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CONT A-CORRENTE R A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim quinzenal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 03, N° 36 - 15 de Fevereiro de 2013 Brasil: pleno emprego ou pleno subemprego? Segundo o IBGE, a taxa de desemprego em dezembro de 2012 foi de 4,6%, uma das mais baixas de nossa história. Por causa disso, o governo tem avaliado que estamos vivendo uma situação de quase pleno emprego. por Daniel Romero Comparado com a década de 90, quando o desemprego atingiu níveis recordes e um caráter epidêmico, os níveis a- tuais de desemprego são muito positivos. No entanto, é pos- sível afirmar que o Brasil está vivendo uma situação de pleno emprego? Não existe con- senso no país sobre isso. Economistas da FGV afir- mam que sim, mas este passo ainda não foi dado pelo IBGE, pelo gover- no e muito menos pelo DIEESE. O Boletim Contra- corrente desta semana analisa a tese do pleno emprego no Brasil. O que seria pleno emprego e como se mede o desemprego no pais? Como a metodologia do IBGE oculta o fenô- nome do desemprego. A indústria também estaria vivendo este mo- mento aparentemente tão favorável? Além disso, a ex- pansão da taxa de ocupa- ção tem rompido com a situação crônica de pre- cariedade que marca as relações de trabalho no Brasil? Por fim, para os setores mais penalizados, como negros e mulheres, também se poderia falar em pleno emprego?

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CONT A-CORRENTERA análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais

Boletim quinzenal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 03, N° 36 - 15 de Fevereiro de 2013

Brasil: pleno emprego ou pleno subemprego?

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego em dezembro de 2012 foi de 4,6%, uma das mais baixas de nossa história. Por causa disso, o governo tem avaliado que

estamos vivendo uma situação de quase pleno emprego.

por Daniel Romero

Comparado com a década de 90, quando o desemprego atingiu níveis recordes e um caráter epidêmico, os níveis a-tuais de desemprego são muito positivos.

No entanto, é pos-sível afirmar que o Brasil está vivendo uma situação de pleno emprego?

Não existe con-senso no país sobre isso. Economistas da FGV afir-mam que sim, mas este

passo ainda não foi dado pelo IBGE, pelo gover-no e muito menos pelo DIEESE.

O Boletim Contra-corrente desta semana analisa a tese do pleno emprego no Brasil.

O que seria pleno emprego e como se mede o desemprego no pais?

Como a metodologia do IBGE oculta o fenô-nome do desemprego.

A indústria também

estaria vivendo este mo-mento aparentemente tão favorável?

Além disso, a ex-pansão da taxa de ocupa-ção tem rompido com a situação crônica de pre-cariedade que marca as relações de trabalho no Brasil?

Por fim, para os setores mais penalizados, como negros e mulheres, também se poderia falar em pleno emprego?

Ano 03, N° 36 - 15 de Fevereiro de 2013 02

O pleno emprego chegou?

CONT A-CORRENTER

De acordo com o IBGE, por meio da Pesquisa Men-

sal de Emprego (PME), a taxa de desemprego no país em Dezembro de 2012 foi de 4,6%.

Este dado se refere à média das seis Regiões Metropolitanas pesquisa-das pelo Instituto: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Para o próprio IBGE, responsável pelos dados oficiais no país, ainda não é possível falar em pleno emprego. Da parte do governo, existe uma euforia travestida de cau-tela, pois a situação é

classificada sempre como de quase pleno emprego, sugerindo que o mesmo será alcançado em algum futuro próximo.

O que é pleno empregoNa concepção liberal,

o pleno emprego é quando há um equilíbrio entre a oferta e a procura de tra-balhadores no mercado; uma taxa de desemprego em torno de 02 a 03% se-ria um termômetro de uma situação como essa.

Esta concepção tem vários problemas, primei-ro porque parte de um pressuposto de que a eco-nomia capitalista tende ao equilíbrio.

Segundo, não faz ne-nhuma diferenciação das várias formas precárias de ocupação, que são ex-pressões de um tipo par-ticular de desemprego, principalmente nos países pobres.

Para Marx, o desem-prego é um contingente da população necessário à acumulação do capital, que se mostra disponível para o mesmo, como um “exército de reserva”, as-sumindo formas muito variadas.

Numa interpretação mais recente, Ruy Braga denomina este exército de reserva de Precari-ado, que é composta pela

“fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e rural” e, justa-mente por isso, essenciais à reprodução do capitalis-mo periférico (A Política do Precariado. Boitempo, 2012, p. 19).

Sob esta perspectiva, é mais correto falarmos que o Brasil está vivendo um pleno subemprego.

O pleno subempregoA dificuldade em se

medir o desemprego em um país cuja precariedade é a regra do mercado de trabalho pode ser perce-bida pelas diferenças nos dados entre o IBGE e o DIEESE.

Segundo o DIEESE, por meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego, a taxa de desemprego no Brasil também em dezem-bro de 2012 na média das Regiões Metropolitanas e o DF foi de 9,8%, mais do que o dobro dos dados ofi-ciais do IBGE.

As diferenças por região podem ser ainda maiores, como mostra o quadro.

Mas, o que justifica tamanha disparidade?

Regiões IBGE DIEESETotal 4,6 9,8Belo Horizonte 3,5 5,3Distrito Federal s/d 11,1Fortaleza s/d 7,7Porto Alegre 3,0 6,5Recife 5,6 12,2Rio de Janeiro 4,0 s/dSalvador 5,7 16,6São Paulo 5,2 10,0

Diferença nas Taxas de Desemprego Total e por Regiãoentre IBGE e DIEESE

(Dezembro de 2012, em %)

durante o mês e tenha recebido qualquer quan-tia, como lavar um carro e receber R$ 10 pelo ser-viço.

Além disso, se o desempregado não tiver buscado trabalho durante a semana em que a pes-quisa é realizada, ele já é considerado como inativo (ou seja, não é um desem-pregado).

Por fim, se alguém se identificar como autôno-mo, como uma das amigas de Porto Alegre, também está fora dos dados ofici-ais de desemprego.

Uma mudança na metodologia do IBGE poderia resultar em do-brar os índices oficiais de desemprego, algo que ne-nhum governo parece dis-posto a fazer. É mais fácil conviver com a ficção do pleno emprego.

Ano 03, N° 36 - 15 de Fevereiro de 2013 03CONT A-CORRENTER

Como se oculta odesemprego no Brasil

Para entender como se mede o de-semprego no país,

podemos começar com a história do jovem que mora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e que recém termi-nou o curso técnico em Mecânica.

Enquanto não con-segue emprego em uma grande montadora, como planejou a vida toda, tra-balha na pequena oficina mecânica do tio.

O salário nunca foi formalmente definido, mas todo mês ele recebe uma “ajuda” variável do generoso parente, mesmo que ela nunca alcance se-quer meio salário mínimo.

Também podemos citar o caso das duas ami-gas que vivem em um bairro periférico de Porto Alegre e que foram dis-

O desemprego que o IBGE não quer ver

pensadas por uma tercei-rizada de uma grande in-dústria de confecção.

Uma delas, enquanto se aperta com a aposen-tadoria do marido, con-seguiu um bico e uma vez por semana lava as roupas do vizinho da rua de baixo.

A outra amiga fi-cou com tanto ódio do ex-patrão que apostou suas poucas fichas num “negócio próprio”: fez um crédito pessoal, comprou uma máquina de costura, trabalha 12 horas por dia e vende as peças que faz em casa. Por enquanto, tem conseguido pagar em dia as prestações para o banco.

Por fim, também te-mos a história da família de Fortaleza em que o pai já está a tanto tempo de-sempregado que não vai

mais toda semana procu-rar emprego.

Este mês, eles espe-ram poder pagar uma parte das dívidas, porque a filha mais velha conseguiu uma vaga como professora eventual na rede pública e, se faltar muito profes-sor efetivo, vai sobrar al-gumas aulas para ela.

Para o IBGE, todas as pessoas citadas acima curiosamente não seriam consideradas na taxa ofi-cial de desemprego.

Como ocultar odesemprego

A metodologia do IBGE oculta o desem-prego no país por meio de vários elementos.

O mais absurdo é aquele que considera em-pregada qualquer pessoa que tenha realizado um trabalho por 60 minutos

Desemprego oculto pelo trabalho precário:atividades remuneradas eventuais e instáveis ou em trabalho não remunerado de ajuda a negócios de parentes, e que to-maram providências para obter um emprego assalariado ou

regular de auto-ocupação.

Desemprego oculto pelo desalento:pessoas sem trabalho e sem procura efetiva

por desestímulo ou razões fortuitas, mas com disponibilidade e necessidade de trabalhar.

Ano 03, N° 36 - 15 de Fevereiro de 2013 04CONT A-CORRENTER

O rosto do desemprego

Se não é correto identificarmos uma situação de pleno

emprego no país, a situa-ção se torna ainda mais flagrante quando olhamos para os setores mais pre-carizados: as mulheres e a população negra.

E não adianta vir com aquela resposta pronta de que o problema se resume à falta de qualificação, pois as mulheres têm mais tempo de escolaridade do que os homens e isso não lhes garantem condições

Taxa de Desemprego na RegiãoMetropolitana de São Paulo por sexo (2011)

Coordenação Nacional do ILAESE: Cristiano Monteiro, Daniel Romero, Érika Andreassy, Luci Praun, Nando Poeta e Nazareno Go-deiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (11) 7552-0659 - [email protected] - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Atividade Principal 91.99-5-00. Contra-corrente é uma publicação quinzenal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais. Editor responsável: Daniel Romero.

EXPEDIENTE

Fonte: PED, DIEESE, 2011

melhores de emprego e renda.

O crescimento econômico e a redução do desemprego no último decênio não eliminaram a desigualdade histórica que marca a população feminina e negra.

Em algumas cidades brasileiras, as mulheres negras têm índices de de-semprego próximos aos da Espanha, que vive uma das maiores crises da sua história.

O desemprego reduziu, mas não a diferença entre homens e mulheres, entre brancos e negros.

12,5% 8,6%

Taxa de Desemprego por cor e sexo (2011, em %)

Fonte: PED, DIEESE, 2011