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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes Carla Sofia Teixeira Guedes Pereira Rebelo Revisão Bibliográfica | Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Orientador Professor Doutor Manuel André dos Santos Gomes Porto, 2015

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

Carla Sofia Teixeira Guedes Pereira Rebelo

Revisão Bibliográfica | Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina

Orientador

Professor Doutor Manuel André dos Santos Gomes

Porto, 2015

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

1

Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

Dissertação de candidatura ao grau de mestre em Medicina, submetida ao Instituto de

Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto

- Artigo de revisão bibliográfica

Autor: Carla Sofia Teixeira Guedes Pereira Rebelo

Endereço: Rua Francisco António Pereira, nº 210, 5371-598 Mirandela, Portugal

Categoria: 6º Ano do Mestrado Integrado em Medicina

Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

Rua de Jorge Viterbo Ferreira, nº 228, 4099-313 Porto, Portugal

Nº de Estudante: 200805454

Contacto Eletrónico: [email protected]

Orientador: Dr. Manuel André dos Santos Gomes

Grau académico: Doutorado

Título profissional: Assistente Hospitalar Graduado de Ortopedia do Centro Hospitalar do

Porto-Hospital Geral de Santo António;

Professor Auxiliar Convidado de Ortopedia do ICBAS

Largo do Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto, Portugal

Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

2

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos que contribuíram para a realização deste projeto.

O meu especial agradecimento ao meu orientador, Professor Doutor Manuel André

dos Santos Gomes, por toda a disponibilidade que teve para me orientar e ajudar durante

todo o desenvolvimento deste trabalho e, especialmente, por tudo que me ensinou ao longo

dos últimos anos.

Ao Dr. Ângelo Encarnação, por toda a ajuda e disponibilidade que teve para mim e

para este trabalho.

Aos meus amigos e namorado agradeço todo o apoio e incentivo que diariamente me

dão.

Á minha família, o meu maior apoio, quero agradecer a confiança que sempre

depositaram em mim ao longo de todo o meu percurso.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

3

INDICE

Agradecimentos ........................................................................................................................................... 2

Indice ............................................................................................................................................................... 3

Resumo ......................................................................................................................................................... 4

Abstract ......................................................................................................................................................... 5

Introdução ..................................................................................................................................................... 6

Material e Métodos ...................................................................................................................................... 7

Epidemiologia e etiologia ........................................................................................................................... 8

Fisiopatologia ..............................................................................................................................................11

Manifestações clínicas ..............................................................................................................................13

Diagnósticos diferenciais .............................................................................................................................. 13

Imagiologia ..................................................................................................................................................16

Classificações .............................................................................................................................................20

Tratamento ...................................................................................................................................................24

Fase Precoce .................................................................................................................................................. 25

Fase Tardia ..................................................................................................................................................... 28

Futuro ............................................................................................................................................................... 28

Prognóstico .................................................................................................................................................31

Conclusão ....................................................................................................................................................33

Referências Bibliográficas ........................................................................................................................35

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

4

RESUMO

A doença de Legg-Calvé-Perthes, descrita pela primeira vez em 1910, é uma forma

juvenil de osteonecrose idiopática da cabeça do fémur, que ocorre em idade pediátrica.

Desde a sua descrição, tem sido alvo de investigação intensa em todas as suas vertentes.

Apesar de mais de 100 anos de investigação, muito está ainda por saber acerca desta

doença, tornando-a um dos temas mais controversos na área da ortopedia pediátrica.

Tendo em conta a controvérsia gerada por este tema, o objetivo deste trabalho é

fazer uma revisão dos conhecimentos atuais acerca desta entidade.

Serão abordados os seguintes temas: etiologia e fatores que influenciam a

incidência, novos conhecimentos da fisiopatologia, manifestações clinicas, principais

diagnósticos diferenciais, exames imagiológicos usados para o diagnóstico, classificações

radiológicas desenvolvidas ao longo do último século, tratamento atual, novas terapêuticas

em desenvolvimento e prognóstico.

A doença de Legg-Calvé-Perthes é uma doença benigna, autolimitada e auto

resolúvel. Na grande maioria dos casos tem um bom prognóstico, contudo, em algumas

crianças, pode deixar sequelas. À luz do conhecimento atual, não há evidência da

superioridade do tratamento cirúrgico relativamente ao tratamento conservador com

acompanhamento regular da criança ao longo do seu desenvolvimento. Deste modo,

atualmente privilegia-se a importância do diagnóstico precoce, instituição de tratamento

sintomático para melhoria da sintomatologia aguda e consultas regulares de follow-up.

Nos últimos 100 anos, os conhecimentos acerca da Doença de Legg-Calvé-Perthes

foram imensamente aprofundados, porém persistem ainda muitas incertezas. Assim, são

necessários mais estudos acerca dos fatores etiológicos, fisiopatologia e tratamento. Um

conhecimento mais profundo da fisiopatologia da doença, poderá abrir as portas a

tratamentos futuros que poderão influenciar o prognóstico, evitando que o desenvolvimento

físico e psicológico da criança seja afetado pela doença.

Palavras-Chave: Doença de Legg-Calvé-Perthes, etiologia, diagnóstico, tratamento,

prognóstico.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

5

ABSTRACT

Legg-Calvé-Perthes disease, described in 1910, is a juvenile form of idiopathic

osteonecrosis of the femural head, which affects patients in pediatric age. Since it was

described, it has been under intense investigation. After 100 years of investigation, much

remains to know about this disease, making it one of the most controversial topics in the field

of pediatric orthopedics.

Given the controversy generated by this theme, the aim of this work is to review the

current knowledge about this entity.

The following topics will be addressed : etiology and factors that influence the

incidence , new knowledge of the pathophysiology , clinical manifestations , main differential

diagnosis , imaging tests used for diagnosis, radiological classifications developed over the

last century , current treatments, new therapeutics under development and prognosis.

Legg-Calvé-Perthes disease is benign, self-limited and self-resolvable. Most of the

patients have a good prognosis; however in some children can leave sequelae. In the light of

current knowledge, there is no evidence of the superiority of surgical treatment compared to

conservative treatment with regular follow-up of the child throughout its development. Thus,

at the present time, the emphasis is in the importance of early diagnosis, institution of

symptomatic treatment to reduce acute symptoms and regular follow-up.

Over the past 100 years, the knowledge about Legg-Calvé-Perthes disease was

greatly deepened, but there are still many uncertainties. Thus, more studies are needed

about etiological factors, pathophysiology and treatment. A better understanding of

pathophysiology of the disease could open the door to future treatments that may influence

prognosis, preventing the physical and psychological development of the child being affected

by the disease.

Key words: Legg-Calvé-Perthes disease, etiology, diagnosis, treatment, prognosis.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

6

INTRODUÇÃO

A doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) foi descrita como entidade clínica há mais

de um século. Em 1910, três investigadores independentes, Legg (EUA), Calvé (França) e

Perthes (Alemanha) relataram uma doença que afetava as ancas das crianças em

desenvolvimento [1, 2]. Apesar da descrição de uma entidade semelhante, propunham

etiologias diferentes; Legg defendia que a doença tinha origem em traumatismos; Calvé

defendia que tinha por base uma osteogénese anormal; Perthes pensava que esta era uma

doença associada a condições inflamatórias. Nos anos subsequentes foram realizados

diversos estudos histológicos, fisiopatológicos e radiográficos de forma a expandir o

conhecimento acerca desta nova entidade nosológica [3]. Apesar de quase um século de

investigação detalhada quer da fisiopatologia quer das manifestações clínicas e

imagiológicas, muitas dúvidas se mantêm e a sua etiologia permanece desconhecida [4].

A DLCP é definida como uma remodelação da epífise femural durante o crescimento,

após uma isquemia idiopática [5]. Assim, é uma forma juvenil de osteonecrose idiopática da

cabeça do fémur, que pode ter consequências a longo prazo [6-8].

Por ser um tema controverso e muito investigado, esta revisão tem como objetivo

reunir os conhecimentos atuais.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

7

MATERIAL E MÉTODOS

A informação usada para a realização desta revisão foi obtida através de pesquisa

em jornais e revistas médicas, bem como através da utilização do motor de busca Pubmed

(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), aplicando a seguinte query: ("legg-calve-perthes

disease" [MeSH Terms] OR ("legg-calve-perthes" [All Fields] AND "disease" [All Fields]) OR

"legg-calve-perthes disease" [All Fields] OR ("perthes" [All Fields] AND "disease" [All Fields])

OR "perthes disease" [All Fields]).

A pesquisa foi feita maioritariamente em Inglês, mas também em Português e

Alemão. Foram selecionados artigos originais de investigação, bem como artigos de revisão

bibliográfica e case-report, publicados nos últimos 10 anos. Contudo, foram ainda utilizados

alguns artigos de anos anteriores, por se encontrarem referenciados em artigos lidos. Os

artigos foram selecionados tendo em conta o seu título e o resumo.

Durante a redação da revisão, foi usado o EndNote® (Versão X7.2.1) para

organização das referências bibliográficas.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

8

EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA

A incidência anual da doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP), em crianças com

idade inferior a 15 anos varia de 0.2/100000 a 19.1/100000 [9]. Afeta crianças entre os 2 e

os 14 anos, com pico de incidência aos 5 anos, nas crianças de raça caucasiana [7, 10].

Atinge principalmente o sexo masculino, com uma proporção 5 para 1 [9-11]. É uma

entidade maioritariamente unilateral [12]; contudo, cerca de 10 a 15% das crianças podem

ter doença bilateral [13].

Há uma variabilidade significativa na sua incidência de acordo com as regiões

geográficas e a raça. Comparativamente às crianças caucasianas, as crianças asiáticas são

menos frequentemente afetadas [9, 10], sendo a incidência na raça negra menor. Num

estudo realizado na Cidade do Cabo, verificou-se que as crianças de raça caucasiana

tinham a maior incidência, as de raça negra uma incidência significativamente menor, e as

de raça mista apresentavam uma incidência intermédia [10, 14]. A latitude influencia a

incidência, sendo um fator preditivo da doença: cada 10° de aumento na latitude está

associado a um aumento de 1,44 vezes na incidência [9]; assim, as incidências mais altas

são encontradas no norte da Europa e as mais baixas nas regiões equatoriais [10]. Existe

também variabilidade entre regiões do mesmo país, demonstrada por estudos realizados no

Reino Unido: no sul da Inglaterra (Wessex) a incidência é, aproximadamente, metade da

observada no Norte (Merseyside) [10, 15].

Foram também encontradas algumas diferenças dentro de pequenas cidades, o que

levou vários investigadores a questionar quais as causas que justificariam estas

divergências. Verificou-se que crianças de classes sociais mais baixas tinham maior

frequência de DLCP, comparativamente a crianças de estratos sociais mais elevados,

sugerindo uma grande influência ambiental no desenvolvimento desta doença [10].

Foi também encontrada uma associação com a exposição ao fumo do tabaco

durante a vida pré-natal e após o nascimento; esta associação pode ser causada pelo efeito

negativo que o tabaco exerce sobre a coagulação e sistemas fibrinolíticos, levando à

inibição do ativador do plasminogénio [16]. Filhos de mães fumadoras durante a gravidez

têm maior risco de desenvolver a doença [12, 17]; este risco relaciona-se também com a

carga tabágica a que os fetos são expostos (Tabela 1)[10, 12, 18]. A exposição tabágica

exerce também a sua influência após o nascimento, sendo que aproximadamente 64% das

crianças com DLCP habitam com, pelo menos, um familiar fumador [12, 19].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

9

Tabela 1 - Exposição fetal ao tabaco e risco de DLCP

Cigarros/dia Risco de DLCP

<10 1.44

>10 2.1

Estudos realizados em 1978, relativos à observação do crescimento das crianças

com DLCP, revelaram uma alteração no seu crescimento global, exceto no crescimento

craniano. A restrição do crescimento ocorre num padrão distal, afetando principalmente as

mãos e os pés [10, 20]. Também o peso à nascença foi associado à DLCP; observou-se que

crianças com um peso ao nascimento inferior a 1500 gramas têm maior risco de

desenvolver a doença [10].

Alterações na coagulação podem estar associadas ao desenvolvimento de DLCP;

vários estudos têm demonstrado uma relação entre mutações no fator V de Leiden e DLCP

[12, 13]. Esta mutação provoca um estado de hipercoagulabilidade que facilita a necrose da

cabeça femural. As evidências relativas à associação entre a DLCP e outras coagulopatias

permanecem ainda controversas [10, 12].

Várias malformações congénitas foram encontradas em crianças com DLCP,

incluindo anormalidades génito-urinárias e espina bífida oculta [10, 12].

As alterações psicológicas e comportamentais associadas ao desenvolvimento de

DLCP têm sido alvo de muita investigação. Foi proposto que distúrbios de hiperatividade e

défices de atenção estivessem relacionados com o seu desenvolvimento. Esta teoria seria

explicada pelo facto de as crianças hiperativas serem mais sujeitas a traumatismos, levando

à oclusão vascular, com consequente necrose avascular da cabeça femural [17].

Habitualmente, as crianças com DLCP têm tendência a ser extremamente ativas e têm

maior risco de lesões com necessidade de hospitalização[12, 17, 21]. Em 1993, um estudo

observou que cerca de 33% das crianças com DLCP têm pontuações anormalmente altas

nos questionários de comportamento psicológico infantil, apresentando um padrão de

perturbação de hiperatividade e défice de atenção [22]. Em 2014, Hailer e Nilsson [21],

observaram que crianças com DLCP têm um risco 1.5 vezes superior de desenvolver

distúrbios de hiperatividade, sendo maior nas raparigas. No entanto, Turkmen e Poyanli [17],

não identificaram uma associação com significância estatística. Já na idade adulta, um

estudo realizado na Suécia verificou que aqueles que tiveram a doença na infância têm

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

10

tendencialmente um comportamento hiperativo e de inatenção [23]. Mais estudos são

necessários para perceber se existe associação entre estas duas entidades.

A influência genética e familiar é ainda um assunto de discórdia; diversos autores

relatam casos com história familiar positiva, porém outros estudos não notaram qualquer

associação [12]. Um estudo realizado em crianças da mesma família com DLCP identificou

uma mutação do gene COL2A1 no cromossoma 12q13 [13].

O trauma parece ter um papel importante na etiologia da doença, especialmente o

traumatismo recorrente, devido à interrupção do fluxo vascular [13, 17].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

11

FISIOPATOLOGIA

Muito se tem investigado acerca da fisiopatologia da DLCP, permanecendo o

mecanismo desconhecido. Atualmente é aceite que o evento patológico principal no seu

desenvolvimento é a interrupção do fluxo sanguíneo para a cabeça femural, provocando

necrose isquémica e consequentemente alterações estruturais na cabeça femural em

crescimento [7, 24]. Mantém-se a dúvida se a doença é provocada por um ou múltiplos

episódios de enfarte, sendo ambas as hipóteses observadas em estudos com animais. Um

estudo realizado com biópsias de crianças com DLCP sugere que são necessários pelo

menos dois episódios de enfarte para iniciar as alterações patológicas [7].

O processo patológico afeta a cartilagem articular e a epífise, podendo também

afetar a físe e a metáfise. Na cartilagem as alterações patológicas observam-se na sua

camada profunda, local que funciona como camada de crescimento, com consequente

paragem da ossificação endocondral [24]. A paragem abrupta do crescimento só é

observada em 30% dos doentes, demonstrando que a grande maioria dos doentes continua

a ter uma placa epifisária funcionante [24].

A evolução da doença processa-se a partir de 4 estadios, observáveis nas

radiografias (Tabela 2).

Tabela 2 - Estadios de Waldenstrom da DLCP [7]

Estadios Achados Radiográficos

I – Necrose Avascular

(Densidade aumentada)

Núcleo de ossificação menor e com maior densidade radiológica Alargamento do espaço articular medial

Fratura subcondral Quistos metafisários

Achatamento ligeiro do núcleo de ossificação

II – Fragmentação (Reabsorção)

Núcleo de ossificação com regiões radiolucentes e fragmentado Achatamento mais acentuado do núcleo de ossificação

Subluxação da cabeça femural Demarcação de fragmento central radiodenso do pilar medial e lateral ou achatamento

total da cabeça femural

III – Reossificação (Processo de cura)

Osso recém-formado na porção medial e lateral da cabeça femural A porção central e anterior da cabeça femural são as últimas a reossificar

Desaparecimento do fragmento radiodenso Melhoria ou agravamento na forma da cabeça femural

IV – Cura Densidade normal da cabeça do fémur

Forma da cabeça femural pode mudar até à maturidade óssea

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

12

A deformidade da cabeça femural é a sequela mais importante da DLCP [7],

iniciando-se quando as forças aplicadas devido ao peso e movimento são maiores que a

capacidade de resistência. Estudos recentes defendem que, durante a fase avascular, o

conteúdo aumentado de cálcio no osso necrótico aumenta a sua fragilidade, tornando-o

mais suscetível a pequenas lesões. Estas aumentam devido à ausência de osteoblastos,

osteócitos e osteoclastos [24]. A necrose da cabeça femural provoca sinovite, hipertrofia da

cartilagem articular e do ligamento redondo. As alterações nos tecidos moles associadas a

contracturas musculares provocam exteriorização lateral da cabeça femural [25]. Quanto

maior for a exteriorização da cabeça, maior será a propensão para ocorrer deformação;

quando a extrusão da cabeça femural exceder os 20%, a deformação irreversível da mesma

é quase inevitável. Tendo em conta os estadios da doença, sabe-se que a exteriorização

ocorre de forma gradual nos estadios iniciais, tornando-se abrupta no final da fase de

fragmentação, iniciando-se o processo de deformação [25].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

13

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Habitualmente as crianças são trazidas ao médico devido à claudicação, associada

ou não a dor [1, 4, 13]. O segundo sintoma de apresentação mais comum é a dor, sendo

mais frequentemente localizada na região da virilha e, muitas vezes, presente apenas

durante a atividade física [4, 13]. A dor localizada na face anterior da anca e face medial da

coxa pode provocar marcha antálgica [13]. Muitas crianças queixam-se de dor no joelho,

sendo uma dor irradiada da anca [4, 26]. Em todas as crianças com dor no joelho deve ser

feito um exame cuidadoso da anca.

É frequente existir uma limitação na mobilidade da anca, nomeadamente na abdução

e rotação interna, podendo causar marcha de Trendelenburg [1]; nos casos graves, pode

ocorrer uma contractura em adução que pode levar a uma diminuição do comprimento

aparente do membro afetado [4]. A flexão e extensão da anca raramente são afetadas [13].

Habitualmente estas crianças apresentam um bom estado geral, não têm febre e

deambulam ativamente [27].

Na abordagem inicial, deve ser realizada uma radiografia da bacia associada a

uma incidência de Löwenstein. Devem ser pedidos exames analíticos, nomeadamente

hemograma, velocidade de sedimentação e proteína C reativa [1, 27]. As radiografias de

punho podem ser úteis para o diagnóstico diferencial, uma vez que as crianças com DLCP

apresentam, habitualmente, um atraso na idade óssea [1]. Estudos recentes verificaram que

os níveis de glicosaminoglicanos urinários estão diminuídos nos doentes com DLCP,

comparativamente aos doentes com sinovite transitória da anca [28]. Este exame pode ser

útil para o fazer o diagnóstico diferencial entre estas duas entidades patológicas.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

A lista de diagnósticos diferenciais da DLCP é ainda longa (Tabela 3). Contudo os

principais diagnósticos diferenciais a ter em conta são a artrite séptica e a sinovite transitória

da anca (Tabela 4). A primeira deve ser sempre investigada devido à sua gravidade e à

necessidade de tratamento imediato para preservação da anca e evitar o desenvolvimento

de sépsis. A segunda pode ser facilmente confundida com DLCP em estadios iniciais,

quando ainda não existe tradução radiográfica.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

14

Tabela 3 - Diagnósticos Diferenciais [1, 4, 26]

Principais Diagnósticos Diferenciais

Sinovite Transitória da Anca Displasia Epifiseal

Artrite Juvenil Idiopática Displasia Espondiloepifiseal

Osteomielite Condroblastoma

Displasia de Meyer Necrose da cabeça do fémur induzida por corticoides

A artrite séptica é mais comum em crianças mais jovens, habitualmente com idade

inferior a 2 anos, mas pode ocorrer na faixa etária dos 3 aos 8 anos. A instalação dos

sintomas é aguda, durante 3 a 5 dias. As crianças apresentam-se febris com uma

temperatura superior a 38,5°C, com dores moderadas a fortes, que não cedem a anti-

inflamatórios não esteroides e recusa em apoiar o peso corporal no lado afetado. Desta

forma, as crianças com artrite séptica têm uma aparência doente, tendencialmente estão

quietas e posicionam a anca ligeiramente fletida, abduzida e em rotação externa, sendo que

qualquer tipo de movimento desencadeará dor. Analiticamente, observa-se leucocitose e

aumento dos marcadores inflamatórios [27].

A sinovite transitória da anca pode ocorrer em qualquer idade pediátrica, contudo é

mais frequente entre os 3 e os 8 anos, e afeta preferencialmente o lado direito. Tal como na

artrite séptica, a sintomatologia desenvolve-se ao longo de poucos dias, a dor pode ser

moderada ou forte e as crianças evitam o suporte de peso no lado afetado. Estes doentes

apresentam-se sub-febris com uma temperatura inferior a 38°C, têm uma aparência

saudável, brincam, mas evitam a movimentação da anca e claudicam. Analiticamente não

apresentam alterações no hemograma, e tem uma ligeira elevação dos marcadores

inflamatórios [27]. Sempre que uma criança com idade dentro da faixa etária típica da DLCP

se apresentar com uma sinovite transitória que persiste ao longo de várias semanas, deve

realizar rapidamente uma radiografia ou ressonância magnética, para excluir DLCP [4, 26].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

15

Tabela 4 - Diagnóstico Diferencial entre Sinovite Transitória, Artrite Séptica e DLCP [27]

Sinovite Transitória Artrite Séptica DLCP

Início dos sintomas 3-5 dias 3-5 dias Semanas a meses

Febre Sub-febril <38ºC >38,5ºC Sem febre

Aparência Saudável Doente Saudável

Marcha

Claudicante, sem apoio de

peso no lado afetado

Não caminha e não apoia

peso no lado afetado

Marcha

claudicante/Normal

Dor Ligeira a grave Moderada a Grave Ligeira a Moderada

Leucograma Normal <12.000 >12.000 Normal

Velocidade de

Sedimentação <40 >40 Normal

PCR Normal <20 >20 Normal

Outros diagnósticos diferenciais menos frequentes podem surgir. A displasia

epifisária deve ser considerada quando se observa um envolvimento simétrico de ambas as

ancas. Desta forma, apresentações atípicas de DLCP devem fazer levantar a suspeita de

displasia de Meyer e outras condições osteonecróticas, tais como hipotiroidismo, doença de

Gaucher, defeitos no armazenamento de glicogénio, anemia falciforme, entre outros (Tabela

5) [4].

Tabela 5 - Doenças associadas a osteonecrose semelhantes à DLCP

Doenças associadas a osteonecrose semelhantes à DLCP

Anemia Falciforme

Talassemia

Trissomia 21

Síndrome Tricorrinofalângico

Acondroplasia

Doença de Gaucher

Hemofilia

Hipotiroidismo

Síndrome de Kleinefelter

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

16

IMAGIOLOGIA

Várias técnicas imagiológicas estão disponíveis para avaliação da DLCP. A

imagiologia é usada não só para o diagnóstico, mas também para avaliar a gravidade da

doença, detetar precocemente as formas graves, determinar o seu estadio e ajudar no

planeamento da abordagem terapêutica [29].

A radiografia continua a ser a modalidade imagiológica mais útil para o diagnóstico

de DLCP [1, 13]. A avaliação inicial das crianças com suspeita de DLCP passa pela

realização de uma radiografia ântero-posterior das duas ancas, para detetar doença

bilateral, associada a uma incidência de Lowenstein [4, 26, 27, 29]. Adicionalmente, a

radiografia permite excluir outros diagnósticos diferenciais que se manifestam por dor na

anca, tais como osteomielite, tumores benignos, malignos e trauma [27]. Os sinais

radiográficos raramente estão presentes até a doença estar completamente estabelecida.

Em fases iniciais da doença as radiografias podem ser totalmente normais, podendo ser

imagiologicamente inocente durante os primeiros 3 a 6 meses [1, 13, 29]. Em fases iniciais

pode observar-se um ligeiro achatamento da cabeça femural, esclerose e um sinal

crescente [27]. É frequente que o início da dor coincida com o início da fase de reabsorção

radiográfica, durante a qual se evidência a linha de fratura e as calcificações dispersas na

cabeça do fémur. Observa-se um alargamento do espaço articular medial, causado pela

efusão e espessamento da cartilagem. A anca afetada apresenta um núcleo de ossificação

menor e uma densidade radiológica aumentada, que normaliza progressivamente durante a

fase de reossificação com a reconstrução do prato subcondral. Com a progressão da

doença podem ocorrer alterações acetabulares, como bicompartimentalização e ísquio

varum [1]. Catterall [30] descreveu alguns achados radiográficos associados a um

prognóstico pior, aos quais chamou “sinais de cabeça em risco” [1, 4]:

Sinal de Cage – segmento osteoporótico visualizado na face lateral da epífise;

Calcificação lateral da epífise – surge com a reconstituição da cabeça femural e

representa a porção anterior do fragmento lateral viável da epífise;

Subluxação lateral – manifesta-se por um aumento inferomedial do espaço articular;

Horizontalização da linha epifisária – observada nos doentes que têm um

envolvimento quase total da cabeça do fémur.

Desta forma, a radiografia é usada também para o follow-up e para avaliação do

prognóstico destes doentes.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

17

A ecografia é muitas vezes usada como um meio complementar para deteção de

alterações na cabeça femural. Tem como vantagens o facto de ser um exame que pode ser

realizado rapidamente e de não submeter a criança a radiação ionizante [29]. Mesmo não

sendo específica de DLCP, permite detetar efusão sinovial em fases precoces da doença,

mesmo quando não se observam sinais radiológicos [1]; considera-se que existe efusão

sinovial quando se observa uma distância entre o osso e a capsula articular superior a 2 mm

[27]. Apesar de raramente ser usada na prática clínica nestes casos, a ecografia pode ser

útil no diagnóstico diferencial com sinovite transitória da anca. Ambas se manifestam por

distensão capsular, sendo esta provocada pelo derrame sinovial na sinovite e pelo

espessamento da membrana sinovial na DLCP [1, 29].

A cintigrafia óssea revela alterações mais precocemente que a radiografia

convencional. Estas podem surgir cerca de 3 meses antes das manifestações radiográficas,

permitindo a realização de um diagnóstico em fases mais precoces [1]. Vários

investigadores criaram classificações com base na cintigrafia óssea para preverem o

prognóstico da doença. Em 1993, Conway [31] descreveu uma classificação que se

relacionava com o prognóstico dos doentes; contudo, esta descrevia apenas o padrão

associado à revascularização e recanalização que se observa na cintigrafia, não fazendo

qualquer referência à extensão do envolvimento da epífise [29]. Em 2006, Campenhout e

Moens [32] encontraram uma correlação entre o padrão de revascularização observado na

cintigrafia e as classificações radiográficas de Catterall e Herring [29]; estes autores

recomendaram a realização de cintigrafias seriadas, realizadas à data do diagnóstico e após

5 meses. As cintigrafias seriadas levam a um diagnóstico e tratamento mais precoce e,

consequentemente, melhores resultados futuros [29]. Apesar das vantagens demonstradas,

o facto de expor as crianças a doses de radiação significativas, limita muito o seu uso na

prática clínica [1].

A artrografia complementa os achados encontrados nas radiografias,

funcionando como um exame adjuvante [1]. Habitualmente, não tem grande utilidade em

fases precoces da doença, porque pode mostrar-se normal ou com ligeiro achatamento da

cabeça femural [29]. Permite avaliar a amplitude do movimento e a capacidade de

contenção da cabeça do fémur pelo acetábulo e, também, orientar o tratamento [1, 29].

Deve realizar-se em ambiente esterilizado, com o doente sob anestesia geral. Avaliam-se

três pontos fulcrais: índice de subluxação, presença ou ausência de conflito articular e grau

de abdução [33]. Adicionalmente, em casos de achatamento grave da cabeça femural, a

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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artrografia permite identificar qual a melhor posição de contenção para a cabeça femural no

acetábulo [29]. Nas fases tardias, durante a fase de remodelação, a artrografia é útil para

avaliar se os fragmentos isolados estão livres ou cobertos por cartilagem [29].

A tomografia computorizada (TC) demonstra as alterações associadas à DLCP

tanto nos estadios precoces, como nos tardios. Permite visualizar precocemente o colapso

ósseo, alterações trabeculares subtis e zonas curvilíneas de esclerose. Em fases tardias

podem ser identificados quistos intraósseos [1, 29]. Para além da visualização das

alterações ósseas, a TC fornece informações precisas sobre a anatomia entre a cabeça do

fémur e o acetábulo [29]. Na sua versão tridimensional, permite avaliar a natureza da

deformidade [1, 29]. Apesar das muitas vantagens da TC, estas são ultrapassadas pela

grande exposição dos doentes a radiação ionizante, limitando o seu uso na prática clínica;

atualmente, a TC é usada quando os restantes exames não fornecem informações precisas

para o diagnóstico [27].

A ressonância magnética nuclear (RMN) é uma modalidade imagiológica

sensível para o diagnóstico de DLCP e que fornece uma informação mais compreensível,

independentemente do estadio da doença [13]. É um exame não invasivo e que não expõe

os doentes a radiação [29, 34]. As imagens demonstram a localização e extensão do enfarte

da cabeça femural e permitem uma excelente visualização anatómica das superfícies

articulares envolvidas [1, 29, 34]. No geral, ao analisar as imagens, avalia-se o formato da

cabeça femural, o seu grau de exteriorização e subluxação e presença ou ausência de

eversão do labrum acetabular [29]. É possível identificar irregularidades na físe tanto nos

doentes com alterações da metáfise nas radiografias convencionais, como naqueles que

ainda não apresentam essas manifestações radiológicas. Assim, a RMN é um exame mais

sensível para detetar alterações na físe, quando comparada com a radiografia convencional

[34]. Permite também identificar mais precocemente a extensão da necrose óssea, uma vez

que a interface de tecido reparado indica se a área de necrose envolve a placa epifisária.

Nas RMN realizadas 6 meses após o diagnóstico é possível delinear com precisão a

extensão de osso enfartado abaixo da linha de fratura subcondral, definido como uma zona

hipointensa na região subcondral que se mantém após a fase precoce da doença [29, 34].

Nas fases precoces da DLCP, a RMN pode ser uma arma importante no diagnóstico

diferencial. As fases de recuperação têm também tradução imagiológica, surgindo como um

sinal híper-intenso [29]. A RMN contrastada com gadolínio permite avaliar precocemente a

vascularização da anca, com deteção precoce da isquemia epifisária e, consequentemente,

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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previsão do prognóstico da doença [13, 29]. Esta modalidade contrastada pode ser

futuramente usada como alternativa não ionizante à cintigrafia, uma vez que fornece as

mesmas informações relativamente à perfusão da cabeça femural. Pode também ser usada

para substituir a artrografia, na suspeita de subluxação, evitando submeter o doente a um

procedimento invasivo, com anestesia geral[29]. Resumindo, a RMN é útil em qualquer fase

da doença, permitindo um diagnóstico precoce e uma previsão do prognóstico, tem potencial

para substituir exames invasivos e não expõe as crianças a radiação ionizante. Contudo,

tem desvantagens como o seu elevado custo, baixa disponibilidade e necessidade de

sedação em crianças muito pequenas, para que se mantenham imóveis durante a

realização do exame [29].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

20

CLASSIFICAÇÕES

Desde que a DLCP foi descrita pela primeira vez, foram criadas diversas

classificações. A existência de classificações é de extrema importância uma vez que elas,

para além do seu valor prognóstico, permitem ao médico conhecer a evolução natural da

doença e agrupar os doentes com características semelhantes, permitindo uma comparação

dos resultados obtidos pelo tratamento, facilitando a realização de estudos comparativos

[35, 36]. Um sistema de classificação ideal deve ser reprodutível e minimamente afetado

pelo processo de doença.

As classificações da DLCP podem ser enquadradas em três categorias: as que

definem o estadio, as que tentam prever o prognóstico e as que definem os resultados [36].

As classificações de Catterall, de Herring e de Salter-Thompson, são as mais usadas

atualmente [35].

O primeiro a descrever uma classificação radiográfica foi Waldenström em 1938.

Esta classificação divide a evolução da DLCP em 4 estadios: iniciação, fragmentação,

reossificação e cura [1, 4, 36].

Em 1971, Catterall propôs um sistema de classificação que foi mundialmente aceite.

Este sistema de classificação baseava-se no envolvimento epifisário, observado

radiologicamente (Tabela 6) [30].

Tabela 6 - Classificação de Catterall

Grupo Envolvimento Epifisário Gravidade

1 25% (porção anterior) Ligeira

2 50% (necrose central visível) Ligeira

3 75% Grave

4 100% (colapso da cabeça femural) Grave

A classificação dos doentes pode ser feita durante ou após a fase de fragmentação e

não muda com a progressão da doença [29]. Segundo Catterall, o prognóstico é

proporcional ao grau de envolvimento epifisário [30], sendo que o envolvimento da cabeça

femural superior a 50% é considerado dos mais fortes indicadores de prognóstico [1].

Apesar de ser um sistema mundialmente aceite há anos, têm algumas limitações,

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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nomeadamente a grande variabilidade interobservador e o facto de ter de ser realizada

durante ou após o estadio de fragmentação, porque a sua realização antes desta fase pode

levar a uma mudança de grupo posteriormente [1, 4, 35].

A classificação de Salter e Thompson, descrita em 1984 [37], divide os doentes em

dois grandes grupos tendo em conta a extensão da fratura subcondral (Tabela 7) [1, 37].

Esta classificação tem a vantagem de ser muito simples e permite classificar os doentes

antes do estadio de fragmentação, uma vez que a linha de fratura subcondral pode ser

observada na radiografia aproximadamente 8 meses antes de ser possível classificar os

doentes segundo Catterall [1]. Contudo, nem todos os doentes são diagnosticados em fases

precoces e em mais de 2/3 dos doentes não se observa linha de fractura subcondral; além

disso este pode ser um achado radiológico difícil de visualizar [1, 4].

Tabela 7 - Classificação de Salter e Thompson

Grupo Envolvimento da Cabeça Femural Prognóstico

A <50% Melhor

B >50% Pior

Herring [38] dividiu a cabeça femural em três porções às quais chamou pilares. O

pilar lateral corresponde a 15 a 30% da epífise, o pilar central é definido pelo sequestro

central durante a fase de fragmentação e o pilar medial é composto pelos restantes 20 a

35% da cabeça femural [36]. Em 1992, descreveu uma nova classificação que se baseia na

radiolucência do pilar lateral durante o estadio de fragmentação (Tabela 8) [29].

Tabela 8 - Classificação de Herring

Grupo Envolvimento do Pilar Lateral

A Nenhum (sem alterações na altura e densidade)

B >50% da altura original mantida

C <50% da altura original mantida

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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Em 2002, Herring adicionou a esta classificação o grupo B/C, que se divide ainda em

três tipos [36, 39]:

Grupo B/C 1- altura do pilar lateral> 50%, mas com largura de base <2-3 mm.

Grupo B/C2 – altura do pilar lateral> 50%, mas com mínima ossificação.

Grupo B/C3 – altura do pilar lateral é exatamente 50%, deprimido relativamente ao

pilar central

Esta classificação tem sido amplamente estudada, e encontra-se validada para

crianças com idade inferior a 12 anos. A partir desta idade pode já não ter validade, uma vez

que já não ocorre fase de remodelação, levando a uma deformação permanente da cabeça

femural e, consequentemente, pior prognóstico [36]. Apenas pode ser usada na fase de

fragmentação, o que pode constituir uma desvantagem. O uso desta escala tem algumas

limitações tendo em conta as dificuldades no posicionamento das crianças para realização

da radiografia, na realização de medições de forma standardizada e na avaliação da altura

do pilar lateral quando há deformações graves do mesmo [36]; contudo, apesar das

desvantagens, a classificação de Herring tem sido das mais utilizadas e tem mostrado ser a

classificação com maior concordância inter e intraobservadores, e a que melhor se

correlaciona com o prognóstico [35, 36, 40].

A classificação de Herring está fortemente correlacionada com a Classificação de

Stulberg. Em 1981, Stulberg desenvolveu um sistema de classificação, realizado já na fase

de maturidade esquelética, que correlaciona a aparência da cabeça femural e do acetábulo

com o desenvolvimento de artrite degenerativa na idade adulta [41]. Stulberg dividiu os

doentes em 5 classes que podem ser agrupadas segundo a forma da cabeça femural

(Tabela 9). Nesta classificação foi instituído o conceito de congruência da cabeça femural

com o acetábulo[1]; esta classificação é indicadora do prognóstico [1, 40].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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Tabela 9 - Classificação de Stulberg

Classe de Stulberg Descrição Congruência

I Cabeça Femural Esférica – sem coxa magna ou colo femural curto Congruente

II Cabeça Femural Esférica – com coxa magna ou colo femural curto Congruente

III Cabeça Femural Ovoide Congruente

IV Cabeça Femural Achatada – com coxa magna Não Congruente

V Cabeça Femural Achatada – Sem coxa magna Não Congruente

Em 1980, Mose descreveu uma classificação de prognóstico, baseada na

esfericidade da cabeça femural, aplicável na fase de maturidade óssea [42]. A esfericidade

da cabeça femural é medida radiologicamente através do uso de círculos concêntricos

ântero-posteriores e laterais (Tabela 10) [1, 29, 40]. Quanto maior o desvio observado, pior

será o prognóstico do doente. É recomendado que esta medição seja realizada após os 16

anos, uma vez que nesta idade o crescimento termina e não se observam mais alterações

na cabeça femural [29].

Tabela 10 - Classificação de Mose

Desvio da Linha Circular Cabeça femural

1mm Esférica

2mm Esférica, em forma crescente

3mm Não esférica

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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TRATAMENTO

O tratamento da DLCP tem variado ao longo dos últimos 100 anos e, apesar de

muitos anos de investigação, continua a ser um tema controverso. As incertezas relativas ao

tratamento e a dificuldade em delinear “guidelines” podem ser devidas às dúvidas que

permanecem relativamente à etiologia e fisiopatologia subjacente [43]. O tratamento

escolhido para um determinado doente depende da experiência do cirurgião e,

principalmente, de fatores relacionados com o doente e a sua doença. Durante o

planeamento terapêutico há alguns fatores a considerar, nomeadamente a idade da criança

ao início da sintomatologia, presença de exteriorização da cabeça femural, mobilidade da

articulação da anca e estadio de evolução da doença [25, 44].

A interrupção vascular e consequente necrose característica da DLCP é autolimitada,

pelo que a revascularização, em crianças com idade inferior a 12 anos, ocorre durante 2 a 4

anos, ocorrendo substituição do osso necrosado por osso saudável recém-formado [25, 45].

Qualquer tratamento para acelerar a revascularização é desnecessário [45]. A terapêutica

deve ter como objetivos: impedir que a deformação da cabeça ocorra, aliviar a

sintomatologia, restaurar a mobilidade total da articulação da anca e obter uma cabeça

femural contida no acetábulo [25, 43, 45]. Pensa-se que a deformação da epífise ocorre na

fase tardia do estadio de fragmentação. Desta forma, qualquer tratamento com intenção

preventiva deve ser instituído antes desta fase [45-47].

O tratamento pode ser cirúrgico, não cirúrgico (com ou sem contenção) ou apenas

sintomático. O tratamento sintomático assenta na toma de AINE’s (ibuprofeno e

paracetamol) para alívio da dor, associada a períodos de repouso e limitação da atividade

física até melhoria da sintomatologia [48]. Diversos estudos demonstram que crianças com

idade inferior a 6 anos têm prognósticos excelentes apenas com tratamento sintomático,

pelo que é o tratamento de eleição nestes casos [49, 50]. Crianças mais velhas podem ter

prognósticos mais variáveis, pelo que podem ter indicação para atitudes mais interventivas

[49, 51]. Apesar dos vários estudos realizados, ainda não há evidência científica suficiente

para determinar qual o tratamento adequado a realizar. Estudos de longa duração mostram

que a doença é autolimitada e que a grande maioria das crianças não manifesta alterações

articulares até à 5ª-6ª década de vida, altura em que as sequelas se podem manifestar [52,

53]. Na literatura atual existe alguma evidência a sugerir que o tratamento sintomático pode

ser tão eficaz como o tratamento cirúrgico ou com ortóteses [43, 54, 55]. Atualmente, o

tratamento sintomático e expectante com acompanhamento regular do doente é privilegiado

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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relativamente a tratamentos mais invasivos [50]. Caso se desenvolvam sequelas, deverá

proceder-se ao seu tratamento.

O tratamento da DLCP pode ser feito numa fase precoce ou numa fase tardia.

FASE PRECOCE

O tratamento realizado na fase precoce é aquele que se institui antes de ocorrer

deformação da cabeça femural, ou seja, antes da fragmentação. Este tratamento, chamado

de contenção, tem como objetivo reverter ou prevenir a exteriorização lateral da cabeça do

fémur, evitando a sua deformação [25, 43-45]. Contenção é o termo utilizado para descrever

qualquer tipo de intervenção que coloca a porção ântero-lateral da epífise femural dentro do

acetábulo. Pode ser conseguido com intervenção no fémur ou por intervenção no osso

pélvico ou acetábulo [25]. A escolha das crianças que beneficiam do tratamento de

contenção é feita com base na propensão que a epífise tem de se exteriorizar. Sabe-se que

a exteriorização ocorre sempre em crianças com mais de 7 anos, pelo que devem realizar

tratamento de contenção. Nas crianças com idade inferior a exteriorização pode ocorrer ou

não, pelo que devem ser avaliadas sistematicamente e submetidas a tratamento de

contenção imediatamente após se identificar o início da exteriorização [46].

A primeira noção de tratamento não cirúrgico baseava-se na imobilização prolongada

e impedimento do suporte de peso sobre a anca afetada, obrigando a internamentos

prolongados com alectuamento permanente [54]. Considera-se atualmente que o repouso e

a fisioterapia ajudam a recuperar a mobilidade da anca [56]; no entanto, não é considerado

um tratamento de contenção nem se observou que tivesse influência no prognóstico, uma

vez que apesar de diminuir a sintomatologia por diminuição do espasmo muscular, não tem

qualquer influência na prevenção da deformação da epífise. Estas medidas podem ser úteis

na preparação do tratamento de contenção, porém não devem ser usadas como tratamento

definitivo [57].

O conceito de contenção surgiu alguns anos após a descoberta da DLCP [58], mas

foi enfatizado por Harrison[59], aquando da produção de uma nova tala, que permitia

deambulação dos doentes. A mobilização da anca estimula a formação de osso saudável,

previne a atrofia muscular causada pelo repouso, nutre a cartilagem e tem um efeito de

moldagem da epífise [54]. Desde esta altura, surgiram diversas talas que deveriam ser

mantidas até ao final do estadio de fragmentação, altura em que se inicia a formação de

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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osso subcondral, o que demora cerca de 12 a 18 meses. A tala de Petrie e a ortótese de

Atlanta Scottish Rite são as mais usadas; estas duas ortóteses permitem uma ampla

abdução e ligeira rotação interna, com uma ligeira flexão dos joelhos, permitindo uma

deambulação limitada [60, 61]. A abdução faz-se gradualmente, com restauração periódica

da mobilidade articular. A cada 3-4 meses deve realizar-se uma radiografia sem ortótese

[44, 57]. Price e Day [62] observaram que a ortótese é melhor tolerada que as talas em

gesso, porém ambas têm efeitos negativos no comportamento e autoestima das crianças,

levando ao seu desuso.

A congruência entre a cabeça femural e o acetábulo pode ser alcançada através de

intervenções cirúrgicas, como osteotomias pélvicas, osteotomias de varização do fémur

proximal ou combinação de ambas. As cirurgia está indicada quando a doença se manifesta

após os 6 anos de idade e em crianças com mais de 50% da epífise envolvida (Grupo III e

IV de Catterall, grupo B de Salter e Thompson, Grupos B, B/C e C de Herring) [63].

Em 1965, Axer [64] descreveu a osteotomia de varização proximal do fémur, que

consiste na realização de uma osteotomia subtrocantérica em forma de cunha aberta ou

fechada, com fixação segundo o ângulo que permite uma melhor cobertura da epífise (25 a

35º) [65]. É um procedimento com o qual os ortopedistas estão familiarizados e, ao contrário

de outras técnicas, pode ser realizada mesmo sem uma mobilidade articular totalmente

restabelecida [57, 66]. Vários estudos defendem que a realização desta cirurgia em fases

precoces da doença acelera a sua resolução [67]. Assim, a osteotomia de varização

proximal do fémur é considerada um meio de contenção muito útil no tratamento da DLCP.

A principal desvantagem é o potencial encurtamento do membro com coxa brevis e

proeminência trocantérica, sendo isto mais frequente em crianças mais velhas. Apesar

disso, na maioria dos doentes este encurtamento resolve tendo em conta a remodelação e a

estimulação do crescimento observadas [57].

As osteotomias pélvicas podem ser dividias em três categorias: osteotomias de rotação

acetabular, osteotomias de deslocamento medial e acetabuloplastia de Shelf. Todas têm os

mesmos requisitos pré-operatórios: mobilidade total da anca restabelecida, ausência de

irritabilidade residual e deformação epifisária mínima [63]. A osteotomia pélvica mais

utilizada é a osteotomia de Salter, consistindo numa osteotomia transversa do osso pélvico

ao longo da linha que vai do sulco ciático até à crista ilíaca ântero-inferior, provocando uma

rotação lateral e anterior do acetábulo [68]. Idealmente, a cirurgia deve ser realizada até 8

meses após o início da sintomatologia [69]. No pós-operatório é importante que se

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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mantenha a mobilização da anca para evitar a rigidez e recomenda-se o uso de canadianas

para aliviar o suporte de peso na articulação intervencionada. A fixação interna é retirada

após a cura total da anca, aproximadamente 8 a 10 semanas depois da cirurgia [57, 63].

Posteriormente, a criança pode retomar a sua atividade normal, inclusivamente a prática de

desporto. Este procedimento é tecnicamente difícil, pelo que requer muita experiência por

parte do ortopedista. No entanto, quando comparada com a osteotomia proximal do fémur,

apresenta diversas vantagens:

Melhor cobertura ântero-lateral da cabeça femural;

Não provoca encurtamento do membro;

Aumenta 1 cm o comprimento do membro intervencionado;

Melhora a marcha de Trendelenburg;

Remoção facilitada de material cirúrgico;

Sem risco de fratura patológica

Outra técnica usada é a osteotomia pélvica tripla. Este procedimento consiste na

realização de três osteotomias: uma semelhante à realizada no procedimento de Salter,

outra no ramo superior do púbis e, finalmente, uma osteotomia isquial logo abaixo do

acetábulo [70]. Após a realização das osteotomias são colocados enxertos de osso para

permitir a rotação do acetabulo. Estes são fixados temporariamente com fios de Kirschner

para avaliação da posição do acetábulo. Quando se encontra a posição ideal do acetábulo,

os enxertos são fixados permanentemente [71]. Este procedimento permite uma maior

cobertura da cabeça femural achatada e menor risco de conflito entre a cabeça femural e o

acetábulo. Esta técnica é especialmente vantajosa para crianças mais velhas e com DLCP

mais grave [71-73]; apesar de promover uma maior cobertura da cabeça do fémur, tem

maior dificuldade na sua execução, requerendo muito treino e experiência por parte do

cirurgião [57].

A acetabuloplastia de Shelf é um procedimento no qual se estende a margem

acetabular de forma a ter uma maior cobertura da cabeça femural, com maior distribuição do

peso pelas diversas porções do acetábulo [57]. A cobertura mantém-se a longo prazo, sem

interferir na mobilidade da articulação, mesmo após atingir a maturidade esquelética. Pode

ser realizada em doentes de qualquer faixa etária, contudo tem-se observado um melhor

prognóstico em crianças com mais de 9 anos e com doença em estadios mais avançados

[74].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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Um estudo realizado no Centro Hospitalar do Porto verificou que os melhores

resultados eram obtidos com a realização da osteotomia de Salter simples ou associada a

osteotomia de varização femural proximal, seguida pela osteotomia de varização femural

proximal isolada [75].

FASE TARDIA

Nesta fase, qualquer tratamento tem como objetivo minimizar os efeitos da

deformidade da cabeça femural. As crianças diagnosticadas nesta fase têm habitualmente

doença mais grave e apresentam diminuição da mobilidade articular, conflito durante a

abdução da anca e, muitas vezes, achatamento marcado da cabeça femural [25, 76].

As ancas em abdução articular podem ser classificadas em reduzíveis ou não

reduzíveis [76]. Quando as ancas são redutíveis, o tratamento cirúrgico será de contenção e

a escolha da técnica depende da idade da criança, do ângulo do colo femural e da

quantidade de cabeça femural não coberta pelo acetábulo. Quando a anca não é redutível,

significa que tem deformação grave da epífise, pelo que o objetivo principal do tratamento

será restabelecer a congruência da articulação e diminuir o conflito articular. A técnica mais

utilizada nestes casos é a osteotomia femural proximal de valgização, que permite

ultrapassar o conflito articular e tornar a articulação mais congruente [25, 76]. Porém, leva a

um maior descobrimento da cabeça femural, que pode ser resolvido realizando uma

acetabuloplastia de Shelf, que pode não ser necessária nas crianças mais jovens pelo seu

poder de adaptação articular [25]. Apesar de se observar um alívio da sintomatologia e uma

melhoria funcional, só 10% das cabeças femurais se mantém esféricas, sendo que a grande

maioria dos doentes acabam com uma classe de Stulberg III ou IV.

FUTURO

Estudos em animais [77] aprofundaram os conhecimentos acerca da fisiopatologia e

consequências da isquemia da epífise femural a nível mecânico e radiológico. Os novos

conhecimentos levaram à criação de teorias que têm sido a base para a investigação do

tratamento farmacológico.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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Alterações Inflamatórias no estadio de fragmentação

Pensa-se que os mediadores inflamatórios inibam a formação óssea, sendo

responsáveis pelo desequilíbrio entre reabsorção e formação ósseas observadas neste

estadio. Desta forma, uma inibição dos mediadores inflamatórios poderia ser útil para

diminuir a reabsorção óssea. Ainda não se conhece completamente quais os mediadores

envolvidos na DLCP; contudo, após identificar mediadores envolvidos, como o TNF-α,

poderia usar-se fármacos como o infliximab para tratar a DLCP.

Reabsorção Óssea

A principal consequência da reabsorção óssea é o colapso da cabeça femural.

Estratégias anti-catabólicas podem ser úteis para evitar este colapso [78]. Neste

seguimento, o uso de bifosfonados na DLCP, como o ácido zolendronico e o ibandronato,

têm sido amplamente estudado [79]. Os estudos em porcos confirmaram que o uso de

bifosfonados tem efeito protetor contra o colapso epifisário. Kim e Randall [80] observaram

no modelo animal que o ibandronato diminui a deformação da cabeça femural, contudo

verificou-se que ocorria uma diminuição do crescimento dos ossos longos com

administrações sistémicas repetidas deste fármaco. Outros fármacos anti-catabólicos estão

também a ser estudados para tratamento da DLCP, como o denosumab (anticorpo anti-

RANKL). Este fármaco interrompe a osteoclasteogénese e inibe, consequentemente, a

reabsorção óssea, não se observando um atingimento do crescimento ósseo [81]. No

entanto, os seus efeitos sistémicos podem ser marcados [78].

Formação óssea

A formação óssea pode ter um papel no tratamento da DLCP, pelo que tem sido

estudada a administração de proteínas ósseas morfogénicas (BMPs). Este fármaco em

associação com bifosfonatos mostrou uma diminuição na deformação da cabeça e do

número de osteoclastos e um aumento no volume de osso trabecular [82]. Apesar dos

aparentes benefícios, é um tratamento dispendioso, que necessita de um sistema de

administração específico e tem alguns efeitos laterais importantes, nomeadamente a

ossificação heterotópica [78].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

30

Mesmo com as aparentes vantagens destes tratamentos experimentais, é importante

frisar a importância da avaliação periódica dos doentes, para evitar efeitos colaterais como

alterações no crescimento longitudinal, hipocalcemia, alterações da função renal e aumento

da densidade mineral óssea (DMO) [79].

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

31

PROGNÓSTICO

O prognóstico da DLCP pode ser avaliado em três alturas da vida do doente: em

criança, na adolescência quando atinge a maturidade óssea e na idade adulta [83]. Um

número significativo de crianças com DLCP chega à idade adulta sem alterações ou com

mínimas alterações da anca; destas 60 a 80% apresentam excelentes resultados aos 40

anos nas consultas de seguimento [40, 83]. Outras podem desenvolver precocemente

osteoartrose da anca, sendo a principal complicação. Fatores como excesso de peso, perda

progressiva de mobilidade da anca, contratura dos adutores e longa duração da doença

estão habitualmente relacionados com mau prognóstico [40].

Um fator de prognóstico de elevada importância e mundialmente aceite é a idade da

criança aquando do diagnóstico. Os casos que se manifestam antes dos 5-7 anos têm

habitualmente melhor prognóstico do que os que se manifestam em idades mais tardias [40,

83]. Assim, o prognóstico é tanto melhor quanto menor for a idade da criança, podendo ser

explicado pelo maior potencial de crescimento das crianças mais novas, permitindo uma

maior capacidade de remodelação [84].

O sexo parece ter influência no prognóstico. Apesar do sexo feminino ter uma menor

prevalência tem um pior prognóstico, especialmente nas meninas com mais de 8 anos [83].

Isto pode ser devido ao facto da maturidade óssea ser mais precoce no sexo feminino,

diminuído o tempo necessário à remodelação óssea [83].

Os indicadores radiológicos de prognóstico mais importantes podem agrupar-se em

três categorias: extensão do envolvimento da epífise, alterações da metáfise e grau de

subluxação lateral [40]. Quanto maior for a extensão do enfarte epifisário, pior é o

prognóstico [83]. As alterações metafisárias relacionam-se com os “sinais de cabeça em

risco”, com a presença de osteoporose difusa, quistos e alargamento metafisário [40, 83]. O

grau de subluxação lateral é, de todos, o fator de prognóstico mais importante; a subluxação

facilita a ocorrência de deformação da cabeça, sendo que uma exteriorização superior a

20% aumenta a probabilidade de ocorrer deformação da cabeça femural [45, 46, 83, 85]. A

subluxação é o único fator de prognóstico que pode ser modificável pela instituição do

tratamento de contenção, com o objetivo de evitar que a subluxação ocorra ou agrave [83].

Uma das principais mais-valias para a determinação do prognóstico foi a criação de

classificações radiológicas. Segundo Caterall[30], o prognóstico era avaliado em bom,

moderado ou mau tendo em conta o grau de envolvimento epifisário, o grau de achatamento

da epífise e alterações acetabulares. Crianças com mais de 5 anos, sexo feminino, presença

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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de dois ou mais “sinais de cabeça em risco” e doentes do grupo III ou IV apresentam um

prognóstico mais sombrio. Segundo Salter e Thompson[37], crianças classificadas do grupo

A tinham maioritariamente bom prognóstico, ao passo que as do grupo B tinham pior

prognóstico. Observaram também que crianças mais velhas, com perda da contenção

articular e diminuição da mobilidade tinham um mau prognóstico. Na classificação descrita

por Herring[38], crianças com menos de 8 anos classificadas como A, B e B/C

apresentavam um bom prognóstico, enquanto que os doentes com idade superior a 8 anos

e classificados como B ou B/C tinham um melhor prognóstico quando era tratados

cirurgicamente. Consistentemente, crianças do grupo C têm mau prognóstico. Dentro das

classificações com significância prognóstica, segundo Mose[42] o prognóstico é bom,

moderado ou mau quando se observa uma cabeça femural esférica, esférica mas com

formato crescente ou não esférica, respetivamente. Stulberg[41] descreve que os doentes

de classe I e II tem habitualmente bom prognóstico, os de classe IV e V têm

consistentemente mau prognóstico. Os doentes em classe III apresentam um prognóstico

intermediário.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

33

CONCLUSÃO

Os conhecimentos sobre a DLCP têm vindo a aumentar gradualmente ao longo do

último século. No entanto, esta entidade continua a ser um dos temas mais controversos na

área da ortopedia infantil.

As investigações realizadas relativamente à etiologia da DLCP apresentam, muitas

vezes, resultados discordantes, pelo que ainda não se conseguiu definir qual o fator

etiológico que está na base do seu desenvolvimento. Apesar da discórdia, é aceite pela

comunidade científica que é uma doença multifatorial, podendo sofrer influência de fatores

genéticos/familiares e ambientais. Na fisiopatologia, persistem também dúvidas, porém

sabe-se que se desenvolve após uma interrupção do fluxo sanguíneo da epífise femural

[85]. Estudos em animais têm sido muito úteis para perceber quais os mecanismos

patológicos que ocorrem ao longo da evolução da doença, bem como os mecanismos de

remodelação do osso em crescimento. Um melhor conhecimento na fisiopatologia e etiologia

poderia ajudar a definir quais as crianças que têm maior risco de desenvolver esta doença,

permitindo um acompanhamento em fases mais precoces, mesmo ainda antes das

manifestações clínicas.

As opções terapêuticas são variadas não existindo um consenso sobre qual a melhor

técnica a usar. O clínico deve ter presente que o objetivo de qualquer tratamento será

prevenir ou evitar o agravamento da deformação femural, para evitar as sequelas. A escolha

do tratamento deve ser adequada ao doente tendo em conta fatores como a idade e a

gravidade da doença. Ainda não é clara qual a influência do tratamento cirúrgico na

evolução natural da doença, pelo que se observa na prática clinica atual tendência a realizar

tratamento sintomático e expectante, acompanhamento periódico e tratamento posterior das

sequelas, caso necessário. Atualmente, vários estudos em modelos animais têm sido

realizados na tentativa de desenvolver uma terapêutica farmacológica, tendo por base a

fisiopatologia da doença.

Um dos principais avanços ao longo dos anos foi a criação de classificações

radiológicas. Estas permitem uma melhor perceção da evolução da doença, agrupam os

doentes em classes, facilitando a previsão da sua evolução clínica. É importante ter

presente que apesar de muito úteis, todas as classificações descritas tem fatores limitantes

na sua utilização.

O prognóstico é variável, mas na grande maioria dos casos é favorável. Os principais

fatores aceites como modificadores de prognóstico são: extensão da necrose femural, idade

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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de início da sintomatologia e deformidade da cabeça femural com consequente subluxação

articular lateral. Apenas o último fator referido é passível de ser alterado pelos tratamentos

de contenção.

São ainda necessários mais estudos, com maiores amostras e tempos de

seguimento nas diversas áreas da doença. No entanto, é essencial reter que a DLCP é uma

entidade benigna, autolimitada e auto-resolúvel. O diagnóstico precoce é crucial para

tranquilizar os pais/cuidadores, iniciar tratamento sintomático e acompanhamento regular,

com o intuito de evitar que o desenvolvimento físico e psicológico da criança seja afetado

pela evolução natural desta doença.

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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Conhecimentos Atuais sobre a Doença de Legg-Calvé-Perthes

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