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3º Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia: Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI GRUPO GT 13: Sociedade e ambiente: redes de sociabilidade e relações com a natureza no Norte e Sudeste do Brasil Conservação de Paisagens Culturais em Corredores Transfronteiriços: de Manaus (BR) à Ciudad Bolívar (VE). Pedro Tarcio Pereira Mergulhão, Universidade Federal de Roraima pedromergulhã[email protected] Manaus, 26, 27 e 28 de setembro de 2012

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3º Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia:

Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI

GRUPO GT 13: Sociedade e ambiente: redes de sociabilidade e relações com a natureza no

Norte e Sudeste do Brasil

Conservação de Paisagens Culturais em Corredores Transfronteiriços: de

Manaus (BR) à Ciudad Bolívar (VE).

Pedro Tarcio Pereira Mergulhão, Universidade Federal de Roraima

pedromergulhã[email protected]

Manaus, 26, 27 e 28 de setembro de 2012

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Conservação de Paisagens Culturais em Corredores Transfronteiriços: de

Manaus (BR) à Ciudad Bolívar (VE).

Pedro Tarcio Pereira Mergulhão

RESUMO

O artigo assume por objeto de estudo paisagens, arquiteturas, urbanismo, paisagismo,

ambientes rurais e urbanos, presentes no corredor nacional e internacional transfronteiriço,

entre as cidades de Manaus (AM), Boa Vista (RR), Santa Elena do Uiarén(VE) e Ciudad

Bolívar (VE). Objetiva identificar elementos formais que caracterizem as paisagens culturais

amazônicas, naturais e antrópicas, construídas ao longo de um tempo determinado. Pretende

compreender o contexto político, econômico e sócioambiental que permeia relações, vontades

e ações entre sociedades e meio ambiente e que podem provocar transformações

comprometidas ou não com a conservação de paisagens e identidades culturais características

do universo territorial delimitado. O estudo buscará relacionar contextos históricos e

realidades presentes e amparar-se-á em trabalhos teóricos que tratam de conceitos de

paisagem, da ecologia da paisagem, da antropologia, da sociologia e em relatos históricos,

análises iconográficas e observações de campo.

Palavras-chave: Paisagem, conservação, relações sociais transfronteiriças.

O homem transforma paisagens naturais em paisagens culturais para atender suas

necessidades biológicas e racionais, como afirmou Vidal de la Blache (apud GOITIA, 1982)

“a natureza prepara o local e o homem organiza-o de maneira a satisfazer as suas

necessidades”.

Acredita-se que a edificação de cidades esteve ao longo da história condicionada a

elementos naturais da paisagem, como montanhas, mares e rios, como nos mostra, Benévolo

(2007), ao se referir à Antiga Grécia:

“A cidade, no seu conjunto, forma um organismo artificial inserido no

ambiente natural, e ligado a este ambiente por uma relação delicada; respeita as

linhas gerais da paisagem natural, que em muitos pontos significativos é

deixada intacta, interpreta-a e integra-a com os manufaturados arquitetônicos”.

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Estudos indicam ainda outros direcionamentos e abordagens no trato do surgimento de

cidades, em searas do conhecimento que vão além dos elementos físicos, como os trazidos por

Rykwert (2006), que considera os elementos simbólicos presentes na natureza como

condicionantes adotados por civilizações pretéritas na escolha do lugar onde cidades deveriam

ser implantadas.

Ainda que esse conjunto de razões usufrua de importância para determinadas

sociedades na escolha do lugar de nascimento da urbe, o que de fato foi relevante para o

surgimento da cidade foram os interesses políticos e econômicos que conduziram a conquistas

territoriais, estas quase sempre trazendo a reboque conflitos sociais, transformações de

paisagens e desequilíbrios ambientais.

Essa relação conflitante entre o homem e a paisagem ao longo da história humana,

permeada pelo desejo permanente de dominação e exploração, fez nascer no dominado o

sentimento de negação da paisagem autóctona e incorporação cultural de elementos exógenos,

provocando perda de identidades. Observa-se que esse processo tem se mostrado comum na

Amazônia.

Nesse contexto, onde são demonstradas realidades temporais e espaciais diversas, no

passado e no presente, se faz necessário neste início de século XXI, de mundos globalizados e

de transformações múltiplas e aceleradas, de delineamentos e imposições de novos

paradigmas, a realização de estudos focados nessa problemática territorial, resultado das

múltiplas dinâmicas sociais inter-relacionadas ou isoladas.

Desse modo, o que se propõe com o presente estudo é lançar um olhar para as

dinâmicas rurais e urbanas que se constroem no espaço geográfico transfronteiriço nacional e

internacional na Amazônia Brasileira e Venezuelana.

Nesse ponto, o presente artigo pretende refletir sobre fluxos sociais transfronteiriços

amazônicos entre territórios, cidades, populações, residentes e transitórias, nas bordas ao

longo das rodovias que ligam as cidades de Manaus (AM) a Ciudad Bolívar (VE).

Procurar-se-á analisar as implicações que esses fluxos provocaram no passado nas

paisagens existentes nesses corredores territoriais, notadamente no que tange às práticas

sociais que podem comprometer a conservação de paisagens e identidades culturais regionais.

Buscar-se-á ainda identificar e demonstrar ideais, condutas, projetos e realidades de vidas que

conduzem a transformações na paisagem neste início de século XXI, causadas

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hipoteticamente e de forma preliminar, por fatores, dentre outros já citados, pelas novas

configurações políticas e econômicas mundiais, consequências do surgimento da

comunicação de massa, possível graças à internet, de novos fluxos comerciais e configurações

geopolíticas e econômicas, intercâmbios culturais entre países etc.

Sabe-se, por exemplo, que serviços de restauração, do tipo “self-service”, bastante

comum no Brasil, chega com força e aceitação na cidade fronteiriça Venezuelana de Santa

Elena do Uiarén.

Ou, quando se observa o intercâmbio de espécies de plantas entre o Brasil e a

Venezuela para uso no paisagismo, sem controle científico e legal, podendo provocar

transformações, danos ao meio-ambiente e descaracterizações paisagísticas.

Ou ainda, sobre projetos governamentais “desenvolvimentistas” que comprometem

paisagens e comunidades locais e não oferecem qualidade de vida prometida, como o projeto

de construção de dezenas de hidrelétricas na Amazônia e que por fim, não atendem as

demandas das populações regionais, como é o caso de Boa Vista, que importa energia da

Venezuela.

Essas situações apresentadas nos fazem refletir sobre questões do tipo:

- particularidades culturais nacionais regionais estariam fadadas ao desaparecimento, em

virtude de modelos e padrões capitalistas que se impõem internacionalmente?

- na contemporaneidade, torna-se irrelevante a conservação de paisagens em uma determinada

região, podendo-se “recriar” e padronizar paisagens a revelia de identidades culturais

regionais sem danos ao desenvolvimento e a qualidade de vida física e psicológica de

populações?

- ou ainda, acordos políticos e econômicos internacionais não estariam desconsiderando

necessidades regionais e locais?

Consideramos que essas realidades e outras que pretendemos abordar, quando

desenvolvidas sem estudos, análises e planejamentos e gestões eficazes, podem provocar e

agravar problemas regionais supracitados e outros, como: desequilíbrio ambiental,

transformações e perdas de paisagens e identidades culturais, desperdícios de possibilidades

de desenvolvimento socialmente sustentável etc. E, é com base nessa problemática e na

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perspectiva de propostas sustentáveis de desenvolvimento da Amazônia transfronteiriça que o

presente estudo se justifica.

A presente proposta se inspira no Projeto de Pesquisa desenvolvido pela Professora

Fátima Pelaes, da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, denominado: “Percepção da

paisagem urbana no corredor transfronteiriço: do Porto de Santana a Cayenne”, do qual o

autor participa como Professor Participante Externo. E, objetiva no futuro, o intercâmbio

entre estudos e pesquisas que podem vir a ser desenvolvidos por instituições e pesquisadores

com o intuito de se criar uma rede de pesquisas voltadas ao estudos da paisagem, da

arquitetura, do urbanismo, e do paisagismo na Amazônia.

Desse modo, assim como os estudos no Amapá, o objetivo geral da presente proposta

é estudar as relações que se estabelecem em cidades Amazônicas transfronteiriças; no nosso

caso, as cidades brasileiras de Manaus e Boa Vista, e as venezuelanas Santa Elena do Uiarén e

Ciudad Bolívar, além do trecho territorial compreendido entre as mesmas, representado pelas

áreas de preservação ambiental da Reserva indígena Waimiri-Atroari (BR) e Gran Sabana

(VE) e que condicionam transformações e construções de paisagens ao longo de um espaço

temporal.

Como objetivos específicos, a nossa proposta pretende:

a) Estudar o conceito de paisagem amazônica;

b) Relacionar os conceitos adotados no estudo com a produção antrópica nos universos

territoriais adotados;

c) Identificar elementos físicos que caracterizem paisagens amazônicas no universo

territorial delimitado;

d) Verificar as transformações ocorridas na paisagem ao longo do tempo e os atores e

processos históricos envolvidos nas transformações detectadas;

e) Verificar de que forma a paisagem desperta na população o sentimento de

reconhecimento e pertencimento e como elas procedem com vistas à sua conservação;

f) Divulgação dos resultados obtidos por diversos meios (artigos em congressos e

periódicos, home page, entre outros);

O estudo justifica-se pela abrangência (7 milhões de km²) e importância da Amazônia

para o Brasil e para o mundo, região distribuída entre nove países: Brasil, França (Guiana

Francesa), Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia; e nove estados

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brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e

Tocantins. E, cuja relevância principal neste trabalho, é a conservação paisagística da floresta

tropical e do lavrado em meio às ações antrópicas.

Para tal, impõem-se a urgência de estudos voltados para o conhecimento da região, na

perspectiva de que, diferentemente de projetos e ações pretéritas, geralmente exógenas e

desastrosas para a região (AB’SÁBER, 2004), qualquer projeto e investimento que venha a

ser proposto no presente e no futuro para a região, seja ele condicionado a estudos científicos

e técnicos produzidos sobre a região.

Este projeto apresenta como proposta metodológica de análise o método qualitativo,

com procedimentos metodológicos que perpassam pela observação e descrição dos

acontecimentos em cada local analisado. Entendemos que o êxito da pesquisa científica está

condicionada preliminarmente à sensibilidade do investigador em delinear caminhos por meio

de seus sentidos e experiências acumuladas, amparando-se em instrumentos e recursos de

trabalho, como a pesquisa bibliográfica, a coleta de dados, a fotografia, entrevistas e relatos

orais, e, sobretudo para a pesquisa social (na qual o estudo se insere), no contato com o objeto

estudado por meio da pesquisa de campo, como atesta Serra (2006): “O contato pessoal com

seu objeto de estudo é de fundamental importância para o pesquisador, principalmente quando

falarmos de arquitetura, construção e cidades”.

DELIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ESTUDO

O universo territorial adotado deveu-se em um primeiro momento à necessária

urgência de olhares acadêmicos voltados para a região amazônica e que possibilitem reflexões

e produções científicas, na esperança de que, com base no conhecimento, surjam alternativas

de planejamento, ações e gestões sustentáveis para região, implicando na conservação de

paisagens regionais.

Desse modo, nosso olhar volta-se para o norte do Brasil, especificamente para o

território amazônico, compreendido pelo trecho transfronteiriço entre a cidade de Manaus

(AM) e a cidade de Ciudad Bolívar (VE), Figura 1.

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Figura 1 – Mapa do Estado de Roraima

Fonte: http://www.ibge.com.br

Optou-se como foco de estudo a paisagem rural e urbana por entendermos a estreita

relação existente entre esses dois universos na construção da história humana, cujo ápice

dessa relação vem sendo ao longo da história, a cidade. E, concordando com Mumford

(1982), “a cidade é a forma e o símbolo de uma relação social integrada”; e, Monteiro (2012)

ao comentar a importância do tema da cidade como foco de estudo no mais recente livro de

David Harvey “As Cidades Rebeldes” (2012), disponível em:

www.outraspalavras.net/2012/07/13/as-ci,

“É a ela [cidade] que afluem – e lá que se articulam – as multidões às quais o capital já não

oferece alternativas. Esta gente estabelece novas formas de sociabilidade, identidades e

valores”.

Logo, o ponto de partida para nosso estudo será a cidade de Manaus (AM), devido à

sua relação histórica, política e econômica com o norte do país; pela cidade estar edificada em

meio à paisagem amazônica “natural” de grandes bacias hidrográficas e ecossistema de

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floresta, e, por beneficiar-se de monumentos arquitetônicos ecléticos (Figura 2) referenciais

para o estudo do período econômico áureo na Amazônia, o boom da borracha, entre os

séculos XIX e XX, e que expressam contextos políticos, econômicos e sociais únicos e

próprios à região.

Figura 2: Teatro Amazonas em Manaus

Fonte: Acervo particular do autor, 2011.

Para um segundo ponto de análise, escolheu-se a cidade de Boa Vista, em Roraima;

pelo fato de esta cidade significar geograficamente o ponto extremo norte fronteiriço com a

Venezuela de maior importância estratégica planejada, criada e consolidada. Segundo projeto

governamental que vislumbrou a construção de um Brasil que pretendia, segundo as

perspectivas de governos militares, estabelecer controles fronteiriços, ocupações do território

brasileiro e avanços econômicos desenvolvimentistas.

Para tal, além da ocupação militar, distribuição de terras, “corrida ao ouro”, estímulos

à migração, o governo federal brasileiro implantou entre 1944 e 1946 um projeto de cidade

projetada, expressa em um desenho urbanístico (Figura 3) de autoria do Engenheiro Civil

Darcy Aleixo Derenusson; o qual nos permitirá investigar, por exemplo, se o seu desenho

moderno permite e estimula o uso dos espaços públicos e a consequente sociabilidade da

população de Boa Vista.

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Figura 3: Plano Urbanístico de Boa Vista.

Fonte: Vale, 2007.

Existe ainda no âmbito do Plano um número considerável de projetos arquitetônicos

modernos de autoria de arquitetos de renome atuantes ou não na região, como Severiano

Porto, que merecem estudos e registros, buscando-se compreender por meio deles até que

ponto a modernidade pretendida para Boa Vista foi incorporada nas realidades sociais da

cidade. Sabe-se, por exemplo, que um dos pilares modernistas brasileiros apresentados na

Semana de Arte Moderna de 1922 foi a busca de uma identidade nacional brasileira, que

obrigatoriamente estivesse associada à miscigenação das três raças que formam o povo

brasileiro: o índio, o europeu, e o africano.

Ou, a valorização da paisagem brasileira em oposição à importação de referenciais

europeus em voga, como a adoção de estilos franceses e ingleses no paisagismo público e

privado.

Desse modo, pergunta-se: qual seria o conceito - além evidentemente da lógica

capitalista - a justificar o projeto de modernidade do país com a implantação e consolidação

do território no extremo norte brasileiro por meio da construção de Boa Vista quando este

transforma e promove desequilíbrios ambientais nas paisagens e exclui dos processos

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políticos, econômicos e sociais centrais1 as etnias indígenas de Roraima (Ingaricô, Macuxi,

Patamona, Taurepang, Waimiri-Atroari, Wapixana, Waiwaí, Yanomami, Ye'kuana)2 (Figura

4) presentes no território antes da chegada do migrante no então Território Federal de

Roraima, personagem este oficialmente celebrado como marco da ocupação do homem na

região, como mostra a imagem alusiva (Figura 5).

Figura 4: Protesto de indígenas Yanomami em Boa Vista (RR).

Fonte: http://acritica.uol.com.br/amazonia/. Acesso em: 29 ago. 2012.

Figura 5: Monumento ao Garimpeiro no centro da Praça Cívica de Boa Vista.

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

1 A população urbana indígena de Boa Vista, segundo os dados do IBGE/2010, é de 8.212 pessoas, no entanto

essa população só é vista na paisagem urbana no âmbito do Plano Urbanístico de Boa Vista quando há

manifestações reivindicatórias por parte das etnias presentes em Roraima 2 – Fonte: www.funai.gov.br/ Acesso em: 29 ago. 2012.

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Ainda no plano arquitetônico e urbanístico, o nosso interesse voltar-se-á igualmente

para o estudo e registro da arquitetura concebida pelo migrante, sem projeto de arquitetos,

mas motivados pela vontade de inserir na edificação e na paisagem urbana da cidade de Boa

Vista “elementos construtivos modernos”, mas ainda fortemente influenciadas pelos conceitos

e práticas culturais de seus lugares de origem (Figura 6).

Figura 6: Exemplar de residência “moderna” em Boa Vista.

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

Em resumo, o espaço urbano de Boa Vista compreendido pelo Plano Urbanístico

configura-se como um campo de pesquisa rico e ainda não estudado em sua totalidade,

especificamente no âmbito deste trabalho, a paisagem rural e urbana, analisada sob o olhar

disciplinar da arquitetura e do urbanismo. Isto se torna mais urgente quando vislumbramos

um possível e intenso crescimento demográfico e urbano na cidade neste início do século

XXI, quando o Brasil e a Amazônia assumem relevante importância política e econômica no

contexto global; e, particularmente o Estado de Roraima, pela sua posição geográfica

fronteiriça, posição esta que implicará em maiores e melhores infraestruturas em comércio,

bens e serviços governamentais e privados, o que certamente acarretará novos fluxos

migratórios, e, acredita-se, de igual força ao constatado na segunda metade do século XX

quando,

“... a população do estado de Roraima cresceu, segundo o IBGE, de 17.247

habitantes, em 1950, para 324.397, em 2000 (SOUZA, 2006 apud SOUZA,

2010). As mudanças político-administrativas ocorridas no período e a vinda de

migrantes foram as principais responsáveis por esse crescimento, concentrado

em Boa Vista”.

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Nesse provável quadro urbano futuro, acrescenta-se o panorama rural onde o que está

em jogo no contexto da paisagem é o destino de um dos biomas únicos na Amazônia, o

Lavrado, que ameaçado com o crescimento urbano, fragiliza-se igualmente em âmbito rural,

com os interesses agroindustriais voltados para o Estado de Roraima com projetos de

expansão de monoculturas do arroz, da soja e da cana-de-açúcar, desejadas por grandes

produtores rurais.

Seguindo em direção à Venezuela, propomos como limite transfronteiriço entre países,

as cidades de Pacaraima (BR) e Santa Elena do Uairén (VE), objetivando observar nesses

contextos urbanos, trocas e transitoriedades comparativas, definidas por marcas fixas e

transitórias na paisagem, representativas de modos de vida diversos no Brasil e na Venezuela,

decorrentes, por exemplo, dos fluxos provocados pelo comércio, turismo e por problemas

sociais urbanos expressos na paisagem, como podem preliminarmente sugerir, uma possível

constatação de um menor índice de violência urbana na cidade venezuelana de Santa Elena do

Uiarén, quando identificamos a ausência de muros entre residências (Figura 7).

Figura 7: Ausência de muros entre residências em Santa Elena do Uiarén (VE).

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

Finalmente, como ponto limite do nosso universo territorial de estudo, a cidade de

Ciudad Bolívar (VE), capital do Estado Símon Bolívar (VE), que, como Manaus, para o

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extremo norte do Brasil, Ciudad Bolívar configura-se como cidade irradiadora de influências

sobre o sul venezuelano em direção ao Brasil.

Considera-se ainda como objeto relevante de estudos neste trabalho, as áreas de

preservação ambiental compreendidas pela Reserva Indígena Waimiri-Atroari, entre Manaus

e Boa Vista (Figura 8); o Lavrado de Roraima, entre Boa Vista e Pacaraima (Figura 9), ambos

cortados pela BR-174; e, na Venezuela, o Parque da Gran Sabana (Figura 10), no trecho entre

Santa Elena do Uiarén e Ciudad Bolívar.

Nesse âmbito pretende-se observar e comparar o grau de pressões exercidas sobre

esses territórios e o estado de conservação das paisagens naturais nas bordas ao longo das

rodovias que percorrem essas áreas. Pretende-se ainda observar e registrar as tipologias

arquitetônicas e configurações espaciais indígenas presentes nesses territórios, e seus estados

de conservação e transformação, por meio de influências e processos de aculturação.

Figura 8: Reserva Indígena Waimiri-Atroari entre Manaus e Boa Vista.

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

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Figura 9: Lavrado (RR).

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

Figura 10: Gran Sabana (VE).

Fonte: Arquivo particular do autor, 2012.

INTERFACES DISCIPLINARES

A presente proposta de estudos da paisagem, da arquitetura, do urbanismo, e do

paisagismo na Amazônia transfronteiriça se insere no âmbito das atividades de ensino e

pesquisa do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima.

O estudo pretende buscar abordagens que tratem do tema e que auxiliem o olhar do

arquiteto e urbanista pesquisador, por meio de disciplinas como a antropologia, arqueologia,

botânica, geografia, história, sociologia etc, e estudos produzidos sobre a região,

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possibilitando desse modo, o desenvolvimento de contribuições conceituais e propostas com

vistas ao desenvolvimento sustentável da região.

Dentre os estudos já detectados focados na temática, em outros territórios

transfronteiriços amazônicos e realizados por arquitetos e urbanistas ou por pesquisadores de

outras áreas, mas que estão ligados ao estudo disciplinar da temática adotada, cita-se: os

estudos de Sanchez; Diogo (1998); Porto; Nascimento (2006); Pelaes (2011); Tostes (2012).

E, como exemplo de apoio interdisciplinar, cita-se o importante o estudo da paisagem

na Amazônia por meio da etnobotânica, o qual atesta a intervenção planejada na floresta

amazônica de povos indígenas, detectada com base na chamada “terra preta de índio”,

resultado de métodos tradicionais indígenas no trato da paisagem. Desse modo, pretende-se a

partir do exemplo supracitado, identificar um “fazer paisagístico indígena amazônico”,

possível de classificação na categoria de patrimônio imaterial associado à paisagem cultural.

A portaria 127, de abril de 2009, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN), fundamentada na Constituição do Brasil de 1988, determina que o

patrimônio cultural pode ser formado por bens materiais e imateriais considerados

individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira; e estes merecem conservação de modo a

se evitar que transformações ocorridas na sociedade, tais como, expansão urbana, processos

de influências externas etc, coloquem em risco de desaparecimento paisagens culturais

brasileiras.

Ainda no âmbito da temática indígena, pretende-se dar início a estudos da arquitetura e

estrutura espacial de comunidades indígenas no universo geográfico proposto, seguindo

exemplos já desenvolvidos, como o estudo sobre a comunidade indígena do Amapá Wajãpi

rena (2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo insere-se na perspectiva acadêmica do autor de realizar estudos

sobre a paisagem, a arquitetura, o urbanismo e paisagismo no âmbito amazônico;

considerando abordagens presentes nos campos das ciências humanas e da terra, com o

objetivo de embasar e trazer a luz do conhecimento temas relevantes ao desenvolvimento

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sustentável da região amazônica e suas populações, e produzir trabalhos com o intuito de

subsidiar formações e produções acadêmicas e profissionais de qualidade na região.

Nessa proposta acadêmica, o presente escrito se mostra como uma apresentação de

intenções, e, pioneiro, como proposta acadêmica no DAU/UFRR, inserida no Projeto de

Extensão Universitária – 2012/2013 coordenado pelo autor e denominado: Estudos da

Paisagem, da Arquitetura, do Urbanismo, e do Paisagismo na Amazônia. Com o mesmo se

almeja no futuro evoluir para uma Linha de Pesquisa, de modo a se criar uma rede de estudos

e intercâmbios dessa temática com outras instituições de ensino e pesquisa atuantes na região

amazônica.

Desse modo, o que se busca neste momento com o presente escrito, é a apresentação

da nossa proposta em eventos, no intuito de se estabelecer uma aproximação e intercâmbio

com pesquisadores de áreas diversas do conhecimento, como a sociologia, e que se mostrem

interessados na análise da produção do espaço urbano e rural na Amazônia.

Como primeira ação de nosso Projeto de Extensão, iremos desenvolver neste ano de

2012-2013, estudo de investigação do acervo Paisagístico, Urbanístico e Arquitetônico na

abrangência do Plano Urbanístico de Boa Vista.

Dentro da proposta, procurar-se-á pesquisar e registrar:

1. a intencionalidade conceitual do arquiteto, urbanista e paisagista, no planejamento,

no projeto, e na construção da cidade moderna no extremo norte do Brasil, por

meio do estudo físico do epicentro do Plano Urbanístico de Boa Vista (RR), a

Praça do Centro Cívico, configurada por seu desenho formal e estrutural

urbanístico, por seu projeto paisagístico, pelo monumento ao garimpeiro, e pelas

edificações institucionais presentes na praça e no seu entorno: Palácio Senador

Hélio Campos, Palácio da Cultura, Correios, Assembleia Legislativa, Tribunal de

Justiça, Receita Federal, Secretaria da Fazenda, Terminal Rodoviário Urbano,

Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte, Banco do Brasil, Forum de

Boa Vista, Catedral Cristo Redentor, Hotel Aypana, Escola Princesa Isabel, Escola

Lobo D’Almada, Banco da Amazônia.

Em última análise, o que se pretende com o estudo, na área da paisagem, arquitetura,

urbanismo e paisagismo, e, amparado em outros olhares disciplinares, como o da sociologia, é

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identificar, estudar e analisar estórias, intensões, ações e processos contextuais, traduzidos por

“projetos de construção de vidas futuras” no extremo norte brasileiro, expressos na paisagem

e nos artefatos construídos e passíveis de conservação como marcas da nossa civilização.

Acredita-se que o presente trabalho contribuirá para a consolidação do curso de

arquitetura e urbanismo e para o desenvolvimento da pesquisa na UFRR, assim como, para o

estudo e registro histórico da pesquisa da paisagem, da arquitetura, do urbanismo e

paisagismo, sobretudo o indígena e o moderno, produzido na segunda metade do século XX,

na Amazônia.

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