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Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.4, n.1, p. 33-108, jul. 2007 Delvair Montagner 1 Resumo - O presente artigo trata da situação gerada pela proibição, por parte do Ibama quanto à permanência de moradores no Parque Nacional da Serra do Divisor, que teve como consequência conflito com os habitantes do Igarapé Novo Recreio, no rio Môa, os quais se negaram a sair de suas terras, identificando-se como índios Náwa. Diante do impasse, o Ministério Público Federal - Justiça Federal de 1ª Instância do Acre intervém e solicita uma perícia antropológica, pedindo à Administração Regional da FUNAI de Rio Branco que elabore quinze quesitos a serem investigados por perito. O presente artigo consiste na síntese do relatório apresentado à Seção Judiciária do Acre - 1ª Vara. Palavras-chave: Identificação étnica. Náwa. Etnogênese. IBAMA. Seção Judiciária do Acre - 1ª Vara. FUNAI. Construção da etnia Náwa Em maio de 2002, viajei para o Igarapé Novo Recreio, acompanhada de dois assistentes de perícia indicados pelo Ibama e FUNAI. A presença de assistentes para a resolução de caso tão delicado e conflituoso, foi algo complicado, pois requeria que a perita fosse sozinha para poder estabelecer uma relação de confiança com os índios e a investigação se desenvolvesse com fluidez e proficuidade. Conceito de critério de identidade étnica aceito pela ABA e utilizado pela FUNAI Até pouco tempo atrás, o conceito teórico de identidade étnica mais difundido e conhecido pelos estudiosos de etnicidade era aquele desenvolvido pelo antropólogo Fredrik Barth (1969), que definia

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Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.4, n.1, p. 33-108, jul. 2007

Delvair Montagner1

Resumo - O presente artigo trata da situação gerada pela proibição, porparte do Ibama quanto à permanência de moradores no Parque Nacionalda Serra do Divisor, que teve como consequência conflito com oshabitantes do Igarapé Novo Recreio, no rio Môa, os quais se negaram asair de suas terras, identificando-se como índios Náwa. Diante do impasse,o Ministério Público Federal - Justiça Federal de 1ª Instância do Acreintervém e solicita uma perícia antropológica, pedindo à AdministraçãoRegional da FUNAI de Rio Branco que elabore quinze quesitos a sereminvestigados por perito. O presente artigo consiste na síntese do relatórioapresentado à Seção Judiciária do Acre - 1ª Vara.

Palavras-chave: Identificação étnica. Náwa. Etnogênese. IBAMA. SeçãoJudiciária do Acre - 1ª Vara. FUNAI.

Construção da etnia Náwa

Em maio de 2002, viajei para o Igarapé Novo Recreio,acompanhada de dois assistentes de perícia indicados pelo Ibamae FUNAI. A presença de assistentes para a resolução de casotão delicado e conflituoso, foi algo complicado, pois requeria quea perita fosse sozinha para poder estabelecer uma relação deconfiança com os índios e a investigação se desenvolvesse comfluidez e proficuidade.

Conceito de critério de identidade étnica aceito pelaABA e utilizado pela FUNAI

Até pouco tempo atrás, o conceito teórico de identidade étnicamais difundido e conhecido pelos estudiosos de etnicidade era aqueledesenvolvido pelo antropólogo Fredrik Barth (1969), que definia

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grupos étnicos como formas de organização social em populaçõescujos membros se identificam e são identificados como tal pelosoutros, constituindo uma categoria distinta de outras categorias damesma ordem. Esse conceito foi empregado por outros prestigiadospesquisadores, como M. Moerman (1965) e Abner Cohen (1969).

As conceituações de relações étnicas são difundidas no Brasilpelo antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira (1971), que configuraa realidade brasileira da época, formando escola entre ospesquisadores. O conceito passa a ser amplamente utilizado pelosantropólogos brasileiros, quer estejam ligados a órgãosgovernamentais (universidades públicas, FUNAI) ou não-governamentais, instituições privadas, sendo referendada pelaAssociação Brasileira de Antropologia - ABA, entidade à qual agrande maioria dos antropólogos está filiada. Com o decorrer dotempo, os pesquisadores vão aperfeiçoando a teoria de acordo comas evoluções dos estudos sobre identidade étnica e fricção interétnicabrasileira, que foram realizados com minorias étnicas: índio, negro,imigrante, cigano e outros.

A partir de 1990, o modelo de etnicidade já não se encaixamais na realidade brasileira, exigindo que os antropólogos revisassemos conceitos empregados, reformulando-os e ampliando-os paraatender as novas exigências que estavam se apresentando no Brasil,principalmente no Nordeste. Muitos grupos indígenas que eramconsiderados extintos, aculturados ou integrados à sociedadenacional passam a solicitar seu reconhecimento de indianidadeperante essa mesma sociedade que o rejeitava e o discriminava, etambém diante do Estado/FUNAI, buscando seus direitosinstitucionais e de cidadania: terra, saúde e educação.

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O ressurgir foi desencadeado por vários fatores, entre osmais importantes a questão fundiária, que gerou conflitos, mortes,invasões e desapropriações, fazendo com que os grupos sociaisque até então viviam como comunidades organizadas ou estruturadasatravés de laços sociais (descendência, ancestralidade indígenacomum, consangüinidade, casamento, entidades religiosas ou míticas)emergissem de seu silêncio, tornando-se visíveis aos olhos do branco,do político e da própria FUNAI, como estratégia de sobrevivência.Para que isso acontecesse, procuram suas raízes, o tronco de seusancestrais, a ponta da rama, que ainda estava guardada na memóriasocial dos grupos. Foi necessário relembrar as histórias de suasorigens que os avós e bisavós contavam, além de outros aspectosda cultura; a posse ou as doações das terras, que remontam à épocado Brasil Colônia; a presença e a ação das incontáveis missõesreligiosas que predominaram no passado, na região, durante décadas,desintegrando as culturas de diversas etnias indígenas; e, maisatualmente, os diferentes tipos de discriminação a que estavamsujeitos pelos brancos. Essas reminiscências culturais sãodestacadas pelos antropólogos Cunha e Oliveira (1983, p. 979), aoafirmarem que:

Origem e tradições são, portanto, o modo como seconcebem os grupos: em relação ao único critério deidentidade étnica, o de serem ou não identificados e seidentificarem, como tais, origem e tradições são, porém,elaborações ideológicas, que podem ser verdadeiras oufalsas, sem que com isso se altere o fundamento daidentidade étnica.

Essa viagem de volta ao passado pode ser comprovada pormeio de documentos históricos que registram o grande deslocamento

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de tribos, não só ocorridas no Nordeste, para os aldeamentosformados pelas missões religiosas espalhadas pelo Brasil,ocasionando a perda dos territórios originais, que eram vendidos oudistribuídos pela Coroa portuguesa a seus súditos. Com apromulgação da Lei de Terras (1850), vários aldeamentos dasmissões são extintos, sob a alegação que sua população era apenasde mestiços. Somente muitas décadas mais tarde os povos quenão foram extintos ou os indígenas que sobreviveram receberamparte dessas terras, em forma de doações, comprando-as ousimplesmente ocupando-as. São esses territórios que, hoje, os índiosemergentes estão tentando reaver legalmente. Essa retomada écorroborada por Sampaio (1995, p. 246),

Acrescido todo o contexto de submissão dos trezentosanos de dominação colonial sobre esses aldeamentos, nãoé de estranhar que antigas designações étnicas, quandoexistentes, se tenham, em muitos casos, perdido, restandocomo principal marca de identificação dos conjuntos sociaissobreviventes à referência ao próprio território onde foramreunidos.

A reunião de diferentes etnias e de línguas diversasdeslocadas dos seus territórios originais para um mesmo aldeamentoprovocou os casamentos intertribais e, mais tarde, os interétnicos,causando um alto grau de mestiçagem. Isso era inevitável, pois

[...] não existe população alguma que se reproduzabiologicamente sem miscigenação com os grupos com osquais está em contato (Cunha e Oliveira, 1983, p. 975).

Desta forma, surgem os “índios misturados” em grandeprofusão pelo Brasil afora, principalmente no Nordeste, devido a

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colonização mais sistemática do governo português na região.Massacrados culturalmente, eles não tinham consciência do valor,da importância e do significado de terem descendência indígena ouserem indígenas remanescentes, pois eram hostilizados e segregadospelos regionais por possuírem algum traço ou elemento diacríticofísico, cultural, social ou religioso que os diferenciava e reportava-os a sua ascendência indígena.

Somente ao serem compelidas por uma forte pressão externa,como por exemplo os conflitos agrários, as comunidades sãoforçadas a assumirem sua identidade étnica que estava até entãoencoberta. Vencido o primeiro impasse de aceitação de sua própriaespecificidade étnica, deparam-se com um outro tipo de problema,o Governo/FUNAI tem dificuldade de reconhecer o “índiomisturado” como índio, pois ele não se enquadrava nos moldes doíndio tradicional, “primitivo”, “puro”, como aquele concebido paraos amazônicos ou xinguanos. Oliveira Filho (1999, p. 115) exprimemuito bem essa perplexidade:

A representação quotidiana sobre o índio [...] é a de umíndivíduo morador da selva, detentor de tecnologias maisrudimentares e de instituições mais primitivas, poucodistanciado portanto da natureza.

Transcorridas centenas de anos, o Estado novamente sedepara com a mesma situação de antigamente. No passado, osmissionários e o próprio Estado incentivavam e provocavam amestiçagem, depois rejeitando seus resultados por motivos político-econômicos. Agora, ele fica de novo indeciso em aceitar os fatos,querendo que profissionais elaborem laudos antropológicos quevenham a provar a indianidade dos que se afirmam índios, muitas

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vezes dando mais valor aos documentos históricos que à memóriasocial das comunidades vivas.

Diante das repercussões alcançadas, dos impassesestabelecidos pelo Governo, das novas exigências indígenas e dosacontecimentos surgidos entre os que se identificam como índios,os antropólogos voltam seus interesses de pesquisas para o Nordesteindígena, até então pouquíssimo estudado, aparecendo outrasdefinições de indianidade baseadas em teorias anteriores. Criam-se novas conceituações ou se apropriam de terminologias poucousadas para definir a problemática de índios misturados, etnogênese,índios emergentes, emergência étnica, índio camponês e invisibilidadeindígena.

O antropólogo João Pacheco de Oliveira faz uma análisecrítica dessa profusão de noções, explicando que o processo deetnogênese abrange tanto a emergência de novas identidades comoa reinvenção de etnias já reconhecidas (1999, p. 18); que “índiosmisturados”, ao serem destituídos de seus antigos territórios, nãosão mais reconhecidos como coletividades, mas referidosindividualmente, como remanescentes ou descendentes (1999, p.24); que índios acamponesados são descritos em um ciclo evolutivomarcado pela expansão do capital atribuído à história (1999, p. 28);que o atributo da invisibilidade estabelece uma identificação entre avisão e o conhecimento, considerando aquela como uma faculdadeprivilegiada (1999, p. 28); e que índios emergentes sugeremassociações de natureza física e mecânica quanto ao estudo dadinâmica dos corpos e como imagem literária, reportando-se a umaaparição imprevista que enfatiza o fator surpresa (1999, p. 29).Chama a atenção que se deve ter muita cautela e restrições no

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emprego dessas formulações teóricas, pois ainda requerem maispesquisas nesses grupos sociais, devido a suas ambigüidades e aocontexto em que aparecem e são usadas, podendo restringir-seapenas ao significado semântico do termo, quando na verdade sãomais abrangentes e globalizantes do que aparentam ser.

Os Pankararu estiveram entre os primeiros grupos a iniciaro movimento de revitalização da identidade étnica indígena noNordeste, após vários anos de esforços para serem legitimizadoscomo etnia diferenciada pelo Estado. Pelo fato de terem conservadoa manifestação religiosa Toré, foram considerados como índios. Apartir daí, seus subgrupos ou outros grupos da região passaram adifundir, a executar ou a aprender esse ritual, imprimindo cada um,uma característica peculiar a ele, constituindo um elementoemblemático, uma instituição unificadora e comum para ascomunidades indígenas nordestinas. Conforme salienta Oliveira, oritual do Toré

[...] permite exibir a todos os atores presentes nessa situaçãointerétnica (regionais, indigenistas e os próprios índios)os sinais diacríticos de uma indianidade peculiar aos índiosdo Nordeste (1999, p. 25).

Além disso, os índios do Nordeste adotam outros elementosexternos, de tribos identificadas como tradicionais, para reforçarsua postura cultural, como por exemplo, pinturas e adornos corporais,ficando mais semelhantes àquelas. Assim, utilizando artifícios sociais,emergem muitos grupos, recriam-se ou se constroem designaçõesétnicas para identificar os Kapinawá, Kambiwá, Tapeba,Tremembé, Jenipapo, Kanindé, Xokó, Wasu, Truká e outros que jáfazem atualmente parte da etnografia indígena brasileira, cada um

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deles com uma especificidade própria que os identifica e ao mesmotempo os distingue entre si. Conforme afirma a antropóloga Paraíso(1987) referindo-se aos Xakriaká, de Minas Gerais, mas em quepor extensão podemos incluir as demais etnias que se encontramna mesma situação de reconhecimento oficial:

Forçados pelas circunstâncias, viram-se obrigados àreformulação de seus padrões de organização social, comoestratégia de sobrevivência e hoje, por fim, têm suaidentidade questionada, pelos representantes da mesmasociedade que lhes impõe tais transformações (1973, p. 422).

Vestígios de antigos cemitérios, aldeias e capoeiras naterra dos Náwa e no Parque Nacional da Serra do Divisor

O critério de vestígios materiais é importante para aidentificação e delimitação de uma terra indígena, mas temos queestar alertas para não dar uma ênfase excessiva à buscaestereotipada de provas materiais ou marcas de ocupação do espaço,de itens culturais, como cacos de cerâmica, materiais líticos,cemitérios. Os antropólogos Oliveira e Almeida (1998, p. 90)comentando sobre provas de ocupação para definir o territórioimemorial indígena, destacam que:

[...] O universo conhecido (e explorado materialmente)pelos índios virtualmente não tem limites, incorporandoáreas que são periféricas ao seu habitat e tendencialmenteabarcando até mesmo pontos míticos, sem possibilidadesde traçar uma fronteira precisa entre a geografia e a suacosmologia.

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a) Cemitério

Os Náwa não possuem cemitérios específicos em cadaigarapé onde moram, as circunstâncias é que ditam onde o mortoserá enterrado. No igarapé Novo Recreio há cemitérios de antigos,assim como na boca do igarapé Tapado, no rio Môa e na boca doigarapé Zulmira. No cemitério da TI Nukini enterram pessoas dediferentes etnias.

b) Capoeira e maloca

Capoeira é sinônimo de maloca, onde há uma, há a outra.Existe uma profusão de capoeiras na região e facilmente apontadase identificadas pelos Náwa. Eles consideram que as capoeiraspertenciam a seus antepassados. Há sinais que indicam se o lugaré capoeira, tais como: gameleiras grossas significam que são muitovelhas e nascem em locais de capoeiras; palmeiras jarinas; pau-brasil com troncos grossos; a presença de cacos de cerâmica epotes de cerâmica partidos; pupunheiras; touceiras de bananeiras;embaúbas.

Encontraram capoeiras em diferentes lugares: perto do igarapéJordão, no igarapé Novo Recreio, de cerca de 3-4 hectares e commais de 60 anos; no igarapé Jordão; no igarapé Pau D’Arco, afluentedo igarapé Jordão, acreditam que esta capoeira tenha 100 anos; naColocação Paxiúba; no igarapé Novo Recreio pelo lado da Serraque o caboclo Pio contava que “era área de peregrinação da tribodele”; no igarapé Novo Recreio, antigo local de moradia dosPoyanáwa; nos igarapés Pijuca e Tapado; na boca do igarapé Tapadocujas capoeiras pertenciam aos Poyanáwa; no igarapé Tapado háduas capoeiras, localizadas na Colocação Centro Solidão, perto do

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pé da Serra, antigo sítio onde ainda coletam pupunhas; no igarapéTapado há várias capoeiras que supõem que pertencessem aos Náwaporque ficam do lado onde eles moram; na boca do Tapado há cercade cinco capoeiras; no igarapé Aguaneiro, afluente do igarapé NovoRecreio; na Colocação São João; na cabeceira do igarapé NovoRecreio conhecem duas capoeiras antigas; mais abaixo da ColocaçãoSão Francisco; no pé da serra do igarapé Zulmira; no igarapé Branco,afluente do Novo Recreio; no igarapé Jesumira, perto da Serra doMôa; no rumo dos igarapés Novo Recreio e do Venâncio; naColocação Limeira; e na Colocação 7 de Setembro, no rio Môa.

c) Cacos de cerâmica

Há uma profusão de sítios arqueológicos na região quenecessitam de pesquisas, antes que sejam totalmente destruídos,impossibilitando a reconstituição do povoamento e da mobilidadedos diversos povos indígenas que nela habitaram.

Entre os objetos já encontrados estão potes de água de cerâmicaquase intactos. Os cacos de cerâmica (que chamam de pote, alguidar,caco de barro) são achados por caçadores; quando capinam as roças;ou desenterrados pelas enxurradas, aflorando à superfície; já foramencontrados também nos fundos do quintal de Raimunda Carvalho;na Colocação do Cosme; no Paraná dos Moura; no igarapé Branco,afluente do Novo Recreio; na Colocação 7 de Setembro, rio Môa;na boca do igarapé Tapado. Segundo um Nukini, os cacos de cerâmicaencontrados no igarapé Novo Recreio pertenciam a recipientes usadospelos Nukini, que ali moraram tempos atrás.

Materiais de épocas mais recentes também se fazempresentes nos sítios arqueológicos, tais como panela e bacia

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esmaltadas encontradas numa colocação do igarapé Espera Aí,afluente do Aguaneiro.

d) Material lítico

Instrumentos de pedra, como machados polidos e furadores,também são encontrados quando capinam em terra firme, brocama roça ou constroem casas. Os machados e os cacos de potespossuem valor histórico para a comunidade Náwa, sendo doadospara pessoas ou entidades que possam ajudá-los na identificaçãodo território e no seu reconhecimento étnico.

Vários moradores são donos de machados de pedra, residindoos mesmos na boca do igarapé Zulmira; na Colocação MonteAlegre, rio Môa; na Colocação Fronteira do Norte; na Colocação7 de Setembro, rio Môa. Na Colocação Cana Brava, no igarapéRecreio, um dos moradores possui um furador de pedra.

No processo de criação do grupo étnico Náwa seus membrosgeraram uma cultura própria, buscando resquícios antigos dentrode um território delimitado, considerado de uso comum de seusantepassados. Elegeram como uma das marcas de indianidadecacos de cerâmica, materiais líticos, antigas capoeiras e cemitérios,sobre os quais todos concordam quanto a sua procedência histórica.

Registros históricos e bibliográficos de populaçõesindígenas que viveram no rio Môa

a) Terminologia Náwa

Fontes bibliográficas ressaltam que a bacia do rio Juruá erahabitada, antes de 1850, por várias etnias, principalmente por aquelas

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pertencentes ao tronco lingüístico Pano. Como normalmente osgrupos tinham em sua autodenominação o sufixo náwa, passam aser conhecidos e chamados pelos regionais por Naua, Nahua,Náwa2. Há muitas referências dessas denominações nos relatosdos vários exploradores, viajantes e cronistas dos séculos XVIII eXIX que percorreram o Acre. Somente para citar alguns deles,Cani, Brozzo, Stulzer - italianos, Galdino da Paixão e Pereira deSousa - brasileiros (1884), Castelnau (1847), Chandless (1867),Marques de Meneses “Pernambucano” – 1863, mencionam aexistência de Nauas/Pano, no rio Tarauacá atacando viajantes eoutras tribos, ou como tendo eles próprios visitado suas malocas(Castelo Branco, 1952, p. 7).

A mesma designação naua também era dada aos acidentesgeográficos das áreas ocupadas pelas sociedades indígenas de falaPano. Relata Castelo Branco que o Diretor de Índios João daCunha Correia foi quem denominou um desses acidentes com onome de Estirão dos Nauas, por haver no lugar uma aldeia dessesindígenas. Ele deu-lhes presentes, mas os índios os arremessaramno rio (1952, p. 6).

Os grupos Nauas foram dizimados pelas várias frentesextrativistas que entraram na região. Muitos deles nem foramidentificados pela sua etnia, mas apenas referidos pelo termo genéricoíndio e outros foram considerados extintos, principalmente devidoaos surtos de doenças. Autores já considerados clássicos naliteratura da história acreana, como Castelo Branco, Braulino deCarvalho e Oppenheim, registraram a presença de tribos Panomorando no rio Môa e adjacências, sendo que atualmente algumasdelas não existem mais, outras ainda se encontram nesta região,mas outras tantas se mudaram.

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Castelo Branco menciona que os italianos e seus companheirosbrasileiros, em 1884, encontraram pelas cercanias do rio Môa extensosbananais e numerosos indígenas, e que, no meio do Estirão dos Nauas,visitaram as malocas desses gentios, oferecendo-lhes objetos (1952,p. 7). O mesmo autor comenta que, por ocasião da exploração dovale do Juruá, acharam tabas de Naua no Estirão de mesmo nomee que, no rio Môa, Paraná dos Moura e no Seringal Buritizal, osíndios foram desalojados pelo explorador Lopes da Silva, sendo queem 1893 já não mais existiam no local (ibidem,p.9 - 10). Pe. Tastevinregistra que em 1904 a sede da prefeitura do Alto Juruá foiestabelecida abaixo da boca do rio Môa, sobre a colocação da aldeiaindígena dos Naua, recebendo a cidade o nome de Cruzeiro do Sul(1920, p. 138-9). O relatório do engenheiro João Alberto Masô, de1910, enfatiza que havia tabas de índios Naua nos rios Môa e Paranádos Mouras, que foram dizimadas por moléstias contagiosas eacossadas para as cabeceiras, com grandes perdas da população(Castelo Branco,1952, p. 19). Por sua vez, o engenheiro Rêgo Barros,em relatório de 1914, também narra a extinção de índios localizadosnas cabeceiras do Môa, causada pelo catarro (Castelo Branco, 1952,p. 19). Já Carvalho (1931, p. 225) noticia que no vale do Envira,desde o Riozinho e o rio Purus, era habitado pela numerosa famíliados Nauas ou Nahuas.

Como vimos, a palavra náwa não se aplica a uma etniaespecífica, dando a entender que o termo era usado para distinguiros grupos de fala Pano de outras etnias indígenas e, inclusive, paradiferenciá-las do branco.

Informações complementares sobre o aparecimento e autilização do termo naua no período histórico, acrescido de

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informações recentes coletadas junto ao grupo que se reconhececomo Náwa, estão contidas no Relatório de Antonio Pereira Neto(Proc. nº FUNAI/BSB/2058/2000:33-52). Num artigo recente deKeifenheim (1990:79-94) que trata do conceito de identidade, aalteridade e o sistema de categoria, eu e o outro, entre os Kaxináwae os Shipibo peruanos, aparece a palavra nawa, mas que não serefere a um grupo.

b) Poyanáwa

A partir do século XX, os índios acreanos passam a seremidentificados por sua autodenominação, como comprovam os váriosrelatos históricos. O engenheiro Maximo Linhares, em 1911,ajudante do Serviço de Proteção aos Índios, comenta num artigo dejornal que foi “conquistar” os bravios Poianaua, num pequenoafluente do Môa. Eles eram vizinhos da Fazenda Canudos, depropriedade do Coronel Mâncio Lima, onde constantementecometiam roubos e queimavam barracões. Os Poyanáwa habitavama faixa de terra compreendida pelo Paraná dos Mouras e rio Môa.Presumia que fossem os remanescentes dos antigos índios Naua,que cerca de 20 anos atrás (1891) viviam na margem esquerda dorio Juruá, sendo acometidos de varíola e perseguidos violentamentepelos fazendeiros. Eles sobem o vale do Paraná dos Moura, alialojando-se cerca de 200 pessoas (1913, p. 7). Linhares esclareceque recebeu uma carta do Coronel Mâncio, relatando que desde1900 tentava catequizar os índios que viviam entre as terras doParaná dos Mouras (ou da Viúva) e o rio Môa, sem resultadospráticos, e que há 10 anos cerca de 200 índios estavam dentro doseu Seringal, diante do que pedia providências urgentes ao Serviçode Proteção aos Índios (1913, p. 8). Na carta, o Coronel não

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identifica a etnia dos índios, mas, pela localização geográfica e asdatas, deduzo que esteja se referindo aos Poyanáwa.

O médico João Braulino de Carvalho, da Comissão de Limitesdo Brasil com o Peru, encontrou entre 1920 e 1927, vinte famíliascom 125 Poyanáwa, no alto rio Môa, nas margens e nas terrasfirmes, trabalhando no Seringal Barão do Rio Branco (1931, p. 130).Assim, no espaço de nove anos (1911 a 1920), houve umadepopulação de 75 pessoas. O Coronel Lima Figueiredo, empublicação de 1939, refere-se a este grupo como ocupando as terrasfirmes do rio Môa (Castelo Branco, 1952, p. 27). O próprio CasteloBranco comenta que restaram poucos grupos Nauas da língua Pano,como os Poyanáwa, nas margens do Môa e no divisor deste comos rios Javari e Tapiche (1952, p. 28). Por sua vez, Gama Malcherlocaliza os Poyanáwa como habitando o alto rio Môa e que estavam,em 1913, no Posto do SPI em Tauacuéra (1964, p. 67).

c) Kuyanáwa

O padre francês Constantino Tastevin, em 1912 e 1914, chamaos Poyanáwa de Cuyanauas, afirmando que desde 1914 haviam sidopacificados pelo seringalista Mâncio Agostinho Rodrigues Lima(Castelo Branco, 1952, p. 24). Ressalta Tastevin que, no alto Juruá,o governo brasileiro agrupou a tribo Cuyanauas entre o rio Môa e oParaná dos Moura, ação realizada pelos “missionários positivistas”(1920, p. 133), pessoas que catequizavam os índios que estivessemperto ou dentro de seus seringais. Deduz-se que, na área dessegrupo, viviam outros, como se fosse uma reserva indígena (penal?),pois Tastevin comenta que os Ararauas que viviam no alto do rioLiberdade enviavam os indivíduos que faziam prisioneiros para acolônia dos Cuyanauas do rio Môa (1920, p. 133).

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Malcher refere-se aos Kuyanáwa como se fosse etniadiferente dos Poyanáwa, vivendo na região do rio Môa e Paranádos Mouras, no Tarauacá (1964, p. 67), mas a localização estáimprecisa, pois esses rios são afluentes do rio Juruá. No MapaEtno-Histórico de Nimuendajú (1981) os Poyanáwa e Kuyanawaaparecem vivendo próximos, junto ao rio Môa e, um pouco maisdistante geograficamente, são novamente registrados os Poyanáwaperto dos Nukuinis.

d) Nukini

O engenheiro Linhares, em 1911, encontra os Ynôcu-Inins(onça venenosa e cheirosa) no alto rio Môa (1913, p. 7) e, numainformação mais adiante em seu artigo; localiza-os exatamente noSeringal Gibraltar, alto rio Môa (ibidem, p.9). Tastevin tambémmenciona que, para os mananciais do rio Môa, entre Singarú e Môa,perambulam alguns sobreviventes dos Nukuinis (1920, p. 133). Essadenominação é registrada por outros autores como sendo Inocuinins,Inukuinin ou Inukuini (Castelo Branco, 1952, p. 27). Linhares relataque os Nukini se cindiram em duas facções, mas que permaneceramvizinhas, devido à disputa de liderança de um índio peruano da triboXaxá-Baca, que pretendia ser chefe dos Nukini. Ele rapta umaPampa (ou Kampa?) peruana, levando-a para a sua maloca noSeringal Gibraltar (1913, p. 9). Por conseguinte, já naquela épocahavia referências à mistura de etnias.

Linhares, por ocasião de sua passagem pela área, inspecionaterras devolutas nas imediações da Fazenda Canudos, depropriedade do Coronel Mâncio Lima, para alojar 80 Nukini quemoravam no alto rio Môa. O Coronel promete ceder uma grandeárea de sua fazenda para fundar uma povoação indígena (1913, p.

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9). Devido aos relevantes serviços prestados pelos proprietários dorio Juruá à causa indígena, Linhares propõe ao Governo Federalque vários coronéis sejam agraciados com o título de protetoresdos índios, entre os quais estava o Coronel da Guarda NacionalMâncio Agostinho Rodrigues Lima, dono de seringais e fazenda norio Môa, homem influente e respeitado na região. O título honoráriodado aos proprietários era uma prova de gratidão do Brasil a tãodignos patriotas e humanitários brasileiros, que tinham trabalhadoem favor do nosso infeliz patrício e irmão índio (ibidem, p.11). Estaatitude reflete bem o pensamento e a política governamental queprevalecia no começo do século passado a respeito da LegislaçãoIndígena e do comportamento dos brancos em relação aos índios.

Victor Oppenheim escreve que, até poucos anos atrás, osNucuinis eram uma tribo numerosa que habitava um afluente dorio Môa, o Paraná da República, mas que atualmente este igarapéestá desabitado. Ele questiona se os Nucuinis e os Rhemus são damesma tribo, ou se os Rhemus foram extintos ou absorvidos pelosNucuinis, mas conclui que podem se tratar de duas tribos diferentes(1936, p. 151). No entanto, no Mapa Etnográfico do Brasil deGama Malcher (1961), aparece a localização dos Nukuini nafronteira com o Peru, e, no Mapa Etno-Histórico de Nimuendajú(1981), eles estão no rio Môa.

e) Remo

Castelo Branco diz que o médico Braulino de Carvalho (1910-1927) chama os Remo (Remus ou Rhemus) de Nucuiny (1952, p.23). Este médico localiza primeiramente a antiga aldeia dos Remono rio Batã, afluente do rio Jaquirana/Javari e, posteriormente,localiza alguns núcleos familiares nas terras situadas entre o rio

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Javari e o rio Ipixuna (Carvalho, 1931, p. 252). O Pe. Tastevin, em1912-1914, menciona a morada dos Remos nas colinas deContamana, nas cabeceiras do Juruá Mirim (1920, p. 133). No MapaEtno-Histórico de Nimuendajú (1981), os Remo estão localizadosna fronteira amazônica do rio Môa e na fronteira com o Acre e oPeru.

f) Moura

Maximo Linhares, em 1911, registra os Moura vivendo noParaná dos Moura (1913, p. 12).

g) Kapanáwa

O Pe. Tastevin cita que os sobreviventes dos Capanauas edos Chipinauas foram reunidos pelos “missionários positivistas”com o apoio do governo brasileiro, na margem esquerda do rioAmôacas (1920, p. 133) – ou Amônea? No entanto, CasteloBranco comenta que os Capanauas que viviam nas margens dorio Môa e do divisor deste com os rios Javari e Tapiche, eramchamados de Nauas/Pano quando estavam espalhados pelo rioJuruá (1952, p. 28). Examinando o Mapa Etnográfico do Brasilde Gama Malcher (1961), os Kapanáwa estão localizados nafronteira com o Peru, enquanto no Mapa Etno-Histórico deNimuendajú (1981) são apontados como moradores dos rios Juruácom o Môa.

h) Sanináwa e Yamináwa

Castelo Branco (1952, p. 24) menciona que, nos dados doPe. Tastevin de 1912-1914, não há referências à presença dos

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Sanynauas e Jaminauás no rio Valparaiso, o que significa que, quandode sua passagem pelo local, encontrou esses índios. Eles realmenteviviam nessa área, pois quando Linhares passou por aí, em 1911,faz referência a estes grupos como radicados no igarapé Valparaiso(1913, p. 12).

i) Kampa

O Pe. Tastevin, em 1912-1914, enfatiza que os Kampa estãoestabelecidos aos pés das colinas de Contamana, no alto Juruá Mirim(1920, p. 133). Por sua vez, Castelo Branco (1952, p. 24) chamaesse grupo de Campos.

j) Amahuaka

Victor Oppenheim confirma que outrora os Amahuacas eramnumerosos nas cabeceiras do Juruá-Mirim, Paraná dos Moura ena região do divisor d’águas, mais ao sul, sendo atualmente estegrupo quase extinto no Brasil. Mais adiante em seu artigo, comentaque fazia apenas 20 ou 30 anos que tanto o rio Môa como o Paranádos Moura eram habitados pelos “Amauachos”, muitos dessestendo sido “amansados” pelo mateiro Barros, mas desaparecendoneste curto lapso de tempo (1936, p. 150). Tastevin cita que ossobreviventes dos Amoacas foram agrupados na margem esquerdado rio Amoâcas, pelos missionários positivistas, com o apoio doGoverno (1920, p. 133)3.

Genealogia dos Náwa, relações sociais e localização

Visitamos as casas em que os moradores se identificavamcomo índios e como Náwa. Muitas vezes não sabiam o nome completo

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de seus antepassados, lembrando apenas do apelido. Percorremoso igarapé Novo Recreio, rio Môa e afluentes, a TI Nukini, os bairrosSão Domingos e Iracema, na cidade de Mâncio Lima.

Existe uma relação de parentesco e de solidariedade entreos moradores de descendência indígena de um igarapé, quer sejaela consangüínea ou afim. O mesmo acontece com os brancos4

que têm vínculo com os índios. Os pais não moram e trabalham emlugares muito distantes das casas dos filhos casados. Porconseguinte, tentei agrupar os dados por colocação/parentesco aoelaborar a listagem das casas, fazendo o mesmo na construção dográfico de sistema de parentesco.

A citação dos nomes de parentes alcança até a sexta geração,sendo que as últimas gerações já não lembravam mais os nomes,mas apenas a etnia. A memória social do grupo é quase inexistente,recordam apenas fragmentos dela, os quais sempre são repetidospelos indivíduos. Os brancos casados com índios contribuíramenormemente para o resgate de dados históricos e culturais dacomunidade.

A rede de parentesco que envolve Náwa e Nukini é grande.Há 687 pessoas e 69 famílias/casas, que são aparentadas entre si.A contagem não foi esgotada, pois não registrei todas aquelaspessoas que vivem nos centros urbanos e rios mais distantes, comas quais os elos familiares são mais tênues. Da populaçãorecenseada, levantei a idade de 452 pessoas. A atualização do censoda população Náwa foi realizada por Antônio Pereira Neto -FUNAI/AC, em outubro de 2000, e se encontra nos autos doProcesso, volume 5, nas páginas 1073-84. O líder Railson, por suavez, atualizou o censo em 2001, registrando 48 famílias e 352

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pessoas, sendo previsto o nascimento de mais 7 crianças no igarapéNovo Recreio.

Percebe-se que a faixa etária de pessoas de mais idade épequena, o que constitui um problema para a reconstrução da históriaoral do grupo, pois são poucos os que lembram dela. Se acomunidade não se unir e se estruturar para resgatar o que sobrouda cultura indígena, esta se transformará em uma parcareminiscência do passado, pois o expressivo número de casamentoscom brancos e a adoção da cultura desses fatalmente ajudará adiluir a memória social do grupo. Além disso, a distribuição espacialdas casas dos Náwa por diferentes lugares dificulta a transmissãode conhecimentos culturais para a geração de jovens.

Mais da metade da população é formada de crianças e jovens,o que significa um aumento expressivo da população Náwa, nofuturo. Isso deve ser levado em consideração por ocasião dadefinição do território da comunidade. Outro dado a considerar éque a faixa etária produtiva economicamente é pequena emproporção às outras faixas etárias, podendo gerar escassez deprodutos alimentícios dentro de poucos anos, provenientes da roça,caça e pesca, agora sob controle do IBAMA, se o grupo não praticarmanejo ecológico da área.

Existem colocações dos Náwa no igarapé Novo Recreio doNorte, no rio Môa, na boca do Tapado, na boca do Pijuca, noigarapé Jordão, no Extrema do Recreio, na boca do igarapé Jesumirae no rio Môa, na boca do igarapé da Velha, afluente do rio Môa.Também há índios Náwa na TI Nukini e na cidade de Mâncio Lima- Bairro São Domingos, Colônia São Francisco e bairro Iracema.

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Vestígios ou notícias de índios isolados no igarapéTapado

Algumas estórias são narradas pelos informantes, comdetalhes, sobre a existência de vestígios de índios isolados (“brabos”,da mata), encontrados quando vão caçar ou colocar armadilhas.Nunca chegaram a conversar com eles, mas sentem suas presenças,chegando perseguirem vultos que se delineiam na mata. Os brabosos enganam, andam com os pés virados, dando a idéia que estão indopara outra direção. Os informantes acreditam que o grupo é pequenoporque são poucos os vestígios encontrados. Ouvem sopros eassobios. Os isolados imitam sons de macaco prego e preto, galinha,mutum e outros pássaros. Batem em sacopema, esticam cipós entreas árvores, mexem ou levam utensílios deixados nos tapiris. Elescoletam pupunhas em capoeiras e roubam milho das roças.

O líder Railson pensa que os isolados pertencem a seu povo,são seus parentes, porque se aproximam de seus tapiris; se fossemde outra etnia, não chegariam tão perto, pensar que é confirmadopor representantes do CIMI. Os Náwa procuram, portanto, reforçode sua origem étnica e auto-afirmação através dos índios isolados,tendo preocupações com a terra a ser destinada a eles. Como osisolados estão dentro do território pretendido pelos Náwa, após ocontato deles, pretendem separar um pedaço de terra nascabeceiras, especialmente para eles. Se for preciso, pretendemlocalizá-los e como que adotá-los. Os Náwa vigiam para queninguém perturbe a vida dos isolados. Acham que existem isoladosbrabos e mansos vivendo nas cabeceiras do igarapé Novo Recreio.

Os isolados foram situados em diferentes lugares: no igarapéTapado; em direção à Serra do Môa, cabeceira do Novo Recreio e

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do rio Azul; no igarapé Jordão com o rio Azul; na Colocação Paxiúba,igarapé Tapado; no igarapé Tapado; na Colocação Solidão,cabeceira do igarapé Novo Recreio; nas cabeceiras do NovoRecreio com o igarapé Tapado, atrás da Serra; e na cabeceira doigarapé Água Preta com o Boa Vista.

Parece que os isolados ainda andam pela região, pois oitoanos atrás acharam, nos igarapés Novo Recreio e Zulmira, umacapoeira que tinha cerca de três anos, localizando outra no igarapéPreto, afluente do igarapé Novo Recreio, as quais possivelmentepertenceram a índios isolados. Perto daí, encontraram tambémum capoeirão novo, um em cada lado do igarapé Água Branca,afluente do Novo Recreio.

Depoimentos mencionam que muito tempo atrás existiamíndios isolados na região. O Nukini Churúia (TI Nukini) disse que,na época em que a Petrobrás fazia prospecção num dos afluentesdo rio Azul, os isolados destruíram os mantimentos do acampamento.Identificou-os como pertencentes à sua nação.

Há 50 anos, quando a Petrobrás fez prospecção na cabeceirado Novo Recreio, encontraram seis índios arredios e umacampamento. Eles roubavam comida do acampamento. E que30 anos atrás um padre peruano veio atrás desses índios arredios,porque tinham atacado e matado peruanos.

Presença de Náwa nos documentos da FUNAI de 1977,1984 e suas concordâncias ou discrepâncias

A viagem a Cruzeiro do Sul, AC, em 1977, deu-se dentro deum contexto político favorável à identificação de grupos indígenas

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acreanos. O Departamento de Estudos e Pesquisa propôs àPresidência da FUNAI a realização desse trabalho, poispraticamente desconhecia-se a existência ou a localização precisade grupos indígenas na região de Cruzeiro do Sul, contando apenascom referências bibliográficas antigas, sendo que a maioria dava-os como extintos ou aculturados. Dessa viagem resultou o relatóriode viagem realizada à área indígena do município de Cruzeiro doSul, contido no Proc. FUNAI/BSB/0909/81, p. 3-43, o qual contémum esboço de croqui do sistema de parentesco dos moradores doSeringal República. Somente muitos anos mais tarde este setransformaria em TI Nukini.

A intenção era que, após esse primeiro reconhecimento emCruzeiro do Sul, a FUNAI enviasse antropólogos para fazerempesquisas mais sistemáticas nos quatro grupos que já tinham sidolocalizados. Mas apenas sete anos depois (1984) a FUNAI mandaoutra equipe ao local para complementar os dados, resultando norelatório do antropólogo José Carlos Levinho, que faz novos estudosnas áreas indígenas Poyanáwa, Nukini, Yamináwa e em Campinas,estando o relatório anexado ao Proc. FUNAI/BSB/0909/81, p. 49-113. A TI Nukini foi homologada somente em 1991, levando-se,portanto, 14 anos para legalizar esta terra e a dos Poyanáwa,demarcada em 1993.

O relatório de 1977 não explicita a exclusão dos indivíduosque se diziam Nukini/índios e que viviam em outras áreas próximas,além do Seringal da República, para dentro da área destinada aosNukini. Foram registradas 231 pessoas, sendo algumas Nukini,Nukini casadas com branco, mestiças de Poyanáwa e mestiças dePoyanáwa com Nukini. Estes viviam em sua maioria no Seringal

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República, em 22 casas, e espalhados em sete colocações e seringaisdo igarapé Novo Recreio, em 8 casas (1981, p. 11-25). O relatóriode 1977 faz menção às dificuldades de realizar o trabalho, devido àanimosidade dos proprietários de seringais (1981:4), à insegurançados índios em indicar a área pretendida por morarem dentro dosseringais que já tinham donos (FUNAI/BSB/0906/1981, p. 36) e,por fim, em razão da área proposta não ter sido percorrida a pé,por falta de topógrafo (1981, p. 32).

O relatório de 1984 menciona que a equipe fez uma reuniãocom o grupo para explicar o motivo de sua presença , e outra, paraelaborar uma proposta de área em conjunto (1981, p. 54). A grandemaioria dos Nukini reside no Seringal Nukini, onde há 21 casas,mas vários índios vivem nas cabeceiras do rio Môa e dispersospelos seringais, em 7 casas (1981, p. 57-8) e nos igarapés Zé-Zumira, Peri-Peri, Aquidabá, em 4 casas (1981, p. 59-75). Apopulação era de 224 pessoas, sendo que 23 residiam no igarapéNovo Recreio. Ela era formada de índios Nukini, Nukini casadoscom branco, Poyanáwa casados com Nukini. Portanto, a composiçãoétnica do grupo se manteve a mesma, apenas havendo a diminuiçãode sete pessoas, possivelmente se deslocando para outra área, talvezpara a Poyanáwa. Não houve muita mobilidade de famílias paraoutras colocações durante esse período. O motivo alegado peloautor do relatório, para não ter incluído todos os Nukini espalhadosna região dentro da área proposta foi no sentido de que:

Estes manifestaram a intenção de mudarem para área eleita,desde que seja demarcada e a FUNAI crie condições paraque se desloquem através da aplicação de recursospossibilitando-os desenvolver atividades extrativas(seringa) e agrícolas (1981, p. 85-6).

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Em novembro de 1999, o CIMI de Cruzeiro do Sul entra emcontato com a Administração Regional da FUNAI de Rio Branco,informando que moradores indígenas do igarapé Novo Recreio edas adjacências, que se autodenominam Náwa, querem que seuterritório seja identificado e sua etnia reconhecida. O motivo quedesencadeou o pedido foi o fato de, em setembro de 1999, a SOSAmazônia/IBAMA ter realizado um cadastro da população moradorado PNSD, visando à desapropriação, ao reassentamento e àindenização de bens. Os índios, na eminência de perderem suasterras, apelam para a tutela do Estado, resgatando sua etnicidade.Conforme Dahl,

La identidad de los pueblos indígenas está siemprevinculada con una localidad geográfica determinada.[...] lodeterminante es el vínculo con un territorio definido, quieredecir, con el entorno cultural que el pueblo respectivo hahabitado, usado e utilizado desde el comienzo de lostiempos (2000).

Diante dos acontecimentos, em maio de 2000, o administradorda FUNAI em Rio Branco faz um estudo da situação dessesindígenas, que está no relatório preliminar a respeito de populaçãoque afirma pertencer à etnia Náwa, habitante do Parque Nacionalda Serra do Divisor, município de Mancio Lima - AC, contido noProc. FUNAI/BSB/2058/00, p. 28-73.

No relatório preliminar de 2000 consta a existência de 319pessoas, dos quais 258 vivem dentro do PNSD, 13 pessoas sãoNukini aparentadas com Náwa e 48 vivem em cidades de diferentesestados. Esses indivíduos estão distribuídos pelo igarapé NovoRecreio, margem direita e esquerda do rio Môa, igarapé Jesumina,

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igarapé da Velha, igarapé Pijuca e na Terra Indígena Nukini (2000,p. 56-70). A composição étnica dessa população é de Náwa,Ashaninka, Jaminawa-Arara, Arara, brancos casados com membrosdesses grupos, índios que não sabiam mais de que grupos descendiame outras etnias desconhecidas que estão relacionadas por laços deparentesco (2000, p. 54 e 55).

Portanto, 24 anos após a primeira equipe da FUNAI terestado na região, houve uma grande mobilidade, articulação emobilização das famílias, dando origem ao atual grupo Náwa. Nestelapso de tempo, ocorreu o fortalecimento da coesão do grupo. FirmaAlmeida que:

A posse da terra certamente é o elemento fundamental deidentidade étnica para a organização de interesses comuns,mas a terra só será mantida nas mãos do grupo se houverum mínimo de coesão interna, articulada através de umarealidade concreta (1996, p. 28).

Exemplo disso é o deslocamento da família Milton Peba doigarapé Venâncio (1981, p. 21) para o igarapé Novo Recreio,formando a Comunidade Milton Peba (2000, p. 56).

Com base nos dados existentes nos relatórios de 1977 e 1984,os habitantes do PNSD já tinham se identificado como Nukini oudescendentes de outras etnias, sendo os filhos gerados decasamentos interétnicos integrados dentro de uma das categoriasindígenas dos pais. Portanto, não cabe aqui imputação da categoriagenérica de índio, que engloba a noção aglutinadora dos diferentespovos indígenas brasileiros, miticamente homogêneo e moldado naideologia dominante, além desse designativo conter um conteúdopolítico (Mata, 1989, p. 150-51). Mesmo no relatório de 2000, os

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Náwa continuam se atribuindo uma etnia específica, seja ela real,inventada ou recriada. Identificam-se como diferentes dos outros.Segundo a ABA,

[...] entende-se como grupo etnicamente diferenciado todacoletividade que, por meio de suas categorias derepresentação e formas organizacionais próprias, seconcebe e se afirma como tal (2000, p. 5).

A construção da etnicidade Náwa foi reafirmada e aceitapor outras etnias, inclusive pelo próprio morador branco, quegeneraliza esse designativo para todos os grupos de fala Pano daregião. Segundo Cunha (1986, p. 111),

[...] os grupos étnicos só podem ser caracterizados pelaprópria distinção que eles percebem entre eles próprios eos outros grupos com os quais interagem.

Se compararmos os censos demográficos dos relatórios de1977 e 1984 com o de 2000, veremos que, dentre os 319 Náwaregistrados em 2000, apenas 91 deles já estavam listados comoNukini, civilizados casados com Nukini e mestiços de Poyanáwa,constituindo 19 famílias que não abandonaram a área e a estãoreivindicando atualmente. A socióloga Mattos (1996, p. 35) afirmaque

[...] a identidade étnica permite aos indivíduos quecompartilham uma mesma condição sócio-histórica se auto-definirem de acordo com suas características culturais einteresses comuns.

Mais adiante, a autora complementa que a identidade nãose constitui

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[...] em um sistema estático, o processo de atribuição deidentidade permite com que ela se redefina em alguns deseus aspectos, de acordo com o contexto e as necessidadespolítico-econômicas do grupo.

As informações registradas nos relatórios de 1977 e 1984são complementares, não havendo elementos que discordem ouque sejam discrepantes dos dados fornecidos por aquelas sociedadesindígenas e observados pelos pesquisadores da época. A etnografiado relatório de 2000 retrata outra realidade, que obviamente não éa mesma de mais de duas décadas atrás. O que se deve às mudançase transformações ocorridas na região e também no interior dosgrupos familiares ou locais, que aí viviam ou que foram incorporadosposteriormente, e, premidos pelos fenômenos sociais, políticos eeconômicos, foram forçados a se posicionarem etnicamente pararesguardarem seus direitos territoriais. O antropólogo Barreto Filhochegou a uma conclusão num artigo (2000, p. 38) sobre os Tapebado Nordeste, que pode se aplicar ao caso Náwa:

[...] que a ‘nossa’ origem e a ‘nossa’ identidade são umafabricação e uma luta cotidiana.

Determinar o espaço fundiário para os Náwa

Falar em terra significa falar também sobre a existência eas conseqüências da criação do Parque Nacional da Serra doDivisor em território Náwa. Só muito recentemente os Náwatomaram conhecimento de que todos os índios tinham direito a terra,por isso, pleiteiam a sua. Estão lutando pelo que é seu. Comoíndios, sentem-se no direito de reivindicar. Alegam que a terra

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sempre foi preservada por eles e que seus antepassados já tinhamsofrido muito no passado. Recusam-se terminantemente a sair daárea e fazem projetos para o desenvolvimento da comunidade.Preocupam-se com o seu futuro. A antropóloga Mata (1989, p.289) traduz o pensamento Náwa em outras palavras:

A tradição histórica e a força mágica da terra dos ancestraise de seus rituais dão ao território a ser conquistado umsignificado que, provavelmente, desde então, nenhum outropedaço de terra poderá ter. Só aquela conquistada resgata,para o grupo, sua história e o põe em comunhão com seusantepassados.

A criação do Parque os levou a tomar uma atitude radical,pois está situado onde estão as antigas capoeiras (malocas). Nãosairão de um lugar conhecido para um desconhecido. A pressãoexercida pelo IBAMA nos últimos anos para que saiam do ParqueNacional da Serra do Divisor tem causado apreensão e revolta.Sentem-se perdidos, porque serão retirados de suas terras e sentem-se sem forças para lutarem e permanecerem nelas, somente tendochance de preservá-las se apelarem para a condição indígena,cuja importância não tinham conhecimento até então. A crise gerao despertar de uma consciência étnica até então ignorada. Buscamprovas de que a terra é sua, através de evidências arqueológicas edo resgate da memória social do grupo. Procuram elementos quegarantam o direito de ser índio.

Enfatizam a valorização da ancestralidade comum como umcritério de identidade, acionando uma outra prova: documentos deposse das estradas de seringa, no igarapé Novo Recreio, quepertencem a Nilton Peba, herdadas de sua mãe. Sentindo-se

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amparados legalmente, resolvem ir atrás de seus direitos, pois, alémde serem índios, caboclos, eram donos de uma parte da terraadquirida por herança. Afirmam, “aqui não é terra devoluta, háherdeiros. Os antigos brigaram até morrer e não saíram, sendomortos à bala”. Preferem morrer a saírem ou irem viver com osNukini. O próprio IBAMA tem conhecimento da rede dearrendamentos dos seringais e que

[...] o constante desmembramento de alguns seringais entreherdeiros e familiares também colabora para a atualconfusão na situação fundiária nas propriedades. (Planode Manejo do PNSD, p.5-176).

Nos locais escolhidos pelos Náwa, há centros de dormidaspara caçadas. Preservam a área, evitando explorar madeira-de-leie usando, nas construções das casas, tábuas de paxiúba. Controlama entrada de estranhos para caçar. Na área definida há poucosinvasores: no igarapé Jordão há um proprietário; no igarapé NovoRecreio, mais outro; e no igarapé Zulmira há que se indenizar osherdeiros das propriedades. A situação é tão crítica na região quealguns brancos querem passar por indígenas, pois a ganância pelaterra os leva a assumirem posturas equivocadas.

No rio Môa, a colocação5 da Chica é herança que recebeude sua sogra, uma mulher branca. No igarapé Zulmira tambémmoram parentes Náwa que são herdeiros de suas terras, enquantoque no igarapé Jordão não reside ninguém, mas é uma área destinadaà futura exploração da geração mais nova, que é bem expressivaem número. Para testemunhar a intenção de permanecerem noterritório, os Náwa colocaram placas de identificação nas bocasdos igarapés Venâncio e Novo Recreio, no rio Môa.

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Recusaram um convite dos Nukini para morarem na TINukini. Sentem-se ofendidos, pois na ocasião da demarcação daTI Nukini eles não quiseram que as famílias Náwa que lá residiamficassem na área, permanecendo apenas os casados com Nukini.Explicaram que seria um desgosto para os Náwa terem que morarcom os Nukini, pois cada etnia tem seus hábitos específicos. Alémdisso, a TI Nukini não comporta o acréscimo de mais famílias, poistem pouca terra. Por volta de 1986, o ex-cacique Humberto pensouem ampliar o território Nukini em direção ao dos Náwa, mas acaboudesistindo da idéia, devido à resistência deles.

Os Náwa ficaram mais incomodados e apreensivos quantoao seu futuro após uma discussão com representantes da SOSAmazônia, em Cruzeiro do Sul, sobre o local em que deveriam morar:se fossem Nukini, deveriam ir para a TI Nukini; se fossem Náwa,que voltassem para Cruzeiro do Sul, que era a terra originária deles.Sempre conviveram perto dos Nukini, suas áreas são limítrofes.Como os Nukini já tinham procurado seus direitos sobre a terra,agora os Náwa iriam atrás dos seus.

Após a demarcação da área Náwa, pretendem fazer umatriagem dos brancos que nela residem, retirando os que causamproblemas, brigas, extraem madeira, fazem desmatamento e pastopara o gado. Apesar de considerarem alguns brancos como sendoinvasores da área Náwa, está ocorrendo uma união deles com osbrancos residentes no Parque, mas que estão fora da área indígena,para resolverem a questão fundiária junto ao IBAMA.

A insatisfação e o desgosto estão presentes nos diálogosmantidos com a comunidade. Eles expressam constantemente seussentimentos e apego à terra. Argumentam que, desde que surgiu a

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questão do Parque, vivem “embaixo dos pés dos outros”. Querema terra que lhes pertence como índios que são até o fim da vida eque os seus filhos tenham terra para trabalhar. Precisam dela parasobreviver. “Todos têm que terem seu lugar para viver. Inverno everão estão andando pela estrada (rio) que Deus deixou”.Desabafam: “A terra é nossa vida. Sem a terra estamos perdidos.A terra significa lugar para viver, extrair materiais, ter onde trabalhar,tirar o alimento”. Nesta insegurança não podem plantar “um bemde raiz” (planta que sobrevive durante muitos anos) para deixaraos filhos. A terra é um bem de uso comum, não pode se dividir.Todos têm direito ao chão de sua terra. Não querem que seus filhose netos fiquem sofrendo, abandonados, por falta de terra.

Temem o desconhecido. Fazem indagações e conjecturas. Têmmedo de saírem de seu canto e não se adaptarem em outro local.Nunca saíram da região. Nasceram e se criaram por essasredondezas. Não sabem ler, como viverão na cidade? Osquestionamentos são inúmeros e é incompreensível para eles a atitudedo IBAMA. Não compreendem porque o INCRA e o IBAMA deCruzeiro do Sul, antes de formalizarem a criação do Parque Nacional,não verificaram no local a existência de moradores. Alegam que, seo IBAMA não estivesse mexendo com eles, estariam trabalhando,procurando alimento na mata e vivendo tranqüilos. Não haveriabrigas, desentendimentos e confusões como estas que agora estãoacontecendo na área. E que também índios e brancos não teriamsaído da área devido às proibições e exigências impostas pelo IBAMA,como não poder caçar, pescar e ter roçado. Para complicar mais,algumas famílias de outras descendências indígenas entraram noterritório Náwa, engrossando a fileira dos reivindicadores dademarcação da terra Náwa. Uma esperança aventada aos Náwa

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pelo IBAMA é a existência de uma proposta de reaproveitar osmoradores do Parque como guardas e guias de eco-turismo, maseles precisam ter escolaridade. Essa exigência que diminui as chancesde os índios serem aproveitados, pois poucos estudaram até a 4ªsérie.

O IBAMA tem consciência da situação social e econômicados moradores do PNSD, pois, no trabalho do Plano de Manejo –Fase 2, comenta-se que

[...] a organização produtiva, caracterizada pela força detrabalho familiar é predominantemente voltada para asubsistência, tem relação direta de dependência dosrecursos naturais. Com isso, as visões e reações expostaspelos moradores durante entrevistas e reuniões expressama preocupação maior de usurpação do espaço onde realizamo modo de vida. Neste mesmo espaço, utilizado de formamúltipla, são tecidas as relações de parentesco, compadrioe intragrupal (p. 5-186-187).

A iminência de perderem as terras levou a comunidade Náwaa tomar providências, como estabelecer normas para a ocupaçãoracional do território e preservação do ecossistema. Haverá controlesobre a quantidade de caça abatida, de pesca, de desmatamento,de desperdício de madeira extraída para construção, do melhoraproveitamento do uso da terra, de derrubada de fruteiras nativas ede palmeiras de açaí e patauá.

Emergência dos Náwa e a construção de sua etnia

Usei o recurso da técnica de história de vida cominformantes mais velhos, na tentativa de reconstruir a trajetória de

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vida do grupo. Normalmente, no meio das conversas informais, aspessoas lembravam-se de histórias que os parentes idosos tinhamcontado. Observei o cotidiano das famílias e indaguei como osseus antepassados agiam nestas atividades rotineiras ou específicas.Quando os Náwa entenderam a metodologia do trabalho, passarama conversar entre si e recordar fatos passados, que depois merepassavam. Muitas vezes reuni em uma casa pessoas adultaspara conversarmos, o que proporcionava que um complementassea informação do outro.

O fato de os Náwa terem sido contatados quase que indivíduoa indivíduo e poucos por aldeias, sendo depois colocados em seringaise obrigados a casarem com os brancos, fez com que a cultura não seperpetuasse, perdendo-se rapidamente, não atingindo as geraçõesatuais. Por isso, com extrema dificuldade, recordam de fragmentosdela, que nos reportam para traços culturais do tronco lingüístico Pano.

1. Reconstituição histórica

À medida que ia adentrando o território dos Náwa, comeceia ouvir o que as pessoas pensavam a respeito deles. Essas opiniõeseram as mais variadas possíveis, em relações que iam desde adesconfiança à aceitação natural, enquanto alguns os consideravamcomo sendo impostores. Algumas pessoas eram alienadas comrelação à realidade indígena acreana, outras se solidarizavam coma causa, sendo que em geral a visão que os moradores de Cruzeirodo Sul têm sobre os Náwa, é aquela divulgada pela mídia, via rádioe jornal.

Consta-se que, cerca de 90 anos atrás, havia muitosmoradores indígenas do Povo Náwa na região, no centro da cidade

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que é hoje Cruzeiro do Sul. Havia outras tribos que moravam maisdistantes de Cruzeiro e estavam em locais de difícil acesso. Acidade de Cruzeiro do Sul cresceu, foi empurrando os Náwa e elesdesapareceram, ficando seu nome em marcas de produtosalimentícios, agremiações de futebol, cartazes, teatro, uma rádioque abre o programa com o apelo: “Na Terra dos Náwa...”. Osjornais noticiam que há uma tribo de Náwa e que também existeuma verba do Governo para ajudar os índios. Acreditam que háalgumas pessoas descendentes de Náwa, mas que são colonos.No dia 19 de abril, os Náwa se apresentaram no Teatro Naua, juntocom índios de outras etnias. Usando enfeites, dançaram, cantarame tiveram sua atuação elogiada pelos jornais locais.

Um funcionário da FUNASA fala sobre os Náwa como seesses já fizessem parte há muito tempo da história do indigenismobrasileiro. Aliás, a instituição mantém um convênio com o Pólo BaseIndígena de Cruzeiro do Sul, FUNASA/UNI, para atenção à saúdedas comunidades indígenas do rio Môa. No momento de nossavisita, uma equipe de saúde estava vacinando os Náwa do igarapéNovo Recreio e da TI Nukini.

O Ashaninka Francisco Piãco, Coordenador dos PovosIndígenas do Rio Juruá – OPIRJ, reconhece os Náwa como índios,independentemente da etnia a que pertençam, por acreditar queforam forçados a não se manifestarem como índios em razão dediscriminação. Somente agora, com a conscientização dosmovimentos indígenas dos quais eles participam, a identidade afloroue passaram a lutar por seus direitos. As pessoas sabiam da existênciados Náwa há muito tempo, mas pensavam que já tinhamdesaparecido, apesar de verem diariamente esse nome estampadopelas ruas da cidade de Cruzeiro do Sul.

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Os técnicos do IBAMA de Rio Branco questionam aexistência da identidade Náwa, pois os consideram Nukini que secindiram por ocasião de demarcação da TI Nukini, indo morar noigarapé Novo Recreio. A polêmica e o conflito surgiram com omovimento dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil. Alegamque, por ocasião do levantamento socioeconômico realizado pelaSOS Amazônia, ninguém se identificou como índio. Mas em 1999ao realizarem o cadastro regional, já apareceram alguns índios. Tiveacesso ao Formulário de Cadastro das Famílias Ocupantes do PNSDe notei que não havia perguntas sobre a etnia do morador e que asfamílias do igarapé Novo Recreio não se identificaram como índios,apenas algumas indicavam que procediam da TI Nukini. O IBAMAdesconfia que haja envolvimento de políticos interessados nos votosdos índios, mas demonstra uma posição de conciliamento pararesolver a situação dos Náwa.

A SOS Amazônia já tem uma postura mais autoritária paraenfrentar a situação. Estão indignados com o aparecimentorepentino dos Náwa no Parque Nacional Serra do Divisor e daperda de parte dele. Temem o reconhecimento indígena dos Náwaporque inviabilizaria a manutenção do Parque, pois acreditam que abiodiversidade não será preservada. Representantes da SOS nãosão bem vistos pelos índios, devido à inabilidade no trato dosacontecimentos.

Representantes do CIMI fazem críticas à atuação da SOSAmazônia, que provoca apreensões e dissidências nos moradoresdo Parque. No Conselho Consultivo do Parque Nacional nãoparticipam índios da região. Essa Instituição tira as placas desinalização colocadas pelos índios e veicula boatos que acirram os

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ânimos da população. Por outro lado, a presença da SOS Amazôniafez com que os índios da região se organizassem para contestar,buscando apoio de instituições particulares e governamentais ealiando-se aos brancos da área. O CIMI contesta o Formulário deCadastro aplicado na região, porque desconheceu a realidade local,não escutou as histórias dos ocupantes e estava pouco esclarecedor.A imprensa escrita e televisa também gera um clima tenso na região,ao veicular periodicamente a retirada de famílias do Parque.

Ao chegar ao igarapé Novo Recreio, deparei-me com outrarealidade: estava em frente a índios, mestiços e brancos quereivindicavam uma identidade étnica e o direito à terra. Comecei aprocurar o elo que unia essas pessoas. Surgiram histórias e maishistórias que foram revelando o modo de vida, a sobrevivência, asdisputas, as fofocas, as dissidências e as desuniões matrimoniais.Com estas histórias fui reconstituindo, costurando e dando forma auma única história, que veio a desembocar na construção de umacultura indígena nos moldes atuais, típica de grupos sociais que sedesintegraram parcialmente dentro da sociedade brasileira.Ressurgiram os Náwa, decididos a enfrentar os obstáculos impostospelo branco e a se mostrarem como uma etnia, consciente de seupoder de persuasão, união, coesão e habilidade política.

A história dos Náwa remonta há cinco ou seis gerações,quando seus antepassados, os índios brabos, foram “amansados oupegos a dente de cachorro”, como se expressam os informantes,por ordens dos patrões seringalistas. Apresavam tanto adultos comocrianças. O fio da meada da história principia na atual cidade deCruzeiro do Sul, na boca do rio Môa, rio Juruá, local das antigasmalocas dos Náwa. Antes da construção da cidade de Cruzeiro do

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Sul, o local era uma floresta e nela havia malocas. Onde atualmenteestá o mercado público, havia um barreiro, e onde se encontra oTeatro Náua era uma hospedaria para índios. Havia uma malocano lugar em que hoje está construído o hospital da cidade.

Nilton Peba sabe poucas histórias dos antigos, porque suamãe morreu quando ele era pequeno e depois se tornou seringueiropor 40 anos, não se interessando por aprender as tradições. Mesmoassim, recorda ter ouvido dos mais velhos que as malocas eramatacadas, morrendo muitos índios. Os poucos sobreviventes foramexpulsos do Estirão dos Naua, no rio Juruá.

Contam que os Náwa habitavam em Cruzeiro do Sul, quandoa colonização (exploração) através dos Coronéis de Barrancochegou, massacrando os índios. Estes fogem para o Estirão dosNáua/Juruá, nunca mais se ouvindo falar neles. Os patrõesseringalistas contratavam “amansadores, pegadores de índios” paraatacarem as aldeias e exterminarem os índios, porque queriam seapossar de suas terras. Havia muitos destes profissionais. Quandoos nativos se rebelavam contra as ordens dos comerciantesportugueses e jagunços, os patrões enviavam os amansadores paraatacarem as aldeias.

Os índios sobreviventes fugiram para as matas, espalharam-se pelos igarapés, não se reunindo mais e mudando constantementede localidades, com medo de novos ataques, apesar de serem muitoguerreiros. Os exterminadores queriam as terras da boca do rioMôa com o rio Juruá. Os índios se rebelaram e foram repelidos abala. As 3 ou 4 famílias que escaparam do massacre principiaramoutra geração na Serra do Môa e no igarapé Novo Recreio e foi apartir da família de Maria Borges que os Náwa aumentaram. “Foi

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uma semente que escapou por milagre”, pois ocorrera umamortandade, comentou um índio.

Uma moradora da TI Nukini confirma que a família Peba(os troncos velhos) residia em Estirão dos Náua, no igarapé SãoSalvador, tendo sido expulsa para a área atual. Os Náwa eramvalentes, morreram muitos, pois não havia justiça para caboclonaquela época. Moravam no igarapé Novo Recreio e saíram paraa área dos Nukini, retornando para o igarapé, por ser uma “naçãoagressiva”, característica impingida aos Náwa pelos Nukini. Noigarapé Novo Recreio, “agora está entupido de Náwa, são valentes”,mas antes este igarapé era habitado por Pio e seus filhos. Só haviaa raça Nukini, depois foi que entraram os Náwa.

Maria Ana da Conceição é considerada cabocla legítimaNáwa, cabocla pintada, que foi pega no mato a cachorro, na atualCruzeiro do Sul. Francisco Chaga também é considerado Náwa,tendo nascido no igarapé Novo Recreio.

Os antepassados da família de Nilton Peba já eram crescidosquando vieram para o igarapé Novo Recreio, mas outros contamque realmente eles são originários deste lugar. Procedentes deCruzeiro do Sul, fugiram dali para não serem mortos pelos brancos.Era uma tribo valente, que não tinha medo de lutar. Naquele temponão havia punição contra os agressores de índios (“caboclo nãotem punição”, “justiça de caboclo era má”).

Um Nukini diz que a família Peba faz parte do grupo Nukiniporque alguns deles entraram na família Peba através decasamentos, foram se cruzando com Nukini, mas agora não se sabea que tradição pertence depois de toda essa mistura. Quando Maria

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Luiza de Oliveira conheceu os Náwa, eles já eram os filhos dageração dos mais velhos. Do “tronco véio veio vindo e assim vai”.

Reafirmam que os índios saíram de Cruzeiro do Sul e forampara o Estirão dos Náuas, abaixo de Rodrigues Alves. Com aexploração do látex da borracha, chegaram os nordestinos,cearenses, gaúchos, maranhenses, piauienses e outros. Os Náwase afastaram de novo, “acabô a história, acabô-se os Nauas”.Ninguém ouvia mais falar neles. Se alguém escapou, tinha medo dedizer que era índio, por causa do preconceito, do racismo que há nopaís. Se forem em algum órgão do governo e contarem que sãoíndios, percebem que não são bem aceitos. O mesmo já aconteciamuitos anos atrás, eram descriminados quando iam fazer comprasna cidade, até porque os índios não gostavam que os chamassemde caboclos.

Os índios antigos, após o contato, espalharam-se pela região,indo viver na beira do rio Azul, abaixo do rio Môa, Mâncio Lima,Cruzeiro do Sul e, inclusive, casaram com caboclos de outras etniase brancos. Antigamente, muitos Nukini e Náwa foram mortos pelosseringalistas nas malocas do igarapé Novo Recreio, tendo sidocontatados pelo avô de Chica – José Costa. Eram grupos pacíficose muitos deles foram pegos a cachorro. Dos primeiros Nukinicontatados, “os pintados” (tatuados), não existe mais nenhum,ficando os novos, seus descendentes.

O seringalista Pedro Antônio Oliveira amansou os Nukini eos colocou para trabalharem em seu seringal, forma de agir quetambém era adotada por outros seringalistas. Dizem que naquelaépoca os brancos não davam valor a eles. Os índios eram atraídospor ocasião do contato com espelhos, roupas, comidas e bebidas.

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Os seringalistas José dos Santos, Zeca Maria, ManuelBenvindo, Zeca de Oliveira e Acriso Rebouças contatavam os Nukinipara trabalharem para eles. Os Nukini foram contatados depoisdos Náwa, cujas malocas ficavam nos centros, no outro lado do rioMôa.

A relação dos Poyanáwa com os Nukini era tensa,havendo muitas lutas. Os Nukini se afastam, subindo em direção àSerra do Môa, na fronteira. Atravessam a Serra e encontram outraetnia diferente, os Castelhanos. Brigam e os Nukini voltam e passampara o lado do rio Jaquirana, Boa Fé, descendo para o igarapé SãoCaetano e igarapé São Salvador. Retornam novamente quando seusantepassados entram em confronto com os Castelhanos. Um destesfoge e casa com uma Nukini, indo para o Seringal República.

Acham que os Poyanáwa amansados pelo Coronel MâncioLima são contemporâneos dos Náwa. O Coronel vai para a FazendaBarão do Rio Branco, no igarapé Japiim, onde habitava uma partedos Poyanáwa. Algumas famílias destes moraram no igarapéJesumira, mas não se misturavam com outras etnias. Os Poyanáwaforam contatados por José Serra. Era uma tribo valente. Conformedados coletados pela antropóloga Lima junto aos Poyanáwa, estesestavam divididos em dois grupos aparentados, um deles tendo sidocontatado por Antônio Bastos, em 1913, e o outro em 1915. Depoisde estabelecido o contato com os Poyanáwa, eles foram levadospara a Fazenda Barão, de propriedade de Mâncio Lima (1991, p.4).

O igarapé Novo Recreio e a Colocação Paxiúba, na bocado igarapé Tapado, também foram moradas dos Poyanáwa quefugiam do Barão. Faziam malocas temporárias, mudando de um

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lugar para o outro. A herdeira das estradas de seringa da boca doTapado era Amália. O Coronel Mâncio Lima, que contatara osPoyanáwa na Colocação Paxiúba, era um seringalista “carrasco”,que não remunerava os trabalhadores de seringa e os canavieiros,ou, quando o fazia, era por um preço irrisório. O Coronel tambémos espancava e os mateiros os vigiavam no corte de seringa. Sequisessem viver, tinham que apanhar calados para não serem mortosa bala. Se o índio não obedecesse às ordens do Coronel Mâncio,era morto, “porque ele dizia que índio era bicho do mato e bicho domato era para ser morto mesmo”.

Possivelmente a ocupação da área tenha sido feita porsucessivos grupos sociais. Dizem que os Poyanáwa não habitavamos igarapés Novo Recreio e Jesumira. Nesses igarapés osamansadores mataram os Nukini. Vieram poucos Nukini do rioJaquirana, pois estes tinham sido atacados pelos peruanos. Segundoa antropóloga Lima, os Nukini são procedentes do Peru, ondetrabalhavam na coleta do caucho. Devido às correrias dos peruanos,as duas malocas dividem-se, um grupo permanece no rio Jaquiranae o outro migra para a Serra do Môa (1991, p. 39). Aqui no rio Môaocorre outra cisão grupal provocada por João Bezerra e PedroAntônio de Oliveira, que repartem os caboclos entre si (ibidem,pág.49). Quanto à existência de Nukini no igarapé Jesumira, oNukini Churúia afirma que ele só era ocupado pelos Nukini e quesua família vivia no igarapé Jordão.

Os índios do igarapé Jesumira foram contatos por Zé deSouza e Francisco de Oliveira Rocha, mas uma outra versão dizque foi José Veríssimo. Ele atraía os índios com bananas, muniçõese objetos. Os índios continuavam habitando as malocas e se

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deslocavam para trabalhar no seringal. Segundo Chicon, os índiosque habitaram no igarapé Jesumira se criaram no Seringal República,local dos Nukini. Zeca de Oliveira, proprietário do igarapé NovoRecreio, explorava caucho, seringa e madeira. Os Nukini e Náwase criaram todos juntos, todos misturados, tendo sido cuidados porZeca de Oliveira e Adalgisa Rebouças Cordeiro. Os Nukini eramchamados Shinkin-shiá, todos eram caboclos, só não sabiam a“indescendência” (etnia) de cada um, mas, com os estudos recentes,já foram identificados e agora eles possuem sobrenomes e podemtirar documentos.

Existem mulheres que são sempre lembradas nas citaçõespor serem as matrizes Náwa, como as caboclas que foram pegas,entre elas, Maria Chata, Maria Véia, Maria Paca e Maria Braba,contando-se várias histórias da vida dessas duas últimas.

Os Nukini afirmam que o igarapé Jesumira era local depassagem deles, que se mudavam na época do inverno paradiferentes lugares, percorrendo um périplo num território definido,rio Môa, rio Azul, igarapé Zulmira, igarapé Novo Recreio,atravessando para os lados do Paraná do Batista, do rio Jaquirana.Passavam para outros locais que fazem limites com a área,Montevidéu, São Pedro que faz fronteira com São Salvador, igarapéTimbaúba, Paraná do Batista que era o Paraná da República, unindocom a Serra do Môa, igarapé Zulmira, passando pelo limite doigarapé Kapanáua, rio Môa, igarapés Zulmira e Novo Recreio.

As histórias (“causos de índios”) que Rochinha narra, foramrepassadas por sua bisavó e ele “gravou na cabeça”. Seu avô, queera seringalista, amansou índio brabo no rio Môa. Havia aldeia deíndios no igarapé Pijuca e que foram contatados por José de Souza.

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Ele mesmo era um índio, mas contatou diferentes tribos no Acre.Após a morte do nordestino seringalista José Veríssimo, os índiosque trabalhavam no seu seringal, no igarapé Zulmira, espalharam-se pela área.

Os índios do igarapé Jordão foram contados por Zé de Souza,um grupo de mais de cem pessoas, que posteriormente acabaram sedispersando. Algumas malocas foram totalmente destruídas e váriaspessoas perderam os lugares de morada. Após o contato, os índiospassaram a extrair borracha, e com o tempo, foram se afastando daslocalidades de origem e se misturando com o branco. Se, atualmente,fossem reunidos todos os índios da região, ficaria “entupida de índios”.Fala-se que os Nukini eram procedentes do rio Jordão e vieram sedeslocando em direção ao Seringal República, porque foram expulsosde suas terras. Rumaram para o igarapé Novo Recreio, foram se“amansando”, acostumando-se a trabalhar com os patrões e com atribo dos Náwa. O velho caboclo Pio foi trazendo essa gente dosNáwa ao Seringal República a fim de trabalhar no igarapé NovoRecreio. Os índios ficavam transitando entre as malocas do igarapéNovo Recreio, o República e o rio Jordão, e eram como os “policiaisdo mato”, os “guardas da fronteira”, sempre vigiando o território.Hoje, está tudo muito modificado, com muitas invasões na terra, masa “descendência” é a maioria na região.

Narram que Maria Pupu era uma jovem índia que morou nasmatas de Cruzeiro do Sul e falava várias línguas indígenas. Levaram-na para a Colocação Sungaru, na cabeceira do rio Azul, paraidentificar uns índios brabos, “cortando gíria de caboclo” com eles.

A história dos Náwa sempre confunde, mescla-se, com ashistórias de pessoas de outros grupos indígenas que moram na área

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ou que têm relações de parentesco por intermédio do matrimônio.Maria Oliveira disse que sua sogra era Nukini e morou muito tempono rio Azul, que era habitado possivelmente pelos Arara e Ashaninka.Raimunda Carvalho contou que sua mãe, a avó materna e a bisavóforam pegas a laço, a cachorro, na cabeceira do rio Azul. Seu avôandava pelas cabeceiras do rio Azul com a cabeceira do igarapéNovo Recreio e encontrou uma maloca, que achava que pertenciaa seus parentes. “Todos são parentes de sangue, do tronco velho”,os antepassados, que já morreram. Ela não descarta a possibilidadede ainda haver descendentes escondidos, perdidos pela região, comoaconteceu com os Náwa que reapareceram recentemente.

Algumas pessoas teceram relatos sobre como acontecia ocontato com os índios isolados da região. Os patrões, “Coronéis deBarranco”, organizavam equipes de contato com exterminadoresprofissionais que eram brancos e índios. Wilson Batista era um dosque comandava equipes de extermínio de índio, as quais planejavamataques às aldeias, após a celebração de festas. Os patrõesutilizavam os Kampa como ajudantes, pois eram os únicos capazesde enfrentarem qualquer etnia, por serem índios guerreiros,experientes e mais rápidos que os outros flecheiros.

Outros métodos de atração de índios eram adotados pelosseringalistas. Por exemplo quando índios brabos atacavam osbrancos, o patrão organizava uma equipe de amansadores eincendiava a maloca. Uma aldeia que ficava entre o rio Môa e orio Jaquirana teve seus habitantes massacrados. Na visão de uminformante, a área era considerada pelos seringalistas como uma“mina”, uma fonte de comércio, mas, para que pudessem extrairseringa, não poderia haver a presença de índios. Ironicamente, os

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seringalistas também lutavam para defender seu território da invasãodos bolivianos e peruanos, motivados pela borracha, caucho e vendade peles de animais silvestres.

Uma Nukini contou que os amansadores atacavam asmalocas, pegavam as crianças e deixava-nas amarradas para sehabituarem. Eles aprisionavam muitos índios e alguns deles fugiam,não queriam viver na “claridade, só no escuro, no meio do mato”,mas eram recapturados e tornavam-se empregados dos seringalistas.

O amansador Francisco Bernardo Cordeiro, de apelido ChicoBolota, judiava e matava os índios habitantes do igarapé Bom Jardim,afluente do rio Môa, abaixo de Belo Monte. Ele atacou muitasmalocas, matando muitos índios, levando os que sobreviviam paratrabalharem no Seringal, e vindo a tornar-se dono do mesmo ao secasar com Adalgisa Rebouças. Na década de 80, a FUNAI delimitaessa terra para os Nukini. Havia um engenho de cana-de-açúcarno Seringal República, puxado pelos caboclos, os “caboclos eramos bois”, disse a um informante e segundo Lima (1991, p. 64), oengenho chegou a produzir quase doze toneladas de açúcar.

Para o amansador Francisco Cordeiro, os índios eram um“bando de queixadas”. Apresava os índios, conduzia-os para oseringal do Coronel Mâncio e depois se dispersavam para outroslugares. Os amansadores matavam os índios brabos que nãoconseguiam aprisionar e raptavam mulheres e crianças.

Francisco de Oliveira Rocha, ajudante do pacificador Zé deSouza, liderava um grupo de homens para amansar os índios daregião do rio Môa. Ele era “preparado para fazer isso.” Zé deSouza falava várias línguas indígenas, que suponho ser da línguaPano. Um informante rotula-o como o “marechal dos índios, de

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todo o Acre”. Os Poyanáwa do Barão foram contatados por Zé deSouza, contratado pelo Coronel Mâncio Lima.

Naquela época, os seringalistas delimitavam um território emantinham “o direito e o domínio” sobre os povos que nelehabitavam. O Coronel Mâncio era um nordestino que “batalhoupara domesticar os índios”. No município de Mâncio Lima só existiamíndios. O Coronel Mâncio contatava os índios para trabalharem naextração da borracha e na agricultura, pois ele recebia incentivogovernamental para isso. Ele costumava misturar tribos diferentesem seu seringal. Embora o Coronel Mâncio Lima tivesse uma idéiavanguardista e desenvolvimentista para seu tempo, foi consideradopor alguns informantes como um carrasco, assassinando muitosíndios.

Francisco de Oliveira Rocha e Zé de Souza contatarammuitos grupos de índios. As crianças que raptavam das aldeiaseram criadas pelo seringalista Coronel Mâncio. Não costumavammatar mulheres raptadas, colocando-as para trabalhar na seringa,na roça, na criação de porcos e de gado. Foram pegas a cachorrono rio Jaquirana as índias Luzia, Maria Chata, Maria Velha eMaria Peba.

A história mais recente, das gerações atuais, data da épocada exploração da seringa, em que o Seringal Novo Recreio pertenciaao mesmo dono do Seringal da República, hoje a TI Nukini, que iado igarapé Novo Recreio ao igarapé Zulmira, sendo dividido entreos herdeiros do seringalista, um deles Nilton Peba. Atualmente sóhá seringueiros nos igarapés. Os caboclos vieram para cortar seringae acabaram se estabelecendo.

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A quantidade de capoeiras localizadas no território Náwa évista por eles como a mobilidade dos ocupantes da área. “Os índiosda mata eram que nem queixadas, andavam de um lugar para ooutro. Vão plantando, comendo e procurando outros cantos”. Umgrande perímetro territorial era percorrido pelos grupos Nukini, Náwae Poyanáwa. Antes do contato não havia lutas entre as tribos, massomente com os brancos intrusos na região.

Muitos informantes fizeram referências à mobilidade espacialdos grupos contatados. Havia a Maloca do Corisco, em Cana Brava,onde nasceu Pio. Havia também uma maloca no igarapé Zulmira,daí os índios perambularem pela boca do rio Ramón, retornandopara a Maloca do Corisco. Parece que os habitantes do rio Ramóneram de outro grupo ou etnia, pois o informante disse que seis índioseram misturados com eles. Oppenheim (1936, p. 151) localiza osNukini (Nucuinis) como moradores do alto igarapé Ramon.Menciona-se que os índios fugiam dos maus tratos dos patrõesseringalistas e refugiavam-se na mata, com o tempo, reaproximando-se dos seringais e trazendo as famílias.

Pio contava que havia muitos índios desaldeados pelascabeceiras do rio Ramón com o Boa Fé, que fugiam dos massacres,mas que, precisando de mantimentos, aproximavam-se do Seringalda República. Quando encontravam algum índio desaldeado queera da mesma tribo do caucheiro, cortavam gíria e os traziam parao Seringal da República. A reunião desses índios espalhados erafeita pelos Nukini, que os procurava pela mata e ia trazendo-os aospoucos. Foi dessa forma que conseguiram juntar essa quantidadede gente na área, trazendo-os das cabeceiras do igarapé NovoRecreio, do igarapé Zulmira, do alto rio Môa e da Serra do Divisor.

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O que se percebe dos inúmeros relatos esparsos é que ahistória dos Náwa se funde com as histórias de outros povoadoresda região, mas contemporâneos a eles, como os Nukini e Poyanáwa,não fazendo nenhuma referência aos índios históricos mencionadosanteriormente e que povoaram extensa região. Para entender acultura Náwa, é necessário se pesquisar a cultura desses dois gruposindígenas. Os métodos de atração adotados pelos seringalistas eramos mesmos para qualquer etnia: raptos, mortes, atrocidades,desocupação da terra e trabalhos forçados. Dispersar acomunidade, desintegrar socialmente, forçar a casamentosinterétnicos foram mecanismos empregados para que a memóriasocial do grupo fosse se apagando. Pelos relatos, deduz-se queexistia uma grande mobilidade espacial dos grupos e dos váriosagrupamentos familiares indígenas (provavelmente recém-contatados ou sobreviventes de massacres), tática talvez usada parasobreviver aos ataques de seringalistas.

A memória do grupo restringe-se à presença de algumasfamílias que possivelmente desenvolveram um papel importante nacomunidade ou que eram representantes de linhagens matrilineares,típicas do grupo lingüístico Pano. Mesmo assim, as famílias ora seidentificavam como sendo Nukini, ora como Náwa ou vice-versa,ambigüidade natural para eles. Somente as famílias residentes noigarapé Novo Recreio acrescentaram ao seu sobrenome a partículaNáwa, como que assinando sua ascendência étnica, principalmentea família Peba. As demais famílias se consideravam misturadascom índios, não se lembrando de sua origem étnica, mas salientandoserem índios.

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Os Náwa, apesar de lamentarem de não se lembrarem dahistória de seu povo, sentem orgulho pela bravura e valentia comque os antigos defenderam seu pedaço de chão e por não terem sesubmetido ao jugo do conquistador. Admiram também os antigosKampa pela índole guerreira. É se espelhando nestes paradigmasque agora enfrentam a tentativa de usurpação de seu território porum órgão do Estado. Preferem morrer do que saírem de suas terras,que têm uma trajetória sangrenta de massacres e usurpações, sendoesta trajetória agora reforçada pelo resgate da história vivida porseus antepassados, mesmo que esta pareça confusa aos olhos dobranco, mas a qual é coerente para seu mundo e sua realidade.

O resgate da história da cultura tradicional dos povoadoresda bacia do Juruá muito ajudará os grupos indígenas que perderamgrande parte de suas tradições devido ao tipo de contatodesagregador imposto pelos patrões seringalistas. A valorizaçãode suas culturas os estimulará a se interessarem pelo pouco queainda resta, aumentando a auto-estima e o orgulho quanto aopertencimento étnico.

2. Reconstrução da identidade étnica

A melhor conceituação da situação vivenciada pelos Náwafoi definida numa conversa com representantes do CIMI, em que otermo Náwa não é só aplicado para o próprio grupo, mas para asetnias (indígena e branca) que estão engajadas na luta pelalegalização do território Náwa. Essa é uma verdade insofismável eque esteve presente durante todo o tempo do levantamento nocampo. Praticamente indaguei a quase todas as famílias qual suaorigem étnica e a que descendência pertenciam seus filhos. A

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resposta era sempre a afiliação a uma etnia, a mistura com umaetnia específica, a morada em terras Náwa ou o desconhecimentodo nome da tribo de que eram procedentes, mas acabando semprepor se decidirem pela Náwa, porque têm “sangue de índio”. Aidentificação era feita com convicção, orgulho e com uma ponta dearrogância.

Percebia-se um tom nostálgico na voz dos índios ao sereferirem sobre à profusão de propagandas de produtos rotuladoscom o termo Náua, em Cruzeiro do Sul, porque eram vistos pelapopulação “como uma lembrança e que na mente deles os Náwanão existiam mais”. Ou, quando aludiam às suas existências, “aspessoas faziam de conta que eles não existiam”; ou “pensavamque eles estavam escondidos”. Comentam, ressentidos, que apopulação branca não os via, deixava-os no esquecimento, que opreconceito era grande, sendo “discriminados desde que nascematé que morrem”. Eles não tinham direitos, nem sabiam que podiamter direitos a um território indígena, e, se não fosse a rixa com acriação do Parque Nacional, os Náwa continuariam invisíveis etrabalhando tranqüilos em seus roçados.

As modalidades por meio das quais as pessoas se afiliam àetnia Náwa são bem diversificadas, dependendo de várioscomponentes. Sempre há alguém que conhece outrem há muitosanos, quando jovem, que já se identificavam como Náwa e nãocomo “outra tribo qualquer”. Ou, quando a pessoa se casou, já eraconhecida como pertencente a essa etnia. Se seus pais e avóseram Náwa, eles também o seriam. Se um dos parceiros é Nukinie o outro é Náwa, ele e seus filhos passam a se identificar comoNáwa, por habitarem na terra deles. O mesmo acontece com

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qualquer outra etnia que habita no território Náwa, com exceçãodos Ashaninka e Arara-Jamináwa, que identificaram a si e a seusfilhos como pertencentes às suas próprias origens. Se os pais foremuma mistura de Nukini, Náwa e Poyanáwa, o filho será Nukini, seresidir na área Nukini. Sentem-se apoiados pelos movimentosindígenas e também pelos grupos étnicos da região com os quaisnão mantêm vínculos por laços matrimoniais.

Os brancos da região e de Mâncio Lima, depois que souberamque eles eram Náwa, acreditaram neles. Isso talvez porque játinham ouvido as histórias dos Náwa contadas por seus antepassados.Podemos considerar as relações sociais entre o regional e o índiocomo sendo de igualdade, pois uma pessoa branca ao casar comuma índia ou mestiça índia, passa a se considerar ideologicamenteigual ao parceiro: índio. Conforme Manuela da Cunha, quem serotula índio é quem pertence a uma comunidade indígena e é porela reconhecida (1986, p.11). Os filhos de um casal assim misturado,apesar de terem uma parte de sangue de branco e outra de índio,são considerados da “raça” Náwa, pois “moram no mesmo lado”destes, em sua terra, nasceram e se criaram nela. Segundo aantropóloga Paraíso,

É a capacidade de reconhecer no espaço fatos e locaisvinculados à tradição de um povo que constitui o principalpré-requisito para o reconhecimento de alguém comomembro daquela comunidade (1987, p. 14).

A metáfora sangüínea se manifesta quando argumentam queo sangue de índio é forte, por isso, quando alguém casa com branco,predominam as características de índio. Quando um dos parceirosé branco e casa-se com alguém de origem Nukini e Náwa, só

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prevalece nos filhos a ascendência indígena. Há exceções quandouma família mestiça com branco ou um branco se casa com Nukini,residindo na cidade, sendo os filhos considerados como Nukini. Omesmo ocorrendo com aquelas famílias que habitamtemporariamente o território Náwa e pretendem retornar aos Nukini,já que perambulam de uma área para a outra.

Alguns mestiços com branco afirmam que, se sua identidadefor contestada, mesmo assim preferem continuar residindo emterritório Náwa. Gostam da mata, nunca pensaram em sair dela.Identificariam-se como índios mesmo que fossem brancos. Nota-se nos depoimentos um sentimento de pertencimento à terra muitoforte, visceral, e uma identidade assumida. Quando o cruzamento écom branco/peruano e branco/brasileiro, mesmo sendo criados comoíndios, os filhos são identificados como peruanos, ainda que vivamno Brasil. Essas alegações de identidade étnica fazem sentido, serecorrermos às colocações feitas por Cunha (1986, p. 118), nosentido de que os grupos étnicos possuem mecanismos de adoçãoe exclusão de indivíduos. A inclusão depende de sua aceitaçãopelo grupo e a disposição deste de seguir os valores e traços culturaisdo grupo.

Houve um tempo em que havia uma preferência de escolhamatrimonial com seringueiros. Por isso, é grande a mestiçagementre os Náwa, não só com os brancos, mas também com outrasetnias, que muitas vezes não sabem identificá-las. Há muitos Náwacasados com Nukini, que é considerado um grupo diferente do deles.Alguém explicou: tudo é mistura. Os habitantes do rio Azul nãosabiam a que grupo étnico pertenciam, uns eram Nukini que casaramcom cearenses, outros eram Arara, Ashaninka. Está tudo misturado,

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não se sabe quem é quem. Se juntassem todos os Náwa espalhados,seriam muitos. Existem pessoas que afirmam que eles não são Náwaporque são claros, loiros, têm cabelos crespos e olhos azuis, devidoa um dos pais ser branco, mas que se consideram índios. É tudomistura, só eles sabem que são Náwa.

Um nukini da TI Nukini afirmou que agora as “nações” estãotodas misturadas. Não há família legítima, família limpa, família pura(sem mestiçagem) como antigamente. Os sucessivos casamentosdos amansados com brancos foram cruzando e limpando adescendência de índio. Os filhos vão puxando para as característicasdo branco e a descendência de índio vai ficando pouca. Osimbolismo da pureza sangüínea é um dos traços que vai definindoo pertencimento mais para o lado do índio ou do branco, mas nãosignifica a exclusão do índivíduo da coletividade.

Chica, ao ser indagada sobre o grau de parentesco entreNáwa e Nukini, respondeu: “todo caboclo é parente. Índio é umsó”. Atualmente o fato de alguém se identificar como sendo deuma etnia, independentemente da pureza sangüínea, já define aideologia de pertencimento, agregação e socialização do indivíduo.A antropóloga Cunha (1986, p. 111) caracteriza, com propriedade,a situação de indivíduos que se auto-identificam ou são reconhecidospelo grupo como pertencentes a ele, podendo aceitar, recusar eadotar brancos ou mestiços, pois dispõem de regras próprias deinclusão e exclusão.

Os Náwa não aceitam a identificação étnica como Nukini,porque os mais antigos sabiam que eles eram Náwa. A famíliaPeba nasceu no Seringal República e no igarapé Novo Recreio,tendo misturas de Náwa e Nukini. A mãe de Maria Luiza de Oliveira

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lhe contava que havia “uma tribi que tinha nome de Nauás”, queera da família do Zé Grosso e da família da Chica. Havia muitosNukini, mas casaram com cearenses. Alegam que os Nukini nãose unem aos Náwa, porque cada tribo tem uma origem, seuscostumes, podendo gerar rixas. Consideram-nos seus vizinhos,conhecem-se desde que eles eram pequenos, são parceiros de luta,mantêm laços de solidariedade e há parentes morando na TI Nukini.Misturaram-se pouco com os Poyanáwa, pois no passado era umpovo guerreiro, que vivia em lutas com outros grupos.

Comentaram que, quando a FUNAI fez os levantamentosde identificação do Seringal da República, só procurou pelos Nukinie não pelos Náwa, que não tinham ainda identidade conhecida. Sórecentemente, depois que a FUNAI/AC mostrou documentos ondeaparecia o nome de Francisca Borges, que se identificava comoNáwa, descobriu-se sua procedência étnica e a assumiram. Porisso, antigamente, quando um Náwa casava com Nukini, seusfilhos passavam a serem reconhecidos pela tribo do pai, “pois nãosabiam quem eram” e alguns viviam em área Nukini. Estavamcientes de que eram índios, mas os antigos não diziam qual era atribo nem tinham o costume de fazerem diferenciações étnicas.Acreditam que há muitos índios espalhados pela região sem saberemquem são etnicamente. O antropólogo Sampaio (1995, p. 254)comenta sobre essa descoberta de identidade,

Muito mais do que possam sugerir categorias comoinvenção de “etnicidade” ou “etnogênese”, temos aqui omarco de um reatamento de vínculos com o próprio passado,por mais que este possa também ser “recriado”. Reatamentotornado possível tanto pela “ciência do índio”, quanto pela“lei do branco”[...].

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Foi através da Dondon que os Náwa conheceram a históriada família de Francisco Marques da Silva, de sua esposa MariaNazaré da Costa e de outras famílias mais antigas, que começarama reconstruir (“puxar”) a história passada, procurando saber deonde vinham, quais os locais em que os antepassados foram mortos,quais aqueles que escaparam com vida dos massacres. Assim,descobriram que “foi de um troncozinho que nasceu os Náwa, deuma sementinha que escapou por milagre da mortandade”. Erampoucos, agora está aumentando o número de famílias, como afamília do Nilton Peba, que se misturaram com Nukini. Atravésda história oral descobriram que o “tronco véio” habitara o Estirãodos Náuas, e que os que não morreram à bala, fugiram,esconderam-se pela mata e correram para este local e ali geraramos Náwa, como comentou Chicon. Apelam para a metáforaarbórea para explicar a relação de parentesco dos antigos com asgerações novas do grupo.

A Nukini Arlete, da TI Nukini, contou detalhes da históriada família Peba, que está relacionada com o aparecimento dosNáwa, que ouvira de parentes mais velhos. Maria Peba casa-secom Francisco Peba e passam a se chamar de Náwa, formandouma família, ela uma Nukini e ele um Náwa. A família Náwa vinhachegando atrás de Francisco Peba, vinha do igarapé Novo Recreio,Bom Jardim, porque eram perseguidos pelos amansadores. Osque fugiram, foram os que sobraram dos massacres. O igarapéNovo Recreio era habitado por Nukini. A maioria dos caboclosNukini veio do igarapé Zulmira, que eram atacados pelos Poyanáwado Barão do Rio Branco. As mulheres casaram com cearenses e“saíram (apareceram) os Náwa”. No igarapé São Salvador haviacinco mulheres que casaram com cearenses, Nazaré, Zilda, Antônia,

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Joana e Josefa, e seus filhos espalharam-se por aí. Muitos delesmorreram e outros têm medo de dizerem que são caboclos.

Outra história que conta o aparecimento dos Náwaentrelaçada com os Kuinin (outra maneira dos Nukini se chamarem)foi narrada pela Nukini Maria Francisca, da TI Nukini. A nukiniAna Maria da Costa saiu da mata e teve vários filhos, entre esseso pai de Nilton Peba. Misturaram-se no igarapé Novo Recreio. Aorigem dos Náwa atuais é outorgada também a Francisco de Assisda Costa. Certas pessoas sabiam que eram Náwa, mas não seinteressavam e não procuravam seus direitos. Alguns acreditavam,outros duvidavam, estranhavam, negavam (apesar de teremaparência indígena), mas estavam cientes que os antepassadoshabitaram a região e que nela viveram.

Como o etnônimo Náwa foi adotado recentemente pelo grupodurante o processo de reorganização social, étnica e de resistênciaà perda do território tribal, ainda se encontra em fase de aceitaçãoe de reconhecimento pela etnia vizinha, os Nukini. Alguns deles,da TI Nukini, levantaram indagações quanto à autenticidade daorigem dos Náwa: que só recentemente souberam da existênciadeles; sabiam que Chica e Dal eram índias, pois os Pebas eramArara; que a Maria Peba e o Pio são Nukini legítimos e que a mãedela, Cecília, falava a gíria Nukini; que ouviram falar de Náwavivendo no igarapé Novo Recreio somente nos últimos anos; achamque são procedentes de Tarauacá, do rio Envira, porque “para cánunca houve esta nação”. Comentam ainda que na área não temNáwa, se tivesse, já havia a semente (descendência), que nãogostariam que os Nukini fossem parentes de Náwa, que a palavraNáwa surgiu depois que os Náwa viajaram para Rio Branco, quecoletaram cacos de cerâmica das capoeiras que pertenciam aos

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índios antigos, no tempo do Zeca de Oliveira e passaram a afirmarque pertenciam aos Náwa. Afirmam também que não existemesses índios e só apareceram depois que o Parque Nacional daSerra do Divisor quis as terras do Novo Recreio, que talvez elessejam Nukini, que somente a partir de 1983, devido à presença daFUNAI na área, é que ouviram falar sobre a existência de etnias edos Náwa, que só recentemente, nos dois últimos anos, surgiuoficialmente esse povo/etnia Náwa. Acham que há históriasregistradas em livros sobre as correrias dos Náwa na região, massempre pensaram que a terra pertencia aos Nukini.

Técnicos da FUNAI foram ao igarapé Novo Recreio econstataram que os Nukini haviam desaparecidos, só havendo netose bisnetos daqueles. Constataram também que havia muitos brancosque não se identificaram como sendo de nenhuma etnia indígena edepois ressurgiram os Náwa, não se sabe de onde. Chica nunca seidentificou como índia nem disse a que “tradição” pertencia, mas,no seu tempo tinha só Nukini.

A família Peba morava no igarapé Novo Recreio, mas naépoca ninguém sabia que eram índios, pensavam que eram brancos.Somente “agora, há pouco tempo, que surgem como índios”. Naépoca em que foi feito o levantamento pela FUNAI no SeringalRepública, para identificação da terra, as famílias Peba se auto-identificaram Nukini, como eram conhecidos, pois viveram sempreno igarapé Novo Recreio.

A grande maioria dos moradores da região admira-se daexistência de uma classificação étnica para os diferentes gruposindígenas, pois os designavam pelos termos genéricos índios ecaboclos, ou caboclos do República, caboclos do Barão. Somentenos últimos anos, após a criação da TI Nukini, tomaram

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conhecimento da auto-identificação específica para as diferentesetnias. Em trechos do depoimento de Rochinha, ele diz,

Caboclo é um só. Índio é um só. Índio é índio, tanto faziade um jeito ou de outro, só que um mais valente, mais manso.Não havia esse negócio de tribi. Ninguém sabia dessadiscriminação de tribi. Nunca apareceu um órgão federalpara apontar as aldeias e lhe dar seus direitos. O índio erajogado que nem um animal irracional, que não tem raciocínio,nem direito a nada. Ele era escravo. Ele era mandado pelosnordestinos. Ele era apoiado pelo seringalista. Ele seencontra hoje civilizado, domesticado, então precisa andardo mesmo jeito que a sociedade anda. Ele não está maisexcluído pela sociedade, mas está dentro da sociedade.Então, ele precisa de terra por isso.

Os indivíduos são classificados de acordo com sua ascendênciade “pureza” étnica. O sangue define as relações parentais deconsangüinidade, sendo visto como um dos fatores que constrói aidentidade indígena no nível simbólico. O emprego da metáforasangüínea permitiu a incorporação e absorção dos misturados, tornandoo grupo homogêneo. Conforme Oliveira (1999, p. 26),

Cada grupo étnico repensa a ‘mistura’ e afirma-se comouma coletividade precisamente quando dela se apropriasegundo os interesses e crenças priorizados.

Deste modo, deduz-se dos discursos Náwa a seguinteclassificação sangüínea:

- Mais caboclo, caboclo, caboclo puro, caboclo de sangue asangue, índio puro, índio pintado (tatuado) ou índio antigo, quando apessoa é do tempo em que vivia em maloca, no mato, foi pega a

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cachorro. Havia o índio que se escondia no buraco do tatu, eraretirado pelos cachorros e trazido para o seringal. Não eram todosque se amansavam, alguns fugiam do seringal. Chicon, da TINukini,definiu assim o que é ser pego a dente de cachorro:

É o índio que nunca viu gente, que quando vê qué matá osbranco. Aí bota os cachorro pra pegá eles na carrera. Aí,eles pegô, amarrô e traz.

Outra característica dessa classificação é a pessoa possuircabelos lisos, estatura baixa e cabeça chata. Ou seja, não temmistura com outra etnia e se encontra na quinta ou sexta geraçãoascendente de ego.

- Índio legítimo é quem pertence a uma etnia, não tem misturacom branco.

- Índio é aquele que tem ascendência indígena por um doslados da linhagem dos pais, avós. Há certa pureza sangüínea dosantepassados. Existe momento que o termo caboclo transforma-seem sinônimo de índio. Sabe-se que é índio porque tem pele pretaclara, cabelo duro e fala ruim (português mal falado), assimexpressou-se um informante.

- Misturado, cruzado ou mestiço é quem tem mestiçagem deíndio/caboclo com branco/civilizado (negro, brasileiro e peruano).É a geração atual.

Para explicar a ascendência étnica, como as novas geraçõesse filiam às antigas, fazem de modo simbólico, metafórico,relacionando aos “troncos velhos”, que são as famílias que viviamem maloca ou pessoas que foram pegas a dentes de cachorro. Sãoos Náwa legítimos. A atual geração é a semente que se multiplicou

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lentamente, resultando nos ramos, ou seja, formando as diferentesfamílias Náwa. Essa analogia vegetal estende-se ao identificar osmoradores das antigas capoeiras como sendo Náwa, porque “ficadeste lado onde há a maior força, o tronco velho, do qual os novosvêm”. Ou ao identificar os atuais índios isolados como sendo Náwapor viverem em suas terras. A terra assume uma característica quemarca seus habitantes como uma indelével tatuagem, que seperpetua até a morte do portador, mas que deixa vestígios marcantesna memória social da comunidade.

Esta forma classificatória de metáforas de emergência daconstrução da “árvore Náwa”, conforme definição do antropólogoArruti para os Pankararu, descreve concentrações e dispersões dogrupo, organizado na dualidade tronco velho/semente, que traduz adistância entre eles e seus antepassados ou entre grupo mais antigoe mais novo. Essa classificação permite resolver o problema dasmisturas, pois consideram parentes grupos territorialmente distintos,tendo por referências ancestrais comuns (reais ou imaginários),ampliando-se até incluir os índios de outras etnias que habitam nesteespaço (1999, p.263). A oposição tronco velho e semente marcamuma relação tanto entre gerações e famílias dentro da comunidadeNáwa quanto entre os Náwa e outros grupos da região.

Agora que se reconhecem como Náwa, que foram“batizados” como tal, sentem que não estão mais sós nesta lutapara legitimar sua terra, “pois a entidade do índio (FUNAI) équem tem mais força no Brasil. Ela consegue o que quer. O índioé muita coisa (valorizado). É apoiado por outras entidades de índios(movimentos indígenas). Existe o Parque Nacional e existe a terrados Náwa, por isso as entidades índias se organizaram”, explicouum índio.

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Conclusão

Apesar dessa perícia antropológica ter sido realizada paraassegurar ou negar que os moradores de um trecho do rio Môa setratavam de um povo indígena intitulado Náwa, faço uma reflexão,que procura desvendar etnograficamente os processos pelos quaisessa definição é construída, como argumentou o antropólogo BarretoFilho (1999, p. 99). É inegável como os Náwa traçaram a suadescendência com relação a ancestrais comuns e a um local deprocedência comum reconhecido como área de moradia antiga dogrupo, determinando a sua vinculação a uma mesma coletividade.Tanto índios, misturados e brancos moradores do território Náwaconstroem uma visão de mundo, uma concepção de si e dos outrosdiferente, e que se exprime através de símbolos e signos poucoshabituais aos olhos dos civilizados.

Inicialmente fiquei preocupada com a veracidade dasinformações, a que etnia os dados se referiam, se aos Náwa, Nukinie remotamente aos Poyanáwa. Depois percebi que, no auge dasdiscussões, o que importava era o fato em si, o acontecimentoocorrido num passado distante e que somente os mais velhos eramos privilegiados por estarem mais próximos dos antigos, do troncovelho. Mudei a postura e passei a compreender como o grupocontava e construía sua história, ficando atenta para os elementosque mais destacavam e valorizavam, caracterizando-o como grupoétnico. Era isso que precisava ser explicitado e explicado. E foi issoque fiz, parti para uma investigação da história etnográfica Náwaressurgida. É assim que se vêem e crêem serem deste modo. Percebique a provável perda da terra fez com que se articulassem, fazendouso de uma identidade coletiva.

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Outro fator que me preocupou durante o levantamento dedados em campo foi a fragmentação e a discrepância dasinformações, que eu acreditava serem divergentes pois eramincoerentes para minha compreensão. Na realidade, não é pelofato de o indivíduo pertencer ao mesmo grupo que ele tempercepções idênticas dos mesmos símbolos partilhados por todos.Ou, como salientou Santos (1996, p.133), que ele

[...] se conceba segundo tais expressões e veja a si próprioe a outros membros como partilhando igualmente aquelascaracterísticas atribuídas à comunidade como um todo.

“Os Náwa estavam perdidos”, disse uma informante. Estafrase sintetiza todo o trabalho que foi apresentado. Eles se sentemcomo se tivessem assumindo uma nova identidade, que não estavambuscando, mas foram impelidos a ela e todo comportamento ediscurso estão agora direcionados nesse sentido. Reviram o passado,desenterraram comprovantes arqueológicos; relembramantepassados que não sabem nomear na maioria das vezes, valorizamaspectos culturais que muitos desconheciam até pouco tempo atrás,lamentam não terem dado atenção às histórias que os mais velhoscontavam. Recriam cânticos e inventam adornos corporais, dandouma especificidade a eles. Adotam, para sua identidade pessoal, aetnia Náwa. A união interna fortalece-se. Lideranças políticas sãofirmadas, externas e internamente, no grupo. Reascendem amemória social do grupo para justificar sua indianidade. Atualmentesão reconhecidos, são vistos pelas autoridades e pelos regionais.Saem da invisibilidade. Adquirem respeito e cidadania.

Um trecho do depoimento de Geraldo da Silva Bezerra,branco casado com índia Náwa, reflete a retomada de consciência

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do direito jurídico indígena e das injustiças cometidas pelosseringalistas da época do contato com os índios “brabos”, da mata,até então lembrados como fatos heróicos e corriqueiros do passado.Agora esses acontecimentos se revestem de uma etnicidade eclamam por justiça:

Ninguém vê o que caboclo tá tomando. Primeiro não foi oscaboclos que foram em Brasília atrás de direito, não. O direitofoi descoberto de lá pra cá. Hoje que eles tão colhendo odireito que eles têm. Não saiu daqui nenhum, que nãoconhecia nada. Inclusive, quando surgiu essa área indígenaaqui do Nukini da República, todo mundo se revoltô. Porcausa do quê? Do direito. Então, eu tô achando que sirvode pena pro meu pai, pro meus avô e para aquela gentetoda. O que meus pais fizeram, meus avô fizeram com osíndios, hoje nóis tamo prá pagar. Tá voltando. O direito dosíndios foi tomado aquele tempo, hoje, tá voltando. Tamosnóis filhos e netos prá pagar as injustiças que foram feitascom os pobre dos índios. Isso entrou na minha cabeça e eunão esqueço, o sangue (que) foi derramado, o lombo queforam batidos. [...] Todos nóis temos direito do que é nosso.[...] E, naquele tempo não era. Eles eram escurraçados. Eleseram batidos e eram morto.[...] Não eram considerados nada,só bicho. Então aquilo que foi feito naquela época [...] tamosnóis hoje aqui prá pagar, porque tá faltando o direito que oíndio tinha e agora, hoje, tem.

A identidade assumida pelos Náwa tem uma origem e umabase de experiências, hábitos e estilos de vida, reconhecidoscoletivamente como comuns e distintivos. O fato de serem coagidospelo IBAMA para saírem do seu território, fez com que retomassemcontatos com parentes distantes, contribuindo para aumentar as

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redes sociais e reaglutiar pessoas. Este ato inconseqüente doIBAMA foi fundamental para que os Náwa reatualizassem aconcepção de si próprios como uma coletividade distinta. Fenômenoparecido aconteceu com os Tapeba do Ceará estudados por HenyoBarreto Filho (1999, p. 135).

A terra é necessária à perpetuação e reprodução familiar,além de ser um instrumento político do grupo, etnicamentediferenciado, não devendo ser objeto de transações que possamredundar em perda ou redução de território – assim manifestou-sea antropóloga Brasileiro (1996, p. 36), ao referir-se aos Kariri. Aperda da terra para os Náwa seria a perda referencial do grupo,pois nela estão enterrados seus ancestrais, foi por ela que ocorreramlutas sangrentas para sua defesa, é com ela que relembram fatospessoais e históricos, possuem forte vinculação, sabem onde seencontram os nichos de fauna que os sustenta, é com ela quepretendem construir o futuro de seus filhos e netos. Tudo gira emtorno da terra que os torna um povo, dela depende a sobrevivênciafísica e cultural dos Náwa.

Caracterizo os Náwa como uma cultura de resistência, queenfatiza as diferenças culturais como formas de protesto. Todoseu discurso é um protesto contra a atual situação vivida, que aestá afetando cultural e economicamente, dificultando a suainterseção no meio social regional. Todo seu passado está em jogo,negado e hostilizado. Pois, como afirma Cunha, uma cultura não éalgo dado, posto, mas algo constantemente reinventado, recompostoe investido de novos significados, sendo necessário perceber suadinâmica, a produção cultural (1986, p. 101).

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Durante todo o tempo que permaneci com os Náwa tenteicaptar o que pensam, fazem e sentem, com o objetivo de entendê-los e não defini-los como uma cultura específica ou que tivesseuma pureza cultural. O antropólogo Pacheco de Oliveira definecom clareza o que significa, hoje, pureza cultural. Precisa-se entenderque as manifestações simbólicas dos índios atuais estão imbricadaspor diferentes tradições culturais. Para que costumes e crençassejam legítimos, não precisam ser exclusivos daquela sociedade,pois freqüentemente são compartilhados com outras populações.E tais elementos culturais não necessitam serem antigos, pois podemser adaptados às realidades culturais do mundo moderno eglobalizado. Portanto, os direitos indígenas não decorrem de purezacultural, mas do reconhecimento da condição de descendentes dapopulação autóctone. O que tem que ser reafirmado é a sociedadeindígena e não a cultura, povo ou nação (1999, p. 117-118).

A comunidade indígena Náwa se formou num momentohistórico específico, onde foram se auto-atribuindo uma condiçãoétnica, cultural e política para enfrentar os problemas fundiários,como sendo a única forma viável. Passam a defender uma ideologiaétnica de pureza em relação às origens que têm relação à metáforada pureza de sangue, com a finalidade de inserir o alto grau demestiçagem entre branco e outras etnias indígenas, devido aosintercasamentos ocorridos por gerações sucessivas. Atribuem à suaorigem metáforas vegetais. A origem de um tronco comum, de umaraiz comum que gerou os atuais descendentes é uma marcaemblemática, um estandarte que identifica a etnia emergente e aqual não pode ser negada porque eles são suas sementes, a provamais irrefutável perante os olhos dos seus opositores. Brota a árvoreNáwa, que é a resultante da vida, da germinação de uma sementinha.

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A persistência da identidade advém de compartilharexperiências comuns, novas e antigas, lugares, derrotas,perseguições e alianças. Acreditam em fatos e acontecimentos queforam vividos por seus antepassados e os incorporam em sua históriaatual. Situações que os Náwa do passado e do presente vivenciaram,marcaram seu modo de ser e os distinguiram dos demais. Possuemautonomia para determinar quem são ou não seus membros, combase na construção de requisitos específicos. Crêem numa origemantiga de sua formação étnica, incorporando os misturados comoparte de sua história simbólica. Conforme Paraíso (1987, p. 11),

A história simbólica, elaborada pelo povo é construída apartir da crença numa origem comum aos membros dogrupo, desconhece a miscigenação, embora o povo delatenha consciência. Essa crença, transmitida pelasocialização, permite aos membros do grupo desenvolvermecanismos de solidariedade interna.

Um dos deflagradores étnicos que levou os Náwa aprocurarem seu reconhecimento indígena foi espelharem-se nasituação alcançada por seus vizinhos mais próximos geográfica esocialmente, os Nukini e Poyanáwa, que emergiram recentementee foram reconhecidos pelo Estado. Estes passaram por situaçõesfundiárias e políticas semelhantes à deles. O estímulo para obteremo reconhecimento oficial foi reforçado pela existência do documentode posse de terra de um dos moradores do igarapé Novo Recreio,adquirido através de herança materna. Acrescido a isso, estalocalidade naturalmente já possui o fermento inicial, pois abriga amaior concentração populacional de Náwa, sendo fácil surgir oprocesso de indianização do grupo.

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Para a construção da identidade étnica Náwa, diferentescaminhos estão sendo percorridos. Um deles é a família, sendoque muitas vezes as pessoas usavam o parentesco como ponto departida para a sua identificação, vinculando também a umalocalização espacial étnica, deste modo algumas eram incorporadasà etnia. A origem étnica não é questionada. Outro fator que contribuimuito para a construção da etnicidade é a experiência vivida eadquirida com as viagens às cidades para a participação emencontros indígenas e eventos culturais, em que representantes dacomunidade participam, indo vestidos a rigor, com seus trajesartísticos recriados. Tiveram que produzir tanto cultura materialcomo manifestações culturais nunca antes encontradas ou vividasentre eles. Nessas ocasiões culturais e políticas seus interlocutoresos tratam como iguais, são respeitados, valorizados e reconhecidoscomo um grupo social étnico.

Notas

1Dra. em Antropologia Social pela UnB e atualmente trabalhando como consultorado Projeto de Apoio a Comunidades de Quilombos no Brasil - PROACQ, emBrasília.

2Adotamos sempre a grafia empregada pelos autores dos textos quando usada nascitações.

3Para dados complementares sobre os antigos povoadores da região, consultar oRelatório Preliminar de Antonio Pereira Neto (Proc.n. FUNAI/BSB/2058/2000,p. 33-38) e o Relatório de Viagem de Walter Coutinho Jr., de 2001:26-9, incluindoos Nukini nas páginas 29-31.

4Muitas vezes a identidade do indivíduo branco era designada pela sua procedênciaregional. Segundo o Plano de Manejo do PNSD, p. 5-172, “os moradores são nasua maioria descendentes de nordestinos que chegaram durante o primeiro cicloda borracha ou durante a II Guerra Mundial”.

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5Colocação é definida no Plano de Manejo do PNSD-Fase 2, p. 5-169, como“uma área aproximadamente circular de floresta, com denominação dada pelosmoradores, definida por um conjunto de “estradas de seringa” (em média uma“estrada de seringa” possui 120 seringueiras dispersas pela floresta, interligadaspor trilhas abertas e mantidas pelos seringueiros).

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