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Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) GUIA DE ESTUDOS Estratégias para a erradicação do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. TEMA:

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Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)

GUIA DE ESTUDOS

Estratégias para a erradicação do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

TEMA:

2

Prezados delegados,

Bem-vindos aos estudos e aos trabalhos iniciais para sessão extraordinária do Conselho de

Segurança das Nações Unidas, agendada para o período de 19 a 22 de maio, na IX SIMUNA.

É com grande estima que convido a todos a se prepararem para os debates em prol da construção do

processo de paz da Síria e no Iraque, visando especialmente a erradicação do Estado Islâmico e seu

Califado, além de outras organizações similares que atuam na região.

Nosso trabalho não será simples. Afinal, desde 2011, quando se iniciaram os combates armados entre

os rebeldes e o governo de Bashar al-Assad, as autoridades do Conselho vêm se reunindo

periodicamente para debater a crise, sem resultados efetivos. Em grande parte dos casos, seja por

meio do veto, da falta de consenso entre os atores envolvidos ou mesmo pelos retrocessos dentro dos

territórios iraquiano e sírio, o papel intermediador das Nações Unidas e as ações do Conselho não

encontraram as condições para prevalecer. Os avanços territoriais do Estado Islâmico nos últimos anos

tornaram a situação geopolítica do Oriente Médio ainda mais complexa, exigindo mais do que nunca

um processo de cessar fogo entre os dois principais lados do conflito: o governo e os rebeldes.

A cada fracasso nosso somam-se milhares de mortos em combate e outros tantos refugiados. Os dados

são imprecisos, haja vista a extensão do conflito e as dificuldades inerentes a uma situação de guerra

como esta. Ainda assim, a ONU contabiliza mais de 260 mil mortos, sendo mais de 4,8 milhões de

refugiados, boa parte deles espalhados pelos países na região. Outros tantos permanecem dentro da

Síria como deslocados internos, necessitando das mais diversas assistências.

Os dados se somam a crise política e humanitária estabelecida no Iraque desde 2003. Neste ínterim,

os grupos extremistas ganharam força considerável, estendendo suas ações militares e ideológicas por

todo o Oriente Médio, parte da Ásia, África e até a Europa, como demonstraram os atentados em Paris

em 2015, além daqueles que ocorreram na Turquia, na Indonésia e inúmeras outras partes do mundo.

Felizmente, o início dos trabalhos do ano de 2016 foi marcado por uma iniciativa de diálogo entre os

dois lados do conflito, sob mediação de parte da comunidade internacional, dentro e fora das Nações

Unidas. Nesta direção, tornou-se possível pensar em um cessar-fogo na Síria, bem como em uma

trégua entre potências diretamente envolvidas nos conflitos na região, por mais que as divergências

entre elas sejam enormes. As Nações Unidas conseguiram ampliar a ajuda humanitária e o Conselho

se reuniu mais algumas vezes nos primeiros meses do ano para endossar a necessidade de suspensão

das hostilidades, ampliação o foco na erradicação do Estado Islâmico e outros movimentos

fundamentalistas.

Mas os desafios continuam. Muito ainda precisa ser feito. Por mais que Califado venha perdendo

território e seus combatentes diminuam, suas ações ainda ameaçam o processo de paz e a própria

comunidade internacional. Deste modo, o Conselho de Segurança precisa prosseguir com os debates.

Boa sorte e bom trabalho a todos.

Délcio Garcia Gomes. Professor Conselheiro da IX SIMUNA.

3

A maneira mais fácil de complicar essa questão é perguntar como o islã pode produzir o ISIS e,

ao mesmo tempo, Malala Yousafzai, a mais recente vencedora do Prêmio Nobel da Paz? Ambos

se baseiam no islã como fontes de inspiração. O que o foco no islã realmente nos diz sobre o

que move um grupo como ISIS? Há muitas forças mais complicadas, sociais, econômicas e

políticas. São as condições políticas que levam à emergência do ISIS.

Todd Green, autor do livro O Medo do Islã: Uma Introdução à Islamofobia no Ocidente.

4

SUMÁRIO

1. HISTÓRICO DO COMITÊ................................................................................. 05

1.1 Atribuições do Conselho de Segurança

1.2 As delegações e o sistema de votação

2. SITUAÇÃO-PROBLEMA.................................................................................. 10

2.1 Alguns apontamentos iniciais

2.2 Fundamentalismo ou radicalismo islâmico?

2.3 Os caminhos da radicalização

2.4 O Estado Islâmico

2.5 A erradicação do Estado Islâmico

3. RECOMENDAÇÕES AOS DELEGADOS........................................................ 28

4. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 30

5. ANEXOS............................................................................................................ 31

5.1 Infográfico: organizações radicais sunitas

5.2 A vida sob domínio do EI

5.3 Regras de procedimento do Conselho de Segurança

5

Histórico do comitê

“A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus membros conferem ao

Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança

internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por esta responsabilidade o

Conselho de Segurança aja em nome deles”.

Art.24. 1. Capítulo V. Carta das Nações Unidas.

A aprovação da Carta das Nações Unidas pela Conferência de São Francisco ocorreu nos

últimos momentos da Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando o número de mortes já

ultrapassava os cinquenta milhões e a “solução final” nazista era aos poucos revelada para a

opinião pública mundial. Por fim, durante o mês de agosto seriam lançadas as duas bombas

nucleares sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, fechando de forma trágica uma

guerra marcada por excessos militares e uma crise humanitária sem precedentes. Diante deste

cenário, era urgente garantir mecanismos de proteção da paz.

A própria Guerra foi uma demonstração evidente do fracasso das relações internacionais. A

Sociedade das Nações (1919-1946), por exemplo, proposta nos instantes finais da Primeira

Guerra Mundial, mostrou-se incapaz de conter as novas agressões militares e territoriais, em

especial aquelas realizadas pela Itália fascista, o III Reich e o Império do Japão. Isto se deve,

em parte, porque Nações de peso não participavam da organização, outras a abandonaram ou

foram expulsas no Anos 301, assim como não havia um instrumento eficaz de decisão e

intervenção que pudesse garantir a estabilidade internacional.

Com este propósito foi criado, em 1946, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o qual,

juntamente com a Corte Internacional de Justiça (CIJ), constitui-se como orgão dentro da ONU

cujas decisões são de caráter obrigatório2.

Mas “decisões obrigatórias” não significam, necessariamente, uso de força militar. Afinal, dentro

dos princípios das Nações Unidas, o recurso da força se manifesta em última instância, quando

todas as alternativas para a solução dos conflitos foram superadas, tornando-se necessário uma

ação mais direta e armada. Este princípio foi exposto logo nos primeiros artigos da Carta, pelos

quais os Estados-Membros devem priorizar meios “pacíficos e de conformidade” para resolver

suas respectivas controvérsias, respeitando o direito internacional, o princípio da justiça e da

autodeterminação dos povos.

Segundo os princípios da ONU, o recurso às forças armadas por um Estado fica resguardado

apenas em caso de legítima defesa (e mesmo assim por um período delimitado) ou quando

autorizado pela própria Organização, por meio do Conselho de Segurança. Deste modo, o

Conselho surgiu como uma peça fundamental do sistema de segurança coletiva estabelecido

1 Por exemplo, a Alemanha abandonou em 1933, a Itália em 1937 e a URSS foi expulsa em 1939. 2É pertinente esclarecer, entretanto, que as decisões do Conselho alcançam todos os Estados-Membros da ONU, diferentemente da Corte Internacional de Justiça, cuja obrigatoriedade de cumprimento limita-se aos Estados envolvidos diretamente no litigio em debate. As decisões do Conselho de Segurança ultrapassam também o campo do direito internacional, possuindo interesse político.

6

pela ONU, com a intenção de reduzir a fragilidade manifestada anteriormente pela Liga das

Nações (ou Sociedade das Nações).

Historicamente, a eficiência do sistema de segurança coletiva variou bastante, conforme o

contexto, os protagonistas e demais personagens envolvido no litígio, os respectivos interesses

políticos em jogo, os recursos deslocados, as respostas oferecidas nas áreas de intervenção,

entre outros fatores. Um bom exemplo disto ocorreu durante a Guerra Fria.

Neste contexto, marcado pela bipolaridade entre as áreas de influência comunista e capitalista e

constantes momentos de tensão internacional, a constância dos vetos de ambos os lados

inviabilizou, em muitos casos, a eficácia do Conselho de Segurança. Para alguns críticos da

atuação das Nações Unidas durante os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, a

Organização tornou-se “refém” das grandes potências, ou mesmo da ineficácia de suas forças

de paz nas áreas de conflito. Segundo este ponto de vista, as decisões historicamente não foram

cumpridas da mesma forma por todos, variando conforme a força política de cada Estado e os

interesses em jogo.

Um caso bastante conhecido ocorreu mais de uma década após o fim da Guerra Fria, quando,

em 2003, mesmo diante do veto de delegações como a francesa, a alemã e a russa no Conselho

de Segurança, as tropas dos Estados Unidos, do Reino Unido, Espanha, Itália e outras nações

reunidas nas “Forças de Coalizão” invadiram o Iraque para derrubar Saddam Husseim, sob a

justificativa de destruir as supostas “armas de destruição em massa” e destituir um regime que

oferecia apoio ao terrorismo. Justificativas que acabaram não se confirmando.

O caso iraquiano tornou-se um bom exemplo do modo como a opção pela solução militar

pode, muitas vezes, resultar em efeitos sociais e geopolíticos não compensadores. Isto se deve

porque, após a intervenção de 2003 e a queda de Husseim, o Iraque mergulhou em um processo

de falência de seu Estado diante do avanço de um conflito sectário que favoreceu a intevenção

de organizações “jihadistas” como a Al Qaeda e, posteriormente, o Estado Islâmico. Juntamente

com o agravamento da Guerra da Síria, o ISIS se fortaleceu, anunciou a formação de um Califado

em junho de 2014 e alterou substancialmente a geopolítica em todo o Oriente Médio. Os

resultados são sentidos até mesmo no continente africano e na Europa.

Preocupados com os desdobramentos em escala regional e internacional do fundamentalismo

no Oriente Médio, a IX edição da SIMUNA decidou convocar seus delegados para esta sessão

do Conselho, cujo foco será a elaboração de estratégias para erradicar o ISIS.

7

1.1 Atribuições do Conselho de Segurança

Foto: Justin Lane/EFE.

O Conselho de Segurança é o orgão mais poderoso dentro do sistema das Nações Unidas, com

um alcance que se estende das recomendações ao Secretário-Geral, passando pela apreciação

de questões procedimentais, a aprovação de sansões econômicas e até mesmo o envio de

forças militares. Desta forma, seu funcionamento é permamente, fazendo-se necessário que

cada delegação integrante mantenha pelo menos um representante na sede da organização.

As reuniões do Conselho são dirigidas por um presidente com cargo rotativo, definido a cada

mês conforme a ordem alfabética3 dos Estados que compõem o CSNU. Por exemplo, durante o

mês de maio de 2016, no momento das sessões deste comitê, a presidência será exercida pelo

Egito.

Quais são as atribuições do Conselho de Segurança?

Os professores e pesquisadores em direito internacional Jorge Mascarenhas Lasmar e

Guilmerme Casarões4 sintetizaram, com base na própria Carta das Nações Unidas, as seguintes

competências:

supervisão do regime de tutela (arts.82 e 83 da Carta);

regulamentação de armamentos (art.26 da Carta);

apreciar as questões que envolvam ameaça à paz e segurança internacionais;

intervenção em situações de crise política e militar;

votar a admissão de novos membros (art.4 da Carta);

votar a suspensão de membros (art.5 da Carta);

3Sequência definida conforme o nome em inglês. Para mais informações: http://www.un.org/en/sc/presidency/ 4Organização das Nações Unidas. BH: Del Rey, 2006, Capítulo V (Conselho de Segurança), p.69-70.

8

votar a exclusão de membros (art.6 da Carta);

votar na nomeação do Secretário-Geral (art.97 da Carta);

eleger juízes para a Corte Internacional de Justiça (art.4 do Estatuto da CIJ);

manter a paz e segurança internacionais;

investigar situações que possam vir a criar conflitos internacionais;

buscar solucionar controvérsias internacionais;

formular um sistema de controle de armamentos;

determinar a existência de uma ameaça à paz e adotar as medidas adequadas;

decretar sanções econômicas e outras medidas que não envolvam o uso da força armada

para parar uma agressão;

adotar medidas militares contra um agressor;

De uma forma geral, conforme os princípios da Carta das Nações Unidas mencionados

anteriormente, as delegações presentes no Conselho de Segurança procuram adotar medidas

progressivas de força, ampliadas conforme a gravidade da situação. Tais medidas variam da

mediação e negociação, convidando as “partes envolvidas no litígio a aceitarem medidas

provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis”5, passando pelo embargo

econômico, dos meios de comunicação, das vias aéreas, rompimento diplomático até o envio

das missões de paz:

“O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças

armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os

Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção

completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários,

marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o

rompimento das relações diplomáticas.”

Art.41. Capítulo VII. Carta das Nações Unidas.

1.2 As delegações e o sistema de votação

Desde 1965, o Conselho de Segurança das Nações Unidas passou a contar com 15

membros6, sendo cinco permanentes, os quais possuem um peso maior no processo de

decisão.

Esta situação desigual, que sobrevive há setenta anos, teve sua origem no papel

desempenhado pelos cinco países permanentes na fundação das Nações Unidas, bem como na

conjuntura dentro da qual foi estabelecido o Conselho de Segurança: os anos posteriores à

Segunda Guerra Mundial. Uma vez terminada e a guerra e criada a ONU, as principais nações

que derrotaram as forças nazifascistas, mais a China, determinaram que o CSNU fosse formado

reconhecendo um grupo de países fixos e, consequentemente, mais influentes e poderosos do

que os demais. Um bom exemplo para se entender isto é o sistema de votação.

5 Conforme estabelecido no próprio texto do artigo 40 da Carta das Nações Unidas.

6Inicialmente eram 11 Estados-Membros. Sobre a reforma, veja: http://csnu.itamaraty.gov.br/a-reforma-1963-65

9

Cada país integrante do Conselho possui direito a um voto, mas tanto nas decisões

procedimentais como nas mais relevantes, são necessários 09 votos favoráveis para a conclusão

dos debates. A diferença, contudo, ocorre nas questões mais importantes, chamadas de “não

processuais”, nas quais pesa a regra da unanimidade das grandes potências, comumente

conhecida como o poder de veto. Neste caso, basta que uma entre as cinco potências manifeste

sua contrariedade com relação à decisão em debate para que os procedimentos sejam

encerrados.

Mas é preciso lembrar que o voto contrário não é o mesmo que a abstenção do voto. No caso

da última opção, somando-se pelo menos 09 votos entre as demais delegações (sem qualquer

veto dos grandes) é possível garantir a aprovação do pedido no Conselho de Segurança.

As delegações presentes na IX SIMUNA

Além das 15 delegações que atualmente compõem a mesa do Conselho, a SIMUNA deste ano

reconhece a participação de delegações convidadas, devido a relevância das mesmas nos

debates e a proximidade com a temática envolvendo a erradicação do Estado Islâmico.

Sendo assim, o Conselho de Segurança da IX SIMUNA será organizada da seguinte forma:

PERMANENTES (voto e veto):

China,

Estados Unidos da América.

Federação Russa

França

Reino Unido.

10 CADEIRAS ROTATIVAS (voto):

Angola (2016)

Egito (2017)

Espanha (2016)

Japão (2017)

Malásia (2016)

Nova Zelândia (2016)

Senegal (2017)

Ucrânia (2017)

Uruguai (2017)

Venezuela (República Bolivariana) (2016).

DELEGAÇÕES CONVIDADAS (sem poder de voto):

Alemanha, Arábia Saudita, Brasil, Irã, Iraque, Síria, Turquia.

10

2. SITUAÇÃO PROBLEMA

Fonte: The Washington Post 7

2.1 ALGUNS APONTAMENTOS INICIAIS

“A palavra “fundamentalismo” incorporou-se à linguagem cotidiana a partir da prática espetaculosa de

minorias religiosas fanáticas. O termo é intrinsecamente incorreto. Porque não há nada que se afaste

mais dos fundamentos radicalmente libertários das grandes tradições espirituais do que a visão

dogmática e o comportamento sectário desses grupos infelizes. A partir de uma leitura superficial que

priva os textos fundadores de sua multidimensionalidade polifônica (capaz de suscitar numerosos

níveis de interpretação), esses agrupamentos formulam seu credo monocórdio e passam a agir com

a inabalável certeza de serem guiados por Deus”.

José Tadeu Arantes. Fonte. 8

As últimas décadas conheceram em escala global um recrudescimento dos movimentos

nacionalistas, separatistas, neofascistas, xenófobos, do extremismo político, religioso e dos

fundamentalismos. Neste último caso, tornou-se lugar comum o uso da palavra pela imprensa e

as redes sociais, o que acabou proporcionando inúmeras distorções. Um bom exemplo é a

conclusão comum de que a rica civilização árabe-muçulmana mergulhou como um todo na

intolerância e no terrorismo, resumindo-se a grupos radicais que procuram resgatar os

fundamentos do Corão e estabelecer um regime político e social tal qual ocorria durante o

Califado islâmico dos séculos VII ao XI d.C. Esquece-se, porém, que tais grupos, denominados

“fundamentalistas”, não correspondem a maioria da população muçulmana ou muito menos

resgatam verdadeiramente os fundamentos sobre os quais julgam basear suas ações

extremistas. Quando estudamos os fundamentos das religiões existentes hoje, percebemos que

7 Disponível também em https://www.washingtonpost.com/world/on-the-front-lines-of-the-war-against-the-islamic-state-

a-tangled-web/2015/12/30/d944925a-9244-11e5-befa-99ceebcbb272_story.html 8 O novo fundamentalismo. Le Monde Diplomatique Brasil. http://www.diplomatique.org.br/editorial.php?edicao=4

11

elas se edificaram mais sobre a tolerância do que sobre o ódio, pelos menos em seus princípios

originais. Entretanto, os textos considerados sagrados foram historicamente submetidos a

diversas interpretações.

Outro aspecto importante é a ideia também comum de que o fundamentalismo deva se associar

necessariamente ao mundo islâmico, ou mesmo as ações de violência comuns em grupos como

a Al Qaeda e o Estado Islâmico (também conhecido por outros nomes9), que perpetram ações de terror

em todos os continentes.

O uso deste termo (fundamentalismo) é estabelecido e deve ser aceito, mas continua a ser infeliz e pode

ser enganoso. "Fundamentalista" é um termo cristão. Parece ter entrado em uso nos primeiros anos do

século XX, e denota certas igrejas protestantes e organizações, mais particularmente aquelas que mantêm

a origem divina e literal da Bíblia. A estas se opõem os teólogos liberais e modernistas, que tendem a uma

visão mais crítica das Escrituras. Entre os teólogos muçulmanos não existe ainda nenhuma abordagem

como liberal ou modernista do Alcorão, e todos os muçulmanos, em sua atitude para com o texto do Alcorão,

são em princípio, os fundamentalistas. Quando os fundamentalistas chamados muçulmanos diferem de

outros muçulmanos (...) eles se baseiam não só no Alcorão, mas também sobre as tradições do Profeta, e

no corpus da aprendizagem transmitida teológica e jurídica.

Fonte: Bernard Lewis. A Linguagem Política do Islã.

Em síntese, os movimentos fundamentalistas originais procuraram preservar a identidade

religiosa tradicional do avanço das transformações seculares, bem como das intervenções

estrangeiras nos aspectos culturais e religiosos defendidos pelo grupo. É o caso, por exemplo,

da profanação dos locais sagrados muçulmanos pelas constantes intervenções armadas das

potências ocidentais no Oriente Médio. Ou mesmo os avanços científicos e comportamentais

dentro do cristianismo e outros campos religiosos, levando determinados grupos conservadores

a questionarem estas transformações.

Visto desta perspectiva, os movimentos fundamentalistas não significam necessariamente

agressões físicas e atentados violentos, ou mesmo se resumem a esta ou aquela sociedade.

Feitas as ressalvas acima acerca do fundamentalismo, podemos nos dedicar aquelas situações

em que os fundamentalismos religiosos, somados a determinados interesses (políticos,

territoriais e econômicos), acabaram resultando em manifestações de violência e segregação. É

o caso, por exemplo, das ações extremistas relacionadas ao sionismo judeu na Palestina, ou o

“fundamentalismo” protestante que foi uma das bases ideológicas do apartheid sul-africano, ou

mesmo de ações xenófobas e racistas de alguns grupos na Europa e na América, situações que

também ocorreram no hinduísmo e, por que não, no Islã.

9 ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria); ISIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante); DAESH (a sigla em árabe), cuja grafia mais coerente no português seria DAEXE. Existem muitas formas de se referir ao movimento. * Veja a indicação de um texto nas referências.

12

2.2 FUNDAMENTALISMO OU RADICALISMO ISLÂMICO?

Para muitos pesquisadores, o uso do termo fundamentalismo para se referir ao Islamismo é

inapropriado, ainda mais quando pensamos naqueles movimentos armados extremistas

rotulados de ”fundamentalistas” pela abordagem midiática ocidental. Segundo este ponto de

vista, o uso de termo fundamentalismo vem acompanhado por uma carga ideológica que procura

desqualificar o Islã, relacionando-o ao fanatismo, a intolerância e as manifestações consideradas

como “terroristas”. Deve-se considerar mais uma vez que este termo surgiu no início do século

XX, como uma corrente cristã, não remetendo necessariamente a violência e práticas de terror.

Por outro lado, se assumirmos o conceito em uma perspectiva mais ampla, e talvez mais

recomendável para compararmos e compreendermos as ações de determinados grupos – em

diversas crenças e ideologias – no mundo atual, torna-se possível aplicar o fundamentalismo

também para o caso do Islã.

Considere a análise a seguir da escritora britânica Karen Armstrong:

“Uma tradução literal de “fundamentalismo” em árabe nos dá usuliyyah, palavra que se refere

ao estudo das fontes de várias normas e princípios da lei islâmica. A Maioria dos ativistas

rotulados de “fundamentalistas” no Ocidente não se ocupam dessa ciência islâmica, mas têm

interesses muitos diferentes. O uso do termo “fundamentalismo” é, pois, um equívoco neste caso

Outros simplesmente garantem que, gostemos ou não, a palavra “fundamentalismo” veio para

ficar. E tenho de concordar com eles: o termo não é perfeito, mas serve para rotular movimentos

que, apesar de suas diferenças, guardam forte semelhança. No início de seu monumental Projeto

Fundamentalista, em seis volumes, Martin E. Marty e R. Scott Appleby afirmam que todos os

“fundamentalistas” obedecem ao mesmo padrão. São formas de espiritualidade que surgiram

como reação a alguma crise. Enfrentam inimigos cujas políticas e crenças secularistas parecem

contrárias a religião. Os fundamentalistas não veem essa luta como uma batalha política

convencional, e sim como uma guerra entre as forças do bem e do mal. Temem a aniquilação e

procuram fortificar sua identidade situada através do regate de certas doutrinas e práticas do

passado. (...) ”.

Karen Armstrong10.

10 Karen Armstrong. Em nome de Deus: os fundamentalismos no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Cia das

Letras.

13

Neste sentido mais amplo da palavra, muitas organizações armadas

extremistas que atuam dentro dos países com maioria muçulmana, tais

como, o Boko Haram (Nigéria), o Al Shabaab (Somália), os Talibãs

(Paquistão/Afeganistão), a Al Qaeda

e o ISIS (Iraque/Síria), possuem um

perfil político-religioso

fundamentalista, o qual não

representa a maioria dos muçulmanos. Neste caso,

considera-se também o contexto dentro do qual estes

movimentos surgem e consequentemente assumem uma

força extraordinária.

Quais as suas características comuns?

De uma forma geral, eles propõem uma interpretação literal

do Corão e outros textos sagrados, a adoção por completo

da sharia (ou charia, as leis islâmicas) em todos os domínios

da sociedade, uma vez que não reconhecem a validade de

outros sistemas jurídicos escritos pelos homens; defendem

a construção de um Estado Islâmico, ou mesmo de um Califado que reúna todos os

muçulmanos conforme regras específicas que acabam excluindo outras correntes dentro do

próprio Islã, além de interpretações mais moderadas dos textos sagrados. Por fim, tais

movimentos assumem posições contrárias à modernização dos costumes dentro do mundo

islâmico, bem como a sua laicização, reagindo também a presença das potências estrangeiras

e seus parâmetros culturais dentro do território considerado sagrado.

Talvez fosse mais correto se referir a estes casos como movimentos extremistas dentro do

Islã, com forte conotação política, apesar da inegável base religiosa. Trata-se, portanto, de um

conjunto de movimentos islâmicos radicais, fundamentados em interpretações também

radicais dos textos religiosos para alcançar determinados fins políticos.

Lembre-se também que tais movimentos não são homogêneos.

Em síntese, o movimento radical islâmico remonta a década de 1920, com a criação no Egito da

organização Irmandade Muçulmana11, fundada por Hassan al Banna em março de 1928, cujas

posições se espalharam pela região na segunda metade do século XX e que, mesmo sob forte

repressão dos governos nacionalistas árabes, acabaram influenciando inúmeras outras

11 Segundo Luís Milman, doutor em filosofia da UFRGS, a doutrina da Irmandade Muçulmana em seu surgimento nos

Anos 20 resumia-se aos seguintes aspectos: rejeição ao colonialismo e aos valores ocidentais, retorno à pureza do Islã, sacrifício extremo pela causa, assistencialismo islâmico, tomada do poder político por meios revolucionários, refundação do califado unificado no mundo muçulmano, sob a autoridade exclusiva do Corão e abolição de todas as instituições implantadas no mundo islâmico pelo Ocidente, com a consequente extinção dos estados árabes tais como existem, além da eliminação de Israel. Fonte: Revista Espaço Acadêmico. http://www.espacoacademico.com.br/035/35cmilman.htm

Foto: Soldado do movimento Talibã

no posto de fronteira de Torkham, no

Afeganistão. 2001. Fonte: Wikipédia.

Emblema da

Irmandade Muçulmana

14

organizações nas décadas seguintes. Ideologicamente, a Irmandade Muçulmana foi influenciada

pela seita wahabita-sunita originária na Arábia Saudita, a mesma que influencia atualmente

grupos como o Estado Islâmico.

Tais movimentos ganharam ainda mais força a partir de 1979, no contexto da vitória da

Revolução Islâmica no Irã, que destituiu o xá Reza Pahlevi, cujo governo autoritário e

ocidentalizado despertou a reação tanto de uma oposição política laica e democrática, como

também das lideranças religiosas xiitas que acabaram tomando o poder. De certo modo, a

ascensão do aiatolá R. Khomeini ao poder da recém-criada República Islâmica do Irã

impulsionou o movimento político-fundamentalista.

Outro acontecimento fundamental foi a invasão do Afeganistão pela União Soviética, fato que

desencadeou uma guerra que se estenderia até 1988 e certamente ofereceu terreno fértil as

correntes raciais islâmicas, “jihadistas”, personificadas na resistência armada dos mujahidins.

Muitos destes “guerrilheiros islâmicos”, entre eles Osama Bin Laden, fundaram depois

movimentos como a Al Qaeda e fundamentaram a criação de outros.

A década de 1980 também foi marcada pelo surgimento dos movimentos islâmicos radicais

palestinos, como o Hezbollah, xiita e estabelecido a partir de 1982 no sul do Líbano12, e o

Hamas, Movimento de Resistência Islâmica, criado por volta de 1987, no início da primeira

Intifada. Tais movimentos ampliaram consideravelmente as atendados contra Israel, dificultando

o processo de paz.

De certo modo, a persistência das intervenções estrangeiras no Oriente Médio e na África,

somadas a governos autoritários e incapazes de representar as populações muçulmanas

carentes de todos os serviços, ofereceram terreno fértil para a expansão do extremismo no

decorrer dos Anos 1990 e 2000.

O fim da Guerra Fria, com a desintegração da União Soviética em 1991 e o consequente

nascimento de uma Nova Ordem Mundial, foram acompanhados pelo crescimento de um novo

tipo de guerra e resistência, conduzidas de forma independente de Estados Nacionais e

12 O estudo do surgimento do Hezbollah, Partido de Alá, ajuda a compreender as razões que fundamental muitos outros

grupos extremistas. No caso do grupo libanês, as explicações se relacionam com a invasão do Líbano por Israel em 1982, durante a Guerra Civil Libanesa, visando destruir a base da OLP na região, usando para tal de força desmedida contra a população refugiada palestina. Neste contexto, somando-se a fragilidade socioeconômica das populações palestinas, jovens radicais criaram o Hezbollah.

Manifestações durante a Revolução Iraniana, de

1979. Em destaque, a foto de Khomeini. Fonte: AFP.

Mujahidins no Afeganistão, em 1979. Foto: Alain

Mingan. Fonte: Getty Images.

Manifestação do

Hamas.

15

fronteiras políticas, ameaçando com constantes atentados as populações locais em áreas de

conflito e também as potências ocidentais, dentro de suas próprias fronteiras nacionais. Os

atentados ao World Trade Center (11/09/2001) foram apenas um grande exemplo do poder

destes grupos, ao mesmo tempo em que indicam a fragilidade dos Estados e organizações

internacionais em detê-los. O mesmo ocorreu com os atentados perpetrados pela Al Qaeda na

Espanha, em março de 2004, e no ano seguinte, no sistema de transporte público de Londres.

Além do fatídico 11 de Setembro e dos demais casos citados, ocorreram também uma

infinidade de outras ações “terroristas” pelo mundo nos últimos 25 anos, muitas das quais

passaram despercebidas pelas principais redes de comunicação. Um bom exemplo ocorreu

recentemente, com a série de atentados em Paris no ano passado (2015) e no caso mais recente

de Bruxelas, na Bélgica, no dia 22 de março. Apesar da ampla abordagem destes eventos nos

meios de comunicação, outros ataques ocorreram e ocorrem corriqueiramente em cidades do

Oriente Médio, da África e na Ásia. É o caso, por exemplo, da série de atentados suicidas e

explosões na cidade turca de Istambul, ou mesmo em Ancara, nos últimos anos.

Os ataques nas áreas periféricas não recebem a mesma atenção daqueles que ocorrem na

Europa, especialmente quando acontecem paralelamente ou em datas próximas aos eventos

dominantes. Mas isto não significa dizer que tais ataques sejam incomuns.

2.3. OS CAMINHOS DA RADICALIZAÇÃO

“Mais de 25.000 combatentes estrangeiros de 100 distintas nacionalidades se somaram às fileiras

da Al Qaeda e do Estado Islâmico (EI), segundo um relatório apresentado ao Conselho de

Segurança da ONU e divulgado pela agência de notícias Reuters. Síria e Iraque recebem a grande

maioria, enquanto que uns 6.500 lutam no Afeganistão.

“Os milhares de combatentes estrangeiros que viajaram para a República Árabe Síria e para o

Iraque, vivem e trabalham em uma verdadeira escola internacional”, afirma o relatório. “A entrada

em cena do EI significou uma mudança radical na Jihad global em nível operacional, educativo,

social e bélico”, afirma Mario Abou Zeid, pesquisador do centro de estudos Carnegie em Beirute,

que calcula em cerca de 70.000 os combatentes jihadistas nas fileiras do EI. O número de

combatentes estrangeiros aumentou ao redor de 71% desde meados de 2014, segundo a ONU.

Uma vertiginosa globalização da jihad em menos de 10 meses desde que Abu Baker al Bagdadi se

autoproclamou califa de um Estado que se estende entre Síria e Iraque”.

Fonte: El País. Abril de 201513

.

Um dos fenômenos que mais despertaram a atenção da comunidade internacional durante a

rápida expansão do Estado Islâmico, no curto intervalo de 2014 para 2015, diz respeito a

quantidade de jovens em diversas partes do mundo que decidiram aderir ao movimento. Neste

caso, não se trata apenas de um desdobramento inevitável do anúncio da criação do Califado

feito pelo grupo extremista em junho de 2014. Evidentemente isto foi importante, mas outros

fatores precisam ser considerados para completarmos este cenário.

13 Jornal El País, baseando-se em fontes da Reuters e do CSNU.

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/02/internacional/1427982406_915115.html Os dados estimados dos militantes totais do ISIS, fornecido pela reportagem, deve ser relativizados. Além do mais, vale lembrar que o Estado Islâmico vem perdendo espaço e militantes nos últimos meses.

16

Infográfico com base nos estudos do ISCR14. Association Press. Ano base: 2014.

Entre os fatores que explicam esta expansão, destaca-se o impacto dos meios de

comunicação, especialmente as redes sociais. Uma eficácia midiática estrategicamente

utilizada pelos combatentes do Estado Islâmico (ISIS ou Daesh, em árabe) como forma de

intimidar seus adversários, por meio de ações violentas, ao mesmo tempo em que se exporta

uma “promessa” de um Islã puro e original. Esta “promessa”, capaz de influenciar uma minoria

de jovens muçulmanos dispostos ao radicalismo, oferece uma alternativa as manifestações mais

moderadas dentro do sunismo, ou mesmo para outras correntes (xiitas, alauítas, drusos),

consideradas deturpadas pelos combatentes do ISIS.

14 International Centre for the Study of Radicalisation and Political Violence http://icsr.info/2015/01/foreign-fighter-

total-syriairaq-now-exceeds-20000-surpasses-afghanistan-conflict-1980s/ Ano base: 2014.

17

Segundo o periódico espanhol El País:

“As novas tecnologias, especialmente as redes sociais, desempenham um papel central no recruta-

mento de estrangeiros antes desconectados da realidade do terreno sírio ou iraquiano”, explica

Hassan Hassan, analista político e coautor do livro ISIS, Inside the Army of terror (EI, dentro do Exérci-

to do Terror). “O EI atrai milhares de estrangeiros com uma mensagem purista do Islamismo e também

uma brutalidade que não tinha sido vista antes. Quando chegam na Síria e no Iraque, os estrangeiros

convivem em campos de treinamento entre duas semanas e seis meses”, afirma. E aqueles jihadistas

que conseguiram abandonar o EI afirmam que fugir é tão difícil quanto é fácil se unir.

Fonte: El País. Abril de 201515

Mas além dos fatores elencados acima, existem outros. Neste caso, caberia uma pergunta: até

que ponto fatores de ordem externa explicam a adesão de jovens russos, europeus e até mesmo

americanos como combatentes do Estado Islâmico?

Para respondermos a questão, precisamos levar em conta uma discussão mais complexa, que

nos leva a pensar nos limites do desenvolvimento e das democracias na Europa, bem como

nas contradições da globalização.

Trata-se da situação das populações muçulmanas dentro dos Estados Ocidentais,

especialmente na Europa ou mesmo no Cáucaso russo. Estas populações vivenciam

diariamente a marginalização econômica, com índices elevados de desemprego, residem em

moradias precárias, com dificuldades de acesso aos serviços básicos e as oportunidades, sendo

submedidas a uma crescente discriminação dentro dos Estados onde vivem e, por fim,

presenciam o engajamento de seus filhos em atos criminosos que os levarão certamente a morte

ou prisões frequentes. No caso do Cáucaso, soma-se o elemento nacionalista, como ocorre na

Chechênia, onde os muçulmanos reivindicam a independência política da Federação Russa.

Os irmãos Khalid e Ibrahim El Bakraoui, que participaram dos atentados suicidas no metrô de

Maelbeek e no aeroporto de Zaventem em Bruxelas tiveram passagens pela polícia após

realizarem roubos e outros delitos. Certamente tiveram ligação com os atentados em Paris, no

dia 13 de novembro de 2015, nos quais morreram mais de 130 pessoas, incluindo os “terroristas”.

Um dos sobreviventes dos atentados em Paris, Salah Abdeslam, cujo irmão cometeu suicídio

durante os ataques, foi preso no dia 19 de março no bairro de Molenbeek, em Bruxelas. Para

muitos a prisão de Abdeslam acabou precipitando os novos ataques que ocorreram na Bélgica.

Esta conexão entre os atentados não ocorreu por coincidência. Trata-se de jovens residentes

de áreas marginalizadas dentro de Estados europeus que possuem uma imensa dificuldade em

administrar as diferenças e oferecer oportunidades, especialmente para as comunidades de

imigrantes árabes do Magrebe ou mesmo da África subsaariana, cujas famílias vieram há

décadas para a França, Bélgica e outros países europeus em busca de oportunidades.

O bairro belga de Molenbeek é um bom exemplo. Com grande presença de imigrantes

marroquinos, e de outras regiões africanas, o bairro próximo ao centro de Bruxelas reúne uma

15

Jornal El País.http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/02/internacional/1427982406_915115.html

18

população excluída e com imensas dificuldades de ascensão social, cuja boa parte dos jovens

está desempregada e submetida a pequenos delitos e consumos de drogas. Não é de se

estranhar que um espaço como este se torne alvo fácil da radicalização.

Veja uma parte da reportagem abaixo sobre as condições de vida e a radicalização no bairro:

Esse bairro de Bruxelas não é um gueto ao estilo das banlieuesparisienses. Para começar,

porque se pode andar com segurança e conversar com moradores sem medo, porque aqui

quase tudo acontece a portas fechadas. Também porque está conectado ao centro de

Bruxelas, separado apenas por um canal navegável da rua Antoine Dansaert, a mais chique

da cidade, onde os arquitetos locais exibem suas melhores criações. Da praça de

Molenbeek à Grand Place, o epicentro do chocolate e da cerveja em Bruxelas, são cerca de

15 ou 20 minutos a pé. A distância mental que separa os habitantes de Molenbeek, em sua

maioria de origem marroquina, do restante dos cidadãos da cidade é, no entanto, abismal.

Entre os sentimentos dos jovens muçulmanos do bairro – também os vencedores que

trabalham — dominam a discriminação e o racismo por parte dos que eles chamam de

"brancos" ou "belgo-belgas", ou seja, os que não têm origem na região do Magrebe africano.

Aqui vivem cerca de 100.000 pessoas entre a parte alta e rica do bairro e o velho Molenbeek,

mais pobre e com a maior concentração de imigrantes. Eles têm até 100 nacionalidades e

há cerca de 4.000 imigrantes sem documentos, mas especialmente os muçulmanos com

origem no Magrebe fazem esse bairro densamente povoado e apelidado de "pequena

Manchester”. Os primeiros camponeses turcos e marroquinos chegaram nos anos 1960 e

1970, após seus Governos assinarem acordos bilaterais com a Bélgica para trabalharem na

indústria instalada ao longo do canal. Ao chegarem ao velho Molenbeek, preencheram o

vazio deixado pelos trabalhadores que tinham entrado no elevador social e se mudado para

a parte alta do bairro, depois da linha do trem.

Hoje a paisagem humana da parte antiga do bairro é predominantemente do norte da África.

Nos cafés, homens conversam e jogam parcheesi, e nas confeitarias os doces são feitos

com mel e pistache. Dentro do comércio, latas acumulam doações para a Síria. Em um

canto, grupos de homens fumam na porta de um café, e em outra esquina se entregam a

negociações ilegais. Uma mulher atravessa usando um xador até o pé e luvas pretas que

impedem qualquer um de ver até mesmo um centímetro de sua pele, mas também passa

outra menina de minissaia. Na praça da Prefeitura, na porta de uma loja de tecidos, sobre

uma manequim de uns três anos pende uma jalabiya até os pés e um véu escuro cobre a

cabeça de plástico. Em frente, em um dos típicos maison de maître belgas, com uma bela

e estreita fachada, um nome escrito no interfone se destaca de todos os outros: Abdeslam.

É a casa da família de dois dos terroristas de Paris, a poucos metros da sede municipal.

Fonte: Ana Carbajosa. A vida em Molenbeek, o coração do jihadismo na Europa16.

16 Reportagem do El País. A vida em Molenbeek, o coração do jihadismo na Europa. Por Ana Carbajosa. Disponível

em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/internacional/1451471467_101355.html Consulta: 25/03/16.

19

Bairro de Molenbeek, Bruxelas. Multicultural e marginalizado, como muitas outras áreas da Europa. Foto: Nuno Tiago Pinto

Situação semelhante ocorreu nos atentados ao Charlie Hebdo e o mercado judaico em Paris,

entre os dias 07 e 09 de janeiro de 2015, com um saldo de 17 mortos, além daqueles que fizeram

os ataques e também morreram.

Neste caso, tanto os irmãos Chérif e Said Kouachi como o descendente de malineses Amédy

Coulibaly nasceram na França, em comunidades carentes17. Tiveram também problemas com as

autoridades anteriormente, com indícios de envolvimento com grupos radicais. Este envolvimento foi

confirmado quando a Al-Qaeda Al Jihad na Península Arábica (com base no Iêmen, onde os irmãos

Kouachi receberam treinamento) confirmou a responsabilidade pelos ataques ao jornal francês. Já

Coulibaly assumiu sua ligação com o grupo Estado Islâmico.

Sendo assim, o combate aos movimentos islâmicos radicais não passa apenas pelos bombardeios

nas áreas controladas por eles, ou mesmo a oferta de apoio logístico e estratégico aos governos do

Iraque e da Síria, até porque parte considerável dos problemas destes países foram causados pelas

constantes intervenções internacionais.

A questão é muito mais ampla e complexa. Envolve necessariamente a ampliação de políticas

públicas que reduzam o abismo cultural e econômico que separa as comunidades imigrantes das

demais, oferecendo oportunidades. Passa também pela construção de uma solução conjunta da

comunidade internacional e dos países do Oriente Médio sobre a Guerra da Síria e a delicada situação

iraquiana. Isto para não citar outros tantos países assolados por conflitos armados, como o

Afeganistão, o Iêmen, a Nigéria, a Somália, além da questão israelense-palestina, cuja repercussão

estende a todos os países árabes da região.

Outro debate importante diz respeito aos refugiados, que no caso sírio já ultrapassaram os 4,8

milhões. A maioria destes refugiados se estabelecem em condições precárias nos países da região,

mas outros, somando-se a pessoas deslocadas de inúmeras outras partes, buscam a sorte no

17 Vale a pena ler o artigo Os caminhos da radicalização, escrito por Laurent Bonelli. Disponível na edição do Le Monde Diplomatique Brasil de fevereiro de 2015. * Veja as referências no final.

20

continente europeu. Neste caso, a solução deve ser elaborada conjuntamente, correndo-se o risco de

produzir ainda mais comunidades segregadas e mais atos de radicalismo.

Todas estas questões são complexas e resultam em divergências políticas e econômicas

consideráveis entre os países presentes no sistema das Nações Unidas. No Conselho de Segurança

a situação tende a ser ainda mais complexa.

2.4 O ESTADO ISLÃMICO

Foto 01: Hindustan Times/Contributor/Getty Images. 18

Foto 02: Manifestação do ISIS após ganhos

significativos no Iraque. Fonte: Reuters.

A erradicação do Estado Islâmico passa necessariamente pela compreensão das condições

históricas recentes que possibilitaram a formação e o surpreendente fortalecimento deste grupo

“jihadista” * Veja o quadro a seguir. Em outras palavras, precisamos considerar os desdobramentos

políticos e sociais da invasão do Iraque, em 2003, por uma Coalisão Internacional liderada pelos

Estados Unidos e a Guerra da Síria, cujas origens encontram-se nas manifestações da

Primavera Árabe, em 2011.

Estes acontecimentos são relevantes porque foram exatamente eles os responsáveis pelo

fortalecimento do Islã radical nos territórios controlados pelo Partido Árabe Ba'ath: o Iraque, de

Saddam Hussein (1979-2003) e a Síria de

Bashar al-Assad (2000-2016). Tais

governos, apesar do perfil centralizador e

autoritário, fundamentaram-se no

nacionalismo, no pan-arabismo e até mesmo

em uma interpretação moderada de um

socialismo árabe, os quais, sendo laicos,

barraram a ascensão dos movimentos

extremistas islâmicos. Deste modo, a

progressiva desestruturação política,

econômica e territorial destes dois países

ofereceu um terreno fértil para os

particularismos regionais, para a luta

18 Também disponível em http://www.wnyc.org/story/2016-global-hotspots/ Consulta: 26 de março de 2016.

Jihad

Originalmente, segundo a tradição jurídica

do Islã posterior aos ensinamentos do

profeta, jihad significa um esforço e uma

“luta” interior pela fé, compreendendo e

aplicando os princípios do Corão no

cotidiano e até mesmo difundindo estes

princípios para outros povos, sem

necessariamente fazê-lo por meio da

guerra. Sendo assim, o uso que se tornou

corrente após o 11 de Setembro do termo

jihad como uma “guerra santa” precisa ser

relativizado. O mesmo ocorre com as

interpretações deste conceito por meio do

movimento islâmico radical, o qual também

distorce a ideia original.

21

emancipatória dos curdos no Iraque e na Síria e, principalmente, para organizações como a Al

Qaeda e o fenômeno mais recente do ISIS.

2.4.1 De Zarqawi a Baghdadi

A história recente do Oriente Médio vem mostrando que as intervenções estrangeiras e um

cenário de constantes conflitos armados distanciaram ainda mais os frágeis Estados da região

da estabilidade política e territorial. Vale ressaltar que muitos destes Estados não possuem

sequer uma identidade nacional consolidada, e foram construções artificiais e arbitrárias do

colonialismo britânico e francês, após a Primeira Guerra Mundial.

Veja, por exemplo, o caso do Iraque, cujo Estado inexistia antes da Grande Guerra, quando

ainda era conhecido como Mesopotâmia e pertencia ao último dos grandes califados islâmicos,

o Império Turco-Otomano. Depois de sua fragmentação, e interessados no controle do petróleo

do Oriente, os ingleses favoreceram a construção do Iraque, exercendo também uma influência

sobre os territórios atuais da Jordânia (Transjordânia), Kuwait, a Palestina e outros, assim como

a França recebeu da Liga das Nações o mandato político sobre o Líbano e a Síria, pelo menos

até os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.

Sendo assim, o século XX no Oriente Médio foi caracterizado por uma difícil trajetória, ainda

inacabada, de construção da nacionalidade em meio a uma considerável divergência religiosa

(sunitas, wahabitas, xiitas, alauítas, drusos, cristãos, curdos sunitas e yazidis, entre outras

minorias), de projeto político e interesses econômicos. A estabilidade no Iraque, por exemplo,

só aconteceu – e de forma precária - quando governos centralizadores e autoritários oprimiram

minorias e impuseram seus respectivos projetos, como ocorreu durante a ditadura de Saddam

Hussein, respaldado pela minoria sunita e o suporte ideológico do movimento baathista.

Em março de 2003, sem o consentimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os

Estados Unidos, a Inglaterra e outras nações organizadas nas Forças de Coalizão invadiram o

território iraquiano. Em poucos meses o governo de Saddam Hussein foi destituído, o Partido

Baath foi posto na ilegalidade e os sunitas reprimidos. O governo que se formou nos anos

posteriores, de maioria xiita e sob liderança de Nouri al-Maliki (2006-2014) acabou inviabilizando

a formação de uma democracia ampla, que incluísse os curdos e os demais grupos do país,

como os próprios sunitas. O resultado foi a explosão de um processo de resistência contra a

ocupação estrangeira ao mesmo tempo em que ganhava corpo um conflito sectário, com o

envolvimento de líderes tribais e diversas organizações e atores regionais.

22

Neste contexto, marcado pela

fragmentação do país, em que a

próprias as instituições iraquianas

entraram em um processo de

falência, os grupos radicais

ganharam força. Várias

organizações passaram a atuar no

Iraque, destacando-se o

movimento Jama’at al-Tawhid

wal-Jihaduma, que existia desde

1999 na Jordânia e era liderado por

Abu Musab al-Zarqawi.

“Al-Zarqawi decidiu transferir as atividades de seu grupo da Jordânia para o Iraque após a invasão norte-

americana (e aliados) em 2003. Ele recebeu o apoio de Bin Laden. Sua veemência anti-norteamericana só

se iguala à diversidade de suas táticas e sua explosão de violência: as tradicionais técnicas terroristas da

Guerra Fria (assassinatos com alvo certo, atentados e carros-bomba), nas quais o grupo era excelente, Al-

Zarquawi adicionou métodos espetaculares (dispositivos explosivos improvisados, atentados suicidas e

decapitações). Num terrorismo circunscrito, sua organização ampliava alvos: tropas norteamericanas e

seus aliados, a embaixada jordaniana, instituições do governo iraquiano, poços de petróleo, a polícia,

mesquitas xiitas, lideranças políticas, postos de fronteira, reféns civis estrangeiros, multidões em mercados,

e até a embaixada das Nações Unidas.

Em 2004, a fidelidade oficial a Bin Laden transformou o grupo em Al-Qaeda do Iraque (AQI), ou mais

exatamente Al Qaeda para o Jihad no País entre os Dois Rios (o Tigre e o Eufrates), referência a

Mesopotâmia: porque, como já demonstrava sua estratégia, Al-Zarqawi não se limitava as fronteiras

oriundas da colonização”.

Fonte: Julien Théron, Le Monde Diplomatique Brasil19

.

O assassinato de Al-Zarqawi pelo Exército dos Estados Unidos20 em junho de 2006 levou a

ascensão de uma nova liderança no grupo, Abu Bakr al-Baghdadi. A partir de então, a Al-Qaeda

do Iraque cresceu consideravelmente, aliando-se a outros grupos “jihadistas” e lideranças tribais

sunitas, surpreendendo o próprio governo iraquiano ao controlar importantes cidades e no norte

e oeste do país, como, Mossul, Tikrit e pequenas cidades nas províncias de Salaheddin, Dyala

e quase toda a província Anbar21. A cada nova área controlada pelo grupo somavam-se recursos

econômicos, como os poços de petróleo, e armas, que os radicais islâmicos capturaram do

exército iraquiano e que na verdade eram de origem norte-americana.

Neste ínterim iniciou-se uma guerra civil no Líbano, no Iêmen e na Síria, decorrentes dos

embates entre as forças oposicionistas e os governos autoritários durante a Primavera Árabe.

19 THERON, JULIEN. Funesta rivalidade entre Al Qaeda e a Organização do Estado Islâmico. Le Monde

Diplomatique Brasil. Ano 8, nº91, fev.2015, p.13. 20 Zarqawi foi morto ao norte da cidade de Bagdá, após um ataque aéreo de dois aviões F16, que lançaram uma bomba

de 227 kg sobre o esconderijo. Em seguida, os norte-americanos lançaram uma outra bomba. 21 Com base no artigo A vida sob domínio do Estado Islâmico. Fonte: Birgit Svensson. Deutsche Welle. Também

disponível em http://www.cartacapital.com.br/internacional/a-vida-sob-dominio-do-201cestado-islamico201d-6826.html

Fuzileiros navais dos EUA e iraquianos opositores derrubam a estátua de Saddam na

Praça Firdos, em Bagdá. 9 de Abril de 2003. Foto: Wathiq Khuzaie/Getty Images.

23

Em 2011, no mesmo ano em que os governo Barack Obama decidiu retirar as tropas do Iraque

e transferir o controle da segurança para os militares e as forças policiais locais, começava a

Guerra Civil na Síria, um acontecimento tão grave que novamente iria mexer com o equilíbrio –

ou talvez intensificar o desequilíbrio – de todo o Oriente Médio.

De certo modo, podemos dizer que o Síria de Bashar se tornou o novo centro de atração dos

grupos extremistas do Oriente Médio, o que foi paradoxalmente facilitado pelo financiamento dos

rebeldes sunitas moderados pelas monarquias árabes na região (Arábia Saudita, Catar e

outros) e as potências ocidentais. Naturalmente, a intenção destes países não era fortalecer o

“jihadismo”, mas sim destituir o governo alauíta de Bashar al-Assad (2000-16), aliado histórico

do Irã e possível financiador de grupos como o Hezbollah e o Hamas. Por outro lado, ao

financiarem os rebeldes sunitas moderados e enfraquecer o Estado sírio, os opositores do

governo Assad criaram as condições geopolíticas para a expansão de grupos como a Al Qaeda.

Neste cenário, em 2013, Abu Mohammad al-Golani, líder da (Jabhat al-Nusra),

um dos grupos de oposição a Bashar na Síria, admitiu fidelidade ao líder máximo da Al Qaeda,

o médico egípcio Ayman al-Zawahiri, um dos sucessores de Bin Laden. Este ganho de terreno

da Al Qaeda foi acompanhado pelo surgimento de inúmeras outras organizações islâmicas

radicais, entre as quais destacou-se o braço armado iraquiano de Al-Baghdadi, que a partir de

2013 se autodenominou (ou Levante, dependendo da

tradução) Veja a nota22. Assim, o ISIS de Baghdadi, uma vez se expandindo pelo território, passou

a reivindicar liderança sobre os grupos “jihadistas” iraquianos e sírios, situação que provocou

imediata reação das lideranças da Frente al-Nusra e o progressivo rompimento político do ISIS

com as organizações da Al Qaeda.

Não se trata aqui apenas de um “rompimento diplomático”, mas sim da construção de um

movimento ainda mais radical e cuja autonomia o levou a reivindicar liderança política e religiosa

sobre todo o mundo islâmico, sem exceção. Traduzindo em outras palavras: para as lideranças

do ISIS não devem subsistir quaisquer alternativas ao movimento, sejam estas sunitas

moderadas ou de outras correntes, como o xiismo.

Esse projeto do Estado Islâmico foi evidenciado em 29 de junho de 2014, quando foi anunciado

a formação do Califado, uma organização política e religiosa tradicional do Islã, estabelecida

após a morte do profeta e que, por si só, representa por meio dos califas (sucessores) todo

mundo muçulmano, sem as diferenciações em Estados Nacionais e fronteiras estabelecidas no

século XX. Para compreender melhor o conceito, veja o comentário abaixo:

Depois da morte do profeta Maomé, em 632, seus seguidores concordaram com a criação do califado,

que significa sucessão em árabe, como um novo sistema de governo.

O califa é literalmente o sucessor do profeta como chefe da nação e líder da 'umma', comunidade de

muçulmanos, e tem o poder de aplicar a lei islâmica (sharia) na terra do Islã.

22 Como já foi dito anteriormente, existem várias formas de se referir ao que hoje seus militantes chamam de Estado

Islâmico. Dependendo da tradução pode variar para ISIS, ISIL, DAESH, DAEXE, etc. Parece que as intenções do movimento não se restringem ao Iraque e a Síria, mas sim a Mesopotâmia e o Levante, abarcando uma área histórico-geográfica maior do que estes dois países. Seus anseios estendem-se também sobre outras áreas do Oriente e da África. Para muitos no Ocidente, referir-se ao grupo apenas como E.I. é dar demasiado crédito e seus líderes. Preferem, por sua vez, o termo ISIS ou o árabe DAESH, que pode ter inclusive uma conotação negativa.

24

Uma eleição em duas etapas escolheu o primeiro califa: os representantes das comunidades

muçulmanas o designaram antes que seu nome fosse proposto ao povo para que lhe jurasse lealdade.

No entanto, desde o primeiro dia, existe uma disputa entre os muçulmanos sobre o conceito de

califado, que se mantém principalmente como um sistema sunita. Os xiitas acham que o primo e genro

de Maomé, Ali Ibn Talib, e seus descendentes têm o direito divino de dirigir os muçulmanos depois da

morte do profeta.

Os sucessivos califas expandiram o império islâmico da atual Arábia Saudita até territórios no norte

africano e a Península Ibérica. Deste modo, a expansão do território do Islã sempre representou uma

parte do papel do califado. Por exemplo, em seu apogeu, o Império Otomano abarcava o Oriente

Médio e o norte da África, o Cáucaso e partes do leste da Europa. (...)

Quanto tempo esteve vigente o Califado?

Para os muçulmanos mais fervorosos, o califado durou até sua abolição na Turquia como

consequência do desaparecimento do Império Otomano depois da Primeira Guerra Mundial.

No entanto, acredita-se que o califado tenha durado apenas três décadas, durante o governo dos

primeiros quatro sucessores de Maomé, conhecido como os “Quatro Califas Bem Guiados” ou os

“Quatro Califas Ortodoxos”.

Posteriormente, várias dinastias lutaram pelo poder e governaram os territórios do vasto império, como

os Omíadas em Damasco (661-750), os Abássida em Bagdá (750-1258), os Omíadas em Córdoba

(929-1031) e os Otomanos na Turquia (1453-1924).

Apesar de os dirigentes destas dinastias adotarem o título de califa, os processos de sucessão foram

essencialmente hereditários. Em março de 1924, o presidente turco, Mustafa Kemal Atatürk, aboliu

constitucionalmente a instituição do califado.

Trecho adaptado da reportagem Entenda o que é o Califado da AFP. Disponível também no portal do G123.

Muito se debate no cenário internacional sobre até que ponto o Califado do ISIS se aproxima ou

distancia da organização político-religiosa tradicional, existente por séculos após a morte do

profeta. Não seria equivocado afirmar que este pequeno Califado do ISIS, ainda que possua

pretensões expansionistas, além de ser anacrônico para o contexto atual, possui na verdade

muitas divergências com relação aos pilares do Islã. Para muitos muçulmanos, inclusive, a

interpretação “jihadista”, violenta e altamente partidária das escrituras feita por estes grupos

extremistas em nada se assemelha ao próprio islamismo, configurando-se mais como uma

deturpação da fé que mancha a imagem da umma (comunidade muçulmana) em todo globo.

Seja como for, o fato é que após o anúncio do Califado em 2014, o ISIS cresceu de forma

considerável, recebendo a adesão individual de jovens muçulmanos em várias partes do mundo

e ainda de outras manifestações do Islã radical pela África e Oriente Médio. Veja o mapa abaixo:

23 Referências. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/06/entenda-o-que-e-um-califado.html Consulta em 27/03/16.

25

2.4.2 Estado Islâmico e Al Qaeda

“A OEI (Organização do Estado Islâmico) e a Al Qaeda têm em comum a fraternidade dos

combatentes, um apelo a um jihadismo mundial no qual a oumma (umma), a comunidade

muçulmana transcende qualquer outra estrutura social – Estado, nação, etnia, cultura ou língua.

Existem, no entanto, diferenças”.

Fonte: Julien Théron, Le Monde Diplomatique Brasil. Idem a nota 19.

A título de aprofundamento, seria interessante compararmos um pouco os dois principais

grupos radicais islâmicos no cenário atual: a Al Qaeda e o ISIS. Quais suas semelhanças e

diferenças?

Semelhanças existem. Afinal, vale lembrar que o ISIS surgiu no Iraque a partir de um núcleo

diretamente ligado à Al Qaeda, possuindo os mesmos objetivos essenciais: a construção de um

Estado Islâmico, pautados no sistema religioso e jurídico da sharia, que deve evitar

interpretações e ações de modernização. Além disto, ambos os grupos possuem um discurso

que tente a valorizar a comunidade muçulmana em detrimento de outras manifestações

religiosas e culturais, especialmente aquelas advindas do Ocidente. Ambos são grupos radicais

sunitas, praticam atentados, sequestros e procuram se estabelecer em áreas de conflito.

Por outro lado, conforme apontou Julien Théron na citação que introduziu este tópico, existem

consideráveis diferenças. Em seu artigo, publicado no caderno Le Monde Diplomatique Brasil de

fevereiro de 2015, Théron afirma que a Al Qaeda formou-se a partir dos mujahidins e outros

grupos radicais de algumas comunidades restritas do Afeganistão, Paquistão, Iêmen e do Mali.

No caso do ISIS, a fraternidade básica do grupo é estendida, aceitando-se uma militância mais

ampla, utilizando-se em maior escala que a Al Qaeda dos meios de comunicação, os quais são

mais bem preparados e exploram melhor as redes sociais. Além destes fatos, podemos dizer

que o ISIS, apesar da inegável força de seu líder Abu Bakr al-Baghdadi, ainda é menos

dependente da uma liderança política e religiosa se comparado a Al Qaeda, onde a hierarquia é

26

mais madura e consistente. Deste modo, o movimento Estado Islâmico acaba se sobressaindo

sobre indivíduos. Mas este é um fenômeno que está constantemente se transformando.

Outra diferença diz respeito ao território. Enquanto a Al Qaeda atua sistematicamente em

vários países e pratica atentados que se estendem dos Estados Unidos até a Indonésia, o Estado

Islâmico, apesar de suas ações armadas colaborativas em escala global, possui a priori um

espaço territorial específico, nomeado como Califado, entre o Iraque e a Síria, onde procura

exercer uma soberania. Não se trata para o ISIS de apenas desestabilizar um Estado ou território,

mas controla-lo diretamente. Esta estratégia se mostrou eficaz no sentido de atrair milhares de

combatentes de várias partes do mundo para defender o Califado, do norte africano, passando

pela Europa, o Cáucaso russo e até mesmo no Oriente Médio e na Ásia.

Por fim, e talvez a mais impactante das diferenças, seja o grau de violência empregado nas

ações do movimento. Não obstante a semelhança com relação aos sequestros, atentados

suicidas, infiltração e desestabilização, o ISIS possui uma violência sistemática e cotidiana brutal,

que talvez possua precedente enquanto movimento radical islâmico apenas no regime dos

Talibãs, no Afeganistão, entre 1996-2001. Suas motivações são também mais amplas e

implacáveis do que a Al Qaeda, ultrapassando o discurso antiocidental:

“A estratégia do OEI (Organização do Estado Islâmico, ou ISIS) tem por finalidade uma

dominação clara sobre todos: sunitas moderados, xiitas, alauítas, cristãos, judeus, yazidis,

alevitas. O antixiismo, a luta contra os curdos julgados ímpios e a inferioridade das outras

crenças constituem fundamento ideológico para o OEI, enquanto a Al Qaeda se edificou

sobre motivações antiocidentais.

A violência desenfreada da OEI exprime um paradigma muito claro: a ausência total de

concessões. Enquanto a Al Qaeda se financia com os resgates de seus reféns libertados, a

OEI os executa publicamente. Esse extremo radicalismo serve para atrair adeptos, os qua

acham que não é mais possível nenhuma coexistência com o resto do mundo. (...)

Fonte: Julien Théron, Le Monde Diplomatique Brasil.

2.5 A erradicação do Estado Islâmico

Uma das prioridades da agenda internacional desde o segundo semestre de 2014 é o combate

ao Estado Islâmico, haja visto que o grupo extremista prejudica os interesses dos vários atores

regionais e internacionais, sejam aqueles – como as monarquias sunitas e as potências

ocidentais – que almejam a derrubada de Bashar al-Assad, ou mesmo daqueles que, tais como

o Irã, o Hezbollah e o próprio governo alauíta sírio, veem na expansão territorial e militar do ISIS,

com seu discurso anti-xiita, uma clara ameaça de sobrevivência. Os curdos, desde o início da

expansão do grupo, são inimigos declarados, configurando-se como uma força potencial de

contenção do ISIS, e para tal recebem internacional. Para Israel, apesar dos interesses comuns

em destituir Bashar, a expansão do Estado Islâmico representa também um recrudescimento no

ódio e na intolerância árabe com relação ao Estado judeu. Para a Turquia, não obstante as

incursões militares dúbias em território sírio com o possível interesse em reprimir o movimento

27

curdo, e o próprio PKK, o ISIS representa também uma falência dos Estados Nacionais

constituídos na região. Além disto, vale lembrar que foi o líder turco Mustafá Kemal Atatürk que,

em março de 1924, dissolveu o último dos grandes califados islâmicos: o turco-otomano.

Deste modo, a ascensão de um novo Califado não interessa a nenhuma das nações

independentes do Oriente Médio e do mundo islâmico. E mais: a progressiva fragilização do

Iraque e da Síria pode favorecer a luta do povo curdo em prol do tão sonhado Curdistão, outro

importante litígio que se estende desde os tratados que puseram fim a Primeira Guerra Mundial

no Oriente Médio.

Diante de tudo isto, caberia a pergunta: como, afinal, podemos erradicar movimentos

extremistas como o Estado Islâmico?

Não resta dúvida que a erradicação do grupo passa necessariamente pela construção de um

processo de paz na Síria e no Iraque, situações delicadas que permitiram o progressivo

fortalecimento destas manifestações “jihadistas”. E o pior: parte sensível da responsabilidade

pela expansão da crise geopolítica no Oriente Médio se deve exatamente as constantes

intervenções estrangeiras, sejam aquelas que financiam os grupos rebeldes sírios tidos como

“moderados”, ou armam os xiitas no poder do Iraque, sejam aquelas que oferecem apoio logístico

ao governo de Bashar al-Assad, como é o caso dos constantes bombardeios russos.

Somando-se a isto, muitos analistas internacionais atribuem parte da responsabilidade pelo

poder do ISIS aqueles que acreditavam que poderiam utilizar-se das revoltas sunitas como

importante fator desestabilizador para os governos xiitas do Iraque e do Irã, além do poder alauíta

na Síria, que se estende desde os anos de 1970. Neste caso, certamente as intenções iniciais

foram subvertidas pelo radicalismo do Estado Islâmico, e seu consequente poder midiático e

militar.

Desde setembro de 2014, os Estados Unidos e seus aliados tentam organizar e fortalecer uma

coalizão internacional contra o ISIS, ao mesmo tempo que os russos se aproximaram o Irã e da

própria Síria, começando a bombardear áreas controladas pelos radicais em outubro de 2015 e

possivelmente outras áreas, que servem de base para os rebeldes contra Bashar24. A

dificuldade de aproximação política entre as principais potências no decorrer de 2015 foi mais

um fator de peso que dificultou o combate ao grupo islâmico. Somou-se a isto a formação, em

dezembro do ano passado, de uma nova coalizão comporta por 34 países da África, Ásia e do

Oriente Médio, liderada pela Arábia Saudita, ampliando o engajamento destes países contra o

ISIS. Com evidentes interesses políticos – veja o caso do Iraque e do Irã, que não participam - a

coalizão representou para muitos analistas um aumento dos ataques a Síria e

consequentemente da destruição de cidades e da infraestrutura do país, bem como dos

24 Até o final de 2015 existiam duas coalizões atuando na Guerra da Síria. A primeira, liderada pelos Estados Unidos e

reunindo algumas nações árabes, europeias e outros países como a Austrália. A outro se formação com o apoio da Rússia a Bashar, além das milícias pró-regime da Síria e o Hezbollah. No final do ano, 34 países do Oriente e da África, liderados pela Arábia Saudita, decidiram também criar uma organização própria.

28

deslocamentos e refúgios de pessoas. No fim das contas quem mais sofre é a população civil,

incluindo os mais de 4,8 milhões de refugiados.

Os primeiros meses de 2016 foram marcados pela decisão por um frágil cessar-fogo entre a

Rússia e os Estados Unidos, assinado em 27 de fevereiro, bem como por algumas tentativas

de negociações de paz indiretas entre o governo Sírio e os rebeldes “moderados”, com mediação

das potências internacionais e das Nações Unidas. Neste último caso, vale ressaltar que em 18

de dezembro de 2015 o Conselho de Segurança aprovou uma resolução em favor das

negociações, da construção de uma agenda de transição política no país no prazo de seis meses

e a organização de eleições em 18 meses. Tal resolução, contudo, encontra fortes resistências

por parte da Síria e seus aliados, especialmente na questão delicada que envolve a saída de

Bashar do poder, sem consenso entre os Estados Unidos e a Rússia.

Diante destes acontecimentos, o combate ao E.I continua em aberto, marcado por avanços e

retrocessos. Neste ponto, parece consenso entre grande parte dos especialistas dentro e fora

das Nações Unidas a conclusão de que o combate ao ISIS por meio apenas de ações militares

aéreas ou terrestres (no caso das Forças Armadas sírias e iraquianas) não será suficiente. Faz-

se necessário mais do que nunca pensarmos em outras estratégias, quem precisam envolver

também a contenção dos recursos econômicos do grupo e também seu forte apelo

internacional de ações eficazes de disseminação do terror e da propaganda. Pontos cruciais que

precisam ser combatidos pela comunidade internacional.

“Nas áreas que conquistou, o EI rapidamente assumiu o controle de bases militares,

depósitos de armas, bancos, hidrelétricas, campos de petróleo e galpões de alimentos,

além de instaurar um governo próprio, com ministérios, cortes islâmicas e aparato de

segurança. A cobrança de taxas e impostos, somadas ao contrabando de petróleo,

sequestros, extorsões e apropriação ilegal de fundos depositados nos bancos, garantiam

ao grupo, em 2014, uma renda estimada em 2 milhões de dólares.”

Estado Islâmico se impõe pela força. Revista Atualidades. Edição 21, 1º Semestre de 2015. P.34

3. RECOMENDAÇÕES AOS DELEGADOS

Todas as considerações feitas até agora procuraram apresentar o comitê e delimitar um

problema, que precisa de solução. Assim sendo, possibilitaram apenas um conhecimento inicial

da temática, assim como procuraram lançar as bases para que os senhores delegados (as)

possam aprofundar nos estudos e pensar em propostas. Lembrem que o Guia de Estudos é

apenas um ponto de partida. Para um bom desempenho é recomendável que cada delegação

procure saber mais sobre o comitê, acerca do tema e da legislação vigente, sem desrespeitar a

política externa do Estado representado.

Além das questões postas acima, recomenda-se também que:

29

Elabore seu DPO (DOCUMENTO DE POSIÇÃO OFICIAL) de forma objetiva, sem extensões

desnecessárias sobre a história do país ou informações geográficas. O mais relevante é o

posicionamento de sua delegação quanto ao problema e possíveis propostas de solução.

As informações básicas sobre o DPO serão fornecidas durante os eventos preparatórios

para a IX SIMUNA. Portanto, procure seus diretores de mesa e informe-se.

Durante os debates, tenha o máximo possível de clareza e objetividade em suas

argumentações, observando as regras de decoro e a seriedade do problema e ser tratado.

Não fuga do tema central: estratégias para a erradicação do Estado Islâmico. Trate de

temas relacionados apenas como forma de reforçar seu posicionamento dentro do comitê.

Enquanto integrantes do sistema de relações internacionais, os senhores delegados

deverão considerar nos debates os principais acordos já estabelecidos sobre o tema. O

conhecimento daquilo que já foi proposto é fundamental. Neste caso, recomenda-se a

consulta das reuniões anteriores do CSNU ou mesmo os encontros diplomáticos entre as

partes envolvidas ocorridos ao longo dos últimos dois anos.

Estude os demais países presentes no comitê. Qual delegação possui problemas

internos e interesses semelhantes? Quais defendem interesses divergentes a sua delegação?

Conheça o máximo possível sobre o tema. (Se possível, construa um dossiê com informações

pertinentes aos debates. Registre propostas, dados estatísticos, documentos que possam reforçar sua

argumentação, sugestões de documentos de trabalho, entre outros).

Não se esqueça de pesquisar no site das Nações Unidas, do CSNU, de organizações não

governamentais e universidades.

O Estado que você representa possui problemas semelhantes aquele tratado no comitê?

Neste caso, algum movimento separatista ou guerra civil em curso?

Elabore propostas para o problema. NÃO deixe para fazê-lo apenas com o comitê em

andamento.

Por fim, lembre-se: não é o país que determina o desempenho dos seus delegados, mas

são os delegados que, com sua competência, desenvoltura, interesse e preparo acadêmico

que determinarão o desempenho de cada Estado.

30

4. REFERÊNCIAS

Carta de Princípios da ONU: http://nacoesunidas.org/carta/

Declaração Universal dos Direitos Humanos: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf

Boaventura de Sousa Santos. Charlie Hebdo: Uma reflexão Difícil http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Charlie-

Hebdo-Uma-reflexao-dificil/32618

Excelente reportagem do El País sobre a vida no bairro belga de Molenbeek

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/internacional/1451471467_101355.html

Sobre as terminologias do Estado Islâmico. Qual é a correta?

http://dicionarioegramatica.com.br/tag/nomes-do-estado-islamico/

Reportagem da BBC de outubro de 2014 sobre o Estado Islâmico.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/10/141015_mapas_siria_lab

Infográfico do período espanhol El País com a evolução das áreas controladas pelo EI entre 2014-15.

http://elpais.com/elpais/2016/01/20/media/1453307389_989138.html

Reportagem do El País com os atores envolvidos no conflito na Síria.

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/25/internacional/1453739657_964290.html

__BONELLI, LAURENT. Os caminhos da radicalização. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 8, nº 91, fevereiro de 2015.

Páginas 08-10.

___ THERON, JULIEN. Funesta rivalidade entre Al Qaeda e a Organização do Estado Islâmico. Le Monde

Diplomatique Brasil. Ano 8, nº91, fev.2015, p.13.

31

5. ANEXOS

5.1 Veja no infográfico abaixo a extensa rede de organizações extremistas sunitas*:

* Lembre-se que também existem organizações xiitas, cristãs, ou que não se vinculam com a religião.

Fonte: Funesta rivalidade entre Al Qaeda e a Organização do Estado Islâmico. Julien Théron. Le Monde

Diplomatique Brasil. Ano 8, nº91, fev.2015, p.13.

32

ANEXO 5.2

A vida sob domínio do “Estado Islâmico”

Controlando grande parte do Iraque e da Síria, grupo extremista expulsa "infiéis", cobra aluguel de moradores e proíbe álcool e enlatados

Fonte: Deutsche Welle. 12 de fevereiro de 2015. Autor: Birgit Svensson.

Membros das forças peshmerga curdas e das forças de segurança iraquianas patrulham estrada ao

norte de Kirkuk. Ao norte, o campo de petróleo de Khubbaz pega fogo. Marwan Ibrahim / AFP

É possível ter uma ideia da dimensão da tragédia no Iraque ao se conversar com os passageiros

de um táxi coletivo, viajando de Erbil a Kirkuk. No banco da frente, está um homem grande,

chamado Marwan. Ele pagou 5 mil dinares iraquianos (14 reais) a mais para poder sentar no

lugar do carona.

Outro passageiro é Youssef, que move o olhar do para-brisa aos vidros laterais constantemente,

aparentando estar tenso. O velho Ahmed parece cochilar, mas se revela desperto quando seu

neto ameaça cair de seu colo.

Quase 80 quilômetros separam Erbil, no Curdistão iraquiano, da cidade petrolífera de Kirkuk, que

era controlada por Bagdá até o avanço da milícia terrorista "Estado Islâmico" (EI), em junho do

ano passado.

Apesar dos milicianos terem invadido grande parte do norte do Iraque, Kirkuk é protegida pelas

tropas peshmerga curdas, que foram mais rápidas do que os combatentes do grupo armado

radical.

No banco da frente, Marwan diz que não aguenta mais ficar em Mossul. Ele resistiu em sua casa

até agora, mesmo depois da chegada de cada vez mais combatentes do "Estado Islâmico", que

acabaram por dominar a cidade.

33

"No início, pensávamos que eles iriam sair depois de derrubarem os governantes", diz. Mas as

pessoas que acabaram assumindo a administração eram conhecidas na cidade, já ocupavam

cargos públicos na época do governo de Saddam Hussein. Por isso, segundo Marwan, não

houve grande resistência da população local ao novo regime imposto pelo EI.

O próprio Marwan conseguiu de volta seu cargo na administração pública. "Pensávamos que

seria tudo como antes", diz. Ele não sabia de onde vinha o dinheiro para pagar os salários, mas

o que importava era que tudo era pago em dia.

Após a queda de Saddam, as pessoas já não estavam mais acostumadas com isso. A

interminável disputa entre as facções políticas na cidade e na província e os conflitos com o

governo central em Bagdá impediram o desenvolvimento de Mossul. A corrupção e o nepotismo

se tornaram rotineiros. "As pessoas estavam cansadas", explica Marwan por que a população

de início simpatizou com o Daesh – como o "Estado Islâmico" é chamado no mundo árabe.

Com dois milhões de habitantes, Mossul é a terceira maior cidade do Iraque e a primeira que foi

tomada pelo EI. Em seguida, vieram Tikrit e pequenas cidades nas províncias de Salaheddin e

Dyala e quase toda a província Anbar.

Estima-se que mais de 8 milhões de pessoas estejam vivendo sob o domínio do "Estado

Islâmico" no Iraque e na Síria. Em termos de área controlada, o território do Daesh se estende

do oeste do Iraque até o leste da Síria, com dimensões semelhantes às do Reino Unido. Nesse

meio-tempo, as cidades de Kobane e as montanhas de Sinjar foram recuperadas. Mas essas

foram derrotas mínimas para o EI, considerando-se os 230 mil quilômetros quadrados do califado

autoproclamado.

Quem não conseguiu fugir teve de se submeter aos extremistas. No território controlado, não é

permitido álcool nem música, exceto cantos islâmicos. Além disso, há a segregação por gênero,

ocultando todas as meninas e mulheres.

Isso tudo é demais até para Marwan, um fervoroso sunita, mesmo que ele tenha chance de se

dar bem no regime dos milicianos. O "Estado Islâmico" segue uma interpretação rígida da

jurisprudência sunita. "Mas isso não é vida", argumenta o iraquiano de 46 anos.

Agora, até mesmo a venda de alimentos enlatados foi proibida sob o argumento de que seria

contra a sharia. Assim, os comerciantes tiveram que retirar das prateleiras latas de feijão,

lentilhas, frutas em calda e carne.

Youssef acaba de passar dois dias em Mossul. Ele voltou à antiga residência para buscar

documentos a fim de provar às autoridades que era mais um dos milhares de refugiados. Mas

ele ouviu de vizinhos que o Daesh estava morando em sua casa e, por isso, teve que deixar a

cidade outra vez – sem os papéis.

Quando os radicais islâmicos chegaram a Mossul, os cristãos foram os primeiros a serem

expulsos. O EI tomou suas casas, móveis e jóias, além de raptar e violar as mulheres. Usaram

megafones para pregar a conversão de todos ao islã. Foi iniciada a cobrança da jizya – imposto

para cidadãos não muçulmanos num Estado islâmico. Nessas condições, a maioria dos cristãos

preferiu deixar a cidade.

34

Youssef, de 53 anos, diz que não existem mais cristãos em Mossul. "Depois que os cristãos

foram expulsos, o alvo foram os yazidis", conta o caldeu. Ele pertence ao maior grupo cristão

ANEXO 5.3

Regras de procedimento do Conselho de Segurança

(Adotado pela Conselho de Segurança na primeira reunião do órgão e alterada nas 31ª, 41ª, 42ª, 44ª, 48ª

reuniões, em 9 de Abril, 16 e 17 de Maio e 24 de Junho de 1946; 138º e 222 reuniões, em 4 Junho e 9 de

Dezembro de 1947; 468ª reunião, em 28 de Fevereiro de 1950; 1463º encontro, em 24 de Janeiro de 1969;

1761º encontro, em 17 de Janeiro de 1974; e o 2410º encontro, em 21 de Dezembro de 1982. As antigas

versões das regras provisórias foram emitidas com o símbolo S/96 e Rev. 1-6)

Nações Unidas

Nova York, 1983.

CAPÍTULO I – REUNIÕES

Regra 1

As reuniões do Conselho de Segurança devem, com exceção das reuniões extraordinárias referidas na

regra 4, ser realizadas a pedido do Presidente em qualquer momento em que ele achar necessário mas o

intervalo entre elas não pode exceder 14 dias.

Regra 2

O Presidente deve convocar uma reunião do Conselho de Segurança a pedido de qualquer Membro do

Conselho de Segurança.

Regra 3

O Presidente deve convocar uma reunião do Conselho de Segurança se alguma disputa ou situação chamar

a atenção do sob o Artigo 35 ou o Artigo I I (3) da Carta da ONU ou se a Assembleia Geral fizer

recomendações ou referir qualquer questão ao Conselho de Segurança baseando-se no Artigo 11 (2) ou

se o Secretário-Geral chamar a atenção do Conselho para qualquer questão baseada no Artigo 99.

Regra 4

Reuniões periódicas do Conselho de Segurança baseadas no Artigo 28 (2) da Carta devem ser realizadas

duas vezes por ano, quando o Conselho de Segurança decidir.

Regra 5

Reuniões do Conselho de Segurança devem ocorrer normalmente na Sede das Nações Unidas.

CAPÍTULO II - AGENDA

Regra 6

O Secretário-Geral deve imediatamente chamar a atenção de todos os representantes do Conselho de

Segurança sobre comunicações de Estados, órgãos das Nações Unidas ou do Secretário-Geral relativas a

assuntos que devem ser considerados pelo Conselho de Segurança, de acordo com o estabelecido na

Carta.

Regra 7

35

A agenda provisória de cada reunião do Conselho de Segurança deve ser elaborada pelo Secretário-Geral

e aprovada pelo Presidente do Conselho de Segurança.

Somente itens que tenham sido apreciados pelos representantes do Conselho de Segurança de acordo

com a regra 6, itens cobertos pela regra 10, ou problemas os quais o Conselho de Segurança tenha

previamente decidido deferir, podem ser incluídos na agenda provisória.

Regra 8

A agenda provisória para uma reunião deve ser comunicada pelo Secretário-Geral aos representantes do

Conselho de Segurança pelo menos três dias antes da reunião, mas em circunstâncias urgentes pode ser

comunicada simultaneamente com o anúncio da reunião.

Regra 9

O primeiro item da agenda provisória de cada reunião do Conselho de Segurança deve ser a adoção da

agenda.

Regra 10

Qualquer item da agenda de uma reunião do Conselho de Segurança, que não tenha sido completado

durante a reunião, deve, a menos que o Conselho de Segurança de outra maneira assim decida, ser

automaticamente incluído na agenda da próxima reunião.

Regra 11

O Secretário-Geral deve enviar semanalmente aos representantes no Conselho de Segurança um resumo

de questões pendentes no Conselho de Segurança e o estado alcançado em suas deliberações.

Regra 12

A agenda provisória de cada reunião periódica deve circular entre os Membros do Conselho de Segurança

pelo menos 21 dias antes da abertura da reunião. Qualquer mudança subsequente na, ou adição na agenda

provisória, deve ser informada aos Membros pelos menos cinco dias antes da reunião. O Conselho de

Segurança pode, todavia, em circunstâncias de urgência, fazer adições à agenda a qualquer momento do

período que durar a reunião periódica.

As provisões de regra 7, parágrafo 1, e da regra 9, são válidas também para as reuniões periódicas.

CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÃO E CREDENCIAIS

Regra 13

Cada Membro do Conselho de Segurança deve ser representado nas reuniões do Conselho de Segurança

por um representante credenciado. As credenciais de um representante no Conselho de Segurança devem

ser comunicadas ao Secretário-Geral não menos de 24 horas antes de ele tomar o seu assento no Conselho

de Segurança. As credenciais devem ser emitidas tanto pelo Chefe de Estado ou de Governo ou pelo

Ministro das Relações Exteriores. O Chefe de Governo ou Ministro das Relações Exteriores de cada

Membro do Conselho de Segurança deve ter o direito de sentar no Conselho de Segurança sem a

submissão de credenciais.

Regra 14

Qualquer Membro das Nações Unidas não Membro do Conselho de Segurança e qualquer Estado não

Membro das Nações Unidas, se convidado a participar de uma reunião do Conselho de Segurança, deve

submeter credenciar de um representante nomeado para este propósito. As credenciais desses

representantes devem ser comunicadas ao Secretário-Geral não menos de 24 antes da primeira reunião

para a qual ele foi convidado a participar.

36

Regra 15

As credenciais dos representantes no Conselho de Segurança e de quaisquer representantes nomeados

de acordo com a regra 14 devem ser examinadas pelo Secretário-Geral, que deve submeter um relatório

ao Conselho de Segurança para aprovação.

Regra 16

Enquanto se aguarda a aprovação das credenciais de um representante do Conselho de Segurança de

acordo com a regra 15, esse representante deve ser alocado provisoriamente com os mesmo direitos dos

outros representantes.

Regra 17

Qualquer representante do Conselho de Segurança, para cujas credenciais tenham sido objeto de objeção

no âmbito do Conselho de Segurança, devem continuar a sentar-se com os mesmos direitos que outros

representantes até o Conselho de Segurança decidir sobre a questão.

CAPÍTULO IV – PRESIDÊNCIA

Regra 18

A Presidência do Conselho de Segurança deve ser realizada, de maneira rotativa, pelos Membros do

Conselho de Segurança na ordem alfabética – do alfabeto inglês – dos nomes dos países. Cada presidente

ocupará o cargo por um mês.

Regra 19

O Presidente presidirá as reuniões do Conselho de Segurança e, sob a autoridade do Conselho de

Segurança, devem representá-lo em sua capacidade como um órgão das Nações Unidas.

Regra 20

Sempre que o Presidente do Conselho de Segurança considera que, para o devido cumprimento das

responsabilidades da Presidência que ele não deveria presidir o Conselho durante o exame de uma questão

particular com a qual o Membro que ele representa está diretamente conectado, ele deve indicar a sua

decisão ao Conselho. A cadeira presidencial deve então delegar, para efeitos da apreciação desta questão,

ao representante do Membro seguinte, por ordem alfabética, entendendo-se que as disposições da

presente regra aplicam-se aos representantes do Conselho de Segurança chamados sucessivamente para

presidir. Esta regra não afeta a capacidade de representante do Presidente, como estabelecido na regra

19, ou as suas funções ao abrigo da regra 7.

CAPÍTULO V – SECRETARIADO

Regra 21

O Secretário-Geral atuará neste caráter em todas as reuniões do Conselho de Segurança. O Secretário-

Geral poderá autorizar um substituto para atuar em seu lugar nas reuniões do Conselho de Segurança.

Regra 22

O Secretário-Geral, ou o seu substituto em seu nome, poderá efetuar declarações orais ou escritas ao

Conselho de Segurança sobre qualquer questão em apreço por ele.

Regra 23

37

O Secretário-Geral pode ser nomeado pelo Conselho de Segurança, em conformidade com a regra 28,

como relator de uma questão especificado.

Regra 24

O Secretário-Geral fornecerá o pessoal necessário para o Conselho de Segurança. Este pessoal deve fazer

parte do Secretariado.

Regra 25

O Secretário-Geral deve notificar os representantes do Conselho de Segurança sobre as reuniões do

Conselho de Segurança e de suas comissões e comitês.

Regra 26

O Secretário-Geral será responsável pela preparação dos documentos requeridos pelo Conselho de

Segurança e deve, exceto circunstâncias urgentes, distribuí-los pelo menos 48 horas antes da reunião nas

quais eles serão analisados.

CAPÍTULO VI – CONDUÇÃO DOS ASSUNTOS

Regra 27

O Presidente deve convidar os representantes na ordem na qual eles desejem falar.

Regra 28

O Conselho de Segurança pode criar comissões ou comitês ou um relator para questões específicas.

Regra 29

O Presidente pode conceder prioridade a qualquer relator nomeado pelo Conselho de Segurança.

O Presidente de uma comissão ou comitê ou relator designado pela comissão ou comitê para apresentar

seu relatório, pode ter primazia com a finalidade de explicar o relatório.

Regra 30

Se um representante suscita uma questão de ordem, o Presidente comunicará de imediato a questão. Se

for contestada, o Presidente submeterá sua decisão ao Conselho de Segurança para uma decisão imediata

e subsistirá se não for rejeitada.

Regra 31

Propostas de resoluções, emendas e moções substantivas devem ser normalmente colocadas diante dos

representantes por escrito.

Regra 32

Principais propostas e projetos de resolução terão precedência na ordem de sua apresentação.

Partes de uma moção ou de um projeto de resolução devem ser votadas em separado a pedido de qualquer

representante, a menos que o requisitante original conteste.

Regra 33

As seguintes moções terão prioridade na ordem de chamada de todas as principais moções e projetos de

resolução em relação ao assunto, antes da reunião:

38

1. Suspender a reunião;

2. Adiar a reunião;

3. Adiar a reunião para um determinado dia e hora;

4. Referir qualquer assunto a um comitê, ao Secretário-Geral ou a um relator;

5. Pospor a discussão da questão para um determinado dia ou indefinidamente; ou

6. Introduzir uma emenda.

Qualquer moção para a suspensão ou para o simples adiamento da reunião deve ser decidido sem debate.

Regra 34

Não será necessário para qualquer moção ou o projeto de resolução propostos por um representante no

Conselho de Segurança serem destacados antes de serem submetidos a votação.

Regra 35

Uma moção ou um projeto de resolução podem, a qualquer momento, ser revogados, desde que não

tenham sido votados.

Se a moção ou o projeto de resolução tiverem sido destacados, o representante no Conselho de Segurança

que os tenha destacado pode exigir que os mesmos sejam submetidos a votação como sua moção ou o

projeto de resolução, com o mesmo direito de precedência como se o autor original não os tenha retirado.

Regra 36

Se duas ou mais emendas a uma moção ou projeto de resolução forem propostas, o Presidente deve se

pronunciar de acordo com a ordem em que elas devem ser votadas. Normalmente, o Conselho de

Segurança deverá votar em primeiro lugar a emenda que mais modifica a proposta original e, em seguida,

a alteração mais próxima até todas tenham sido postas a votação. Mas quando uma emenda acrescenta

ou exclui do texto de uma moção ou de um projeto de resolução, esta emenda deverá ser votada primeiro.

Regra 37

Qualquer Membro das Nações Unidas que não seja um Membro do Conselho de Segurança pode ser

convidado, por uma decisão do Conselho de Segurança, a participar, sem direito a voto, na discussão de

qualquer questão submetida ao Conselho de Segurança quando o Conselho de Segurança considere que

os interesses deste Membro possam ser especialmente afetados, ou quando um Membro traz uma questão

para o Conselho de Segurança, de acordo com Artigo 35 (1) da Carta.

Regra 38

Qualquer Membro das Nações Unidas convidado em conformidade com a regra anterior, ou na aplicação

do Artigo 32 da Carta, a participar nas discussões do Conselho de Segurança, pode submeter propostas e

projetos de resolução. Essas propostas e projetos de resolução podem ser colocados a votação somente a

pedido de um representante do Conselho de Segurança.

Regra 39

O Conselho de Segurança pode convidar Membros do Secretariado ou outras pessoas, que ele considerar

competentes para o propósito, para fornecer-lhe informações ou para dar assistência na análise de

assuntos de sua competência.

CAPÍTULO VII – A VOTAÇÃO

Regra 40

A votação no Conselho de Segurança deve estar em conformidade com os Artigos pertinentes da Carta e

do Estatuto da Corte Internacional de Justiça

39

CAPÍTULO VII – IDIOMAS

Regra 41

Árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol são os idiomas tanto oficiais como de trabalho do Conselho

de Segurança.

Regra 42

Discursos feitos em qualquer dos seis idiomas do Conselho de Segurança devem ser traduzidos nos outros

cinco idiomas.

Regra 43

[Excluída]

Regra 44

Qualquer representante pode fazer um discurso em um idioma que não seja um dos idiomas do Conselho

de Segurança. Neste caso, ele deve providenciar a tradução para um desses idiomas. Interpretações para

os outros idiomas do Conselho de Segurança pelos intérpretes do Secretariado serão baseadas na tradução

feita no primeiro idioma.

Regra 45

As transcrições literais das reuniões do Conselho de Segurança devem ser elaboradas nos idiomas do

Conselho.

Regra 46

Todas as resoluções e outros documentos devem ser publicados nos idiomas do Conselho de Segurança.

Regra 47

Documentos do Conselho de Segurança devem, se o Conselho de Segurança assim decidir, serem

publicados em qualquer idioma que não seja um dos idiomas do Conselho.

CAPÍTULO IX – PUBLICIDADE DAS REUNIÕES, REGISTROS

Regra 48

A menos que se decida o contrário, o Conselho de Segurança deve se reunir em público. Qualquer

recomendação à Assembleia Geral que diga respeito à nomeação do Secretário-Geral deve ser discutida e

decidida em uma reunião privada.

Regra 49

Sujeito às determinações da regra 51, o registro integral de cada reunião do Conselho de Segurança deve

se disponibilizado aos representantes do Conselho de Segurança e aos representantes de quaisquer outros

Estados que tenham participado da reunião até às 10h da manhã do primeiro dia útil seguinte à reunião.

Regra 50

Os representantes dos Estados que tenham participado da reunião devem, no prazo de dois dias úteis após

o prazo indicado na regra 49, informar o Secretário-Geral das eventuais correções que desejarem fazer no

documento integral.

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Regra 51

O Conselho de Segurança pode decidir que, durante uma reunião privada, o registro seja feito em única

cópia. Este registo deve ser guardado pelo Secretário-Geral. Os representantes dos Estados que tenham

participado na reunião devem, no prazo de dez dias, informar o Secretário-Geral das eventuais correções

que desejarem fazer nesse registo.

Regra 52

Correções que tenham sido solicitadas serão consideradas aprovadas se o Presidente for da opinião de

que elas são suficientemente importantes para serem apresentadas aos representantes do Conselho de

Segurança. Neste último caso, os representantes do Conselho de Segurança deverão apresentar no prazo

de dois dias úteis quaisquer comentários que desejem fazer. Na ausência de objeções neste período de

tempo, o registro deve ser corrigido conforme solicitado.

Regra 53

O registro referido no na regra 49 ou o registro referido na regra 51, para o qual não foram solicitadas

correções no período de tempo exigido pelas regras 50 e 51, respectivamente, ou que tenha sido corrigido

em conformidade com as disposições da regra 52, será considerado aprovado. Deve ser assinado pelo

Presidente e deve tornar-se o registro oficial do Conselho de Segurança.

Regra 54

O registro oficial das reuniões públicas do Conselho de Segurança, bem como os documentos anexos,

serão publicados nos idiomas oficiais o mais rapidamente possível.

Regra 55

No final de cada reunião privada, o Conselho de Segurança deve emitir um comunicado através do

Secretário-Geral.

Regra 56

Os representantes dos Membros das Nações Unidas, que participaram de uma reunião privada, devem, a

qualquer momento, ter o direito de consultar o registro dessa reunião no gabinete do Secretário-Geral. O

Conselho de Segurança poderá, a qualquer momento, conceder o acesso a esse registro aos

representantes autorizados de outros Membros da Organização das Nações Unidas.

Regra 57

O Secretário-Geral deve, uma vez por ano, apresentar ao Conselho de Segurança uma lista dos registros

e documentos que até então tenham sido considerados confidenciais. O Conselho de Segurança decidirá

quais destes serão disponibilizados a outros Membros das Nações Unidas, quais serão tornados público, e

quais deverão permanecer confidenciais.

CAPÍTULO X – ADMISSÃO DE NOVOS MEMBROS

Regra 58

Qualquer Estado que deseje tornar-se Membro das Nações Unidas deve apresentar um pedido ao

Secretário-Geral. Este pedido deverá conter uma declaração feita por um instrumento formal, aceitando as

obrigações contidas na Carta.

Regra 59

O Secretário-Geral deverá colocar imediatamente o pedido de adesão perante os representantes no

Conselho de Segurança. A menos que o Conselho de Segurança decida o contrário, o pedido deve ser

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encaminhado pelo Presidente a um comitê do Conselho de Segurança, no qual cada Membro do Conselho

de Segurança deve estar representado. O comitê deve analisar qualquer pedido referido a ele e apresentar

suas respectivas conclusões ao Conselho, não menos de 35 dias antes de uma sessão ordinária da

Assembleia Geral ou, se uma sessão especial da Assembleia Geral for solicitada, não antes de 14 dias

antes da sessão em questão.

Regra 60

O Conselho de Segurança deve decidir se, de acordo com seu julgamento, o requerente é um Estado de

paz, e está capaz e disposto a cumprir as obrigações constantes na Carta e, consequentemente,

recomendar o Estado candidato à adesão.

Se o Conselho de Segurança recomenda o Estado candidato à adesão, deve transmitir à Assembleia Geral

a recomendação com um registro completo da discussão.

Se o Conselho de Segurança não recomenda o Estado candidato à adesão ou adiar a consideração da

candidatura, deve apresentar um relatório especial à Assembleia Geral com um registo completo da

discussão.

A fim de garantir a consideração de sua recomendação na próxima sessão da Assembleia Geral, após o

recebimento do pedido, o Conselho de Segurança deve fazer sua recomendação em não menos de 25 dias

antes de uma sessão ordinária da Assembleia Geral, nem menos de quatro dias antes de uma sessão

especial.

Em circunstâncias especiais, o Conselho de Segurança pode decidir fazer uma recomendação à

Assembleia Geral sobre um pedido de adesão após os prazos estabelecidos no parágrafo anterior terem

expirado.

CAPÍTULO XI – RELAÇÕES COM OUTROS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS

Regra 61

Qualquer reunião do Conselho de Segurança realizada nos termos do Estatuto da Corte Internacional de

Justiça, para efeitos da eleição dos Membros do Tribunal deve continuar até que tantos candidatos quantos

forem necessários para todos os lugares a preencher tiverem obtido, em uma ou mais cédulas, uma maioria

absoluta de votos.