considerações sobre domínios morfoclimáticos

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ISSN 1981-9021 - Geo UERJ - Ano 12, v.1, n o .21, 1º semestre de 2010. www.geouerj.uerj.br/ojs 1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA GEOMORFOLOGIA GEOGRÁFICA NO BRASIL. BRIEF OBSERVATIONS ON THE HISTORY OF GEOGRAPHICAL GEOMORPHOLOGY IN BRAZIL. Antonio Carlos Vitte 1 RESUMO O objetivo do presente trabalho é o de realizar um estudo histórico e epistemológico sobre o desenvolvimento da geomorfologia brasileira, a partir a noção de paradigmas de Thomas Kuhn (Kuhn, 1992) Primórdios, quando há forte vinculação com a teoria davisiana.; b) Ruptura Epistemológica dos anos de 1950, marcada pela incorporação da teoria da pediplanação de Lester King, com destaque para os trabalhos de Aziz Ab`Saber, João José Bigarella, Maria Regina Mousinho e Fernando Flávio Marques de Almeida. C) Problemática Ambiental. Marcada por forte inserção da teoria geral dos sistemas e influenciada pela concepção geossistêmica, principalmente a desenvolvida por Georges Bertrand. D) Fase Atual: marcada pelo aprofundamento das questões ambientais, como a urbana, com o desenvolvimento de metodologias de estudos. Há um crescente aumento de estudos de morfotectônica, quando a neotectônica passa a ser uma componente importante dos estudos geomorfológicos. Outra participação importante é a crescente preocupação com a geoquímica, destacando-se a teoria da etchplanação que está fundamentando novos estudos regionais de geomorfologia no Brasil e possibilitando que se reveja a datação das superfícies da aplainamento que foram definidas na fase B, de ruptura epistemológica. Palavras-Chave: História e Epistemologia da Geomorfologia. Paradigmas. Pediplanação. Geografia. Brasil. ABSTRACT The objective of this study is to conduct a historical and epistemological study on the development of geomorphology Brazilian, from the concept of paradigms of Thomas Kuhn (Kuhn, 1992.) Early when there are strong links with the theory davisian. B) Rupture Epistemological the years of 1950, marked by the incorporation of the theory of pediplanation to Lester King, and in the work of Aziz Ab `Saber, João José Bigarella, Maria Regina and Mousinho and Fernando Flávio Marques de Almeida. C) Environmental Problems. Marked by strong integration of the general theory of systems and influenced the design geosystemic, mainly developed by Georges Bertrand. D) Current phase: marked by the deepening of environmental issues such as urban, with the development of methods of study. There is a growing increase in studies of morphotectonic when neotectonic becomes an important component of the geomorphologic studies. Another major holding is a growing concern about the geochemistry, particularly the theory of reasons is that etchplanation new regional geomorphology studies in Brazil and allowing to review the timing of the surfaces that have been defined in phase B, the epistemological break. Keywords: History and Epistemology of Geomorphology. Paradigms. Theory of Pediplanation, Geography. Brazil. 1 . Departamento de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, IG-Unicamp, Campinas(SP), Brasil. CP 6152, CEP 13087-970. E-mail: [email protected] ; Pesquisador CNPq.

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O objetivo do presente trabalho é o de realizar um estudo histórico e epistemológico sobre o desenvolvimentoda geomorfologia brasileira,

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  • ISSN 1981-9021 - Geo UERJ - Ano 12, v.1, no.21, 1 semestre de 2010.

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    BREVES CONSIDERAES SOBRE A HISTRIA DA GEOMORFOLOGIA GEOGRFICA NO BRASIL.

    BRIEF OBSERVATIONS ON THE HISTORY OF GEOGRAPHICAL GEOMORPHOLOGY IN BRAZIL.

    Antonio Carlos Vitte1

    RESUMO O objetivo do presente trabalho o de realizar um estudo histrico e epistemolgico sobre o desenvolvimento da geomorfologia brasileira, a partir a noo de paradigmas de Thomas Kuhn (Kuhn, 1992) Primrdios, quando h forte vinculao com a teoria davisiana.; b) Ruptura Epistemolgica dos anos de 1950, marcada pela incorporao da teoria da pediplanao de Lester King, com destaque para os trabalhos de Aziz Ab`Saber, Joo Jos Bigarella, Maria Regina Mousinho e Fernando Flvio Marques de Almeida. C) Problemtica Ambiental. Marcada por forte insero da teoria geral dos sistemas e influenciada pela concepo geossistmica, principalmente a desenvolvida por Georges Bertrand. D) Fase Atual: marcada pelo aprofundamento das questes ambientais, como a urbana, com o desenvolvimento de metodologias de estudos. H um crescente aumento de estudos de morfotectnica, quando a neotectnica passa a ser uma componente importante dos estudos geomorfolgicos. Outra participao importante a crescente preocupao com a geoqumica, destacando-se a teoria da etchplanao que est fundamentando novos estudos regionais de geomorfologia no Brasil e possibilitando que se reveja a datao das superfcies da aplainamento que foram definidas na fase B, de ruptura epistemolgica.

    Palavras-Chave: Histria e Epistemologia da Geomorfologia. Paradigmas. Pediplanao. Geografia. Brasil.

    ABSTRACT The objective of this study is to conduct a historical and epistemological study on the development of geomorphology Brazilian, from the concept of paradigms of Thomas Kuhn (Kuhn, 1992.) Early when there are strong links with the theory davisian. B) Rupture Epistemological the years of 1950, marked by the incorporation of the theory of pediplanation to Lester King, and in the work of Aziz Ab `Saber, Joo Jos Bigarella, Maria Regina and Mousinho and Fernando Flvio Marques de Almeida. C) Environmental Problems. Marked by strong integration of the general theory of systems and influenced the design geosystemic, mainly developed by Georges Bertrand. D) Current phase: marked by the deepening of environmental issues such as urban, with the development of methods of study. There is a growing increase in studies of morphotectonic when neotectonic becomes an important component of the geomorphologic studies. Another major holding is a growing concern about the geochemistry, particularly the theory of reasons is that etchplanation new regional geomorphology studies in Brazil and allowing to review the timing of the surfaces that have been defined in phase B, the epistemological break.

    Keywords: History and Epistemology of Geomorphology. Paradigms. Theory of Pediplanation, Geography. Brazil.

    1 . Departamento de Geografia, Programa de Ps-Graduao em Geografia, IG-Unicamp, Campinas(SP),

    Brasil. CP 6152, CEP 13087-970. E-mail: [email protected]; Pesquisador CNPq.

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    INTRODUO Nos ltimos anos, a comunidade cientfica de gegrafos que trabalham com a

    natureza e mais especificamente a geomorfologia vem chamando ateno para o fato de que h uma necessidade em avaliarmos as bases histricas e epistemolgicas da geomorfologia e de sua relao com a Geografia. Para Rhoads e Thorn (2002), devemos enfrentar o desafio de refletirmos sobre os problemas filosficos e metodolgicos da geomorfologia, que achvamos que estavam resolvidos, mas que hoje, com o impacto da big science nas cincias de um modo geral, est descaracterizando a geomorfologia do contexto da Geografia. Fato que levou Gregory (2000) a avaliar que a maior produo de geomorfologia no se realiza mais em peridicos de Geografia, mas nos peridicos de cincias naturais e multidisciplinares e, que, muito mais que realidade, h um dogma de que

    a geomorfologia seja o ncleo agregador da geografia fsica. Esta situao tende a ficar mais evidente a partir dos anos 2000, onde passa a ser

    cada vez maior as relaes e o atrelamento da geomorfologia com as questes culturais, polticas e ambientais, acelerando a partir de ento a fuso da geomorfologia com outras disciplinas, como por exemplo a hidrologia e os estudos do quaternrio, que segundo Gregory et AL (2002) estaria em constituio um novo campo cientfico, a Cincia do Quaternrio.

    dentro deste quadro que o objetivo deste artigo apresentar e discutir rapidamente a produo da geomorfologia brasileira, fundamentado na noo de rupturas paradigmticas de Thomas Kuhn (1992). Devemos ressaltar que a anlise da produo no se faz pela quantidade de artigos ou pelos centros produtores da geomorfologia no Brasil. Antes, uma discusso sobre a histria e a epistemologia da geomorfologia no Brasil, procurando destacar os momentos de reflexo e ruptura que levaram as transformaes paradigmticas

    na geomorfologia brasileira e sua relao com a produo do territrio nacional. No Brasil, exceto em alguns momentos em que AbSaber (1958) refletiu

    rapidamente sobre o fazer geomorfologia no Brasil, devemos destacar o trabalho de Abreu (1982) em sua tese de livre-docncia, intitulada Anlise Geomorfolgica: reflexo e aplicao procurou estabelecer uma filognese sobre o pensamento geomorfolgico, em nvel global, identificando duas grandes linhagens de pensamento sobre o relevo, sendo a primeira a Linhagem Epistemolgica Americana e a segunda, a Linhagem Alem.

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    Assim, a linhagem americana est associada diretamente aos trabalhos de William Morris Davis e ao seu clssico trabalho de 1899, intitulado The Geographical Cycle, assim como a conquista do oeste norte-americano e a busca pelo ouro, conduzida pelos trabalhos dos gelogos que priorizaram a ao fluvial sobre a dinmica das vertentes, na esculturao do relevo.

    A linhagem Alem desenvolveu-se a partir dos trabalhos de grandes naturalistas, que tinham por referncia as obras de Kant, Goethe e Humboldt, que privilegiavam uma

    viso totalizadora e integrada entre os elementos da natureza, emergindo desta postura a noo de georelevo e o seu significado para a anlise integrada dos espaos humanizados (Abreu, 1982).

    Apesar da rpida exposio que fizemos do trabalho de Abreu (1982) percebe-se claramente que o mesmo preocupou-se com as matrizes do pensamento geomorfolgico em geral e no propriamente sobre a produo da geomorfologia no Brasil, muito embora tenha destacado o papel de Aziz AbSaber na renovao da geomorfologia brasileira.

    A PRODUO DA GEOMORFOLOGIA NO BRASIL. A ASSIMILAO DO PARADIGMA DAVISIANO NOS ESTUDOS DO RELEVO DO BRASIL.

    Genericamente, pode-se dizer que a estruturao cientfica da geomorfologia no Brasil est muito associada a dois grandes marcos na histria poltica e cultural do Brasil dos anos de 1930, que so de um lado a criao e a institucionalizao de vrias universidades, destacando-se neste caso a Universidade de So Paulo, USP e j com o Estado Novo (1937-1945) a criao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, que oficialmente ter incumbncia de coletar, sistematizar e pensar a questo do territrio

    brasileiro, a fim de fornecer elementos analticos que norteassem as polticas de Estado. Especificamente, no que se refere a concepo de elaborao das superfcies

    erosivas no sudeste brasileiro, a histria da geomorfologia registra a influncia de duas grandes matrizes epistemolgicas. A primeira compreende a dcada de 1930 e avana at aproximadamente meados da dcada de 1950, onde o paradigma dominante o Ciclo Geogrfico da Eroso, elaborado por Davis em 1899.

    A partir da dcada de 1950, a geomorfologia brasileira passar por uma grande ruptura paradigmtica com o surgimento da Teoria da Pediplanao e associada a grandes

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    transformaes no interior da Geologia, particularmente no que tange a sedimentologia e a estratigrafia, alm do surgimento de novas tcnicas de representao e de aquisio de informaes, ocorrer uma ruptura paradigmtica na geomorfologia brasileira.

    Com a criao das universidades sero institucionalizados cursos de Geografia, assim como cursos de engenharia ligados as escolas politcnicas. Nestes cursos sero

    agregadas em suas grades curriculares a geologia e a geomorfologia, com ensino terico e prtico, que segundo AbSaber (1958) foi fundamental para a gerao de gegrafos-geomorflogos que passaram a contribuir para o conhecimento da diversidade da natureza no Brasil e ao mesmo tempo auxiliando na expanso das fronteira internas do Brasil.

    Na dcada de 1930, com o Estado Novo (Sodr, 1987), exacerba-se politicamente a noo de territrio, que materialmente fundamenta-se na expanso do capitalismo, atravs da ao do Estado sobre o espao regional, viabilizando o processo de acumulao, a medida que se acentua a relao campo-cidade e o setor industrial se desenvolve. o momento da criao do Cdigo das guas (1934) em que o Estado Brasileiro procura normatizar o processo de expanso interior do capitalismo, viabilizando a explorao dos

    recursos naturais. J na dcada de 1940 criado o ncleo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica assim como o Conselho Nacional de Geografia (1937), sendo que ao primeiro coube a realizao da primeira diviso regional do Brasil, fundamentada na concepo de espao natural, em que a vegetao foi utilizada como critrio definidor das macro-regies (Sodr, 1983).

    Dentro deste quadro nas universidades, vale destacar o papel marcante do professor Pierre Monbeig, que como o prprio professor Aziz AbSaber destaca em sua entrevista concedida revista Geosul, foi fundamental para formar na jovem gerao de gegrafos a noo do mtodo, do recorte espacial e sempre a busca da contextualizao do fenmeno geogrfico.

    Assim, como fruto desta relao ensino-pesquisa, uma nova cognio sobre a natureza no Brasil foi-se formando, agora com um carter cientfico e os produtos destas

    reflexes desaguaram na publicao das mesmas em peridicos e futuramente em teses de doutorado.

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    AbSaber j em 1958, chamava ateno para a enorme produo da geomorfologia brasileira, fruto da expanso dos cursos de geografia no Brasil e da interiorizao do desenvolvimento econmico do pas.

    Da mesma maneira podemos associar a esta reflexo a criao do IBGE em 1937, que enquanto rgo cuja funo era a de promover a sistematizao e reflexo das informaes scio-econmicas do pas, tambm promovia, dentro de seus objetivos, estudos sobre as potencialidades paisagsticas da natureza no Brasil. O primeiro gegrafo a

    ser contratado e que ir realizar estudos geolgos-geomorfolgicos com a fim de aproveitamento dos recursos naturais na bacia do rio So Francisco ser Orlando Valverde, mas cabe destacar que a este ncleo de tcnicos-intelectuais sero agregados pesquisadores, principalmente franceses, com Pierre Deffontaines, Emannuel de Martone e Francis Ruellan que iro influenciar o desenvolvimento da geomorfologia dentro do IBGE, ao mesmo tempo em que iro propagar a geomorfologia junto aos professores da rede de ensino, como foi o caso de Francis Ruellan, fato que est muito bem registrado em vrios artigos do Boletim Geogrfico das dcadas de 1940 e 1950 (Vitte, 1999).

    De uma maneira geral, tanto pela via da academia como pela ao do IBGE, podemos afirmar que a geomorfologia no Brasil estruturou-se sob forte influncia da escola

    francesa de geografia, com a produo de monografias regionais (Abreu, 1994), onde a questo da interpretao geomorfolgica foi fortemente influenciada pelo trabalho de Davis de 1899, intitulado O Ciclo Geogrfico da Eroso.

    Assim, no Brasil, devemos destacar a influncia de Emanuel de Martonne, que com seus dois artigos da dcada de 1940, intulados Problemas Morfolgicos do Brasil Tropical Atlntico I de 1943 e II de 1944, influenciou fortemente o desenvolvimento da geomorfolgia no Brasil, tanto no aspecto metodolgico, quanto na definio de problemticas relativas ao objeto e ao mtodo da anlise geomorfolgica, como a questo das superfcies de eroso e do papel dos abruptos, das corredeiras, das falhas e das capturas na esculturao da Serra do Mar. ( Martonne, 1950 ).

    Assim por exemplo, na obra Problemas Morfolgicos do Brasil Tropical Atlntico, Martonne definir as principais superfcies de eroso que esculturam o estado de So Paulo, como a superfcie Campos e a das Cristas Mdias, que a partir de Campos do

    Jordo (SP) apresenta mergulho em direo Bacia Sedimentar do Paran. Estas duas

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    superfcies balizadoras do teto topogrfico do estado de So Paulo (Martonne, 1943), seriam geradas por processo de peneplanizao e em particular a das Cristas Mdias, neste processo participaria tambm a ao glaciares que truncaram diferentes litologias da serra da Mantiqueira, processo este responsvel pelo alinhamento de mataces e blocos de rochas na regio de Jaguarina, municpio atualmente situado na regio metropolitana de

    Campinas. A influncia na anlise geomorfolgica de Emanuel de Martonne, associada a

    proposta metodolgica de Pierre Monbeig, (Abreu,1994) acabou favorecendo o desenvolvimento de uma perspectiva metodolgica firme para a geografia. Para Monbeig, a anlise geogrfica deveria produzir monografias regionais, em que delimitao regional era dada a partir da relao entre o natural e o social. Historicamente, este momento, coincide com a expanso cafeeira no sudeste do Brasil, particularmente So Paulo, o processo de industrializao e urbanizao de So Paulo e a mudana na rbita regional, particularmente entre o nordeste e o sudeste (Oliveira, 1981; Cano, 1990).

    Fruto deste intercruzamento de propostas, em 1947 defendida a primeira tese de doutoramento na Universidade de So Paulo, por Joo Dias da Silveira, intitulada Estudo geomorfolgico dos contrafortes ocidentais da mantiqueira. Nesta tese, o autor utilizou

    uma associao entre a teoria geomorfolgica davisiana, com destaque para a situao geomorfolgica do canal fluvial, fundamental para definir trechos de juventude, maturidade e senelidade da paisagem, com as caractersticas da colonizao e ocupao das terras, demonstrando claramente uma forte influncia metodolgica de Pierre Monbeig (Abreu, 1994; Vitte, 1999).

    No entanto, deve-se destacar que em 1948 foi publicado pelo Jornal do Comrcio do Rio de Janeiro, o livro intitulado Controvrsias Geomorfolgicas, de Vitor Ribeiro Leuzinger. Este livro foi o produto da tese de ctedra do autor, em que o mesmo procurou

    confrontar as teorias geomorfolgicas de Davis e de Walter Penck, com o objetivo de avaliar qual destas teorias seria a mais adequada ao estudo do relevo brasileiro.

    Leuzinger chegou concluso de que a teoria davisiana apresentava srios problemas quando aplicada no estudo do relevo brasileiro e, que inclusive, a noo de ciclo dinamizada a partir das caractersticas do canal fluvial e de seu perfil, como postulada por

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    Davis em 1899, mascarava o verdadeiro conhecimento sobre a gnese das formas de relevo, que deveria ser procurada nas relaes entre a geologia e os aspectos climticos.

    No entanto, este trabalho de Vitor Leuzinger, apesar de todo o seu avano, ficou no ostracismo perante a comunidade geogrfica, talvez pelo fato de a mesma estar muito atrelada epistemolgica e metodologicamente as formulaes lablachianas e davisianas. Foi

    Jean Tricart em sua obra de 1965, intitulada Princpios e Mtodos da Geomorfologia, a quem coube resgatar a obra de Leuzinger e que segundo Tricart (1965), constitua-se at aquele momento, na melhor crtica ao sistema davisiano, que ele Tricart tomara conhecimento na geomorfologia mundial.

    Assim, o modelo davisiano foi aquele que marcou as primeiras produes sobre a geomorfologia no Brasil e em So Paulo, em particular. Assim, em 1932, Moraes Rego (1932, p. 7) j considerava que a atual morfologia do estado de So Paulo como sendo o produto de um imenso peneplano que formou-se entre o Mioceno e o Eoceno e que posteriormente foi quebrado por ao epirogentica,onde definiu-se o atual quadro da drenagem e dos compartimentos geomorfolgicos do estado de So Paulo.

    Da mesma forma, Freitas (1951) considerou que a geomorfologia do Estado de So Paulo e do Brasil era fruto de duas fases, uma epirogentica seguida de uma fase esttica

    que permitiu a elaborao de dois peneplanos. O primeiro chamado de nvel B, mais antigo, gerado no final do Cretceo e adentrando possivelmente em parte do Cenozico. O segundo, o nvel A, mais recente, deu-se no Cenozico, terminando no Plioceno.

    Fato que foi extremamente contestado por Almeida (1951), que j estava sofrendo influncia das proposies de Lester King.

    ANOS DE 1950: A RUPTURA EPISTEMOLGICA NA GEOMORFOLOGIA BRASILEIRA.

    A dcada de 1950, sob o ponto de vista poltico e econmico marcada no plano mundial pela intensificao da Guerra Fria e pela Revoluo Chinesa. No Brasil a fase de Juscelino Kubstcheck de Oliveira (JK), e, pela implantao das idias nacional-desenvolvimentistas, com a construo de Braslia, a indstria automobilstica e a abertura de rodovias.

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    Para as Cincias da Terra, a dcada de 1950 declarada a dcada dos oceanos, em que pesquisadores das Cincias da Terra procuram por meio do estudo dos sedimentos do fundo ocenico desvendar os processos continentais. o momento em que os conhecimentos da sedimentologia e da estratigrafia passam a auxiliar os estudos geomorfolgicos.

    Some-se a este fato, a descoberta das variaes climticas da Terra e a possibilidade de associar as evidncias destas variaes com os sedimentos continentais e, a partir da,

    estabelecer uma idade para as formas de relevo. Ainda dos anos 50, temos o uso, ainda que tmido, das fotografias areas para as

    pesquisas geogrficas e geomorfolgicas, possibilitando uma viso tridimensional das formas e de suas associaes em escalas, que associadas aos trabalhos de campo permitiriam construir hipteses mais condizentes para explicar os fenmenos geomorfolgicos em ambiente intertropical.

    neste contexto cultural que a comunidade brasileira de geomorflogos entrar em contato com a Teoria da Pediplanao elaborada pelo gelogo sul africano Lester King

    (1956), que segundo Abreu (1982) surgir a partir da influncia do congresso de Chicago de 1936, que foi dedicado obra de Walter Penck.

    No ano de 1956, realiza-se no Rio de Janeiro, o Congresso da UGI, em que as discusses internas so intensificadas com as que se desenvolvem nos trabalhos de campo ps-congresso, que foram comandados por Jean Tricart, Jean Dresch e AbSaber. O foco central das discusses foi o da problemtica dos materiais nas vertentes, principalmente para os paleopavimentos detrticos e o seu significado paleoambiental e geomorfolgico.

    Uma outra influncia muito forte na geomorfologia brasileira, com repercusses no aspecto da geomorfologia climtica e principalmente para a cronogeomorfologia e importante para a estruturao da Teoria dos Refgios Florestais, foi o surgimento das

    concepes de bisotasia e resistasia por Erhart (1966). Outro fato marcante para a consolidao da ruptura epistemolgica da

    geomorfologia brasileira, foi a vinda de Lester King ao Brasil, convite do IBGE. O produto da estada de King trabalhando em territrio nacional, foi a publicao do artigo de 1956 na Revista Brasileira de Geografia intitulado PROBLEMAS GEOMORFOLGICOS

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    DO BRASIL ORIENTAL, que forneceu elementos para a sua teoria da pedimentao e da pediplanao (1967) que passaram a influenciar as pesquisas geomorfolgicas no Brasil.

    Assim, em funo das especializaes da geologia, das novas tcnicas e o cimento terico-metodolgico que foi a Teoria da Pediplanao e a Teoria da Bio-Resistasia, os gegrafos-geomorflogos foram despertados para o estudo dos materiais superficiais e

    principalmente para o possvel papel das Stones-lines e cascalheiras enquanto registro das mudanas climticas no Brasil (AbSaber, 1962).

    Muito embora trabalhando no Brasil a convite do IBGE, King no conseguiu resolver o problema dos pedimentos e dos pediplanos no Brasil Tropical (Penteado, 1969), e neste momento que a imaginao e a criatividade dos pesquisadores brasileiros ir desenvolver estratgias conceituais e tericas provocando uma revoluo mundial dentro da chamada geomorfologia climtica.

    Como o modelo de King fora desenvolvido tendo como rea emprica o deserto de Bostwana, muito de suas formulaes no se encaixavam na explicao da pedimentao e da pediplanao no Brasil, eis que os trabalhos de Bigarella e principalmente AbSaber

    procuram entender o processo de pedimentao-pediplanao a partir de uma correlao entre as taxas de epirognese e as variaes climticas ao longo do Quaternrio.

    A pressuposio de que uma dada rea passou da fase de tropicalidade, biosttica para uma fase de aridez profunda dada por uma variao climtica. O que se procura demonstrar a complexizao do relevo no mundo tropical quando ocorre uma variao climtica do mido para o seco e vice-versa. As Stones-lines, neste caso, seriam o produto da desagregao de ncleos rochosos em fase de extrema semi-aridez e que os fragmentos rochosos seriam transportados por sobre o relevo a partir da ao das enxurradas e que tambm posteriormente seriam recobertas por sedimentos carreados de outras reas.(Bigarella, Marques Filho & AbSaber, 1961; Bigarella, Mousinho & Silva, 1965a).

    Neste esquema explicativo, os geomorflogos brasileiros resolviam o problema de

    explicar os paleopavimentos detrticos e rudceos, em um ambiente tropical, em que sabidamente no h rocha disponvel desagregao to facilmente como na rea modelo de Lester King pois como sabido, que na regio tropical o intemperismo das rochas

    muito intenso.

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    A partir deste modelo desenvolvido pelo geomorflogos brasileiros, e com o uso de fotografias areas, a anlise geomorfolgica, agora no mais com o objetivo de buscar em que fase o relevo encaixava-se no ciclo davisiano, mas sim estabelecer as grandes superfcies de aplainamento, geradas pela coalescncia de pedimentos e a idade a elas correlacionadas. assim que Bigarella & AbSaber em 1961 iro produzir o trabalho As superfcies aplainadas do Primeiro Planalto do Paran, em que se busca claramente a correlao entre os nveis de aplainamento, os seus depsitos e as idade associadas.

    No final dos anos de 1960 a geomorfologia brasileira presenciar duas grandes revolues com Aziz AbSaber. Primeiramente, fruto de uma longa reflexo e muita experincia em campo, que j comeara durante a elaborao de sua tese de doutoramento em 1951, AbSaber ir publicar em 1969 o clssico trabalho Um Conceito de Geomorfologia a Servio das Pesquisas sobre o Quaternrio, um trabalho de cunho metodolgico e que exerce influncia nas pesquisas geomorfolgicas at os dias atuais. Uma outra revoluo a noo domnios morfoclimticos (AbSaber, 1967) de Refgios Florestais (1979) que no apenas revolucionou a geomorfologia climtica no mundo, mas tambm a Biogeografia.

    No trabalho de 1969, AbSaber apresenta a sua concepo de geomorfolgia, que para Abreu (1982) um marco terico e metodolgico nos trabalhos de geomorfologia e ao mesmo tempo, em que coloca Aziz como sendo aquele que incorpora e desenvolve as proposies da linhagem epistemolgica germnica (Abreu, 1982).

    Para AbSaber (1969) para a anlise geomorfolgica dever estar centrada no Quaternrio. Esta anlise envolve trs etapas, sendo o relevo o produto de uma interao complexa que tecida pelas foras endogenticas e exogenticas.

    Assim, em um trabalho de geomorfologia, devemos considerar como primeiro nvel de anlise a compartimentao topogrfica, que envolve no apenas a anlise da

    topografia, mas principalmente a influncia da geologia e da estrutura nesta compartimentao, que regionalmente definida pelos remanescentes de aplainamentos.

    No segundo nvel de anlise, o geomorflogo deve considerar a estrutura superficial da paisagem, que corresponde aos solos, mas principalmente aos colvios, as rampas coluviais e neste caso a possibilidade de cascalheiras e Stones-lines no apenas

    no contato rocha-colvio, mas inclusive com linhas embutidas no pacote coluvial. As

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    anlises fsicas, qumicas, micromorfolgicas permitem a deduo dos processos e a qualidade dos mesmos que atuaram na destruio ou mesmo no reafeioamento das formas pretritas.

    A correlao dos dois primeiros nveis permite j o estabelecimento de uma compartimentao das formas geneticamente homogneas, com grande utilidade no

    planejamento ambiental. O terceiro nvel de anlise de AbSaber (1969) a fisiologia da paisagem,

    compreendida pelo autor como sendo a expresso do funcionamento atual da geoesfera. No caso, corresponde aos processos atuais que atuam no modelamento das formas.

    Com esta proposio metodolgica, AbSaber (1969) desprende-se dos problemas advindos com a adoo da taxonomia das formas de relevo, como as propostas por Tricart (1965). Agora, as formas so produto dos processos passados e dos atuais, em um quadro em que participam tanto a geologia quanto as foras climticas e paleoclimticas.

    A Teoria dos Refgios Florestais representa uma imensa revoluo da geomorfologia brasileira em contexto mundial, uma vez que Aziz imprime em sua

    elaborao a necessidade de considerarmos a compartimentao geomorfolgica como sendo condio sine qua non para compreendermos de um lado a complexidade do tecido

    biogeogrfico brasileiro e de outro a prpria especificidade dos ditos refgios. A partir da Teoria dos Refgios Florestais, a geomorfologia climtica dinamizada.

    Agora torna-se possvel especificar as relaes entre as variaes do Wurm-Winsconsin, por exemplo, com a distribuio do tecido florestal, a existncia e a persistncia de formas de relevo e depsitos correlativos em ambientes morfoclimticos distintos ou mesmo contrastantes com as condies atuais.

    A partir deste modelo desenvolvido pelo geomorflogos brasileiros, e com o uso de fotografias areas, a anlise geomorfolgica, agora no mais com o objetivo de buscar em que fase o relevo encaixava-se no ciclo davisiano, mas sim estabelecer as grandes superfcies de aplainamento, geradas pela coalescncia de pedimentos e a idade a elas

    correlacionadas. assim que Bigarella & AbSaber em 1961 iro produzir o trabalho As superfcies aplainadas do Primeiro Planalto do Paran, em que se busca claramente a correlao entre os nveis de aplainamento, os seus depsitos e as idade associadas.

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    No final dos anos de 1960 a geomorfologia brasileira ir promover duas grandes revolues com Aziz AbSaber. Primeiramente, fruto de uma longa reflexo e muita experincia em campo, AbSaber ir publicar em 1969 o clssico trabalho Um Conceito de Geomorfologia a Servio das Pesquisas sobre o Quaternrio, um trabalho de cunho metodolgico e que exerce influncia nas pesquisas geomorfolgicas at os dias atuais.

    Uma outra revoluo a noo domnios morfoclimticos (AbSaber, 1967) de refgios biogeogrficos (1979) que no apenas revolucionou a geomorfologia climtica no mundo, mas tambm a biogeografia.

    O RELEVO NO CONTEXTO DA PRODUO DO TERRITRIO. A dcada de 1970 marcada pela integrao autoritria (Becker & Egler, 1993), a

    tcnica a servio da concepo geopoltica de Territrio-Estado-Nao, o momento da criao do Projeto RADAMBRASI, financiado pelo governo autoritrio, objetivava o levantamento minucioso e em pequena escala dos recursos naturais do territrio brasileiro. o momento em que as anlises sobre o espao natural, com o objetivo de localizao de recursos e potencializao das regies visando o rpido processo de acumulao capitalista em um novo contexto da ordem econmica mundial.

    tambm em 1972 com a Conferncia de Estocolmo, que oficialmente nos damos conta da degradao ambiental e suas conseqncias na sociedade moderna. Problematiza-se a partir deste momento o papel da Cincia Moderna na gerao destes problemas, ou seja, a sua relao com o capitalismo, com a definio do papel das tcnicas e da tecnologia na gerao no somente da degradao ambiental, mas tambm na segregao social.

    Na dcada de 1970 a Geografia passava por forte impacto da Teoria Geral dos Sistemas que segundo Tricart (1965) possibilitou o aprofundamento analtico da geomorfologia, pois permitiu relacionar mais estritamente as causas e os processos

    resultantes, levando com isto a estudos mais detalhados sobre a gnese do relevo. Neste momento, tambm sob impacto da Conferncia de Estocolmo e fruto de trabalhos na

    Austrlia, ser produzido o livro La Ecogeografa y La Ordenacion del Medio Natural de Jean Tricart e Jean Kilian em 1979. Esta obra pode ser considerada o grande marco metodolgico para os estudos ambientais nas mais variadas escalas territoriais, com grande

    destaque para o papel do relevo e de seus processos na degradao ambiental.

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    No Brasil, o impacto ser ainda maior, pois consonante a esta publicao, passvamos pelo RADAMBRASIL e onde Tricart ser um personagem importante na constituio epistemolgica e metodolgica das equipes de trabalho, cujo marco metodolgico ser a publicao do livro Ecogeografia, realizada pelo autor, fruto de suas reflexes com as equipes do RadamBrasil.

    Consonante a esta necessidade desenvolve-se a cartografia, particularmente a geomorfolgica, em que as unidades de relevo so utilizadas como base de definio

    territorial atravs da concepo de fragilidade, viabilizando ao estatal tanto para o estabelecimento de colnias agrcolas no norte e centro-oeste brasileiro quanto os stios de explorao mineral. a fase de desenvolvimento do sensoriamento remoto, das anlises geoqumicas, sedimentolgicas e geolgicas, com a definio de stios metalogenticos. Na biogeografia, desenvolve-se a concepo de geossistemas (Monteiro, 1978) ou seja, grandes unidades naturais, que apresentam uma homogeneidade, marcada pela interao entre clima, vegetao, solos, relevo e geologia, esta unidade, que passou a ser utilizada como sinnimo de paisagem, foi desenvolvida na Ex-Unio Sovitica por gegrafos que

    trabalhavam com o planejamento estatal e cujo objetivo era estabelecer novas rea urbanas e industrias no interior sovitico. O referencial geossistmico associado cartografia

    geomorfolgica permitiu a racionalizao e a estratgia estatal no uso e controle do territrio brasileiro, quanto a explorao do espao nacional.

    Em 1982 Adilson Avansi de Abreu, em sua tese de livre docncia estabelece uma proposta de filognese para se entender as escolas de geomorfologia no mundo e a partir da reflete sobre o comportamento da geomorfologia brasileira frente a estas posturas interpretativas, destacando o trabalho de Aziz AbSaber e a sua forte participao na renovao da geomorfologia brasileira, com a incorporao e retrabalhamento das concepes da escola alem de geomorfologia.

    Neste trabalho (Abreu, 1982) tambm foi discutido a questo metodolgica de aquisio e tratamento dos dados geomorfolgicos, como por exemplo, os critrios

    utilizados para a aquisio e classificao geomorfolgica, que iro refletir a escola predominante na pesquisa geomorfolgica. Emerge da a questo da cartografia geomorfolgica que se vinha trabalhando no Brasil e como a mesma no problematizava a

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    questo da relao entre as foras endogenticas e as exogenticas em suas legendas e espacializaes.

    Dessa reflexo e fruto de experincias vivenciadas no projeto RADAMBRASIL, Jurandyr Ross defender sua tese de doutoramento em 1987, que representa um significativo marco terico e metodolgico nos estudos das formas de relevo e na

    cartografia geomorfolgica, indicando claramente uma filiao com os trabalhos vinculados escola alem de geomorfologia, na medida em que incorpora em suas reflexes e na

    cartografia geomorfolgica os critrios de Demek, Mescerjakov, e em cujo eixo interpretativo faz-se segundo as premissas de Gregoriev. A tese de doutorado de Jurandyr Ross um importante marco, pois abre real possibilidade da incorporao de uma nova forma de interpretao sobre a gnese do relevo brasileiro, que evoluir para a publicao do trabalho paradigmtico que a nova classificao do relevo brasileiro.(Ross, 1992).

    O trabalho do professor Jurandyr Ross representa um salto qualitativo nas pesquisas geomorfolgicas, pois estamos j no incio dos anos 90, e, na geomorfologia brasileira, vivenciamos a exploso da temtica ambiental, em suas mais variadas escalas, com

    indiscutvel perda das reflexes sobre a gnese do relevo e os processos constituintes da compartimentao do relevo brasileiro, representando de fato uma revoluo na

    geomorfologia brasileira depois da teoria da pediplanao e da teoria dos refgios biogeogrficos.

    O MOMENTO CONTEMPORNEO: BREVES CONSIDERAES. A partir da dcada de 1980 em direo ao incio do sculo XXI,o que se observou

    foi o acirramento no uso das novas tecnologias e do emprego cada vez maior da computao para a resoluo de modelagens, assim como a entrada de novas concepes associadas as transformaes informacionais e sociais que estavam se processando no

    mundo contemporneo. Assim, postulados ligados diretamente s reflexes da fsica como a teoria do caos, dos fractais e os sistemas complexos, que emergem como novos

    paradigmas nos estudos geogrficos e geomorfolgicos. Nesse mesmo momento acirra-se a questo ambiental, agora no mais em escala local ou apenas interna a um territrio, mas global, como por exemplo, o efeito estufa e o aquecimento global que para alguns pesquisadores redefinem os sistemas naturais e os processos a ele associados, como por exemplo, o sistema geomorfolgico.

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    No tratamento da questo ambiental destaca-se o desenvolvimento de novas metodologias para a empiricizao da relao sociedade-natureza e com isto avaliar o impacto do desenvolvimento capitalista na natureza. assim que ir se desenvolver a concepo de fragilidade ambiental, que no caso de Jurandyr Ross apresenta uma filiao gentica com suas reflexes sobre a gnese do relevo e dos processos modeladores (Ross, 1990) assim como representa uma significativo salto em relao Ecogeografia de Tricart. Tanto assim, que recentemente, 2006, elaborar sua proposta de Ecogeografia, (Ross, 2006) concebida diretamente a partir de uma relao dialtica entre a organizao natural do georelevo e a produo do territrio brasileiro.

    No entanto, se h um significativo avano terico e metodolgico na geomorfologia brasileira com os estudos ambientais, por outro, h um declnio significativo nos cursos de geografia e nos programas de ps-graduao em geografia, de trabalhos de geomorfologia que se preocupem com a gnese do relevo. Estamos j nos anos 90 e a teoria da neotectnica cada vez mais aceita na geologia brasileira e as equipes, com esta matriz interpretativa, no apenas passam a questionar a tectnica, mas a redefinir os seus impactos

    no relevo brasileiro, agora em nvel de escala local e quando muito regional. Mas o interessante que justamente nesse momento, estas equipes de neotectnistas passam a preocupar-se com a geomorfologia, a partir de referenciais indutivistas e com forte apelo modelagem matemtica.

    Apesar de alguns trabalhos realizados procurando discutir a questo gentica do relevo brasileiro, o que se observa que a cada dia mais, a temtica ambiental vem sendo o amlgama da produo da geomorfologia pela Geografia, inclusive mantendo um forte dilogo com a antropologia e a fenomenologia, como por exemplo com a questo dos riscos ambientais; com a arquitetura, quando trata dos riscos ambientais em meio urbano. Mas o fato que so poucos os trabalhos que discutem a histria, a epistemologia que sustentam

    tais trabalhos, assim como cada vez maior os trabalhos de geomorfologia desenvolvidos pela Geologia, que questionam o mtodo clssico de se trabalhar com geomorfologia e a

    abordagem gentica do relevo.

    BREVES CONSIDERAES FINAIS

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    Um balano sobre a produo da geomorfologia no Brasil, particularmente em peridicos de Geografia, permite-nos algumas consideraes:

    a) Problema metodolgico em se trabalhar com a questo dos paradigmas, pois ficou claro para ns que apenas a abordagem Kuhiana insuficiente, fazendo-se necessrio considerarmos a questo dos obstculos epistemolgicos (Bachelard, 1996) e que no podemos desprezar o capital cultural (Bourdieu, 1992) que fundamental para compreendermos principalmente as fases de consolidao da geomorfologia no Brasil;

    b) Os paradigmas explicativos do relevo brasileiro sempre foram incorporados via segunda leitura e por isto associado realidade dos quadros naturais do Brasil permitiram o desenvolvimento de alternativas importantes para a manuteno dos mesmos inclusive ao nvel mundial, como o caso a teoria da pediplanao;

    c) A questo ambiental atualmente o grande agente cimentante das pesquisas geomorfolgicas no Brasil, o que ainda est sustentando a existncia da geomorfologia no contexto da Cincia Geogrfica. Dominantemente o paradigma explicativo a pediplanao acrescida de bibliografia que trata da crise da Cincia Moderna. Mas, no auxiliam e no refletem sobre o prprio fazer geomorfolgico no sentido de repensar novas bases epistmicas para a geomorfologia na Geografia.

    d) Apesar de um grande nmero de trabalhos de geomorfologia nos cursos de geografia, sejam de graduao ou ps-graduao, efetivamente, as grandes transformaes qualitativas na interpretao do relevo, no que diz respeito gnese, esto acontecendo na Geologia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Abreu M.A. O estudo geogrfico da cidade no Brasil: evoluo e avaliao. In: CARLOS A.F.A. (org.) Os Caminhos da reflexo sobre Cidade /Urbano. So Paulo, Edusp. 1994,p.199-322. Ab'Sber A.N. & Brown Jr. K.S. Ice-age Forest refuges and evolutions in the

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    Enviado para publicao em maio de 2010.

    Aceito para publicao em julho de 2010.