-primas básicas, ela corresponde a um bem durável, com vida útil relativamente superior aos demais fatores de produção, sendo utilizada em outras safras.

Dessa forma, enquanto a semente e a uva podem ser consumidas em apenas um processo, a máquina de fermentação pode ser utilizada em vários processos de fabricação, configurando-se como um estoque, pois sua vida útil permite que ela seja utilizada no futuro, tornando viável a produção de mais vinho no futuro.

É importante observar que, ao contrário dos outros fatores de produção, os quais podem ser utilizados em apenas um processo de fabricação de vinho, a máquina de fermentação pode ser utilizada em mais de um processo; todavia, não de forma infinita, pois ela, em função de seu uso, tem um desgaste natural que intervém em sua vida útil.

Essa diferença entre o consumo dos fatores de produção durante o processo de fabricação é fundamental para compreendermos o contexto de dois importantes conceitos da contabilidade social.

O primeiro refere-se à variação de estoques, a qual corresponde aos produtos não consumidos durante o processo produtivo e que serão utilizados e totalmente consumidos no próximo processo. O segundo diz respeito à formação bruta de capital fixo, que corresponde aos produtos, tal como máquinas e equipamentos, que não são totalmente consumidos durante o processo produtivo e que tem maior vida útil, podendo ser consumidos em outros processos (ROSSETTI, 1992).

Paulani e Braga (2007, p. 33) reforçam esse entendimento ao afirmarem que,

o investimento costuma ser dividido em variação de estoques, que congrega os bens cujo consumo ou absorção futuros irão se dar de uma única vez, e a formação bruta de capital fixo, que agrega os bens que não desaparecem depois de uma única utilização e possibilitam a produção (e, portanto, o consumo) ao longo de um determinado período de tempo, ou seja, possibilitam a produção de um fluxo de bens e serviços.

O conceito de formação bruta de capital fixo não se limita apenas a máquinas e equipamentos das empresas, uma vez que também está relacionado a uma série de outros fatores de uma economia, em especial as residências das famílias, estradas, pontes, aeroportos, hospitais, entre outros.

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Tal conceito consiste então em tudo aquilo que possibilite o consumo futuro, seja em forma de produto, como é o caso das máquinas e equipamentos, seja em forma de serviço, como é o caso das moradias, estradas, etc. Entretanto, há produtos que têm um tratamento dúbio quanto à sua classificação, como, por exemplo, computadores, automóveis e motocicletas.

Esses três produtos podem ser considerados estoques ou formação bruta de capital fixo, enquadramento que penderá do tipo de agente econômico envolvido no processo. Isso ocorre em virtude de aqueles produtos apresentarem uma vida útil superior aos bens alimentícios, por exemplo, sendo, por essa razão, classificados como bens de consumo durável.

Contudo, se forem bens de consumo, não poderão ser considerados como formação bruta de capital fixo. Assim, no caso das famílias em que esses produtos são utilizados para consumo, eles devem sim ser considerados produtos destinados ao consumidor final e, com isso, classificados no critério de variação de estoques. Agora, em se tratando das empresas que utilizam esses produtos em seu processo produtivo, eles deverão ser classificados como formação bruta de capital fixo, pois eles são consumidos durante o tal processo, e em diferentes períodos em virtude de sua vida útil.

Com relação às empresas, a formação bruta de capital fixo e a variação de estoques pode ser compreendida de maneira simples. A formação bruta de capital está relacionada aos bens produção, e, com isso, ao planejamento da empresa em comprar novas máquinas ou construir novas fábricas, sendo uma variável da qual a empresa tem total controle. Já a variação de estoques é decorrente de estratégias de mercado, tal como formação de preço, definição de área de atuação e público-alvo. Ou seja, a empresa tem domínio sobre a estratégia, mas é o consumidor final quem dita o ritmo do mercado e, com isso, a variação de estoques é uma variável da qual a empresa não detém total controle (ROSSETTI, 1992).

A principal diferença entre um produto classificado como estoque e outro como formação bruta de capital fixo é o fato de o mesmo ser totalmente consumido em processo produtivo ou não. Entretanto, além dessa classificação, há também outras para finalidades distintas. Por exemplo, no Brasil, para um mesmo produto temos a classificação convencionada pela Diretoria de Pesquisas (DPE) e Coordenação de Contas Nacionais (CONAC), ambas ligadas ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No caso das máquinas e equipamentos, por exemplo, sabemos que eles são consumidos inúmeras vezes, mas não infinitas vezes. Essa lógica é clara, uma vez que, embora sejam considerados bens duráveis, todos têm um prazo limite de uso, pois seu uso contínuo provoca desgastes que, como o tempo, reduz a produtividade. Essa redução da vida útil dos bens duráveis também é um conceito relacionado à contabilidade social, que se denomina depreciação (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

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Capítulo 2

1.2.3 Depreciação Para melhor compreender esse conceito, vamos utilizar como exemplo de bens duráveis o automóvel. Imagine que sejamos donos de uma locadora de veículos. Por quanto tempo podemos dispor de um veículo para locação? Dois, três anos?

Um automóvel, quando adquirido zero quilômetro, seu preço é X. No entanto, em seu primeiro ano de uso, dependendo do modelo e valor, seu novo preço, por exemplo, é de X – 20% = Y. No segundo ano de uso seu o preço volta a cair, sendo que o novo preço é de Y – 15% e assim sucessivamente, até um ponto em que a depreciação, em termos percentuais, se estabiliza.

No caso de máquinas e equipamentos este processo é muito semelhante. Em um processo de fabricação de vinho a máquina de fermentação tem, por exemplo, a capacidade de fermentar X litros de vinho por mês. Com o seu uso e o desgaste natural dos equipamentos, sua capacidade de fermentação reduz de X para Y litros de vinho por mês.

Vamos supor que a vida útil dessa máquina seja de cinco anos, ou seja, que ela deprecie constantemente 20% ao ano sob o preço inicial. Para manter a produção no mesmo nível o empresário precisa substituí-la ao final de cinco anos.

Ampliando um pouco mais o nosso exemplo, vamos supor que o empresário tenha cinco máquinas em sua unidade fabril. Se cada máquina foi adquirida ao preço de 100 unidades monetárias, a formação bruta de capital fixo contabilizada nesta empresa é de 500 unidades monetárias. Ao final do primeiro ano, com a depreciação de 20% de cada uma delas, o valor contábil para essas máquinas é de 400 unidades monetárias.

Assim, mantendo todas as demais variáveis constantes, se não houver qualquer investimento em formação bruta de capital fixo, o produto final desta economia estará em queda pelo simples fato de a depreciação corroer o valor dos investimentos das empresas.

Desse modo, para manter o nível de formação bruta de capital de fixo, o empresário do ramo da viticultura deverá adquirir uma nova máquina por ano, visando a reduzir o impacto da depreciação em sua contabilidade. Se direcionarmos esse exemplo para uma economia de um país, vamos perceber a importância do investimento privado para o crescimento econômico.

É importante observar no conceito de formação bruta de capital fixo a existência da palavra bruta, a qual deve ser considerada no cálculo de um determinado produto. Conceitualmente, há uma distinção entre bruto e líquido. A formação bruta corresponde ao resultado inicial, enquanto a formação líquida de capital fixo corresponde à formação bruta menos a depreciação (ROSSETTI, 1992).

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Contabilidade Social

Nesse caso, ao contabilizar o produto interno bruto de uma economia devemos considerar o valor da máquina de fermentação do vinho, mas quando quisermos calcular o produto líquido devemos descontar a depreciação.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 35),

para obter o valor do produto líquido de uma economia num determinado período é preciso deduzir, do valor total produzido, ou seja, do valor do produto bruto, aquela parcela meramente destinada à reposição da parte desgastada do estoque de capital da economia, a que se dá o nome de depreciação.

1.2.4 Modelo de contas nacionais para uma economia fechada e sem governoA partir do estudo dos principais conceitos que compõem a contabilidade social vamos apresentar, no quadro a seguir, o primeiro modelo de uma economia sem governo e sem comércio exterior, com a devida organização contábil entre débito e crédito.

Quadro 2.1 – Economia sem governo e sem comércio exterior

Débito Crédito

Produto líquido Consumo das famílias

Depreciação Variação de estoques

Formação bruta de capital fixo

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Conforme podemos perceber, são lançadas a débito as variáveis de produto líquido e depreciação, que, somadas, correspondem ao PIB de uma economia. Em contrapartida, temos o consumo das famílias, a variação de estoques e a formação bruta de capital fixo.

Por que essa estrutura de débito?

Essa estrutura está relacionada à ótica do dispêndio, em que o produto de uma economia corresponde ao dispêndio total em um processo produtivo até chegar ao consumidor final. Por essa razão, o produto líquido e a depreciação fazem parte da conta débito.

Já o lado do crédito corresponde ao destino final do produto, ou seja, tudo aquilo que foi gerado por meio da produção. Nesta conta, fica clara a relação do que não é consumido é investido, neste caso gerando variação de estoque ou formação bruta de capital fixo (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

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Capítulo 2

Diante desse contexto podemos constatar que a contabilidade social emprega o método de partidas dobradas das ciências contábeis e, por esta razão, esse primeiro modelo de contabilidade social tem essa disposição, visto que deve haver igualdade de valores entre débito e crédito. Sem fazer uso de valores, podemos fazer um exercício simples para comprovar esta afirmação.

O principal objetivo de um processo produtivo é gerar um bem para satisfazer a necessidade de um agente econômico, sendo que durante o processo a remuneração dos fatores de produção corresponde ao salário, pago às famílias e ao lucro, que é a remuneração do capital.

Neste sentido, o salário é gasto no consumo e o lucro pode ser utilizado para investir na em formação bruta de capital fixo da empresa. O que não é vendido é variação de estoques. Logo, a produção bruta equivale ao consumo mais variação de estoques e também a formação bruta de capital fixo (ROSSETTI, 1992).

O único fator diferente desta conta é a depreciação, visto que ela não aparece no cálculo da ótica do produto, renda ou dispêndio, sendo, por esta razão, que na coluna de débitos é inserido o produto líquido, em cuja soma mais a depreciação nos fornece o produto bruto. Esse é o primeiro critério do método das partidas dobradas.

O segundo critério corresponde ao fato de um valor de débito sempre ter um mesmo valor correspondente em crédito em cada uma das contas, ou seja, todas as contas devem estar equilibradas entre si, o que chamamos de equilíbrio interno, e não apenas a conta final entre débito e crédito, o que chamamos de equilíbrio externo (ROSSETTI, 1992).

Dessa forma, em um primeiro momento, conseguimos facilmente perceber a produção líquida de uma economia por meio da conta de produção. Contudo, esse método tem outra importante função, a qual evidencia a produção como responsável pela geração de renda em uma economia.

Expandindo um pouco mais nossos conceitos, podemos perceber que, assim como a produção, a renda também pode ser dividida entre renda bruta e renda líquida. Neste caso, parte da depreciação da conta de débito pode corresponder também à depreciação da renda e não somente da formação bruta de capital fixo.

Assim, incluindo a conta depreciação na renda, temos a possibilidade de refazer nossos cálculos do produto com base no somatório das remunerações dos agentes econômicos. Todavia, para o cálculo das contas nacionais devemos expandir um pouco mais nosso modelo.

Para fins de simplificação, utilizamos, em nosso exemplo, apenas o salário e o lucro como remunerações dos fatores de produção. Entretanto, é evidente que existem outras importantes fontes de renda em uma economia, em especial os

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aluguéis, que correspondem à remuneração pela propriedade de imóveis e os juros, que remuneram o capital dos agentes econômicos, uma vez que assim como há diferença de classificação entre os bens duráveis para empresas e famílias, também há uma substancial diferença entre as contas de rendimento de aluguel e juros.

Nesse sentido, é preciso estar atento aos cálculos, pois, no caso das famílias, o salário é a renda gerada pelo fator de produção trabalho, enquanto os aluguéis correspondem à remuneração do fator de produção terra, os juros correspondem à remuneração do fator de produção capital. Para as famílias, todas essas remunerações sempre devem ser somadas para se obter a renda total (ROSSETTI, 1992).

No caso das empresas é um pouco diferente, pois a remuneração da terra e a remuneração do capital já estão contabilizadas na receita total da empresa. Por esta razão, quando temos a receita total de uma empresa, não devemos somar a ela quaisquer outros tipos de remuneração.

Vale lembrar que há uma exceção a essa regra, a qual corresponde apenas às empresas do setor financeiro, visto que o capital é o seu principal produto e, portanto, apenas no caso da remuneração do capital, a conta de juros deve ser utilizada como fonte de cálculo de valor adicionado, sendo que o valor adicionado total corresponde à diferença entre os juros pagos pelos clientes e os juros pagos aos clientes (PAULANI; BRAGA, 2007).

Feito mais esse avanço, vamos agregar, conforme mostra o próximo quadro, algumas contas no nosso exemplo.

Quadro 2.2 – Expansão das variáveis de uma economia sem governo e sem comércio exterior

Débito Crédito

Salários Consumo pessoal

Lucros Variação de estoques

Aluguéis Formação bruta de capital fixo

Juros

Depreciação

Produto Nacional Bruto Despesa bruta

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Capítulo 2

Fica evidente que esse quadro demonstra a identidade produto renda dispêndio, que é a base de todo o sistema de contas nacional. A partir desse exemplo, temos total clareza de como funciona o sistema em uma economia e temos condições de avançar e aprofundar mais o exemplo.

Vamos expandir esse exemplo aprofundando nosso estudo na conta de apropriação, cuja análise é focada nos rendimentos dos agentes econômicos durante o processo produtivo. Assim, enquanto na conta de produção os agentes econômicos são envolvidos nas atividades de produção, na conta de apropriação eles são classificados como agentes de dispêndio, pois fazem uso da renda recebida para o consumo dos bens e serviços produzidos.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 38),

o motivo da conta trazer, do lado do débito, a rubrica poupança líquida, que indica a parcela de renda que as famílias decidiram não consumir e sim poupar. Nesse sentido, os próprios lucros retidos devem ser entendidos como uma espécie de poupança compulsória imposta às famílias, já que eles constituem uma renda que não foi distribuída aos proprietários de fatores, ficando retida nas empresas.

Cabe destacar que a conta de apropriação, ao contrário da conta de produção, tem a missão de demonstrar o rendimento, lucros e perdas dos agentes econômicos durante o processo produtivo. Não devendo ser confundida, jamais, com a própria conta de produção (ROSSETTI, 1992).

A função da conta de apropriação é demonstrar como a renda foi utilizada e quais os rendimentos auferidos nesta economia. O quadro a seguir exemplifica essa conta:

Quadro 2.3 – Conta de apropriação em uma economia sem governo e sem comércio exterior

Débito Crédito

Consumo Salários

Poupança líquida Aluguéis

Juros

Lucros distribuídos

Lucros retidos

Utilização da Renda Nacional Líquida Renda Nacional Líquida

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Contabilidade Social

Conforme podemos observar no quadro anterior, todos os rendimentos dos fatores de produção são lançados na conta de crédito, enquanto o uso dos mesmos é lançado na conta débito; ou seja, na conta crédito são lançadas todas as fontes de renda dos agentes econômicos, enquanto a débito são lançadas as formas de uso da mesma: consumo ou poupança líquida.

Esta conta é chamada de conta de apropriação por demonstrar a forma como os agentes econômicos se apropriam do rendimento dos fatores de produção, sendo que as famílias são os principais agentes dessa conta.

Também é possível notar nesta conta que o método das partidas dobradas foi respeitado, pois, pelo lado do crédito, temos todos os rendimentos das famílias na economia, enquanto pelo lado do débito temos o consumo e a poupança, lembrando que a poupança deve ser vista como consumo futuro das famílias.

Embora sejam as famílias os principais agentes econômicos da conta de apropriação, não podemos nos esquecer de que as empresas têm papel central em uma economia, pois viabilizam a produção, promovendo a geração de renda e, consequentemente, o consumo (ROSSETTI, 1992).

Além de viabilizar a produção, as empresas também consomem fatores de produção durante o processo produtivo. No caso da conta de apropriação, o pagamento pelos fatores de produção corresponde às remunerações pagas aos agentes econômicos, enquanto o recebimento corresponde ao consumo das famílias.

Em virtude de considerarmos as empresas em nosso exemplo de economia sem governo e sem comércio exterior, precisamos analisar outras importantes variáveis correspondentes ao processo produtivo, principalmente aquelas que são necessárias à conta para a produção, como é o caso da variação de estoques e a formação bruta de capital fixo.

O seguinte quadro apresenta a estruturação dessas importantes variáveis, a qual leva o nome de conta de capital.

Quadro 2.4 – Conta de capital em uma economia sem governo e sem comércio exterior

Débito Crédito

Variação de estoques Poupança líquida

Formação bruta de capital fixo Depreciação

Investimento bruto Poupança bruta

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Capítulo 2

Verificamos nesse quadro que a parte de débito da conta de capital corresponde à conta de débito da conta de apropriação, com especial atenção ao consumo das famílias, neste caso representado pela variação dos estoques.

A conta de capital finaliza nosso exemplo e consolida o sistema de economia fechada e sem governo. Essa conta também é responsável por demonstrar uma das identidades macroeconômicas mais importantes. A identidade investimento poupança demonstra que a variação de estoques e a formação bruta de capital

fixo são uma forma de poupança das empresas, pois permitem seu consumo futuro (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

Ela também demonstra os esforços produtivos de uma sociedade no que se refere à preocupação não apenas como o consumo presente, mas também com o consumo futuro por parte das empresas e famílias.

Essa identidade é demonstrada, também, pela relação entre débito e crédito. A poupança das empresas corresponde aos créditos existentes, enquanto o investimento é classificado, obrigatoriamente, como um débito, pois corresponde ao consumo futuro, o qual também deve ser classificado como débito.

A principal preocupação, entretanto, corresponde ao valor do investimento e da poupança em uma economia. Obrigatoriamente, para ocorrer um investimento, deve haver uma poupança prévia, sendo que esta poupança corresponde um crédito de todos os agentes da economia (BLANCHARD, 2001).

Pelo lado da família, temos a renda não consumida no presente e, pelo lado das empresas, temos os lucros retidos por elas. Entretanto, é fundamental ter em mente que investimento sempre será igual à poupança.

1.3 Contas nacionais para uma economia aberta e sem governoQuando analisamos a estrutura de uma economia fechada e sem governo, devemos focar no estudo nas atividades produtivas internas e no consumo das famílias. Contudo, quando expandimos nossa análise, e passamos a estudar uma economia aberta e sem governo, devemos incluir mais contas.

Nesse caso em especial, vamos incluir a conta de transações com o exterior, ou seja, todas as movimentações de produtos e serviços com o exterior e o impacto desse relacionamento na economia local, lembrando que o governo não está incluso nesse estágio.

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As principais premissas para uma economia aberta e sem governo correspondem ao fato de que tudo o que é produzido internamente pode ser totalmente consumido pelas famílias ou então pode ser comercializado com o resto do mundo. Da mesma forma que tudo o que é consumido internamente pode ter correspondente em alguma produção de outro país (ROSSETTI, 1992). Estamos falando, portanto, de importação e exportação.

1.3.1 Balança comercialQuando nos referimos à importação e exportação estamos falando de um dos principais indicadores de uma economia, a balança comercial, a qual corresponde ao saldo de tudo o que é comprado e vendido pelo país para o resto do mundo em determinado período de tempo.

É importante ressaltar que há duas modalidades de balança referentes às transações com o exterior. A primeira delas é a balança comercial propriamente dita, que corresponde ao saldo final entre importações e exportações. A segunda diz respeito à balança de serviços, que corresponde às transações referentes aos serviços, em especial o pagamento de fretes, juros e royalties.

O produto nacional corresponde a tudo aquilo que é produzido por empresas e pessoas de determinada nacionalidade, independente da sua posição geográfica. Ou seja, se é uma empresa multinacional brasileira com uma filial na China, os lucros gerados pela operação nesse país fazem parte do produto nacional, mas não do produto interno, o qual só considera aquilo que é produzido dentro do espaço geográfico do país em análise (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001).

Outra consideração a ser feita corresponde à diferença entre produto e serviço, visto que tais conceitos serão utilizados na elaboração das contas nacionais e têm diferentes classificações de acordo com a origem das transações.

O conceito de produto, por exemplo, corresponde aos bens tangíveis utilizados no processo de produção ou para o consumo final, enquanto os serviços correspondem aos bens intangíveis que, da mesma maneira, são utilizados no processo de produção ou para o consumo final. No caso dos serviços, além de fretes e seguros, o capital para financiamento também é considerado.

No que se refere ao cálculo do produto, é importante mensurar o saldo de todas essas operações. Com relação a esses conceitos, Paulani e Braga (2007, p. 42) concluem que:

[...] enviar liquidamente renda ao exterior significa que, no período em questão, utilizou mais fatores de produção estrangeiros (de não residentes) do que foram utilizados os fatores de produção de seus residentes pelas economias de outros países. Nesse

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Capítulo 2

caso, seu produto (ou renda) interno vai apresentar um valor maior do que seu produto (ou renda) nacional. Por outro lado, se o país recebe liquidamente renda do exterior, seu produto (ou renda) interno vai apresentar um valor menor do que seu produto (ou renda) nacional.

Diante desse contexto vamos refletir, a fim de entendermos a finalidade, sobre o motivo pelo qual alguns países, como, por exemplo, o Brasil, divulgam o seu PIB e não o seu Produto Nacional Bruto (PNB).

O Brasil possui um número limitado de empresas nacionais em atuação no exterior, entretanto, grande parte das empresas que atuam no Brasil são multinacionais, principalmente dos Estados Unidos e da Europa.

Logo, em termos comparativos, a renda enviada ao Brasil pelas empresas nacionais brasileiras com atividades no exterior é substancialmente inferior à renda enviada pelas empresas multinacionais estrangeiras aos seus respectivos países. Nesse sentido, o saldo da transação é sempre é deficitário para o Brasil.

Desse modo, o governo brasileiro divulga o PIB, em virtude de ele, em termos monetários, ser superior ao PNB. Pelo lado inverso, a maior parte dos países desenvolvidos faz uso do PNB como principal indicador de produção, visto que possui maior disponibilidade de capital e empresas multinacionais, o que faz o saldo da conta de capital ser positivo.

Além desse aspecto, muitos desses países estão à frente do processo de inovação global, o que confere a eles maior produtividade operacional nas empresas, independentemente do território de atuação, auferindo maior renda, por serem exportadores líquidos de serviços e fatores de produção (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001).

A utilização de indicadores para a mensuração das contas nacionais pode ser feito a partir do cálculo do PIB ou do PNB, sendo que a opção a ser utilizada como indicador de produção fica a critério da equipe de governo.

Por ser uma metodologia padrão, a conversão de PNB para PIB é muito simples, basta deduzir a renda líquida enviada ao exterior, ou, se for o caso, adicionar a renda líquida ao PIB.

1.3.2 Conta de comércio exteriorFeitas as devidas e importantes considerações, precisamos inserir mais uma conta em nosso sistema de contas nacionais, visto o ingresso das transações com o exterior. Desse modo, além das contas nacionais de produção, de

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apropriação e de capital, quando estudamos uma economia aberta e sem governo devemos incluir mais uma conta, que é a de transações com exterior.

Essa nova conta tem por objetivo a mensuração da renda líquida enviada ou recebida do exterior, e apresenta uma particularidade especial em relação às demais contas que integram o sistema de contas nacionais, as quais têm uma contrapartida entre débito e crédito, ou seja, ao lançar um débito em uma conta temos um crédito de igual valor.

Mas, no caso da conta de transações com exterior, como fica? Utilizando a mesma lógica das demais contas, poderíamos supor que para existir total equilíbrio entre as contas seria necessário o país importar e exportar a mesma quantidade de bens e serviços, correto? Em princípio, sim. Contudo, esse cenário é difícil, para não dizer impossível de se estabelecer, visto a enorme quantidade de bens e serviços, a diferentes preços, que são transacionados anualmente entre os países.

Logo, esse saldo, que será positivo ou negativo, deve fazer parte do sistema de contas das transações com o exterior. Caso o resultado seja positivo, temos por conceito que houve um superávit da balança comercial, mas caso seja um resultado negativo, então temos por conceito que houve um déficit na balança comercial (ROSSETTI, 1992).

Podemos observar que é o superávit ou o déficit na balança comercial que irá garantir o equilíbrio entre débitos e créditos da conta de transações com o exterior. Assim, contabilmente, devemos lançar a débito as exportações de bens e serviços de não fatores de produção de propriedade de residentes no país, enquanto na conta crédito são lançadas as importações dos mesmos bens e serviços.

O quadro na sequência mostra a disposição das variáveis da conta de transações com o exterior.

Quadro 2.5 – Conta de comércio exterior em uma economia sem governo

Débito Crédito

Exportações de bens e serviços não fatores Importações de bens e serviços não fatores

Superávit ou déficit no balanço de pagamento em transações correntes

Renda líquida enviada ao exterior

Total: Débitos Total: Créditos

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Cabe destacar que, ao contrário das demais contas do sistema nacional, as variáveis da conta de transações correntes já são informadas de acordo com o seu valor final e o saldo total das transações correntes nada mais é que o somatório de todos esses valores.

Paulani e Braga (2007, p. 44) fazem uma importante ressalva quanto à estrutura da conta de transações correntes, a saber:

[...] no caso das transações envolvendo fatores de produção, elas já aparecem, registradas pelo saldo, do lado do crédito da conta, e esse saldo é definido como envio líquido e não como recebimento líquido, o qual também pode acontecer.

Nesse caso, os autores estão considerando uma economia, em geral, de um país subdesenvolvido, como é o caso do Brasil, que é importadora líquida de capitais. No caso inverso, caso haja um recebimento de renda líquida, deve ser considerada a mesma estrutura de contas com a diferença de, em vez de lançarmos um valor positivo, vamos lançar um valor negativo.

Em nosso modelo de conta de transação corrente, deixamos descrito o registro de um superávit ou déficit na parte dos débitos. Entretanto, se o país for um importador de renda líquida, então devemos utilizar o déficit como parâmetro nesta conta. Caso contrário, sendo um país um exportador, devemos utilizar o superávit (ROSSETTI, 1992).

Finalizando nosso estudo sobre a conta de transações com exterior, temos que as contas de produção e conta de capital são diretamente impactadas com a inclusão das exportações e importações em nossos modelos. Na conta de produção fica evidente que a inclusão de transações com exterior tem impacto direto no valor total da produção, pois, além de contabilizar a produção nacional, ela contabiliza também o valor de produção e fatores dos não residentes. Nesse cenário, o resultado final desta conta corresponde ao cálculo do PIB.

Esse modelo implica afirmar que, pelo lado do débito, a conta de produção apresentará o PIB mais as importações de bens e serviços e, do lado contrário, deve consolidar a demanda por tais bens e serviços. Como estamos falando de uma economia aberta, essa demanda corresponde ao consumo interno e externo.

1.3.3 Conta de produção e de capital para um modelo de contas nacionais para uma economia aberta e sem governoA partir dessas relações apresentadas, temos um novo modelo da nossa conta de produção, conforme ilustra o quadro a seguir:

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Quadro 2.6 – Conta de produção em uma economia aberta e sem governo

Débito Crédito

Importações de bens e serviços não fatores Exportações de bens e serviços não fatores

Renda líquida enviada ao exterior Consumo pessoal

Salário Variação de estoques

Juros Formação bruta de capital fixo

Aluguéis

Lucros

Depreciação

Total: Oferta Total: Demanda

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Ao analisar esse quadro notamos que houve a necessidade de realizarmos mais uma alteração visando ao equilíbrio externo do sistema. O débito da conta de importações foi necessário para compensar o crédito na conta do setor externo, pois ele não demonstra mais aquilo que foi produzido pela economia, mas sim a oferta total da economia, da mesma forma que as exportações são lançadas na conta do crédito, responsável pela demanda total da economia.

É importante observar que para o sistema de contas ser completo, no que diz respeito a uma economia aberta e sem governo, há necessidade de fazer a introdução de uma nova conta, pois fizemos um lançamento a débito referente ao superávit/déficit da balança comercial. O próximo quadro mostra a conta de capital quando incluímos aquele novo lançamento.

Quadro 2.7 – Conta de capital em uma economia aberta e sem governo

Débito Crédito

Variação de estoques Poupança líquida

Formação bruta de capital fixo Depreciação

Superávit/déficit do balanço de pagamento

Total: Investimento bruto Total: Poupança bruta

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Nesse caso a conta de capital tem a importante função de identidade entre investimento e poupança. Assim, a inclusão do superávit ou déficit na referida conta corresponde à transação de exportação (superávit) ou importação (déficit) de capital.

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1.4 Contas nacionais: um modelo completo

1.4.1 Um modelo mais realistaUm modelo completo de contas nacionais diz respeito à inserção de um importante agente no contexto das referidas contas, o governo, o qual é o principal agente de uma economia, pois suas decisões interferem diretamente nela. Por exemplo, o aumento de gastos do governo, de investimentos, de tributos, entre outros, tem total interferência no curto e longo prazo na economia (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1972).

1.4.2 A importância do governoO governo, além de consumidor, também é um importante produtor na economia. Mas não tanto um produtor de bens e serviços, como ocorrera há décadas em muitas economias, quando o Estado tinha papel importante no sistema produtivo.

Hoje, enquanto produtor, o governo se concentra no fornecimento de serviços à população, em especial a prestação de serviços na área de saúde, educação e segurança. Embora ao longo das atividades produtivas o governo possa, a partir de decisões sobre impostos e subsídios, interferir diretamente na formação de preço dos produtos, o que, conforme mostra os estudos microeconômicos, alteram o preço e a quantidade de equilíbrio do mercado (PINDYCK, 2010).

Com base no exposto podemos verificar que o governo é um importante agente econômico e, por esta razão, precisamos criar uma conta específica para ele em nosso sistema de contas nacionais, conforme mostra o seguinte quadro.

Quadro 2.8 – Conta de governo em uma economia completa

Débito Crédito

Consumo do governo Impostos diretos

Subsídio Impostos indiretos

Transferências Outras receitas correntes líquidas

Saldo do governo

Total: Utilização da receita Total: Receita

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Podemos constatar nessa conta que os impostos são as principais receitas do governo e, por esta razão, estão dispostos na conta de crédito, enquanto suas despesas e consumos estão dispostos na conta de débito. Percebemos aqui certa semelhança entre a conta do governo e a conta de apropriação.

Do mesmo modo que a conta de apropriação tem a função de contabilizar as fontes de receita e os gastos das famílias, a conta do governo tem como função contabilizar a receita total do governo e os seus gastos. Uma única particularidade corresponde ao lançamento da conta “saldo do governo”, que permite o equilíbrio interno entre débito e crédito dessa conta (ROSSETTI, 1992).

A lógica da conta de governo é muito simples: o governo arrecada receita por meio de impostos e outras fontes de receita, tal como aluguéis, multas e juros. De outro lado, utiliza parte dessa receita para custear sua estrutura administrativa, em especial o pagamento de salários aos funcionários públicos e a compra de bens e serviços necessários à execução de suas atividades mais básicas.

Além do salário do funcionalismo público, o governo também tem duas importantes despesas, que são classificadas como transferência. A primeira delas corresponde ao pagamento de aposentadorias e a segunda corresponde ao pagamento de juros da dívida pública.

Vale observar que parte da receita também pode ser utilizada como subsídio ao setor produtivo, em especial ao setor agrícola, como, por exemplo, na garantia de preço mínimo para produção de algum produto, como milho, soja, trigo, entre outros. Assim, caso, no momento da venda da safra o preço de mercado seja de um produto agrícola seja X e o governo tenha garantido X + Y, o governo pagará ao produtor rural o valor correspondente ao Y, para garantir o preço mínimo ao produtor.

A diferença entre essas receitas e despesas corresponde ao saldo do governo em suas transações correntes. É importante destacar que essas contas envolvem apenas receitas e gastos correntes, ou seja, não envolvem qualquer despesa de capital ou formação de estoque por parte do governo (PAULANI; BRAGA, 2007).

Por exemplo: Caso o governo esteja construindo uma nova ponte, aos valores desse investimento correspondem a uma despesa de capital e não corrente, a qual corresponde também empréstimos e financiamentos.

Assim como no caso das famílias, tudo o que governo arrecada e não gasta corresponde à poupança. Em outras palavras, o governo foi superavitário em suas transações correntes. No caso inverso, se ele gastou mais do que arrecadou, então o governo é deficitário e deve financiar o excedente dos seus gastos com poupança do setor privado.

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Capítulo 2

Desenvolvendo um pouco mais os estudos sobre as receitas do governo, temos que elas se concentram basicamente na arrecadação de impostos, sendo que esses, por sua vez, são classificados como diretos ou indiretos.

Os impostos diretos são aqueles cobrados sobre a renda ou a propriedade dos agentes econômicos. No caso do Brasil, o Imposto de Renda (IR) é o principal exemplo de imposto direto, que é cobrado pelo governo federal. Outros dois impostos, cobrados pela propriedade, são de responsabilidade do Estado, como é o caso do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), e de responsabilidade municipal, como é o caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Os impostos indiretos, por sua vez, correspondem àqueles pagos no ato de compra de um bem ou serviço. No caso brasileiro, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que é cobrado pelo governo federal, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos governos estaduais e, por fim, o Imposto sobre Serviços (ISS), cobrado pelos municípios.

Cabe observar que todos esses impostos já estão embutidos no preço dos produtos e serviços e qualquer variação da alíquota pode ter interferência direta no preço.

Pelo lado das despesas, fica fácil compreender o que é consumo do governo e o que é subsídio. Contudo, no caso das transferências, há certas características que podem dificultar a compreensão. Principalmente se levarmos em consideração que o pagamento do funcionalismo público é uma despesa, e que o pagamento de aposentadoria é transferência.

Qual a diferença entre essas duas despesas?

Conceitualmente, o pagamento de salário corresponde à remuneração dos funcionários públicos pelos seus serviços prestados, enquanto o pagamento da aposentadoria não tem uma contrapartida. Ou seja, o aposentado, neste caso, não prestou qualquer serviço ao governo (ROSSETTI, 1992).

Embora o aposentado tenha contribuído para sua aposentadoria, essa contribuição foi em anos anteriores ao do recebimento, e como a contabilidade social só mensura o produto em um período X, não há como mensurar o pagamento da previdência e o recebimento da aposentadoria no mesmo período, logo, este custo é tratado como transferência.

Podemos ampliar esse raciocínio e citar, no caso do Brasil, o Programa Bolsa Família, que é um programa de transferência de renda. Outros auxílios trabalhistas também são considerados transferência, tal como seguro-desemprego, auxílio doença e salário-maternidade.

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Outra importante transferência feita pelo governo corresponde ao pagamento de juros da dívida que, assim como no caso da aposentadoria, corresponde à remuneração do capital feito em um período anterior ao que se está mensurando. Logo, se enquadrada na faixa de transferência.

Paulani e Braga (2007, p. 50) fazem uma importante observação sobre essas operações:

[...] todas essas operações assemelham-se no seguinte ponto: em todas elas há um efetivo deslocamento de recursos monetários das mãos do governo para as mãos dos beneficiários. O governo, assim, devolve ao setor privado parte daquilo que ele recolhe como impostos.

Com relação aos subsídios, além de um pagamento direto ao produtor, como é caso da garantia do preço mínimo, o governo também pode atuar por meio da desoneração fiscal para determinados produtos, tornando-os mais baratos ao consumidor final.

No caso também do Brasil, as recentes políticas de desoneração do IPI para automóveis e linha branca de eletrodomésticos é um exemplo bastante claro da referida política, pois em todos esses casos há subsídio e, embora o governo não esteja pagando, ele está deixando de receber uma parcela referente aos impostos de sua responsabilidade.

O governo, em virtude de ser um agente econômico que tem total poder sobre as variáveis macroeconômicas, principalmente por meio de sua política tributária, é capaz de interferir diretamente na geração de renda líquida e nos preços dos produtos (BLANCHARD, 2001). De um lado, o governo tem poder para elevar o preço dos produtos e serviços a partir dos ajustes dos impostos, e, de outro, ele é capaz de dar subsídios e reduzir o preço dos mesmos.

Como registrar essas variações tributárias ou políticas de subsídios em nossa conta governo?

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 51),

para resolver o problema foram criados dois conceitos de produto: o produto a preços de mercado, que inclui o valor dos impostos indiretos compensados dos subsídios, e o produto a custo de fatores, que não considera esse valor adicional.

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Capítulo 2

Compreender essas questões de impostos diretos e indiretos, transferências e subsídios é o primeiro passo para lançarmos a base teórica da nossa conta de governo, visto que essas são as variáveis mais importantes da conta do governo.

1.4.3 Conta de produção em uma economia completaAnteriormente, comentamos sobre o PIB e o PNB, mas devemos ter em mente que há diferentes tipos de PIB. Por exemplo, o PIB calculado e amplamente divulgado como principal indicador econômico é o PIB a preços de mercado. Nesse sentido, vamos construir, por meio do quadro a seguir, a versão final das contas de produção e de apropriação.

Quadro 2.9 – Conta de produção em uma economia completa

Débito Crédito

Salários Consumo pessoal

Aluguéis Consumo do governo

Juros Variação de estoques

Lucros retidos Formação bruta de capital fixo

Lucros distribuídos Exportações de bens e serviços não fatores

Depreciação

Saldo dos impostos pagos pelas empresas menos as transferências recebidas por elas

Outras receitas correntes líquidas

Impostos indiretos menos subsídios

Renda líquida enviada ao exterior

Importação de bens e serviços não fatores

Total: Oferta de bens e serviços Total: Demanda de bens e serviços

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Podemos observar uma nova conta produção, que consolida o lançamento dos impostos diretos pagos pelas empresas, já descontadas as transferências governamentais recebidas. Da mesma forma, observamos que a parte do valor adicionado corresponde ao valor equivalente ao pagamento de impostos diretos pelas empresas. O pagamento de lucros, também, deve ser considerado em seu valor líquido, ou seja, livre do pagamento de impostos.

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Pelo lado do crédito temos o lançamento do consumo do governo, que terá valor idêntico ao valor do item consumo do governo da conta governo, conforme mostra o quadro na sequência referente às contas do governo em uma economia completa.

O governo foi introduzido na conta de produção em razão do mesmo contribuir para o consumo total, a formação bruta de capital fixo e variação de estoques, além de ser estar presente nas transações com o exterior.

1.4.4 Conta de apropriação em uma economia completaApresentamos a seguir a versão final das contas de apropriação, governo, comércio exterior e de capital.

Quadro 2.10 – Conta de apropriação em uma economia completa

Débito Crédito

Consumo pessoal Salários

Impostos diretos (empresas) Aluguéis

Impostos diretos (famílias) Juros

Poupança líquida do setor privado Lucros

Outras receitas correntes líquidas Transferências totais

Impostos diretos líquidos

Outras receitas correntes líquidas do governo

Total: Uso da renda nacional líquida a custo de fatores mais transferências

Total: Renda nacional líquida a custo de fatores mais transferências

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Nesse caso da conta de apropriação, as principais variáveis incluídas correspondem aos impostos diretos e indiretos pelo lado do débito. Ambas, conforme observamos no quadro a seguir são referentes à conta do governo em uma economia completa, e têm uma contrapartida em crédito.

Essas duas variáveis foram incluídas com o objetivo de demonstrar a existência de um governo na economia e na necessidade dos agentes econômicos em reservar parte da sua renda ou receita para o pagamento de impostos.

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Capítulo 2

1.4.5 Conta de governo em uma economia completaA conta de governo em uma economia completa é de fácil compreensão, sendo que a crédito são lançadas todas as fontes de receita do governo, com maior relevância para os impostos diretos das famílias e empresas.

Quadro 2.11 – Conta do governo em uma economia completa

Débito Crédito

Consumo do governo Impostos diretos (famílias)

Transferências às famílias Impostos diretos (empresas)

Transferência às empresas Impostos indiretos

Subsídios Outras receitas correntes líquidas

Saldo do governo em conta-corrente Transferências totais

Impostos diretos líquidos

Outras receitas correntes líquidas do governo

Total: Uso da receita Total: Receita

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Na análise desse quadro é preciso ficar atento, apenas, à questão das transferências, pois é feito um lançamento de transferência a crédito e outro a débito, sendo que esses têm conceitos diferentes.

A transferência a crédito corresponde às transferências recebidas pelo governo, em qualquer uma das suas esferas, enquanto as transferências, pelo lado o débito, correspondem a repasses do governo a famílias ou empresas.

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1.4.6 Conta de comércio exterior em uma economia completaA conta de comércio exterior é outra importante conta do nosso modelo completo de contas nacionais.

Quadro 2.12 – Conta de comércio exterior em uma economia completa

Débito Crédito

Exportação de bens e serviços não fatores Importação de bens e serviços não fatores

Déficit no balanço de pagamentos em transações correntes

Renda líquida enviada ao exterior

Total: Débito Total: Crédito

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

Como podemos notar, esse quadro não se modifica se comparado ao que estudamos no modelo de economia aberta e sem governo. Não há alteração, pois não há separação entre o que é importado ou exportado por agente econômico. É um quadro consolidado com transações das famílias, empresas e governo.

1.4.7 Conta de capital em uma economia completaA conta de capital também é importante para a análise do modelo completo de contas nacionais, principalmente pela sua identidade entre investimento e poupança.

Quadro 2.13 – Conta de capital em uma economia completa

Débito Crédito

Variação de estoques Poupança líquida do setor privado

Formação bruta de capital fixo Depreciação

Déficit do balanço de pagamentos em transações correntes

Saldo do governo em conta-corrente

Total: Uso da receita Total: Receita

Fonte: Adaptação de Rosseti (1992).

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Capítulo 2

Nesta conta, podemos observar na conta de capital a inclusão do saldo do governo em conta-corrente, que tem uma contrapartida idêntica a débito na conta do governo e demonstra que o governo ao lado do setor privado e setor externo correspondem à terceira fonte de geração de poupança e, por identidade, de investimento.

1.4.8 Consolidando siglasÀ medida que desenvolvemos nossos estudos, incluímos uma série de siglas e conceitos que são necessários à compreensão. Para melhor assimilação, vamos fazer uma pequena lista com todas elas:

Quadro 2.14 – Legenda de conceitos econômicos

Sigla Significado

P Produto

I Interno

B Bruto

N Nacional

L Líquido

PM Preços de mercado

CF Custo de fatores

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Com relação a esse quadro, é preciso ficar claro duas relações importantes. A primeira, corresponde à depreciação. Sempre que um indicador destacar o conceito de bruto, então ele está considerando a depreciação em seu cálculo. Exemplo: Produto Interno Bruto. Para saber o Produto Interno Líquido, basta deduzir a Depreciação.

O segundo corresponde ao conceito de Interno e Nacional. Tudo o que é produzido dentro do território geográfico é considerado interno. Ele é nacional quando considera apenas a produção de empresas nacionais, seja no território geográfico, seja em outros países.

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Contabilidade Social

1.5 Considerações e limitantes do sistema de contas nacionaisO sistema de contas nacionais, assim como a matriz insumo-produto, também possui alguns limitantes. Rossetti (1992) enumera os principais, os quais são apresentados na sequência:

1. Deflacionar: Elaborar o sistema de contas nacionais e, em especial, quando se quer comparar contas de uma mesma classificação, é preciso estar atento ao fator de deflação. Caso contrário, a comparação entre eles não será viável, pois não podemos comparar indicadores de diferentes períodos desconsiderando a inflação que incorreu no período.

2. Juros: Assim como ocorre na questão dos valores dos bens e serviços, também é preciso fazer a distinção entre juros reais e juros nominais, pois a inflação incide sobre o valor dos ativos financeiros, sendo utilizado, nesse caso, o juro nominal.

3. Com relação aos agregados macroeconômicos, a inflação incorre apenas sobre a distribuição de renda e não sobre os demais agregados.

4. Em caso de inflação, a renda nominal será sempre superior à renda real, pois esta desconta a inflação.

5. A comparação entre as contas dos países é limitada em razão da tarifa cambial, visto que as contas precisam estar na mesma base monetária. Contudo, não basta, por exemplo, apenas fazermos a conversão cambial; também é preciso analisar as políticas tarifárias e de subsídios aos produtos.

6. A contabilidade social também não tem condições de incorporar ao seu método indicadores relacionados à economia informal e às expectativas dos agentes.

7. Há fatores intangíveis na economia e no qual não há uma formalização do valor. Logo, a contabilidade social estima esses valores como se houvesse alguma transação no mercado. Um exemplo clássico é o valor de uma marca, a qual se valoriza ou desvaloriza no ano, mas sem transações econômicas.

8. As questões ambientais são difíceis de serem contabilizadas, em especial quando se tratar de estoque de matéria-prima bruta, como os minerais. Nesse caso, há dificuldade de mensurar o estoque.

9. Não há qualquer contabilidade relacionada às perdas ambientais decorrentes de algum tipo de desastre, como um desmoronamento de terra, derramamento de petróleo, etc.

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Capítulo 2

Seção 2Contabilidade social e macroeconomia

2.1 A sinergia entre contabilidade social e a macroeconomia Existe uma acentuada sinergia entre os estudos recentes da contabilidade social e da macroeconomia, a qual teve início com a publicação da obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda pelo economista John Maynard Keynes.

Keynes contribuiu de forma efetiva na condução dos estudos dos agregados macroeconômicos, uma vez que é por meio desses agregados que chegamos ao ponto de partida para as contas nacionais.

Se considerarmos que o principal indicador de uma economia é o seu produto, fica fácil assimilar a importância da contabilidade social para a macroeconomia, principalmente para aqueles fatores não tão aprofundados por esta, como é o caso da formação bruta de capital fixo, variação de estoques e relações com o exterior.

A principal contribuição de Keynes consistiu em explicar que a crise econômica de 1929 correspondia à inexistência de um regulador automático do mercado, ou a mão invisível, como teorizam os economistas clássicos David Ricardo e Adam

Smith. No estudo publicado por Keynes, fica evidente que o desemprego gerado por aquela crise correspondia à queda na oferta de trabalho, e não por questões de desemprego friccional.

Para melhor compreender esse contexto, vamos analisar alguns estudos na área de Macroeconomia, Economia Monetária e Economia Internacional, a fim de demonstrar a relação direta entre a macroeconomia e a contabilidade social.

Para essa análise devemos ter como premissa que o estudo de variáveis macroeconômicas demanda a condição coeteris paribus, conhecido termo da economia que deve ser utilizado para analisar variáveis de mercado sem a influência de outras variáveis, ou seja, mantendo todas as demais variáveis constantes, sem sofrer alterações.

Também é importante observar que a condução de políticas macroeconômicas requer dos governos especial atenção na manutenção da demanda efetiva que, em seu conceito primário, corresponde ao ponto de encontro entre a demanda e a oferta agregada.

Desemprego friccional corresponde ao tempo em que um trabalhador leva entre a demissão do emprego e admissão em outro. Compreende o período de tempo despedido na busca por emprego.

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Contabilidade Social

Neste ponto, o preço da demanda agregada corresponde ao rendimento que os empresários esperam receber ao ofertar determinado volume de um bem produzido por número específico de trabalhadores, enquanto o preço da oferta agregada corresponde ao rendimento mínimo para que os empresários ofertem determinado volume de um bem produzido por número específico de trabalhadores. Nesse contexto, o preço da oferta deve cobrir, ao menos, os custos da contratação.

Basicamente, é sobre este cenário que as políticas macroeconômicas agem, buscando deslocar a curva da demanda agregada com vista ao aumento da taxa de emprego e, consequentemente, aumento da renda e do PIB, que correspondem a duas importantes variáveis de contas nacionais.

O nível de atividade econômica e de emprego é determinado pela demanda agregada, pois a decisão de investimento depende da expectativa de retorno do empresário. Porém, a produção é um processo ex-ante e seu nível pode ser maior, igual ou menor que a demanda agregada, pois depende também dos estoques e do lucro residual.

Nesse sentido, as flutuações do emprego dependem principalmente do investimento produtivo, que é uma função da oferta agregada, uma vez que há um rendimento mínimo que deve ser atingido para que o empresário decida pela contratação.

O mercado é representado pela curva Investment Saving (IS), mercado de bens, responsável pela definição da renda em uma economia aberta. Contudo, há outra importante curva para o equilíbrio do curto prazo, a curva Liquidity preference Money supply (LM), mercado monetário, a qual representa a base monetária, que é composta pelo montante de dinheiro mantido pelos agentes econômicos. No caso das pessoas, corresponde ao papel moeda, no caso dos bancos, corresponde aos estoques e reservas.

O M1 é o símbolo do agregado monetário mais conhecido, pois é o meio de pagamento que corresponde ao papel moeda em poder do público, acrescido dos depósitos à vista em bancos comerciais. A moeda, nesse caso, é o fator-chave para mensuração da produção, pois ela funciona como meio de troca padrão.

Cabe destacar que o equilíbrio da economia ocorre por meio da interação entre o mercado de bens e o mercado monetário. Para melhor compreender os efeitos das políticas públicas e analisar o modelo, precisamos compreender alguns axiomas relacionados ao mercado de bens, os quais são elencados a seguir:

• O investimento é endógeno.

• O consumo é função da renda disponível.

• Para determinada taxa de juros, a demanda agregada funciona como função crescente do produto.

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Capítulo 2

• A curva da demanda agregada não é linear.

• A inclinação da demanda agregada continua sendo menor que 1.

Já no caso dos mercados financeiros, assumem-se as seguintes premissas:

• Demanda real por moeda.

• Renda real.

A curva IS representa todas as combinações entre a taxa de juros e níveis de produção (ou renda), aos quais os gastos planejados são iguais à renda. Já a curva LM, por sua vez, representa todas as combinações entre a taxa de juros e renda que são necessárias para satisfazer o equilíbrio no mercado financeiro.

2.2 Curva ISDe acordo com Blanchard (2007), no curto prazo, a curva IS simplificada é representada pela equação a seguir:

IS = Y = C (Y) + I (Y, i) + G + X (E, Y) – M (E, Y).

Em que:

IS: Mercado de bens. Y: Produto ou renda agregada. C: Consumo. I: Investimento. i: Taxa de juros. G: Gastos do governo. X: Exportações. E: Taxa real de câmbio. M: Importações.

Na sequência, vamos analisar essas variáveis que compõem a equação da curva IS.

2.2.1 ConsumoNa mencionada equação o consumo é uma variável da renda real do trabalhador, ou seja, um aumento na renda real faz aumentar também, o consumo. O aumento na renda real pode ocorrer por meio do aumento da própria renda ou pela redução de impostos.

C = C (Riqueza total, Yfutura – Tfutura).

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Contabilidade Social

As expectativas de mercados futuros afetam diretamente o consumo quando há alguma variação na equação apresentada, que é calculada por meio da taxa de valor presente, ou seja, o que o consumidor espera receber menos o que ele espera pagar.

As referidas expectativas também afetam, de forma indireta, o valor dos ativos financeiros e imobiliários, interferindo na riqueza total. No que diz respeito ao consumo, ele pode ser alterado, mesmo que a renda atual não se modifique, visto as expectativas de renda maior no futuro.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 59),

dado um determinado nível de renda, as famílias consomem boa parte dela, mas também poupam uma parte. Obviamente, a propensão a consumir é muito maior nas famílias de baixa renda (no limite, as famílias de renda extremamente baixa não poupam nada de sua renda, consumindo-a integralmente) e proporcionalmente menor nas famílias de renda mais elevada.

2.2.2 InvestimentoCom relação ao investimento, ele também tem relação direta com a renda, uma vez que a elevação da renda proporciona um aumento dos investimentos, enquanto, no caso da taxa de juros, a relação é inversa, pois uma redução da taxa de juros aumentará o investimento. Nesse caso estamos nos referindo, obviamente, a investimento produtivo e não a mercados financeiros.

I = I (Y, i).

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 60),

o investimento depende de variáveis extremamente sujeitas à flutuação, devido às sempre presentes incertezas em relação ao futuro. Essas variáveis são a preferência pela liquidez e as expectativas quanto ao rendimento futuro esperado dos bens de capital.

No que diz respeito aos gastos do governo, não há um padrão de comportamento, pois são definidos, justamente, pelas políticas de governo, sendo então uma variável exógena.

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Capítulo 2

2.2.3 Exportação e importaçãoAs exportações são dependentes de outras variáveis, como a taxa de câmbio e da renda. Assim, por exemplo, quanto maior a taxa de câmbio, maior será o nível de exportação e quanto maior a renda, menor será o nível de exportação, em razão do consumo interno. Com relação às importações, quanto maior a taxa de câmbio corrente, menor será a taxa de importação, e quanto mais elevada a renda, maior o nível de importações.

Temos assim saldo em conta-corrente definido pela seguinte equação: X (E, Y) – M (E, Y).

Se analisarmos todas as equações apresentadas, podemos evidenciar a presença de importantes variáveis, tais como: renda, produto, gastos do governo, exportação, importação, investimento e poupança, compreendendo melhor o significado de agregados macroeconômicos.

É importante destacar que quando falamos sobre as variáveis consumo, impostos, renda, investimentos, governo, exportações e importações, elas terão diferentes significados de acordo com o enquadramento dado. No caso da macroeconomia, sua preocupação está em relacionar todos esses agregados, enquanto a contabilidade social se preocupa em quantificar esses indicadores.

2.3 Curva LMPara fechar nosso modelo de IS-LM, vamos analisar a equação da curva LM apresentada por Blanchard (2007):

MS = L (Y, i).

Em que:

MS: Mercado monetário. L: Base monetária. Y: Renda. i: Taxa de juros.

Embora não esteja descrita formalmente na contabilidade social, a LM também possui importantes variáveis, como é o caso da renda, que tem relação direta com a demanda por moeda e a taxa de juros, que também tem relação com o consumo, poupança e investimentos.

Nesse caso, a oferta de moeda depende da função da base monetária. Assim, em um cenário econômico de aumento da renda, teremos maior demanda por moeda, então o governo deve elevar a oferta de moeda para garantir os juros no seu patamar.

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Contabilidade Social

Por sua vez, o aumento da taxa de juros reduz a demanda por moeda, visto que as pessoas deixam de consumir para realizarem investimentos produtivos ou financeiros, demandando, assim menos moeda (meios de pagamento).

O equilíbrio de mercados ocorre no ponto em que a curva IS corta a curva LM. Neste ponto, a taxa de juros e o nível de renda satisfazem os agentes econômicos e, consequentemente, há condições de equilíbrio em ambos os mercados.

2.4 Intervenção do governo na economiaA intervenção do governo na economia poderá ocorrer com base em duas estratégias: contracionista e expansionista, tanto na política monetária quanto na fiscal.

2.4.1 Política monetária contracionistaA política monetária contracionista corresponde à redução da oferta de moeda, o que eleva a taxa de juros e reduz os investimentos no setor privado. Essa modalidade da política monetária é aplicada quando a economia está sendo afetada pela alta da inflação, visando dessa forma a reduzir a demanda agregada e, consequentemente, o nível de preços.

2.4.2 Política monetária expansionistaA política monetária expansionista consiste em aumentar a oferta de moeda, ocasionando a redução da taxa de juros básica e estimulando investimentos majoritariamente no setor privado. Essa política é adotada em épocas de recessão visando a aumentar a demanda agregada e gerar novos empregos.

Cabe destacar que no curto prazo a expansão monetária ocasiona queda na taxa de juros e a depreciação da moeda. Por sua vez, este movimento gera aumento na demanda dos produtos e consequente elevação de preços. No médio e longo prazo a política monetária é neutra, pois as variações no estoque de moeda provocam aumento proporcional dos preços, o que, em termos reais, deixa inalterado o produto e o desemprego.

2.4.3 Política fiscal expansionistaA política fiscal expansionista corresponde ao aumento nos gastos do governo e tem relação direta com o aumento da renda, conforme demonstra a equação da IS ou por meio da redução de tributos, que tem relação inversa com o consumo. Assim, quanto menor o tributo maior o consumo e, consequentemente, maior o produto.

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Capítulo 2

Temos como resultados da referida política os seguintes cenários. No curto prazo, o déficit orçamentário – gastos superiores às receitas tendem a aumentar a demanda e, consequentemente, o produto. Contudo, não podemos fazer essa mesma afirmação quanto ao investimento. No médio prazo, o produto já retorna ao seu estágio natural, mas a taxa de juros permanece elevada, contraindo o investimento. Já no longo prazo, como há menor estoque de capital, em razão da alta taxa de juros, o produto, consequentemente, é menor.

Há uma regra básica para a política fiscal expansionista, se os gastos do governo permanecem inalterados ou até sofrerem alguma elevação, qualquer redução de impostos no presente ocasionará aumento de tributos no futuro. Sendo que, quanto maior for a demora em ajustar os tributos, maior será sua elevação.

Desse modo, visando a estabilizar a economia, os governos precisam gerar déficit em períodos de recessão; entretanto, devem estar atentos a gerar superávit em períodos de crescimento acelerado. A relação dívida/PIB é um importante indicador, assim como a taxa de crescimento da dívida.

2.4.4 Política fiscal contracionistaA política fiscal contracionista corresponde, em geral, ao aumento dos tributos pelo governo, pois essa medida é de maior e mais rápido impacto, se comparada com a redução dos seus gastos. Porém, ela não é simples, uma vez que é preciso manter o alto nível de emprego, crescimento do PIB, estabilidade dos preços, da taxa de juros, do mercado financeiro e do câmbio. Isso é uma tarefa complexa, mas fundamental para a melhor capacidade de planejamento de uma economia, visto a melhor definição de valores correntes para despesas futuras do governo.

Todas essas considerações são importantes em razão do consenso quanto aos prepostos keynesianos e, em especial, no funcionamento das economias capitalistas. No entanto, embora haja muito debate quanto a economia keynesiana, neoclássica ou da escola austríaca, citando os mais importantes, não houve qualquer alteração quanto ao consenso relacionado à forte sinergia entre macroeconomia e o sistema de contas nacionais. Dessa forma, há um consenso dos métodos de contabilidade social, independente da corrente de pensamento econômico adotada por um governo.

Conforme podemos constatar, as identidades macroeconômicas não apontam apenas relações de causalidades entre todas as variáveis que constituem a equação do produto, mas também a importância da contabilidade social para a condução de políticas econômicas, pois os indicadores da contabilidade social e o equilíbrio interno e externo das contas são a base dos estudos para a elaboração das políticas fiscal, monetária e cambial do governo.

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Contabilidade Social

Seção 3Matriz insumo-produto

3.1 Uma alternativa a contabilidade nacional A matriz insumo-produto diz respeito à origem e evolução da contabilidade social. Assim, da mesma forma que as contas nacionais são fundamentais para a análise e elaboração de políticas macroeconômicas, a matriz insumo-produto é um importante instrumento para a elaboração de políticas setoriais. Ela é, de certo modo, uma maneira diferente de se atingir os mesmos resultados das contas nacionais (ROSSETTI, 1992).

Cabe destacar que a compreensão da metodologia matriz insumo-produto é complexa por ter como principal objetivo a descrição de relações técnicas e quantitativas entre setores produtivos de uma economia, centralizando sua abordagem nas transações inter e intrassetoriais, em que cada setor produtivo desenvolve atividades utilizando produtos originados de outros setores produtivos.

Entretanto, a mencionada metodologia torna-se mais clara quando centramos nossa análise na demanda por matéria-prima para o desenvolvimento das atividades do processo produtivo, logo esta matéria-prima pode ter origem no mesmo setor ou em setores diferentes.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 70),

tecnicamente, a matriz insumo-produto implica a desagregação, por ramo de atividade, de vários dos agregados presentes num sistema usual de contas nacionais, particularmente aqueles que aparecem na conta de produção. Mas, além do valor adicionado e da demanda final, a desagregação atinge também a demanda intermediária (ou consumo intermediário).

Dessa forma, conseguimos estimar por meio da mencionada matriz o impacto setorial sobre o emprego e o produto caso o governo adote políticas setoriais ou políticas macroeconomias que tenham impacto direto nos setores em análise. Também podemos observar a realização de trocas entre os setores produtivos, conforme mostra o quadro a seguir no qual as colunas resumem os pagamentos que um setor transfere ao outro setor e as linhas resumem as receitas que um setor recebe do outro.

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Capítulo 2

Quadro 2.15 – Matriz insumo-produto

Agricultura Indústria Serviços

Agricultura P1 x A11 P1 x A12 P1 X A13

Indústria P2 X A21 P2 X A22 P2 X A23

Serviços P3 X A31 P3 X A32 P3 X A33

Trabalho W1 X TR1 W2 X TR2 E3 X TR3

Capital I1 X C1 I2 X C2 I3 X C3

Terra R1 X T1 R2 X T2 R3 X T3

Estado E1 E2 E3

Externo PM1 X EM1 PM2 X EM2 PM3 X EM3

Total P1 X A1 P2 X A2 P3 X A3

Fonte: Elaboração do autor (2014).

A título de esclarecimento, cabe informar que “A” representa uma transação entre setores, em que o número 1 representa o setor agrícola, 2 o setor industrial e 3 o setor de serviços. E que o primeiro número representa o que se vende e o segundo o que se compra.

Por exemplo, na coluna de serviços e linha da indústria temos o A23, que representa a venda do setor industrial para o setor de serviços. O “P” representa o preço praticado pelos setores.

Genericamente, na relação Aij tem-se a indicação da quantidade de produto que o setor “i” gasta pelo setor “j”; com “Pi” o preço do produto do setor “i”; e, o resultado da multiplicação representa o pagamento que o setor “j” faz ao setor “i”.

Podemos, por exemplo, apresentar a relação do setor agricultura com ele próprio (A11) ou com o setor indústria (A12), ou seja, o “i” refere-se ao setor da primeira coluna e o “j” da coluna corresponde à relação estabelecida.

A matriz de insumo-produto pode ser considerada um instrumento de contabilidade social que permite conhecer os fluxos setoriais de bens e serviços produzidos destinados ao abastamento de insumos a outros setores e para atendimento a demanda final (ROSSETTI, 1992).

Hoje em dia, essa matriz é considerada um instrumento muito útil para análise de choques estruturais na economia, assim como para projeções sobre o comportamento da atividade econômica (FEIJÓ, 2006).

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Contabilidade Social

Dessa forma, o uso dos dados da matriz insumo-produto permite, em conjunto com outras estimativas, capturar interações entre os diversos agentes econômicos, simulando o comportamento de uma economia de mercado, em especial por meio do uso de abordagens mais modernas obtidas com o desenvolvimento de técnicas computacionais denominadas de modelos de equilíbrio geral computável.

O Brasil, a exemplo, também faz uso da matriz de insumo-produto, sendo que a responsabilidade da elaboração é do IBGE e sua publicação é quinzenal, servindo de base para a construção do conjunto de contas nacionais do país.

3.2 As limitações da matriz insumo-produto Embora a matriz seja um importante instrumento para auxiliar os profissionais e gestores de políticas econômicas, cabe ressaltar que ela também apresenta limitantes, entre os quais podemos destacar três, que são o retorno constante de escala, os coeficientes técnicos e a oferta dos fatores.

Em primeiro lugar, a matriz assume retornos constantes de escala. Assim, para qualquer quantidade produzida serão utilizadas as mesmas combinações relativas de fatores produtivos.

Em segundo lugar, assume-se que os coeficientes técnicos não mudam ao longo do tempo. Isso significa que não são consideradas quaisquer alterações em termos de mudanças de preços ou avanços tecnológicos.

Em terceiro lugar, assume-se que a oferta dos fatores de produção seja infinita e perfeitamente elástica, bem como a utilização desses recursos seja maximizado durante o processo produtivo.

Além de tais limitações e entraves quanto à sua elaboração, os quais prejudicam seu maior uso, em especial pela necessidade de grandes entradas de dados para os mais diversos setores da economia, ainda se perde muito tempo entre a elaboração e a evolução dos indicadores econômicos.

Desta forma, ao finalizar uma matriz, muitos dos seus coeficientes podem estar defasados e haveria dúvidas quanto à eficácia do seu uso. Entretanto, no caso das variáveis se manterem inalteradas, há grande potencial de uso dessa matriz.

Mesmo diante desse cenário, o conceito da matriz insumo-produto é bastante útil, e mesmo sendo de complexa elaboração ela não foi abandonada por economistas. Não vamos nos aprofundar neste aspecto, uma vez que nosso objetivo aqui foi o estudo dos agregados macroeconômicos.

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Habilidades

Seções de estudo

Capítulo 3

Contas nacionais no Brasil

Seção 1: Os primeiros estudos de contabilidade nacional do Brasil

Seção 2: O cálculo do Produto Interno Bruto no Brasil

Seção 3: Contas econômicas integradas

Seção 4: Tabela de recursos e usos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Neste capítulo vamos, por meio da análise do processo de elaboração das contas nacionais do Brasil, desenvolver a habilidade de interpretar o método de mensuração do produto e renda no país, além dos mecanismos auxiliares, a fim de construirmos uma visão analítica e crítica do processo, principalmente com relação aos indicadores resultantes. Desenvolveremos também a habilidade de análise crítica das contas nacionais do Brasil, identificando possíveis problemas ou sucessos referentes à condução da política econômica do país.

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Capítulo 3

Seção 1Os primeiros estudos de contabilidade nacional do Brasil

1.1 A importância da Organização das Nações Unidas para as contas nacionais do Brasil A estrutura das contas nacionais da maioria dos países, de forma genérica, é baseada na teoria macroeconômica e nos padrões adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, cada país tem sua padronização, sendo raras as estruturas que se apresentam 100% convergentes ao modelo proposto pela ONU.

Além dessa falta de padronização, também temos questões relacionadas aos dados disponíveis. Os países mais desenvolvidos, no sentido tecnológico, têm maior qualidade e transparência dos dados, o que permite maior confiabilidade dos dados e melhor uso da estrutura das contas nacionais.

Cabe destacar que o próprio desenvolvimento da economia de um país pode ser um fator limitador da padronização das contas nacionais, visto a maior dificuldade em mensurar e comparar, por exemplo, economias com mais participação do agronegócio com economias de maior participação do setor de serviços. Ou seja, como comparar duas economias que têm bases tão distintas com relação à formação de seu produto?

Também podemos citar fatores sociais e de censo demográfico como especificidades relacionadas à adaptação da estrutura padrão das contas nacionais a realidade econômica do país. Segundo Paulani e Braga (2007, p. 104),

“não há um padrão único de contas para todos os países, com uma estrutura absolutamente idêntica aquela derivada da metodologia de referência”.

Essa metodologia diz respeito ao modelo padrão de contas nacionais, desenvolvido pelo System of National Accounts (SNA-ONU), e que teve sua última alteração substancial em 1993, incorrendo em mudanças significativas nos modelos utilizados pelos países membros.

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Contabilidade Social

1.1.1 Modelo de contas nacionais brasileiroNo Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o responsável pela elaboração e levantamento das contas nacionais. Historicamente, os esforços para mensuração das contas nacionais tem início em 1947, em um cenário pós-guerra que demandava confiáveis fontes de indicadores para nortear as políticas de desenvolvimento e crescimento da economia brasileira.

Inicialmente, o Núcleo de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi a instituição responsável pelo cálculo das contas nacionais do Brasil. Seu objetivo não correspondia apenas à mensuração da renda nacional, mas também ao acompanhamento dos preços e elaboração do balanço de pagamentos.

Entre os anos de 1947 e 1952 o Brasil desenvolveu seu próprio modelo de mensuração da renda, o qual foi aprimorado em 1952 com as recomendações e sugestões metodológicas fornecidas por meio do primeiro modelo desenvolvido pela ONU (ROSSETTI, 1992). Feitos os ajustes com base na metodologia da ONU, em 1956 o Brasil teve sua primeira e completa estrutura de contas nacionais e balanço de pagamentos.

Desde então, atribui-se à FGV a função não apenas de mensurar os principais agregados macroeconômicos da economia brasileira, mas também a imperiosa missão de detalhar esses agregados e publicar séries estatísticas mais específicas, tal como aquelas relacionadas ao mercado de trabalho e inflação, as quais servem de subsídio para as tomadas de decisões estratégicas pelo governo.

Até aquele ano o Brasil dispunha de poucos dados e indicadores econômicos, ficando a cargo da mencionada instituição privada realizar esse estratégico trabalho. Talvez se essa atribuição tivesse ficado sob a responsabilidade de alguma entidade de governo o Brasil não teria avançado tanto quanto avançou na época (ROSSETTI, 1992).

Entretanto, tal responsabilidade só vigora até o ano de 1986, quando o IBGE assume a função de mensurar as contas nacionais, ficando sob a atribuição da FGV a elaboração da matriz insumo-produto. A base metodológica adotada pela FGV consistia nas determinações feitas pela ONU em 1956 e depois em 1968.

Quando o IBGE assume a responsabilidade de mensurar as contas nacionais ele promove uma nova revisão metodológica com base em estudos e padronizações fornecidos pela ONU em 1977 e 1984.

No caso brasileiro, houve a substituição de cinco contas por apenas quatro, sendo que as atividades do governo não estavam destacadas em conta própria, mas diluídas nas contas restantes (PAULANI; BRAGA, 2007). Ou seja, apenas as contas de produção, apropriação, capital e transações correntes foram consideradas.

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Capítulo 3

Cabe destacar que, posteriormente, além dessas quatro contas, também se criou a conta-corrente das atividades da administração pública. Tal estrutura se manteve praticamente inalterada até 1993, quando o System of National Accounts fez sua última grande alteração metodológica, que incorreu em mudanças na estrutura de contas nacionais do Brasil, vigorando até 1996, quando houve uma nova reformulação nas contas nacionais brasileiras (ROSSETTI, 1992).

Seção 2O cálculo do Produto Interno Bruto no Brasil

2.1 A metodologia adotada até 1996 pelo Brasil A Fundação Getúlio Vargas, responsável pela elaboração das contas do produto nacional brasileiro até 1986, utilizou como base metodológica as sugestões do SNA/ONU, a qual era composta pelas seguintes contas:

• Conta de produção.

• Conta de apropriação.

• Conta de governo.

• Conta de capital.

• Conta de transações correntes.

Por meio do conjunto dessas cinco contas era possível demonstrar claramente as atividades econômicas do Brasil, cobrindo as transações realizadas pelos agentes econômicos, em especial o governo e o comércio exterior.

Contudo, o IBGE, ao assumir a responsabilidade pela elaboração das contas nacionais, reformula a mencionada estrutura e altera o uso das cinco contas, passando a utilizar apenas quatro, uma vez que a conta de governo, de número 3, é excluída, sendo que as transações econômicas desse agente econômico passaram a ser agregadas em um item de conta-corrente da administração pública.

O quadro a seguir mostra a estrutura do sistema de contas nacionais do governo brasileiro compreendido entre o período de 1986 e 1996. Com relação à conta do Produto Interno Bruto (PIB), temos:

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Contabilidade Social

Quadro 3.1 – Conta do PIB

Débitos Créditos

1.1 – PIB a custo de fatores (2.4) 1.4 – Consumo final das famílias (2.1)

1.1.1 – Remuneração dos empregados (2.4.1)

1.5 – Consumo final das administrações públicas (2.2)

1.1.2 – Excedente operacional bruto (2.4.2) 1.6 – Formação bruta de capital fixo (3.1)

1.2 – Tributos indiretos 1.7 – Variação de estoques (3.2)

1.3 – Menos: subsídios (2.8) 1.8 – Exportação de bens e serviços

1.9 – Menos: Importações de bens e serviços (4.5)

PIB a preços de mercado Dispêndio correspondente ao PIB

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

Podemos observar nesse quadro números indicadores antes de cada variável, aos quais devemos ficar atentos, e sempre que possível identificar um indicador correspondente em outra conta nacional. Essa ligação entre indicadores é o que permite o equilíbrio externo dentre todas as contas relacionadas às contas nacionais.

Por exemplo, a conta de PIB a custo de fatores corresponde ao débito (1.1) da conta do PIB, mas também corresponde ao crédito (2.4) na conta de Renda Nacional Bruta (RNB), apresentada no próximo quadro.

Quadro 3.2 – Conta da RNB

Débitos Créditos

2.1 – Consumo final das famílias (1.4) 2.4 – PIB a custo de fatores

2.2 – Consumo final da administração pública (1.5)

2.4.1 – Remuneração dos empregados (1.1.1)

2.3 – Poupança bruta (3.3) 2.4.2 – Excedente operacional bruto (1.1.2)

2.5 – Remuneração de empregados, líquida, recebida do resto do mundo (4.2 – 4.6)

2.6 – Outros rendimentos líquidos, recebidos do resto do mundo (4.3 – 4.7)

2.7 – Tributos indiretos (1.2)

2.8 – Menos: Subsídios (1.3)

2.9 – Transferências unilaterais, líquidas, recebidas do resto do mundo (4.4 – 4.8)

Utilização da renda nacional disponível bruta

Apropriação da renda nacional disponível bruta

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

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Capítulo 3

Nessa conta da RNB, o maior destaque é para a formação de poupança, lançada a débito, além de todos os tributos sobre a renda, subsídios e transferências, que são relacionados ao uso ou fonte de renda por um agente econômico.

Com relação à conta de capital, temos:

Quadro 3.3 – Conta de capital

Débitos Créditos

3.1 – Formação bruta de capital fixo 3.3 – Poupança bruta (2.3)

3.1.1– Construção 3.4 – Menos: saldo em transações correntes com o resto do mundo (4.9)

3.1.1.1 – Administração pública

3.1.1.2 – Empresas e famílias

3.1.2 – Máquinas e equipamentos

3.1.2.1 – Administração pública

3.1.2.2 – Empresas e famílias

3.1.3– Outros

3.2 – Variação de estoques (1.7)

Total da formação bruta de capital fixo Financiamento da formação bruta de capital fixo

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

A conta de capital consolida todas as despesas e investimentos das famílias, empresas e governo, cujo indicador mais importante compreende a formação bruta de capital fixo, que está associada ao investimento e à formação de poupança, necessária ao financiamento do investimento.

Por fim, integram as contas nacionais a conta de transações correntes com o resto do mundo, em que temos:

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Contabilidade Social

Quadro 3.4 – Conta de transações correntes

Débitos Créditos

4.1 – Exportação *FOB de bens e serviços (1.8)

4.5 – Importação FOB de bens e serviços (1.9)

4.2 – Remuneração dos empregados recebida do resto do mundo (2.5 + 4.6)

4.6 – Remuneração de empregados paga ao resto do mundo (4.2 – 2.5)

4.3 – Outros rendimentos recebidos do resto do mundo (2.6 + 4.7)

4.7 – Outros rendimentos pagos ao resto do mundo (4.3 – 2.6)

4.4 – Transferências unilaterais recebidas do resto do mundo (2.9 + 4.8)

4.8 – Transferências unilaterais pagas ao resto do mundo (4.4 – 2.9)

4.9 – Saldo das transações correntes com o resto do mundo (3.4)

Recebimentos correntes Utilização dos recebimentos correntes

*FOB – É um conceito de comércio internacional, no qual o comprador assume os riscos e custos com a logística da mercadoria, sendo o vendedor obrigado a transportar a mercadoria até o porto escolhido pelo comprador.

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

Essa conta de transações correntes engloba todas as transações do país com o exterior.

É importante observar que embora a estrutura das contas nacionais brasileira tenha apenas quatro contas de mensuração das atividades econômicas em vez de cinco, ela contempla praticamente os mesmos princípios do modelo com cinco contas, uma vez que a conta de governo foi diluída nas demais contas do Sistema de Contabilidade Nacional (SCN).

A não inclusão de uma conta específica de governo nas contas nacionais não prejudica o SCN brasileiro adotado até 1996. A única ressalva a ser considerada é que com essa estrutura de contas há maior consolidação das contas de governo, o que prejudica maior transparência do consolidado das contas públicas.

Além da inexistência da conta de governo, também temos pequenas alterações metodológicas que não comprometem o resultado final gerado pelas recomendações e sugestões metodológicas do modelo desenvolvido pela ONU para as contas nacionais.

Por exemplo, a primeira conta, do PIB, tem uma alteração com relação ao lançamento das importações, que são lançadas como débito na conta de crédito, visando a manter o equilíbrio interno da conta, em razão existência da oferta total de bens e serviços (ROSSETTI, 1992).

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Capítulo 3

Já a conta de produção resulta no PIB a preços de mercado (PIBpm), que considera, além da produção, o valor dos impostos e subsídios. Esta conta, pelo lado do débito, nos fornece o PIBpm, enquanto o lado do crédito nos fornece o dispêndio correspondente ao PIB, ou simplesmente o que conhecemos por demanda agregada da economia.

2.2 A conta de apropriaçãoA demanda agregada é um dos principais indicadores para a formulação de políticas econômicas, e é por meio dela que o governo ajusta o nível de emprego, investimentos e onde o mercado ajusta seu nível de preços. Em termos de política fiscal, este é o principal indicador fornecido pela contabilidade social.

Com relação à demanda agregada, Paulani e Braga (2007, p. 109) fazem as seguintes observações:

O lançamento correspondente ao consumo do governo, que vai ter sua contrapartida a débito na conta renda nacional disponível bruta, já que não existe nesse formato a conta-corrente do governo. A segunda observação é que a rubrica excedente operacional bruto dá conta do montante total de lucros, aluguéis e juros pagos.

Como a demanda agregada está associada com a conta de apropriação, temos que ela nos apresenta o consolidado da renda bruta disponível da população, e, assim como a conta de produção, também possui algumas alterações. Entre essas alterações estão a inclusão do consumo do governo, a substituição da renda líquida pela renda bruta e a troca da poupança líquida pela poupança bruta, que inclui a poupança das famílias, empresas e governos (NOGAMI, 2012).

A conta de apropriação também fornece a renda a preços de mercado, em que a renda é apresentada a custo de fatores, sendo necessário incluir os impostos indiretos líquidos e subsídios a crédito, visando ao equilíbrio interno da conta.

Cabe apenas uma ressalva quanto à soma das contas de remuneração líquida dos empregados recebida do resto do mundo e outros rendimentos líquidos também recebidos do resto do mundo, que nos fornece a geração de renda de residentes e fatores de produção de residentes no exterior: no caso brasileiro, que é importador de capital, a soma dessas contas será negativa (PAULANI; BRAGA, 2007).

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Contabilidade Social

2.3 A conta de capitalCom relação à conta de capital, podemos notar que, assim como na conta de produção e apropriação, há uma conta relacionada às despesas de capital da administração pública. Pelo lado do crédito, temos a chamada “Menos: saldo em transações correntes com o resto do mundo”, que corresponde ao saldo do balanço de pagamentos do país em transações correntes com o resto do mundo.

Nesse indicador devemos ficar atentos ao termo “menos”, o qual remete à necessidade de lançar o valor em seu formato original, ou seja, se o saldo for negativo, esta rubrica somará no crédito; contudo, caso seja positiva, em razão do uso do “menos”, ela será lançada a débito.

Quando o referido indicador apresentar valor negativo, o país é exportador líquido de capitais, uma vez que sua poupança interna é capaz de suportar o nível de investimentos da economia sem a necessidade de importar capital.

No entanto, no caso de possuir um valor positivo, o nível de investimentos interno foi superior à capacidade da economia na geração de poupança, sendo necessário importar capital. Em ambos os cenários devemos sempre considerar a identidade entre investimento e poupança.

Vale observar que há também na conta capital uma importante diferenciação na rubrica de débito, que se refere à descrição do que é formação bruta de capital fixo do governo e o que é formação bruta de capital fixo das empresas. Esse indicador corresponde à soma da formação bruta de capital fixo das empresas e governo.

2.4 A conta de transações correntes Com relação à conta de transações correntes, temos transações correntes com o resto do mundo lançadas como débito, enquanto no caso brasileiro essa conta é lançada no crédito sob a nomenclatura de saldo de transações correntes com o resto do mundo.

Ao lançar como saldo, que pode ser tanto negativo quanto positivo, fica garantido o equilíbrio interno das contas do SCN brasileiro. Em caso de déficit, essa conta deve ser lançada com sinal negativo. Assim, a estrutura de contas se apresenta de forma mais intuitiva para a metodologia utilizada pelo Brasil. Se houver superávit, obviamente, deve ser lançada com o sinal positivo (ROSSETTI, 1992).

Também há uma consideração a ser feita com relação à rubrica de renda líquida enviada ao exterior, sendo que pagamentos e recebimentos de todas as montas estão lançados nas contas de crédito e débito, respectivamente.

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Capítulo 3

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 111),

essa forma mostra-se mais versátil e mais útil se levarmos em conta o aumento da magnitude dos fluxos de renda (principalmente devido ao fator capital) decorrente do crescimento da liquidez internacional e da desregulamentação que marcam a fase atual do capitalismo.

A forma como essas rubricas estão dispostas no sistema de contas nacionais brasileiro permite melhor análise do relacionamento financeiro do Brasil com o exterior, incluindo a facilidade de identificar possíveis problemas de alto endividamento de curto prazo. Cabe observar que a estrutura básica desse modelo também contém uma conta complementar para uso e controle do governo quanto aos itens relacionados à sua atividade.

2.5 A conta complementar do governoO quadro a seguir apresenta os indicadores da conta complementar do governo.

Quadro 3.5 – Conta complementar do governo

Débitos Créditos

Consumo final das administrações públicas Tributos indiretos

Salários e encargos Tributos diretos

Outras compras de bens e serviços Outras receitas correntes líquidas

Subsídios Outras receitas correntes brutas

Transferências de assistência e previdência Menos: outras despesas de transferência

Juros da dívida pública interna Transferências governamentais

Poupança em conta-corrente Transferências intergovernamentais

Transferências ao setor privado

Transferências ao exterior

Utilização total da receita corrente Total da receita corrente

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

Esta conta não tem qualquer relação contábil com as demais contas do sistema nacional, ou seja, não há qualquer necessidade de garantir o equilíbrio externo com as demais contas, visto que esta é uma conta auxiliar e tem as rubricas detalhadas.

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Contabilidade Social

As rubricas mais importantes para termos de controle financeiro correspondem ao pagamento dos juros da dívida pública interna e o recebimento dos tributos. No caso do pagamento dos juros, até 1996 eles eram lançados na conta-corrente e transferências do governo, o que prejudicava a melhor análise e transparência na análise do pagamento da dívida pública.

A conta complementar de governo engloba os débitos e receitas do governo, em todas as suas esferas: municipal, estadual e federal, incluindo todas as autarquias e fundações.

A conta complementar, em virtude de incluir dados de municípios, que sabidamente possuem menor controle e transparência com relação às suas despesas e receitas, pode apresentar certas divergências, mas nada que comprometa a fidelidade final dos dados (ROSSETTI, 1992).

Ao contrário da conta de apropriação, a conta complementar descrimina os principais gastos do governo da conta de débito, conforme mostra o quadro a seguir:

Quadro 3.6 – Conta a débito complementar do governo

Consumo final Gastos com salários e encargos

Compras de bens e serviços

Gastos com subsídios

Gastos com transferências

Gastos relativos ao pagamento dos juros da divida interna

Fonte: Adaptação de Rossetti (1992).

Diante desse contexto, cabe destacar que há necessidade de se analisar com mais prudência três rubricas dessa estrutura complementar de governo, sendo elas: transferências governamentais, transferências intergovernamentais e transferências ao setor privado.

Essa atenção especial se faz necessária em razão da possibilidade de dupla mensuração das rubricas, ou seja, o governo federal, por exemplo, lançar uma transferência de um valor X para um município e este mesmo município também lançar o recebimento do governo federal.

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Capítulo 3

Em virtude de existir apenas uma rubrica de “transferências governamentais”, há o risco de haver dois lançamentos iguais que podem resultar em dois erros: o primeiro é a anulação contábil dos valores, ou seja, uma esfera lança a débito e outra a crédito, o que zera o valor total. Ou ambas lançarem a crédito ou a débito, o que dobra o valor.

Diante dessa hipótese, devemos ficar atentos e realizar apenas um lançamento, preferencialmente da esfera superior, ou seja, seguindo a ordem: federal, estadual e municipal, respectivamente.

A conta complementar do governo também permite melhor análise sobre as principais fontes de financiamento daquelas esferas de governo, bem como da participação do governo federal como importante gerador de receita para os Estados e municípios.

De uma forma geral, essa conta complementar é utilizada pelo governo federal para acompanhar suas metas fiscais, o pagamento de juros e o grau de dependência das esferas municipais e estaduais relativas à necessidade de transferências do governo federal (NOGAMI, 2012).

2.6 A construção de um modelo completo de contas nacionais para o BrasilComo temos feito desde o início dos estudos, iniciamos apresentando um exemplo simples e vamos aprofundando nossos estudos com a inclusão de novas variáveis. A mesma didática é utilizada para apresentar a evolução das contas nacionais no Brasil e o impacto dessas metodologias na estruturação das contas brasileiras.

Até 1986, quando a FGV era responsável pela elaboração das contas nacionais e a estrutura utilizada muito se assemelhava ao padrão estabelecido pela ONU. Entretanto, quando o IBGE assume a responsabilidade, as contas nacionais do Brasil ganham um novo formato, sendo que entre 1986 e 1996 esse Instituto adotou a mesma estrutura em utilizada pela FGV. Contudo, entre 1996 e 1998 iniciou um processo de pesquisa e reformulação das contas, concebendo um modelo que está em vigência até hoje, o qual passou a ser implementado em 1997 e teve sua finalização metodológica e prática em 1998.

Ao contrário dos primeiros modelos de contas nacionais, que foram elaboradas exclusivamente com base nas sugestões do SNA, da ONU, este novo modelo teve, além da participação do SNA, a participação ativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Comissão das Comunidades Europeias (CCE), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Banco Mundial (BM).

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Contabilidade Social

É importante observar que em meados da década de 1990, mais precisamente em 1994, o plano real entrou em vigor e, desde então, o controle inflacionário se tornou uma realidade no Brasil. Diante dessa estabilidade da economia e também da dependência do capital externo, em especial do FMI e do Banco Mundial, se fez necessário adaptar a metodologia das contas nacionais brasileiras para essa nova fase do capitalismo.

Por essa razão, além da SNA, o governo brasileiro utilizou na elaboração da referida metodologia a contribuição de importantes instituições de crédito

internacional visando a obter maior transparência do controle das contas públicas brasileiras, o que permitiu antever um possível default do pagamento dos juros ou amortização da dívida.

Além dessa premissa, houve também a preocupação do governo em alinhar as contas nacionais ao novo estágio da globalização, uma vez que o Brasil no início daquela década promoveu, de forma mais intensa, a abertura de suas fronteiras econômicas e, em razão disso, abriu

caminho para o desenvolvimento de seu mercado financeiro.

A reformulação metodológica das contas nacionais também se deu em razão das séries históricas do FMI e Banco Mundial, alinhando tal metodologia àquela utilizada por eles, evitando assim problemas de incompatibilidade entre as séries em casos de relacionamentos entre o governo brasileiro e as referidas instituições (IBGE, 2011).

Essas mudanças promovidas pelo IBGE respeitaram a base conceitual aplicada até então pela FGV. Contudo, há uma acentuada alteração na forma como as contas passaram a ser apresentadas, uma vez que foram excluídos os termos crédito e débito, passando-se a utilizar recursos e usos.

Também há dois pontos em especial que serão apresentados na sequência. O primeiro refere-se ao conceito das Contas Econômicas Integradas (CEI), que tem base no conceito do sistema de contas nacionais do Brasil, porém aprofunda as relações entre os agregados macroeconômicos, permitindo analisar de forma mais clara o desempenho de setores da economia, incluindo indicadores relacionados às atividades das esferas municipal, estadual e federal. O segundo diz respeito à Tabela de recursos e usos de bens e serviços (TRU).

Default corresponde à probabilidade de um país dar o calote e não pagar os juros da dívida externa. Seu principal indicador é o risco país, publicado pelo banco John Pierpont Morgan (J.P. Morgan).

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Capítulo 3

A CEI compreende a nova estrutura de contas nacionais do Brasil, e a TRU um instrumento auxiliar. Segundo descrição do portal do IBGE:

As Contas Econômicas Integradas representam o núcleo central do Sistema de Contas Nacionais, que consiste em uma sequência de contas de fluxos inter-relacionadas, detalhadas por setor institucional, incluindo empresas financeiras, empresas não financeiras, administração pública e famílias. Mostram, também, as relações entre a economia nacional e o resto do mundo. As Tabelas de Recursos e Usos fornecem estimativas, a preços correntes e constantes do ano anterior, da oferta e demanda de bens e serviços desagregadas por produtos. As tabelas de produção e de consumo intermediário mostram os bens e serviços produzidos e consumidos pelas atividades econômicas. As tabelas de recursos e usos contêm os componentes do valor adicionado e o total de pessoas ocupadas, por atividade econômica, a partir de estatísticas primárias (demografia, agropecuária, indústria, comércio, serviços, construção civil, transportes, etc.), originárias do IBGE e de outras instituições. (IBGE, 2014).

Esse texto reafirma a alteração dos termos de crédito e débito para recursos ou usos.

Seção 3Contas econômicas integradas

3.1 A atual estrutura das contas nacionais do BrasilO sistema de contas integradas consolida, basicamente, as mesmas rubricas do modelo de contas nacionais, com exceção da forma como estão dispostas, uma vez que há ausência de um razonete contábil e também das contas de produção, apropriação, governo, capital e transações com o exterior.

Embora não tenhamos os mesmos razonetes do sistema de contas nacional, em momento algum essas cinco contas devem estar desprovidas de equilíbrio interno e externo. Essa máxima também é válida para a estrutura de contas integradas. O quadro a seguir apresenta a estrutura das contas econômicas integradas e o seu lançamento como recursos ou usos.

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Contabilidade Social

Quadro 3.7 – Produção

Recursos Operações e saldos Usos

X Produção

X Importação de bens e serviços

X Imposto sobre produtos

X Imposto de importação

X Demais impostos sobre produtos

Consumo intermediário X

Consumo final X

Formação bruta de capital fixo X

Variação de estoques X

Exportação de bens e serviços X

Total

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Podemos verificar que o quadro apresentado contém informações estritamente relacionadas ao processo de produção de uma economia, incluindo todas as suas relações com o exterior. Ele sintetiza de maneira muito simples tudo o que foi produzido e consumido pelo mercado interno, bem como tudo aquilo que foi transacionado com o restante do mundo e dos impostos gerados por essas operações.

3.2 O quadro do PIBNa sequência apresentamos uma relação de quadros, os quais permitem uma análise mais detalhada sobre as contas referentes aos cálculos do PIB, renda nacional bruta e a conta de capital.

Quadro 3.8 – Produto Interno Bruto

Usos Operações e saldos Recursos

Produção X

X Consumo intermediário

Imposto sobre produtos X

X Produto Interno Bruto

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

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Capítulo 3

Esse quadro apresenta os pontos necessários à elaboração do PIB. Nele temos que a produção total é lançada como recursos, o consumo intermediário corresponde às matérias-primas utilizadas durante o processo produtivo e, por fim, os impostos que incidiram sobre a produção.

Quadro 3.9 – Excedente Operacional Bruto

Usos Operações e saldos Recursos

Produto Interno Bruto X

X Remuneração dos empregados

X Impostos líquidos de subsídios

X Excedente operacional bruto, inclusive rendimento de autônomos

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

No mesmo sentido que no quadro do PIB, o quadro apresentado consolida a remuneração dos empregados, a qual é fundamental para o consumo da economia. Assim como ocorre na produção, também temos relacionado os impostos que incidem sobre a remuneração do trabalhador, que resulta no excedente operacional bruto.

Quadro 3.10 – Renda Nacional Bruta

Usos Operações e saldos Recursos

Excedente operacional bruto, inclusive rendimento de autônomos X

Remuneração dos empregados X

Impostos sobre a produção e importação X

Subsídios à produção X

X Rendas de propriedades enviadas e recebidas do resto do mundo

X Renda nacional bruta

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Cabe destacar que as três macrocontas presentes nos quadros Produto Interno Bruto, Excedente Operacional Bruto e Renda Nacional Bruta Excedente estão relacionadas com a forma como a renda nacional de uma economia é consumida, tendo por princípio mensurar a renda nacional a partir do valor do PIB, com o diferencial de explicar a renda por meio das variáveis de consumo e poupança.

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Contabilidade Social

3.3 A renda disponível brutaEssa conta tem como função demonstrar a forma como a renda foi recebida pelos agentes econômicos, incluindo a renda externa e o resultado final em renda disponível bruta.

Quadro 3.11 – Renda disponível bruta

Usos Operações e saldos Recursos

Renda nacional bruta X

X Transferências correntes enviadas e recebidas do resto do mundo X

X Renda disponível bruta

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Em virtude de haver transações com o resto do mundo, a conta de renda disponível bruta também deve considerar ainda todas as transferências envidas e recebidas do resto do mundo.

Quadro 3.12 – Poupança bruta

Usos Operações e saldos Recursos

Renda disponível bruta X

X Consumo final

X Poupança bruta

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Pela lógica, sabemos que o que não é consumido é poupado e assim encerramos a sequência de contas referentes à renda, sendo que ela especifica a forma como a renda bruta foi alocada entre o consumo e a formação de poupança bruta.

3.4 O investimentoPor identidade, sabemos que a poupança é necessária ao investimento de uma economia. Sem poupança, não há como viabilizar investimentos. Então, precisamos também quantificar a necessidade de financiamento.

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Capítulo 3

Quadro 3.13 – Necessidade de financiamento

Usos Operações e saldos Recursos

Poupança bruta X

X Formação bruta de capital fixo

X Variação de estoques

X Necessidade de financiamento

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Essa conta novamente nos remete à identidade e poupança, com a função de informar se o país teve condições de financiar internamente todos os seus investimentos ou se houve necessidade de captação externa de poupança.

3.5 Transações com o resto do mundoCabe ressaltar que este modelo é para uma economia aberta, o que inclui todas as transações com o resto do mundo e, não apenas transações comerciais, mais também as que envolvem capital.

Quadro 3.14 – Transações com o resto do mundo

Usos Operações e saldos Recursos

X Exportação de bens e serviços

Importação de bens e serviços X

X Remuneração dos empregados não residentes X

X Rendas de propriedades enviadas e recebidas do resto do mundo X

X Transferências correntes enviadas e recebidas do resto do mundo X

Saldo de operações correntes com o resto do mundo X

Fonte: Adaptação de Paulani e Braga (2007).

Essa conta de transações com o resto do mundo tem como função registrar as operações correntes com economias internacionais. Seu objetivo é registrar o resultado final das operações e, em especial, informar se o país foi importador ou exportar de líquido de capitais.

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Contabilidade Social

Diante do exposto, finalizamos a parte de contas econômicas integradas, evidenciando a forma como essas contas estão relacionadas em sua base conceitual com as contas de produção, apropriação, governo, capital e transações com o exterior.

As contas integradas econômicas têm como objetivo apoiar a tomada de decisão de formadores de políticas econômicas e setoriais no Brasil, pois seu uso, em conjunto com a Tabela de Recursos e Usos desenvolvida pelo IBGE, permite maior e melhor análise de uma grande quantidade de informações.

A combinação entre CIE e TRU propicia, por exemplo, que um analista mensure o PIB brasileiro por meio das óticas da renda dispêndio e valor adicionado, além de fornecer ricas informações sobre as atividades das três esferas do governo e o relacionamento entre elas, conforme estudaremos na sequência.

Seção 4Tabela de recursos e usos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

4.1 TRU: Um instrumento auxiliarA tabela de recursos e usos do IBGE é um eficiente instrumento de mensuração da produção nacional, que nos fornece importantes indicadores por setor e produto na economia, permitindo assim mensurar de maneira pontual e direta o desempenho dos mesmos, bem como verificar a evolução daqueles indicadores em cada setor.

Segundo o IBGE (2008, p. 27),

o principal objetivo das TRU é a análise dos fluxos de bens e serviços e dos aspectos básicos do processo de produção (estrutura de insumos e estrutura de produção de produtos por atividade e a geração da renda). Resultam, portanto, dois elementos fundamentais na sua construção: atividades econômicas (conjuntos de agentes do processo de produção) e produtos (conjunto de bens e serviços).

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Capítulo 3

Para fins de cálculo da tabela de recursos e usos, devemos considerar que uma unidade produtiva corresponde ao espaço físico onde se realiza uma atividade econômica, seja ela a produção de um bem ou o fornecimento de um serviço.

Nesse sentido, um setor corresponde à agregação de atividades econômicas que tenham em si alguma relação homogênea quanto ao seu fim, ou seja, quanto ao fornecimento de um produto ou serviço ao consumidor final.

Esta definição pode parecer lógica, mas há um ponto muito importante que precisa ser destacado. Quando falamos em unidades de produção, podemos incluir nessas unidades diferentes atividades desempenhas por uma mesma empresa, ou seja, uma empresa pode ao mesmo tempo ser responsável pela produção de um produto, pela sua embalagem e pelo seu transporte.

Diante desse contexto, ao elaborar a tabela de usos e recursos, devemos fazer a devida divisão desses processos, mensurando cada atividade de acordo com o produto ou serviço prestado e não simplesmente mensurando o produto final da empresa em um único setor.

Vamos imaginar, por exemplo, uma empresa que produza roupas. Nesse caso, o produto “roupa” deve ser mensurado no setor de vestuário, enquanto o produto embalagens no setor de embalagens e os transportes no setor de logística. Segundo o IBGE (2008, p. 27),

mesmo desenvolvendo uma única atividade, as unidades locais podem produzir acessoriamente, por necessidade de ordem técnica ou questões de mercado, produtos típicos de outras atividades; neste caso, são classificadas em função de sua produção principal, resultando, assim, uma produção secundária de produtos não característicos de sua atividade principal.

Cabe destacar que a tabela de usos e recursos do IBGE é composta por seis quadrantes que consolidam informações sobre importantes variáveis nas contas do cálculo do PIB, sendo elas: oferta, que é duplicado, produção, importação, consumo intermediário e demanda final. Por sua vez, esses quadrantes são subdivididos conforme mostra a figura na sequência, IBGE (2008, p. 25).

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Contabilidade Social

Figura 3.1 – Recursos e usos

Tabela de recursos e usos

I - Tabela de recursos de bens e serviços

Oferta Produção Importação

A = A1 + A2

II - Tabela de usos de bens e serviços

Oferta Consumo Intermediário Demanda Final

A = B1 + B2

Componentes do valor adicionado

C

Fonte: IBGE (2008).

Como podemos notar, a tabela demonstra a oferta total de produtos em uma economia, sendo que, logicamente, ela é composta pela produção total da economia mais o que foi importado durante o período de análise. Pela mesma lógica, nós também temos a tabela de usos de bens e serviços, onde a oferta total corresponde ao consumo intermediário mais a demanda final.

Sendo assim, a parte superior da Tabela I (recursos de bens e serviços) separa por origem a oferta total de produtos em uma economia, os quais são divididos entre nacional e importado. O primeiro quadrante (A) nos fornece a oferta total da economia determinada a preços de mercado para o consumidor, além das margens praticadas pelo comércio, transporte e a soma de todos os impostos sobre o produto.

Dessa forma, temos duas diferentes margens. Uma para o comércio, que corresponde ao valor adicionado ao produto para venda ao consumidor final, e

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Capítulo 3

a segunda que diz respeito à margem do transporte. Esta diferenciação é feita com base no conceito que o transporte também corresponde a uma atividade de adição de valor.

Segundo o IBGE (2008, p. 59),

um bem situado num determinado local é reconhecido como tendo uma qualidade diferente do mesmo bem em outro local, de modo que transporte de um local para outro é um processo de produção no qual ocorre uma transformação, economicamente significativa, mesmo que o bem não sofra alterações.

Assim, quando há transporte, existe uma diferenciação quanto à formação de preço do produto final, separando no componente preço o que é margem referente ao produto e o que é custo e margem de transporte.

Quanto aos impostos, como parece lógico, corresponde ao percentual do preço referente ao somatório de todos os impostos incidentes sobre o produto ofertado ao consumidor final.

O segundo quadrante (A1) nos fornece a produção interna da economia. Já no terceiro quadrante (A2) temos a contabilidade das importações separadas, primeiro, pela simples importação de bens e serviços e, segundo, pela importação de bens e serviços sem emissão de notas de câmbio.

Como estamos falando em comércio exterior, convém lembrar que podemos classificar as transações com exterior de acordo com a forma de contabilidade, sendo a Cost, Insurance and Freight (CIF) ou Free On Board (FOB). A partir dessa classificação, temos que os produtos do quadrante A2 podem ser divididos de acordo com o quadro a seguir, segundo IBGE (2008, p. 26):

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Contabilidade Social

Quadro 3.15 – Informações de CIF e FOB

Importações CIF e FOB (System of National Accounts 1993, cap. 15)

15.68 Nos Sistemas de Contas Nacionais, o total das importações é valorado a preços FOB. Contudo, nos dados sobre fluxos detalhados de importações das estatísticas de comércio exterior (por produto), as importações são geralmente avaliadas a preços CIF. Para conciliar as diferentes valorações utilizadas na importação total e na sua desagregação por produtos, procede-se a um ajustamento global CIF/FOB nas importações.

15.69 O registro no quadro dos recursos da importação e do ajustamento CIF/ FOB efetua-se da seguinte forma:

(a) As importações de bens, detalhadas por produtos, são avaliadas a preços CIF.

(b) Todos os serviços de transporte e de seguro relativos à importação, prestados por produtores residentes e não residentes e incluídos no valor CIF da importação por produtos são globalmente deduzidos (ver a coluna das importações de bens e a linha do ajustamento CIF/FOB relativo às importações).

Então, no Sistema de Contas Nacionais, o total da importação de bens é sempre registrado a preços FOB no quadro.

(c) Os serviços de transporte e seguro relativos à importação que são prestados por produtores não residentes são registrados como importações de serviços (sendo parte do montante inscrito nas linhas para serviços de transporte e serviços prestados às empresas inscritos na coluna da importação de serviços).

(d) Os serviços de transporte e seguro relativos à importação que são prestados por produtores residentes estão incluídos na produção de serviços de transporte e seguros dos ramos correspondentes (parte das entradas nas linhas dos serviços de transporte e serviços prestados às empresas nas colunas da produção dos respectivos ramos de atividade).

(e) A oferta interna e importada de serviços de transporte e seguro relativos à importação – isto é, (c) e (d) – não é reportada aos utilizadores como serviços de transporte e seguros porque o valor desses serviços relativos à importação já está incluído no valor CIF da importação de bens e, portanto, não se deve incluir na oferta total de serviços de transporte e seguros. Assim, os serviços de transporte e seguros relativos à importação prestados por produtores residentes e não residentes têm que ser retirados da oferta total desses serviços no quadro dos recursos (na coluna do ajustamento CIF/FOB sobre a importação nas linhas dos serviços de transporte e serviços prestados às empresas).

(f) Esses serviços são registrados na linha do ajustamento CIF/FOB, de forma que os totais da linha e da coluna de ajustamento são iguais a zero.

Fonte: IBGE (2008).

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Capítulo 3

Por sua vez, a Tabela II, de usos de bens e serviços, disposta na parte inferior da figura recursos e usos nos fornece os indicadores de equilíbrio entre a oferta e demanda, além da estrutura de custos por atividade econômica, detalhadas de acordo com o setor e produto.

Assim como na Tabela I, o primeiro quadrante nos fornece a oferta total da economia. Contudo, em vez de apresentar a oferta total e as importações, conforme a Tabela I, a Tabela II nos fornece por meio do quadrante B1 todos os insumos que foram utilizados no processo produtivo das atividades descritas.

Já o quadrante seguinte, B2, nos apresenta o saldo final correspondente à demanda, sendo dividido por categoria de consumo de acordo com as características dos agentes econômicos e destinação final do produto, sendo eles:

1. Consumo final das famílias.

2. Consumo final das administrações públicas.

3. Formação bruta de capital fixo.

4. Variação de estoques.

5. Exportações.

Por fim, temos o último quadrante (C), que nos fornece os custos de produção incorridos durante o processo produtivo, em especial a remuneração dos empregados e todos os impostos aplicados durante tal processo, extinguindo-se os impostos aplicados no produto ao consumidor final. Essa conta é finalizada com a apresentação do rendimento misto bruto e do excedente operacional bruto.

Para melhor exemplificar o funcionamento da tabela de usos e recursos, a figura na sequência traz uma demonstração prática, segundo IBGE (2011, p. 78).

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106

Capítulo 3

Conforme podemos verificar, essa primeira tabela demonstra a oferta total da economia a preços de mercado ao consumidor, além das margens praticadas pelo comércio, transporte e a soma de todos os impostos sobre o produto. Sua primeira coluna corresponde aos preços praticados ao consumidor, enquanto a última corresponde aos preços básicos.

Quando falamos em produção, também nos referimos em valor adicionado, ou seja, do consumo intermediário necessário ao processo produtivo. Por exemplo, para confecção de uma roupa se faz necessário algodão, que é demandando do setor agrícola, bem como botões, que são demandados do setor industrial. Assim, além de conhecer a produção, é de fundamental importância conhecer a dinâmica econômica, em especial o consumo intermediário por setores que, no nosso exemplo, está descrito na Tabela II, a qual é expressa pela figura a seguir.

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107

Contabilidade Social

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108

Capítulo 3

A tabela anterior mostra qual o consumo intermediário das atividades, ou seja, qual foi o dispêndio por setor para seu processo produtivo. Ainda no que diz respeito à Tabela II, ela nos fornece o relacionamento e equilíbrio entre a oferta e demanda, de acordo com os setores da economia, além da estrutura de custos por atividade econômica, também por setor e produto, conforme mostra a próxima figura.

Por sua vez, também temos a demanda final dos produtos resultantes do processo produtivo, que também são descritos pela tabela de usos e recursos.

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109

Contabilidade Social

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110

Capítulo 3

A Tabela II também nos fornece a demanda final pelo produto, incluindo a parte referente ao comércio exterior, a parte referente ao consumo das famílias, a formação bruta de capital fixo e a variação de estoques, todos esses indicadores importantes e estratégicos, que também são mensurados pela conta econômica integrada.

Conforme podemos notar, o somatório da demanda total da Tabela II, que corresponde a R$ 6.286.613,00 é exatamente igual à oferta total de bens e serviços a preços do consumidor, descritos na Tabela I.

Ao contrário das contas econômicas integradas, a tabela de usos e recursos é um instrumento fundamental para avaliação de políticas econômicas setoriais, em especial a evolução do comércio exterior e a importância de cada setor da economia na formação do PIB.

Por fim, cabe destacar que a tabela de usos e recursos não substitui, de maneira alguma, o sistema de contas nacionais, sendo apenas um instrumento complementar para auxiliar os formuladores de políticas econômicas.

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111

Habilidades

Seções de estudo

Capítulo 4

Balanço de pagamentos

Seção 1: O balanço de pagamentos

Seção 2: Estrutura do balanço de pagamentos

Seção 3: Convergência entre contabilidade social e balanço de pagamentos

Seção 4: O balanço de pagamentos no Brasil

No presente capítulo você desenvolverá a habilidade de identificar a estrutura do balanço de pagamento de um país, bem como interpretar seu funcionamento. Desenvolverá ainda as habilidades de analisar cenários que descrevam a realidade de uma economia de modo a auxiliar empresas na formulação de suas estratégias gerenciais e na tomada de decisões, e de compreender de maneira mais direta a relação entre a contabilidade social e a macroeconomia.

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112

Capítulo 4

Seção 1O balanço de pagamentos

1.1 O balanço de pagamentos e a globalizaçãoO balanço de pagamentos figura entre os principais e também os mais complexos indicadores de uma economia, em virtude do número de variáveis necessárias à sua elaboração, principalmente em relação ao adiantado processo de globalização experimentado hoje pela maioria dos países do globo. O fenômeno da globalização fez nascer a divisão internacional do trabalho, acontecimento que é associado à livre mobilidade de capital e que favoreceu o surgimento das empresas multinacionais, sendo elas as responsáveis por investimentos produtivos no mundo (CASTELLS, 1999).

Ao analisar economias capitalistas mais desenvolvidas, notamos que elas se relacionam com dezenas de países ao redor do globo. Em geral, esses países transacionam diariamente uma série de recursos, em especial bens e serviços, fatores de produção e, principalmente, ativos financeiros.

Uma relação comercial é fundamental para o desenvolvimento da economia interna, seja pela necessidade de matéria-prima, o que condiciona a dependência de insumos produtivos, seja pela necessidade de exportação, para garantir o nível de emprego e renda.

Esse movimento, chamado de comércio exterior, que corresponde à soma das exportações e importações, configura-se como importante indicador econômico, em especial pelo fato de suas atividades constituírem importantes indicadores para os agregados macroeconômicos, uma vez que muitos países são extremamente dependentes de exportações e importações, sendo que a corrente de comércio tem destaque especial na mensuração do Produto Interno Bruto (PIB).

A globalização hoje está presente em todos os países, inclusive naqueles de economia mais fechada, como, por exemplo, a Coreia do Norte, que mantém relações comerciais com alguns países, em especial a China.

Por essa razão, não é possível mensurarmos o produto em uma economia sem considerar a produção em outros países do globo. Assim, da mesma forma que as transações comerciais entre países constituem importante variável de análise, o relacionamento financeiro entre eles também deve ser analisado com maior nível de detalhes, principalmente por questões de nível de poupança e, por identidade, do investimento.

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113

Contabilidade Social

Nesse sentido, ao analisar o balanço de pagamentos de um determinado país, devemos considerar que a “existência de transações econômicas internacionais produz inúmeras implicações não só para as contas nacionais, como para a própria teoria macroeconômica” (PAULANI; BRAGA, 2007, p. 132).

Cabe destacar que as cinco contas relacionadas ao sistema de contas nacionais estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que são Produção, Apropriação, Capital, Governo e Transações com o Exterior, mensuram, em especial a última, não apenas as atividades internas, como também todos os lançamentos correspondentes ao relacionamento comercial com o resto do mundo. As exportações, importações e renda líquida enviada ao resto do mundo são as principais rubricas da conta de transações com exterior.

Nesse contexto, o balanço de pagamento é uma expansão refinada da conta de transações com exterior, sendo por meio dela que conseguimos mensurar não somente a produção interna, mas também o desempenho da economia local em relação ao restante do mundo.

1.2 Globalização e o avanço tecnológicoEm tempos de globalização, analisar e mensurar o balanço de pagamento constitui um diferencial, em especial para a economia de um país, pois permite observar as principais dependências econômicas com o exterior, bem como as principais vantagens comparativas da economia nacional em relação às demais economias.

O avanço das tecnologias da informação proporcionou uma ligação praticamente instantânea entre todas as economias do mundo, além do rápido processamento de informações, que auxilia o tomador de decisão na hora de lidar com as complexas transações que o mercado estabelece.

Tal avanço, combinado com as correntes ideológicas que pregavam a desregulamentação dos mercados e a liberalização econômica, proporcionou a formação de uma nova conjuntura econômica e geopolítica em nível mundial, que ao mesmo tempo que possibilitou a mobilidade do capital se criou uma dependência econômico-financeira entre os países, não sendo mais possível uma tomada de decisão sem repercussões de âmbito mundial.

Essa livre mobilidade do capital facilitou os investimentos produtivos, embora eles sejam fracionários comparados aos investimentos de portfólio, muitos deles apenas especulativos, não gerando emprego nem produto. Com o apoio das tecnologias, as empresas passaram a atuar de forma global, em que as instituições trabalham regidas pela dinâmica “escala planetária” (CASTELLS, 1999).

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114

Capítulo 4

Não há dúvidas de que o avanço da tecnologia permitiu maior integração entre as economias, denotando a necessidade de um instrumento econômico capaz de mensurar a relação entre os países. Por essa questão o balanço de pagamento assume papel central na elaboração de indicadores e organização das contas nacionais.

Seção 2Estrutura do balanço de pagamentos

2.1 A definição de agentes econômicos residentes e os não residentesA estrutura do balanço de pagamentos permite registrar todas as transações de uma economia nacional com o restante do mundo. Se considerarmos a essência dessas transações, concluímos que, de forma geral, elas são constituídas por agentes econômicos residentes que se relacionam com não residentes.

Essa relação de transações de uma economia nacional com o restante do mundo se constitui entre um residente de um país, que representa uma família, empresa ou governo, e um residente de outro país, aqui caracterizado por não residente, em que ambos efetuam alguma transação.

Em termos conceituais são considerados residentes toda pessoa que, ao residir em um país, o constitui como principal motriz econômica. A partir dessa base, temos que residentes são todos aqueles que possuem residência fixa em um país, bem como todas as empresas que constituem suas atividades no país. Nessa categoria temos, inclusive, as empresas multinacionais com filiais no país. Entretanto, além de pessoas e empresas, também temos o governo (KPMG, 2012).

Única exceção para esse terceiro caso são as embaixadas e consulados do país residente nos demais países. Por exemplo: a embaixada do Brasil em qualquer país é considerada residente do Brasil. No mesmo sentido, pessoas em viagem de turismo ou negócios a outros países são considerados residentes do Brasil.

contabilidade_social.indb 114 02/10/14 15:24

115

Contabilidade Social

No caso brasileiro, segundo a KPMG (2012), o residente é definido por:

1. Aquele que resida em caráter permanente no Brasil.

2. Que se ausente do Brasil para prestar serviços assalariados a autarquias ou repartições do governo brasileiro situados no exterior.

3. Estrangeiro com visto permanente, estrangeiro com visto temporário para trabalhar com vínculo empregatício ou estrangeiro com visto temporário que complete 184 dias (consecutivos ou não) de permanência no Brasil em um período de até doze meses.

4. Brasileiro que adquiriu condição de não residente no Brasil com retorno definitivo.

5. Brasileiro que se ausente do país sem entregar a comunicação de saída definitiva ao órgão responsável durante os primeiros doze meses consecutivos de sua ausência.

Desta forma, os não residentes são constituídos, basicamente, por turistas temporários e por qualquer outro exemplo que não se enquadre nas especificações anteriores.

Além dessas definições, devemos lembrar que todas as transações de comércio exterior são, obrigatoriamente, efetuadas em base no dólar dos Estados Unidos da América (US$). Embora países possam realizar transações em diferentes moedas, como o Euro, por exemplo, para fins de lançamento no balanço de pagamento devemos sempre considerar o dólar americano.

2.2 O balanço de pagamentos no BrasilDesde 2001, tanto o Brasil quanto o resto do mundo tem procurado divulgar o balanço de pagamentos alinhado aos critérios convencionados na 5ª edição do Manual do Balanço de Pagamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nesse manual foram feitas algumas importantes alterações nos critérios de classificação das transações e na nomenclatura das contas. O Banco Central do Brasil (Bacen) elenca essas principais alterações, as quais são apresentadas a seguir:

1. Nas transações correntes, há uma nova classificação das contas: bens, serviços, renda e transferências correntes.

2. Introdução da “conta capital” com o intuito de registrar as transações unilaterais de patrimônio de migrantes e a aquisição/venda de bens não financeiros não produzidos (marcas e patentes).

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116

Capítulo 4

3. Criação da “conta financeira”, substituindo a antiga conta de capital, para registrar a formação de ativos e passivos externos: investimento direto, investimentos em carteira, derivativos e outros investimentos.

4. Inclusão no item investimentos diretos dos empréstimos intercompanhias de qualquer prazo (empresas do mesmo grupo).

5. Reclassificação de todos os instrumentos de portfólio, inclusive, bônus, notes e commercial papers, para a conta de “investimento em carteira”.

6. Criação da conta para registro das operações com derivativos financeiros, anteriormente alocadas na conta serviços e capitais de curto prazo.

7. Estruturação da “conta de rendas” para evidenciar as receitas e despesas geradas por cada uma das modalidades de ativos e passivos externos contidos na conta financeira (salários, juros, lucros e dividendos). (BACEN, 2003).

Podemos notar que, por meio do quadro a seguir, o balanço de pagamentos tem uma estrutura muito robusta e detalhada com relação às transações econômicas com o resto do mundo. Notamos também que ele mantém mesmo princípio das partidas dobradas.

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Quadro 4.1 – Estrutura básica do balanço de pagamentos

Balanço pagamentos

1. Balança comercial

1.1 Exportações

1.2 Importações

2. Balança de serviços

2.1 Transportes: fretes, seguros, etc.

2.2 Turismo e viagens internacionais

2.3 Rendas de capital: remessa de lucros, lucros reinvestidos e juros

2.4 Serviços governamentais

2.5 Diversos

3. Transferências unilaterais

4. Saldo do balanço de pagamentos em transações correntes: 1 + 2 + 3

5. Movimento de capitais

5.1 Investimentos diretos

5.2 Reinvestimentos

5.3 Empréstimos e financiamentos

5.4 Amortizações de empréstimos

5.5 Capitais de curto prazo

5.6 Empréstimos de regularização

5.7 Outros capitais

6. Erros e omissões

7. Saldo total do balanço de pagamentos: 4 + 5 + 6

8. Variação das reservas

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Essa estrutura apresentada corresponde ao modelo básico de um balanço de pagamentos. Contudo, se analisarmos com calma, vamos perceber que grande parte das rubricas deste modelo está presente nas cinco contas do sistema de contas nacional.

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Capítulo 4

É importante ressaltar que o balanço de pagamentos se divide em seis grandes grupos de contas que têm a função de mensurar, de acordo com o bem ou serviço transacionado, todas as operações realizadas pela economia nacional com o exterior. Entre os referidos grupos de contas temos: a balança comercial, a balança de serviços, as transferências unilaterais, o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes, o movimento de capitais e os erros e omissões, as quais serão apresentadas na sequência.

2.2.1 Balança comercialO primeiro grupo corresponde à conta balança comercial, que é a mais conhecida de todas. Diariamente são divulgados no noticiário econômico dados a respeito da balança comercial de diferentes países, mais especificamente sobre questões relacionadas à exportação, importação e, principalmente, seu saldo.

O saldo da balança comercial nada mais é que diferença entre exportações e importações. Contudo, devemos observar que a balança comercial registra o movimento apenas de mercadorias (produtos e bens tangíveis).

No lançamento das contas para o cálculo do mencionado saldo, em virtude da necessidade de respeitar o princípio do equilíbrio interno, as exportações são lançadas na conta de crédito, enquanto as importações na conta de débito. A diferença entre elas nos fornece o saldo. Caso o saldo seja positivo, então temos um superávit na balança comercial. Caso contrário, temos um déficit.

Para a elaboração desse cálculo, tanto exportações quanto importações podem ser contabilizadas de duas maneiras: a primeira delas é chamada Free On Board (FOB), que registra apenas o valor de embarque da mercadoria; a segunda delas é a Cost, Insurance and Fright (CIF), que além do valor de embarque ainda inclui despesas como transporte e seguro.

Como visto, o saldo da balança comercial é dado pelo valor das exportações menos o valor das importações, porém vale lembrar que ambos são contabilizados pelo conceito FOB, pois despesas com transporte e seguro se constituem um serviço, não uma mercadoria.

No caso brasileiro, a balança comercial é uma conta importante, pois ela pode definir se o país será ou não superavitário em suas contas, uma vez que o superávit pode compensar eventuais déficits nas demais contas do balanço.

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2.2.2 Balança de serviçosAlém das mercadorias, o balanço de pagamentos também precisa registrar as transações em termos de serviços. Nesse caso, a conta balança de serviços agrega todos aqueles bens intangíveis que não foram mensurados na balança comercial.

Nesse sentido, a conta de serviços mensura receitas e despesas na área de transportes, viagens internacionais, envios ou recebimentos de juros e lucros, despesas consulares e diplomáticas e, por fim, receitas e despesas com patentes e royalties que, no caso do Brasil, está lançado na rubrica de “diversos”.

Entretanto, Paulani e Braga fazem (2007, p. 135) uma relevante observação sobre a balança de serviços:

é uma conta extremamente importante do ponto de vista do cálculo dos agregados, pois a utilização de fatores de produção de propriedade de não residentes obriga a que se faça uma distinção entre a renda e o produto nacional e a renda e o produto interno.

É importante destacar que, da mesma forma que a conta balança comercial, a balança de serviços também tem suas especificidades. A rubrica de turismo e viagens internacionais, por exemplo, é uma das mais importantes nessa conta. Nesse caso, seguindo a mesma lógica da balança comercial, é feito um lançamento na conta de crédito quando recebemos divisas decorrentes de atividades turísticas, ou seja, quando um não residente realiza gastos no país. No caso inverso, quando um residente viaja ao exterior, seus gastos são lançados na conta de débito.

Assim como a balança comercial divide sua metodologia de cálculo em FOB e CIF, a conta da balança de serviços também pode ter seu lançamento dividido em duas categorias. Os serviços mensurados por essa conta podem ser divididos entre serviços de fatores e serviços de não fatores.

Os serviços de não fatores correspondem, basicamente, aos serviços de transporte e seguro. Já a categoria dos serviços de fatores corresponde às despesas referentes ao pagamento ou recebimento pelo uso de fatores de produção. Nesse caso, o principal fator de produção é o capital e o pagamento ou recebimento desse fator corresponde aos juros ou lucro.

Com relação ao pagamento de juros, temos um importante indicador governamental para mencionar: o superávit/déficit primário, o qual é o resultado das contas do governo, quando mensuradas todas as receitas e despesas do governo, mas desconsideradas as despesas com pagamento dos juros. No entanto, ao passo que são mensuradas junto com os juros, temos o resultado operacional. Nesse cenário, teremos um superávit caso haja um resultado positivo das contas do governo, incluindo os gastos com juros da dívida (interna e externa) de todo o setor de serviços. Porém, se o resultado for negativo teremos um déficit.

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Capítulo 4

2.2.3 Transferências unilateraisDando prosseguimento ao grupo de contas do balanço de pagamentos temos a conta de transferências unilaterais, que tem um conceito mais simples por registrar apenas o pagamento ou recebimento de mercadorias e/ou serviços.

As transferências se constituem, basicamente, no recebimento de renda enviada por familiares que trabalham em outros países e, em um exemplo mais macro, em ajudas humanitárias.

No caso do Brasil, a conta de transferências, a partir de 2004, sofreu grande impacto em razão do alto custo de manter tropas brasileiras na missão de humanitária de pacificação do Haiti.

2.2.4 Saldo do balanço de pagamentos em transações correntesO saldo do balanço de pagamentos em transações correntes é obtido por meio da soma do saldo das três primeiras contas, o qual também é chamado de saldo em conta-corrente.

No mesmo sentido que nas demais contas, o resultado nos permite conhecer o saldo final em transações correntes. Quando o recebimento de recursos é superior ao envio, nós temos um superávit, caso contrário, seguindo sempre a mesma lógica, teremos um déficit.

O balanço de pagamentos deve respeitar o equilíbrio interno. Ou seja, no caso de haver superávit ou déficit, devemos ter alguma outra conta que nos permita equilibrar os fundamentos do balanço.

Analisando o caso brasileiro, a história recente nos mostra que o país é superavitário no mencionado saldo com relação à balança comercial, porém é deficitário na balança de serviços. No que se refere às transferências, visto seu volume limitado, não causam tanto impacto àquele saldo.

2.2.5 Movimento de capitaisNo Brasil, é muito comum o saldo das transações correntes no balanço de pagamentos ser deficitário em razão do pagamento de juros dos títulos públicos, e, se houver um déficit, devemos estar atentos à necessidade de financiamento.

O que fazer para garantir o equilíbrio interno em caso de saldo deficitário nas transações correntes?

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A resposta está nas próximas contas do balanço de pagamentos, em especial na conta de movimento de capitais e na conta de variação de reservas. Entretanto, a primeira alternativa corresponde à contratação de financiamento para equilibrar o saldo nas transações correntes. O modelo é similar ao de uma empresa, ou seja, o país negocia um empréstimo e o mesmo é lançado na conta de capitais.

A conta de movimento de capitais registra todas as movimentações relacionadas aos investimentos, empréstimos e financiamento entre países, a qual é dividida em sete rubricas:

1. Investimentos diretos;

2. Reinvestimentos;

3. Empréstimos e financiamentos;

4. Amortizações de empréstimos;

5. Capitais de curto prazo;

6. Empréstimos de regularização;

7. Outros capitais.

Para países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, os investimentos diretos são extremamente relevantes para a criação de emprego e renda. Nesta conta consideramos todos os investimentos relacionados a aquisições e vendas de empresas, sendo também conhecido como Investimento Direto Externo (IDE) e tem por objetivo o investimento produtivo.

Em virtude da importância dessas rubricas, vamos, na sequência, aprofundar nossos estudos a respeito do papel de cada uma delas.

2.2.5.1 Investimento direto externoO investimento direto externo ocorre quando uma empresa estrangeira detém participação majoritária em empresa nacional, tornando-se assim uma multinacional, caso ainda não possua essa posição.

Esse conceito de IDE é altamente vinculado ao controle da empresa nacional, pois “o investimento externo direto envolve a compra de cotas ou ações em empresas no exterior com o propósito de exercer controle sobre a empresa receptora do investimento” (GONÇALVES, 1998, p. 123).

A ocorrência do IDE geralmente se concretiza por motivos estratégicos, relativos ao mercado e recursos necessários à produção. Ele pode ser dividido basicamente em dois tipos: fusões/aquisições e greenfield. O IDE via fusões e aquisições ocorre quando o controle da empresa nacional é passado à empresa

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Capítulo 4

estrangeira via compra das ações, de maneira que o parque produtivo tão somente muda seu detentor legal. Já o IDE greenfield é um investimento novo, no qual uma organização estrangeira ingressa no país com capital e constrói um parque produtivo do zero.

A decisão de uma empresa sobre o investir ou não em países está muito mais vinculada à estratégia multinacional e organização industrial que a questões de comércio internacional.

A princípio, as empresas buscam obter algumas vantagens no IDE, como a vantagem de propriedade, que evita transtornos advindos do comércio e reduz custos de transação, vantagem locacional referente à redução de custos de logística, redução de tarifas de comércio internacional e a vantagem de internalização, trazendo estratégias de verticalização para empresas multinacionais, quando a empresa engloba outra etapa da cadeia produtiva, ou internaliza a produção de algum produto no qual tenha interesse, diminuindo seus riscos. Outro ponto relevante corresponde a fatores conjunturais. Esse é certamente um ponto considerado por uma empresa estrangeira ao realizar um investimento em outro país.

Entretanto, esses fatores não são capazes de determinar, sozinhos, o investimento direto externo realizado. Tais fatores influenciam, porém não determinam o investimento direto externo, uma vez que todas as variáveis reais da economia, taxa de câmbio, inflação, juros (quando relativamente estáveis) não influem tanto na decisão do IDE quanto fatores estruturais.

Os fatores estruturais possuem grande influência. Variáveis reais como crescimento econômico, volume de comércio, fundamentos econômicos, fatores culturais e infraestrutura geram uma expectativa de retorno, a qual é o ponto-chave da decisão a respeito da realização do IDE.

No caso do investimento de portfólio (ações, títulos públicos, debêntures, entre outros), a lógica seria inversa, uma vez que interessam nessa ótica os fatores conjunturais, as taxas de juros e de câmbio, pois são esses indicadores que vão determinar o lucro no futuro.

Na prática, a diferença fundamental entre o investimento externo direto e o de portfólio corresponde ao foco do primeiro na questão produtiva do segundo na questão financeira. Dessa forma, o IDE está muito mais relacionado à estratégia de atuação das empresas multinacionais e à teoria da organização industrial e suas estratégias.

Debênture é um título de dívida de médio ou longo prazo emitido por empresas e que confere ao detentor um direito de crédito contra a empresa emissora. Quem investe em debêntures se torna credor da empresa. No Brasil, as debêntures são uma das formas mais antigas de captação de recursos privados.

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Cabe destacar que são três os fatores determinantes para o IDE: busca de mercado, busca de recursos naturais e busca de eficiências. A busca de mercado determina um investimento a partir do momento em que se percebe que há uma demanda local que justifique o investimento, uma vez que os custos com o comércio internacional será abandonado, tornando mais viável a produção local. Esse fator determinante é semelhantemente à busca por recursos naturais e matéria-prima, pois o IDE pode reduzir substancialmente os custos com aquisição e logística de insumos produtivos.

No que se refere à busca por eficiência, ela está relacionada à lógica econômica de vantagem absoluta e vantagens comparativas, ou seja, sobre a maior eficiência de um país para produzir determinado produto de acordo com um conjunto de fatores locacionais, pela disponibilidade de recursos e de uma estrutura de apoio já existente.

A busca pela eficiência também está relacionada à utilidade marginal de um recurso (fator produtivo), a qual é maior onde ele é mais escasso, em especial quando esse recurso for capital ou tecnologia.

Conforme Gonçalves (1998, p. 114),

em termos gerais, o deslocamento de um fator de produção de uma economia onde ele é relativamente abundante para outra em que é relativamente escasso significa um aumento da produção e da produtividade no país destino [...].

Há, ainda, outro fator determinante do IDE: o ambiente institucional, que pode ser considerado uma vantagem locacional. Essa abordagem institucional considera o ambiente formado pelas instituições como uma vantagem locacional e, portanto, deverá constituir-se em uma peça central na explicação dos fluxos de IDE. Esse ambiente institucional inclui:

• Instituições políticas e o sistema judicial.

• Instituições econômicas.

• Fatores culturais.

Os efeitos do IDE em um país são geralmente benéficos no curto prazo, gerando uma dinamização da economia e aumento da poupança interna, desde que o investimento estrangeiro não se constitua num monopólio ou não afete incisivamente a estrutura de mercado preexistente.

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Capítulo 4

Não há muitos impactos negativos relacionados ao IDE no aspecto econômico. Nesse cenário apenas as variáveis ambientais e sociais precisam ser mais bem detalhadas, caso a caso, para saber o IDE ou o investimento tipo greenfield, os quais serão benéficos para a sociedade. Segundo Sodersten (1979, p. 440),

a essência dos investimentos diretos é que faz com que um dos três fatores de produção, a capacidade de gerenciamento ou a eficiência organizacional (M) trabalhe com os outros dois. Portanto, a produtividade marginal do trabalho e do capital aumenta no país em que o investimento é efetuado. Isso leva ao aumento dos salários para os trabalhadores e ao acréscimo do retorno de capital em função do investimento estrangeiro.

Em síntese o que se busca ao realizar um IDE é o aumento de retorno sobre o capital investido ou diluição dos riscos envolvidos no negócio, os quais consistem basicamente em formulação de estratégias empresariais, de modo que a empresa buscará geralmente uma verticalização ou diversificação concêntrica aproveitando sinergias e redução de gastos com impostos ou comércio.

2.2.5.2 ReinvestimentoA rubrica de reinvestimento consolida todo capital de empresas multinacionais que, ao invés de retornar ao país de origem sob a forma de remessa de lucro, permanecem na economia interna em forma de investimento das operações da empresa. Ou seja, há um reinvestimento, visto que o IDE se refere à primeira rodada de investimentos.

Partindo do princípio que a remuneração do capital ocorre por meio do lucro, o reinvestimento nada mais é que utilizar o lucro para reinvestir na empresa. Contudo, em se tratando de lucro não reinvestido, o mesmo é remetido sob a forma de remessa de lucros, sendo inserido no item rendas de capital do balanço de pagamentos.

2.2.5.3 Empréstimos e financiamentosA rubrica de empréstimos e financiamentos consolida todas as dívidas contraídas por residentes no exterior ou por meio de financiamentos no mercado externo. Nesse caso, em especial, as grandes empresas são responsáveis pelo movimento dessa rubrica.

É importante observar que algumas dessas empresas captam investimentos emitindo debêntures no exterior, já outras fazem essa captação por meio de fundos de investimento privado. No entanto, independentemente da forma como os recursos são captados, todas essas movimentações devem ser registradas na rubrica de empréstimos e financiamentos.

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Contudo, essa conta não registra apenas movimentações tipicamente financeiras. Ela também registra operações comerciais em que a forma de pagamento não é vista. Ou seja, quando um importador compra um carregamento, mas não paga a mercadoria em sua totalidade no momento da entrega, ele também está financiando, indiretamente, parte da sua operação e o saldo entre a diferença entre o que foi pago à vista e o que deve ser pago deve ser registrado na rubrica da mencionada conta.

2.2.5.4 Amortizações e empréstimosQuando um agente econômico contrai um empréstimo ele precisa, primeiro, pagar pelo valor principal contraído, o que chamamos de amortização, e, além de amortizar o empréstimo, ele precisa pagar pelos juros.

Nesse sentido, temos a presença da rubrica de amortizações de empréstimos na estrutura do balanço de pagamentos. Nesse caso, registrando todos os desembolsos de residentes ligados ao pagamento do principal de uma dívida contraída no exterior.

Cabe ressaltar que, no caso de amortização da dívida, esta operação sempre será lançada nesta rubrica. Caso seja o pagamento de juros, ela deve ser lançada na conta de serviços. A questão é lógica, empréstimos e financiamentos são serviços financeiros, logo, sua remuneração é contabilizada por meio daquela rubrica, enquanto o principal é registrado na conta amortizações e empréstimos.

2.2.5.5 Capital de curto prazoA rubrica de capital de curto prazo é mais vinculada às obrigações do governo, pois o capital de curto prazo é uma espécie de capital de giro para o país, que vende títulos com prazo de duração curto, em especial aqueles com prazo de um ano, fazendo uso dos recursos captados para equilibrar o saldo do balanço de pagamentos.

Esse capital de curto prazo, da mesma forma que o cheque especial, pode comprometer a renda de uma pessoa, pode ter efeitos nefastos na economia caso a conjuntura em que o país se encontrava no momento da contratação da dívida não melhore e o país seja obrigado a rolar a dívida.

2.2.5.6 Empréstimos de regularizaçãoA rubrica de empréstimos de regularização está associada à contratação de crédito junto às instituições de auxílio financeiro global, em especial o Fundo Monetário Internacional.

Ao contrário do capital de curto prazo, ou da rubrica de empréstimos e financiamentos, o país, ao solicitar apoio ao FMI, precisa, antes de receber os recursos, adequar sua política fiscal e monetária para ter acesso à linha de financiamento.

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Capítulo 4

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 140),

o país que desejar obter esse tipo de ajuda tem de se submeter a uma série de exigências, em termos de condução da política econômica e obtenção de resultados, impostas pelos organismos internacionais, dos quais o FMI é certamente o mais importante, embora haja outros, como o Bank for International Settlements (BIS) e o Clube de Paris.

2.2.5.7 Outros capitais Por fim, a última rubrica da conta movimento de capitais se refere aos outros capitais, ou seja, tudo aquilo que não se enquadra nas definições das rubricas anteriores, mas que precisa, obrigatoriamente, ser contabilizado.

2.2.6 Erros e omissõesProsseguindo com nossa análise, temos conta de erros e omissões. Realizar a contabilidade de um país não é algo simples, muito menos exata e transparente, uma vez que há milhões de transações anualmente, sendo que ao final do exercício fiscal precisamos realizar o equilíbrio interno das contas.

Assim, em virtude dessa tarefa não ser simples, e também diante da impossibilidade de um país conseguir fechar com exatidão o seu balanço de pagamentos, a conta de erros e omissões surge como alternativa para garantir o equilíbrio interno e assim zerar o saldo entre débito e crédito na conta de balanço de pagamentos.

2.2.7 Saldo final no balanço de pagamentosSomando o saldo total das transações correntes, o saldo do movimento de capitais e os erros e omissões, chegamos ao saldo final do balanço de pagamentos.

Paulani e Braga (2007, p. 141) resumem muito bem qual é o resultado final das operações descritas no balanço de pagamentos. Segundo as autoras,

se é positivo, o país, ao longo de suas operações de compra e venda de bens e serviços, fatores e não fatores, levadas a efeito durante o período, acumulou divisas, ou seja, produziu mais desses recursos do que deles necessitou. Assim, ou o país utilizou esse superávit para realizar investimentos em outras economias, ou lhes concedeu empréstimos, ou, simplesmente, decidiu aumentar as reservas em divisas do país. Ao contrário, se o resultado for negativo, isso significa que no mesmo período, e

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contando com suas operações correntes, o país não foi capaz de gerar os recursos necessários para honrar seus compromissos em moeda estrangeira.

Cabe destacar que, caso o país seja deficitário, ele tem a opção de recorrer aos empréstimos, ao capital de curto prazo ou, em um movimento mais extremo, ao FMI.

2.2.8 Variação de reservasA variação de reservas diz respeito à última conta que integra o balanço de pagamentos, a qual tem como finalidade fazer o ajuste entre a necessidade ou não de capital para o fechamento do balanço de pagamentos em um país.

Desse modo, caso o país seja superavitário, a conta variações nas reservas deve ser lançada a débito, com sinal negativo, uma vez que o equilíbrio interno deve ser mantido, zerando o balanço de pagamentos. No mesmo sentido, um déficit no balanço de pagamentos deve ter um valor correspondente a crédito nas variações de reserva, com sinal positivo.

No caso de um país que seja deficitário em suas contas, ele necessitará de recursos para manter seu relacionamento com o exterior. Ou seja, não há possibilidade de um país se “autofinanciar” para fazer frente as despesas. Logo, em caso deficitário, o país utiliza suas reservas, que são sempre em dólar, para fazer frente às necessidades de capital estrangeiro para operacionalizar as operações comerciais e financeiras com os demais países.

Segundo Passos e Nogami (2001, p. 440), as medidas mais comuns para atração de capital e compor as reservas, são:

1. Desvalorizações reais da taxa de câmbio.

2. Redução do nível de atividade econômica.

3. Restrições tarifárias ou quantitativas às importações.

4. Subsídios às exportações.

5. Aumento da taxa interna de juros.

6. Controle da saída de capitais e de rendimento para o exterior.

É importante observar que não há como existir déficit em um balanço de pagamentos se o país não tiver reservas ou se o país não tiver acesso a linhas de financiamento. No caso do Brasil, já houve um momento recente em que o nível de reservas praticamente chegou a zero, havendo a necessidade de empréstimo junto ao FMI e a adoção de algumas medidas para conter o déficit do balanço de pagamentos, conforme veremos na sequência.

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Capítulo 4

2.2.8.1 A crise dos Tigres Asiáticos e a variação de reservas do BrasilPara compreender melhor a questão referente ao uso das reservas internacionais, vamos citar um exemplo da economia brasileira em 1999. O Brasil, assim como México, Rússia, Tigres Asiáticos e Argentina sofreram fortes turbulências econômicas entre meados e final da década de 1990.

No ano de 1994, o Brasil adotou o regime de câmbio fixo como forma de controle inflacionário, uma vez que, associada à abertura do mercado, tal regime colocava os bens produzidos internamente em concorrência direta contra os produtos de outros países, onde prevaleceria o preço do produto mais barato, contendo qualquer pressão inflacionária decorrente do aumento dos custos no Brasil.

O Brasil, por ser um país emergente, poucos anos após o início do processo de estabilização econômica, sofreu diretamente com os efeitos das crises anteriores, uma vez que não havia grandes discrepâncias na política macroeconômica que pudessem levar os investidores internacionais a tomar alguma atitude avessa ao risco. Segundo o Boletim do Dieese de 1998, ano da crise que afetou Rússia e Tigres Asiáticos:

A crise atual é, sem dúvida, a maior no que diz respeito à gravidade e ao número de países atingidos. Com efeito, ela deslanchou no Sudeste asiático em 1997, em seguida desestabilizou o Japão para depois se generalizar em outros países emergentes da Europa (Rússia) e a seguir na América Latina (Brasil). Não há dúvida de que ela afetará profundamente a economia mundial, a começar pelos Estados Unidos e os países da União Europeia. Trata-se, pois, de uma crise sistêmica global porque não se reduz a um acidente financeiro, mas atinge as bases profundas do crescimento mundial. (DIEESE, 1998).

Os efeitos da crise e desconfiança internacional foram intensos no Brasil, levando o governo a elaborar um pacote de estabilização da econômica. O período em questão, outubro de 1998, foi marcado por uma forte política de elevação da taxa de juros, a fim compensar os riscos de um investimento em um país emergente, visto por muitos como a “bola da vez”.

Entretanto, a política não teve o resultado esperado, e o Brasil acabou tendo uma perda do nível das reservas internacionais na ordem de US$ 24,9 bilhões entre os meses de agosto e outubro de 1998, muito mais por desconfiança dos investidores que pela baixa rentabilidade dos investimentos, até porque o retorno era extremamente alto, se comparado a outros países.

Essa crescente perda de reservas, e a consequente pressão sobre o câmbio ainda fixo, levou o governo brasileiro a recorrer a empréstimo ao FMI, que exigiu o comprometimento do país com a taxa de câmbio vigente e o equilíbrio das contas

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públicas. Tal empréstimo era necessário, pois seria impossível manter o câmbio valorizado tendo déficit nas contas externas e altas taxas de juros.

Entre as medidas de curto prazo, o Brasil compromete-se a reduzir os gastos orçamentais na ordem de 20%, equivalendo a R$ 8,7 bilhões, além de cortes nos investimentos de empresas estatais na ordem de R$ 2,7 bilhões, o governo compromete-se a combater de forma mais austera a sonegação e a renúncia fiscal, o que poderia resultar em uma receita adicional de R$ 2 bilhões ao ano.

A previdência social também precisava ter suas contas ajustadas. Assim, foi criada uma cota de contribuição de 11% para funcionários públicos inativos e aposentados, além de uma taxação maior para aqueles contribuintes que ganhassem mais de R$ 1.200,00 na época. Essas medidas gerariam receita de R$ 4,4 bilhões para o governo.

O governo promove, também, um aumento dos impostos, como é o caso da já extinta Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), que passou de 0,30 para 0,38% e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que passou de 2 para 3%. Ainda foram adotadas medidas de médio e longo prazo que incluiriam reforma administrativa, trabalhista, previdenciária e tributária.

Em paralelo a tais medidas, em janeiro de 1999, em decorrência da impossibilidade de manter a política econômica apoiada em âncoras de câmbio valorizado a altos juros, o governo promove a desvalorização do real. Inicialmente uma desvalorização de aproximadamente 8,5%, em que a relação entre o real e o dólar passou a ser de R$ 1,32/ US$ 1,00.

Entretanto, em virtude do ataque especulativo não ter cessado e a fuga de capitais continuasse ocorrendo, o Banco Central do Brasil promoveu uma nova desvalorização, pois, para manter o câmbio no patamar anterior, era necessário

“queimar” boa parte das reservas internacionais para aumentar a oferta de dólares no mercado, o que não era mais possível em decorrência do baixo nível de reservas do Brasil. Tal medida gerou uma desvalorização da moeda brasileira no mês de janeiro de 1999 em torno 50%.

Esse exemplo deixa evidente a relação que o Brasil teve com FMI no final da década de 1990 e demonstra, principalmente, a importância das reservas internacionais de um país para contornar uma crise econômica sem alterar profundamente sua política cambial, além, ainda, da necessidade dessas reservas para garantir a operacionalização do balanço de pagamentos.

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Capítulo 4

2.3 A relação entre balanço de pagamentos e reservasDe forma resumida, podemos considerar, que:

Balanço de pagamentos = – Reservas.

Ou seja, o valor final do balanço de pagamentos deve ser igual ao da variação de reservas, mas ambos precisam ter sinal trocados.

Expandindo, temos:

Balanço de pagamentos + Reservas = 0.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 142),

um saldo positivo no balanço de pagamentos implica um saldo negativo na conta de variação de reservas, lembrando que um saldo negativo significa uma elevação das reservas do país. Percebe-se também que o resultado do balanço de pagamentos em transações correntes (TC) é igual ao sinal inverso da soma do resultado do movimento de capitais (MC) com o saldo das variações de reservas (R).

Diante desse contexto, é importante compreender que um déficit no balanço de pagamentos, como foi o caso do Brasil no final da década 1990, impõe ao país a necessidade de obter recursos no exterior por meio de operações financeiras de modo a fazer frente à necessidade de moeda estrangeira para manter seu relacionamento com o exterior.

Por essa razão, há tamanha correlação entre a soma do movimento de capitais e o saldo das variações de reservas. Assim, a conta de variação de reservas evidencia a necessidade de financiamento, no caso de um déficit, para garantir as operações internacionais do país. E em virtude de a mensuração das contas de um país não ser precisa, logo haverá a necessidade do uso da conta de erros e omissões.

Essa conta é necessária para assumirmos nossa última prova real do balanço de pagamentos, uma vez que, se somarmos o saldo do movimento de capitais ao saldo do balanço de pagamentos em transações correntes e a conta de erros e omissões, teremos então o saldo total do balanço de pagamentos. A conta de variação de reservas, nesse caso, deve demonstrar o mesmo resultado para garantir o equilíbrio final do balanço de pagamentos.

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2.4 A relação entre governos e empresas e o impacto no balanço de pagamentosDe uma forma geral, as principais variáveis do balanço de pagamentos estão relacionadas ao comércio internacional, representados pela balança comercial, e conta de capital, em especial ao financiamento público necessário para financiar o déficit do governo.

Pelo lado da balança comercial, devemos compreender que as empresas estão em constante processo de análise e que mercados em potencial podem levar empresas a decisões de investimento direto no país.

A balança comercial e os investimentos diretos são indicadores importantes para compreender a maturidade do mercado e, principalmente, a expectativa de crescimento econômico para o país, bem como a geração de renda e competitividade.

As empresas com sede nos países desenvolvidos são responsáveis pela maior parte do investimento direto externo no mundo. Em grande parte, tais empresas buscam mercados ainda inexplorados com grande expectativa de rentabilidade. Elas buscam, também, espaços regionais que possam apresentar alguma vantagem comparativa, seja para a produção destinada ao mercado interno ou externo, além de facilidades fiscais concedidas por alguns governos.

Por outro lado, temos a conta de capital, referente à questão da dívida pública, que tem início com o déficit orçamentário, ou seja, quando os gastos do governo excedem sua receita fiscal. Nesse caso, quando uma administração se depara com um déficit orçamentário, surge um questionamento.

Mas como o déficit orçamentário será financiado?

Existem algumas alternativas de financiamento do déficit orçamentário, sendo as principais o financiamento monetário e o financiamento pelo endividamento público.

O financiamento monetário implica em um imposto inflacionário, ou seja, o próprio governo cria novas moedas com intuito de financiar seu déficit, lançando assim mais dinheiro no mercado e, consequentemente, inflacionando-o.

Já o financiamento pelo endividamento público consiste praticamente na emissão de títulos da dívida pública, e em empréstimos de intermediários financeiros internacionais, lançados no balanço de pagamentos. Segundo Dornbusch e Fisher (1991, p. 688):

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Capítulo 4

Quando o tesouro financia seu déficit pelo empréstimo do público, ele se engaja em um financiamento pela dívida. As pessoas e as firmas, incluindo bancos comerciais e outras instituições financeiras, pagam pelos títulos com cheques. Os cheques são depositados tanto nas contas do Tesouro nos bancos privados (“contas de imposto e financiamento”) quanto no Banco Central. Os fundos podem então ser gastos pelo Tesouro da mesma forma que as receitas fiscais.

Vale ressaltar que todo Estado está alicerçado sobre uma receita orçamentária originada de uma carga tributária, a qual é extraída de seus residentes e de transações econômicas com o resto do mundo. São diversas as maneiras pelas quais o Estado arrecada sua receita, sendo a principal delas a tributação incidente sobre a renda de seus residentes e as tarifas e alíquotas que incidem sobre as exportações.

Nesse contexto surge o orçamento fiscal, que mostra a relação entre a receita tributária arrecadada pelo governo e as suas respectivas despesas, sendo caracterizado superávit fiscal ou orçamentário, quando o governo arrecada mais do que o montante destinado às suas despesas, e déficit fiscal ou orçamentário quando ocorre o oposto.

2.4.1 Déficit orçamentárioNum cenário econômico em que um governo possua um déficit orçamentário, ele necessitará de mais recursos para saldar esse déficit. Para isto lançará no mercado financeiro títulos da dívida pública, ou seja, ele emite certificados de endividamento que renderão dividendos ao portador, ou então tomará empréstimos junto a organismos financeiros internacionais.

Esses empréstimos, via títulos ou organismos financeiros internacionais, formam a dívida pública, que nada mais é que o montante dos déficits fiscais anteriores, acumulados e corrigidos monetariamente.

Um déficit orçamentário pode surgir em diferentes contextos, como, por exemplo, uma política macroeconômica ineficiente ou então com gastos exacerbados do governo – como os que ocorreram em períodos de guerras. Entretanto, independentemente do motivo de sua origem, ele provoca vários impactos negativos na economia, uma vez que reduz o valor dos fundos emprestáveis, os quais são destinados aos empréstimos para financiar os novos investimentos da economia.

Essa redução de valor nos fundos diminui também o nível geral de investimentos das empresas, em especial as multinacionais, pois a poupança nacional que é a

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fonte da oferta dos fundos emprestáveis, é composta pela poupança privada e pela poupança pública. A poupança privada diz respeito à renda que fica para as famílias após terem pago os impostos e o consumo, já a poupança pública é a receita tributária que fica para o governo depois de ter pago suas despesas.

Concluímos então que um déficit fiscal representa uma poupança pública negativa que, por sua vez, causa a redução nos fundos emprestáveis, e, consequentemente, uma alteração no equilíbrio do mercado desses fundos, pois a alteração negativa na poupança pública resulta na diminuição da oferta de fundos emprestáveis, elevando assim a taxa de juros e, consequentemente, diminuindo os investimentos na economia.

Segundo Mankiw (2001, p. 574),

quando o governo reduz a poupança nacional mediante um déficit orçamentário, a taxa de juros aumenta e o investimento se reduz. Como o investimento é importante para o crescimento econômico de longo prazo, o déficit orçamentário do governo reduz a taxa de crescimento da economia.

2.4.2 Superávit orçamentárioOs superávits orçamentários funcionam de forma perfeitamente oposta ao déficit. Num cenário desse superávit a arrecadação tributária é superior aos gastos do governo, a poupança pública sofre um aumento e, consequentemente, acontece também um crescimento da poupança nacional, que resultará em mais fundos emprestáveis, redução da taxa de juros e retomada do crescimento econômico de longo prazo, uma vez que esse crescimento necessita de fundos destinados ao seu investimento.

Nesse sentido, todo governo, que se encontra obtendo déficits fiscais, luta para a sua extinção. A maneira mais comum e mais adotada para alcançar esse objetivo é a contenção de despesas e o aumento da carga tributária, medidas que incorrem também em restrições para o crescimento econômico, mas que não cabem ser discutidas neste momento.

Cabe destacar que a partir do momento em que o governo passa a administrar um superávit surgem algumas alternativas para sua utilização, como mostra Mankiw (2001, p. 800): “Quando os formuladores da política econômica se deparam com superávits orçamentários têm três opções: reduzir os impostos, aumentar as despesas ou reduzir a dívida pública”.

A escolha entre essas três opções não é fácil, porém, a solução de reduzir a dívida pública se torna uma alternativa mais sustentável a longo prazo, apesar de apresentar prós e contras.

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Capítulo 4

2.5 A dívida pública e os impactos no balanço de pagamentosA dívida pública inicia-se com o déficit orçamentário, mais precisamente com as medidas tomadas para solucioná-lo. Porém, no longo prazo, essa dívida terá de ser quitada ou será aprofundada constantemente, rendendo juros ao financiador e implicando vários atrasos no crescimento econômico do país, pois reduz o montante de recursos que poderiam ser gastos com benefícios à nação.

No entanto, diante da possibilidade de obtenção de superávits e do endividamento em que se encontra o governo, surge a possibilidade de redução da dívida pública, amortizando-a com os superávits orçamentários, e com isso reduzir o ônus sobre os futuros contribuintes. Como afirma Mankiw (2001, p. 798):

O efeito mais direto da dívida pública é colocar um ônus sobre as futuras gerações de contribuintes. Quando essas dívidas e os juros acumulados chegarem ao vencimento, os futuros contribuintes se verão diante de uma escolha difícil. Podem pagar impostos mais altos, desfrutar de menores despesas do governo, ou ambas as coisas, a fim de tornar disponíveis os recursos necessários ao pagamento da dívida e de seus juros. Ou podem adiar o dia da verdade e aprofundar ainda mais o endividamento do governo para pagar a dívida antiga e seus encargos. Em essência, quando o governo incorre em um déficit orçamentário, ele permite que os atuais contribuintes transfiram parte do pagamento das despesas correntes do governo aos futuros contribuintes.

Assim, a solução de utilizar o superávit fiscal para reduzir a dívida pública se mostra interessante no aspecto em que protege as futuras gerações de cargas tributárias intensificadas, porém, como já mencionamos, a dívida pública nada mais é que déficits orçamentários acumulados originados por outra administração em outros tempos.

Frente a esse contexto surge a seguinte indagação: Será justo utilizar o superávit atual para reduzir a dívida pública e proteger as futuras gerações de tributos intensos, em vez de devolvê-lo à população atual – sua fonte, sob a forma de redução de tributos ou assistências públicas como educação, saúde, lazer, etc.?

Uma das formas mais democráticas de darmos fim a essa indagação é a consulta popular, pois é a geração atual quem contribui e origina os superávits. Assim, nada mais justo que a mesma decidir como utilizá-lo, sendo para reduzir a dívida pública ou para reduzir a carga tributária que incide sobre suas rendas.

No caso brasileiro, a partir de 1991 foi iniciado um processo de substituição da dívida externa pela dívida pública interna, sendo que a dívida externa líquida foi reduzida pela acumulação de reservas internacionais, as quais foram utilizadas para a compra de títulos da dívida pública, ocasionando uma remuneração

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que, convertida em dólares, era muito superior à obtida a partir das reservas em bancos no exterior.

No entanto, quando o governo adquiria títulos da dívida pública com as reservas internacionais, aumentava, consequentemente, sua dívida pública interna, e como o governo não conseguia realizar superávits fiscais suficientes para o pagamento dos juros dos títulos de sua dívida (dívida esta realizada com a compra de títulos utilizando as reservas internacionais), o aumento da dívida interna foi muito superior à redução da dívida externa.

Assim, diante dessa política e da globalização financeira mundial, e com as crises ocorridas nos Tigres Asiáticos e Rússia, a entrada de capitais externos no país caiu bruscamente devido ao efeito cascata nas bolsas de valores e à perda de confiabilidade no mercado brasileiro, reduzindo assim as reservas internacionais.

Em virtude disso, o governo não conseguiu mais honrar com os seus compromissos assumidos internamente, e assim reverteu o processo de substituição da dívida, ocasionando um decréscimo na dívida interna acompanhada de um acréscimo na dívida externa.

Esses fatos demonstram que o balanço de pagamentos e a contabilidade social caminham juntos, e que as atividades do governo podem impactar diretamente no balanço de pagamento e, em especial, em contas que afetam a competitividade internacional do país.

Seção 3Convergência entre contabilidade social e balanço de pagamentos

3.1 A estrutura de débito e crédito no balanço de pagamentosO balanço de pagamentos é fundamental para compreendermos a economia de um país. Sua estrutura possui lançamentos a débito e a crédito e, portanto, carecem da necessidade de equilíbrio final. O quadro a seguir apresenta a estrutura contábil do balanço de pagamentos com o lançamento de cada uma de suas contas e respectivas rubricas.

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Capítulo 4

Quadro 4.2 – Estrutura contábil do balanço de pagamentos

Balanço de pagamentos

1. Balança comercial

Exportações: Crédito

Importações: Débito

2. Balança de serviços

Exportação de serviços: Crédito

Importação de serviços: Débito

Lucros reinvestidos: Débito

3. Transferências unilaterais

Operação com recebimento de recursos ou mercadorias: Crédito

Operação com fornecimento de recursos ou mercadorias: Débito

5. Movimento de capitais

Ingresso de recursos: Crédito

Saída de recursos: Débito

8. Variação de reservas

Aumento das reservas: Débito

Redução das reservas: Crédito

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Para melhor compreendermos essa estrutura, vamos exercitar nosso aprendizado por meio do seguinte exemplo prático: Supondo que uma empresa produtora de aço realize a venda de uma carga para uma empresa da China, cujo valor dessa venda seja de US$ 5 milhões. Nesse caso, teremos um lançamento a crédito na balança comercial, na rubrica de exportação.

Entretanto, precisamos respeitar o método das partidas dobradas, ou seja, fazer aquele lançamento a débito para o equilíbrio interno das contas. Nesse cenário, teremos duas opções.

A primeira opção, se a venda foi à vista, é debitar o valor de US$ 5 milhões na parte de variação de reservas, pois houve o ingresso de US$ 5 milhões no país. A segunda opção é que, se a venda não tenha sido totalmente à vista, podemos dividir esse lançamento, desde que o somatório de todas as contas também seja de US$ 5 milhões. Assim, se essa negociação for executada com parte do valor

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à vista e parte a prazo, teríamos uma situação com dois lançamentos. Um, na variação de reservas e outros na rubrica de empréstimos e financiamentos.

Nesse sentido, supondo que a referida operação seja 50% à vista e 50% a prazo, teríamos então US$ 2,5 milhões lançados na variação de reservas e outros US$ 2,5 milhões lançados a débito, na saída de recursos, pois configura um empréstimo.

Apesar de simples, esse exemplo demonstra como é analisar e montar uma operação no balanço de pagamentos. Entretanto, em virtude de estarmos tratando de teoria econômica, nem tudo é tão simples quanto parece, uma vez que sempre teremos uma série de exceções a todas as regras.

3.2 Exceções ao conceito de balanço de pagamentos

3.2.1 Lucros reinvestidosA primeira exceção referente ao balanço de pagamentos corresponde à rubrica de lucros reinvestidos, pois precisamos fazer mais de uma operação para realizar os lançamentos contábeis. No caso da exportação, como mostrado no exemplo anterior, fizemos apenas o lançamento da exportação e a contrapartida em débito.

No entanto, em se tratando de uma remessa de lucros, precisamos, primeiro, debitar o valor da conta de rendas de capital e creditar na conta de variação de reservas. Depois, precisamos creditar o valor correspondente na conta de investimentos e debitar na conta de variação de reservas.

Nesse caso, cabe ressaltar que, embora houvesse dois lançamentos, em momento algum houve movimentação de capital, sendo apenas um movimento contábil e não um fluxo financeiro, não se concretizando, portando, a saída de recursos do país.

3.2.2 Transferências unilateraisA outra exceção corresponde às transferências unilaterais. No caso de recebimento de renda do exterior, desde que tenha sido enviada, por exemplo, por um residente morando no exterior, devemos lançar a conta a crédito em transferências unilaterais e a débito na conta de variação de reservas.

Entretanto, se essa operação envolver algum bem, como no caso de uma ajuda humanitária, por exemplo, devemos fazer esse lançamento a crédito na exportação, na hipótese de um país que esteja auxiliando outro, e debitando na conta de transferências unilaterais, sem fazer qualquer movimentação na conta de variação de reservas.

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Capítulo 4

3.3 Exemplo de elaboração de balanço de pagamentosNa sequência vamos analisar outro exemplo simples referente à elaboração do balanço de pagamentos. A tabela a seguir mostra um exemplo hipotético de uma economia.

Tabela 4.1 – Exemplo de elaboração de balanço de pagamentos

Operação Valor Pagamento

Exportação US$ 500 milhões À vista

Exportação US$ 300 milhões Prazo

Importação US$ 150 milhões À vista

Importação US$ 90 milhões Prazo

Turismo no exterior US$ 145 milhões -

Recebimento de turismo US$ 400 milhões -

Remessa de lucros US$ 9 milhões -

Reinvestimento US$ 4 milhões -

Pagamento de juros US$ 5 milhões -

Investimento direto US$ 35 milhões -

Amortização US$ 10 milhões -

Recebimento de transferências US$ 1 milhão -

Empréstimos US$ 3 milhões -

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Vamos, na sequência, construir nosso exemplo de acordo com cada operação apresentada no quadro anterior, realizando os devidos lançamentos a crédito e a débito.

A primeira operação é contabilizada na balança comercial do país em estudo, sendo um lançamento a crédito na rubrica de exportação no valor de US$ 500 milhões e um lançamento a débito na conta de variação de reservas, no mesmo valor.

A segunda operação segue a mesma lógica; contudo, nesse caso temos um lançamento a crédito de US$ 300 milhões na rubrica de exportações e um lançamento a débito com o mesmo valor na conta de empréstimos e financiamentos.

A terceira operação é inversa à segunda, pois como é uma importação, lançamos um débito no valor de US$ 150 milhões na conta de importações e um crédito do mesmo valor na conta de variação de reservas.

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No mesmo sentido, só que neste caso é uma operação de longo prazo, a quarta operação tem um lançamento a débito no valor de US$ 90 milhões na conta de importação e um lançamento a crédito do mesmo valor na rubrica de empréstimos e financiamentos.

No que diz respeito ao turismo no exterior, ou seja, de residentes daquele país fazendo turismo em outros países, temos um lançamento a débito na rubrica de turismo no valor de US$ 145 milhões e um lançamento a crédito na variação de reservas, no mesmo valor.

Já no caso de o país receber turistas, temos um lançamento a crédito de US$ 400 milhões na mesma conta de turismo e um lançamento a débito na conta de variação de reservas, no mesmo valor.

Com relação à remessa de lucros, em virtude de o país estar remetendo lucros ao exterior, então devemos debitar US$ 9 milhões da conta de rendas de capital e creditar o mesmo valor na conta de variação de reservas.

No que se refere ao reinvestimento, os lançamentos devem ser feitos de duas formas: o primeiro lançamento de US$ 4 milhões deve ser feito a débito na rubrica de renda de capitais, e um segundo lançamento de mesmo valor na conta de variação de reservas. Depois, um terceiro lançamento a crédito na rubrica de investimentos e um quarto lançamento a débito na conta de variação de reservas. Ambos, também no valor de US$ 4 milhões.

No caso do pagamento de juros, realizamos um lançamento a débito na rubrica de rendas de capital, no valor de US$ 5 milhões, e um lançamento a crédito na conta de variação de reservas no mesmo valor.

Quando a operação é de investimentos diretos, realizamos um lançamento a débito na variação de reservas no valor de US$ 35 milhões e um lançamento a crédito de mesmo valor na rubrica de investimentos.

No caso da amortização, temos um lançamento a débito no valor de US$ 10 milhões na rubrica de amortização e um lançamento a crédito no valor de mesmo valor na conta de variação de reservas.

Quando o país recebe transferências de residentes no exterior, então realizamos um lançamento a débito no valor de US$ 1 milhão na variação de reservas e uma contrapartida a crédito de mesmo valor na conta de transferências unilaterais.

Por fim, em nosso exemplo, temos um empréstimo que deve ser contabilizado com um lançamento a débito na conta de variação de reservas no valor de US$ 3 milhões e uma contrapartida a crédito de mesmo valor na rubrica de empréstimos e financiamentos.

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Capítulo 4

Consolidando os dados e lançamentos apresentados de acordo com nossa estrutura do balanço de pagamentos, temos o seguinte resultado:

Tabela 4.2 – Resultado da elaboração do balanço de pagamentos

Balanço de pagamentos

1. Balança comercial: + $ 560

1.1 Exportações: + $ 500 + $ 300

1.2 Importações: – $ 150 – $ 90

2. Balança de serviços: + 246

2.1 Transportes: fretes, seguros, etc.

2.2 Turismo e viagens internacionais: – $ 145 + $ 400

2.3 Rendas de capital: remessa de lucros, lucros reinvestidos e juros – $ 9

2.4 Serviços governamentais

2.5 Diversos

3. Transferências unilaterais: + $ 1

4. Saldo do balanço de pagamentos em transações correntes: + $ 807

5. Movimento de capitais: – $ 183

5.1 Investimentos diretos: + $ 35

5.2 Reinvestimentos: + $ 4

5.3 Empréstimos e financiamentos: – $ 300 + $ 90 – $ 5 + $ 3

5.4 Amortizações de empréstimos: – $ 10

5.5 Capitais de curto prazo

5.6 Empréstimos de regularização

5.7 Outros capitais

6. Erros e omissões

7. Saldo total do balanço de pagamentos: – $ 183

8. Variação das reservas: – $ 500 + 150 + 145 – 400 + 9 – 1 – 35 – 4 + 5 – 3 + 10: – $ 624

Fonte: Elaboração do autor (2014).

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Ao analisarmos esse resultado do balanço de pagamentos, podemos notar que:

Este país hipotético é superavitário em sua balança comercial e de serviços. Contudo, deficitário em sua conta de movimento de capitais. Isso indica que o país, além de forte exportador de mercadorias, também é um grande credor do comércio internacional.

No mesmo sentido, em razão do seu baixo volume de empréstimos e amortizações, podemos considerar que este país é pouco endividado, o que pode representar uma economia mais desenvolvida.

Nesse caso, o país é superavitário em seu balanço de pagamento, não havendo a necessidade de contratação de crédito para equilibrar as contas. Ou, em casos mais extremos, não é necessário contratar serviços de financiamento internacional, tal como FMI, para fazer frente as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos.

3.4 Considerações sobre a taxa de câmbioOs lançamentos de nosso exemplo foram todos realizados em moeda internacional, no caso do dólar, que é a moeda de conversão oficial para a mensuração do balanço de pagamentos de um país. Entretanto, é importante fazermos as seguintes considerações.

Primeiro, a taxa de câmbio é o preço em moeda nacional de uma unidade de moeda estrangeira, ou seja, é o valor da moeda estrangeira no mercado interno.

Segundo, a desvalorização nominal da taxa de câmbio corresponde à elevação do valor da moeda estrangeira no mercado interno. Por exemplo, antes de uma desvalorização é possível comprar US$ 1,00 com R$ 2,00. Após a desvalorização, são necessários mais de R$ 2,00 para comprar o mesmo US$ 1,00.

Já a valorização nominal tem efeito contrário, ou seja, a moeda estrangeira perde valor perante a moeda doméstica. Por exemplo, antes da valorização é possível comprar US$ 1,00 com R$ 2,00. Após a valorização é necessário menos de R$ 2,00 para comprar o mesmo dólar.

A valorização e a desvalorização atingem diretamente as transações entre residentes e não residentes. Utilizando as transações unilaterais como exemplo, podemos notar que uma mesma quantidade de uma moeda estrangeira qualquer enviada por não residentes pode vir a ter valores diferentes no mercado interno de acordo com a taxa de câmbio.

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Capítulo 4

Por exemplo, R$ 3,00 = US$ 1,00 com uma desvalorização da taxa de câmbio, R$ 3,50 = US$ 1,00, fazendo com que o residente receba uma quantia superior ao esperado, ao contrário de uma valorização, em que o residente receberia menos R$ 2,50 = US$ 1,00.

A taxa de câmbio também tem influência direta no desempenho da balança comercial, em que a desvalorização estimula a exportação, já que torna mais barato o preço do produto nacional no mercado mundial. Em contrapartida, desestimula as importações, ao contrário da valorização, que torna os produtos de outros países mais competitivos, estimulando as importações e, em contrapartida, desestimulando as exportações.

Cabe ressaltar que na taxa de câmbio nominal não consideramos os índices de preços sendo essa uma conta simples. Já na taxa de câmbio real inclui-se a inflação, tanto a interna quanto a externa (do país pelo qual se deseja obter o valor da taxa de câmbio) e que tem como fórmula:

E = e(P*/P).

Em que:

E: Taxa de câmbio real. e: Taxa de câmbio nominal. P*: Índice de preços externo. P: Índice de preços interno.

Segundo Paulani e Braga (2007, p. 153),

a partir do conceito de taxa real de câmbio assim definida, estamos considerando tanto a inflação o interna quanto a externa. A ideia é simples. A inflação interna tende a encarecer os produtos de exportação e tornar mais baratos os produtos importados. Já a inflação externa tende a encarecer os produtos que importamos e estimular nossas exportações.

Diante deste contexto é de suma importância compreender o conceito de taxa real de câmbio por meio do estudo da política cambial, pois é através dela que investidores e empresas decidem pela alocação do seu capital ao redor do mundo.

3.5 Política cambialA política cambial tem forte correlação com o desenvolvimento e a estabilidade econômica. Um aumento do poder de compra do país em relação ao restante do mundo resulta, no médio e longo prazo, no aumento da produtividade e, consequentemente, na redução da taxa de câmbio.

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No curto prazo, por medidas artificiais, um aumento da taxa de câmbio pode resultar no aumento do PIB, em razão da redução do preço dos produtos nacionais em termos de moeda externa, e a consequente redução do preço para exportação (KRUGMAN; OBSTFELD, 2005).

A política cambial tem como objetivo garantir uma taxa nominal e real de câmbio dentro das bandas cambiais definidas pelo governo, tendo assim impacto direto nas contas do balanço de pagamentos, uma vez que esse balanço também contabiliza as transações feitas com o exterior. Para fins de política econômica, a taxa real de câmbio tem maior importância, a qual depende da diferença entre a inflação interna e externa.

A conta-corrente do balanço de pagamentos é estratégica para o país, pois é um importante indicador da competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional. Essa conta é composta pela balança comercial e de serviços, que registram as atividades de exportação e importação de um país.

Segundo Leite (1994, p. 304), “o saldo desse balanço é o resultado final de um complexo conjunto de forças e políticas econômicas que determinam a capacidade comercial do país”.

Por essa razão, os instrumentos de política cambial são estratégicos para a economia de um país, uma vez que a taxa de câmbio representa os preços da economia nacional frente aos compradores internacionais, além de representar o custo dos produtos importados frente aos compradores nacionais.

Segundo Cleto e Dezordi (2002, p. 21),

o mercado de câmbio (divisas) é formado pelos diversos agentes econômicos que compram e vendem moeda estrangeira, conforme suas necessidades. Empresas que vendem mercadorias ou ações no exterior estão aumentando a oferta de moeda estrangeira, em particular o dólar, pois sua receita ocorre em moeda estrangeira. Empresas que compram bens ou ações do exterior estão demandando moeda estrangeira (dólar), pois seus gastos ocorrem em dólares.

Sendo assim, o preço da moeda estrangeira em relação à moeda nacional é determinado por meio das transações no mercado câmbio, cujo preço final recebe o nome de taxa de câmbio (R$/US$).

O regime de bandas cambiais é um sistema econômico utilizado por Bancos Centrais para estabelecer uma faixa de preço onde o câmbio flutue livremente, sem intervenção do governo.

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Capítulo 4

É importante destacar que todas as relações econômicas, comerciais e financeiras dos agentes econômicos com o exterior são registradas no balanço de pagamentos, e eventuais déficits correspondem à saída de dólares superior ao seu ingresso.

As empresas brasileiras, por exemplo, que exportam e importam são dependentes da taxa de câmbio e, principalmente, das políticas adotadas pelo governo. Por essa questão, compreender o funcionamento desse mercado é fundamental. Segundo Cleto e Dezordi (2002, p. 24), podemos ter três políticas básicas:

a. Regime de câmbio flutuante: Neste caso não há intervenção do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. O preço da moeda estrangeira, ou a taxa de câmbio, é determinado exclusivamente pela interação entre oferta e demanda.

No regime de câmbio flutuante o Banco Central não compra e não vende dólares. Esse regime cambial é adotado nos principais países desenvolvidos. No Brasil, após a desvalorização do real frente ao dólar em 1999, o país adotou um regime híbrido de câmbio, que mais se aproxima do câmbio flutuante.

b. Regime de câmbio fixo: Este regime representa um caso extremo de controle do mercado pelo Banco Central, o qual regula constantemente o mercado. Assim, caso haja um excesso de procura/demanda por dólares, o BC vende dólares ao mercado para que o câmbio não se desvalorize.

Em um cenário oposto, em que ocorra um excesso de oferta de dólares no mercado, o Banco Central compra o excesso para que o câmbio não se valorize. Alguns países da América Latina, tais como Equador e Uruguai, também adotam ou adotaram esse sistema, sendo que a Argentina adotou esse regime durante a década de 1990.

Esses países buscavam uma alternativa para controlar o nível de preços internos, fortalecendo a moeda nacional, pois ela estava atrelada a uma taxa determinada de câmbio. Controlar o mercado de câmbio exige do Banco Central certo nível de reservas internacionais (cambiais), uma vez que, se a economia do país sofrer uma fuga significativa de capitais (dólares), o BC perderá muitas reservas e, consequentemente, pode desvalorizar a moeda local.

c. Formas híbridas de câmbio: Formas híbridas de câmbio são maneiras de o Banco Central atuar sobre este. É uma mistura entre o câmbio fixo e o câmbio livre ou flutuante.

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Existem inúmeras maneiras intermediárias de se atuar sobre o câmbio entre o câmbio fixo e o câmbio livre; contudo, vamos destacar duas delas pelo fato de terem sido utilizadas na economia brasileira no período de 1994 até 2002, sendo elas o regime de bandas cambiais e dirty float (flutuação suja).

Segundo Cleto e Dezordi (2002, p. 25),

O Regime de Bandas Cambiais, que foi utilizado na economia brasileira para o período de 1994 a 1999, adota uma flutuação para a taxa de câmbio dentro de determinados limites, ou seja, estabelece um teto e um piso. Esta forma de câmbio é considerada híbrida, porque entre os parâmetros, superior e inferior, o câmbio flutua livremente, aproximando-se dessa forma do câmbio livre. Todavia, quando a taxa de câmbio aproxima-se ou ultrapassa as bandas, as autoridades intervêm no mercado comprando ou vendendo divisas (dólares) até que a taxa retorne aos patamares estabelecidos. Sendo assim, podemos considerar essa taxa fixa dentro de determinados valores.

É muito comum um país definir bandas de variação do câmbio e intervir sempre que a cotação da moeda estrangeira ultrapassar alguma dessas bandas, pois o impacto na economia nacional pode ser muito forte, principalmente em setores exportadores ou setores que dependem de produtos importados.

3.6 Déficits e superávits no balanço de pagamentosA palavra déficit, isoladamente, é assustadora. Entretanto, como estudiosos em economia, devemos analisar a essência da questão, refletindo sobre os motivos que levam um país a ser deficitário em seu balanço de pagamentos.

Países em desenvolvimento, principalmente aqueles que estão reformulando suas plantas industriais, tendem a apresentar déficits no balanço de pagamentos no curto prazo, principalmente na balança comercial, quando o volume de importações ultrapassa o volume de exportações (BLANCHARD, 2007).

A questão central entre um déficit ter impacto positivo ou negativo depende, exclusivamente, de um conceito temporal: curto prazo. Caso seja um déficit de curto prazo, então não há maiores problemas econômicos envolvidos e, dessa forma, a maior preocupação do governo deve ser em equilibrar as contas internas do balanço de pagamentos.

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146

Capítulo 4

No entanto, caso o déficit se apresente consistente e com tendências de longo prazo, então o governo deve promover reformas ou políticas capazes de conter a corrosão das contas externas. Dentre os principais ajustes, citamos:

1. Desvalorização cambial.

2. Elevação das tarifas de importação.

3. Estabelecimento de cotas de importação.

4. Concessão de subsídios às exportações.

5. Imposição de restrições à saída de capitais e à remessa de recursos ao exterior.

6. Redução no nível de atividade da economia.

7. Elevação da taxa interna de juros.

A desvalorização cambial atua sobre as transações correntes e tem como características os estímulos para as exportações e um decréscimo nas importações, além de elevar o valor das viagens internacionais fazendo com que o dinheiro circule dentro do mercado interno (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001).

No que diz respeito à elevação das tarifas de importação, no curto prazo restringe as importações e com isso reduz o grau da abertura comercial. Já o estabelecimento de cotas para importação limita a quantidade para a entrada de produtos estrangeiros no país.

Com relação aos subsídios às exportações, eles fornecem isenções fiscais e tornam o produto nacional mais competitivo no mercado externo, estimulando as exportações. Esses subsídios são conhecidos como dumping.

No que se refere às restrições, a saída de capitais e remessas de renda ao exterior têm como objetivo aumentar o saldo de movimento de capitais.

Em se tratando da redução no nível de atividade econômica interna, esta tem como objetivo reduzir o consumo por bens de consumo ou de capital importado e gerar um aumento

nas exportações, já que o desaquecimento do mercado interno faz com que os produtores tendam a vender seus produtos no mercado externo.

Por fim, a elevação na taxa interna de juros, que tem como objetivo captar capitais de curto prazo no mercado financeiro externo, eleva o saldo de capitais no curto prazo.

Dumping é uma prática comercial relacionada a uma ou mais empresas venderem seus produtos, mercadorias ou serviços em mercados internacionais por preços abaixo dos praticados no mercado interno.

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147

Contabilidade Social

Seção 4O balanço de pagamentos no Brasil

4.1 O FMI e o balanço de pagamentos no BrasilO Brasil adotou, na formulação da estrutura de seu balanço de pagamentos, instruções e sugestões do FMI. Embora as diretrizes desse órgão tenham sido publicadas em 1993, apenas em 2001 o Brasil reformula sua metodologia de elaboração do balanço de pagamentos.

As principais alterações em relação ao modelo anterior correspondem à inclusão das contas de operações de regularização, justamente para separar das demais contas de capital qualquer aporte realizado por instituições financeiras de auxílio ao país, como é o caso do FMI, e a inclusão da conta denominada “atrasados” no saldo final do balanço de pagamentos.

4.2 A atual estrutura do balanço de pagamentos no BrasilO balanço de pagamentos brasileiro é elaborado pelo Bacen e publicado mensalmente no Boletim Mensal do Banco Central do Brasil, disponível em seu portal na web. Até hoje, o balanço divulgado respeita a metodologia reformulada em 2001, quando o país passou a mensurar suas transações com o exterior através por meio de contas recomendadas pelo FMI.

Segundo o Bacen (2001), a estrutura de balanço de pagamento do Brasil é a seguinte:

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148

Capítulo 4

Quadro 4.3 – Estrutura do balanço de pagamentos do Brasil

1. Balanço comercial

Exportação

Importação

2. Serviços rendas

Serviços

Viagens

Transportes

Seguros

Serviços governamentais

Royalties e licenças

Serviços financeiros, computação e informação

Construção

Comunicações

Serviços empresariais, profissionais e técnicos

Pessoais, culturais e recreação

Serviços diversos

Rendas

Salários e ordenados

Rendas de investimentos diretos (lucros e dividendos)

Rendas de investimentos em carteira (juros)

Rendas de outros investimentos (juros)

3. Transferências unilaterais correntes

Donativos de bens

Moeda para consumo interno

4. Saldo em conta-corrente do balanço de pagamentos (1 + 2 + 3 )

5. Conta de capital e conta financeira

Conta capital

Transferência unilateral de capital de migrantes

Alienação/aquisição de bens não financeiros, não produzidos (patentes e marcas)

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149

Contabilidade Social

Conta financeira

Investimento direto

No exterior (Participação no Capital/Empréstimos intercompanhias)

No Brasil (Participação no Capital/Empréstimos intercompanhias)

Investimento em carteira

Renda fixa

Renda variável

Derivativos

Swap

Opções

Futuro

Outros investimentos

Empréstimos e financiamentos (inclusive os empréstimos de regularização)

Moeda e depósito

Atrasados

Outros investimentos

6. Erros e omissões

7. Saldo total do balanço de pagamentos (4 + 5 + 6)

8. Variação das reservas ou haveres da autoridade monetária = (-9)

Fonte: Banco Central do Brasil (2001).

Conforme podemos observar no comparativo entre a metodologia brasileira e a apresentada no quadro de nosso exemplo hipotético: resultado da elaboração do balanço de pagamentos, esta tem algumas peculiaridades que, de forma geral, denotam a importância do capital estrangeiro no país, principalmente em um período em que o Brasil atravessava mais uma crise, estando na iminência de quebrar após a crise da Argentina em 2002.

A primeira observação que temos corresponde à separação da conta de serviços em duas contas. A primeira conta continua com o nome de serviços e tem a função de registrar o ingresso e a saída de todos os fatores de produção, enquanto a conta renda corresponde apenas ao ingresso ou saída de recursos exclusivamente transacionados sob a condição de serviços (BACEN, 2001).

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150

Capítulo 4

As demais contas da parte de transação corrente permanecem iguais, não havendo qualquer mudança metodológica significativa que precise ser explorada por nós. Depois, temos a conta de capital e financeira, também com mudanças metodológicas.

A conta de capital, assim como a conta de renda apresentada nas transações correntes, tem como objetivo registrar as transferências de capital do exterior para a economia interna com o propósito de aquisição ou alienação de bens intangíveis.

Segundo Luz (2010, p. 114),

houve a introdução da conta financeira em substituição a antiga conta de capitais para registrar as transações relativas à formação de ativos e passivos externos, como investimentos diretos, investimento em carteira, derivativos e outros investimentos. A conta financeira foi, portanto, estruturada de forma a evidenciar as transações ativas e passivas, as classes de instrumento financeiros de mercado e os prazos de transações.

A conta de investimento em carteira contabiliza os títulos de renda fixa (debêntures) e de renda variável (ações) negociados no mercado externo e a conta de derivativos que, como o próprio nome diz, corresponde às operações de derivativos da empresa, em especial as relacionadas ao dólar, como as operações de swap e no mercado de futuros.

Por fim, temos os haveres com as autoridades monetárias, que representam a variação de reservas internacionais do país, no conceito de liquidez internacional, deduzidos os ajustes referentes à valorização ou desvalorização das moedas estrangeiras em relação ao dólar americano e o ganho ou perda relativos a flutuações nos preços dos títulos e do ouro (BLANCHARD, 2007). Um sinal negativo indica aumento nos haveres.

Podemos perceber, a partir dessa análise econômica brasileira, que a evolução do balanço de pagamentos ocorreu devido às constantes mudanças do regime de política econômica, as quais foram implementadas apenas após a estabilidade econômica garantida pelo Plano Real.

Nesse sentido, somente após esse equilíbrio tornou-se possível analisar as condições dos principais impactos das contas externas no PIB do país, bem como analisar quais os principais entraves e as melhorias que precisam ser feitas na economia para garantir maior equilíbrio das contas externas (BACEN, 2001). As contas são:

1. Conta-corrente, que agrega a balança comercial, a balança de serviços, rendas e as transferências unilaterais correntes líquidas; e

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151

Contabilidade Social

2. Conta capital e financeira, que agrega os investimentos diretos e em carteira de estrangeiros no país e de brasileiros no exterior, além de operações com derivativos e outros investimentos.

A soma do saldo final dessas duas grandes contas nos fornece o resultado final do balanço de pagamentos.

4.3 A evolução do balanço de pagamentos no BrasilO Bacen é responsável pela elaboração do balanço de pagamentos no Brasil, e toda sua série histórica pode ser encontrada no portal web dessa instituição. Na tabela a seguir temos a evolução do balanço de pagamentos desde 2002, cujos valores consolidam os números do balanço de pagamentos desde 2002 até 2013.

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152

Capítulo 4

Tabela 4.3 – Evolução do balanço de pagamentos do Brasil

Balanço de Pagamentos

US$ m

ilhões

Discrim

inação2002

20032004

20052006

20072008

20092010

20112012

2013

Balança comercial (FO

B)13121

2479433641

4470346457

4003224836

2529020147

2979319395

2558

Exportação de bens60362

7308496475

118308137807

160649197942

152995201915

256040242578

242179

Importação de bens

-47240-48290

-62835-73606

-91351-120617

-173107-127705

-181768-226247

-223183-239621

Serviços e rendas (líquido)-23148

-23483-25198

-34276-37120

-42510-57252

-52930-70322

-85251-76489

-87296

Serviços-4957

-4931-4678

-8309-9640

-13219-16690

-19245-30835

-37932-41042

-47523

Receita9551

1044712584

1604719476

2395430451

2772831599

3820939864

39118

Despesa-14509

-15378-17261

-24356-29116

-37173-47140

-46974-62434

-76141-80905

-86642

Rendas-18191

-18552-20520

-25967-27480

-29291-40562

-33684-39486

-47319-35448

-39772

Receita3295

33393199

31946462

1149312511

88267405

1075310888

10071

Despesa-21486

-21891-23719

-29162-33942

-40784-53073

-42510-46892

-58072-46335

-49843

Transferências unilaterais correntes2390

28673236

35584306

40294224

33382902

29842846

3364

TRAN

SAÇÕ

ES CO

RR

ENTES

-76374177

1167913985

136431551

-28192-24302

-47273-52473

-54249-81374

CO

NTA C

APITAL E FINAN

CEIR

A8004

5111-7523

-946416299

8908629352

7130199912

11238170010

73778

Conta capital433

498372

663869

7561055

11291119

1573-1877

1194

Conta financeira7571

4613-7895

-1012715430

8833028297

7017298793

11080871886

72583

Investimento direto

141089894

833912550

-938027518

2460136033

3691967689

6809367541

Investimento brasileiro direto

-2482-249

-9807-2517

-28202-7067

-2045710084

-115881029

28213496

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153

Contabilidade Social

Dis

crim

inaç

ão20

0220

0320

0420

0520

0620

0720

0820

0920

1020

1120

1220

13

Parti

cipaç

ão n

o ca

pita

l-2

402

-62

-664

0-2

695

-234

13-1

0091

-138

59-4

545

-267

82-1

9533

-755

5-1

4760

Empr

éstim

o in

terc

ompa

nhia

-81

-187

-316

717

8-4

789

3025

-659

814

629

1519

520

562

1037

718

256

Inve

stim

ento

est

rang

eiro

dire

to16

590

1014

418

146

1506

618

822

3458

545

058

2594

948

506

6666

065

272

6404

5

Parti

cipaç

ão n

o ca

pita

l17

118

9320

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015

045

1537

326

074

3006

419

906

4011

754

782

5283

841

644

Empr

éstim

o in

terc

ompa

nhia

-528

823

-424

2134

5085

1014

994

6042

8390

1187

812

434

2240

1

Inve

stim

ento

s em

car

teira

-511

953

08-4

750

4885

9081

4839

011

3350

283

6301

135

311

8770

2583

0

Inve

stim

ento

bra

sileir

o em

car

teira

-321

179

-755

-177

16

286

1900

4125

-478

416

858

-776

4-8

913

Açõe

s de

com

panh

ias e

stra

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as-3

89-2

58-1

21-8

31-9

15-1

413

257

2582

6211

8801

-227

5-1

462

Títu

los

de re

nda

fixa

6743

7-6

33-9

4092

116

9916

4315

42-1

0995

8057

-548

9-7

451

Inve

stim

ento

est

rang

eiro

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arte

ira-4

797

5129

-399

666

5590

7648

104

-767

4615

967

795

1845

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534

3474

2

Açõe

s de

com

panh

ias b

rasil

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1981

2973

2081

6451

7716

2621

7-7

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3707

137

671

7174

5600

1163

5

Títu

los

de re

nda

fixa

-677

821

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076

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1360

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1127

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7

Deriv

ativo

s-3

56-1

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368

346

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298

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133

252

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Pass

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-128

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-799

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Out

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Out

ros

inve

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eiros

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-686

-872

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4681

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549

1965

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ERR

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-66

-793

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1670

RES

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Font

e: B

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o Br

asil

(201

4).

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154

Capítulo 4

Conforme podemos notar, nessa tabela não temos a conta de variação de reservas ou haveres da autoridade monetária. Contudo, sabemos que, para garantir o equilíbrio interno, essa conta de variação de reservas deve ser do mesmo valor do resultado do balanço, porém, com sinal invertido. Sendo assim, essa conta teria o seguinte resultado:

Tabela 4.4 – Evolução da variação de reservas do balanço de pagamentos do Brasil

Balanço de pagamentos

US$ milhões

Discriminação 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Haveres da autoridade monetária ou variação de reservas

-302 -8496 -2244 -4319 -30569 -87484 -2969 -46651 -49101 -58637 -18900 5926

Fonte: Banco Central do Brasil (2014).

Podemos verificar a partir desse exemplo que o balanço de pagamento do Brasil correspondente ao período entre 2002 e 2013 teve, em 11 dos 12 anos, resultado positivo. Cenário esse que é construído pelo aumento das reservas, cujo lançamento deve ser feito a débito na conta de variação de reservas.

Analisando o balanço de pagamento do Brasil, conta por conta, é possível constatar que a situação de suas contas externas se enquadra no perfil das contas de países em desenvolvimento.

Nota-se que em todos os anos analisados a balança comercial apresentou um saldo positivo. Porém, há um forte aumento da importação no ano de 2010 em diante, o que pode comprometer o saldo da balança comercial brasileira, que é uma conta estratégica para o equilíbrio do balanço de pagamentos.

Verificando a conta de serviços e rendas, vamos perceber que essa conta é extremamente deficitária e grande parte desse resultado corresponde ao pagamento de “serviços do exterior”, nesse caso compreendendo o pagamento de juros.

O Brasil, basicamente, é deficitário em transações correntes em 2002 em razão de conjunturas políticas que tiveram impacto direto na economia, pois havia certa desconfiança do mercado em razão da vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais.

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155

Contabilidade Social

Entretanto, passada a fase de conturbações e reestabelecida a confiança dos investidores, o Brasil navegou em águas calmas até 2008, ano da crise monetária internacional. Esse período foi caracterizado por uma fuga de capitais de investidores estrangeiros no Brasil, demandando do governo uma série de medidas para manter o dólar no país.

No que se refere à conta capital e financeira do Brasil ela é superavitária, principalmente em razão do investimento direto e investimento estrangeiro direto, o que representa o interesse de empresas multinacionais em se restabelecer no país.

Por fim, temos o resultado do balanço de pagamentos. Conforme podemos verificar na tabela evolução do balanço de pagamentos do Brasil, a queda abrupta do saldo da balança comercial teve impacto direto no saldo do balanço de pagamentos de 2013.

O saldo da balança comercial teve redução de US$ 19,395 bilhões em 2012 para US$ 2,558 bilhões em 2013. Nesses mesmos anos, o saldo do balanço de pagamentos reduziu de US$ 18,9 bilhões em 2012 para – US$ 5,926 bilhões em 2013.

Diante do exposto podemos constatar que é possível tirar uma série de conclusões sobre a economia de um país a partir da análise do balanço de pagamento, desde que tenhamos compreendido todos os conceitos utilizados em sua elaboração.

Por fim, cabe destacar que o balanço de pagamento é um dos mais importantes instrumentos de gestão de política econômica de um país, não havendo possibilidade de uma economia nacional proporcionar mais competitividade de suas empresas sem antes estabelecer uma política, em especial cambial, voltada à promoção do produto interno no exterior.

Nesse sentido, saber analisar o balanço de pagamentos e as implicações das políticas econômicas é uma área central para um profissional que atua na área de economia, visto que toda economia é afetada por variações positivas ou negativas do saldo do balanço de pagamentos.

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157

Considerações Finais

Caro(a) estudante,

Nesse estudo você teve a oportunidade compreender a importância da contabilidade social, principalmente a dos indicadores por ela produzidos para subsidiar no processo de tomada de decisão dos agentes econômicos, visando a futuras intervenções na economia de um determinado país.

A compreensão desse contexto é fundamental para os profissionais que atuam na área econômica a fim de saber analisar o funcionamento e as relações do balanço de pagamentos, assim como as relações entre seus principais indicadores.

Um profissional que conhece muito bem o balanço de pagamentos e as contas nacionais, além do conhecimento em estatística e econometria, é um profissional capacitado e muito demandando pelo mercado para elaboração de expectativas que são utilizadas pelo governo e corporações em seu processo de decisão.

Assim, fazer projeções sobre o Produto Interno Bruto (PIB), consumo interno, nível de investimentos, taxa de câmbio, inflação é uma das principais competências do profissional em economia, o que faz a contabilidade social ser um tema fundamental para sua formação profissional, sendo sua plena assimilação fator de destaque no mercado de trabalho.

Diante desse contexto, por meio da estrutura que foi organizado esse livro didático, você percebeu que a “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de Keynes, lançou os agregados macroeconômicos fundamentais para análise e mensuração de uma economia, pelos quais a contabilidade social lança suas bases, revelando a existência de importantes identidades e sua relação com os agregados macroeconômicos.

Constatou que o método de partidas dobradas é uma importante metodologia para mensuração do PIB de uma economia, no qual um débito precisa ter, obrigatoriamente, um crédito correspondente de mesmo valor. O equilíbrio interno entre débito e crédito é fundamental para a contabilidade social.

Analisou as três óticas que permeiam a base de cálculo do PIB e que, por meio delas, é possível igualmente mensurar o produto e, obrigatoriamente, elas devem fornecer o mesmo valor de produto, independente da ótica utilizada.

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A ótica da renda, por exemplo, considera que os agentes econômicos são os proprietários dos meios de produção. As transações se dão entre empresas e famílias envolvendo dois fluxos: um de produtos e serviços e outro monetário. A ótica do produto considera a atividade dos agentes econômicos como produtores do processo produtivo das empresas. Já a ótica do dispêndio está relacionada com a atuação dos agentes econômicos enquanto consumidores dos bens e serviços produzidos.

Desse modo, você percebeu que, além de desempenhar o papel de consumidores, as famílias também são proprietárias de fatores de produção, e é por meio da venda do fator trabalho que muitas delas garantem o acesso ao mercado de bens e serviços produzidos pelas empresas.

No decorrer dos estudos foi abordado o fluxo circular da renda, que é baseado nas transações monetárias que envolvem produtos e, ao contrário do mercado de bens, o dinheiro tem livre circulação, pois, além de remunerar os fatores de produção, ele é utilizado pelas famílias no momento do consumo dos bens e serviços produzidos.

Também foram abordadas questões essenciais relacionadas às contas nacionais, em especial a metodologia de cálculo no Brasil, bem como as contas integradas econômicas, essas que têm como objetivo apoiar a decisão de formadores de políticas econômicas e setoriais, sendo que seu uso em conjunto com a tabela de recursos e usos é estratégico, uma vez que permite maior e melhor análise de uma grande quantidade de informações.

Por fim, você estudou que o balanço de pagamentos permite registrar todas as transações de uma economia nacional com o restante do mundo que, de forma geral, são constituídas por residentes que se relacionam com não residentes.

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Sobre o Professor Conteudista

Thiago Paulo Silva de OliveiraÉ economista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006), mestre em Engenharia do Conhecimento (2009) pela mesma instituição, formulador de estratégias em Governo Eletrônico certificado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), Coordenador em Práticas de Civismo e Informação certificado pela Organização Universitária Interamericana. Consultor na área de engenharia e gestão do conhecimento aplicado à administração pública. Analista de investimentos com experiência em finanças, estratégia empresarial, inteligência de mercado, viabilidade de projetos e plano de negócios. É sócio diretor da EPSC Investimentos, gestora de recursos small caps value investing, sediada em Florianópolis-SC. No campo da pesquisa, possui dezenas de artigos aprovados em eventos internacionais, já participando de alguns na condição de autor e apresentador.

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Universidade do Sul de Santa CatarinaContabilidade SocialO livro Contabilidade Social apresenta um importante marco conceitual e prático para o estudante, evidenciando uma relação tênue entre indicadores econômicos e a política macroeconômica. A partir da compreensão e análise da estrutura das contas nacionais, o estudante, futuro profissional no mercado, obterá um diferencial competitivo e estratégico, que permitirá antecipar movimentos da economia, em especial por parte do governo e de grandes empresas, garantindo sempre a melhor alocação dos recursos disponíveis, seja em organizações públicas, seja em organizações privadas.