conhecimento e uso de plantas medicinais na percepeÇÃo dos moradores do bairro abel lira, em barra...
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CONHECIMENTO E USO DE PLANTAS MEDICINAIS NA PERCEPEÇÃO DOS
MORADORES DO BAIRRO ABEL LIRA, EM BARRA DO GARÇAS -MT
Aline Assunção1
Bruno Simari1
Jéssica Fernanda1
Márcia Andréia1
Simone Pereira1
Tatiane Leão1
Stephania Poleto2
1. INTRODUÇÃO
As plantas medicinais correspondem às mais antigas “armas” empregadas pelo homem
no tratamento de enfermidades de todos os tipos, ou seja, a utilização de plantas na prevenção
e na cura de doenças é um hábito que sempre existiu na história da humanidade. Sabe-se que a
fitoterapia trata-se da utilização de plantas que tenham propriedades medicinais no tratamento
de enfermidades (Oliveira e Akisue, 2008). E é encarada como opção na busca de soluções
terapêuticas, utilizada principalmente pela população de baixa renda, já que se trata de uma
alternativa eficiente, barata e culturalmente difundida (Moraes e Santana, 2001).
O consumo de plantas medicinais tem base na tradição familiar e tornou-se prática
generalizada na medicina popular. Atualmente, muitos fatores têm contribuído para o
aumento da utilização deste recurso, entre eles, o alto custo dos medicamentos
industrializados, o difícil acesso da população à assistência médica, bem como a tendência,
nos dias atuais, ao uso de produtos de origem natural (Simões et al., 1998).
O estudo de plantas medicinais, a partir de seu emprego pelas comunidades, pode
fornecer informações úteis para a elaboração de estudos farmacológicos, fitoquímicos e
agronômicos sobre estas plantas, com grande economia de tempo e dinheiro. Desta forma,
pode-se planejar a pesquisa a partir de conhecimento empírico já existente, muitas vezes
consagrado pelo uso contínuo destas plantas, que deverá ser testado com bases científicas
(Brasileiro et al., 2008.).
1. Acadêmicos do segundo ano de Farmácia-Matutino, das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia, de Barra do
Garças –MT.
2. Mestra e orientadora. Contato: [email protected]
A história do uso de plantas medicinais tem mostrado que elas fazem parte da
evolução humana e foram os primeiros recursos terapêuticos utilizados pelos povos. As
antigas civilizações têm suas próprias referências históricas acerca das plantas medicinais e,
muito antes de aparecer qualquer forma de escrita, o homem já utilizava as plantas e, entre
estas, algumas como alimento e outras como remédio. Nas suas experiências com ervas,
tiveram sucessos e fracassos, sendo que, muitas vezes, estas curavam e em outras matavam ou
produziam efeitos colaterais severos (Dorta, 1998).
Nas referências históricas sobre plantas medicinais, podemos verificar que existem
relatos de seu uso em praticamente todas as antigas civilizações. A primeira referência escrita
sobre o uso de plantas como remédios é encontrada na obra chinesa Pen Ts'ao "A Grande
Fitoterapia", de Shen Nung, que remonta a 2800 a.C (Eldin e Dunford, 2001).
No Egito, antigos papiros1 mostram que, a partir de 2000 a.C., grande número de
médicos utilizavam as plantas como remédio e consideravam a doença como resultado de
causas naturais e não como conseqüência dos poderes de espíritos maléficos. No Papiro
Ebers2, que data de cerca de 1500 a.C., foram mencionadas cerca de 700 drogas diferentes,
incluindo extratos de plantas, metais como chumbo e cobre, e venenos de animais de várias
procedências (Almeida, 1993). Neste mesmo papiro, mencionam-se ainda fórmulas
específicas para doenças conhecidas e, dentre as espécies que aparecem na lista, estão
incluídas algumas utilizadas por fitoterapeutas até hoje (Eldin e Dunford, 2001).
No Ocidente, os registros da utilização da fitoterapia são mais recentes, sendo suas
primeiras prescrições datadas do século V a.C. No começo da Era Cristã, o grego Dioscórides,
em sua obra "De Matéria Médica", catalogou e ilustrou cerca de 600 diferentes plantas usadas
para fins medicinais, descrevendo o emprego terapêutico de muitas delas, sendo muitos os
nomes, por ele apresentados, ainda hoje usados na botânica. Esta obra é tida como a principal
referência ocidental para a área de plantas medicinais até o renascimento, o que mostra sua
importância (Lorenzi e Matos, 2002).
No Brasil, a história da utilização de plantas, no tratamento de doenças, apresenta
influências da cultura africana, indígena e européia (Martins e Castro, 2000). A contribuição
dos escravos africanos com a tradição do uso de plantas medicinais, em nosso país, se deu por
meio das plantas que trouxeram consigo, que eram utilizadas em rituais religiosos e também
1 Planta da família das ciperáceas, cuja haste servia antiga-mente, depois de certa preparação, para fazer uma
espécie rudimentar de papel.
2 Um dos tratados médicos mais antigos e importantes que se conhece. Foi escrito no Antigo Egito e é datado de
aproximadamente 1550 a.C.
por suas propriedades farmacológicas, empiricamente descobertas. Os índios que aqui viviam,
dispostos em inúmeras tribos, utilizavam grande quantidade de plantas medicinais e, por
intermédio dos pajés, este conhecimento das ervas locais e seus usos foi transmitido e
aprimorado de geração em geração. Os primeiros europeus que chegaram ao Brasil
depararam-se com estes conhecimentos, que foram absorvidos por aqueles que passaram a
viver no país e a sentir a necessidade de viver do que a natureza lhes tinha a oferecer, e
também pelo contato com os índios que passaram a auxiliá-los como "guias". Tais fatos
fizeram com que os europeus ampliassem seu contato com a flora medicinal brasileira e a
utilizassem para satisfazer suas necessidades alimentares e medicamentosas (Lorenzi e Matos,
2002).
Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada nº 48/2004 da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA, fitoterápicos são medicamentos preparados exclusivamente
com plantas ou partes de plantas medicinais (raízes, cascas, folhas, flores, frutos ou
sementes), que possuem propriedades reconhecidas de cura, prevenção, diagnóstico ou
tratamento sintomático de doenças, validadas em estudos etnofarmacológicos, documentações
tecnocientíficas ou ensaios clínicos de fase 3. Com o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia as plantas medicinais estão tendo seu valor terapêutico pesquisado e ratificado pela
ciência e vem crescendo sua utilização recomendada por profissionais de saúde (Arnous et al,.
2005).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece, na atualidade, a importância
da fitoterapia, sugerindo ser uma alternativa viável e importante também às populações dos
países em desenvolvimento, já que seu custo é diminuído. Pesquisas realizadas nas
universidades brasileiras já identificaram mais de 350 mil espécies vegetais, o que permite
uma ampla variedade aos possíveis usos medicinais. Entre tantas espécies, apenas dez mil têm
algum uso medicinal conhecido (Rezende e Cocco, 2002).
No Brasil há 100.000 espécies catalogadas, sendo apenas 2000 com uso científico
comprovado. Acredita-se que, atualmente, a prática do uso de plantas medicinais é tida como
a principal opção terapêutica de aproximadamente 80% da população mundial. O mercado
mundial de fitoterápicos movimenta cerca de US$ 22 bilhões por ano. Em 2000 o setor
faturou US$ 6,6 bilhões nos EUA e US$ 8,5 bilhões na Europa. No Brasil estima-se que o
comércio de fitoterápicos seja da ordem de 5% do mercado total de medicamentos, avaliado
em mais de US$ 400 milhões (Pinto et al., 2002). Os dados obtidos em levantamento
realizado pelo Departamento de Comércio Exterior demonstraram que, em 1998, foram
exportadas oficialmente 2.842 toneladas de plantas medicinais. De 1999 para 2000, as vendas
de fitoterápicos aumentaram 15%, contra 4% dos medicamentos sintéticos e já atingem US$
260 milhões/ano. Paraná, São Paulo, Bahia. Maranhão, Amazonas, Pará e Mato Grosso são os
maiores exportadores de plantas medicinais, principalmente para países como: EUA,
Alemanha, Países Baixos, França, Japão, Portugal, Itália, Coréia do Sul, Reino Unido,
Espanha, Suíça e Austrália (Fitoscience, 2003). Em 2010 o mercado de produtos naturais
manteve o forte crescimento visto nos últimos anos, refletindo o interesse crescente dos
consumidores nestes produtos e num estilo de vida mais saudável (Blumenthal et al., 2011)
O aumento do consumo de fitoterápicos pode ser associado ao fato de que as
populações estão questionando os perigos do uso abusivo e irracional de produtos
farmacêuticos e procuram substituí-los por plantas medicinais. A comprovação da ação
terapêutica também favorece essa dinâmica. Além disso, registra-se a insatisfação da
população perante ao sistema de saúde oficial e também a necessidade de poder controlar seu
próprio corpo e recuperar sua saúde, assumindo as práticas de saúde para si ou para sua
família (Leite, 2000).
As plantas medicinais podem ser classificadas por categorias (Rudder, 2002), de
acordo com sua ação sobre o organismo: estimulantes, calmantes, emolientes, fortificantes, de
ação coagulante, diuréticas, sudoríferas, hipotensoras, de função reguladora intestinal,
colagogas, depurativas, remineralizantes e reconstituintes. Algumas características desejáveis
das plantas medicinais são sua eficácia, baixo risco de uso, assim como reprodutibilidade e
constância de sua qualidade. Entretanto, devem ser levados em conta alguns pontos para
formulação dos fitoterápicos de forma correta (Nakazawa, 1999).
O aproveitamento adequado dos princípios ativos de uma planta exige o preparo
correto, ou seja, para cada parte a ser usada, grupo de princípio ativo a ser extraído ou doença
a ser tratada, existe forma de preparo e uso mais adequados. Os efeitos colaterais são poucos
na utilização dos fitoterápicos, desde que utilizados na dosagem correta. A maioria dos efeitos
colaterais conhecidos, registrados para plantas medicinais, são extrínsecos à preparação e
estão relacionados a diversos problemas de processamento, tais como identificação incorreta
das plantas, necessidade de padronização, prática deficiente de processamento, contaminação,
substituição e adulteração de plantas, preparação e dosagem incorretas (Calixto, 2000).
O uso das plantas medicinais deve ser feito cuidadosamente, com muito critério, pois
as mesmas não fazem milagres e podem levar à intoxicação daqueles indivíduos que
desconhecem precauções e contra-indicações destas plantas. Às vezes se imagina que o
produto, por ser natural, não faz mal à saúde, mas sabe-se que o preparo e uso incorreto destas
plantas podem causar conseqüências desastrosas
O presente estudo tem como objetivo o resgate e a valorização do saber popular por
meio da obtenção de informações sobre as plantas medicinais utilizadas pelas pessoas que
habitam o bairro Abel Lira, em Barra do Garças - MT
2. MATERIAL E MÉTODOS
Esta pesquisa foi desenvolvida na cidade de Barra do Garças, situada na região oeste
do estado de Mato Grosso, que apresenta população de 56.560 habitantes, dos quais 28.178
são do sexo masculino e 28.382 do sexo feminino. A altitude está entre 320 metros e a
temperatura média anual 30ºC (podendo chegar aos 40ºC), com duas estações bem definidas:
chuvoso de outubro a maio, e seco de junho a setembro. A baixa umidade relativa do ar
durante os meses de agosto e setembro pode ficar inferior a 20% (IBGE, 2010).
Escolheu-se o bairro Abel Lira, localizado aos fundos do terminal rodoviário Lídio
Pereira, de Barra do Garças – MT. Como é possível perceber na Figura 1 parte do bairro tem
ligação com um fragmento de cerrado, o que motivou sua escolha.
Fig. 1 – Imagem de satélite indicando o bairro Abel Lira em Barra do Garças - MT
Após a escolha do local de pesquisa, elaborou-se um questionário com 13 questões,
seis abertas e sete fechadas que serão aplicadas aos moradores do bairro, preferencialmente
aqueles que possuem o quintal voltado para a mata. As entrevistas com os moradores ocorreu
no mês de outubro de 2011.
Fig. 2 – Imagem de satélite indicando as residências abordadas nesta pesquisa.
Participaram da entrevista os homens ou mulheres, responsáveis pela residência, que
após a explicação da natureza e finalidade do trabalho, aceitaram participar da pesquisa. As
categorias/aspectos analisados serão: plantas mais utilizadas, obtenção, preparo, utilização,
comprovação de resultados e motivo para uso.
Para realização desta pesquisa foram utilizados uma câmera digital Sony Cyber-shot
DSC-S730 7,2 Mega pixels, para fotografar as plantas cultivadas pelos moradores e um
Smartphone Samsung, modelo Galaxy S para captura de áudio de algumas entrevistas.
Também foram utilizados quatro softwares, o Word 2007 para edição dos textos, inclusive do
questionário, o Google Earth versão 6.0.3.2197 para captura das imagens de satélite, essencial
para demonstrar a área a ser estudada e detalhar o espaço demográfico da região, o Adobe
Photoshop CS5 Extended para a edição das imagens que foi utilizado para demarcar o espaço
a ser estudado, e o Excel 2007, utilizado para a análise dos dados quantitativos. Os dados
qualitativos serão analisados após ouvir repetidas vezes as respostas abertas, que em seguida
serão transcritas e interpretadas. As observações e conversas informais também auxiliarão nas
análises qualitativas.
3. RESULTADOS E DISCUSÃO
A partir do levantamento realizado, foi possível traçar o perfil da população estudada,
cuja idade variou dentro da seguinte proporção: 3,33 % tinham entre 15 a 19 anos, 16,66% de
20 a 29 anos, 25% de 30 a 39 anos, 20% de 40 a 49 anos, 13,33% de 50 a 59 anos e 21,66%
tinham acima de 60 anos. O uso de plantas medicinais ocorre de forma mais acentuada entre a
população mais velha, conforme mostra a Gráfico 1.
GRÁFICO 1 - Utilização de plantas medicinais de acordo com a faixa etária da população,
no bairro Abel Lira, Barra do Garças - MT (out/ 2011).
Este fato retrata menor atenção da população mais jovem quanto ao conhecimento
transmitido através as gerações, mesmo que pessoas desta faixa etária tenham acesso à
escolaridade (Brasileiro et al., 2008). De acordo com Medeiros et al. (2004), os meios
modernos de comunicação causam a perda da transmissão oral do conhecimento sobre o uso
de plantas, o que reforça a importância de trabalhos que resgatem o conhecimento
etnofarmacológico da população mais velha, conforme comenta Alexiades (1996), bem como
a necessidade de conscientizar a população mais jovem com relação a esse tipo de
3,33%
16,66%
25%
20%
13,33%
21,66%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
15 - 19 20 - 29 30 - 39 40 - 49 50 - 59 > 60
Cit
açõ
es
Idade (anos)
informação. A maioria dos entrevistados era do sexo feminino (68,33%), acredita-se que no
horário das entrevistas os homens estavam ausentes do domicílio devido à mesma ter sido
realizada no período da manhã, ou seja, horário comercial. Com relação à escolaridade,
16,66% eram analfabetos, 35% freqüentaram o ensino fundamental, 43,33% freqüentaram o
ensino médio e apenas 5% da população amostrada apresentou formação superior. Estudos
realizados em países de primeiro mundo demonstram uma prevalência do uso de fitoterápicos
e outras terapias complementares entre indivíduos com alto nível de escolaridade e renda
(Harnack et al., 2001), o que também tem sido observado nos últimos anos em países em
desenvolvimento como o Brasil (Ribeiro et al., 2005). No entanto, a divergência dos
resultados obtidos neste trabalho se justifica pelo fato de que a população estudada era de
baixa renda, portanto, possui menor nível de escolaridade.
Foram citadas 35 plantas, sendo que a Tabela 1 apresenta as cinco mais citadas pela
população estudada. A designação do mesmo nome popular para diferentes espécies vegetais
dificulta a identificação das plantas utilizadas na medicina caseira, o que ressalta a
importância fundamental da coleta e da identificação botânica em trabalhos deste tipo (Penso,
1980). É comum que espécies diferentes tenham o mesmo nome popular dentro de um mesmo
bairro, como é o caso do boldo, que foi a planta mais citada neste trabalho, fato também
relatado por Somavilla e Canto-Dorow (1996).
TABELA I - Principais plantas utilizadas pela população amostrada no bairro Abel Lira,
Barra do Garças - MT (out/ 2011).
Nome popular Número de citações* Parte da planta utilizada Preparação
Boldo 14 Folhas Chá, infusão, macerado.
Hortelã 13 Parte aérea Chá, infusão, macerado.
Erva-cidreira 10 Folhas Chá.
Capim de cheiro 06 Folhas Chá.
Babosa 05 Folhas Suco, in natura, pasta.
* Cada indivíduo podia citar mais de uma planta medicinal
Quanto à cultivação os resultados mostraram que 83,33% dos entrevistados cultivam
plantas medicinais em seus quintais. Acredita-se que o alto índice encontrado deve-se ao fato
de que o bairro está localizado próximo a um pequeno fragmento de cerrado o que facilita a
cultivação destas plantas. A cultura do uso e cultivo de plantas medicinais, em comunidades
da periferia, constitui importante recurso local para a saúde e sustentabilidade do meio
ambiente urbano (Dias, 2002). Entretanto, é importante a orientação quanto ao cultivo e
manejo correto das plantas medicinais, pois a complementação do conhecimento popular e
científico sobre a produção e o uso de plantas medicinais é fundamental para sua segurança e
eficácia (Brasileiro et al., 2008).
O modo de preparo das plantas medicinais para utilização no tratamento de doenças é
um ponto de grande importância neste estudo visto que daí depende, muitas vezes, a ação
terapêutica da planta utilizada. Neste estudo, 67,56% das citações (incluindo todas as plantas
citadas pelos entrevistados) apontam a preparação na forma de chá como principal meio de
utilização das plantas medicinais, conforme o Gráfico 2. Este processo também foi registrado
como o mais usado em trabalho semelhante realizado por Kubo (1997). Os relatos para “chá”
incluem a utilização da planta tanto na forma de decocção quanto na forma de infusão.
GRÁFICO 2 - Modo de preparo das espécies medicinais utilizadas pela população do bairro
Abel Lira, Barra do Garças – MT (out/ 2011, podendo cada indivíduo marcar mais de uma
alternativa por planta medicinal indicada).
A Tabela 2 apresenta as principais finalidades e a indicação de cinco plantas mais
citadas, pela população estudada, sendo que, muitas vezes, várias plantas foram citadas para
tratamento de uma mesma enfermidade. Em muitos casos, a utilização popular confere com a
literatura (Lorenzi e Matos, 2002). Conforme verifica-se na Tabela II, muitas enfermidades
67,56%
20,27%
5% 4% 2,70%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Chá Macerado Sumo Xarope Suco
Cit
açõ
es
Modo de preparo
primárias, que levam a população a adquirir medicamentos industrializados, com custos
elevados, podem ser tratadas com plantas medicinais com custo muito menor ( Martins et al.,
2000). Este trabalho reforça a necessidade de se orientar a população quanto à utilização das
plantas medicinais que podem ser responsáveis pelo tratamento de muitas doenças primárias,
com bons resultados econômicos e de melhoria da saúde da população de baixa renda.
Entretanto, este objetivo só poderá ser alcançado a partir de trabalho participativo e bem
orientado.
TABELA 2 - Principais afecções e as respectivas plantas medicinais utilizadas pela
população do bairro Abel Lira, Barra do Garças - MT (out/ 2011)
Principais Afecções Número de citações* Principais plantas ultilizadas
Gripe 16 Hortelã, Capim de cheiro
Dores estomacais 15 Boldo, Babosa
Tensão nervosa/ Stresse 11 Erva-cidreira, Erva-doce
Lesão/ Infecção 08 Algodão, Mastruz
Vermífugo 06 Mastruz, Hortelã
* Cada indivíduo podia citar mais de uma planta medicinal
Ao indagar os entrevistados sobre os possíveis efeitos adversos das plantas que faziam
uso como medicamento, 92% responderam não, ou seja, nunca se sentiram mal ao fazerem
uso de tais plantas, resultado semelhante ao de uma pesquisa realizada no Reino Unido que
sugere uma incidência de evento adverso atribuído a fitoterápicos em torno de 7% (Abbott et
al., 1996; Pinn, 2001). Outros estudos realizados em hospitais de Taiwan e Hong Kong
mostraram uma significante admissão hospitalar ocasionado por plantas, variando entre 0,2 a
0,5% (Pinn, 2001). Porém os 8% encontrado nesta pesquisa não devem ser desprezados, pois
esses números vêm crescendo cada vez mais. Segundo Campesato (2005) casos de
intoxicação devido ao uso pouco cuidadoso de plantas medicinais vêm em uma crescente,
onde foram registrados 1.728 casos de intoxicação humana por plantas no país, a Região Sul
foi responsável por 35,7% destes casos. Entre os grandes centros, Porto Alegre destaca-se
como a cidade com o maior número de registros, sendo a sua quase totalidade na zona urbana.
Entre os casos de intoxicação mencionados pelos entrevistados, a planta pião-roxo
(Jatropha curcas), muito utilizada na fitoterapia popular no tratamento de feridas, foi a planta
mais citada (cerca de 38% dos 8% encontrados). Segundo o CIT (centro de informações
toxicológicas) os glicosídios presentes na casca da semente do pião roxo agem deprimindo a
respiração e o sistema cardiovascular e estimulando a musculatura gastrointestinal. A curcina
(principio ativo) age como irritante da mucosa gastrointestinal, tendo ainda, ação
hemaglutinante. Na Tabela 3 encontram-se outros exemplos de substâncias tóxicas presentes
em plantas medicinais (Davis, 1996).
TABELA 3 – Efeitos adversos que podem ocorrer pelo uso de plantas medicinais.
Ao perguntarmos sobre a preferência entre plantas medicinais e medicamentos
industrializados, obtivemos os seguintes resultados: 60% responderam ter preferência pelas
plantas, 36,66% pelos medicamentos industrializados e 3,33% disseram fazer uso dos dois.
(Gráfico 3). Aqueles que optaram pelas plantas, ao serem indagados o porquê da sua
preferência, a grande maioria respondeu que preferiam as plantas por se tratar de um método
de tratamento de baixo custo e por serem natural, o aumento no uso de plantas medicinais está
provavelmente relacionado à deterioração das condições econômicas nos países do terceiro
mundo (Hersch-Martínez 1995). Os que optaram pelos medicamentos industrializados
afirmaram que o mesmo é mais confiável e seu efeito acontece com maior velocidade e os que
disseram fazer uso dos dois responderam que na falta de um usava o outro.
GRÁFICO 3 – Preferência dos moradores do bairro Abel Lira, Barra do Garças – MT entre
medicamentos industrializados e plantas medicinais. (out/ 2011)
Plantas
medicinais
60%
Medicamentos
industrializados
36,66%
Plantas e
Medicamentos
3,33%
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a investigação realizada neste trabalho buscou-se a valorização do saber popular
que secularmente utilizam as plantas com finalidades medicinais, uma vez que esse saber em
algum intervalo de tempo foi/é/será um saber científico (CHASSOT, 2000; 2003).
A partir dos resultados obtidos, verificamos que mesmo tratando-se de uma área
urbana, a utilização de plantas medicinais é bastante difundida, sendo que apenas 3,33% dos
entrevistados não utilizavam plantas medicinais. O uso popular das plantas medicinais
comprova que existem muitas aplicações curativas e preventivas e que o conhecimento –
popular e científico – é imprescindível para se obter os resultados desejados (LIMA, LIMA &
DONAZZOLO, 2007).
De acordo com os dados obtidos, em ambos os sexos e em diferentes faixas etárias,
percebeu-se que a transmissão do saber popular (mesmo que involuntária) em relação à
utilização das plantas aqui estudado, vem ocorrendo de forma significativa. Além disso, foi
possível observar que o saber popular acerca das propriedades medicinais é transmitido por
gerações de entrevistados, ainda na atualidade, se mantém vivo e confiável por grande parte
da população estudada, apesar de que a população mais jovem ainda é uma minoria.
Espera-se com este trabalho contribuir com uma proposta de orientação do uso de plantas
medicinais nas comunidades de menor renda, escolas (Jovens) e profissionais na área de saúde em
Barra do Garças – MT e cidades circunvizinhas.
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