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7299 CONSTITUIÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE INVESTIMENTOS DE NÃO-RESIDENTES EM TÍTULOS PÚBLICOS NO BRASIL CONSTITUTION, GLOBALIZATION, AND TAXATION OF NON- RESIDENTS’ INVESTMENTS IN BRAZILIAN PUBLIC TITLES Marcos Aurélio Pereira Valadão Lauriana de Magalhães Silva RESUMO A Globalização tem como suporte essencial o aprofundamento das relações internacionais, ocasionado pela permeabilidade das intenções de política econômica tanto dentro quanto fora das fronteiras nacionais. Especialmente por ser uma das formas de expressão da soberania e intervir diretamente no domínio econômico, a tributação faz parte desse contexto. Políticas fiscais associadas às políticas monetárias visam o controle da economia, para promover o desenvolvimento e combater a inflação. Com base no arranjo dessas políticas, e com essa finalidade, nos anos 1990, o Brasil desenvolveu o Plano Real que propiciou, apesar da estabilidade econômica, a elevação considerável da dívida pública interna, financiada tanto pela tributação quanto pela emissão de títulos públicos. Mudanças legislativas recentes proporcionaram vantagens tributárias aos investidores não-residentes que não se estendem aos residentes, embora o investimento em títulos públicos seja idêntico. Este trabalho visa fornecer ao leitor o arcabouço histórico-econômico necessário à compreensão dos desdobramentos do tema que identifica tensão entre a aplicação do princípio constitucional da igualdade tributária frente aos desafios da globalização econômica. A partir dessa perspectiva, busca-se verificar a possibilidade de confirmar ou refutar a assertiva de que a globalização implica no enfraquecimento dos princípios constitucionais tributários, especialmente o princípio da igualdade tributária, no que concernem os rendimentos obtidos por investimentos de não-residentes em títulos públicos brasileiros. PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO – ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA – DÍVIDA PÚBLICA - TÍTULOS PÚBLICOS – INVESTIMENTO – TRIBUTAÇÃO - NÃO-RESIDENTES - CONSTITUIÇÃO - IGUALDADE TRIBUTÁRIA ABSTRACT The fundamental support of globalization is the increasing depth of international relations, mostly promoted by the permeability of economic policies among national Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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CONSTITUIÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE INVESTIMENTOS DE NÃO-RESIDENTES EM TÍTULOS PÚBLICOS NO BRASIL

CONSTITUTION, GLOBALIZATION, AND TAXATION OF NON-RESIDENTS’ INVESTMENTS IN BRAZILIAN PUBLIC TITLES

Marcos Aurélio Pereira Valadão Lauriana de Magalhães Silva

RESUMO

A Globalização tem como suporte essencial o aprofundamento das relações internacionais, ocasionado pela permeabilidade das intenções de política econômica tanto dentro quanto fora das fronteiras nacionais. Especialmente por ser uma das formas de expressão da soberania e intervir diretamente no domínio econômico, a tributação faz parte desse contexto. Políticas fiscais associadas às políticas monetárias visam o controle da economia, para promover o desenvolvimento e combater a inflação. Com base no arranjo dessas políticas, e com essa finalidade, nos anos 1990, o Brasil desenvolveu o Plano Real que propiciou, apesar da estabilidade econômica, a elevação considerável da dívida pública interna, financiada tanto pela tributação quanto pela emissão de títulos públicos. Mudanças legislativas recentes proporcionaram vantagens tributárias aos investidores não-residentes que não se estendem aos residentes, embora o investimento em títulos públicos seja idêntico. Este trabalho visa fornecer ao leitor o arcabouço histórico-econômico necessário à compreensão dos desdobramentos do tema que identifica tensão entre a aplicação do princípio constitucional da igualdade tributária frente aos desafios da globalização econômica. A partir dessa perspectiva, busca-se verificar a possibilidade de confirmar ou refutar a assertiva de que a globalização implica no enfraquecimento dos princípios constitucionais tributários, especialmente o princípio da igualdade tributária, no que concernem os rendimentos obtidos por investimentos de não-residentes em títulos públicos brasileiros.

PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO – ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA – DÍVIDA PÚBLICA - TÍTULOS PÚBLICOS – INVESTIMENTO – TRIBUTAÇÃO - NÃO-RESIDENTES - CONSTITUIÇÃO - IGUALDADE TRIBUTÁRIA

ABSTRACT

The fundamental support of globalization is the increasing depth of international relations, mostly promoted by the permeability of economic policies among national

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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frontiers. Taxation is part of this context especially because it is expression of State sovereignty related to economic sphere. Fiscal policies associated with monetary policies are designed to control economy, by promoting development and controlling inflation. In the 1990´s Brazil developed the Real Plan to control inflation and reach economical stability, but the negative side was de growth of internal public debt, which has been funded through tax raise and public debt papers issues. Recent law changes promoted tax advantage to non residents that are not extended to residents; nevertheless it is the same type of investment. This article aims give the reader the historical-economic instrumental to understand the tension derived from constitutional tax equality principle application and the economic globalization challenges. Under this perspective, the intends to verify the validity of the statement that globalization implies softness of constitutional tax principles, especially tax equality, as related to income obtained by investments of non Brazilian residents on public Brazilian debt papers.

KEYWORDS: GLOBALIZATION – ECONOMIC STABILITY – PUBLIC DEBT – PUBLIC TITLES - INVESTIMENT – NON-RESIDENTES - TAXATATION – CONSTITUTION - TAX EQUALITY

1. Introdução

Explicar a globalização, em seu contexto histórico, serve à melhor interpretação e compreensão das recentes mudanças promovidas na órbita da legislação brasileira, em especial quanto à concessão de incentivos fiscais. A história do presente integra, dadas as suas vicissitudes, o suporte do qual emanam as normas jurídicas que buscam soluções para necessidades imediatas do Estado.

Nesse sentido, pretende-se fornecer ao leitor o arcabouço histórico-econômico necessário à compreensão os desdobramentos do tema: aplicação do princípio constitucional da igualdade tributária frente aos desafios da globalização econômica. A partir dessa perspectiva, busca-se verificar a possibilidade de confirmar ou refutar a assertiva de que a globalização implica o enfraquecimento dos princípios constitucionais tributários no que concernem os rendimentos obtidos por investimentos de não-residentes em títulos públicos brasileiros.

A fim de fornecer maior precisão às reflexões expostas neste trabalho, urge informar que o termo não-residente é distinto de estrangeiro. Isso por que o conceito de não-residente inclui tanto os não-nacionais quanto cidadãos brasileiros que residem no exterior. A distinção entre brasileiros e estrangeiros é clara no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.[1] A distorção ventilada neste artigo diz respeito ao tratamento tributário distinto entre nacionais brasileiros por força do critério de residência.

2. Globalização e Ajustes Estruturais

2.1. Introdução ao tema

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É necessário reconhecer que nenhum conceito de globalização consegue ser completo e, ao mesmo tempo, atingir todos os pontos do complexo de idéias que o termo envolve. Isso porque não se trata de um fenômeno único, isolado, recente. Não se trata de revolução em termos teóricos concebidos pela ciência social. [2] Ele pode ser visto como o fim do ciclo de desenvolvimento e avanço dos meios de produção.[3] Isso porque não há uma ruptura com a ordem anterior, mas sim uma confirmação de tendência à expansão própria do capitalismo em nível mundial conforme já sido diagnosticado por Karl Marx e re-elaborado pelos seguidores de suas idéias no século XX.[4]

Enquanto idéia, portanto, globalização envolve a própria inserção do homem em seu espaço, entendido este como o globo e, para tanto, da satisfação das suas necessidades individuais enquanto coletividade, dada a aproximação das sociedades. Segundo essa ótica, o indivíduo passa a ser sujeito de direito internacional, isto é, percebe direitos e contrai obrigações na aldeia global.

Não obstante esse avanço, o Estado continua a ser o sujeito de direito internacional por excelência, gozando, por intermédio da sua soberania, da capacidade de impor-se no plano interno e decidir os rumos de sua política no plano externo. O exercício da soberania, no entanto, não deve implicar em isolamento. Edward Carr ensina a impossibilidade de auto-satisfação das necessidades com o fechamento do Estado. Em outras palavras, por mais que tenha se tentado fomentar a existência de autarquias em nível global, a história mostra a sua impossibilidade.[5]

A existência das relações internacionais e, portanto, das trocas em nível global é inevitável, sob pena da marginalização e da sucumbência das sociedades. A evolução e o progresso humanos dependem desse relacionamento e, por isso, que se criem elos institucionais que promovam a confiança e a segurança para que essas relações ocorram sem impedimentos de ordem política.

A globalização pressupõe o aprofundamento da intermediação contínua entre o que está dentro e o que está além das fronteiras dos Estados, sendo, desse modo, relativa à própria idéia de nação desenvolvida nos moldes clássicos.[6] A idéia de integração econômica força a relativização do que José Eduardo Faria aponta como soberania em seu significado moderno que “diz respeito a um poder de mando incontrastável numa determinada sociedade política; a um poder independente, supremo, inalienável e, acima de tudo, exclusivo”.[7]

Essa inevitável intermediação de interesses não está alheia à influência do poder econômico. Isso por que a ligação existente e necessária entre economia e poder remonta à própria noção de compartilhamento e divisão dos recursos escassos em nível internacional. Embora o comércio internacional seja amplo e de tendência inclusiva (pela sua essência, segundo a doutrina liberal), ele está sujeito, como arena em que ocorre disparidade de poder, aos interesses dos mais influentes.

Dada essa realidade, urge atentar para a persuasão, por intermédio da exploração do que se chama em economia de vantagens comparativas. [8] E é com base nessas vantagens, nas negociações e instituições que se firma, tanto na atualidade quanto em épocas remotas, o comércio internacional.

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Isto posto, a globalização é mais bem compreendida a partir da idéia de processo. E, nesse processo, há uma intensificação dos fluxos de mercadorias, pessoas, capitais a partir do desenvolvimento tecnológico das comunicações e do ciclo produtivo possibilitando a descentralização (formação de parcerias produtivas), a desconcentração (abertura de filiais além fronteiras) e a difusão (melhoria logística) da produção a fim de proporcionar maiores ganhos de escala.

As posturas da economia política dos países em desenvolvimento se amoldam, aos poucos, a esse processo. A repulsa à pobreza, como ressalta Robert Gilpin,[9] toma forma quando, a partir das crises do petróleo de 1973 e 1979, países em desenvolvimento proclamam a necessidade de redistribuição da riqueza.

O Brasil, em meio à necessidade de expansão do seu setor produtivo, como ressalta Werner Baer,[10] possuía, nesse período, duas alternativas: interromper os investimentos em infra-estrutura que estavam em curso ou endividar-se por intermédio da realização de empréstimos a juros pós-fixados.

Foi escolhida a segunda alternativa. O desenvolvimento brasileiro fomentou, durante esse período, o crescimento econômico, por uma série de empréstimos tomados no exterior. No entanto, o Estado não possuía um controle efetivo (quer dizer, controle institucional) que proporcionasse maior racionalidade na alocação desses recursos. Ainda era incipiente a existência de estrutura para o controle de mecanismos como a emissão de moeda e da taxa de juros. [11]

Com o transcurso do prazo para o vencimento da dívida, fato ocorrido no início da década de 1980, verificou-se, além da impossibilidade de pagamento (evidenciada pela declaração de moratória) a incapacidade de implementação de um modelo racional e transparente na gestão pública por intermédio das instituições então existentes. Feito o diagnóstico com a crise da dívida, coube ao Fundo Monetário Internacional apontar as medidas iniciais para o ajuste da estrutura do Estado aos rumos que o processo de globalização passava a apresentar.

Joan Spero e Jeffrey Hart ensinam que

Chegar a um acordo com o FMI sobre um empréstimo e a austeridade doméstica – uma condição dos empréstimos junto a essa instituição – se tornaram centrais para a postergação da dívida. Embora seus empréstimos fossem pequenos comparados com o total devido, o FMI oferecia um meio para a imposição de medidas econômicas nacionais tidas como necessárias para o reembolso.[12]

É preciso ressaltar que a preocupação com a redefinição do papel do Estado nesse contexto não foi apenas brasileira e nem mesmo um fato centrípeto. O Estado provedor do bem estar social, então fomentado desde a década de 1930 com a emergência da leitura econômica de John Maynard Keynes[13] que defendeu a idéia de expansão dos gastos públicos como motor do desenvolvimento econômico, passou a entrar em declínio. Como bem ressalta Rosanvalon,[14] a crise do Estado Providência está arraigada na incapacidade de financiamento e de legitimação desse Estado diante do recrudescimento das demandas de bem-estar da sociedade.

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No argumento de Mises,[15] a persecução de objetivos de ordem econômica por parte dos indivíduos leva a uma maior satisfação pessoal que a ajuda do governo. O Estado deveria, na visão liberal, intervir menos possível na economia deixando a cargo do mercado as oportunidades para o desenvolvimento individual e, em nível mais amplo, da economia como um todo. Esse retorno do liberalismo é perceptível, em termos de globalização econômica, por intermédio das diversas reformas do aparato do Estado, entre elas na legislação tributária, realizadas a fim de torná-lo mais eficiente e atraente aos fluxos de investimentos internacionais.

Esse fato foi sentido pelos países desenvolvidos e, ainda com maior rigor, pelos países em desenvolvimento os quais, às voltas com as fundamentais necessidades de financiamento das suas pungentes demandas sociais. Pesava ainda o fato de que eles tiveram de lidar com o a incapacidade de pagamento dos empréstimos contraídos nas décadas de 1970 e 1980, principalmente em virtude das crises do petróleo.

Essa incapacidade de pagamento devia-se essencialmente à redução da liquidez do dólar no contexto mundial àquele momento, diante da segunda crise do petróleo em 1979. Tal crise elevou o valor dos juros dos empréstimos então contraídos no exterior, dificultando o gerenciamento das economias dos países devedores.

Identifica-se, portanto, uma dupla e urgente demanda naquele momento para o Brasil: lidar com a falta de recursos para financiamento para o seu bem-estar e com o alto grau endividamento externo.[16]

A esses ingredientes somam-se as pressões pró-democratização e abertura econômica durante a década de 1980.[17] Mudanças institucionais foram realizadas no Brasil e, em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a nova Constituição. Advinda do período pós-ditadura, a nova Carta ampliou ainda mais a responsabilidade do Estado em garantir bem-estar à sociedade brasileira,[18] ampliou as responsabilidades da União, expandindo as possibilidades de repartição de receitas e alargando as bases tributárias dos impostos dos Estados e Municípios.

Na tentativa de abrandar o árduo panorama, pacotes econômicos não-ortodoxos (Planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor), isto é, baseados na expansão da demanda agregada, reprisaram um movimento que era conhecido na literatura econômica como stop and go.[19] Quando da sua implantação, eram acalentadas as demandas imediatas da sociedade em um primeiro momento, mas pouco se sustentavam no médio ou longo prazo: a nova expansão da demanda agregada provocava novos surtos inflacionários.

O crescimento econômico brasileiro era insuficiente para acompanhar as taxas de inflação e, de fato, agregar valor aos bens e serviços. A indexação dos preços da economia brasileira nessa época promovia um movimento de escalada inflacionária que expandia ainda mais a elevação dos preços, retroalimentando a crise. O instituto da correção monetária corroborava para o insucesso das tentativas de contornar o processo inflacionário.

As propostas dos planos apresentados pelo governo de Fernando Collor (Planos Collor I e II) na década de 1990, tratavam do combate à inflação, da modernização do parque industrial brasileiro por meio da entrada de novas tecnologias e da desestatização da economia e da abertura do mercado nacional ao comércio internacional. Apesar de

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apoiado, o combate à inflação iniciou-se com o confisco das cadernetas de poupança da população, a fim de enxugar a oferta de moeda na economia. Em relação aos outros dois pontos, a importação de tecnologias para o parque industrial brasileiro trouxe consigo problemas como o desemprego estrutural, e, a desestatização da economia encontrava (e ainda encontra) óbices dentro dos setores mais conservadores da classe política.

Instaurada a crise institucional e de legitimidade, urgiu-se admitir a realização de alterações profundas tanto na estrutura formal quanto na material do Estado brasileiro na década de 1990. As condicionalidades do FMI e as diretivas do Consenso de Washington foram tomadas como referenciais. No campo teórico, tais recomendações de política econômica foram entendidas como uma releitura das idéias liberais do século XIX e, por isso, foram chamadas de neoliberais.

Vale ressaltar que essas medidas impactaram sobremaneira no plano dos países subdesenvolvidos em todos os continentes do globo.[20] A receita do Consenso de Washington para a expansão econômica era a mesma para o mundo subdesenvolvido: redução do papel do Estado na economia por intermédio da privatização de estatais, abertura econômica por meio da liberalização dos mercados e contenção da inflação com a realização de políticas com o objetivo de estabilizar a economia.

A fórmula apresentada tenta amenizar a crise de legitimidade que o Estado vem enfrentando. Além disso, a interdependência econômica [21] advinda da abertura da economia ao comércio internacional força a interligação entre os elos internos e externos às fronteiras dos países, culminando na sensível questão da adaptação gradual a novas interpretações dadas à legislação e aos princípios comumente empregados nas relações internacionais. Cite-se, como exemplo, o grau de interferência política das empresas multinacionais frente ao princípio da não-intervenção. [22]

Ademais, a modo de países que suportam o sistema de previdência social, o Brasil via-se gradativamente impossibilitado de atender às demandas nesse setor. Pendia a realização de reformas previdenciárias no setor público e privado e a racionalização na aplicação dos recursos públicos. Os dispêndios com o aparelho do Estado superavam os benefícios que dele era necessário se extrair.

A rigidez, a ineficiência do setor público e as prerrogativas constitucionais de que gozava colocavam-no, nesse sentido, como um peso morto para toda a economia. As externalidades proporcionadas pela burocracia pública eram concebidas como negativas, por conta dessas características. De tudo o que era despendido com o aparato estatal brasileiro, imaginava-se que pouco se extraía em benefícios reais para a coletividade.[23]

2.2. O Plano Real contextualizado e seus efeitos

Os apelos mencionados anteriormente impelem a gradativa saída do Estado em setores de dominância da economia de mercado, na esteira do Consenso de Washington. No Brasil, por exemplo, são instituídos instrumentos como contratos de gestão e termos de parceria com novas figuras administrativas para fins de prestação de serviços públicos de caráter público não-estatal. Foi acrescentado, ainda, por intermédio da Emenda Constitucional nº 19 de 1995, o princípio da eficiência como norteador para toda a administração pública.

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Importa afirmar que tais alterações seguiram-se à elaboração e implantação do Plano Real no governo do então presidente Itamar Franco, em 1994. Esse foi um plano de estabilização econômica o qual, por intermédio da retração da demanda agregada, reduziu os impulsos inflacionários ao mesmo tempo em que se verificou maior abertura ao mercado internacional.

A estratégia desse plano econômico se consubstanciou em três mecanismos essenciais: a) abertura ao exterior, por meio da valorização da moeda, para dar vazão à demanda contida, sinalizando o abandono da estratégia de substituição de importações; b) aumento da taxa de juros; c) maior controle da emissão monetária, adotando uma postura de maior volume de encaixes compulsórios junto às instituições financeiras. Não obstante a euforia inicial proporcionada pelo aumento do valor real da moeda em curso, isto é, do poder de compra, esses mecanismos não foram desprovidos de conseqüências economicamente negativas.

A valorização da moeda brasileira causou impacto negativo no setor exportador, provocando desequilíbrios na balança comercial. Os produtos brasileiros sofreram aumento de preço no exterior, o que reduziu a sua demanda externa, reduzindo a geração de lucros e o reinvestimento no setor, prejudicando as negociações comerciais.

Outro efeito do Plano Real foi o aumento do endividamento interno público. O aumento da taxa de juros com o fito de “enxugar” a moeda da economia representou a remuneração que o governo, naquele momento, estava disposto a pagar àqueles que financiam as suas necessidades. A contenção da inflação que esteve presente por mais de duas décadas na economia brasileira não seria feita sem esforço por parte do governo.

Frise-se, no entanto, que além da lógica contida no Plano Real, a demanda por recursos da União, não raro, estava em descompasso com a sua receita, uma vez que, o governo federal atuou em “socorro” de Estados que exigiram de seus bancos públicos estaduais vultosos recursos[24] e vinham gastando muito mais do que arrecadavam.[25] Desse modo os mecanismos institucionais corroboraram para o aumento da dívida interna: além de cobrir a demanda com as obrigações de financiamento em nível federal, também houve a assunção de débitos de Estados e Municípios.

Feitas essas ponderações, cabe ressaltar a distinção entre dívida e déficit internos públicos. Dívida pública é o estoque de crédito que o mercado interno possui, enquanto o déficit relaciona-se à variação que essa dívida passa ao longo do tempo.[26] Ou seja,. o déficit é variável de fluxo. O endividamento interno público no Brasil é alto por conta do efeito da retração da demanda por moeda provocada pelos juros apresentados pelo governo quando da emissão de títulos públicos (que consubstanciam tanto as obrigações de Estados e Municípios assumidas pela União, quanto as dívidas contraídas pela própria União e o seu refinanciamento).

A emissão de títulos públicos corresponde à realização de empréstimos públicos. Essa é uma das formas clássicas de financiamento das atividades estatais, além da emissão de moeda e da tributação. Mas, conforme aponta Geraldo Ataliba:

Não é só a pessoa do Estado que tem crédito, mas sim determinada administração, determinado governo, de terminada equipe que – pela sua maneira de se conduzir, pela

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sua filosofia, pela sua política e sobretudo pelos fatores que em geral podem inspirar confiança – empresta ao Estado, durante determinado período, aquelas condições que exatamente configuram o que se quer expressar pela palavra crédito, tomada nesta acepção. [27]

O argumento utilizado para a solvência desses empréstimos diante dos credores tem sido a realização de contenções de despesas mediante a promoção de superávits primários. Essa modalidade de superávit é obtida quando as receitas operacionais do orçamento do Estado superam as despesas operacionais, desconsiderando-se os gastos com os juros da dívida. Em outros termos, isso significa que, ao obter superávits primários, o governo sinaliza para os credores que está em condições de controlar seus gastos e trabalha para quitar seus débitos. No esforço de obter tal excesso, o governo contigencia os dispêndios previstos na lei orçamentária e busca aumentar a carga tributária. Nesse sentido, ensina Luís Matos Filgueiras:

Os objetivos dessa política, mais uma vez, foram os mesmos de sempre: de um lado, conseguir superávits primários nas contas públicas e, de outro, reduzir o nível de atividade econômica, buscando uma redução dos déficits na balança comercial, através da diminuição das importações e do incitamento às exportações. Tudo isso para tentar demonstrar ao capital financeiro internacional a capacidade do país para pagar as suas dívidas externa e interna. [28]

Essa meta de produção de superávits tem levado o governo a favorecer uma parcela mínima da população que detém recursos no sistema financeiro em detrimento de todo o restante da sociedade. Recursos públicos deixam de ser aplicados para suprir as funções essenciais do governo, em especial na produção de bens e serviços públicos (gastos sociais e de infra-estrutura), tornando socialmente ineficiente a sua atuação.

Verifica-se, portanto, que a emissão de títulos da dívida pública possui um custo social alto. Mas ainda há motivos para o interesse nesse tipo de financiamento. Uma das formas de lidar com a situação tem sido a realização do refinanciamento da dívida mediante a emissão de novos títulos. Cumpre informar que os seus adquirentes tanto podem ser residentes quanto não-residentes no país. Isso quer dizer, o alongamento da dívida poderá ser feito por intermédio de moeda nacional ou do ingresso de moeda estrangeira (no caso dos não-residentes). Pretende-se analisar, a seguir, o interesse pelo ingresso do capital externo.

3. Atração de Investimentos de Não-Residentes em Títulos da Dívida Pública

A atração de investimentos não é fenômeno que ocorre apenas em países em desenvolvimento, ela é desejada por qualquer economia do globo. A questão da entrada de investimentos em mercados de países em desenvolvimento como o Brasil merece destaque por que existe a relação de dependência desses recursos de modo essencial. Isso torna as economias desses países vulneráveis. Eles não conseguem, unicamente com seus próprios recursos, promover a oferta de bens públicos que pretendem. Dessa relação de dependência surge a necessidade de obter empréstimos públicos e investimentos diretos junto ao mercado internacional.

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Nesse ponto cumpre levantar a necessária distinção entre investimentos diretos e os indiretos. A noção corrente é que os investimentos indiretos podem representar perigo para o país que os acolhe, diferentemente do investimento direto o qual, em tese, está comprometido com o crescimento da economia nacional.

De fato, os investimentos indiretos podem sair do país a qualquer momento atraídos por melhores taxas de juros oferecidas em outros mercados. No entanto, de modo similar, o mesmo ocorre com os investimentos diretos. Mercados que oferecem melhores condições em termos de rentabilidade, segurança financeira e institucional por intermédio de sistema legal objetivo e de solução de controvérsias eficiente, tendem a ser mais receptivos, no sentido de serem atrativos, aos ingressos de investimentos.

Por isso, a confiança do investidor em um país desenvolvido é diversa daquela que deposita naquele que está em desenvolvimento. O histórico econômico dos países em desenvolvimento geralmente envolve declarações de moratória – exatamente o que o investidor não deseja. O receio de não obter o retorno do que foi investido e, pior, não receber sequer o principal da aplicação, torna a realização de investimentos nesses países um procedimento de risco. Esse fato justifica comportamentos e medidas político-econômicas como incentivos fiscais, as altas taxas de juros, a grande vulnerabilidade dos mercados financeiros desses países.

Para o investidor, não basta apenas o risco de investir em um mercado economicamente vulnerável, visto que os melhores rendimentos partem de países que possuem maior risco. É fundamental conhecer as vantagens para se realizar essa operação em um determinado país, verificar a situação do recolhimento de tributos decorrentes não só da operação, mas principalmente dos lucros auferidos.

Por parte do governo brasileiro, em relação à questão da dívida pública interna, seria viável uma saída que promovesse o seu alongamento, aumentasse sua liquidez e estimulasse a queda da taxa básica de juros (o que também estimula o desenvolvimento), sem alterar, é importante ressaltar, as regras propostas ao mercado. Esse último intento é relevante, a fim de que se evitem os efeitos de “manada” proporcionados pela volatilidade dos mercados.

Segundo relatório econômico da ANDIMA:

é fundamental aumentar a densidade e a abrangência de seus mercados, especialmente os secundários, nos quais detentores vendem seus títulos a outros compradores. A homogeneidade dos papéis negociados é diretamente proporcional à sua fungibilidade, ou seja, sua capacidade de ser substituído aos olhos do investidor. Se dois tipos de títulos são vistos como substitutos, a demanda de um soma-se à dos outros, formando um único mercado, potencialmente mais ativo do que o de cada um isoladamente. Assim, uma estratégia fundamental para aumentar a liquidez de títulos públicos tem sido precisamente a de elevar seu grau de fungibilidade. [29]

Seria necessário, além de elevar a fungibilidade entre os títulos públicos, buscar alteração do perfil do investidor nesse mercado, para que esses objetivos sejam alcançados. É nesse perfil que o investidor não-residente, à luz da política econômica atual, se enquadra. Segundo a Andima, esses investimentos geram importantes

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externalidades positivas e existem três motivos fundamentais para que seja facilitado o acesso do investidor não-residente ao mercado de títulos públicos:

a) Possibilidade de alongamento do prazo da dívida devido à diferença de perfil do demandante;

b) Aprofundamento dos mercados financeiro e de capitais;

c) Efeito monitoramento.

Quanto ao primeiro motivo, o lançamento de títulos de maturação mais longa (ou vencimento com prazo maior), o que aumenta o estoque da chamada dívida fundada, com tributação mais baixa, impeliria os investidores a migrar do mercado de curto prazo para o de renda fixa a prazo mais longo. Em outro relatório da ANDIMA se lê: “É possível que o investidor não-residente, já habituado em operar em mercados líquidos, veja com mais naturalidade a idéia de comprar títulos da dívida com esse perfil.”[30]

Quanto ao segundo motivo, segundo aponta a ANDIMA, investidores não-residentes temem pela pouca quantidade de títulos públicos da dívida brasileira. Com o número reduzido de participantes, cada investidor vê poucas opções no mercado secundário (isto é, de revenda).

Por fim, quanto ao terceiro motivo, a sensibilidade dos investidores não-residentes, dada a quantidade de opções de aplicação no mercado financeiro e de capitais do globo, tende a ser maior quando os Estados realizam manobras arriscadas de política econômica. A maior participação dos não-residentes no mercado de dívida pública tenderia, segundo a orientação da ANDIMA, a fazer com que os Estados “andem na linha”, pois os custos poderiam ser grandes.

Cabe lembrar que as vantagens tributárias ofertadas pelo governo brasileiro não são, de modo algum, absolutas em relação a outros países. Em vista disso, deve-se atentar para os fenômenos da concorrência tributária e da arbitragem tributária internacional.

3.1 Concorrência Tributária

A tributação é um dos principais mecanismos de que detém o Estado para estimular comportamentos dos agentes econômicos.[31] Assim, vantagens tributárias são percebidas como atrativos de investimento. Países que não tributam ou tributam pouco a renda tendem a ser foco de atração. A concessão de benefícios fiscais faz parte das medidas legais com vistas a esse fim. Em termos amplos, se há a concessão dessas benesses em caráter generalizado ocorre o que se chama de competição ou concorrência tributária. No Brasil, os investidores estrangeiros, em geral, estão sujeitos às mesmas normas de tributação dos residentes (art. 78 da Lei nº 8.981, de 1995). Porém, isto tem sido alterado, e como se verá adiante, há medidas que só beneficiam o capital estrangeiro investido no Brasil, mas há também medidas direcionadas à chamada competição tributária internacional. O fenômeno da competição (ou concorrência) tributária international tem preocupado os países, em decorrência da erosão da base tributária e da volatilidade do fluxo de capitais.[32]

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É inegável que a íntima relação entre o poder de tributar e a soberania.[33] Tributar só é possível por que existe poder soberano a exigir dos cidadãos a disposição de parcela de seu patrimônio. É em nome da soberania que esse poder é exercido. Na medida em que a soberania passa por mudanças estruturais, a política tributária e as suas alterações legislativas não interessam mais apenas aos cidadãos de uma determinada jurisdição, elas ganham contornos mais amplos.

Dado os rumos que determinadas posturas estatais em matéria tributária tendem a tomar, em virtude do impacto econômico causado, pode ocorrer o chamado efeito cascata na economia mundial, submetendo não apenas o Estado tributante, mas também todo o globo. Esse efeito dependerá de alguns fatores como o peso relativo da economia do Estado na ordem mundial, o segmento econômico que sofrerá impacto, a existência de mercados concorrentes, dentre outros aspectos. Assim, importa frisar que os Estados não tributam do mesmo modo e nem sempre têm os mesmos focos. A legislação tributária reflete, assim como as demais legislações de um dado país, as suas raízes culturais.[34] Além disso, as bases tributárias divergem conforme o grau de desenvolvimento econômico e a estrutura econômica dos diversos países. Desse modo, alguns Estados tendem a priorizar determinados segmentos econômicos na sua legislação tributária, desestimulando alguns setores e/ou oferecendo redução de tributos sobre outros, exercendo o seu poder com fito não apenas arrecadatório, mas também extrafiscal.

A orientação dos investimentos internacionais segue a lógica do melhor retorno, tendo em vista a racionalidade das escolhas assumidas pelos contribuintes globalizados. Se um determinado setor de uma dada soberania é mais tributado que outro, aquela certamente não será, a priori, o foco de investimento, a menos que ofereça condições institucionais diferenciadas aos investidores cujos custos sejam mais atraentes de forma a compensar a tributação. Isso porque, em termos competitivos, os tributos nas transações internacionais representam custos que reduzem a margem de lucro. Maior abertura econômica por parte de um Estado significa uma estrutura institucional eficiente que propicie o fluxo de investimento (em sentido amplo – tanto direto, quanto indireto) a baixo custo para o mercado mundial.

A concorrência se estende, nessa via, não apenas aos agentes privados espalhados pelo globo, mas também às diretrizes tributárias e legislação aplicável nas diversas nações. Em suma, a globalização transborda a concorrência privada para a esfera pública mundial em termos tributários.

Os argumentos em defesa dessa concorrência são que ela tende a reduzir a tributação em escala global e ampliar as bases tributárias. Eles são festejados pelo liberalismo que percebe na concorrência tributária internacional um mercado que tende ao equilíbrio, possibilitando redução nos custos dos produtos no mercado internacional. [35].

Em contrapartida, essa redução competitiva provocaria perda de receita tributária e redução na oferta de bens públicos[36] causada pela erosão nas finanças do Estado. Para minimizar esse efeito, ensina Antônio Borges que:

Estados em que o imposto de renda desempenha papel importante na arrecadação tributária, podem dar maior ênfase a impostos relativamente regressivos, tais como os que gravam o consumo e os que incidem sobre folhas de pagamento.[37]

7310

Com a concorrência tributária, a carga fiscal a ser suportada pelos agentes econômicos passa a fazer parte de um cardápio em que se analisam custos e benefícios fiscais. Os indivíduos que têm condições de realizar investimentos além-fronteira possuem possibilidades de planejamento tributário. Os menos afortunados, por sua vez, se vêem obrigados à carga que o Estado lhes impuser (em geral, sobre predominando sobre o consumo).

Sob esse prisma, cabe atentar para as possíveis conseqüências advindas da concessão de regime tributário diferenciado, em um contexto de competição (concorrência) tributária internacional, a fim de promover o ingresso de investimentos de não-residentes em títulos da dívida pública.

3.2 Arbitragem Tributária Internacional

Um dos frutos possíveis da concorrência tributária internacional é a realização de planejamento tributário a fim de promover a redução drástica de tributos, utilizando-se das legislações de, pelo menos, duas soberanias.[38]

A exemplo da concorrência tributária em seu sentido simples, o planejamento mediante arbitragem provoca distorções de ordem econômica que culminam no desaparecimento ou redução da concorrência interna por determinados segmentos. A arbitragem tributária expõe claramente a diferença entre os contribuintes em que o ambiente internacional de benesses é inacessível enquanto a autonomia doméstica é enfraquecida.

Outro ponto que merece destaque quanto à arbitragem tributária é o seu caráter competitivo em relação ao legislador interno. Antes mesmo que a soberania tributária possa se manifestar em um dado segmento, o sujeito passivo já atingiu o fim almejado. Isso por que a lei tributária, dado o princípio da não-surpresa, com raras exceções, não atua retroativamente e os ganhos estarão assegurados até a próxima alteração legal.

3.3 Sobre o Princípio da Igualdade Tributária

As reflexões sobre os princípios constitucionais tributários são o ponto fulcral de onde emana a imensa maioria das controvérsias jurídicas no que tange a relação entre o Fisco e os contribuintes. O princípio da igualdade tributária está expresso no art. 150, inciso II, com a seguinte redação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

O princípio da igualdade tributária insere-se no contexto republicano[39] e remete ao princípio geral da igualdade entres as pessoas, no contexto dos direitos fundamentais, estando expresso no inciso I do art. 5º com a seguinte expressão:

7311

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

O princípio da igualdade tributária, que corresponde ao tratamento tributário isonômico, tem como fundamento a noção de que a carga tributária deve ser igualmente repartida entre contribuintes que se encontrem em idêntica condição (situação equivalente, na expressão constitucional). O tratamento isonômico, para Mauro Weichert:

opera principalmente na construção da norma jurídica abstrata. Deparando-se o intérprete com a maior dificuldade na aplicação do princípio, que consiste em separar os critérios legítimos de diferenciação dos elementos de discriminação odiosa.[40]

Tem-se que por se tratar de princípio, possui caráter fundamental e abstrato que vincula as ações legislativas do Estado e o próprio Direito, conferindo-lhe substância e propósito. Não se pode olvidar que o poder de comando do Estado é baseado na convicção de que os seus princípios (em especial os constitutivos ou constitucionais), tanto quanto as normas legais, são respeitados. Consoante esse fato, que concorre diretamente com a busca da humanidade por justiça, essa compreendida como o fim último de realização do homem na sociedade. Neste sentido, Klaus Tipke ensina que:

A justiça se garante primordialmente mediante a igualdade ante a lei, e no Direito tributário mediante a igualdade ante a repartição da carga tributária. Quem deseje comprovar se respeita ou lesiona o princípio da igualdade necessita de um termo de comparação adequado à realidade. Este se obtém a partir dos princípios adequados à realidade nos que deve fundamentar realmente o Direito positivo.[41]

Para Humberto Ávila, esse termo de comparação e seu elemento indicativo existem quando “existir uma correlação estatisticamente fundada entre ambas. Não havendo um suporte empírico considerável nesse sentido, a distinção será irrazoável, por infundada”.[42] Progredindo na esteira desse raciocínio, esse professor ensina que:

Entre a medida de comparação, qualificadora de algo efetivamente existente, e a finalidade que lhe serve de justificação deve haver uma relação de pertinência e, entre a medida de comparação e o seu elemento indicativo deve haver uma relação fundada e conjugada. Sem esses requisitos, a rigor não se realiza a igualdade.[43]

A necessidade de medida para a comparação diz respeito ao próprio caráter relacional existente quando da verificação do princípio da igualdade: o tratamento igual entre dois contribuintes que se encontrem em situação semelhante. No caso presente, nacionais contribuintes residentes e não-residentes configuraria situações não-semelhantes?

4. Títulos da Dívida Pública do Brasil e Incentivos Fiscais

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A criação ou formação de regimes tributários diferenciados é alvo de diversas críticas por parte dos teóricos liberais – principalmente quando da intervenção estatal na órbita de interesses essencialmente privados.[44] Apesar deste fato, as críticas à intervenção do Estado na economia foram mais bem desenvolvidas principalmente após a Primeira Guerra Mundial, com o avanço das políticas públicas voltadas ao bem-estar social, que fomentaram o papel do Estado como interventor (promotor do bem-estar) e “corretor” de falhas de mercado.[45]

A concessão de incentivos fiscais visa, embora sob críticas, à consecução de benesses à sociedade que o promove. Porém tal medida implica também custos. O principal deles é o custo de oportunidade. Em vez de tributar, o Estado não onera ou onera minimamente determinado setor, impelindo o deslocamento da demanda do investimento. Desse modo, conforme ensina Heleno Tôrres:

Não é odioso o incentivo que se invista na condição de meio para o atingimento de finalidades públicas ou privadas, mas coletivamente relevantes, sustentado em desígnio constitucional que se preste à promoção da quebra de desigualdades ou fortaleça os direitos individuais ou sociais ou ainda o próprio sentido de unidade econômica do federalismo, na condição de ‘renúncia de receita’ ou de ‘gasto público’, sob a égide das condições acima enumeradas.

O papel promocional dos incentivos fiscais consiste no servir como medida para impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados.[46]

No entanto segundo o liberalismo clássico, [47] a concessão de incentivos fiscais tende a tornar ocioso o seguimento de mercado em que ela é aplicada em vez de produzir benesses. No longo prazo, sob essa perspectiva, formará um ciclo em que as atividades e a sua gestão tenderão a se submeter sempre àquele setor. Segundo esse ponto de vista, há a possibilidade de tal comportamento também ocorrer em relação à concessão de incentivos fiscais a investidores não-residentes em títulos da dívida pública brasileira. O refinanciamento contínuo, sob essa perspectiva, em vez de temporário, passará a ser necessidade perpétua para o pretenso equilíbrio das contas públicas.

Nesse sentido, o Estado pode conceder, dada a sua urgente necessidade de financiamento, incentivos cada vez maiores à entrada de moeda estrangeira, tornando-se radicalmente dependente dessas medidas para financiar seus débitos internos.

Daí surge a questão: este tratamento tributário discriminatório entre residentes e não-residentes no país, estaria ferindo o princípio constitucional da igualdade tributária?

Outra crítica possível à mencionada postura econômica é que a concessão de incentivos fiscais encerra fato de alta relevância: o preço pago pela sociedade. Uma vez que são concedidos apenas aos investidores em títulos públicos, aqueles que não integram esse segmento suportarão a onerosidade, pois se trata de renúncia de receita.[48] A concessão reiterada dos incentivos fiscais transforma, com o passar do tempo, em regra situação que deveria ser exceção. Edmar Bacha e Luis Oliveira entendem que

7313

Historicamente, o peso dessa dívida tem se traduzido em um mercado financeiro vinculado ao financiamento público, cujas ações dão pouca margem ao desenvolvimento das empresas e ao crédito privado. A aliança desse mercado volátil e pouco aprofundado com a predominância do gasto público em detrimento do investimento privado tem resultado em taxas de crescimento econômico pouco expressivas. [49]

O que não for arrecadado por conta dos benefícios será revertido em formato de custo social, que inclui também o custo de oportunidade de empresas privadas que negociam suas ações no mercado aberto. Ainda, dado seu caráter excludente, não são todos os indivíduos que desse benefício usufruem, de modo que a dinâmica econômica força a lógica perversa de se extrair a riqueza do conjunto da sociedade em prol de ofertar rendimentos a investidores não-residentes.[50]

Decorre desse posicionamento a idéia de que a concessão de incentivos fiscais em caráter exclusivo a investidores não-residentes propicia o aumento da disparidade de renda entre eles e os residentes. Os residentes estão sujeitos à tributação interna, mas os não-residentes não, que podem ou não serem tributados em seu país de domicílio. Se o coeficiente tributário sobre as rendas de ambos for distinta, dada a concessão do benefício exclusivamente aos não-residentes, estes suportariam carga mais baixa que certamente implicará em desequilíbrio entre os residentes dos diversos países. Essa distinção pode conduzir os investidores residentes no Brasil a buscarem transferir o domicílio tributário, a fim de alcançar os benefícios fiscais que, na condição domiciliados no Brasil, não poderiam usufruir – o que implicará em aumento do desequilíbrio da distribuição de renda interna.

O sacrifício social não deveria ser admitido se existem outros mecanismos de racionalizar os dispêndios do Estado. Estima-se que a má administração das riquezas, o modelo de desenvolvimento econômico do Estado brasileiro defendido nas décadas passadas e a corrupção drenem recursos que poderiam suprir investimentos essenciais na área social e de infraestrutura.[51] A sociedade se vê pressionada em três sentidos: a) pelo mau gerenciamento da coisa pública, que retira a utilidade e o emprego dos recursos escassos; b) pelo custeio dos empréstimos tomados junto ao mercado financeiro e c) pela meta de produção de superávits primários e, nessa linha, pelo contingenciamento, o que restringe a realização de gastos.

Assim, dada a necessidade de financiamento de suas atividades, o setor público no Brasil ainda assim recorre a empréstimos junto a entes privados internos e do exterior a fim de possibilitar a continuidade da dinâmica já estabelecida nesse mercado por intermédio de títulos públicos.

4.1. Os Benefícios Fiscais Exclusivos de Não-residentes e o Princípio da igualdade Tributária.

Há diversos casos de benefícios fiscais exclusivos de não-residentes.[52] Para efeito da análise aqui proposta, fixa-se o caso dos rendimentos dos títulos públicos mais precisamente, esse é o caso da Lei nº 11.312/2006, que em seu art. 3º dispõe:

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Art. 3o Fica reduzida a zero a alíquota do imposto de renda incidente sobre os rendimentos auferidos nas aplicações em fundos de investimento de que trata o art. 2o desta Lei quando pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, individual ou coletivo, que realizar operações financeiras no País de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Assim, o governo brasileiro, baseado nos motivos apontados anteriormente neste texto, editou a referida legislação, “tributando” com alíquota zero do Imposto de Renda os ganhos obtidos por investimentos em títulos da dívida pública realizados por investidores não-residentes.

Veja-se que esses não-residentes podem ser nacionais, ou seja, o critério de discrímen utilizado é não residência, ou não domicílio. Desta forma, este critério poderia não atender plenamente à possibilidade de fazer distinção tributária entre residentes e não-residentes, pois não guardaria correlação lógica entre o fator escolhido como critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.[53] Em outras palavras, pretende-se atrair capital externo, mas no caso trata-se de capital nacional que se auto-expatriou e depois, ungido da circunstância da não residência, passou a gozar de benefícios fiscais a ele não dirigido originariamente.[54] Trazendo à colação o pensamento de Humberto Ávila, não existiria aqui uma correlação estatisticamente fundada entre ambas as formas de tributação (sobre nacionais residentes e não-residentes), e não haveria um suporte empírico considerável nesse sentido, e, portanto, neste caso a distinção seria irrazoável.[55]

5. Considerações Finais

Diante do acima exposto, é fundamental admitir que as necessidades de inserção do Brasil no mercado internacional têm se refletido em posições legislativas que pouco espelham o contexto histórico no qual se inseria a Assembléia Constituinte de 1988. A necessidade de financiamento do setor público e os mecanismos para a sua articulação são distintos: passou-se de uma inflação descontrolada para a estabilidade à custa de elevado endividamento interno público e aumento da carga tributária.

Identifica-se um “descolamento” entre o texto constitucional e a realidade do mercado vinte anos após sua promulgação, impelindo alterações profundas e a adequação dos princípios constitucionais à realidade global por intermédio de interpretações cada dia mais amplificadas dos dispositivos da Carta de 1988.

É evidente, mesmo sob tal constatação, para o estudo das ciências sociais (a qual o Direito se insere) que o exame pretensamente científico não se lança sobre o futuro, mas sobre o presente e o passado. Desse modo, o descompasso entre a legislação atual que favorece o ingresso de capital não-residente em títulos da dívida pública e a não-extensão do benefício aos residentes, poderia estar a ferir, pelo menos prima facie, o princípio constitucional da igualdade tributária. Afinal, o investimento é o mesmo e, inclusive, a priori, o sujeito passivo globalizado tem maiores chances de evitar a tributação que o sujeito passivo residente no Brasil.

O propósito deste artigo não é fixar posição sobre a violação ou não do princípio da igualdade tributária no caso analisado, mas chamar a atenção sobre esta possibilidade.

7315

Seria esta uma situação de planejamento tributário em que se identifica, de maneira mais clara, a violação do princípio da igualdade tributária? Uma coisa é certa: esta dúvida não existiria se o favor fiscal in casu se dirigisse apenas ao não-residente estrangeiro.

Efetivamente, esse é um dos diversos casos em que a realidade econômica coloca em cheque princípios tão caros à defesa dos contribuintes residentes no Brasil. É certo que o Direito acompanha a evolução e as opções de alocação de recursos da sociedade. Mas também contra si própria?

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[1] Porém, no caso do art. 5o, a jurisprudência do STF é no sentido de que se reconheça, em termos de direitos fundamentais, tratamento igual independentemente da nacionalidade e de ser residente no Brasil, bastando que o indivíduo esteja presente no território nacional. Ver, e.g., 5º RE 215267 / SP, Relatora: Min. Ellen Gracie, 24/04/2001) Há também outras distinções decorrentes da nacionalidade, como o caso dos direitos políticos (art. 14 da Constituição).

[2] Ver GOLDSTONE, Jack A. Revolutions: Theoretical, Comparative and Historical Studies. San Diego, CA: Harcourt Brace Janovich. GOLDSTONE entende que as revoluções possuem, primariamente, caráter intestino “why have certains governments fallen at the hands of their own people?” e que para a sua compreensão é necessário o conjunto de uma série de fatores, nesse sentido, o autor aponta a seguinte definição: “Revolutions are complex events and originate in long and complicated casual processes.” A obra de GOLDSTONE é um dos mais importantes referenciais teóricos para o estudo das revoluções.

[3] Acerca da corrente crítica da globalização, ver recente tradução da obra VERGOPOULOS, Kostas. Globalização: o Fim de um Ciclo – Ensaio sobre a Instabilidade Internacional. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2007.

[4] Karl Marx expõe sua crítica à expansão do capitalismo e afirma, a partir da própria definição desse meio de produção, a existência de contradições intrínsecas na sua evolução. A partir dessa lógica, outros autores como Lênin, Poulantzas e Gramsci, durante o século XX, vêm destacando a emergência de organizações de forças políticas que enfrentarão essas contradições, quais sejam: a força revolucionária do povo, a noção de bloco de poder formado pelas massas urbanas e a guerra de posição política.

[5] Acerca desta abordagem, ver o sexto capítulo da obra de CARR, Edward Hawlett. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1987. Coleção Pensamento Político, vol 24.

[6] Verbete Nação. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Ed. UnB, 1995.

[7] FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17.

[8] RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

[9] No sétimo capítulo da obra The Political Economy of International Relations, entitulado Issue of Dependency and Economic Development, o autor trata da busca pelo desenvolvimento e das estratégias utilizadas pelos países pobres para a sua

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inserção efetiva na economia global. GILPIN, Robert. The Political Economy of International Relations. Princenton, NJ: Princenton University Press, 1987.

[10] BAER, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo: Nobel, 2003, p. 245-310.

[11] A autoridade monetária no Brasil era exercida até 1964, por três instituições: SUMOC, Banco do Brasil e Tesouro Nacional. A criação do Banco Central ainda era recente e, em decorrência disso, ainda havia falhas no controle do estoque de moeda.

[12] “Reaching agreement with the IMF on a loan and a domestic austerity program – a condition of IMF borrowing – became a central part of debt rescheduling. Although its loans were small compared with total indebtedness, the IMF provided a vehicle for imposing and surveying national economic policies deemed necessary for debt repayment”. SPERO, Joan and HART, Jeffrey. The Politics of International Economic Relations. New York: Routledge, 5th Edition. 1998, p. 189. (tradução livre dos autores).

[13] KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Ed. Atlas, 2006.

[14] ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Goiânia: UFG, 1997

[15] MISES, Ludwig Von. Liberalismo Segundo a Tradição Clássica. Rio de janeiro: J Olympio, 1987.

[16] BAER, Werner, op. cit., p. 275.

[17] Movimentos pró-democracia na América Latina e nos países do então chamado Leste Europeu. Vale lembrar que tais desdobramentos, quanto ao contexto latinoamericano, diziam respeito à dificuldade econômica enfrentada devido à obtenção de empréstimos em décadas anteriores. Acerca dos movimentos sociais no Brasil, ver DOIMO, Ana Maria. A Vez e a Voz do Popular nos Movimentos Sociais e Participação Política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: ANPOCS, 1995

[18] A Constituição Federal do Brasil de 1988 incrementou o rol de direitos relativos ao bem estar social e estabeleceu em seu art. 193. “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

[19] BRESSER-PEREIRA, L.C. e Yoshiaki Nakano Inflação e Recessão. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.119-145.

[20] Essas foram tidas como medidas de choque sobre os países recém saídos do comandos soviético. Acerca desse ponto de vista, ver YAVLINSKY, Grigory and BRAGUINSKY, Serguei. Incentives and Institutions: a Transition to a Market Economy in Russia. Princenton, NJ: Princenton University Press, 1992.

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[21] KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3rd ed. New York: Longman, 2001.

[22] SPERO, Joan and HART, Jeffrey. op cit. p.273-277

[23] A literatura sobre a reforma administrativa que vem sendo executada no Brasil desde a década de 1930 repisa esse argumento. Recomenda-se, para maior aprofundamento quanto ao tema, a obra de PEREIRA, Luís Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. São Paulo: Ed. FGV, 1998.

[24] Para fins das assunções firmadas à luz da Lei nº 9.496/97, (que autorizou a União a assumir e refinanciar dívidas dos Estados e do Distrito Federal, com o objetivo de promover o ajuste fiscal do setor público em sua esfera estadual) foram celebrados contratos de refinanciamento com aquelas unidades da Federação e contratos de assunção com cada um dos seus credores, depois de autorizados pelo Senado Federal, mediante Resoluções. “Nesses contratos foram estabelecidas as condições para a emissão dos títulos públicos (Letras Financeiras do Tesouro, séries A e B e títulos da dívida securitizada – renovada contratualmente) para a quitação das dívidas com os referidos credores”. BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Emissões Diretas de Títulos da DMPFi. Disponível em: <http:// www.stn.fazenda.gov.br/divida_publica/downloads/emissoes_d.pdf. Acesso em: 20 de agosto de 2008.

[25] Acerca desse tema, ver: SANT’Anna, Lourival. A Farra Fiscal dos Estados Custa R$ 242 Bilhões. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/lrf/conteudo/lrf_midia/farra_fiscal.htm Acesso em: 24 de agosto de 2008.

[26] MOTTA, João Ricardo Santos Torres. Diagnóstico sobre o Crescimento da Dívida Interna a partir de 1/1/95. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema10/pdf/904462.pdf> Acesso em: 05 de agosto de 2008.

[27] O crédito público tem o mesmo fundamento que o privado. Só empresta ao poder público quem nele tem confiança. Só sabendo que o Estado pode cumprir seus compromissos e quer fazê-lo é que as pessoas lhe emprestam dinheiro. NOGUEIRA, Geraldo Ataliba. Empréstimos Públicos e Seu Regime Jurídico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973

[28] FILGUEIRAS, Luís de Matos. História do Plano Real. Rio de Janeiro: Boitempo Editorial, 2000, p. 140.

[29] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DO MERCADO FINANCEIRO – ANDIMA Relatório Econômico - Dívida Pública: Propostas para Ampliar a Liquidez. Rio de Janeiro, 2003, p. 21.

[30] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DO MERCADO FINANCEIRO – ANDIMA. Relatório Econômico - Dívida Pública: Participação do Investidor Estrangeiro. Rio de Janeiro, 2005, p. 17.

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[31] Ver VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Intervenção no domínio econômico e tributação – extrafiscalidade – aspectos. In: DIAS, João Luis Fischer et al. Estudos de Direito Público: homenagem aos 25 anos de Mestrado em Direito da UnB. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 223-248.

[32] De acordo com John CHRISTENSEN e Sony KAPOOR:

Hidden from the public eye financial capital has been completely reconfigured over the past thirty years in order to bypass nationally-based tax and regulatory regimes. Using the 70 plus tax havens dotted across the globe, wealthy individuals and transnational businesses have adopted highly aggressive tax avoidance strategies, whilst also forcing the governments of mainstream nations to engage in a harmful tax competition to attract direct and portfolio investment capital. The existing global framework for cooperation on tax affairs is totally inadequate to its task, and the political will to tackle this problem is virtually non-existent as governments acquiesce to pressures from financial capital. Whilst poor countries lose an estimated US$500 billion annually to dirty money flows, which includes tax avoidance and related capital flight, neo-liberal pressure groups in the United States have been lobbying against the OECD initiative to stem harmful tax competition. Civil society is now mobilising to counter the tax avoidance industry and to challenge the idea that tax competition can play a useful role in development strategy.

CHRISTENSEN, John; KAPOOR, Sony. Tax Avoidance, Tax Competition and Globalisation: making tax justice a focus for global activism. Accountancy Business and the Public Interest, Vol. 3 No. 2, 2004, p. 1-16, p. 1.

Ver também, LOPEZ, Christian. La Fiscalite Come Vecteur de L´Attactivite du Territoire. In: LEROY, Marc. Mondialition et Fiscalité: La Globalisation Fiscale. Paris: L´Harmattan, 2006, p. 245-262, esp. p. 247-250.

[33] Ver VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; SILVA, Lauriana Magalhães. Concorrência Tributária Internacional e Soberania. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília, DF, V. 3. N.1, Jul-set, 2008 , p. 56-72.

[34] A esse respeito, ver artigo de GONÇALVES, José Sidnei. Tributação e Desenvolvimento Econômico: Aspectos Gerais da Metamorfose dos Sistemas Tributários. Informações Econômicas, SP, v. 25, n.4, abr. 1995.

[35] WILSON, John Douglas. Trade, Capital Mobility and Tax Competition. The Journal of Political Economy, Vol. 95, No. 4. Aug., 1987. p. 835.

[36] OATES, W.E., Fiscal Federalism. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1972. p. 143.

[37] BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre o Combate à Concorrência Tributária Internacional Prejudicial. In: BORGES, Antônio de Moura Borges e JÚNIOR, Ivo Teixeira Gico. Intervenção do Estado no Domínio Econômico – temas atuais. São Paulo: Lex Editora, 2006. p. 12

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[38] RING, Diane M. One Nation Among Many: Policy Implications of Cross-Border Tax Arbitrage. Boston College Law Review, Vol. 44, Dec., 2002. p. 72.

[39] Ver CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed. São Paulo; Malheiros, 2007, p. 79-80. Menciona o autor que: “De fato, o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) recebam tratamento isonômico”, idem, p. 79.

[40] WEICHERT, Marlon. Isenções Tributárias em Face ao Princípio da Isonomia. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 37, nº 145. Jan/Março de 2000. p. 38.

[41] La Justicia se garantiza primordialmente mediante la igualdad ante la ley, en el Derecho tributario mediante la igualdad en el reparto de la carga tributaria. Quien desee comprobar si se respeta o se lesiona el principio de igualdad necesita un término de comparación adecuado a la realidad. Éste se obtiene a partir de los principios adecuados a la realidad en los que idealmente debe fundarse el Derecho positivo. TIPKE, Klaus. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002. p. 29-30 (tradução livre dos autores)

[42] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 51.

[43] Idem, p. 52.

[44] A divisão entre a órbita pública e a privada se dá essencialmente quando da oferta de bens públicos tais como segurança pública. No entanto, para autores liberais que seguem a linha próxima ao anarquismo, como Robert Nozick, o fornecimento de bens públicos pelo Estado é bastante discutível. Acerca desse aspecto, ver NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

[45] Acerca dessas críticas, ver HAYEK, Friedich. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

[46] TÔRRES, Heleno Taveira. Incentivos Fiscais na Constituição e o Crédito-prêmio de IPI. In: Direito Tributário Atual – 18. São Paulo: Dialética & Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2005, p. 79.

[47] MISES, op. cit.

[48] Ver art. 14 da Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

[49] BACHA, Edmar e OLIVEIRA, Luís Chrystostomo. Mercado de Capitais e Dívida Pública: Tributação, Indexação e Alongamento. Rio de Janeiro: Ed. Contracapa, 2006, p. 6.

[50] Segundo Bacha e Oliveira, 60% dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional são vinculados à taxa SELIC. Essa é média de juros que o governo paga aos bancos que

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lhe emprestam dinheiro, conhecida também como taxa de juros básica, que atualmente está em torno de 8% ao ano, conforme relatório do Banco Central do Brasil disponível em: <www.bcb.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2008.

[51] Sobre essa questão, importa afirmar que ações vêm sendo tomadas. No entanto, ainda são tímidas perto das necessidades que se espera para contornar as necessidades do país. No último relatório da Transparência Internacional, o Brasil ficou em 72º lugar. Acerca do tema, vale consultar o sítio: www.transparência.org.br.

[52] Normas destinadas a beneficiar somente o investidor estrangeiro que investe no Brasil não são incomuns. A Medida Provisória nº 1.753-16, de 1999, reduziu a zero a alíquota do IR para investimentos estrangeiros aplicados na aquisição de títulos do Governo Federal, por certo período de tempo (norma transitória de 01/09/1998 a 30/06/1999). A MP nº 2.189-49, de 2001, reedição da MP nº 1.990, de 1999, excluiu da incidência do Imposto de Renda os ganhos de capital auferidos pelos investidores individuais ou coletivos residentes ou domiciliados no exterior, sendo os ganhos de capital referentes às operações em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhados, e nas operações com ouro, ativo financeiro, fora da bolsa (Instrução Normativa SRF nº 208, de 27 de setembro de 2002). Outro exemplo é a Instrução Normativa SRF nº 173, de 11 de julho de 2002, art. 4o, incisos IX e X, que excluía da incidência da CPMF as movimentações financeiras destinadas ao mercado de renda variável quando o titular fosse investidor estrangeiro; mandamento constante também da Instrução Normativa SRF nº 450, de 21 de setembro de 2004, que a revogou.

[53] Ver MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3a ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 37-40.

[54] A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou ontem uma tese defendida por alguns bancos de investimento segundo a qual o Imposto de renda (IR) cobrado de investidores estrangeiros deveria ser menor do que o cobrado internamente. A turma negou um recurso do banco Opportunity, que tentava reduzir de 15% para 10% o imposto cobrado das aplicações realizadas pelo Opportunity Fund, com sede nas Ilhas Cayman, em títulos de renda fixa no Brasil. A tese criada pelos bancos tentava se aproveitar de uma brecha criada na legislação sobre o Imposto de renda de aplicações financeiras ao longo de 1995. Naquele ano, foram editadas duas leis fixando o IR das aplicações em renda fixa: a Lei nº 8.981, de 20 de janeiro, e a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro. A primeira delas fixou o IR das aplicações em renda fixa em 10% para investidores residentes no Brasil e no exterior. (...) Segundo o relator do julgamento da tarde de ontem, ministro Luiz Fux, há duas leis sobre a tributação da renda fixa, e se na primeira delas as alíquotas eram idênticas para residentes e não residentes, nada leva a crer que hoje elas serão diferentes. Os demais ministros o acompanharam. TEIXEIRA, Fernando. Jornal Valor Econômico, 17 de setembro de 2008, p. 50.

Veja-se que se lê na decisão do TRF da 1a Região em julgamento sobe matéria idêntica, que manteve a decisão de 1a instância, foi de que não houve “infringência aos princípios da legalidade e isonomia” (AP Cível n. 1998.34.00.017575.7-DF (22-06-04).

[55] ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 51.

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