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Cerâmica Industrial, 8 (3) Maio/Junho, 2003 17 Considerações Técnicas sobre Produtos de Revestimento Porcelânico e seus Processos de Manufatura. Parte II Enrique Sánchez Instituto de Tecnología Cerámica (ITC) Asociación de Investigación de las Industrias Cerámicas Universidad Jaume I. - Castellón, Espanha e-mail: [email protected] Resumo: Este artigo procura, primeiramente, esclarecer, a partir de um ponto de vista técnico, a terminologia utilizada para definir diferentes tipos de produtos correntemente in- cluídos sob o termo revestimento porcelânico. Para isso, é necessária uma breve revisão sobre a evolução histórica do produto, desde o seu surgimento até os dias de hoje. A segunda parte analisa a performance do produto (força e rigidez mecânica, resistência a manchas, brancura e desenvolvimento da cor e resistência ao congelamento) e discute como ela pode ser adquirida por meio de uma microestrutura apropriada do revestimento queimado. Nota-se, também, que o controle rígido das matérias-primas, das variáveis do processo e da microestrutura verde é também necessário para a obtenção de tais propriedades. Por outro lado, origens e soluções para alguns dos problemas associados à manufatura do revestimento porcelânico são examinados, como a falta de compressibilidade do pó de prensagem, segre- gação das misturas de pós coloridos e dificuldade para polimento. Finalmente, tendo em vista a tendência, nos últimos anos, dos revestimentos porcelânicos em reproduzir perfeitamente pedras naturais, é delineado um possível futuro baseado em P + D + I (Pesquisa + Desenvolvimento + Inovação) em relação ao design do produto e à tecnologia de manufatura. Palavras-chaves: revestimento porcelânico, manufatura 4.3.3. Brancura A brancura do produto queimado depende em grande parte da composição inicial das matérias-primas. A Fig. 11 mostra que a redução da quantidade de Fe 2 O 3 e TiO 2 na composição do revestimento porcelânico padrão aumenta o grau de brancura no produto queimado (coordenada L* aumenta e coordenada b* diminui). A figura também mos- tra que a área de temperatura de trabalho do revestimento porcelânico (marcada com um círculo) praticamente coin- cide com a brancura mínima do produto como um resulta- do do efeito corante do óxido de ferro introduzido na fase vítrea que está surgindo. De acordo com Zhou e Weissman 28 , a incorporação de ferro na fase vítrea é a cau- sa principal da perda de brancura na porcelana, uma vez que com um determinado teor de óxido de ferro na com- posição, a mulita, que deveria acomodar a mesma quanti- dade de ferro que a fase vítrea, não demonstra a mesma mudança de cor que a fase vítrea. Com o mesmo teor de impurezas cromóforas, a brancura final do produto depende da natureza e proporção das fases desenvolvidas durante a queima. Recentemente, Sánches et al. [26] confirmaram a existência de uma grande correlação entre brancura (coordenada L*), o grau de amarelo (coorde- nada b*) e a quantidade de fases cristalinas no produto quei- mado (quartzo + mulita), sendo que a brancura aumenta (L* aumenta) e o tom amarelado diminui (b* diminui) com o aumento do teor total de fases cristalinas (Fig. 12). Esses resultados acentuam o efeito opacificante das fases cristalinas presentes na matriz vítrea. Embora a dife-

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Cerâmica Industrial, 8 (3) Maio/Junho, 2003 17

Considerações Técnicas sobre

Produtos de Revestimento Porcelânico e seus

Processos de Manufatura. Parte II

Enrique Sánchez

Instituto de Tecnología Cerámica (ITC)

Asociación de Investigación de las Industrias Cerámicas

Universidad Jaume I. - Castellón, Espanha

e-mail: [email protected]

Resumo: Este artigo procura, primeiramente, esclarecer, a partir de um ponto de vistatécnico, a terminologia utilizada para definir diferentes tipos de produtos correntemente in-cluídos sob o termo revestimento porcelânico. Para isso, é necessária uma breve revisão sobrea evolução histórica do produto, desde o seu surgimento até os dias de hoje.

A segunda parte analisa a performance do produto (força e rigidez mecânica, resistência amanchas, brancura e desenvolvimento da cor e resistência ao congelamento) e discute comoela pode ser adquirida por meio de uma microestrutura apropriada do revestimento queimado.Nota-se, também, que o controle rígido das matérias-primas, das variáveis do processo e damicroestrutura verde é também necessário para a obtenção de tais propriedades. Por outrolado, origens e soluções para alguns dos problemas associados à manufatura do revestimentoporcelânico são examinados, como a falta de compressibilidade do pó de prensagem, segre-gação das misturas de pós coloridos e dificuldade para polimento.

Finalmente, tendo em vista a tendência, nos últimos anos, dos revestimentos porcelânicosem reproduzir perfeitamente pedras naturais, é delineado um possível futuro baseado emP + D + I (Pesquisa + Desenvolvimento + Inovação) em relação ao design do produto e àtecnologia de manufatura.

Palavras-chaves: revestimento porcelânico, manufatura

4.3.3. Brancura

A brancura do produto queimado depende em grandeparte da composição inicial das matérias-primas. A Fig. 11mostra que a redução da quantidade de Fe

2O

3 e TiO

2 na

composição do revestimento porcelânico padrão aumentao grau de brancura no produto queimado (coordenada L*aumenta e coordenada b* diminui). A figura também mos-tra que a área de temperatura de trabalho do revestimentoporcelânico (marcada com um círculo) praticamente coin-cide com a brancura mínima do produto como um resulta-do do efeito corante do óxido de ferro introduzido na fasevítrea que está surgindo. De acordo com Zhou eWeissman28, a incorporação de ferro na fase vítrea é a cau-sa principal da perda de brancura na porcelana, uma vezque com um determinado teor de óxido de ferro na com-

posição, a mulita, que deveria acomodar a mesma quanti-dade de ferro que a fase vítrea, não demonstra a mesmamudança de cor que a fase vítrea.

Com o mesmo teor de impurezas cromóforas, a brancurafinal do produto depende da natureza e proporção das fasesdesenvolvidas durante a queima. Recentemente, Sánches etal. [26] confirmaram a existência de uma grande correlaçãoentre brancura (coordenada L*), o grau de amarelo (coorde-nada b*) e a quantidade de fases cristalinas no produto quei-mado (quartzo + mulita), sendo que a brancura aumenta (L*aumenta) e o tom amarelado diminui (b* diminui) com oaumento do teor total de fases cristalinas (Fig. 12).

Esses resultados acentuam o efeito opacificante dasfases cristalinas presentes na matriz vítrea. Embora a dife-

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rença no índice de refração entre a mulita (1,67) e o quart-zo (1,54) em relação à fase vítrea (por volta de 1,62) sejapequena, a presença de cristais de ambos os componentesna fase vítrea é o mecanismo principal de opacificação.Por outro lado, graças ao baixo teor de elementoscromóforos (ferro e titânio) presentes nessas fases cristali-nas, essa opacificação aumenta a brancura do revestimen-to (L* aumenta e b* diminui). O efeito opacificante damulita devitrificada é maior que a do quartzo residual por-que o tamanho de suas partículas é bem menor.

4.3.4. Desenvolvimento da cor

Como a brancura, o desenvolvimento da cor nos pro-dutos coloridos depende, como alguns autores indicam29,das impurezas cromóforas contidas nas matérias-primas.A diminuição da proporção deste tipo de impureza geral-mente acarreta em melhor desenvolvimento da cor. Noentanto, a força corante está também relacionada ao teorda fase vítrea no revestimento queimado e mesmo à natu-reza desta fase vítrea.

Assim em geral, o aumento da proporção da fase vítreaincentiva o desenvolvimento da cor, uma vez que ela re-duz o efeito opacificante da fase cristalina. Para verificaresse fato, foi analisado o efeito de quatro ingredientes bá-sicos da composição do revestimento porcelânico padrão(caulim, quartzo, feldspato sódico e feldspato potássico)no desenvolvimento da cor. Para isso, foram utilizadas

matérias-primas praticamente sem impurezas. Três pigmen-tos industriais foram escolhidos: preto, azul e vermelho.Para uma apresentação concisa, somente os resultados en-contrados com o pigmento preto foram incluídos neste ar-tigo. A Fig. 13 representa graficamente a variação da coor-denada cromática L* dos revestimentos porcelânicos emrelação a quantidade de cada matéria-prima da composi-ção, para as quais foi adicionada uma quantia padrão depigmento preto.

Figura 11. Variação das coordenadas L* (a) e b* (b) com a temperatura para duas composições de revestimentos porcelânicos com doisteores diferentes de impurezas corantes Fe

2O

3 e TiO

2.

Figura 12. Variação das coordenadas cromáticas L* e b* com oteor da fase cristalina (quartzo + mulita) no revestimento quei-mado.

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É possível observar que o caulim, por favorecer a for-mação de mulita, e o quartzo, dada a sua escassa solubili-dade na fusão, reduz a intensidade do aumento da cor (au-menta a coordenada L*), como resultado do efeitoopacificante (brancura) descrito na seção anterior. Em con-traste, ao aumentar o teor de feldspato, a liberação decorante aumenta notavelmente (L* diminui). Não apare-ceram diferenças notáveis em relação à natureza dofeldspato (sódico ou potássico), provavelmente porque aspeças foram queimadas em temperatura máxima devitrificação, o que envolve o uso de diferentes temperatu-ras para cada caso, mas impossibilita a produção da mes-ma viscosidade no vidro desenvolvido durante asinterização. Resultados similares foram encontrados comos outros dois pigmentos (azul e vermelho).

5. Problemas Associados ao Processo deFabricação

5.1. Ausência de Compressibilidade do Pó

O pó de prensagem utilizado na manufatura de revesti-mento porcelânico geralmente exibe baixa compres-sibilidade, porque para fazer um produto com porosidademínima e desenvolvimento da cor apropriado, é necessá-rio utilizar composições com alta proporção de feldspato.

Em outras palavras, é necessário minimizar o teor de argi-la, uma vez que essa matéria-prima é, freqüentemente, aprincipal fornecedora de impurezas para a composição.

A moagem intensa da composição para produzir umamicroestrutura apropriada no revestimento verde confereuma distribuição de partículas de tamanho estreito (PSD),o que não é muito adequado para o empacotamento (seção4.2.1).

A Fig. 14 representa graficamente a densidade a secousando composições de revestimento porcelânico com di-ferentes quantidades de argila praticamente sem quartzo.A figura apresenta uma visualização ideal doempacotamento com três teores de argila diferentes (asesferas pequenas e grandes respectivamente simbolizampartículas de argila e não-plásticas). É possível observarque a capacidade de compactação alcança o seu pico coma proporção de argila de aproximadamente 33% por peso.Com esse valor máximo, o teor de partículas de argila ésuficiente para ocupar a maior parte das lacunas deixadaspelas partículas não-plásticas. Teores maiores de argilaresultam em uma expansão da estrutura, como mostradono esquema. Esses resultados são consistentes com aque-les encontrados na literatura relativos a misturas bináriasde partículas esféricas19,30, na qual a densidade máxima deempacotamento é geralmente encontrada com a razão

Figura 13. Variação da coordenada cromática L* de revestimentos porcelânicos pretos com a proporção das matérias-primas dascomposições iniciais: a) caulim; b) feldspato sódico; c) feldspato potássico; d) quartzo.

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volumétrica entre partículas grandes/pequenas de 35/65.As composições de revestimento porcelânico normalmen-te encontram-se abaixo disso.

Por outro lado, a moagem intensa da composição tam-bém diminui a compressibilidade do pó. A razão para essecomportamento é o estreitamento da distribuição de tama-nho das partículas que ocorre com o aumento do tempo demoagem (redução do teor de resíduo). Em um moinho debolas, o estreitamento do PSD significa principalmente adiminuição do tamanho das partículas menores(> 30-40 µm), principalmente envolvendo as não-plásti-cas, já que as partículas de argila raramente sofrem a açãoda moagem. Recentemente, Sánchez et al.30 demonstra-

ram esse efeito por meio do estudo do empacotamento demisturas binárias de argila e feldspato. De acordo com es-ses autores, a redução do tamanho das partículas defeldspato (moagem mais intensa) diminui o tamanho dosespaços vazios (poros) disponíveis para acomodar as me-nores partículas dos argilominerais, fazendo com que ovolume total do corpo se expanda e a compactação dimi-nua. Há uma quantidade mínima de não-plásticos, abaixoda qual a compactação é desfavoravelmente afetada (porvolta de 1:10).

Finalmente, o aumento na pressão demandada paracontrapor uma compressibilidade inadequada do pó, quese dá em decorrência das razões já mencionadas, pode cau-sar problemas durante a produção, uma vez que esse au-mento na pressão acarreta necessariamente em um aumentoda resposta elástica (expansão axial) do revestimento de-pois da prensagem (Fig. 15). De acordo com alguns auto-res, o aumento na expansão axial aumenta o risco de ocor-rerem laminações e esfoliações durante a prensagem,fazendo com que o ciclo de prensagem seja diminuído pordemandar maior tempo para a desaeração da peça31,32.

5.2. Segregação e Separação

Com o aumento da fluidez do pó, a tendência de segre-gação também aumenta. Se os aglomerados forem do mes-mo tamanho, com as outras características iguais, não hápossibilidade de segregação. No entanto, pequenas varia-ções de tamanho entre os aglomerados em um pó com altafluidez podem causar segregação. Realmente, como a Fig.16 mostra, a segregação de um pó atomizado pode iniciara razão de tamanho tão pequenas quanto 1:1, aumentandoexponencialmente com grandes diferenças de tamanho.

Figura 15. Variação da expansão axial de revestimentos recémprensados com a pressão de prensagem.

Figura 16. Variação do coeficiente de segregação com a razãodo tamanho do aglomerado.

Figura 14. Variação da densidade após secagem das composi-ções de revestimento porcelânico com diferentes teores de argila(incluindo também o modelo de empacotamento ideal de esferasbimodais)

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carga do silo ao invés do fluxo em funil. A fluidezem massa (Fig. 18a) assegura a descarga homogê-nea, diferentemente da fluidez em funil (Fig. 18b)na qual a parte central do silo, mais rica em peque-nos aglomerados, esvazia-se primeiro, seguido pe-las partes próximas às paredes, as quais contêm umagrande proporção de aglomerados grandes.

Uma proposta compatível com as considerações ex-postas seria utilizar um sistema de hoppers móveis tele-guiados (um design apropriado é fornecido). Com a redu-ção do manejo do pó, o volume a ser atomizado de umadeterminada cor é menor e a preparação praticamente co-incide com a alimentação da prensa (quase não háarmazenamento intermediário).

5.3. Dificuldades Relacionadas ao Polimento

O polimento de revestimento porcelânico é um pro-cesso caro que envolve o consumo significativo de maté-rias-primas e de energia. A dificuldade de polimento dorevestimento porcelânico tem uma origem dupla. Por umlado, o revestimento porcelânico é um produto muito duro,que demanda a utilização de abrasivos convencionais muitofortes, como carbeto de silício, ou mesmo super abrasivos,como o diamante. A Fig. 19 mostra a posição do revesti-mento porcelânico em um diagrama que tenta simbolizar adificuldade de polimento. O diagrama representa, de for-ma qualitativa, a dureza e a tenacidade de diferentes mate-riais, incluindo o revestimento porcelânico. A dificuldadede polimento aumenta de acordo com a diagonal de doiseixos cartesianos, isto é, com o aumento da dureza e darigidez do material a ser polido. Pode ser observado que orevestimento porcelânico é um material difícil de traba-lhar na máquina.

Figura 17. Segregação durante o preenchimento do silo com póatomizado de duas cores: aglomerados pretos (grandes) e aglo-merados brancos (pequenos).

Figura 18. Esquema da descarga do silo: a) por fluxo em massa;b) por fluxo em funil.

Essas diferenças de tamanho sempre existem nos pro-cessos de manufatura e são especialmente evidentes quan-do há mistura de pós coloridos, produzindo,freqüentemente, mudanças de aparência (“sombras”) noproduto final. De fato, tem sido demonstrado que a segre-gação de aglomerados em uma mistura de pós coloridospode acabar produzindo a mesma mudança de aparênciano revestimento final, que aquela produzida como resulta-do de um erro de proporção de um dos ingredientes33.

A segregação gera a separação do pó. Por essa razão,pós com alta fluidez misturam-se e separam-se com gran-de facilidade. Portanto, a única forma de evitar a separa-ção (segregação) do pó atomizado nos quais existem dife-renças de tamanhos entre os aglomerados é minimizandoa movimentação do pó. Algumas ações possíveis que po-dem acontecer durante processo de produção visando aredução do problema de segregação são:

• Reduzir, o quanto possível, o armazenamento inter-mediário do pó atomizado, em particular, de mistu-ras de pós coloridos. A queda do pó durante oarmazenamento é um processo altamente segregativo(Fig. 17).

• O design apropriado de silos e hoppers34. Isso envol-ve o uso de sistemas de alimentação adaptado comdivisores de fluxo e a utilização de ângulos de des-carga que favorecem o fluxo em massa durante a des-

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desta etapa, o brilho aumenta rapidamente, tendendo fi-nalmente a um valor mais ou menos estável, o qual, comodescrito na literatura36,37, está relacionado à porosidade dorevestimento.

A utilização de ferramentas que deterioram a superfí-cie do revestimento na etapa de nivelamento, e ferramen-tas de diamante que aumentam a eficiência da etapa realde polimento são duas propostas já em um estado avança-do de desenvolvimento, o qual vai resultar em uma me-lhora no avanço da eficiência da operação, reduzindo suademanda ecológica (consumo de matéria-prima e energia)e seu impacto ambiental.

6. Revestimento Porcelânico e RochaNatural: dois lados da mesma moeda

O último fórum de discussão sobre o futuro do revesti-mento porcelânico [1, 38] sugere que o futuro imediato doproduto está firmemente associado à reprodução, não so-mente de pedras polidas decorativas típicas, como o grani-to e o mármore, mas também de pedras sem polimento,como o arenito, a ardósia, etc. Isso foi demonstrado naúltima feira de comércio de revestimento cerâmico, a qualparece-se mais com uma exibição de pedras naturais doque com um evento de cerâmica. Algumas companhiasestão fazendo dessa tendência uma política de mercado,omitindo a palavra “cerâmica” e todos os termos relacio-nados de suas propagandas. Essa tendência é baseada napossibilidade de reprodução de um material natural, alémda melhoria da performance (por meio da redução daporosidade e da melhoria da resistência mecânica, da re-sistência ao manchamento e ao congelamento) a um preçoaltamente competitivo, ou ganhando crescimento no mer-cado por meio da reprodução de materiais naturais que estãoesgotando-se. O campo é simplesmente enorme, uma vezque mais de 5000 tipos de pedras naturais comerciais sãoencontrados em todo o mundo, com inúmeras pedras nãoencontradas nos catálogos de venda.

De um ponto de vista científico, a classificação de pe-dras naturais abrange todo o âmbito dos antecedentes cau-

Figura 19. Diagrama da facilidade de polimento (dureza vs rigi-dez). A dificuldade de polimento aumenta de acordo com adiagonal de eixos coordenados (Fonte: ref. 35)

Figura 20. Aparência do revestimento cerâmico depois da etapa de nivelamento (comparação com a superfície original).

Por outro lado, depois da queima o produto não é pla-no, mas apresenta vários tipos de curvatura, o que impedeenormemente a ação de ferramentas de polimento. Parafacilitar essa ação, é necessário reduzir a curvatura do re-vestimento, utilizando ferramentas de diamante que remo-vem uma grande quantidade de material, com alto consu-mo de energia, além de também produzir consideráveldeterioração da superfície do revestimento (Fig. 20). Es-sas deteriorações condicionam enormemente o resto da ope-ração de polimento, uma vez que o dano sofrido precisaser reparado por sucessivas ferramentas que contêm, pro-gressivamente, facas abrasivas de pequeno tamanho(carbeto de silício). Como a Fig. 21 mostra, aproximada-mente 70% da série de polimento industrial é utilizada parareparar danos causados pela etapa inicial de nivelamento,no qual ocorre considerável remoção de material. Depois

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Figura 21. Variação da perda de material e do brilho na superfície durante o polimento do revestimento porcelânico.

sais das pedras, desde aquelas de origem ígnea, como ogranito, até aquelas de origem puramente sedimentária,como o calcário, por meio do metamorfismo típico de ar-dósias39, etc. A Fig. 22 apresenta uma visão extremamentesimplificada da gênese causal de pedras naturais, compa-radas com o processo de produção de revestimentoporcelânico. Pode-se observar que ambos os materiais apre-sentam grandes similaridades. No entanto, há também as-pectos diferenciadores: a escala de tempo e a aplicaçãosimultânea de pressão e temperatura durante a gênese dasrochas. Essa diferenciação faz da reprodução em escalaindustrial do efeito adquirido pela natureza durante mi-lhões de anos, usando diferentes condições de síntese, ex-tremamente difícil. Assim, por exemplo, o tamanho de umcristal em um granito produzido por meio de resfriamentode magma geralmente excede os 5 mm, ou pode alcançaraté 1 cm. Por outro lado, a aplicação de alta pressão (até700 MPa) e temperaturas (até 1000 °C), durante temposgeológicos, favorece a produção de espécimesmineralógicos ou modificações na rede cristalina, o que é

impensável nas condições atuais de manufatura industrial.Essa tendência, que visa cada vez mais a melhor repro-

dução de pedras naturais, requer o desenvolvimento denovas linhas de pesquisa em revestimento porcelânico, asquais até agora têm sido focadas cada vez mais naperformance do produto. Essa nova força delineadora po-deria ser definida como engenharia estética de revestimen-tos porcelânicos, e deveria levar em conta ações no designdo produto e na tecnologia de manufatura.

6.1. Novas Linhas de P + D + I na Engenharia deMateriais

Para projetar materiais para a utilização na produçãode revestimentos porcelânicos, deveriam ser estabelecidasalgumas linhas de pesquisa futuras:

• Redescoberta dos diagramas de fase. Os diagramasde fases foram abandonados pelo design de compo-sições de revestimento porcelânico desde quando odesign passou a ser inteiramente baseado na compo-sição da porcelana, com modificações mínimas. Essa

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ferramenta permite análises mais racionais dos ru-mos da fusão e cristalização das composições inici-ais, a fim de projetar novos materiais vítreo-cêramicosou predizer soluções para fenômenos sólidos ou se-

paração de fases, o que favorece a aquisição de cer-tos efeitos estéticos. A esse respeito, é convenientenotar que as possibilidades de emprego de materiaisvítreo-cerâmicos são maiores no caso de revestimento

Figura 22. Comparação entre a gênese de rochas naturais e o processo de manufatura de revestimento porcelânico.

Figura 23.

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porcelânico, se comparado com o revestimento doesmalte, uma vez que a temperatura de queima é maisalta e o acabamento brilhante é geralmente produzi-do por meio de procedimentos mecânicos, como opolimento.

• Aplicações granulares e microgranulares que enco-rajam a imitação do crescimento cristalino, colora-ção, separação de fases e outros fenômenos que ocor-rem durante o resfriamento do magma na gênese darocha natural. Essa linha de ação deveria tambémser considerada em relação ao projeto de materiaisde natureza essencialmente vítrea, a qual imita a trans-parência de cristais únicos ou grandes agregaçõescristalinas.

• Desenvolvimento de composições com grau muitoalto de brancura e desenvolvimento ideal de cor.

• Projeto de materiais para aplicação por meio de téc-nicas de decoração sem contato, como o laser40, im-pressão a jato de tinta41, etc. Alguns desses materiaispoderiam incluir suspensões de nanopartículas, géis,composições com polímeros, cerâmicos, etc.

• Desenvolvimento de materiais cerâmicos com partí-culas bem pequenas e alta fluidez para aplicação aseco. Isso requer a exploração de novas técnicas defluidificação de pós, como aquelas baseadas noencapsulamento de partículas e microencapsula-mento42.

6.2. Novas linhas de P + D + I na Tecnologia deManufatura

As novas tendências em engenharia estética indicadasacima irão também demandar a implementação de novastecnologias de manufatura, as quais precisarão de suportede extensivo trabalho P + D + I.

No momento, a transferência gradual da linha de deco-ração a partir de sua localização tradicional depois da se-cagem, para o setor de prensagem, já é uma realidade43. Aforça delineadora atrás desta mudança é a já mencionadareprodução dos efeitos de pedras naturais, muitas das quaisperdem sua intensidade e eficiência quando se tenta repro-duzi-las numa linha de esmaltação tradicional. O revesti-mento mostrado na Fig. 23 exemplifica isso. Pode-se ob-servar que a profundidade do veio ou da decoração baixorelevo seria impossível de adquirir por meio das aborda-gens atuais de esmaltação e decoração (silk-screen,rotogravura, etc).

Algumas das linhas futuras P + D + I relacionadas àtecnologia de manufatura de revestimentos porcelânicos,com foco nas tendências mencionadas acima, poderiamser:

• Decoração do revestimento na prensagem43. O cursodessa ação já está em uma fase de desenvolvimento,como indicado, e uma evolução crescente é espera-da para o futuro, por meio da incorporação de novos

sistemas de decoração na prensa. Dos últimos siste-mas (impressão de pós, sistemas de pré-carregamen-to, múltiplos carregamentos, remoção de material pormeio de pressão pneumática, etc), talvez a técnica dedupla-prensagem seja aquele que ofereça os maioresdesafios tecnológicos. Todos esses sistemas, assimcomo suas combinações e as novas propostas quesurgem, irão demandar consideráveis esforços depesquisa para melhorar um sistema de prensagemcada vez mais complicado e exigente.

• Técnicas de decoração sem contato. A decoraçãobaixo relevo poderia ser a chave para a incorporaçãode uma infinidade de técnicas de decoração que de-mandam a ausência de contato com o substrato a serdecorado, como:

• Decoração a laser. A tecnologia a laser, que tem sedesenvolvido bastante nos últimos anos40, poderia en-contrar um importante campo de aplicação no reves-timento porcelânico, como na produção de relevos,mudanças de texturas (efeitos fosco-vítreos), deco-ração baseada em relevo e baixo-relevo, corte de re-vestimentos, sinterização, polimento, etc.

• Impressão a jato de tinta. A impressão a jato de tintatem se desenvolvido recentemente [45] e já se encon-tra na fase de implementação industrial. Essatecnologia tem demandado e irá futuramente deman-dar ainda mais adaptações dos sólidos utilizados naformulação da tinta, levando em consideração a emer-gência de tecnologias de síntese de nanopartículas.No entanto, outros sistemas de decoração a jato detinta existem, e poderiam ser incorporados em umfuturo próximo, como aqueles baseados na aplica-ção de um ligante numa cama de partículas, ou pormeio de injeção de um agente formador de gel nacamada de suspensão41.

• Polimento mecanoquímico, vastamente utilizado emoutros setores industriais, poderia oferecer um avan-ço importante do acabamento de superfícies de re-vestimentos polidos46.

• Novos métodos de formação de revestimento:• Prensagem a quente. Com o avanço da linha de de-

coração em direção à prensa, poderíamos não somen-te decorar mas também queimar, isto é, aplicar calorna própria prensa, como acontece na metamorfosedas rochas. Com essa técnica, efeitos estéticos pode-riam ser adquiridos, que com o processo tradicional(pressão a frio seguida de sinterização) sãoinimagináveis. Essa tecnologia é amplamente utili-zada na produção de cerâmicas avançadas47 e nasinterização de metais e vidros.

• Formação com base na fusão. Dada a característicavítro-cerâmica do produto, a possibilidade que po-deria ser considerada é a de manufaturar revestimentoporcelânico com a tecnologia empregada na produ-

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ção de materiais vítro-cerâmicos: formação na fu-são, com lâminas, por exemplo, seguida do tratamen-to térmico para produzir fases cristalinas. Essa técni-ca poderia estender imensamente os sistemasvítro-cerâmicos que poderiam ser usados.

• Produção de lâminas. Uma inovação apresentada re-centemente48 em relação ao revestimento porcelânicoé a produção de lâminas finas (até 3 mm) para seremcomercializadas em um substrato que oferece umacerta rigidez. Os revestimentos porcelânicos (lâmi-nas) são feitos por meio da pressão do pó entre duaslâminas em pressões muito altas. Essa inovação édirecionada a novas aplicações do revestimentoporcelânico, diferentes das atuais, para a reposiçãode materiais como a madeira, o plástico ou o metal,uma vez que as possibilidades em relação ao tama-nho dos revestimentos que podem ser manufatura-dos são praticamente ilimitadas. Seguindo com essanova linha de desenvolvimento, outros métodos deformação de lâminas poderiam ser incorporados natecnologia de produção de revestimento porcelânico,

como o “tape casting”, tipicamente utilizado na pro-dução de cerâmicas eletrônicas49. A vantagem destaúltima técnica é que a lâmina é obtida diretamenteda suspensão, sem necessidade de atomização pré-via.

AgradecimentosO artigo buscou expor parte da experiência acumulada

nos últimos anos pela equipe do ITC no campo do revesti-mento porcelânico. Gostaria, desta forma, de expressarminha gratidão por todas as pessoas do ITC que participa-ram direta ou indiretamente desses estudos, assim comopelas companhias e organizações nacionais e regionais queforneceram o apoio econômico que tornaram a pesquisapossível.

Gostaria também de agradecer as pessoas que, com seuscomentários, discussões e sugestões, facilitaram a prepa-ração deste artigo: Javier García-Ten (ITC), Arnold VanGelder (ITC), Jose Luis Porcar (IPC), Jaime Sánchez (TauCerámica), Vicente Beltrán (ITACA), Manuel Lombardero(ITGE) e Manuel Regueiro (ITGE).